As Janelas Quebradas Do Comportamento

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As “janelas quebradas” do comportamento

SAMANTA LUCHINI

Você já ouviu falar da Teoria das Janelas Quebradas, a famosa “Broken Windows
Theory”?

Gostaria de apresentá-la (ou reapresentá- la) a você de uma forma bem resumida, é
claro, para que possamos chegar à costumeira reflexão que fazemos nessa coluna acerca
de nossas atitudes, crenças e comportamentos. Mas, de antemão, deixo aqui o meu
convite para que você pesquise um pouco mais, a fim de conhecê-la de forma mais
ampla e aprofundada.

A Teoria das Janelas Quebradas foi desenvolvida em 1982 pelo cientista político James
Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling, na renomada Universidade
de Stanford, nos Estados Unidos, a partir de um experimento muito interessante.

Os pesquisadores deixaram dois carros idênticos abandonados na rua, em dois bairros


diferentes. Um dos bairros era o Bronx, localizado em uma zona pobre e cheia de confl
itos na cidade de Nova Iorque, e o outro fi cava na cidade de Palo Alto, localizada em
uma região tranquila e abastada do estado da Califórnia. O foco principal desse estudo
era o de analisar a conduta das pessoas de cada um desses locais.

Como era possível de se prever, o carro abandonado no Bronx rapidamente começou a


ser vandalizado, destruído e teve roubados todos seus componentes possíveis. Já o carro
que fora abandonado em Palo Alto, manteve-se sem qualquer modificação ou prejuízo,
durante uma semana inteira.

Então, os pesquisadores seguiram com o experimento e quebraram uma das janelas do


carro que estava intacto em Palo Alto. De modo intrigante, o processo de depredação e
vandalismo iniciou-se em poucos minutos, da mesma forma como havia ocorrido no
Bronx.

Este resultado mostrou que uma janela quebrada foi capaz de desencadear os mesmos
comportamentos de violência, roubo e vandalismo, independente do nível de pobreza ou
do local no qual as pessoas se encontravam. Agora nos cabe analisar os motivos desse
fenômeno, que tem muito maior relação com as questões comportamentais do que com
as questões econômicas e geográficas.

Uma janela quebrada, sem o devido reparo ou responsabilização, transmite a imagem de


deterioração, desinteresse, negligência e despreocupação. Faz as pessoas pensarem e,
por vezes, concluírem que a lei não existe e que não é preciso seguir normas e regras de
convivência, por exemplo. Se há uma janela quebrada, há também o precedente para
outros comportamentos de destruição e desleixo, o que reafirma a ideia de um lugar sem
lei e estabelece um círculo vicioso.
Pense na fachada de um prédio. Se uma das janelas está quebrada e ninguém
providencia o reparo, muito em breve outras janelas também estarão. Podem aparecer
pichações e acúmulo de sujeira, até que toda a fachada esteja comprometida,
transmitindo-nos a sensação de descuido e abandono.

A Teoria das Janelas Quebradas estabeleceu a primeira relação de causalidade entre


desordem e criminalidade, ou seja, pequenos delitos ou contravenções conduzem,
inevitavelmente, a condutas criminosas mais graves. Ela foi aplicada em vários
contextos americanos, a começar pelo metrô de Nova Iorque, convertendo-se em um
modelo de política de segurança pública que contribuiu para a drástica redução nos
índices de violência e criminalidade.

Chegamos então ao que eu considero como principal ponto de convergência entre este
bem-sucedido modelo de segurança pública e a reflexão sobre nossas atitudes e
comportamentos, tomando por base a premissa de que desordem gera desordem.

Se nossas pequenas “falhas” do dia a dia como, por exemplo, estacionar em fila dupla
na porta da escola ou em local proibido, ultrapassar o limite de velocidade, furar um
sinal vermelho e dirigir falando ao celular forem subjugadas pelo fato de se
apresentarem como delitos pequenos, é possível que nos tornemos menos críticos e
disciplinados diante de falhas mais graves.

Vamos levar esse raciocínio para o ambiente da empresa. Luzes acesas em salas vazias,
equipamentos ligados e sem utilização, uma maçaneta quebrada, uma gaveta emperrada,
um risco na parede, uma lâmpada queimada, um pedaço de papel jogado no chão. Esses
eventos, isoladamente, podem parecer pequenos e sem grande importância. Mas
imagine todos eles coexistindo em diversos espaços e departamentos. Qual seria a
imagem transmitida? O que as pessoas pensariam ao circularem pela empresa e se
depararem com eles?

Pense agora na sua casa. O que está fora de ordem? O que está fora do lugar? O que
precisa ser consertado? O que precisa ser descartado? Há quanto tempo você está
adiando a organização e a limpeza daquele famoso armário da bagunça?

Todos esses exemplos, os de casa e os da empresa, são janelas quebradas que precisam
ser consertadas de forma rápida e efetiva.

Traga essa reflexão para a realidade, afinal conhecimento que não vira prática
pode perder o valor. Pegue um pedaço de papel, uma caneta e reserve quinze
minutos para fazer uma observação mais acurada do seu ambiente. Tome nota de
todos os itens que estiverem fora do seu conceito de “ordem”. Em seguida,
estabeleça um plano de ação para o reparo destes itens, estimando um prazo para
a conclusão de cada um deles e execute seu plano. Você vai se surpreender com o
resultado tanto nas mudanças e melhorias observadas no ambiente, como
principalmente nas sensações de eficácia e produtividade que virão na sequência.

Depois de analisarmos as “janelas quebradas” na esfera do ambiente, quero desafiá-lo a


ir um pouco mais adiante e identificar algumas “janelas quebradas” do comportamento.
Isto é, os comportamentos e atitudes improdutivos ao seu desempenho e ao seu
desenvolvimento, mas que não recebem a devida atenção e o devido reparo. Pelo
contrário, são cultivados e repetidos no dia a dia ao ponto de se tornarem marcas
registradas de algumas pessoas.

A primeira “janela quebrada” do comportamento é a procrastinação. O hábito nocivo de


deixar tudo para depois ou para a última hora do prazo. Esse comportamento é tão
frequente, que já nos rendeu até um ditado popular no qual “o bom brasileiro deixa tudo
para a última hora”. É assim com a declaração do imposto de renda, com as compras de
Natal, com lista de material escolar…

Outra “janela quebrada” do comportamento é a desculpability, termo cunhado pelo


consultor empresarial e escritor João Cordeiro, que escreveu um livro inteiro para
abordar esse comportamento. Trata-se da habilidade de afastar de si a responsabilidade
pelo que acontece de forma insatisfatória, levantando inúmeras justificativas e culpando
as outras pessoas ou as circunstâncias. Tenho certeza de que você já ouviu frases do tipo
“este problema não é meu”, “eu já fi z a minha parte”, “eu enviei o e-mail”. Elas
atestam que essa janela precisa de reparo urgentemente.

Freud, o pai da psicanálise, tem uma pergunta muito elucidativa para essa questão.
“Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?”. Em qualquer
situação, sempre existe uma parte pela qual você pode se responsabilizar ou se
comprometer. E mesmo que essa parte seja pequena, ela pode influenciar positivamente
na resolução.

Eu não poderia deixar de falar sobre as “janelas quebradas” no comportamento


da liderança, que a meu ver são ainda mais graves, pois podem contradizer a
filosofia da empresa e emitir exemplos equivocados para as pessoas. Liderança se
faz essencialmente pelo exemplo, nunca se esqueça disso!

Falta de reconhecimento, delegação insuficiente, ausência de feedback ou feedbacks


inadequados, distanciamento da equipe, comunicação desqualificada, foco excessivo
nos processos e incoerência entre discurso e ação são “janelas quebradas” que precisam
de reparo imediato e manutenção constante.

Você pode imaginar o que acontece com o clima organizacional, com a produtividade,
com o nível de satisfação e motivação das equipes de trabalho, com os índices de
turnover e absenteísmo a partir do momento em que esses comportamentos
improdutivos são observados nos líderes.

A liderança pode ser entendida como a fachada de uma empresa. Não no aspecto
pejorativo da palavra, que denota algo falso ou maquiado, mas no sentido da sua
imagem, representação e impacto na sociedade. Se uma das janelas estiver quebrada e
não receber a devida atenção, abre-se o precedente para que outras apareçam quebradas
também e, em pouco tempo, o que se vê é uma imagem de ineficiência, omissão e
despreparo.

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