Filosofia Do Espiritismo
Filosofia Do Espiritismo
Filosofia Do Espiritismo
FILOSOFIA DO ESPIRITISMO
Quem olha a figura da nossa capa, vê tratar-se de uma espiral. Vai conferir e
descobre: são círculos concêntricos. Com “O Livro dos Espíritos”, igualmente, em
lugar de uma exaustiva e infinita espiral evolutiva, temos a finitude da Evolução
representada nos círculos criacionais.
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PREFÁCIO
Filosofia do Espiritismo é um livro que deveria ter vindo à luz em 1965,
época em que o autor escrevia na "Revista Internacional do Espiritismo", onde
estava publicando os "Serões Bíblicos". As publicações já iam bem adiantadas,
quando o autor, em seqüência de suas idéias, começou questionar "O Livro dos
Espíritos", encontrando a mais viva oposição por parte dos responsáveis pela
Revista, os quais por isso, as suspenderam. Nem por isso o autor parou de
escrever, e todo o material não publicado forma o conteúdo desta obra.
Este livro "Filosofia do Espiritismo" que ora editamos, com 20 anos de atraso,
trata de assunto de real importância para nossos dias. Nele o autor faz luz sobre
o problema mais intrincado de nossa época, que consiste no conflito existente entre
o Criacionismo e o Evolucionismo.
Ocorre que há dois pensadores que são Santo Agostinho e Platão, os quais
apresentam suas mensagens em "O Livro dos Espíritos". Como as
doutrinas desses pensadores são antagônicas entre si, essa contradição quebrou
a unidade da filosofia espírita. Urgia que alguém, espírito ou encarnado, fizesse
a síntese, demonstrando que Santo Agostinho e Platão, estão com meia verdade
cada um, mas que elas se completam, como a tese e a antítese na unidade. Ora, faz
mais de cem anos que "O Livro dos Espíritos" veio à luz, sem que ninguém
se abalançasse a fazer esse trabalho que ora apresentamos.
Quem for estudioso da filosofia espírita encontrará, neste livro, o mais
completo esclarecimento dos pontos obscuros que existem no "O Livro dos
Espíritos". Essa crítica enriquece e reforça as bases da Doutrina, e, pela
amplitude de seu tratado, se recomenda não só aos espíritas, como a todos os
que anseiam por saber, e, consequentemente, por um mundo melhor.
A velha guarda por certo vai opor resistência às idéias novas. É o
misoneísmo que existe desde sempre. Contudo, pesar da resistência, o trabalho foi
executado com grande dedicação e amor, tendo em vista os vindouros que se
beneficiarão desta obra.
Quanto ao livro em si é escrito em forma de diálogo, tornando a leitura leve e
agradável, exibindo mais uma qualidade do autor, a de tornar simples e acessível
assuntos complexos.
OS EDITORES
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APRESENTAÇÃO
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CAPÍTULOS
I - Colocação do problema
II - As duas hipóteses
III - Discussão da Filosofia dos Espíritos
IV - Do quê são feitos os Espíritos ?
V - A substância dos Espíritos
VI - Os dois caminhos
VII - Incoerências da Filosofia Espírita
VIII - Espírito e Matéria surgiram de um elemento comum
IX - Universalidade da Teoria da Queda
X - Solução do mais antigo problema
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FILOSOFIA DO ESPIRITISMO
I - COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
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Tanto que cai a noite, dona Cornélia, esposa de Árago, abre de par em par as
janelas da biblioteca para refrescar. Os estudiosos que pouco a pouco se vão
ajuntando, ao chegarem à casa, entram, familiarmente, para a sala da biblioteca, e
aí aguardam a entrada de Árago, se é que ele já não os espera, para os serões
costumeiros. Essas tertúlias principiaram a ter mais freqüentadores do que no
tempo dos "Serões Bíblicos". Chilon Aquilano foi o primeiro a procurar o
mestre; depois acercou-se dele o materialista Benedito Bruco ; pouco mais, e
veio Hierão Orsoni, espírita convicto e pescador de profissão. Finalmente,
passaram a ser freqüentadores Basílio Desiró, Bernardo Jasão, Alcino Licas,
Bento Caturi, Frederico Hening, além de outros visitantes fortuitos tais como
Antonio Varrão, Arlindo Helisiano, Virgílio Hurão, Romão Sileno, João
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- Muito bem, prezado Bruco, tornou Árago; essa teologia que São Tomás
chamava de theologia fidei, e que parte dos pontos de fé, dessa não trataremos;
iremos cuidar do que São Tomás chama de teologia natural, e que é o mesmo
que filosofia. O nosso estudo versará sobre a teologia natural, alcançável pelas
vias da razão, à qual Leibniz denominava teodicéia, e que, etimologicamente,
significa justiça de Deus.
E depois de meditar um pouco, exclamou o mestre:
- Coerente com o que acabo de dizer, analisemos a frase: "Primum vivere,
deinde philosophari! Que quer dizer isto, Chilon?
- Quer dizer que primeiro precisamos ganhar a vida, para depois entregar-
nos a especulações filosóficas.
- É e não é, acudiu o professor. É esse o sentido que sempre se deu a essa
frase latina. Mas essa é a filosofia dos não filósofos. Quem passou a vida
cuidando de arranjar-se, de amontoar bens, para filosofar depois, fica a
amontoar também haveres depois. E o filósofo que o é, por natureza, não
liga a ganhar dinheiro, a amontoar bens, para filosofar depois. Uns buscam ri-
quezas, outros, o poder, outros, a sabedoria; no fim da vida, cada um fica com o
que procurou adquirir. Mas não é esse o sentido que quero dar à frase: quero
dizer que primeiro precisamos viver boa parte da nossa vida, para ter
experiência, para só depois poder filosofar. É por isso que o filósofo,
necessariamente, terá de ser um homem maduro, não tanto, no sentido
cronológico, mas no psíquico e mental. É preciso madureza intelectual e
espiritual. Vocês todos já ouviram sobre gênios precoces das matemáticas,
como Gauss, e da música, como Mozart. Ninguém, todavia, ouviu falar de
filósofos precoces. Conquanto Leibniz fosse chamado "o velho" pelos seus
colegas de estudos, só produziu coisas grandes na maturidade de seus anos e na
velhice. Por que? Porque, "primum vivere, deinde philosophari! É preciso
"vivência", como diz Garcia Morente. Ninguém fará filosofia sem primeiro
ter vivido em profundidade e extensão. Esta experiência vital enriquece a
mente de intuições e de conceitos sem os quais impossível será o pensar
filosófico.
A estas últimas palavras de Árago, interveio, de novo, Benedito Bruco:
- Acho que as lidas, tribulações, vicissitudes e experiências da vida
endurecem o homem dando-lhe constância e firmeza. Logo, o homem vivido,
enrijado pela experiência, deixa de ser plástico e moldável. "Ninguém gosta
de reformar suas idéias depois dos quarenta", diz Fritz Kahn. Sua visão da
verdade, portanto, fica deformada pelas vivências que teve. Schopenhauer,
porque tinha mãe inteligente, que até era escritora, acabou cuidando que
herdamos da mãe a inteligência, e do pai, a força e o caráter. Como foi des-
prezado desde a infância, ficou pessimista, e só pôde achar consolo no budismo
niilista. Eis no que foram dar as suas vivências.
- Está certo, atalhou o mestre. E com isso você me força a declarar outra
qualidade principal do homem filósofo. É preciso vivência, e, juntamente,
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puerilidade.
- Absurdo! acudiu Bruco; como se pode ser infantil e experiente, ao mesmo
tempo?
- Pois a criança é curiosa, interessa-se por tudo, e, conservando sempre a alma
aberta, não se ancilosa na opinião irredutível. É vivaz, perscrutadora, admira-se
de tudo, não se fanatiza, embora seja sugestionável. Este estado de
plasticidade mental, esta capacidade de problematizar tudo, esta admiração ou
surpresa que o homem feito, enrijado, encanecido não possui mais, é próprio da
criança. Cristo chama aos homens definidos, aos que têm opinião formada sobre
tudo, de odres velhos nos quais não se pode pôr vinho novo. "Quem não se tornar
como meninos, sentencia Cristo, não entrará no reino dos céus". Igualmente,
aquele que não puder manter-se pueril, não será filósofo. Como diz Morente,
"aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito
fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser
filósofo". Esta é a causa por que "Platão preferia tratar com jovens a tratar
com velhos. Sócrates, o mestre de Platão, andava entre a mocidade de Atenas,
entre as crianças e as mulheres".
E voltando-se o professor para Benedito Bruco, interrogou:
- Está satisfeita sua crítica, com estas considerações?
- Não! Não está. Porque os jovens e as mulheres são sugestionáveis,
guiando-se pelo princípio da autoridade ou da fé, enquanto acho que os
filósofos devem ser persuasíveis. E aí está uma qualidade de velhos que não se
rendem a não ser às persuasões. A idade confere ao homem o senso crítico, a
exigência de rigor. Ninguém, jamais, viu, nos palcos, os hipnotizadores
operarem com velhos, visto que, de ordinário, são resistentes à hipnose, por causa
da auto-análise.
- Você discorreu com acerto, meu caro Bruco, tornou Árago. Afora uma
certa maturidade obtida pelas experiências da vida, vem, depois, a novidade, o
assombro, o interesse, o entusiasmo, próprio das crianças, por uma parte, e, por
outra, a penetração lógica, o espírito crítico e o rigorismo, próprio dos
velhos, de um modo geral. Persuasíveis, e não sugestionáveis, como os velhos;
entusiastas e admirados com tudo, como as crianças. À toa não é que a coruja de
Minerva, a deusa que personificava o poder do pensamento, é o símbolo da
filosofia: essa ave tem o olhar deslumbrado.
- Agora estou contente, replicou Benedito Bruco.
- É assim que, prosseguiu Árago, todo pensador deve ter presente a distinção
entre opinião e conhecimento. Platão chamava doxa à opinião, donde vem que
para doxa, ou paradoxo é o que se opõe à opinião. Esta oposição à opinião é o
que Platão chamava de epistéme que quer dizer ciência. E a dialética é a arte
de jogar com as epistémes que são conceitos e juízos. Por isto, todos os
filósofos da segunda jornada filosófica, que são os da pós-Renascença, a
começar por Descartes, iniciam seus estudos pela epistemologia que é a teoria do
conhecimento.
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- Não seria bom também começarmos por aqui? - acudiu Chilon Aquilano.
- Poderia ser, se não houvesse coisa mais importante, mais premente, a ser
estudada antes da epistemologia.
- E qual é? - inquiriu Chilon.
- A historicidade da filosofia. Todo o filósofo tem de refazer o caminho
da filosofia desde o início, visto que nenhum saber é tão necessariamente
histórico como a filosofia. Filosofia é problematização no tempo; história da
filosofia, pois, é a história dessa problematização. Ontologia e metafísica
através dos tempos, eis o que é a filosofia. Por causa disso, a filosofia é
diálogo, polêmica, pois tem necessidade, todo filósofo, de discutir suas
proposições para que seu pensamento se complete pela participação. O repto que
recebe dos a quem fala é o estímulo indispensável a fazer sua mente
trabalhar. A análise, a dialética e o diálogo são necessários ao desenvolvimento
da filosofia. Assim foi na escola de Socrates, assim na de Platão, assim na de
Aristóteles. A filosofia de Platão foi dada nesta forma de diálogo. A história da
filosofia é a de uma grande polêmica no tempo que vai já para vinte e cinco
séculos, em que os homens- inteligentes da Terra das várias épocas vieram expor
seus pontos de vistas. E nós também iremos ver, de modo rápido, perfunctório, o
que já se fez neste sentido, ao tempo em que iremos expor as nossas conclusões.
E após meditar um pouco, tocou por diante, o mestre:
- A filosofia nasceu na Grécia lá pelos VI e V séculos a. C., em virtude
de os gregos haverem perdido sua fé nos deuses. Decadente a religião, os gregos
entraram numa época de liberdade, visto que esta só existe no começo das ações.
Desencadeadas estas, livremente, o homem se vê preso à cadeia de conseqüências que
aquelas ações geram, criando destarte, um determinismo do qual impossível
será fugir. Ora bem: os gregos viveram condicionados pelos princípios
religiosos, que eram a sua verdade. Posta em dúvida, pelos sofistas e pelos
cépticos, a verdade que os guiara, os gregos entraram numa época caótica em que
cada um se pós a formular a sua "verdade". É a isto que chamo época da
liberdade. Exatamente como aconteceu na Grécia, ocorreu no fim da Idade
Média, na época do Renascimento. Aqui também se duvidou do estabelecido,
entrando o homem em liberdade, e, com esta, principiou uma nova era na história da
filosofia. O chamado Realismo grego cedeu lugar à nova forma mental
inaugurada por Descartes a que se deu o nome de Idealismo ou Filosofia
Moderna.
E encarando o professor os presentes, como a lhes chamar a atenção,
prosseguiu:
- E a hora presente é a de nova liberdade, impondo-se, como tem de ser,
uma nova jornada filosófica igual a primeira, a grega, nascida da polêmica entre
Heráclito e Parmênides, e igual a segunda, nascida de Descartes, e continuada,
até sua exaustão, pelos filósofos pós-kantianos Fichte, Schelling e Hegel. Com
Augusto Comte a filosofia deixou de o ser, por certo tempo, e com Herbert
Spencer, esbarrou ela, pela primeira vez, com os fatos da Evolução,
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