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Resumo: História e Literatura não podem e nem devem ser apenas vistas como disciplinas auxiliares.
Dependendo do contexto a ser analisado, e mesmo no contexto de algumas teorias historiográficas, são
categorias justapostas. Em relação aos estudos sobre o mundo grego antigo, as fontes literárias são
documentos imprescindíveis para a construção do discurso do helenista. Para determinados temas a
serem analisados, por vezes, o estudioso conta apenas com textos escritos. No caso dos estudos
relativos à górgona Medusa, há inúmeras fontes de cultura material que a retratam. Mas a cultura
escrita foi a responsável por cristalizar os poderes deste monstro no pensamento do homem antigo e do
contemporâneo. O objetivo deste artigo é apresentar algumas passagens da literatura antiga em que
Medusa é descrita e analisar como estas fontes auxiliaram no estabelecimento dela no campo do medo.
Summary: History and literature cannot, nor should they just be seen as ancillary disciplines.
Depending on the context being examined, and even in the context of some historical theories, are
juxtaposed categories. With regard to studies on the ancient Greek world, the literary sources are
documents essential for the constrution of the Hellenistic’s speech. For certain topics to be analyzed,
sometimes the scholar account only with written texts. In the case of studies concerning the Gorgon
Medusa there are numerous sources of material culture that portray. But culture writing was
responsible for crystallize the powers of this monster in the thinking man's ancient and contemporary.
The goal of this article is to present some fragments of ancient literature that Medusa is described and
analyse how these sources helped to establish it in the field of fear.
1
Artigo submetido à avaliação em 28/02/2011 e aprovado para publicação em05/04/2011
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Por ter compromisso estético, à literatura não pode ser exigida nenhuma classe de
paralelo com a descrição e interpretação do fato; ao contrário, os parâmetros para
sua crítica situam-se por exclusivo no plano da teoria literária. Além disso, e entre
outros, a literatura joga com um elemento vital: a ambigüidade, a qual abre as portas
da fantasia do leitor. Esse caráter jamais poderá ser aceito pela história, que não
prescinde da razão integralizadora e racional. Tire-se a ambigüidade da literatura e
teremos o relato. Meios-tons, subtexto, zonas crepusculares e inefáveis: eis a
matéria-prima do texto literário. Como se vê, aqui andamos longe dos propósitos da
história (ASSIS BRASIL, 2000, p. 58).
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Coulanges, por exemplo, essas fontes eram consideradas como de maior valor e falavam por
si sós, não necessitando, assim, de comentários ou de interpretações. Aquelas fontes de
cultura material, muitas vezes, serviram apenas para ilustrar ou confirmar as considerações
feitas pelos estudiosos. No entanto, desde o início do século XX tem havido modificações nos
paradigmas historiográficos e, desde a década de 1960 (não consideramos essa dada como
pontual, mas como referência), as fontes materiais e iconográficas ganharam espaço
considerável nas leituras de helenistas e latinistas.
Ao mesmo tempo em que ocorria esta ampliação das fontes antigas consultadas, uma
contenda historiográfica foi ressaltada: a história seria uma ficção? Sua escrita seria aquela da
narrativa literária? História e Literatura teriam a mesma essência? Hyden White foi um dos
pesquisadores que se empenharam em trazer essa discussão à luz e, por isso, foi seguido e
muito criticado. Suas considerações pontuais podem ser encontradas na obra Meta-História.
nela, ele trata a produção dos historiadores como “... uma estrutura verbal na forma de um
discurso narrativo em prosa” (WHITE, 1995, p.11). Dito de outra forma, esse crítico literário
não reluta em considerar as narrativas históricas como ficções verbais, cujos conteúdos são
tão inventados como achados, e cujas formas apresentam muito em comum com as narrativas
literárias (consulte WHITE, 1994, p. 98-116). Em suas palavras:
Diz-se às vezes que o objetivo do historiador é explicar o passado através do
‘achado’, da ‘identificação’ ou ‘descoberta’ das ‘estórias’ que jazem enterradas nas
crônicas; e que a diferença entre ‘história’ e ‘ficção’ reside no fato de que o
historiador ‘acha’ suas estórias, ao passo que o ficcionista “inventa’ as suas. Essa
concepção da tarefa do historiador, porém, obscurece o grau de ‘invenção’ que
também desempenha um papel nas operações do historiador. (WHITE, 1995, p. 22)
Tais assertivas renderam-lhe críticas de alguns autores, como já afirmado. Dentre eles,
citamos Roger Chartier, que assim defendeu o ofício do historiador:
Contra um enfoque dessa natureza, parece-me necessário recordar que o objetivo de
um conhecimento específico é constitutivo da intencionalidade histórica em si. Este
objetivo fundamenta as próprias operações da disciplina: construção de dados,
produção de hipóteses, crítica e verificação de resultados. Ainda que escreva em
forma ‘literária’, o historiador não faz literatura, e isso por causa do fato de sua
dupla dependência. Dependência em relação ao arquivo, portanto, em relação ao
passado do qual este é apegada... Dependência, continuando, em relação aos
critérios de cientificidade e às operações técnicas relativas a seu ‘ofício’.
Reconhecer suas variações não implica, portanto, concluir que estas restrições e
critérios não existam, e que as únicas exigências que freiam a escrita histórica são as
mesmas que governam a escrita da ficção. (CHARTIER, 2001, p. 135-136)
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Tais fontes, em número muito maior do período clássico, deviam atender as exigências
de um público religioso e político, preocupado tanto com os problemas concretos como com
os abstratos; um público que via seus pares morrerem nas guerras e se destacarem na ágora;
que via seus pares se empenhando em agradar os deuses em rituais e festas; que via seus pares
se divertindo nas apresentações teatrais; este público teve na literatura – tragédias e
compilações de mitos, em especial – um espaço importante para a preservação e divulgação
de sua cultura.
No entanto, no século III, vemos o fim da importância política de uma das principais
cidades-Estado gregas, Atenas. Em 146 a.C., a Grécia tornou-se um protetorado romano
chegando mesmo a recuperar certa prosperidade material até os ataques de Sula (88-86 a.C.),
um dos chefes do partido aristocrático em Roma. Em 27 a.C., o território grego passa a ser
uma província romana; no entanto, a cidade protegida por Atena ainda conservou parte de seu
prestígio intelectual, sendo procurada como um centro de estudos filosóficos. Nessa época, a
Literatura perdeu, em parte, sua força criativa, o que não nos permite dizer que foi um período
estéril. Mesmo não aparecendo novas obras dessa categoria, a mitologia foi preservada por
novas formas de escrita. Nesse contexto, os autores passaram a se dirigir a um público
cosmopolita, letrado e culto.
Alguns, como Pierre Grimal, por exemplo, um dos mais renomados estudiosos da
Literatura Antiga, asseveram que as primeiras fontes escritas da mitologia foram produtos de
uma longa evolução no modo de pensar do homem grego que teria dado início às suas
compilações com os intuitos de eternizar os feitos e proezas de imortais e mortais, mas
sobretudo de estabelecer definitivamente os fatos e nomes daqueles que deram origem à sua
tradição (GRIMAL, 1996, p.13-19). Estas primeiras compilações buscaram listar, apresentar
os personagens de forma genealógica, como fez Helanicos de Mitileno. Mas os próprios
gregos da época clássica perceberam muitas incoerências naquelas propostas. Diferentes
versões genealógicas corriam o território e mostravam-se contraditórias.
Para além das compilações, vemos surgir, mais ou menos a partir do terceiro século
a.C., as chamadas coleções. Como uma de suas principais características, temos o
agrupamento de um tipo específico de mito. Como exemplos desse tipo de literatura, podemos
citar as obras Catasterismoi (Transformações nos Astros), de Erastótenes de Cirene,
Descrição da Grécia, de Pausanias, e Biblioteca, de Apolodoro (II a.C.). De acordo com
Grimal, nesse contexto histórico, o que foi escrito “...não é mais que um cadáver
embalsamado, pura matéria de erudição separada de suas fontes vivas” (GRIMAL, 1996,
p.15). Entretanto não podemos deixar de reconhecer a importância desses documentos para a
compreensão da cultura grega.
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Mas o que nos restou de muitas dessas obras literárias são apenas trechos que não
contemplam todo o esforço que foi realizado para se resgatar a tradição. Alguns desses
fragmentos nem ao menos dão indícios do que realmente se tratava tal texto. Esse fato nos
coloca frente a um problema quando da necessidade de se buscar em essas fontes para o
entendimento daquele universo cultural: como trabalhar com a fragmentação, as incoerências
e mesmo as diferentes versões dessa literatura de que dispomos? Até que ponto podemos
confiar nessas fontes fragmentadas? Quais questionamentos podemos direcionar a elas?
Mesmo com tamanha dificuldade, Grimal (1996) nos apresentou um quadro classificatório
(cujos limites são frágeis e por vezes interpenetráveis) de tipos de histórias2: Teogonia ou
Cosmogonia, Ciclos divinos e heróicos, Novelas e Narrativas elementares.
Esse aprisionamento, por meio da escrita, de personagens e episódios míticos teria
iniciado um processo de desbotamento dos mesmos, como pregam alguns estudiosos? A
escrita literária, sem dúvida, fez perder os elementos da encenação da transmissão oral
(entonação da voz, os gestos etc.), todavia, por outro lado, permitiram a perpetuação e
divulgação de uma cultura. Assim, não há um desbotamento de personagens e episódios, mas
novas roupagens lhe são entregues.3 A voz, o gesto, o sorriso aberto ou a cara de espanto
podem ter se perdido, mas a leitura dos atos divinos e heróicos, das ações dos seres imortais
ou mortais inspirou uma nova forma de imaginação.
E uma roupagem muito especial foi aquela introduzida pelas tragédias, pois elas
proporcionaram um aparelhamento distinto do material narrativo. Nelas, a voz e a visão
instituíram diferentes e intricadas relações. Nelas, o movimento da narração foi retomado e os
episódios míticos passaram a ser fixados, escritos nas páginas do teatro. No espaço gráfico da
escrita e no espaço cênico da representação teatral, a atividade simbólica ganhou novos
significados. A literatura cumpriu um de seus papéis, no contexto antigo, de auxiliar da
memória. A literatura escrita veio pôr fim a um grande dilema. Se para muitos “o ouvido é
infiel e a boca é sua cúmplice, frágil, a memória é igualmente enganadora: ela seleciona,
interpreta, reconstrói” (DETIENNE, 1998, p. 105). Então, o texto escrito foi a salvação de
Mnemosyne.
Mas Aristóteles nos advertiu: “Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o
de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a
2
Uma breve explicação dessas terminologias pode ser encontrada em Belleboni-Rodrigues, Renata C. Mito,
Memória e Literatura - O estudo, o conhecimento e a imortalidade de uma tradição. Disponível em:
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=110
3
Sobre as diferenças entre o ouvir e o ver e ler, confira SEGAL, Charles. O Ouvinte e o Espectador. In:
VERNANT, Jean-Pierre (Dir.). O Homem Grego. Tradução de Maria José V. de Figueiredo. Lisboa: Editorial
Presença, 1994.
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“Agamêmnon soergueu o seu escudo que o protegia dos pés à cabeça, bem
trabalhado, impetuoso e belo... Ostentava à maneira de uma coroa a Górgona de olho feroz, de
olhares terríveis, e, em torno, Terror e Derrota.”
4
No decorrer das pesquisas de doutorado, foram selecionados 31 passagens de obras antigas que nos forneciam
importantes referências sobre Gorgó. No entanto, para este artigo foram escolhidos apenas 8.
5
Tradução baseada no original grego e nos textos estabelecidos e traduzidos por Paul Mazon, 1955 e Robert
Fitzgerald, 1974.
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divindades como Derrota, Discórdia, Valentia, Perseguição, Ares e Medo. Como também
pode ser vista no olhar gorgônico do furioso Heitor. No contexto da guerra, Medusa é medo.
Odisseia (ap. VIII a.C.): epopeia homérica dividida em 24 cantos cujo nome deriva do
personagem Odisseu, como era chamado Ulisses pelos gregos. A história conta o retorno de
Odisseu, após dez anos do fim da Guerra de Troia, para Ítaca, sua terra natal e onde era rei.
Contudo, como Atena e Poseidon estavam furiosos devido ao fato de que, após a vitória, os
gregos não mais cumpriram seus deveres para com os deuses, o retorno não foi tranquilo.
Inúmeras aventuras e desventuras foram vividas por ele e seus companheiros. Ao mesmo
tempo, em Ítaca, sua esposa e filho, Penélope e Telêmaco, passavam por situações
constrangedoras perante um grande número de pretendentes à rainha, que acreditavam estar
viúva.
Passagem 4 - XI, 632s6:
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A linhagem de Medusa é apresentada nesta obra – filha dos monstros Forcis e Ceto,
irmã das monstruosas Graias e das imortais Euríale e Estenó, mãe de Pégaso e do gigante
Crisaor. Sua morada, o ínclito Oceano. Foi tomada em campo primaveril por Poseidon. Sua
condição também é dada: é mortal. E Perseu a decapitou. Hesíodo nos diz que Medusa é um
monstro, não em forma apenas de cabeça, mas com um corpo que foi possuído e decapitado.
Diferente dos contextos da Ilíada e da Odisseia, Medusa tem um mito, mas se é monstro,
provoca medo.
Escudo de Heraclés (ap. VIII a.C.): nesta obra Hesíodo relata a história de Alcmena e
prossegue com a narração do assassinato do filho de Ares, o ladrão Cicno, pelas mãos de
Heracles, que havia recebido uma ajuda especial de Hefesto: uma armadura e um escudo, cuja
descrição detalhada também consta nesta obra.
Passagem 6 - 216 – 2369:
Lá, também, estava o filho de Danae de belos cabelos, o cavaleiro Perseu: seus pés
não tocavam no escudo e já não estava longe disso – maravilhoso ver, já que não se
sustentava em parte alguma; por isso o célebre Coxo 10 o modelou em ouro com suas
mãos. Sobre seus pés tinha as sandálias aladas, e sua espada de bainha negra estava
suspensa ao lado de seu ombro por um cinto de bronze cruzado. Ele era rápido como
o pensamento. A cabeça do terrível monstro, a Górgona, cobria a largura de suas
costas, e a sacola de bronze, uma maravilha de se ver, encerrava-a: e da sacola
brilhante, enfeites com borlas de ouro pendurados. Sobre a cabeça do herói deitava o
temível capacete de Hades que tinha a terrível escuridão da noite. Perseu, o filho de
Danae, estava completamente estendido como quem afasta-se e treme com o horror.
E logo que investe contra a Górgona, inacessível e execrável, deseja apoderar-se
dela: quando elas pisam sobre a estaca inflexível, o escudo soa um sonoro tinido
estridente e nítido. Duas serpentes estão penduradas em sua cintura com cabeças
curvadas para frente, suas línguas estão trêmulas, seus dentes rangem com fúria e
seus olhos resplandecem violência. E sobre a terrível cabeça da Górgona o poderoso
Medo estava tremendo.
A Górgona ganha atributos: serpentes ao redor da cintura, línguas trêmulas, dentes que
rangem e olhos que resplandecem violência. Uma clara imagem do que provoca medo. Sua
cabeça está num escudo forjado por Hefesto. Nesta obra, os personagens vão se delineando, as
informações começam a aflorar.
Coéforas ( 458 a.C.): obra de Ésquilo. Trata-se da segunda tragédia da trilogia
Oresteia. Na primeira peça, Agamemnon, o rei, vê-se obrigado a acalmar a fúrias dos deuses
8
Também denominado Crisaor.
9
Tradução baseada no original grego e no texto estabelecido e traduzido por Hugh G. Evelyn-White, 1914.
10
Coxo: Hefesto, deus do fogo e dos ofícios relacionados a este.
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com o sacrifício de Ifigênia para poder seguir a Troia. Quando o rei retorna vencedor da
guerra, a rainha o mata com a ajuda de seu amante. Na segunda peça é narrado o retorno de
Orestes ao seu lar para vingar o assassinato do pai. Para tanto, mata sua própria mãe,
protegido pelo deus Apolo, e passa a ser perseguido pelas Erínias, vingadoras dos crimes
consangüíneos. O nome da peça faz referência às mulheres responsáveis por derramar as
libações nos túmulos, que eram conhecidas por coéforas.
Passagem 7 - 1048 - 105011:
“Estas são semelhantes às Górgonas; Vestidas de negro, com um emaranhado de
tentáculos enlaçados; Freqüentemente de serpentes.”
As Górgonas são descritas como um grupo assombroso de mulheres aladas. Mais uma
vez Ésquilo faz uma descrição que as associam às Erínias, aquelas que provocam medo e
levam o homem à loucura.
Para além dessa literatura, ainda podemos encontrar referências à Medusa na tragédia
Ájax de Sófocles, na comédia Os Arcánios de Aristófones, nas tragédias Electra, Fenícias,
Íon e Reso de Eurípides, na Ciropedia de Xenofonte, na Biblioteca de Apolodoro, na
Metamorfoses de Ovídio, dentre outras.
11
Tradução baseada no original grego e no texto estabelecido e traduzido por Paul Mazon, 1949.
12
Idem.
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13
SARIAN, Haiganuch. “A expressão imagética do mito e da religião nos vasos gregos e de tradição grega”. In:.
Cultura Clássica em Debate. Belo Horizonte: SBEC, 1987, p. 15-50.
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Para ele, esse monstro era, portanto, insólito e estranho. E, ao analisar algumas das
passagens expostas aqui, ressaltou alguns pormenores importantes. Certificou, por exemplo,
que o Olho da Morte (aquele olhar profilático de Medusa) sempre adquiria significados
complementares de acordo com o contexto literário (ou mesmo figurativo) em que se
encontrava.
Analisando a Teogonia de Hesíodo, concluiu que as Górgonas estavam associadas a
toda uma linhagem de monstros que lhes eram aparentados: seus pais Fórcis e Ceto, que são
gigantescos monstros marinhos, suas irmãs Graias, Equidna (metade mocinha metade
serpente), entre tantos outros descendentes do casal e os próprios filhos de Medusa com
Poseidon, o gigante Crisaor e o cavalo Pégaso.
Em Homero, outros contextos se apresentaram e Gorgó irá representar seus diferentes
papéis: ela foi associada, na Ilíada, às cenas de guerra, pois sua imagem figura na égide de
Atena e no escudo de Agamemnon; e também, no momento em que Heitor fez seus cavalos
girarem em todos os sentidos, levando a morte à refuga, pois seus olhos têm o olhar da
Górgona.
Com a Odisseia o cenário é agora infernal. 14 Quando Odisseu narra sua chegada ao
país de Hades, vemos Medusa representar não só o Medo, mas o Caos Total. Nesse contexto,
seu papel é simétrico ao de Cérbero, pois enquanto este impede que o morto retorne ao
convívio dos vivos, ela impede que o vivo entre na casa dos mortos. De acordo com Vernant
(1991), neste mundo da noite a cabeça de Medusa marca o limite entre os vivos e os mortos.
Antes dela, a palavra articulada, a luz; depois dela, o mundo das palavras incompreensíveis,
da noite. O que causa medo não é a máscara em si, mas a alteridade que ela nos apresenta,
onde nada mais é humano.
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ESCHYLE. Agamemnon – Les Choéphores – Les Euménides. Tome II. Texte établi et
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