Carlos Eduardo Pires de Camargo
Carlos Eduardo Pires de Camargo
Carlos Eduardo Pires de Camargo
PUC-SP
Doutorado em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital
São Paulo
2018
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Doutorado em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital
São Paulo
2018
Banca Examinadora:
Para Marcia, Beatriz e Felipe
Esta tese teve o suporte da CAPES / PROSUC — Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior / Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comu-
nitárias de Ensino Superior –– mediante concessão de bolsa de Doutorado, modalidade
I, objeto do processo no 88887.149984/2017-00, o que permitiu a realização do curso de
Doutorado e a conclusão da Tese, que consolida a pesquisa realizada durante o curso.
Agradecimentos
In the mid 1980’s several bio-inspired approaches emerged to the study of artificial intel-
ligence. Starting from this context and from von Neumann cellular automata, the field of
artificial life was developed with the objective to construct artificial systems capable to
present similar behaviors to those found in biological phenomena. This thesis recovers the
history of artificial life and its relationship with artificial intelligence, presents the diffi-
culties of its development considering cartesian dualism, and demonstrates the possibility
of a more adequate way of research based on the hypothesis of continuity between mind
and matter, typical of the general semiotics of Charles Sanders Peirce. Through peircean
semiotics and using the fundamentals of biosemiotics, the semiotic transposition techni-
que is developed, a set of diagrammatic operations to support the study of artificial life.
This technique studies the semiotic processes underlying biological phenomena. Then, th-
rough isomorphism, derived from the category theory, a finite automata can be created to
computationally express certain aspects of the original biological processes. Throughout
the research, the learning and memory behavior of a sea slug species, Aplysia californica,
was used as an auxiliary element for the formalization of semiotic transposition. Two
other biological phenomena — the genetic translation and the vacancy chain dynamics
related to the Pagurus longicarpus, a species of crab — were considered as case studies to
demonstrate the general character of the semiotic transposition. It is concluded that the
use of semiotic theory as the basis for the study of artificial life constitutes an effective
instrument to the creation of bio inspired computational devices.
Keywords: artificial life; semiotics; bio inspired computing; artificial intelligence; semi-
otic transposition.
Lista de Figuras
1.4 O jogo da vida de Conway. Representação de uma tela com resultado típico
após certo número de interações do autômato celular. Imagem criada a
partir do aplicativo Conway’s Game of Life (Pelagic Games). . . . . . . . . 23
2.6 As dez classes de signos. Elaboração do autor com base em Queiroz (2004,
p. 89). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.7 Relações hierárquicas entre as dez classes de signos (setas com linhas cheias
representam inclusão e setas com linhas pontilhadas representam a ação de
governar). Elaboração do autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.7 Círculo funcional. Elaboração do autor com base em Nöth (1995a, p. 158)
e Uexküll (1934) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
3.8 Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia cali-
fornica (nível focal: organismo). e1 a e5 representam as entradas, s1 a
s5 representam as saídas. P, S e T apontam, respectivamente, os estados
de primeiridade, secundidade e terceiridade. PR refere-se ao potencial de
repouso, PA ao potencial de ação e RMD à reação motora de defesa do
animal. Os outros elementos do diagrama representam as mesmas relações
evidenciadas no capítulo anterior “A semiótica geral de Peirce”. Elaboração
do autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.9 Relação entre as análises com foco organismo e com foco nas células. Ela-
boração do autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
3.10 Circuitos neurais mediador e modulatório esquemáticos da aplísia califór-
nica (F1 - fenda sináptica entre o neurônio sensor e o neurônio motor do
circuito mediador, presença de glutamato; F2 - fenda sináptica entre o
interneurônio facilitador do circuito modulatório e o neurônio sensor do
circuito mediador, presença de serotonina). Elaboração do autor com base
em (KANDEL, 2006, 249). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
3.11 Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia cali-
fornica (nível focal: células neurais, circuito mediador). e1 a e5 represen-
tam as entradas (inputs), s1 a s5 representam as saídas (outputs). P, S
e T apontam, respectivamente, os estados de primeiridade, secundidade e
terceiridade. Elaboração do autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
3.12 Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia cali-
fornica (nível focal: células neurais). i.1 a i.4 representam os inputs, o.1 a
o.4 representam os outputs. P, S e T apontam, respectivamente, os estados
de primeiridade, secundidade e terceiridade. CP refere-se ao processo de
curto prazo e LP ao processo de longo prazo. Elaboração do autor. . . . . 82
4.9 Isomorfismo entre as categorias das semioses e dos autômatos finitos, re-
sultando no seguinte mapeamento: M1 7→ E1, M2 7→ E2, M3 7→ E3, sa 7→
ta, si1 7→ ti1, sb’ 7→ tb’, sa’ 7→ ta’, si2 7→ ti2, sb 7→ tb, si3 7→ ti3, sc 7→ tc.
Elaboração do autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Introdução 1
1.4 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.4 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3 Biossemiótica 55
3.5 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4 Autômatos finitos 85
Conclusão 135
Introdução
Contexto da pesquisa
Esta tese investiga a teoria dos signos como suporte teórico/metodológico para o estudo
da vida artificial (VA), termo proposto por Langton (1986) e que diz respeito a um amplo
esforço multidisciplinar em busca da compreensão das propriedades gerais e essenciais dos
sistemas vivos com objetivo de sintetizar seus comportamentos: “[...] no estudo da vida
artificial, queremos tentar fazer a distinção entre os detalhes relevantes e os irrelevantes
da implementação bioquímica da vida com o intuito de revelar sua ‘lógica molecular’
intrínseca”1 .
2
escopo desta tese à formalização de tais autômatos.
Deste contexto, surge a motivação para a realização desta pesquisa, cujo título “Se-
miótica da vida artificial”, aponta para alguns possíveis desdobramentos, dentre eles: 1. o
avanço no entendimento das diferenças e semelhanças entre sistemas naturais e artificiais;
2. a contribuição para o desenvolvimento de dispositivos computacionais bioinspirados; e
3. a investigação do alcance da teoria semiótica como fundamento para o desenvolvimento
de ambientes digitais.
3
semiótica computacional exercem influência decisiva; e terceira, que o pensamento diagra-
mático é uma forma efetiva de construção de conhecimento. Considerando tais premissas,
fica estabelecida a hipótese central desta tese, qual seja, a de que a transposição semiótica
pode se apresentar como uma ferramenta efetiva para o estudo da vida artificial.
Objetivos
Objetivo geral
Objetivos específicos
Estrutura da tese
4
Capítulo 2 - A semiótica geral de Peirce: onde são apresentados os fundamentos
da teoria geral dos signos de Peirce, necessários para a realização da pesquisa. Alguns
dos principais conceitos da semiótica são abordados, dentre eles, os que se relacionam
com a fenomenologia peirceana, com a gramática especulativa e com a lógica crítica.
É desenvolvida uma representação diagramática para as classes de signos conforme a
classificação de Peirce. Esta representação é utilizada nos capítulos subsequentes, sendo
ela a primeira contribuição original desta tese.
5
a dinâmica da cadeia de vacância relacionada ao comportamento do caranguejo Pagu-
rus longicarpus. Esses casos são submetidos às duas etapas da transposição semiótica,
apresentando como resultado os respectivos diagramas de transição de estados.
6
Capítulo 1
O termo vida artificial, como referência a um campo específico de pesquisa, foi utilizado
pela primeira vez por Langton (1986) ao desenvolver estudos inspirados pelos autôma-
tos celulares de von Neumann (1951, 1966c, 1966a, 1966b). Os esforços iniciais para
estabelecer as bases desta nova disciplina resultaram na organização do “Workshop In-
terdisciplinar sobre a Síntese e Simulação de Sistemas Vivos”1 , em setembro de 1987, em
Los Alamos, Novo México. Este workshop foi o embrião de duas séries de conferências
internacionais a respeito da vida artificial, a “Conferência Internacional sobre a Vida Ar-
tificial”2 e a “Conferência Europeia sobre Vida Artificial”3 , bianuais e intercaladas. Em
1993 surge o jornal “Vida Artificial”4 , do qual Langton é o primeiro editor. Tanto o jornal
quanto as duas conferências passam a ser formalmente coordenados pela Sociedade In-
ternacional para a Vida Artificial5 , estabelecida em 2001 (BEDAU et al., 2000; BEDAU,
2003, 2007; BANZHAF; MCMULLIN, 2012). Em 2018, as conferências foram unificadas
em um evento anual, a “Conferência sobre a Vida Artificial”6 cuja primeira edição ocorreu
em Tóquio, Japão (KNIBBE et al., 2017).
Banzhaf e McMullin (2012) recuperam o anúncio do workshop original que define o
novo campo da vida artificial como:
A busca por uma base lógica característica dos sistemas vivos, que possa ser abstraída
e implementada através de outros meios, também aparece como preocupação premente
no artigo seminal de Langton:
8
1.1 Computação, inteligência artificial e a origem da
vida artificial
A corrente formalista da matemática tem em David Hilbert, analista alemão, seu criador
e principal representante. Ele assume, na década de 1920, o método axiomático como fun-
damento básico para o tratamento de questões matemáticas. Na concepção de Hilbert,
um sistema matemático satisfatório deve atender a três premissas: consistência, comple-
tude e decidibilidade. Por consistência, entende-se que um sistema não pode apresentar
contradições, não devendo, portanto, possibilitar a dedução conjunta de uma afirmação
e de sua negação; completude é a propriedade pela qual toda declaração verdadeira deve
ser produzida pelo sistema a partir, unicamente, de seus axiomas; e decidibilidade diz
respeito à capacidade do sistema em provar qualquer afirmação ou negação através de
um processo efetivo (mecânico), ou seja, de um algoritmo (GERE, 2002; SIPSER, 2006;
GOLDSTEIN, 2008; GLEICK, 2011). Os teoremas de Gödel (1931) derrubaram os dois
primeiros desses postulados ao demonstrar que: 1. toda axiomática consistente da arit-
mética é incompleta; e 2. a consistência de qualquer axiomática consistente da aritmética
não pode ser demonstrada através desta mesma axiomática (COSTA, 2008, pp.55-61).
9
Entscheidungsproblem.
10
Initiallly the tape contains only the input string and is blank everywhere else. If the machine needs
to store information, it may write this information on the tape. To read the information that it has
written, the machine can move its head back over it. The machine continues computing until it decides
to produce an output. The outputs accept and reject are obtained by entering designated accepting and
rejecting states. If it doesn’t enter an accepting or a rejecting state, it will go on forever, never halting.
9
Figura 1.1: Representação de uma máquina de Turing. Elaboração do autor com base
em Sipser (2006, p. 138).
Este dispositivo geral abstrato para tratamento de algoritmos tornou-se a base teórica
para a simulação de processos computacionais. Verifica-se, no entanto, que apenas nú-
meros computáveis podem se apresentar como saídas válidas em uma máquina de Turing
(saídas aceitas ou rejeitadas), ou seja, sem que a máquina entre em estado de loop infi-
nito. Neste ponto, surge uma questão: seria possível a existência de um algoritmo capaz
de identificar de antemão se certo programa chega a uma saída válida? A conclusão de
Turing reflete a impossibilidade de se responder positivamente a tal questão, provando
assim a condição de indecidibilidade da matemática e, consequentemente, contradizendo
a terceira premissa de Hilbert (TEIXEIRA, 1998; GERE, 2002; SIPSER, 2006; GLEICK,
2011; COPELAND, 2012). Praticamente ao mesmo tempo em que Turing apresentava o
resultado do seu estudo, Church (1936), de maneira independente, chegava a conclusões
semelhantes através de um sistema notacional chamado cálculo-lâmbda (cálculo-λ). As
duas definições de algoritmo, através de Turing e de Church, mostraram-se equivalentes e
a conexão entre a notação informal de um algoritmo e sua definição precisa passou a ser
chamada de tese de Church-Turing (SIPSER, 2006, p. 155).
Pouco tempo depois, dos esforços da equipe de Turing para decifrar os códigos ale-
mães durante a II Guerra Mundial, em Bletchley Park, surgiu o primeiro dispositivo
computacional eletromecânico operacional baseado na tese de Church-Turing, a máquina
eletromecânica de Robinson (1940). Em 1943, o mesmo grupo, comandado pelo enge-
nheiro Tommy Flowers, desenvolveu o Colossus, demonstrando, pela primeira vez, que a
computação eletrônica em larga escala era factível. Ao contrário do primeiro dispositivo,
construído exclusivamente para ser usado em criptografia, o Colossus destinava-se ao uso
geral (COPELAND, 2012, pp. 97-122). Na mesma época, outros projetos estavam em
desenvolvimento como o Z-3, primeiro computador programável operacional, criado pelo
engenheiro Konrad Zuse na Alemanha em 1941. Zuse também foi responsável pela criação
da primeira linguagem de programação de alto nível, Plankalkül. O primeiro computador
10
eletrônico, ABC, foi criado em 1940/1942 por Atanasoff e Berry na Universidade de Iowa
e o primeiro computador digital eletrônico de larga escala, o ENIAC 11 da Universidade
da Pensilvânia, entrou em operação em 1943 tendo sido concluído em 1946 (RUSSELL;
NORVIG, 2013, pp.15-16).
11
Figura 1.2: Esquema simplificado da arquitetura de von Neumann. Elaboração do autor
com base em Weber (2012, p. 49).
Com ideias semelhantes, Turing (1950) propôs um teste para investigar se uma má-
quina poderia pensar. O ambiente para o teste de Turing é composto por 3 salas isoladas.
A sala A é ocupada por uma pessoa com a função de formular questões direcionadas às
outras duas salas. As salas B e C são ocupadas, respectivamente e de maneira aleatória,
por outra pessoa e por uma máquina computacional, de maneira que a pessoa da sala
A não saiba quem ou o que está alocado em cada uma das outras duas salas. O teste
consiste em trocas de informações entre o interrogador e os ocupantes, ora da sala B,
ora da sala C. Se, após determinado tempo, o interrogador não puder afirmar onde está
o outro humano, a máquina passa no teste, podendo ser considerada, assim, como um
ser capaz de pensar, sob o ponto de vista do observador da sala A. Apesar das críticas
ao teste de Turing devido à ênfase exclusiva na simulação de aspectos comportamentais,
ainda hoje ele permanece vigente (TEIXEIRA, 1998), tanto que, em 2014, o chatterbot
Eugene Goostman, desenvolvido por em equipe russa de pesquisadores e programado para
simular um adolescente de 13 anos, foi considerado o primeiro dispositivo computacional
a passar em tal teste (An historic milestone in artificial intelligence, 2014).
12
em Dartmouth (EUA)15 . Durante seis semanas, especialistas em ciência da computação e
outras áreas correlatas, reuniram-se para discutir e estabelecer as bases para o desenvol-
vimento de uma ciência que reproduzisse em ambiente digital os aspectos superiores dos
processo mentais humanos (TEIXEIRA, 1998; RUSSELL; NORVIG, 2013). O termo in-
teligência artificial foi criado por John McCarthy e aparece pela primeira vez na proposta
original desta conferência16 :
13
o primeiro programa a incorporar protocolos inspirados no processo de pensamento
humano. A pesquisa de Newell e Simon resultou na hipótese do physical symbol
system das décadas de 1970 e 1980, postulando que qualquer sistema humano ou
artificial que exiba inteligência deve operar manipulando estruturas de dados com-
postas exclusivamente por símbolos (NEWELL; SIMON, 1976; NEWELL, 1980).
• MIT19 : McCarthy, tendo mudado de Dartmouth para o MIT, contribuiu com algu-
mas realizações fundamentais, como o desenvolvimento da linguagem LISP20 , domi-
nante em IA e utilizada até hoje, e também com a publicação do artigo Programs
with common sense (MCCARTHY, 1968) que apresentou o Advice Taker, primeiro
sistema de IA a reunir a utilidade de uma representação formal e explícita do mundo
com a manipulação dessa representação através de processos dedutivos. No mesmo
MIT, enquanto McCarthy enfatizava a representação e o raciocínio em lógica formal,
Marvin Minsky pesquisava alternativas a tais sistemas. Minsky e equipe trabalha-
ram com problemas limitados cuja solução parecia exigir inteligência, os domínios
desses problemas foram denominados “micromundos”, dos quais, o mais conhecido
se referia à experiência de um robô capaz de organizar blocos multiformes sobre a
simulação de uma mesa. O mundo de blocos influenciou o desenvolvimento posterior
dos campos da visão artificial e do processamento de linguagem natural.
14
possível gerar um programa mais desenvolvido que apresentasse melhor desempenho
em tarefas simples.
15
intensivo; o projeto Heuristic Programming Project (HPP), desenvolvido por Edward Fei-
genbaum e equipe, para estudar até que ponto a metodologia dos sistemas especialistas
poderia ser aplicada a outras áreas de conhecimento; e o MYCIN (SHORTLIFE, 1976),
para diagnosticar infecções sanguíneas. Os esforços acadêmicos no desenvolvimento de
produtos especialistas resultaram nos primeiros sistemas comerciais bem-sucedidos, como
o R1 da década de 1980, criado para atuar na configuração de pedidos pela Digital Equipa-
ment Corporation e, posteriormente, pela Du Pont. No entanto, os sistemas especialistas
eram muito rígidos e se saiam relativamente bem apenas quando enfrentavam problemas
rotineiros, diante de novas situações não encontravam soluções satisfatórias (TEIXEIRA,
1998; RUSSELL; NORVIG, 2013).
Com essas limitações, a partir da década de 1970, surgem questionamentos com rela-
ção à eficiência dos projetos de inteligência artificial. Segundo Teixeira (1998, pp.67-68),
as principais críticas decorreram dos trabalhos de Herbert Dreyfus, de John Searle e de
Roger Penrose. A primeira dessas críticas surgiu através do livro de Dreyfus, What com-
puters can’t do (DREYFUS, 1972), no qual é apontada a existência de características
não-programáveis em várias instâncias do comportamento humano, principalmente nas
que se relacionam com os aspectos contextuais da linguagem natural e da percepção vi-
sual. Searle (1980), por sua vez, apresenta a questão da intencionalidade como condição
necessária para um sistema simbólico ascender a uma dimensão semântica natural, o que
seria uma barreira intransponível para os sistemas artificiais. Mas é a crítica de Penrose
(1989) que toca no ponto fundamental para as ambições da inteligência artificial: seria
possível a um sistema formal baseado na máquina de Turing apresentar comportamentos
de sistemas naturais? Teixeira, apresenta a questão da seguinte forma:
Assim, por volta da década de 1980, a GOFAI (Good Old Fashioned Artificial In-
telligence), encontrava-se mergulhada numa atmosfera de desafios e críticas. Apesar dos
16
esforços nos trinta anos anteriores, pouco progresso havia sido alcançado em direção ao seu
objetivo principal, o desenvolvimento da inteligência de nível humano através de progra-
mas computacionais. Neste contexto de desconfiança surgem iniciativas interessadas em
investigar os fundamentos biológicos da inteligência (BANZHAF; MCMULLIN, 2012).
Talvez, a consideração de aspectos mais básicos da inteligência em organismos ou em
entidades simples como células poderia indicar um caminho consistente para tirar a IA
da estagnação. É neste período que surgem, ou são retomadas, iniciativas bioinspiradas
para o estudo da IA, como as redes neurais através do processamento paralelo distribuído
de Rumelhart e McClelland (1986), a inteligência corporificada de Varela, Thompson e
Rosch (1992), a arquitetura de subsunção de Brooks (1985, 1990, 1991, 1999) e a própria
vida artificial, dentre outras. A ideia subjacente a tais iniciativas é resumida por Brooks:
Deste contexto, portanto, surge o interesse pelo estudo da vida artificial que pode ser
entendido como um dos resultados particulares da fragmentação do campo da inteligência
artificial na década de 1980 (BANZHAF; MCMULLIN, 2012), o que posiciona as duas
disciplinas em estreita conexão através de suas raízes comuns na ciência da computação.
Os assuntos da IA e da VA convergem em grande parte. Ambas têm como meta o estudo
de fenômenos naturais através de simulações computacionais, e buscam atingir tais metas
através de técnicas e algoritmos computacionais semelhantes (BEDAU, 2007). Segundo
Langton:
17
envolvem o estudo de sistemas artificiais que exibem comportamentos
normalmente associados a sistemas naturais. Na verdade, o estudo da
vida artificial é realmente parte do estudo da vida natural e o estudo da
inteligência artificial é realmente parte do estudo da inteligência natu-
ral. (LANGTON, 1986)23
Pelo lado da IA, as principais técnicas adotadas derivaram dos avanços das redes
neurais e algoritmos genéticos. Em vários campos, esses desenvolvimentos já apresentaram
soluções com performance superior à humana. Se, na década de 1950, os algoritmos
de jogos de damas conseguiam vencer jogadores amadores, nos anos 2000, Schaeffer
et al. (2007) conseguiram produzir um programa que sempre responde com o melhor
movimento possível. Em jogos com dinâmica e regras mais complexas o mesmo caminho se
estabeleceu. No xadrez a primeira vitória registrada de um computador sobre um grande
mestre ocorreu em 1997 quando o Deep Blue da IBM (CAMPBELL; HOANE; HSU, 2002)
venceu Garry Kasparov que afirmou ter percebido certo nível de inteligência e criatividade
verdadeiras em alguns movimentos da máquina. No documentário Game Over: Kasparov
and the Machine (GAME. . . , 2003), a afirmação de Kasparov denota certa desconfiança
a respeito de uma possível intervenção humana nas decisões da máquina. Apesar da
polêmica, desde então, os algoritmos de xadrez continuam evoluindo (BOSTROM, 2014,
pp. 1-22). Considera-se, no entanto, que o jogo Go, por sua concepção extremamente
complexa e abstrata representaria o maior desafio dentre os jogos clássicos. Pela velocidade
dos avanços de programação, acreditava-se que um algoritmo capaz de vencer um grande
mestre de Go seria possível apenas na década de 2020, no entanto, tal feito já se fez
presente em 2016 (SILVER et al., 2016, pp. 1-22).
Os desafios superados na área dos jogos são relevantes e o caráter explicitamente abs-
trato dos problemas enfrentados colaborou com o desenvolvimento e/ou aprimoramento
de várias técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) e aprendizado profundo
(deep learning), ambas derivadas das redes neurais e utilizadas em áreas relacionadas com
problemas humanos concretos.
Algumas dessas área são consideradas por Bostrom (2014, pp. 1-22) e Britz (2017).
Na engenharia, por exemplo, podem ser encontrados esforços em diversas sub-áreas. Em-
presas como Tesla, Uber, Google e Apple, dentre outras, preocupam-se com sistemas
de veículos autônomos de uso urbano e a dificuldade inerente à detecção de objetos tri-
dimensionais através da inteligência artificial (ZHOU; TUZEL, 2017; FRIDMAN et al.,
23
In many ways, the study of artificial life is to real life what the study of artificial intelligence is to
real intelligence. Each involves the study of artificial systems that exhibit behaviors normally associated
with natural systems. Actually, the study of artificial life is really part of the study of natural life and
the study of artificial intelligence is really part of the study of natural intelligence.
18
2017). Nas áreas de agricultura e mineração os avanços com veículos de trabalho autôno-
mos como tratores, colheitadeiras e transportadores prometem aumento de produtividade
e consequente otimização dos custos de produção (BATEY, 2018). Os ambientes in-
dustriais começam a se beneficiar do advento da indústria 4.0, ou Smart Factory 24 , que
representa a confluência de várias tecnologias como IIoT (Industrial Internet of Things)25 ,
Big Data Analylis 26 , Cyber-Physical Systems 27 e robótica industrial cuja integração é pro-
porcionada por algoritmos avançados de IA (MONOSTORI, 2014; LU, 2017).
Na Medicina, a inteligência artificial tem proporcionado avanços significativos, prin-
cipalmente nas atividades relacionadas ao diagnóstico de doenças como o câncer, à de-
finição de protocolos de tratamento, à interpretação de eletrocardiogramas e à robótica
médica (FARD et al., 2016; ESTEVA et al., 2017; NG et al., 2017).
Nas artes, incluindo-se aqui os jogos eletrônicos, relevantes avanços ocorrem através
da modelagem generativa de imagens, música, sketches e vídeos; exemplos de esforços
nesta área são encontrados nas pesquisas de Malik e Ek (2017) e Karimi et al. (2017).
Além das áreas destacadas acima, avanços significativos também podem ser confe-
ridos no processamento de linguagem natural através de técnicas estatísticas baseadas
em modelos de Markov, no reconhecimento facial que permite o desenvolvimento de sis-
temas de segurança e vigilância automatizados, no desenvolvimento da IoT (Internet of
Things28 ), nas pesquisas relacionadas ao conceito de smart city 29 e, finalmente, nos siste-
mas de busca, recomendações, reservas e agendamentos que são componentes essenciais
dos sistemas comerciais baseados na internet (BOSTROM, 2014, p. 16). Encerra-se, por-
tanto, a presente seção com esta breve apresentação dos avanços mais recentes no campo
da inteligência artificial. A próxima seção procura apresentar os desenvolvimentos que
ocorreram de forma paralela no campo da vida artificial.
Quando se estabelece que o objetivo da vida artificial é extrair ou desvelar a lógica mo-
lecular subjacente à vida natural, e que esta lógica pode ser utilizada para a síntese de
comportamentos semelhantes em ambientes artificiais, a capacidade de auto-reprodução
dos sistemas vivos, a partir de materiais básicos, impõe-se como uma característica es-
sencial ou mesmo especial da vida que deve ser levada em conta. Assim, uma questão se
24
Fábrica Inteligente.
25
Internet das Coisas Industrial.
26
Análise de grandes volumes de dados.
27
Sistemas Ciberfísicos.
28
Internet das Coisas.
29
Cidade inteligente.
19
apresenta: considerando o ambiente computacional — limitado pelas implicações lógico-
matemáticas da tese de Church-Turing e operando sob uma arquitetura de von Neumann
— como substrato material para a implementação da lógica abstraída de sistemas vivos,
pode-se utilizar apenas considerações de ordem lógico-matemáticas para a abstração das
características biológicas relativas à capacidade de auto-reprodução? Os trabalhos de
von Neumann relativos aos autômatos celulares procuram justamente responder a esta
questão (EMMECHE, 1994, pp. 47-51). Assim, quando Langton apresenta seu artigo
original, deixa claro que os autômatos celulares teriam importância fundamental no de-
senvolvimento do campo da vida artificial:
O que von Neumann propõe, no final da década de 1940 é uma teoria geral e lógica
dos autômatos, definindo um automaton como qualquer máquina capaz de proceder lo-
gicamente através da combinação de sua programação com as informações provenientes
do ambiente (NEUMANN, 1951); ele também propõe uma máquina abstrata que seria
30
Stanislaw Ulam, colega de von Neumann no Laboratório Nacional Los Alamos. Foi Ulam quem
sugeriu a von Neumann utilizar um modelo discreto para tratar de forma reducionista os sistemas auto-
reprodutivos (SCHIFF, 2011, p.3)
31
In order to simulate the molecular logic of life efficiently, we need very special computers.[...] First,
the computer structures must support massive parallelism. [...] Second, the many computing elements
need only be locally connected, since almost all of the actions of molecular operators are taken solely in
response to local conditions. [...] Third, since molecular operators depend on being able to move around
relatively freely within the various compartments of the cell in order to encounter their ’operands’,
the computer must support the motion of operators through the field of processing elements. [...] An
architecture that satisfies these criteria was proposed by John von Neumann in the early 1950’s, based
on a suggestion from Ulam32 . It is not merely coincidental that the architecture he proposed should be
suitable to the simulation of life, for he was attempting to model the process of natural self-reproducton
when he suggested it.
20
capaz de auto-replicação (NEUMANN, 1966c). Como afirma Emmeche (1994, p. 51),
as palestras de von Neumann deixam clara sua crença de que a auto-reprodução seria a
característica definitiva de um organismo vivo. Como não se conhecia à época o fato de
que o DNA era efetivamente o material genético básico, a abordagem de von Neumann
apontava, involuntariamente, um caminho correto. Ele aborda o problema considerando
um experimento abstrato no qual um autômato flutua sobre um lago, com acesso aos
componentes necessários à auto-reprodução, bem como, com acesso a vários órgãos pre-
cisamente descritos, o autômato é batizado de kinematic model por Arthur Burks, aluno
de von Neumann; os componentes e as ações que tomam parte do processo de autorre-
produção no kinematic model são representados na fig. 1.3 e descritos abaixo:
21
• O duplicador é um autômato-copiador que, mediante uma instrução (I) como
entrada, retorna duas cópias (I1 e I2) como saída.
Von Neumann não se satisfez inteiramente com o kinematic model, pois ele não per-
mitia facilmente a elaboração de um conjunto simples de regras que explicassem sua ação;
mediante a sugestão do matemático Stanislaw Ulam, von Neumann passa a considerar
um modelo discreto, derivado do kinematic model, que passou a ser conhecido por autô-
mato celular, a primeira tentativa de criação de um sistema computacional inspirado
explicitamente em fenômenos biológicos, Ibid., p. 56.
O Jogo da Vida33 foi criado no final da década de 1960 por Conway da Universidade de
Cambridge. Trata-se de um autômato celular cujas células possuem apenas dois estados
(viva ou morta), em vez dos vinte e nove estados do autômato de von Neumann. A
dinâmica inicia-se com uma configuração aleatória de células vivas, então são aplicadas
sucessivamente as “regras genéticas” (regras de transição) concebidas por Conway:
• toda célula com duas ou três vizinhas vivas sobrevive até a próxima geração;
22
• toda célula vazia (morta) adjacente a três vizinhas vivas torna-se uma célula viva
(nascimento).
Essas regras foram criadas por Conway após vários experimentos que o direcionaram
no estabelecimento das seguintes premissas:
• não deve haver um padrão inicial que leve as células vivas a crescer indefinidamente
sem limite;
• deve haver padrões iniciais que, aparentemente, façam a população crescer sem
limite;
• deve haver padrões iniciais simples que cresçam consideravelmente por certo tempo
até atingir um padrão final, com todas as células mortas, com células vivas estacio-
nárias ou com certo padrão oscilatório sem fim de dois ou mais períodos.
O resultado final, após n números de transições é imprevisível, ver fig. 1.4. O jogo da
vida de Conway demonstra como padrões intrincados podem emergir de condições iniciais
muito simples quando submetidas a algumas regras básicas (GARDNER, 1970).
Figura 1.4: O jogo da vida de Conway. Representação de uma tela com resultado típico
após certo número de interações do autômato celular. Imagem criada a partir do aplicativo
Conway’s Game of Life (Pelagic Games).
23
Outro experimento relevante com autômatos celulares é o Laço de Langton (1984)34 .
Este autômato desenvolvido por Christopher Langton, tem a forma de um loop que cresce
e se divide, o mesmo ocorrendo com os seus descendentes. O padrão de alterações no
ambiente do autômato cria uma espécie de colônia cujos indivíduos continuam a crescer
e a se multiplicar. A relevância do laço de Langton pode ser apreendida nas palavras de
Emmeche:
Dois anos após o experimento com o loop, Langton propôs os fundamentos da vida
artificial, indicando os autômatos celulares como dispositivos adequados à sua realização.
A abordagem que utiliza em seu estudo preliminar é bastante ambiciosa e compreende os
seguintes passos: 1. estabelecer algumas das principais funções inerentes às biomoléculas;
2. estudar como sistemas de moléculas interativas artificiais podem surgir espontanea-
mente das estruturas baseadas em autômatos celulares; 3. considerar essas moléculas
artificiais como autômatos “virtuais” e examinar seu potencial para desempenhar papéis
semelhantes aos das biomoléculas; e 4. apresentar exemplos de estruturas artificiais que
sustentem outros comportamentos semelhantes à vida. Langton argumenta que a dificul-
dade em se estudar a vida e a inteligência reside em dois fatores básicos, primeiro no fato
de que são ambos “fenômenos não lineares”, propriedades de outros sistemas que, divi-
didos em pequenas partes, perdem sua essência; segundo, todos os exemplos de sistemas
vivos são resultados da evolução ao longo de bilhões de anos e sob condições específicas,
dificultando a separação dos elementos essenciais dos detalhes circunstanciais. Mas, ele
conclui que a vida artificial pode abrandar as duas dificuldades, devido à sua estratégia
bottom-up através da qual a interação de estruturas simples pode gerar comportamentos
34
Langton’s Loop
35
It is instructive to compare Langton’s loop with a living cell. [...] One might say that Langton’s
model for self-reproduction corresponds to the fact that information contained in the DNA does not
directly code for the phenotype, but for the many process that together are responsible for the fertilized
egg cell’s subsequent development (or epigenesis) into an embryo and later into an adult individual. It
is therefore tempting to conclude that Langton’s model life indeed realizes life in a broader sense, even
though the organism-envirorment relation is not integrated into the model.
24
complexos, e devido à aproximação que o estudo da vida artificial pode trazer aos campos
da física e biologia teóricas (LANGTON, 1986).
Apesar dos esforços e publicações decorrentes das conferências ALife e ECAL dos anos
1990, à entrada do novo século, pouco havia sido realizado no sentido de desvelar a lógica
intrínseca à emergência comportamental e à evolução dos seres vivos, ao contrário do que
preconizava Langton. Assim, a sétima conferência ALife, realizada em agosto de 2000,
em Portland/OR, demonstrou um grande interesse da comunidade de pesquisadores da
vida artificial, agora em sua segunda geração, de formular um conjunto de desafios para o
campo. Esses desafios foram separados em três grandes questões: 1. Como a vida surge
a partir do não vivo? 2. Quais são os potenciais e limites dos sistemas vivos? e 3. Como
a vida se relaciona à mente, às máquinas e à cultura? (BEDAU et al., 2000). No mesmo
artigo, Bedau considera que a vida artificial é “acima de tudo um esforço científico e não
de engenharia” e que se “deveria enfatizar a compreensão em primeiro lugar e aplicações
em segundo lugar” — o que fica explicito nas questões levantadas —, mas o que realmente
ocorre é o contrário.
Nos últimos cinco anos, a evolução dos experimentos sobre a vida artificial baseados
em metodologias computacionais bioinspiradas pode ser confirmada pelas publicações
25
Figura 1.5: Metodologias da vida artificial e as áreas em que são tipicamente utilizadas.
Elaboração do autor com base em Kim e Cho (2006b).
26
situações de danos e os autores acreditam que este algoritmo vai permitir a construção
de robôs mais robustos. Sellers (2017) apresenta o ramo da paleontologia sintética que
representa tentativas de reconstruir fósseis através de robôs virtuais; e Kadihasanoglu e
Bingham (2017) investigam um modelo de robô evolucionário para a tarefa de frenagem
guiada por visão.
A área das redes sociais também está presente nas preocupações dos pesquisadores da
vida artificial. Franks, Wood e Bode (2015) apresentam um resumo estendido a respeito
do comportamento de enxame (swarm behavior) em redes sociais.
De forma geral, o que apontam os anais dos congressos sobre vida artificial é que
o campo se tornou multifacetado, com os pesquisadores demonstrando interesses diver-
sos, em parte alinhados com os objetivos de Langton ao estabelecer a disciplina, em
parte alinhados com um posicionamento mais prático e voltado às possíveis aplicações
da computação bioinspirada. Esta mudança no escopo do campo da vida artificial, na
visão de Taylor (2014), ocorre por volta de 2004/2005, coincidindo com os avanços das
tecnologias Web. Segundo ele, o rápido desenvolvimento da rede e a disponibilidade de
um crescente número de tecnologias associadas, de novas API (Application Programming
Interfaces 36 ) a linguagens com foco da internet, ofereceram grande potencial para o de-
senvolvimento de uma nova abordagem da vida artificial, mais prática e voltada para
aplicações em problemas de engenharia.
27
tes que deixam de ser modelos para se tornarem exemplos de vida”, “[...] criar vida em
outros meios”, e a “[...] essência da vida abstraída dos detalhes de sua implementação,
independentemente de qualquer hardware em particular”.
Figura 1.6: Representação da concepção de Langton sobre a vida artificial. A forma lógica
subjacente ao fenômeno em estudo é extraída do suporte biológico; sendo considerada
independente, a mesma forma lógica poderia ser implementada em qualquer outro suporte
ou hardware. Elaboração do autor.
28
Emmeche, em seu artigo A semiotical reflection on biology, living signs and artificial
37
life de 1991, apresenta a visão de Langton da seguinte forma:
29
É especialmente importante compreender as restrições que subordinam
a evolução dos hábitos biológicos, químicos e físicos da natureza. Isto
está presente no que Peirce chamou de sinequismo, sua ideia de continui-
dade. A vida por nenhum meio existe como pura Terceiridade ou mera
“informação do universo” que passou a residir na matéria acidental; Ter-
ceiridade mantem e envolve Primeiridade e Secundidade — semiose pres-
supõe kinesis — e, menos metafisicamente, pode-se dizer que a evolução
expõe a interação mutual entre códigos analógicos e digitais. (Ibid.)39
Antes, porém, cabe uma observação: o termo transposição, como utilizado nesta tese,
significa o ato de mover ou mudar algo para um outro local ou para uma forma dife-
rente 40 . Com base nesta definição, pode-se verificar em que se diferenciam as estratégias
de Langton e da presente pesquisa: na concepção de vida artificial de Langton, o “algo” a
ser movido é uma suposta forma lógica baseada em certo dualismo cartesiano; por outro
lado, a transposição semiótica, em acordo com a ideia de continuidade de Peirce, pretende
transpor o que será apresentado no próximo capitulo como forma qualitativa, referente
aos signos em geral e, consequentemente, aos signos envolvidos em fenômenos biológi-
cos. Esta dinâmica ocorre através do isomorfismo entre diagramas semióticos e diagramas
de transição de estados que implementam dispositivos computacionais conhecidos como
autômatos finitos. A forma qualitativa, neste contexto, não é algo a ser separado de um
suporte físico para ser movido de um local para outro, mas uma instância característica
da estrutura dos signos que se manifesta de acordo com a capacidade interpretativa de
diferentes suportes, portanto o que será transposto de um local para outro é apenas a
potencialidade de manifestação da forma qualitativa do signo. A peculiaridade da ma-
nifestação de fato desta forma qualitativa dependerá das características intrínsecas do
suporte a receber sua potencialidade, conforme esquema da fig. 1.7, e como ficará claro
39
It is especially important to understand the constraints that harness the evolution of Nature’s bi-
ological, chemical, and physical habits. This is present in what Peirce called synechism, his idea of
continuity. Life does by no means exist as pure Thirdness or mere "universes of information", that have
taken up residence in an accidental material; Thirdness keeps and encompasses Firstness and Secondness
— semiosis presupposes kinesis — and less metaphysically one could say that evolution exposes a mutual
interplay between analog and digital codes.
40
Segundo consta em https://www.oxfordlearnersdictionaries.com (Oxford Learners’s Dictionay, con-
sulta realizada em 04/04/2018.)
30
no decorrer da tese.
Neste ponto, uma última palavra de Emmeche, ajuda a esclarecer o papel dos processos
semióticos no campo biológico:
1.4 Resumo
Este capítulo apresentou o campo da vida artificial, desde suas origens na computação e
inteligência artificial, passando por seu estabelecimento como disciplina formal na década
41
This is not to suggest that the triadic concept of sign-action — or the whole semiotics of Peirce
— in any way exhausts the complexities of molecular biology, ethology or linguistics, or that one can
dispense with more specific theories in order to comprehend concrete phenomena of nature; the point
is metatheoretical: there is nothing in the peircean semiotics which restricts sign-actions to culture or
human practice.
31
de 1980, até seu estado-da-arte. Foram também apresentados uma crítica à vida artificial
no que diz respeito ao seu caráter dualista, e um possível caminho de desenvolvimento
através da semiótica geral de Peirce que será detalhada no próximo capitulo. Assim, em
resumo:
1. O campo da vida artificial tem suas raízes mais profundas na teoria da computação
decorrente da tese de Church-Turing, nos desenvolvimentos da inteligência artificial,
e na teoria dos autômatos celulares de von Neumann;
32
Capítulo 2
Semiótica, de raiz semeion (do grego = signo), denota o estudo dos signos e dos proces-
sos significativos (semioses) na natureza e na cultura (NöTH, 1995a, p. 19), tendo por
base uma fenomenologia na qual o papel mediador do signo é fator determinante para a
apreensão, pela mente, das coisas que lhe são externas.
Em sua obra, Peirce refere-se à fenomenologia como “doutrina das categorias” (CP 1.280)1 ,
ou como faneroscopia, delimitando-a como sendo a “descrição do faneron” que, por sua
vez, corresponde à “totalidade coletiva de tudo o que está de algum modo ou em algum
sentido presente à mente, independentemente se isto corresponde a qualquer coisa real ou
não” (CP 1.284)2 . Desta forma, o objetivo final da fenomenologia, ou faneroscopia, seria
estudar as categorias formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos
pela mente (SANTAELLA, 2002, p. 7). Nas próprias palavras de Peirce:
34
que nenhuma pode ser isolada, mesmo assim fica claro que suas ca-
racterísticas são bem díspares; então prova, sem dúvida, que tal lista
muito pequena compreende todas essas categorias mais amplas de fa-
nerons existentes; e finalmente proceda à tarefa trabalhosa e difícil de
enumerar as principais subdivisões dessas categorias. (CP 1.286)3
Com a definição das três classes de termos lógicos, Peirce reduz a variedade de fenô-
menos a apenas três categorias ontológicas, cada uma das quais correspondendo a uma
dessas classes e recebendo as denominações de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade:
• “A ideia pura de uma mônada não é a de um objeto” (CP 1.303), é mera possibili-
dade. Pertence, assim, à categoria da primeiridade que “é o modo de ser daquilo que
é tal como é, positivamente e sem referência a qualquer outra coisa”(CP 8.328). “As
ideias típicas da primeiridade são as qualidades de sentimentos, ou meras aparências,
[...] a qualidade ela mesma, independentemente de ser percebida ou lembrada” (CP
8.329). Relaciona-se, assim, com a ideia de simples potencialidade, possibilidade,
independência, um sentimento ainda não posto em reflexão, o vislumbre do mundo
físico ainda em estado de pura indeterminação.
3
[...] Phaneroscopy is that study which, supported by the direct observation of phanerons and ge-
neralizing its observations, signalizes several very broad classes of phanerons; describes the features of
each; shows that although they are so inextricably mixed together that no one can be isolated, yet it
is manifest that their characters are quite disparate; then proves, beyond question, that a certain very
short list comprises all of these broadest categories of phanerons there are; and finally proceeds to the
laborious and difficult task of enumerating the principal subdivisions of those categories.
4
A thorough study of the logic of relatives confirms the conclusions which I had reached [...]. It shows
that logical terms are either monads, dyads, or polyads, and that these last do not introduce any radically
different elements from those that are found in triads.
35
• A díada, por sua vez, pertence à categoria da secundidade que “é modo de ser
daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo, mas sem considerar um
terceiro” (CP 8.328). “O tipo de uma ideia de secundidade é a experiência do esforço
que prescinde da ideia de um propósito” (CP 8.329). A categoria da secundidade
refere-se à experiência no tempo-espaço, à ação, à realidade da experiência, ao
fato, à ocorrência, ao mundo físico quando deixa de ser mero vislumbre e adquire
consistência perceptiva, mas ainda sem qualquer propósito.
Estou caminhando por uma via de um grande centro urbano, sem que
nenhuma ideia me ocupe a mente de modo particular e nenhum estímulo
exterior enrijeça a minha atenção; em estado aberto de percepção cân-
dida, digamos. Ou seja, em estado de primeiridade. Por um acidente
qualquer - um raio de sol refletido num vidro de um edifício - minha
atenção isola o referido edifício do conjunto urbano, arrancando-me da
indeterminada situação perceptiva do estado anterior, ancorando-me no
aqui-e-agora da secundidade. Em seguida, constato que esta construção
é um “arranha-céu de vidro”, que se insere no sistema criado por Mies
van der Rohe, nos anos 20, que Mies, por seu lado, nada mais fez que
desenvolver as possibilidades construtivas do aço e do vidro [...] etc. etc.
Este estado de consciência corresponde à terceiridade.
Para Peirce, a relação triádica entre as categorias é irredutível, não existindo, portanto,
fronteira ou separação entre elas: “não apenas a terceiridade supõe e envolve as ideias
de secundidade e primeiridade, como também nunca será possível encontrar qualquer
36
secundidade ou primeiridade no fenômeno que não seja acompanhado por terceiridade”
(CP 5.90)5 . É deste quadro fenomenológico que surge a noção de signo6 genuíno, de caráter
essencialmente triádico e participante das três categorias: “um signo, ou representamen, é
um primeiro que está em uma relação tão genuína com um segundo, chamado seu objeto,
que é capaz de determinar um terceiro, chamado de seu interpretante, para se colocar na
mesma relação triádica com seu objeto ao qual ele próprio se posiciona. A relação triádica
é genuína, já que seus três membros estão unidos por tal relação de modo a não consistir
em qualquer relação diádica” (CP 2.274)7 . Queiroz (2004, p. 53) aponta que a figura do
tripod seria a melhor representação desta relação irredutível (ver fig. 2.1).
Peirce ainda faz distinção entre dois tipos de objetos (imediato e dinâmico) e três tipos
de interpretantes (imediato, dinâmico e final). O objeto imediato é aquele que depende
da sua representação na composição triádica do signo, é o objeto dentro do signo, é a
representação mental independente da sua existência real; o objeto dinâmico, por seu
lado, diz respeito ao objeto em sua realidade, é o objeto fora do signo e que não pode ser
representado em seu todo. Do lado do interpretante, o dinâmico refere-se à potencialidade
semântica do signo na mente do intérprete, passando de imediato a dinâmico na medida em
que um efeito real é produzido; finalmente, o interpretante final está associado à terceira
categoria, à lei (ou hábito) que leva à interpretação verdadeira quando uma opinião final
é atingida (NöTH, 1995a, pp. 43-44).
5
Not only does Thirdness suppose and involve the ideas of Secondness and Firstness, but never will it
be possible to find any Secondness or Firstness in the phenomenon that is not accompanied by Thirdness.
6
Peirce utiliza a palavra signo com dois sentidos distintos ao longo de sua obra, ora para denotar a
relação triádica irredutível de objeto, representamen e interpretante, ora para denotar exclusivamente o
representamen desta mesma relação. Assim, deste ponto em diante, assumi-se: 1. para o texto geral da
tese, a palavra signo como referência à relação triádica e representamen como o elemento de primeiridade
desta relação; e 2. para as transcrições de trechos da obra de Peirce, a denotação para cada um dos
termos tal qual aparece no original.
7
A Sign, or Representamen, is a First which stands in such a genuine triadic relation to a Second,
called its Object, as to be capable of determining a Third, called its Interpretant, to assume the same
triadic relation to its Object in which it stands itself to the same Object. The triadic relation is genuine,
that is its three members are bound together by it in a way that does not consist in any complexus of
dyadic relations.
37
O signo peirceano plenamente desenvolvido pertence, então, à categoria da terceiri-
dade e sua ação triádica, como processo ativo, estabelece um efeito cognitivo na mente
do intérprete. A esse processo, Peirce dá o nome de semiose, descrevendo-o da seguinte
forma:
Para Peirce, o sentido de “continuidade” é prevalente e nenhuma ideia pode ser con-
cebida de forma autônoma, ao contrário, qualquer ideia só pode ser determinada, e fazer
sentido, se relacionada com outra ideia que a interprete. O sentido nunca é encontrado
num pensamento único, mas no processo contínuo que o produz. Desta forma, os fenôme-
nos mentais devem ser definidos formalmente e não com referência aos processos cerebrais
ou à consciência, cuja suposta dicotomia aponta diretamente ao dualismo cartesiano, cri-
ticado pelo próprio Peirce, para quem, mente não é uma substância, mas um processo que
podemos definir e estudar semioticamente (STEINER, 2013). Nas palavras de Peirce:
38
Deixado de lado o dualismo cartesiano, e estendendo o conceito de mente para além
da consciência e do cérebro humanos, Peirce estabelece a ideia de um processo contínuo
ad infinitum determinado pela ação dos signos. Neste processo, não há um primeiro
nem um último signo, o que também não implica num círculo vicioso. Esta continuidade
refere-se, então, à ideia moderna de que pensamento ocorre na forma de diálogo, onde
um pensamento leva a outro, estabelecendo uma cadeia semiótica (ver fig. 2.2). Neste
fluxo, todo signo cria um interpretante que, por sua vez se coloca como representamen de
um outro signo. Esta cadeia pode ser eventualmente interrompida, mas, potencialmente,
nunca poderia ser finalizada (NöTH, 1995a, p. 43). Por sua vez, o objeto de cada tríade,
por estar “dentro” do signo, refere-se a diferentes objetos imediatos derivados de um único
objeto dinâmico (EL-HANI; QUEIROZ, 2007), assim o objeto do signo se altera e progride
à medida que o processo semiótico ocorre.
Figura 2.2: A cadeia semiótica. O Interpretante I(n) da semiose S(n) coloca-se como
Representamen da semiose S(n+1) transformando-se em R(n+1) e, assim, sucessivamente
ad infinitum. Os Objetos (O) representados são objetos imediatos, cada qual levemente
diferente do anterior, mas todos se referindo ao mesmo objeto dinâmico. Elaboração do
autor com base em Queiroz (2004 apud BALAT, 2000, p. 57).
Observadas as características dos signos e processos, pode-se neste ponto e ainda atra-
vés de Peirce, estabelecer uma série de classes para acomodar todas as possíveis ocorrên-
cias dos signos. Para tanto, Peirce elabora uma tipologia constituída por três tricotomias,
cada uma relativa a um dos elementos constituintes do signo (representamen, objeto e
interpretante) combinados com suas possíveis relações com as categorias de primeiridade,
secundidade e terceiridade. Primeiramente, do ponto de vista do representamen, os sig-
nos podem ser divididos em qualissignos, sinsignos (ou tokens) e legissignos (ou types);
de acordo com a relação do signo com seu objeto, podem ser ícone, índice ou símbolo;
e, finalmente, de acordo com a natureza do interpretante, dividem-se em rema, dicente e
argumento (ver tab. 2.1):
39
```
```
``` Tricotomias Representamen Relação ao Relação ao
```
Categorias em si Objeto Interpretante
```
```
`
Primeiridade Qualissigno Ícone Rema
Secundidade Sinsigno (token) Índice Dicente
Terceiridade Legissigno (type) Símbolo Argumento
Da primeira tricotomia (ver fig. 2.3), da sua aparência ou do ponto de vista do repre-
sentamen, o signo em si mesmo pode ser:
• Qualissigno - “[...] é uma qualidade que é um signo. Não pode realmente agir
como signo até estar corporificado; mas a corporificação nada tem a ver com seu
caráter como signo” (CP 2.244).
• Sinsigno ou token - “[...] é uma coisa real existente ou evento que é um signo. Ele
pode ser apenas através de suas qualidades; desta forma ele envolve um qualissigno,
ou melhor, vários qualissignos” (CP 2.245).
• Legissigno ou type - “[...] é uma lei que é um signo. [...] Não é um objeto
único, mas um tipo geral [...]. Todo legissigno significa através de uma instância de
sua aplicação, o que deve ser chamada de sua réplica” (CP 2.246). Segundo Nöth
(1995b, pp. 79 - 80), na linguística, principalmente na área da linguística estatística,
o mais comum é a utilização do termo token no lugar de réplica.
Da segunda tricotomia (ver fig. 2.4), das relações do representamen com seu objeto,
o signo pode ser:
• Ícone - “[...] é um signo que se refere ao objeto que ele denota meramente por
virtude de suas próprias características,[...], podendo tal objeto existir ou não” (CP
2.247).
40
• Índice - “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota por virtude de ser
realmente afetado pelo objeto. [...] Como o índice é afetado pelo objeto, ele tem
necessariamente alguma qualidade em comum com o objeto (CP 2.248).
• Símbolo - “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota por virtude de uma
lei, [...], que opera para fazer o símbolo ser interpretado como referência a tal objeto”
(CP 2.249).
Figura 2.4: Segunda tricotomia - ponto de vista das relações entre representamen e objeto.
Elaboração do autor.
Da terceira tricotomia (ver fig. 2.5), das relações entre representamen e interpretante
ou da natureza do interpretante, o signo pode ser:
• Dicente - “[...] é um signo, que, para seu interpretante, é um signo de real existência
(CP 2.251).
Figura 2.5: Terceira tricotomia - ponto de vista das relações entre representamen e inter-
pretante. Elaboração do autor.
41
sete classes distintas de signos (3 x 3 x 3 = 27). No entanto, por impossibilidade semiótica,
algumas dessas classes não podem existir. Um qualissigno, por exemplo, não pode ser
índice nem dicente, sendo sempre, necessariamente, icônico e remático. Da mesma forma,
um sinsigno não pode ser um símbolo e um índice não pode ser um argumento.
Com estas restrições, Peirce chega ao número de dez classes principais para acomodar
todas as ocorrências possíveis de signos (ver fig. 2.6)8 .
Figura 2.6: As dez classes de signos. Elaboração do autor com base em Queiroz (2004, p.
89).
Assim, da semiótica peirceana, obtêm-se as seguintes descrições para cada uma das
classes válidas de signos9 :
I. Qualissigno (icônico remático) é uma “qualidade qualquer, na medida em
que for um signo”. Como qualidade, pode apenas “denotar um objeto por [...]
similaridade”. Assim, só pode ser “um ícone” e, por ser “mera possibilidade
lógica”, deve ser, necessariamente, “interpretado como rema”. Exemplo: “uma sensação
de vermelho” (CP 2.254).
8
Entre parênteses, referências às categorias pressupostas nas outras categorias em negrito; a numeração
de I a X segue a mesma adotada por Peirce para designar as classes de signos.
9
Não obstante a efetividade do uso do tripod como representação das propriedades triádicas irredutíveis
do signo, adota-se nesta tese uma representação auxiliar para explicitar as composições possíveis entre
as tricotomias. Nesta moldura sígnica, as colunas representam respectivamente, da esquerda para a
direita, as tricotomias primeira, segunda e terceira, enquanto as linhas representam respectivamente, de
cima para baixo, as relações com as categorias da primeiridade, secundidade e terceiridade. As nove
marcações circulares representam os elementos dos signos: marcações não preenchidas (brancas) apenas
marcam posição no diagrama, marcações preenchidas (pretas) representam os elementos presentes naquela
classe de signos, sendo que, as marcações pretas mais baixas representam os elementos que dão nome à
classe, acima delas seguem as marcações que denotam envolvimento e governo.
42
II. Sinsigno icônico (remático) é todo fato ou ocorrência da experiência “na
medida em que alguma de suas qualidades faça-o determinar a ideia de um
objeto”. Sendo seu objeto um ícone, “só pode ser interpretado como um signo
de essência, ou rema”. O sinsigno icônico “envolve um qualissigno”. Exemplo: “um
diagrama individual” (CP 2.255).
VI. Legissigno indicial remático é todo hábito, “tipo ou lei geral” que
exige que “cada um de seus casos seja realmente afetado por seu objeto”,
atraindo a atenção do intérprete para “esse objeto”. Cada uma das réplicas
de um legissigno indicial remático é “um sinsigno indicial remático de um tipo especial”
e seu interpretante “representa-o como um legissigno icônico”. Exemplo: “um pronome
demonstrativo” (CP 2.259).
VII. Legissigno indicial dicente é todo hábito, “tipo ou lei geral” que exige
que “cada um de seus casos seja realmente afetado por seu objeto de tal modo
que forneça uma informação definida a respeito desse objeto”. Um legissigno
indicial dicente “deve envolver um legissigno icônico para significar a informação e um
legissigno indicial remático para denotar a matéria dessa informação”. Suas réplicas são
“sinsignos dicentes de um tipo especial”. Exemplo: “um pregão de um mascate” (CP
2.260).
43
VIII. (Legissigno) símbolo remático é um signo que está conectado a seu
objeto “através de uma associação de ideias gerais de tal modo que sua réplica
traz à mente uma imagem” que “tende a produzir um conceito geral”. Isto se
deve a “certos hábitos ou disposições dessa mente”. Sua réplica é um “sinsigno indicial
remático de um tipo especial, pelo fato de a imagem que sugere à mente atuar sobre um
símbolo que já está na mente a fim de dar origem a um conceito geral”. Seu interpretante
“o representa como um legissigno indicial remático” e, às vezes, “como um legissigno
icônico”. Exemplo: “um substantivo” (CP 2.261).
IX. (Legissigno) símbolo dicente é “um signo ligado a seu objeto” por “uma
associação de ideias gerais e que atua como um símbolo remático, exceto pelo
fato de que seu pretendido interpretante representa o símbolo dicente como,
sendo, com respeito ao que significa, realmente afetado por seu objeto, de tal modo que
a existência ou lei que ele traz à mente deve ser realmente ligada com o objeto indicado”.
O símbolo dicente “envolve um símbolo remático [...] e um legissigno indicial remático”,
sendo que sua “réplica é um sinsigno dicente de um tipo especial” e seu interpretante o
“encara como um legissigno indicial dicente”. Exemplo: “uma proposição ordinária” (CP
2.262).
Os termos governar e envolver utilizados por Peirce na descrição das dez classes
de signos indicam a possibilidade de uma interpretação hierárquica-estrutural de suas
relações e conexões. Nessa estrutura, signos de terceiridade podem governar signos de
secundidade através de leis gerais. Por outro lado, os signos de certas classes mais gerais
envolvem, ou incluem, signos de classes mais específicas (ver fig. 2.7).
A título de ilustração das relações entre as dez classes, pode-se revisitar o caso apre-
sentado por Pignatari. Naquele primeiro momento quando o autor caminha “sem que
nenhuma ideia lhe ocupe a mente de modo particular”, em “estado aberto de percepção
cândida”, ele está envolto em pura primeiridade sendo alcançado unicamente por qualis-
signos. Ao ter sua atenção apurada pelo raio de sol - sinsigno indicial remático por apontar
a existência de um anteparo que o reflete, envolve um sinsigno icônico remático caracte-
rístico da sua própria natureza como onda eletromagnética refletida - ele deixa o estado
44
Figura 2.7: Relações hierárquicas entre as dez classes de signos (setas com linhas cheias
representam inclusão e setas com linhas pontilhadas representam a ação de governar).
Elaboração do autor.
45
de primeiridade em direção ao “aqui-e-agora da secundidade”. Neste momento, o edifício
destacado do conjunto urbano se apresenta como um novo signo singular ancorando-o à
realidade - sinsigno indicial dicente por ser um dentre muitos e já incorporar alguma in-
formação a respeito de si. Sua atenção, no entanto, não permanece fixa por muito tempo
na simples percepção da singularidade e, finalmente, quando constata que a tal constru-
ção é um “arranha-céu de vidro” e que se insere num contexto arquitetônico específico,
sua mente engaja-se na terceiridade de uma cadeia semiótica de legissignos. Primeiro, o
arranha-céu de vidro que, sendo uma metáfora, é um legissigno icônico ou hipo-ícone (CP
2.276) que governa o sinsigno icônico que denota a própria construção; Segundo, o “sis-
tema criado por Mies van der Rohe, nos anos 20”, legissigno indicial dicente, pois aponta
um conjunto de leis que estabelecem o que pertence a esse contexto arquitetônico espe-
cífico; Terceiro, “que Mies, por seu lado, nada mais fez que desenvolver as possibilidades
construtivas do aço e do vidro”, legissigno símbolo argumento; e assim sucessivamente a
personagem vivencia o crescimento contínuo do signo original.
Em várias passagens de sua obra, Peirce destaca um ou outro tipo de signo, aprofundando
certas relações entre as dez classes propostas. Para o andamento esta tese, a distinção
que ele faz entre o ícone puro e o que é denominado por hipoícone requer atenção.
Esta para os ícones se fez necessária pois, como um signo genuíno deve participar das
três categorias fenomenológicas, um ícone puro seria sempre uma mera possibilidade, ou
um signo não-comunicativo. Neste sentido, apenas serve para exibir a qualidade que o faz
significar, o que leva a um paradoxo: sendo um signo, necessariamente, deve participar da
tríade semiótica, sendo um ícone puro, participa apenas da primeiridade. Peirce descreve
esta questão como um caso de degeneração semiótica no qual, ao contrário dos signos
genuínos que participam da tríade completa, signos degenerados estariam reduzidos a
díadas ou mesmo a mônadas semióticas. Peirce considera tais casos como sendo modos de
semioticidade menos perfeitos. No entanto, como até mesmo os ícones “reais” apresentam
algum nível de convencionalidade sendo um fragmento de um signo mais completo e
influenciando a tríade semiótica, o campo da iconicidade não se restringe à degeneração
semiótica (NöTH, 1995a, pp. 121-127).
Para contornar este problema, Peirce desenvolveu o conceito de hipoícone para ca-
racterizar representações icônicas materiais que participam da realidade cotidiana. Esses
signos genuínos podem ser sinsignos icônicos ou legissignos icônicos. Peirce também uti-
liza as três categorias fenomenológicas para distinguir três modos de primeiridade com
base nos ícones, resultando em três graus de iconicidade e degeneração semiótica decres-
46
centes: quando o representamen do ícone é signo por mera qualidade, trata-se de uma
imagem; quando é signo devido às relações diádicas existentes entre suas próprias partes,
trata-se de um diagrama; e quando o representamen é signo porque mantem uma rela-
ção triádica em forma de paralelismo entre dois elementos constitutivos, trata-se de uma
metáfora (NöTH, 1995b, pp. 80-84).
Considerando a questão dos ícones puros e dos hipoícones, por motivo de simplifi-
cação ao longo da tese, não se fará distinção entre eles quando for utilizado o termo
qualissigno icônico remático, ou simplesmente qualissigno, que a rigor deveria ser utili-
zado exclusivamente para casos de iconicidade pura. Quando isto ocorrer, na verdade
tratar-se-á de uma referência genérica a certas característica dos processos perceptivos,
estando implicitamente considerada a questão da iconicidade exposta acima.
Por outro lado, levar em conta a diferenciação explícita entre ícones e hipoícones
se faz necessária na compreensão do que está em jogo na proposta de uma transposição
semiótica, ou mais precisamente, para se compreender o quê será transposto. Esta questão
é tratada a seguir.
Forma e significado
47
Na teoria peirceana, a solução para este novo paradoxo também passa pela questão
da iconicidade. Existe uma escala de iconicidade que vai do hipoícone, que compartilha
algumas características com seu objeto, ao ícone genuíno, similar ao seu objeto. Mas,
um ícone genuíno é mais do que meramente similar ao seu objeto, ele cumpre sua função
sígnica através de certas características que possui em si mesmo como objeto sensível,
ou seja, o ícone genuíno acaba sendo o seu próprio objeto, referindo-se a nada além
de si mesmo. Assim, a forma de um ícone genuíno também é seu objeto. Um ícone,
portanto, não diz respeito às formas que servem para representar objetos (referência), mas
ao fenômeno sígnico que evidencia as formas qualitativas (auto-referência). Iconicidade,
portanto, é uma questão de grau em que, entre o ícone puro e o hipoícone, a auto-
referencialidade está próxima do primeiro (Ibid.).
Neste ponto, tendo sido descritos o processo semiótico e a classificação dos signos, cabe
evidenciar que, para Peirce, as semioses não ocorrem de maneira independente. Para que a
ação do signo se estabeleça, faz-se necessária a presença de um intérprete, cuja mente seja
capaz de ser semioticamente afetada pelos signos. Mas, o que quer dizer Peirce quando
se refere a uma mente e, por consequência, ao pensamento? Uma primeira evidência de
sua posição não convencional pode ser constatada nesta passagem:
48
pode-se dizer,soldados. De modo semelhante, o fato de que toda evolu-
ção lógica do pensamento deve ser dialógica não é simplesmente um fato
da psicologia humana, mas sim uma necessidade da lógica. (CP 4.551)10
Assim, pensamento e mente não seriam atributos exclusivamente humanos, nem de-
veriam ser confundidos com consciência que, para Peirce, é nada além do que mero sen-
timento (feeling). Mente, para ele, é sinônimo de representação, e sua atuação sobre a
matéria ocorre por imposição de certas leis que ele chama de propósito, um tipo de causa-
lidade final que acaba sendo o cerne de seu conceito de mente. Existiriam, então, apenas
duas ações em todo o universo: uma ação diádica, mecânica ou dinâmica, e uma ação
triádica, inteligente ou sígnica. A primeira está relacionada diretamente à causalidade
eficiente, enquanto a segunda à causalidade final. Por fim, a causalidade final relaciona-se
diretamente com a tendência do universo em adquirir hábitos. Mas a causalidade final
não implica em ausência de causalidade eficiente, ao contrário, a primeira só pode ser
realizada através da segunda. Desta forma, onde quer que exista lei, regularidade e po-
tencialidade, existe também razão e racionalidade, e isto não deve pressupor consciência,
mas conhecimento incorporado. Neste contexto, o propósito humano seria apenas um
tipo específico de causalidade final (SANTAELLA, 1994)
Cabe aqui uma última observação, a ideia de causalidade final em Peirce, caracteri-
zada por aleatoriedade e irreversibilidade, difere radicalmente da metafísica Aristotélica11 ,
para a qual causalidade final estaria atrelada a certo propósito da natureza pautado pela
harmonia, perfeição ou “o bem”, e ambas não devem ser confundidas (HOFFMEYER,
2008, pp. 53-54):
49
no nível mais fundamental que aleatoriedade and irreversibilidade carac-
terizam a causalidade final. Assim sendo, a causalidade final peirceana
é algo bem diferente da causalidade final aristotélica, e não devem con-
fundidas.12
A lógica crítica tem como objeto de estudo os tipos de raciocínios. Tomando por base
as diferentes classes de signos, estuda as inferências ou argumentos que se estruturam
através dos processos semióticos totalizando três tipos de raciocínios: dedução, indução
e abdução13 (SANTAELLA, 2002, p. 3). Enquanto a dedução tem o caráter de uma
inferência necessária e a indução de uma inferência apenas provável, a abdução assume
o papel de uma mera possibilidade. De certa forma, indução (ou proposta de hipótese)
e abdução (testes empíricos desta proposta) seriam dois aspectos do que é considerado
tradicionalmente apenas por indução (STJERNFELT, 2011, p. 329). Tomando-se os
escritos de Peirce:
Existem outras subdivisões de, pelo menos, algumas das dez classes que
são de grande importância para a lógica. Um argumento é sempre enten-
dido por seu interpretante pertencer a uma classe geral de argumentos
análogos, tal classe, como um todo, tende para a verdade. Isto deve
ocorrer de três maneiras, dando origem a uma tricotomia de todos os
argumentos simples em deduções, induções e abduções. (CP 2.266)14
50
conclusão”; uma dedução “teoremática”, por sua vez, é aquela que “realiza engenhosos
experimentos” no diagrama original, modificando-o e afirmando a “verdade da conclu-
são” pela observação do novo diagrama (CP 2.267). Importante notar que o conceito
de diagrama para Peirce refere-se a signos icônicos, ou seja, que preservam relações de
semelhança com seus objetos, o que não se resume apenas aos diagramas gráficos típicos
da engenharia, incluem-se aqui qualquer ícone cuja relação de semelhança com seu objeto
seja evidente (NöTH, 1995b, p.81), como numa equação algébrica. Peirce apresenta esta
questão da seguinte forma:
51
possível de regular nossa conduta futura” a partir de experiências anteriores bem sucedidas
(CP 2.270).
Peirce utiliza-se de um exemplo bastante significativo que demonstra das diferenças
fundamentais entre os três tipos de inferências expostas acima. Trata-se do caso dos sacos
de feijão que é enunciado da seguinte forma (CP 2.622-23):
Qualquer argumento, para Peirce, é um legissigno simbólico. Neste caso, cada ar-
gumento é composto por três proposições: regra, caso e resultado. Cada uma dessas
proposições, no entanto, também é um signo (legissigno simbólico dicente). Permutando-
se essas proposições, chegam-se aos três argumentos acima. Assim, cada argumento,
manifestado como um silogismo, é um signo relacionado a uma lei geral que determina
que a passagem das premissas à conclusão tende à verdade (SEBEOK, 1983, p.9).
2.4 Resumo
1. O universo é permeado por signos que dependem de um intérprete para serem cor-
porificados. A mente interpretadora engaja-se em processos sígnicos (semioses),
corporificando tais signos e sendo afetada por eles.
52
2. Mentes não são atributos exclusivamente humanos, onde houver ação inteligente
(ação lógica resultante de hábitos adquiridos) haverá uma mente e, diferentes tipos
de mentes serão afetadas de maneira peculiar pelos signos.
5. Há três subcampos semióticos envolvidos nesta tese, cada um deles considera a ação
dos signos em diferentes tipos de mentes. Biossemiótica, refere-se aos processos
sígnicos presentes nos fenômenos biológicos; vida artificial do tipo soft, cuja mente
interpretativa é corporificada nos computadores modernos; e diagramatologia que
se refere à mente humana e sua capacidade de estabelecer conhecimento através de
diagramas lógicos.
6. Os diagramas lógicos que serão desenvolvidos nos próximos capítulos pretendem evi-
denciar algum tipo de isomorfismo entre biossemioses e constructos computacionais
para estabelecer o processo efetivo de transposição semiótica dos casos estudados
pela vida artificial. Cada um dos próximos capítulos tratará dos signos peculiares
de cada um desses sub-campos.
53
Capítulo 3
Biossemiótica
Figura 3.1: Processo de pensamento diagramático. Elaboração do autor com base em St-
jernfelt (2011, p. 104).
55
Em seguida, Hoffmeyer procura demonstrar que o funcionalismo não resolve sufici-
entemente o problema pois, quando mudanças ambientais exigem a superação de novos
desafios por parte dos organismos, a suposta existência de mecanismos latentes que aten-
dem às eventuais novas funções acabam reforçando o caráter teleológico do processo. Os
darwinistas, no entanto, enfrentam este argumento afirmando que a adaptação não é ex-
plicada pelas consequências que acarretarão aos descendentes, mas pelas alterações que já
causaram às populações antecessoras, o que não estaria em conflito com o paradigma não-
teleológico. Mas, não seria este o caso de efeitos antecipando-se às causas? Neste ponto,
Hoffmeyer conclui que as funções biológicas são contextuais e atreladas a certa historici-
dade da vida na medida em que sua continuidade depende da habilidade de aprendizagem,
pois estratégias bem-sucedidas do passado devem ser “lembradas”, permitindo aos descen-
dentes lidarem com os mesmos desafios. Esta capacidade de aprendizagem, apesar de se
manifestar no indivíduo, é resultado das interações semioticamente controladas entre mi-
lhões e milhões de organismos, e entre estes e o meio ambiente, configurando um processo
de agenciamento interpretativo coletivo. Desta forma, a população é que seria a unidade
evolutiva, e a seleção natural não poderia explicar tal agenciamento, ao contrário, este é
que estaria na base da seleção natural.
Neste contexto, o aspecto coletivo da evolução seria reflexo da sucessão de gerações,
cada uma delas apresentando um conjunto de possibilidades genéticas (gene pools ou
kimfloks3 ). A reprodução, então, causaria alterações por recombinação genética nos in-
divíduos dando origem a novos conjuntos de possibilidades a cada geração. Quando o
ambiente mantem suas características, os indivíduos mais adaptados permanecem, re-
forçando o conjunto genético daquela geração; quando alterações ocorrem, os indivíduos
capazes de ações de aprendizagem em direção a novos hábitos (eventualmente, os mes-
mos indivíduos que sucumbiriam nas condições anteriores) teriam maiores probabilidades
de sobrevivência, alterando o conjunto genético da próxima geração. Assim, o aparente
aspecto teleológico mostra-se falso. O que existe, na verdade, é o resultado da ação
dos signos neste processo de aprendizagem no aqui e agora sem qualquer propósito fu-
turo (HOFFMEYER, 2008, pp. 115-117). Nas palavras de Hoffmeyer:
56
A abordagem biossemiótica deixa de considerar células e organismos como meros aglo-
merados moleculares complexos e os assume, primeiramente, como veículos dos signos em
processos de informação e interpretação (biossemioses) através de vários níveis de com-
plexidade (fenótipo, genótipo e ambiente). As biossemioses não podem ser reduzidas a
simples relações diádicas ou mecânicas (causalidade eficiente), seu caráter interpretativo
aponta, de fato, para relações triádicas (causalidade final). Assim, em última instância,
certamente os organismos são compostos moleculares, mas devem ser considerados além
de sua ação bioquímica (EMMECHE, 2011). Neste contexto, tanto o desenvolvimento dos
indivíduos (ontogênese) quanto a evolução das espécies (filogênese) dependem do fluxo de
informação no sistema, não no sentido matemático ou probabilístico, mas considerando-se
informação como o resultado da capacidade das entidades biológicas em responder sele-
tivamente às diferenças percebidas ao seu redor. Não apenas animais e plantas estariam
envolvidos em tal dinâmica, mas também órgãos, tecidos e células seriam veículos para o
processamento de informação (HOFFMEYER; EMMECHE, 1991).
57
entanto, a repetição deste evento faz com que o animal aprenda que o leve toque não traz
ameaça efetiva, habituando-se a ele após certo tempo de treinamento. A memória deste
estado pode durar de poucas horas a vários dias, dependendo da dinâmica do experimento,
configurando modalidades de memória de curto e longo prazos.
Em seu habitat, este aprendizado permite ao animal concentrar-se nas atividades es-
senciais para sua sobrevivência, ignorando os “ruídos” do ambiente. Por outro lado,
animais experientes (habituados) quando expostos a um novo evento realmente traumá-
tico (em laboratório, um choque em sua cauda) voltam a reagir de maneira defensiva
a qualquer evento posterior, mesmo com relação aos mesmos eventos inócuos já experi-
enciados. Assim, ele altera seu estado de habituado para sensibilizado, o que permite
colocar-se em alerta mediante possibilidades de ameaça. Este padrão alternado entre ha-
bituação e sensibilização faz com que o animal desenvolva a capacidade de transitar pelo
ambiente, ora em estado de “distração” sem se preocupar com eventos insignificantes e
concentrando-se em atividades “produtivas” (alimentando-se, reproduzindo-se etc.), ora
em estado de alerta (defesa e fuga), ambos necessários à sua sobrevivência.
Neste ponto, considerando-se as dez classes de signos de Peirce apresentadas no capí-
tulo anterior, pode-se arriscar uma análise semiótica preliminar do processo de aprendiza-
gem da Aplysia californica, representando tal processo em alguns diagramas iniciais5 . A
classificação exata e inquestionável dos signos envolvidos apresenta certa dificuldade e não
deve ser a preocupação principal aqui. O que se busca, realmente, é encontrar elementos
suficientes para iniciar o processo de pensamento diagramático. Como o próprio Peirce
diz:
A análise abaixo apresenta uma possível correspondência entre as dez classes de signos
de Peirce e os resultados alcançados pelos experimentos de Kandel. Consideram-se, aqui, o
5
Quando Kandel se refere aos processos de aprendizagem relativos à habituação e sensibilização da
aplísia, ele considera um tipo específico de conhecimento adquirido não relacionado com a memória cons-
ciente. Segundo ele (KANDEL, 2006, p. 151), o que usualmente se entende como memória consciente
é chamada de memória explícita (ou declarativa). A memória explícita é a recordação consciente de
pessoas, lugares, objetos, fatos e eventos. A memória inconsciente é chamada atualmente de memória im-
plícita (ou procedural). Essa é a memória que subjaz à habituação, à sensibilização e ao condicionamento
clássico
6
[...] It is a nice problem to say to what class a given sign belongs; since all the circumstances of the
case have to be considered. But it is seldom requisite to be very accurate; for if one does not locate the
sign precisely, one will easily come near enough to its character for any ordinary purpose of logic.
58
processo de habituação a eventos inócuos e a aprendizagem do caráter ameaçador de outros
eventos através da sensibilização. Desta forma, são identificados cinco momentos distintos
(ou estados) envolvidos na aprendizagem de um novo comportamento, ou mudança de
hábito, por parte da aplísia:
(I) Animal em estado de distração: neste momento, a aplísia transita pelo am-
biente sem que qualquer estímulo a distraia de seu propósito primário que pode ser, por
exemplo, o de encontrar alimento. Com exceção dos signos que atuam em conformidade
com este propósito, todo o restante ao seu redor apresenta-se em estado de primeiridade.
Inúmeros qualissignos formam um quadro de fundo indistinto, enquanto o animal, de certa
forma, permanece alheio a qualquer estímulo que possa desviá-lo da busca por satisfazer
sua necessidade premente (ver fig. 3.2);
Figura 3.2: Animal acostumado aos estímulos de seu habitat. Elaboração do autor.
59
(III) Reconhecimento de um evento: Neste momento, a figura destacada do
fundo pode ser reconhecida como algo inócuo ou ameaçador de acordo com as experiên-
cias prévias do animal. Neste caso, dois efeitos podem ocorrer, de acordo com o grau
de periculosidade que se apresenta. Sendo o encontro reconhecido como inofensivo, legis-
signos indiciais remáticos estariam envolvidos, atualizados em réplicas do tipo sinsigno
indicial remático, e o animal pode simplesmente ignorar o evento — considera-se aqui
que a ausência de um interpretante dicente aponta para a ausência de nova informação
denotando conhecimento prévio, e a ausência de relações simbólicas de periculosidade,
que teriam sido aprendidas anteriormente, denota tratar-se de algo inofensivo. Por outro
lado, tendo reconhecido o evento como ameaça, a ação de legissignos simbólicos remáticos,
também atualizados em sinsignos indiciais remáticos, faz-se presente. Neste caso, apesar
de nenhuma nova informação ser apresentada (ausência do caráter dicente), há o reco-
nhecimento simbólico de ameaça, relação estabelecida por experiências prévias, fazendo
o animal fugir. Porém, há uma terceira possibilidade: o evento pode não ser reconhecido,
tratando-se de um evento inédito. Neste caso, atinge-se o momento IV, ocasionando tam-
bém uma reação de fuga instintiva, mas uma fuga não decorrente do reconhecimento de
perigo, e sim pelo desconhecimento do que se apresenta (ver fig. 3.4).
60
ação de legissignos indiciais dicentes ou legissignos simbólicos dicentes, ambos atualizados
em réplicas do mesmo tipo. A reação instintiva pode ser interpretada como: se há algo
novo (dicente), e não se sabe o que é (ausência de símbolos de perigo), melhor fugir. Se
este estímulo desconhecido não se repetir constantemente, a aplísia não aprenderá nada
a respeito dele e, no futuro, apresentará a mesma reação diante de uma eventual ocor-
rência semelhante. Isto acontece porque a reação decorrente do estímulo único deve-se
apenas às mudanças momentâneas na força sináptica dos neurônios envolvidos. Para que
haja um aprendizado duradouro (memória de longo prazo) é necessário que, além dessas
alterações, ocorra a síntese de novas proteínas, e este é um processo genético. Então,
considerando que o novo estímulo fará parte do cotidiano daquele ecossistema — devido
a alteração permanente da luminosidade, presença definitiva de novas espécies ou cresci-
mento de plantas marinhas —, sua repetição proporcionará, no princípio, a aquisição de
memória de curto prazo e, posteriormente, na sua atualização para uma memória de longo
prazo. Aqui, há dois resultados possíveis. Primeiro, se a fuga não for acompanhada por
sinais de confirmação do sentido ameaçador do evento, tem-se a ação de legissignos indi-
ciais dicentes, cujo caráter dicente enfraquecerá à medida que o evento se repete, levando
o animal a se habituar com este tipo de estímulo sem que qualquer aprendizado simbólico
se estabeleça. Segundo, se a fuga for acompanhada por algum sinal que reforce o caráter
ameaçador do encontro, tem-se a ação de legissignos simbólicos indiciais, cuja recorrência
levará à sensibilização e consequente finalização do processo de aprendizagem represen-
tado no momento V (ver fig. 3.5). Desta forma, a habituação se encerra no momento IV,
tornando-se um conhecimento tácito não mediado simbolicamente, enquanto a sensibili-
zação necessita de uma referência simbólica para ser concretizada. Isto ocorre pois, como
apresenta Hoffmeyer (1996, pp. 1-10), haveria uma impossibilidade na simbolização da
inexistência de algo, ou da ideia de “não”, no mundo biológico, podendo-se considerar que
apenas aspectos positivos seriam passíveis de simbolização por animais através de certos
aspectos da linguagem corporal. Em suas palavras:
A linguagem corporal pode rejeitar [...], ou pode dispensar [...], mas não
pode negar. Ela não pode expressar a ideia de que não está nevando,
que não está chovendo, de que não há um lesma [ou qualquer outra coisa
que denote, por exemplo, perigo], ou de que não existe um país chamado
Espanha [...]. (HOFFMEYER, 1996, p. 7)7 .
Portanto, considera-se, aqui, que apenas situações de perigo verdadeiro são simboli-
zados no processo de sensibilização, enquanto a situação de “não perigo” é aprendida por
7
Body language can refuse [...], or it can dismiss [...], but it cannot deny. It cannot express the idea
that it is not snowing, that it is not raining, that there is no snail, or that there is no country called
Spain [...].
61
ação de signos não simbólicos durante o processo de habituação.
62
grau de aprendizado no mundo da aplísia, e que relações simbólicas estejam envolvidas,
apenas se afirma que a ação de signos de certo tipo devem resultar em interpretantes
correspondentes, mas de acordo com as capacidades e peculiaridades do intérprete.
Uma outra observação necessária sobre termos utilizados refere-se à palavra informa-
ção. Nesta tese, ela é utilizada no sentido que Peirce a concebia:
63
reconhecimento da neutralidade, por seu lado, denota tanto a ausência do caráter dicente
quanto a ausência do caráter simbólico — encontro regido pela ação de legissgnos indiciais
remáticos; 3. Finalmente, sendo algo desconhecido, o caráter dicente está presente e o
simbólico ausente — ação de legissignos simbólicos remáticos. Em outras palavras, e
considerando o fluxo informacional, algumas ações comparativas devem ocorrer por ação
dos signos envolvidos, primeiro com relação à classe geral de objetos já conhecidos pela
aplísia, caracterizado por grande extensão e baixa intensão. Se esta primeira comparação
resulta em reconhecimento, significa que nenhuma informação real pode ser convertida e
uma nova comparação deve ocorrer, agora em busca do reconhecimento da existência de
alguma correspondência simbólica que denote perigo, uma classe de objetos mais restrita
do que a anterior, de menor extensão e maior intensão. Se este segundo reconhecimento
for positivo o animal foge. Finalmente, haveria uma terceira possibilidade quando a
primeira comparação resulta em desconhecimento, levando a aplísia ao momento IV de
aprendizagem através da conversão de informação real. Neste caso, ao final do processo,
a extensão da classe geral de objetos conhecidos teria aumentado e, caso a conclusão
fosse em favor da periculosidade do objeto, ocorreria o aumento da intensão da classe dos
objetos perigosos.
64
O conceito de Umwelt aponta para uma abordagem sistêmica considerando a interação
do organismo com seu entorno como uma inter-relação em um todo maior, negando tanto
o objetivismo positivista quanto o subjetivismo idealista (UEXKüLL, 2004). O animal é,
portanto, uma entidade situada que corporifica, parcialmente, os signos provenientes dos
objetos presentes no ambiente segundo as características da sua espécie.
Uexküll (UEXKüLL, 1934, pp. 5-13), representa esta relação através de um diagrama
denominado círculo funcional. Nele, aparecem dois campos, o perceptual (perceptual
field) e o operacional (operational field). O objeto ou portador da significação (meaning-
carrier) e o sujeito ou receptor da significação (meaning-receiver) estão dinamicamente
inter-relacionados através desses dois campos. O objeto é tanto portador da pista per-
ceptual (perceptual cue carrier) quanto portador da pista operacional (operational cue
carrier). Assim, nesta dinâmica, o objeto fornece dois tipos de pistas, perceptiva (per-
ceptual cue) e operacional (operational cue) que atuam em seus respectivos campos. O
animal percebe o objeto através da captação de um sinal perceptivo (perceptual sign) que
é traduzido em pista para o seu órgão perceptual (perceptual organ). Este órgão está
conectado com seu órgão operacional (operational organ) atavés de uma “rede neuroló-
gica que guia os músculos dos órgãos efetores do sujeito tais como mãos, patas ou órgão
mastigatórios” (NöTH, 1995a, p.158). O sinal operacional (operational sign) captado e
traduzido em pista operacional para o órgão operacional extingue por completo a pista
perceptiva, completando o processo. Os sinais recebidos do objeto pertencem ao objeto,
enquanto as pistas que projeta são devidas às capacidades de percepção do animal, ou
seja, sinais são traduzidos em pistas, ver fig. 3.7.
65
Figura 3.7: Círculo funcional. Elaboração do autor com base em Nöth (1995a, p. 158) e
Uexküll (1934)
Desta forma, conclui-se que processos semióticos podem ser encontrados em sistemas
distribuídos por vários níveis hierárquicos. Para Thure von Uexkül (UEXKüLL, 1992),
essa hierarquia pode ser expressa em termos do usuário da significação (meaning-utilizer):
sistemas de signos intracelulares, no qual as organelas seriam meaning-utilizers; sistemas
de signos intercelulares, que corresponderiam à endossemiótica; sistemas de relações sígni-
cas entre animais ou zoossemiótica e sistemas sígnicos entre grupos sociais que interagem
através da linguagem humana, ou semiótica propriamente dita.
Essas relações entre níveis podem ser organizadas utilizando-se o conceito de estru-
turalismo hierárquico (SALTHE, 1985), um estudo de meta-teoria científica que pretende
10
We are forced to attribute an Umwelt, however limited, to the free living fungus-cells, an Umwelt
common to each of them, in which the bacteria contrast with their surroundings, as meaning-carriers, as
food and, in doing so, are perceived and acted upon. On the other hand, the fungus, composed of many
single cells, is a plant that possesses no animal Umwelt — it is surrounded only by a dwelling-integument
consisting of meaning-factors.
66
lidar com a representação dos processos naturais e das entidades que participam deles. O
estruturalismo hierárquico apresenta em sua concepção elementos triádicos de influência
peirceana. Ao se considerar certo sistema biológico, a eficaz descrição de suas inter-
relações requer primeiramente reconhecer os três níveis fundamentais envolvidos: nível
focal ou nível de interesse onde se localiza o fenômeno a ser estudado; nível superior ou
macro-semiótico onde se localizam as restrições de fronteira do fenômeno; e nível inferior
ou micro-semiótico onde podem ser encontradas as restrições referentes às possibilidades
do sistema, bem como, suas condições iniciadoras (EL-HANI; QUEIROZ, 2007). Nas
palavras de Salthe:
67
focal, de certo modo, pode ser correlacionado com o Umwelt da entidade biológica em
análise. O nível imediatamente acima fornece as condições de fronteira através das quais
podem ser identificados os inputs do sistema que regulam os resultados dinâmicos do
nível focal; o nível imediatamente abaixo apresenta as condições iniciadoras segundo as
características do sistema, dando origem ao comportamento dinâmico no nível focal. De
modo panorâmico, diversos níveis hierárquicos podem ser reconhecidos na natureza: atô-
mico, molecular, organelas intracelulares, células, tecidos, órgãos, aparelhos, organismo,
nicho ecológico, ecossistema, meio-ambiente. De acordo com interesses específicos alguns
desses níveis podem ser condensados e outros suprimidos, por exemplo, ao se considerar o
nível focal como o do organismo, pode-se tomar como nível inferior aquele composto pe-
las células que determinam as potencialidades comportamentais do indivíduo; como nível
superior, pode-se considerar o ambiente no qual o indivíduo vai competir e que governará
as regras desta competição. Neste caso, estão suprimidos eventuais níveis intermediários
como tecidos e órgãos.
68
algo inofensivo (s3) não resultando em reações específicas, ou pode ser reconhecido como
algo perigoso provocando sua fuga (s3’). No entanto, se o objeto não for reconhecido, o
estímulo em jogo (e4) leva a aplísia a uma reação instintiva de fuga (s4). A repetição
desta dinâmica, paulatinamente leva o animal a aprender a lidar com o novo objeto, seja
se habituando (objeto inofensivo), seja aprendendo sobre seu caráter ameaçador (objeto
perigoso). A conclusão do aprendizado ocorre no momento V através de um estímulo
final (e5) cujo resultado não se apresenta ao ambiente, mas apenas como representação
interna. Ver fig.3.8 (Ambiente).
Nível focal (nível de interesse): os processos semióticos deste nível são deter-
minados pelas condições de fronteira do nível macrossemiótico no qual o organismo está
12
Para a descrição das estruturas neurais e seus processos, utilizam-se, aqui e nas próximas páginas, os
termos apresentados por Lent (2001, pp.29-165). Nesta mesma obra, podem ser encontrados, em detalhes,
todos os processos neurobiológicos referidos nesta parte da tese.
69
inserido e pelas condições iniciadoras que disponibilizam certas possibilidades de acordo
com as características da espécie e do indivíduo. No momento I, apenas qualissignos estão
presentes na mente do intérprete, já que nada lhe chama a atenção em especial. O animal
encontra-se mergulhado no estado de primeiridade, seus órgãos perceptivos apreendem
certas qualidades dos objetos dinâmicos sem que qualquer figura ou fato se destaque do
fundo. Ocorrências são meras possibilidades. No momento II (percepção), algo excita os
órgãos sensores. A qualidade deste fato perceptivo determina um objeto por similaridade.
Isto ocorre por ação de sinsignos icônicos governados por legissignos também icônicos, pois
exigem que suas réplicas corporifiquem uma qualidade definida. Neste momento, uma fi-
gura se destaca do fundo: sendo ela irrelevante, nada ocorre além do retorno ao momento
I, sendo relevante, o momento III (reconhecimento) pode se estabelecer. No momento III,
sinsignos indiciais remáticos governados por legissignos do mesmo tipo ou governados por
legissignos simbólicos remáticos chamam a atenção do intérprete para o objeto imediato.
Isto pode indicar um objeto conhecido inócuo (determinado pelo caráter não dicente e não
simbólico do legissigno indicial remático), ou um objeto conhecido nocivo (determinado
pelo caráter simbólico e não dicente do legissigno simbólico remático). No primeiro caso,
nada ocorre e o animal retorna ao momento I, no segundo caso, o animal foge e, após
reconhecer que o perigo está afastado, retorna ao momento I. Uma terceira possibilidade
seria o não reconhecimento do objeto, o que provoca a fuga da aplísia, estabelecendo o
momento IV (aprendizagem). A aprendizagem ocorre pela repetição desta dinâmica: algo
não conhecido leva à fuga instintiva e à consequente constatação de que se trata de algo
inócuo ou nocivo. Sendo inócuo, o caráter dicente enfraquece, denotando a ausência de
informação real levando o animal a se habituar ao estímulo. Isto ocorre concomitante-
mente com o enfraquecimento das conexões neurais no nível microssemiótico e à reação
de defesa cada vez menos intensa no nível macrossemiótico. No entanto, se o encontro
apontar para a presença de um elemento nocivo, cresce o caráter simbólico juntamente
com o fortalecimento das conexões neurais no nível microssemiótico e reações compatíveis
com o estado de alerta no nível macrossemiótico. Há um momento, no entanto, em que
a repetição da experiência nociva leva o animal ao estado V, concluindo o processo de
sensibilização. Neste momento, uma nova configuração neural se fixou no nível microsse-
miótico. Com o processo de aprendizado o animal adquire um novo hábito, incorporando
o evento experienciado ao conjunto de ocorrências classificadas como inócuas (habitua-
ção) ou nocivas (sensibilização) fazendo com que, ao se deparar no futuro com o mesmo
evento, o resultado seja determinado pelas reações possíveis do momento III. Todos os
legissignos envolvidos, sendo hábitos ou leis gerais, estão, de algum modo, corporificados
nas leis biológicas presentes no nível macrossemiótico.13 . Ver fig.3.8 (Organismo).
13
Obviamente, o pesquisador não tem acesso ao Umwelt da Apysia californica para conhecer efetiva-
70
Figura 3.8: Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia califor-
nica (nível focal: organismo). e1 a e5 representam as entradas, s1 a s5 representam as
saídas. P, S e T apontam, respectivamente, os estados de primeiridade, secundidade e ter-
ceiridade. PR refere-se ao potencial de repouso, PA ao potencial de ação e RMD à reação
motora de defesa do animal. Os outros elementos do diagrama representam as mesmas
relações evidenciadas no capítulo anterior “A semiótica geral de Peirce”. Elaboração do
autor.
71
No entanto, o diagrama semiótico da figura 3.8 não expressa as diferenças entre os
processos de habituação de curto e longo prazos. Sendo assim, diagramas complementares
se fazem necessários, agora considerando como nível focal as células neurais envolvidas no
processo e, consequentemente, tendo o nível do organismo como nível macrossemiótico e
o nível molecular como nível microssemiótico.
72
Figura 3.9: Relação entre as análises com foco organismo e com foco nas células. Elabo-
ração do autor.
Nesta nova configuração, a dinâmica dos processos envolvidos ocorre através de dois
circuitos neurais distintos, mas estreitamente relacionados. De forma simplificada, o cir-
cuito mediador — formado pelos neurônios sensores que inervam o sifão, pelos inter-
neurônios mediadores e pelos neurônios motores que controlam a retração da guelra — é
responsável pela reação primária de defesa do animal que será mais ou menos acentuada
(até mesmo nula) dependendo da quantidade de glutamato despejado na fenda sináptica
entre o neurônio sensor do sifão e o neurônio motor da guelra; por seu lado, também de
maneira simplificada, o circuito modulatório — composto pelos neurônios sensores que
inervam a cauda e pelos interneurônios facilitadores — é responsável pelas descargas de
serotonina que promovem os ajustes funcionais e genéticos que levam, tanto ao aumento
da quantidade de glutamato na fenda sináptica, quanto ao crescimento ou retração das
conexões sinápticas entre o neurônio sensor do sifão e o neurônio motor da guelra. Assim,
enquanto a presença do glutamato, em certa concentração, será responsável pela reação
motora, a presença de serotonina ajusta a concentração de neurotransmissor e também
é responsável pelo encadeamento de reações químicas no interior da célula até que novas
proteínas sejam sintetizadas, segundo Kandel:
73
numa memória estável, de longo prazo, que dura dias, semanas, ou um
período ainda maior de tempo. [...] Concentramos nossa atenção numa
sinapse decisiva, a sinapse entre o neurônio que transmite a sensação tá-
til e o neurônio cujos potenciais de ação levam à retração da guelra.[...]
Descobrimos que a mudança é totalmente unilateral: durante a habitua-
ção de curto prazo, o neurônio sensorial libera uma quantidade menor de
neurotransmissores, e durante a sensibilização de curto prazo ele libera
uma quantidade maior. Esse neurotransmissor, como viemos a descobrir
mais tarde é o glutamato, que é também o principal transmissor exci-
tatório no cérebro mamífero. [...] Descobrimos que os interneurônios
ativados por um choque na cauda da Aplysia liberam um [outro] neuro-
transmissor chamado serotonina. [...] Chamamos esses interneurônios li-
beradores de serotonina de interneurônios modulatórios, porque eles não
fazem a mediação do comportamento. Em vez disso, eles modificam a
força do reflexo de retração da guelra intensificando a força das conexões
entre o neurônio sensorial e o neurônio motor.[...] Os circuitos mediado-
res produzem o comportamento diretamente e são, portanto, kantianos
por natureza. Eles são os componentes neuronais do comportamento,
determinados geneticamente e pelo desenvolvimento, ou seja a arquite-
tura neuronal. [...] O circuito modulatório é lockeano por natureza. Ele
funciona como um professor. Não está diretamente envolvido na produ-
ção de um comportamento, mas faz delicados ajustes no comportamento
em resposta à aprendizagem, modulando — heterossinapticamente — a
força das conexões sinápticas entre o neurônio sensorial e o neurônio
motor. Ibid., pp. 246-248
Cabe destacar que, ao afirmar ser essa estrutura “geneticamente determinada”, Kan-
del se refere à atuação do genótipo característico da espécie na constituição de cada
indivíduo, enquanto a modulação através das descargas de serotonina promove a produ-
ção de novas proteínas que podem determinar alterações comportamentais individuais.
Assim, enquanto a estrutura geneticamente construída determina as capacidades básicas
e comuns a todas as aplísias — inclusive a capacidade de aprendizagem —, a atuação do
circuito modulatório ativa certas ações genéticas secundárias responsáveis pelo ajuste fino
no comportamento de cada indivíduo. Este ajuste fino, cujos efeitos podem ser quanti-
tativa ou qualitativamente diferentes em cada animal, acaba determinando as diferenças
individuais, o que resulta em uma população com representantes mais ou menos aptos
para realizar o aprendizado ou outra habilidade qualquer.
A figura 3.10 representa esquematicamente a estrutura descoberta por Kandel14 . Nela
14
Ao conceber a metodologia para sua pesquisa sobre aprendizagem e memória, Kandel opta por uma
74
se destaca a região das conexões sinápticas entre o neurônio sensorial e o neurônio motor.
Podem ser reconhecidas aqui as duas conexões sinápticas que participam ativamente da
dinâmica de aprendizagem e aquisição de memória: a fenda sináptica entre os neurônios
em questão que participam do circuito mediador, nesta fenda ocorre a descarga de glu-
tamato; e a fenda sináptica entre o interneurônio facilitador do circuito modulatório e o
neurônio sensor, nesta fenda ocorre a descarga de serotonina.
75
metabotrópicos, bem como, com o consequente encadeamento de reações químicas poste-
riores ao estágio de recepção. Esta dinâmica é descrita por Kandel da seguinte forma:
Isto, considerando-se a memória de curto prazo. Com relação ao longo prazo, Kandel
avança em sua descrição:
76
garantir que apenas as experiências que se mostram importantes e úteis
à vida sejam aprendidas. Ibid., pp. 289-293
Desta descrição, pode-se desenvolver uma tabela para representar as relações entre as
quantidades dos elementos presentes em cada fase do processo de aprendizagem. Para a
fase de repouso, a concentração dos neurotransmissores glutamato e serotonina permanece
estável, o mesmo ocorrendo com a quantidade de terminais. Na fase de habituação de
curto prazo (Hab. CP), ocorre o aumento da concentração dos neurotransmissores, mas
sem alteração na quantidade de terminais ativos. Na fase de habituação de longo prazo
(Hab. LP) ocorre a diminuição acentuada dos neurotransmissores com a consequente
diminuição da quantidade de terminais ativos. Finalmente, as fases de sensibilização de
curto e longo prazos (Sen. CP e Sen. LP) seguem padrões inversos aos que ocorrem nos
respectivos processos de habituação (ver Tabela 3.1).
XXX
XXX Fases
XXX
XXX Repouso Hab. CP Hab. LP Sen. CP Sen.LP
Elementos XXX
Glutamato ⇔ ⇓ ⇓⇓ ⇑ ⇑⇑
Serotonina ⇔ ⇓ ⇓⇓ ⇑ ⇑⇑
Terminais ⇔ ⇔ ⇓ ⇔ ⇑
Tabela 3.1: Relação das quantidades dos elementos com os fases de aprendizagem.
77
presença do PA (objeto do signo) impõe uma nova configuração química no interior do
terminal (representamen), resultando na liberação das vesículas de glutamato na fenda
sináptica entre os neurônios sensor e motor (interpretante). A modulação das quantidades
de terminais ativos, de vesículas disponíveis em cada terminal ativo e de glutamato dentro
das vesículas não é responsabilidade do circuito mediador, portanto, aqui, apenas duas
possibilidades estão em jogo: a. PR → ausência de liberação das vesículas de glutamato;
b. PA → liberação das vesículas de glutamato. Isto resulta na seguinte descrição:
78
Figura 3.11: Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia califor-
nica (nível focal: células neurais, circuito mediador). e1 a e5 representam as entradas
(inputs), s1 a s5 representam as saídas (outputs). P, S e T apontam, respectivamente, os
estados de primeiridade, secundidade e terceiridade. Elaboração do autor.
79
B. Diagrama relativo à influência do circuito modulatório:
80
Figura 3.12: Diagrama semiótico do comportamento de aprendizagem da Aplysia califor-
nica (nível focal: células neurais). i.1 a i.4 representam os inputs, o.1 a o.4 representam
os outputs. P, S e T apontam, respectivamente, os estados de primeiridade, secundidade
e terceiridade. CP refere-se ao processo de curto prazo e LP ao processo de longo prazo.
Elaboração do autor.
81
Este último diagrama completa a análise pretendida neste capítulo. No entanto, cabe
uma última observação: considerando os diagramas semióticos propostos, a presença de
legissignos indiciais e legissignos simbólicos reflete o que Hoffmeyer e Emmeche (1991)
(Ver também Hoffmeyer (2008, pp. 80-109)) definiram como dualidade de códigos (code-
duality):
Os autores ressaltam que dualidade de códigos não implica num retorno à dualidade
cartesiana, os dois tipos de código, ao contrário, representariam dois aspectos da mesma
realidade. Semioticamente, os códigos analógicos mantém alguma relação de semelhança
com seu conteúdo, apoiando-se em signos indiciais e icônicos. Eles codificam ação e
estão baseados em algum tipo relação de continuidade espaço-temporal ou similaridade
do tipo parte-todo ou causa-efeito. Já os códigos digitais codificam memória e apoiam-se
em símbolos descontínuos em relação ao seu conteúdo. São baseados em tokens sígnicos
discretos (como o código genético) que mantém certa arbitrariedade na relação com sua
significação (arbitrariedade convencional, histórica ou de costume). A dinâmica entre os
códigos digital e analógico, segundo o autor, é justamente o que torna possível a evolução
de uma espécie (HOFFMEYER, 2008, pp. 78-89).
3.5 Resumo
Tendo concluído, aqui, as considerações que orientam a construção dos diagramas semió-
ticos (primeira etapa da transposição semiótica), a próxima seção realiza a análise desses
18
In 1991, Claus Emmeche and I suggested that life at the most fundamental level may be characterized
by a dynamic trait that we called code-duality - i.e, a recursive and unending exchange of messages between
analog and digital coding surfaces.[...] As analog codifications, organisms recognize and interact with each
other in ecological space, whereas as digital codifications (genomes), they are passively carried forward in
time from generation to generation [...]. Seen from this perspective, life must be understood as semiotic
survival - survival via a fundamental code-duality.
82
mesmos diagramas, procurando formalizar computacionalmente através de um autômato
finito (segunda etapa da transposição semiótica) as relações encontradas na análise semió-
tica de comportamento biológico em foco. Segue abaixo, em resumo, o que foi considerado
neste capítulo:
83
Capítulo 4
Autômatos finitos
1
Analogical representations (e.g., pictures and diagrams) can be very powerful in some cases, [...] but
in other cases logic wins, specially where disjunctive, negative, conditional, or quantified information is
involved. [...] Good mathematicians, scientists and engineers seem to switch rapidly between different
ways of thinking and reasoning about numbers, numerical functions and relationships. [...] This ability
to combine different forms of representation, including static and dynamic spatial representations, is a
characteristic feature of human intelligence.
85
4.1 Representando os signos
Uma primeira ação com o propósito de formalizar a transposição semiótica através dos
autômatos finitos deve ter como objetivo a própria formalização das unidades semióticas
básicas, os signos. No Capítulo 2, optou-se por uma representação analógica e informal
para denotar as possíveis composições triádicas dos signos. Esta representação é com-
posta por um quadro contendo três linhas e três colunas, referido, a partir deste ponto,
simplesmente como quadro semiótico. As posições de cada linha no quadro semiótico —
superior, centro e inferior — representam respectivamente as categorias da primeiridade,
secundidade e terceiridade, enquanto as posições das colunas — esquerda, centro e direita
— correspondem ao signo em si (uma qualidade, um existente ou uma lei), à forma como
o signo denota seu objeto (por similaridade, por relação de fato ou por hábito) e à forma
como o signo se apresenta ao seu interpretante (como essência, como informação real ou
como conclusão). Cada cruzamento entre linhas e colunas é ocupado por um círculo que
pode estar vazio (branco) ou preenchido (preto); os círculos vazios apenas marcam po-
sições possíveis, os preenchidos significam a presença de certa característica como parte
da composição de um signo. Há também algumas condições para a composição das dez
classes apontadas por Peirce. Primeiro, apenas tríades são consideradas, ou seja, um
signo deve ser composto necessariamente por, pelo menos, três círculos preenchidos, cada
qual correspondendo a um dos elementos da tríade representamen-objeto-interpretante.
Segundo, os três círculos preenchidos nas posições mais baixas de cada representação
correspondem aos elementos que dão nome à classe, acima deles seguem círculos preen-
chidos que denotam as relações de envolvimento e governo. Terceiro, os círculos devem
ser preenchidos de cima para baixo e da esquerda para a direita conforme o crescimento
dos signos, assim um qualissigno icônico remático seria o tipo de signo mais básico, à
partir do qual, outras configurações podem ser alcançadas, primeiramente em direção aos
sinsignos e legissignos, necessariamente nesta ordem; em seguida, dos ícones aos símbolos
passando pelos índices; e, finalmente, dos remas aos argumentos passando pelos dicentes.
Isto leva ao estabelecimento de uma ordem interpretativa capaz de expressar o eventual
crescimento do signo em direção ao tipo mais desenvolvido, dos argumentos (ver fig. 4.2.a).
86
tico); esta percepção é sempre parcial devido à distinção entre o objeto dinâmico — objeto
fora do signo e que não pode ser representado em sua totalidade —, e o objeto imediato
— objeto dentro do signo, como representação mental e independente da sua existência
real. Do lado do interpretante, a relação triádica estabelece o interpretante dinâmico que
se refere à potencialidade semântica do signo na mente do intérprete, ocasionando um
efeito real (reação); a repetição desta dinâmica tende ao interpretante final, associado à
categoria da terceiridade, à lei ou ao hábito.
87
característica da criatividade semiótica que, no mundo das máquinas, ainda se encontra
em estágio inicial.
O estabelecimento desta correlação passa, portanto, pela escolha de um sistema que
possa representar, no mundo computacional, as relações encontradas no mundo semiótico.
Considerando a representação analógica escolhida para denotar as relações biossemióticas,
na qual a interseção de linhas e colunas apontam para a existência de certas características
de acordo com a posição de cada cruzamento, chega-se, intuitivamente, a uma represen-
tação lógico-formal baseada em matrizes. Considerando-se dois números m e n naturais
e não nulos, uma matriz m x n é uma tabela formada por números reais distribuídos em
m colunas e n linhas; numa matriz qualquer M, cada elemento é indicado por aij , onde o
índice i indica a linha e j indica a coluna referentes à posição do elemento; as linhas são
numeradas de cima para baixo e as colunas da direita para a esquerda (IEZZI; HAZZAN,
2012, 36-D); uma matriz genérica pode ser representada por:
a11 a12 ... a1n
a21 a22 ... a2n
M=
... ... ... ...
am1 am2 ... amn
Assim, para representar os quadros semióticos em que certas propriedades estão pre-
sentes (círculos preenchidos) ou ausentes (círculos vazios), utiliza-se uma matriz 3 x 3,
cujos elementos são uns e zeros para representar, respectivamente, as condições de pre-
sença e ausência de certa característica. Como exemplo, as seguintes representações para
qualissignos icônicos remáticos e para legissignos indiciais remáticos são equivalentes,
sendo válido o mesmo tipo de correspondência para as outras oito classes de signos:
1 1 1
0 0 0 Matriz 3 x 3 equivalente ao diagrama
0 0 0
1 1 1
1 1 0 Matriz 3 x 3 equivalente ao diagrama
1 0 0
88
por quadros e círculos e o mundo computacional que surge a partir da transposição semió-
tica e que utilizará a representação matricial para denotar o alfabeto de uma linguagem
de autômatos. Sendo que:
89
1 1 1
S111 = 0 0 0
0 0 0
Linha central da matriz: esta linha se apresenta numa posição análoga à categoria
da secundidade no quadro semiótico, dizendo respeito ao conjunto de todas as ocorrên-
cias factuais no mundo do animal. Computacionalmente, todos os acontecimentos reais
ocorrem em tempo de execução, ou runtime, sendo representados por valores 1 alocados
como os elementos a21 , a22 e a23 , onde: a21 (correlato do sinsigno) representa qualquer
valor específico a ser computado; a22 (correlato do índice) representa um valor submetido
a certa regra de restrição que indica um contexto específico do domínio; e a23 (correlato
do signo dicente), por sua vez, representa uma informação real (um fato inédito) derivado
do contexto em questão. Respectivamente, esses casos são representados pelas matrizes
S211 , S221 e S222 :
1 1 1 1 1 1 1 1 1
S211 = 1 0 0 , S221 = 1 1 0 e S222 = 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0 0 0
Linha inferior da matriz: esta linha está localizada numa posição análoga à ca-
tegoria da terceiridade no quadro semiótico, que diz respeito aos signos de lei. Na linha
inferior, portanto, estariam presentes representações que apontam para a existência das
regras que resultam nas computações do sistema, dividindo-se em três grupos. Primeiro,
o grupo de regras que resultam nos casos a21 , a22 e a23 acima e que estabelecem tanto
uma simples regra de mapeamento (correlato do legissigno icônico que se materializa em
sua réplica, um sinsigno também icônico), quanto uma regra de restrição de domínio (cor-
relato do legissigno indicial remático que se materializa através de um sinsigno do mesmo
tipo), ou mesmo uma regra que verifica a existência de registros em memória (correlato do
legissigno indicial dicente, materializado em uma réplica do tipo sinsigno indicial dicente).
Todas as três são regras de verificação ou classificação, na medida em que comparam os
composto por três algarismos aponta para o tipo de signo original que inspirou cada uma das matrizes
de acordo com a tabela apresentada por Queiroz (2004, p. 88). Desta tabela, seguem: qualissigno (111),
sinsigno icônico (211), sinsigno indicial remático (221), sinsigno indicial dicente (222), legissigno icônico
(311), legissigno indicial remático (321), legissigno indicial dicente (322), legissigno simbólico remático
(331), legissigno simbólico dicente (322) e argumento (333).
90
valores de entrada com: 1. os valores aceitos pelo domínio; 2. com os valores restritos;
e 3. com eventuais incidências anteriores. Esses casos são representados pelas matrizes
S311 , S321 e S322 :
1 1 1 1 1 1 1 1 1
S311 = 1 0 0 , S321 = 1 1 0 e S322 = 1 1 1
1 0 0 1 0 0 1 0 0
O segundo grupo de regras resulta nos casos S221 e S222 acima e dizem respeito a regras
de ação executadas após a verificação e classificação dos valores de entrada, admitindo uma
relação simbólica ou arbitrária. Se o evento é recorrente, a ação resultante é representada
pelo valor 1 como elemento a32 e se aplica ao caso S221 (correlato do símbolo remático
que atua através de uma réplica do tipo sinsigno indicial remático); se o evento é inédito,
é representado pelo mesmo valor 1, na mesma posição a32 , porém, aplicado ao caso S222
(correlato do símbolo dicente, atualizado numa réplica do tipo sinsigno indicial dicente).
As matrizes S331 e S332 correspondem a esses casos:
1 1 1 1 1 1
S331 = 1 1 0 e S332 = 1 1 1
1 1 0 1 1 0
Finalmente, o terceiro grupo apresenta uma única matriz 3 x 3 com todas as posições
ocupadas por valores 1, constituindo na regra que classifica eventos inéditos segundo os
critérios que delimitam o contexto em análise. Esta matriz S333 tem caráter de conclusão
do processo computacional (correlato do argumento):
1 1 1
S333 = 1 1 1
1 1 1
Esta representação matricial tem por inspiração as representações por vetores de si-
nal propostas por Hinton, McClelland e Rumelhart (1986) — também conhecidas como
representações distribuídas — nas quais, certas propriedades estão presentes ou ausentes,
sendo expressas por uns e zeros. Neste tipo de representação cada objeto ou entidade
91
é representado por uma atividade distribuída por linhas de sinais e nós computáveis,
podendo cada conjunto de linhas e nós estar envolvido na representação de diversas enti-
dades, contrastando com representações locais em que cada sinal representa uma entidade
específica (RAIKONEN, 2007, p. 11). Este tipo de estratégia, podendo ser implementada
através de redes neurais associativas, é considerada uma estratégia efetiva no desenvol-
vimento de robôs envolvidos em cognição corporificada (Ibid., p. 179), tornando-se uma
opção atraente para a implementação física baseada em autômatos finitos inspirados em
fenômenos biológicos.
Tendo sido estabelecida uma representação formal para os signos através de matrizes,
esta seção se preocupa com a construção de uma representação formal para os processos
semióticos ocasionados pela ação sígnica. Para tanto, utiliza-se a teoria das categorias de-
senvolvida por MacLane (1948, 1998) em meados do século XX. Este ramo da matemática
analisa possíveis relações isomórficas entre diferentes estruturas sistêmicas, formalizando
tais relações através do mapeamento entre suas partes. Segundo Vickers, Faith e Rossiter
(2013), a teoria das categorias nasceu com o propósito de demonstrar similaridades entre
diferentes campos da matemática, permitindo abstrações de transposições de uma área
para outra.
A teoria das categorias sustenta que várias propriedades dos sistemas podem ser reduzidas
a relações diagramáticas. Cada diagrama é composto por um conjunto de nós e um
conjunto de arcos que os conecta (ver fig. 4.3). Assim, cada categoria é entendida como
a conjugação de um conjunto de objetos com um conjunto de relações (morfismos) que
ocorrem entre eles (KÖGLER JR, 2009; RAMISCH; HUDITA, 2008). Segundo Spivak
(2014) e também Leinster (2014), de maneira geral, as propriedades de uma categoria são
definidas pela 6-tupla C = (g0 , g1 , δ0 , δ1 , ι, ◦) onde:
i2 → 2, i3 → 3})
92
• δ1 = conjunto de funções de destino (e.g., δ1 = {a → 2, b → 3, c → 3, i1 → 1,
i2 → 2, i3 → 3})
Figura 4.3: Representação genérica de uma categoria. Elaboração do autor com base em
MacLane (1948, 1998).
Desta forma, uma categoria C é entendida como um gráfico reflexivo com uma fun-
ção de composição associada, do tipo ◦ : g1 X g1 → g1 , que respeita as propriedades
de identidade (I) e associatividade (A), garantindo, respectivamente, o isomorfismo de
cada objeto consigo mesmo e o morfismo composto entre dois objetos adjacentes com um
terceiro. Essas propriedades são representadas pelas seguintes expressões:
Comparando-se a cadeia semiótica com a 6-tupla que define uma categoria, é possível
formalizar a categoria das semioses (CSem) como CSem = (g0 , g1 , δ0 , δ1 , ι, ◦) , onde:
93
• Funções origem são definidas de acordo com o arco correspondente (e.g., δ0 = {sa →
• Funções destino também são definidas de acordo com o arco correspondente (e.g.,
δ1 = {sa → M 2, sb → M 3, sc → M 3, si1 → M 1, si2 → M 2, si3 → M 3})
→ si3 , (si1 , sa) → sa, (sa, si2 ) → sa, (si1 , sb), (sb, si3 ) → sb, (si2 , sc) → sc, (sc, si3 )
→ sc, (sa, sc) → sb})
A categoria das semioses, assim formalizada, pode ser representada pelo diagrama da
figura 4.4.
Figura 4.4: Representação da categoria das semioses formalizada através da teoria das
categorias. Os quadros semióticos foram acrescentados apenas para explicitar a ação dos
signos. Elaboração do autor.
Segundo Neto, Vega e Ramos (2009, pp. 92-192), os autômatos finitos são dispositivos de
aceitação de sentenças ou cadeias que, no estudo das linguagens formais, apresentam-se
como construções formadas pela justaposição de um número finito de símbolos proveni-
entes de um alfabeto, finito e não-vazio. Os autômatos finitos tornam possível a forma-
lização de linguagens regulares, podendo ser definidos pela conjugação de três tipos de
elementos: estados, funções de transição e um alfabeto de símbolos reconhecíveis. Autô-
matos finitos operam através de uma série de mudanças de estado que o levam de uma
configuração inicial a um estado final, podendo ser classificados como determinísticos
94
ou não-determinísticos. O primeiro caso compreende todos os autômatos que apresentam
uma única possibilidade de movimentação para todas as transições passíveis de serem exe-
cutadas; o segundo caso reúne os autômatos que apresentam mais de uma alternativa de
movimentação para, pelo menos, uma de suas configurações, assim, todas as possibilida-
des são consideradas legítimas e o autômato deve testar, de maneira sucessiva e aleatória,
todas as possibilidades até que um estado final seja obtido ou, após todas as tentativas,
nenhum estado final seja alcançado. Normalmente, os autômatos finitos determinísticos
são mais adequados para a computação serial, enquanto os não-determinísticos para a
computação paralela, porém, sempre existe um autômato determinístico equivalente para
qualquer autômato não-determinístico.
Ainda tendo como base os mesmos autores, um autômato finito determinístico D3
pode ser representado algebricamente como uma quíntupla do tipo D = (Q, Σ, δ, q0 , F ) ,
onde:
• Q = conjunto de estados
• Σ = alfabeto
• q0 = estado inicial
Q = {q0 , q1 , q2 }
Σ = {0, 1, 2}
δ = {(q0 , 0) → q0 , (q0 , 1) → q1 , (q0 , 2) → q2 ,
(q1 , 0) → q1 , (q1 , 1) → q1 , (q1 , 2) → q2 ,
(q2 , 0) → q2 , (q2 , 1) → q2 , (q2 , 2) → q2 }
F = {q2 }
95
Figura 4.5: Autômato finito determinístico com função de transição total. Elaboração do
autor com base em Neto, Vega e Ramos (2009, p. 153).
Q = {q0 , q1 , q2 }
Σ = {a, b, c}
δ = {(q0 , a) → {q1 , q2 }, (q1 , b) → {q1 , q2 }, (q2 , c) → {q2 }}
F = {q1 , q2 }
Para este autômato, também é possível ser estabelecida uma representação diagramá-
tica equivalente (ver fig. 4.6).
Figura 4.6: Autômato finito não-determinístico. Elaboração do autor com base em Neto,
Vega e Ramos (2009, p. 157).
Esta brevíssima introdução à teoria dos autômatos finitos no contexto das lingua-
gens formais, obviamente, não pretende esgotar a complexidade envolvida neste campo,
mas apenas apresentar alguns conceitos básicos necessários para o andamento desta pes-
quisa, o suficiente para que seja desenvolvida a ideia de categoria dos autômatos finitos,
estabelecida diagramaticamente como se segue.
Num primeiro passo, portanto, cabe associar os elementos de um autômato finito à
definição algébrica das categorias, resultando na categoria dos autômatos finitos, definida
através de uma 6-tupla do tipo CAut = (g0 , g1 , δ0 , δ1 , ι, ◦) — do mesmo modo que a
categoria das semioses —, onde:
96
• Cada nó E de g0 corresponde a um estado (e.g., g0 = {E1, E2, E3})
• Cada arco t de g1 corresponde a uma função de transição (t) (e.g., g1 = {ta, tb, tc, ti1 , ti2 , ti3 })
• Funções origem são definidas de acordo com o arco correspondente (e.g., δ0 = {ta →
• Funções destino também são definidas de acordo com o arco correspondente (e.g.,
δ1 = {sa → E2, tb → E3, tc → E3, ti1 → E1, ti2 → E2, ti3 → E3})
A categoria dos autômatos finitos, assim formalizada, pode ser representada pelo
diagrama da figura 4.7:
De acordo com Hofstadter (1979, p. 49), o termo isomorfismo é aplicado às situações nas
quais duas estruturas complexas podem ser mapeadas entre si, de maneira que, para cada
parte de uma dessas estruturas, exista uma parte correspondente na outra estrutura. A
ideia de isomorfismo entendida no âmbito da teoria das categorias remete ao conceito de
functor:
97
Uma das lições da teoria das categorias é que, quando nos deparamos
com um novo tipo de objeto matemático, devemos sempre perguntar se
há uma noção sensível de “mapa” entre tais objetos. Podemos fazer a
mesma pergunta a respeito das próprias categorias. A resposta é sim, e
um mapa entre categorias é chamado de functor. (LEINSTER, 2014, p.
17)4
98
atingindo o momento M2; a cadeia semiótica responsável por este fenômeno pode encadear
vários tipos de signos5 , mas é determinante sua finalização pela réplica de um legissigno
indicial dicente, apontando uma informação real. O animal permanece no momento M2
até retornar ao momento M1 por ação de sa’, quando o evento não estiver mais presente.
Agora, apenas qualissignos voltam a atuar sem que qualquer signo de perigo tenha sido
presenciado. A repetição desta dinâmica leva à aprendizagem. Após a fixação da memória
deste evento não nocivo, na próxima repetição do estímulo, em vez da mudança de estados
de M1 para M2, ocorre a transição de M1 para M3 por ação de sb e influência de um
legissigno indicial remático, ou seja, sem a presença de informação real, afinal o evento
já não é mais desconhecido. O animal permanece neste estado até que uma de duas
situações ocorra: 1. a ausência prolongada do estímulo aprendido causa um efeito de
“esquecimento”, retornando para M1 através de sb’; ou 2. um estímulo do mesmo tipo,
porém mais acentuado e percebido novamente como possível perigo, faz o animal passar
de M3 diretamente a M2 através de sc, estabelecendo um novo ciclo de aprendizagem.
A categoria das semioses envolvidas neste comportamento pode, então, ser mapeada
isomorficamente numa categoria dos autômatos correspondente (ver fig. 4.9).
Figura 4.9: Isomorfismo entre as categorias das semioses e dos autômatos finitos, resul-
tando no seguinte mapeamento: M1 7→ E1, M2 7→ E2, M3 7→ E3, sa 7→ ta, si1 7→ ti1, sb’
7→ tb’, sa’ 7→ ta’, si2 7→ ti2, sb 7→ tb, si3 7→ ti3, sc 7→ tc. Elaboração do autor.
99
• F = (gof ) = F (f ) ◦ F (g), para todo morfismo f : (s, s0 ) e g : (t, t0 ), respeitando a
propriedade de associatividade.
100
Diagrama parcial 1 (M1, M2 e M3): Conforme a figura 4.11, em M1, o animal se
encontra em estado de primeiridade, sofrendo a ação exclusiva de qualissignos, represen-
tados pelo morfismo si1. A presença de legissignos icônicos, morfismo sa, leva o animal a
M2, lá permanecendo enquanto a ação destes signos persistir (si2). Não sendo um evento
relevante, ou seja, uma mera figura que se destacou do fundo mas sem qualquer importân-
cia naquele instante, ao encerrar a persistência de si2, ocorre o retorno para M1 através
do morfismo sa’. Porém, sendo um evento relevante (e.g. uma figura de certa dimensão
que exige uma consideração maior por parte da aplísia), indicando um contexto específico
(e.g. eventual ameaça), ocorre a mudança de M2 para um momento intermediário M2’
(morfismo sc). Este momento intermediário (si2’) é o limiar do reconhecimento ou não
do evento em questão. Sendo reconhecido, o morfismo sc leva de M2’ para M3, represen-
tando a ação de legissignos indiciais remáticos. Se apenas esta classe de signos estiver em
ação, sem qualquer simbolização de perigo, o estado é alterado de M3 para M1 através
de sd e o animal retorna ao estado de primeiridade. Porém, existindo um símbolo de
perigo por ação de legissignos simbólicos remáticos, ocorre a passagem de M3 para M3’,
permanecendo assim (morfismo si3’) enquanto persistir o perigo. Ao final, quando não
existir mais qualquer vestígio simbólico de um evento nocivo, a aplísia retorna ao estado
de primeiridade (morfismo sf ).
Figura 4.11: Diagrama parcial representando a categoria das semioses envolvida nos mo-
mentos M1, M2 e M3, construído a partir dos elementos correspondentes no diagrama
semiótico. Elaboração do autor.
101
conforme a figura 4.12, ao atingir o momento M2’, para o caso em que o evento em
questão não é reconhecido, a passagem ocorre de M2’ para M4, através do morfismo sg,
representando a ação de legissignos indiciais dicentes. Em M4, o morfismo si4 indica
a permanência momentânea ali até que seja identificada a existência de algum elemento
simbólico que caracterize perigo potencial — presença de legissignos simbólicos dicentes
—, representados pelo morfismo si e ocasionando a transição para M4’ (si4’ indica a
persistência do momento). Não ocorrendo qualquer evidencia de evento nocivo, atua
o morfismo sh, promovendo o retorno para M1. Estando em M4’, no entanto, duas
consequências podem ter lugar: 1. pelo morfismo sj, após constatar-se afastado o perigo,
ocorre a transição de M4’ para M1 sob ação de legissignos indiciais dicentes e sem que o
animal tenha ainda aprendido algo sobre este novo encontro; ou 2. Após certo número de
repetições deste evento, por ação de legissignos simbólicos argumentos, a aplísia “entende”
o caráter nocivo atrelado ao novo evento, realizando a transição de M4’ para M5 através
do morfismo sk. Finalmente, o estado M5 persiste enquanto durar a situação de perigo
(si5), após o qual, ocorre a transição para M1 pelo morfismo si, finalizando o processo
de aprendizagem.
Figura 4.12: Diagrama parcial representando a categoria das semioses envolvida nos mo-
mentos M1, M2, M4 e M5 construído a partir dos elementos correspondentes no diagrama
semiótico. Elaboração do autor.
Diagrama integral (M1, M2, M3, M4 e M5): cabe agora a união dos diagramas
parciais formando a categoria das semioses para o comportamento de aprendizagem da
Aplysia californica. A figura 4.13 apresenta o resultado e já acrescenta o diagrama re-
presentativo da categoria dos autômatos finitos correspondente, obtido pelo mapeamento
entre as partes como visto anteriormente. Por isomorfismo, recapitulando, momentos M
são transpostos em estados E, enquanto as semioses s são transpostas em transições t.
102
Figura 4.13: Diagramas correspondentes à categoria das semiose e à categoria dos autô-
matos finitos obtidos pela transposição semiótica. Elaboração do autor.
6
Para seguir a nomenclatura de Neto, Vega e Ramos (2009) para os diagramas de transição dos
autômatos finitos que apresentam o estado inicial com índice 0 (q0 ), um leve deslocamento dos índi-
ces é necessário, assim E1 corresponde a q0 , E2 corresponde a q1 , e assim, sucessivamente até E5 que
corresponde a q4 .
103
Figura 4.14: Autômato finito não-determinístico derivado da categoria dos autômatos.
Elaboração do autor.
Nesta figura, as matrizes acrescentadas não fazem parte dos diagramas de transição
de estados convencionais. Neste caso, elas foram acrescentadas para indicar a matriz que
atua em cada momento e qual dos seus elementos determina a transição. A matriz básica,
de notação S111 , está presente no início indicando a especificação do “mundo perceptível”
do autômato (símbolo 1 nas posições a11 , a12 e a13 ). Assim, sucessivamente, os elementos
das matrizes se apresentam como valores de entrada para efetuar as transições de estados
segundo a sintaxe explicitada pelo autômato:
• Em q1 testa-se uma restrição de domínio sendo que 0 indica falha no teste e retorno
a q0 enquanto 1 indica sucesso e transição para q10 — para o animal, a falha no
teste significa o retorno à primeiridade efetuada pela ausência de elemento indicial
104
no legissigno icônico (S311 ), o sucesso, no entanto, significa que a atuação sígnica
passou a ocorrer pela ação de um legissigno indicial remático, transposto como
matriz S321 ;
105
4.3.2 Nível focal: células
106
A transposição semiótica para o circuito mediador ocorre, primeiramente, através
do isomorfismo entre as categorias das semioses e dos autômatos finitos apresentado na
figura 4.16.
Figura 4.16: Diagramas correspondentes à categoria das semiose e à categoria dos autô-
matos finitos relativos ao circuito mediador. Elaboração do autor.
107
Q = {q0 , q1 , q2 , q20 , q3 }
Σ = {0, 1}
δ = {(q0 , 0) → {q0 }, (q0 , 1) → {q1 , q2 },
(q1 , 0) → {q0 }, (q1 , 1) → {q1 },
(q2 , 0) → {q0 }, (q2 , 1) → {q2 , q20 },
(q20 , 0) → {q0 }, (q20 , 1) → {q20 , q3 },
(q30 , 0) → {q0 }, (q30 , 1) → {q3 }}
F = {q0 }
108
de terminais ativos entre os neurônios sensor e motor, enquanto na sensibilização de longo
prazo este número é aumentado.
Figura 4.19: Diagramas correspondentes à categoria das semiose e à categoria dos autô-
matos finitos relativos ao circuito modulatório. Elaboração do autor.
109
Figura 4.20: Autômato finito correspondente ao circuito modulatório. Elaboração do
autor.
Q = {q0 , q1 , q10 , q2 }
Σ = {0, 1}
δ = {(q0 , 0) → {q0 }, (q0 , 1) → {q1 },
(q1 , 0) → {q0 }, (q1 , 1) → {q1 , q10 },
(q10 , 0) → {q0 }, (q10 , 1) → {q10 , q2 },
(q2 , 0) → {q0 }, (q2 , 1) → {q2 }}
F = {q0 }
4.4 Resumo
110
colunas, por seu lado, correspondem ao signo em si e sua relação com o objeto e
com o interpretante.
111
Capítulo 5
Estudo de casos
5.1.1 Introdução
Este processo ocorre guiado pelos códons, que são sequências de três bases hidrogena-
das. No RNA essas bases podem ser Adenina (A), Guanina (G), Uracila (U) e Citosina
(C). Uma fita de RNAm contém uma sequência de códons a ser traduzida pelo ribossomo.
O ribossomo, ao se mover ao longo da fita de RNAm, traduz cada códon encontrado em um
aminoácido específico dentre vinte verificáveis. Ao ler certo códon, o ribossomo convoca
o RNAt capaz de se acoplar a ele através de seu anticódon, sendo que, os acoplamentos
possíveis são A com U e G com C. Cada RNAt convocado transporta um aminoácido
específico. Após a leitura de todos os códons, forma-se uma proteína, ou seja, uma cadeia
de aminoácidos dobrada em uma forma distinta de acordo com sua sequência. Dentre os
vinte códons, a sequência AUG indica o início da mensagem a ser traduzida, e as sequên-
cias UAA, UAG e UGA indicam o final da mensagem. Assim, o códon inicial (AUG) só
poderá se acoplar a um RNAt que contenha o anticódon UAC (Ibid.).
113
é o nível molecular das ligações genéticas possíveis, e o nível superior ou macrossemiótico,
que apresenta as restrições naturais, é o nível do citoplasma, ambiente onde se encontram
o ribossomo, a fita de RNAm e as moléculas de RNAt. Nesta análise, são considerados
cinco momentos distintos: I - ribossomo em estado de espera, II - identificação da fita de
RNAm ou acoplamento, III - busca pelo início da mensagem, IV - fabricação da proteína,
e V - fechamento da cadeia pela identificação do códon final. Assim, a seguinte descrição
pode ser estabelecida:
114
a busca pelo início da mensagem no momento seguinte. Realizados os acoplamentos, no
momento III ocorre a busca pelo início da mensagem, o ribossomo percorre a fita até que
uma reação química ocorra entre o códon AUG e o anticódon UAC, apenas esta reação
química é possível neste momento. Tendo sido encontrado o início da mensagem, no
momento IV tomam parte uma sequência de novas reações químicas para a formação da
cadeia de aminoácidos de acordo com o código presente na fita de RNAm. Finalmente, no
momento V, ao encontrar um códon específico que indique o final do processo de tradução,
ocorre a última reação química que fecha a cadeia, liberando a proteína fabricada. Ver
fig.5.1 (Moléculas).
115
Figura 5.1: Diagrama semiótico do fenômeno de tradução gênica (nível focal: organelas).
e1 a e5 representam as entradas, s1 a s5 representam as saídas. P, S e T apontam,
respectivamente, os estados de primeiridade, secundidade e terceiridade. Elaboração do
autor.
116
5.1.3 Autômato finito
Tendo sido construído o diagrama semiótico para o fenômeno de tradução gênica, esta
seção tem como meta a construção do autômato finito correspondente. Considerando os
momentos envolvidos, de M1 a M5, segue a análise de cada passagem de momento. Em
ordem, obtém-se: a categoria das semioses envolvidas, a categoria do autômato finito (por
isomorfismo entre as categorias) e o diagrama de transição de estados deste autômato.
Conforme a figura 5.2, no momento M1, o ribossomo se encontra envolto pelo citoplasma
e em estado de primeiridade, sem que qualquer fita de RNAm esteja presente, portanto,
sofre apenas a ação de qualissignos icônicos remáticos, representados pelo morfismo si1.
A presença de uma fita de RNAm (legissignos icônicos remáticos) provoca o morfismo
sa, levando o ribossomo ao momento M2, onde permanece (si2) até que os acoplamentos
sejam efetuados: entre a subparte inferior do ribossomo e a fita de RNAm, e entre a
subparte superior do ribossomo e o RNAt que transporta o aminoácido referente ao códon
UAC, necessário para o início do processo de tradução gênica.
117
Figura 5.2: Diagrama representando a categoria das semioses envolvidas nos momentos
M1, M2, M3, M4 e M5, construído com base no diagrama semiótico correspondente.
Elaboração do autor.
118
Figura 5.3: Diagramas correspondentes às categorias das semiose e dos autômatos finitos
obtidos pela transposição semiótica. Elaboração do autor.
Q = {q0 , q1 , q2 , q3 , q4 , q40 , q5 }
Σ = {0, 1}
δ = {(q0 , 0) → {q0 }, (q0 , 1) → {q1 },
(q1 , 0) → {q2 }, (q1 , 1) → {q1 },
(q2 , 0) → {q2 }, (q2 , 1) → {q3 },
(q3 , 0) → {q3 , q4 }, (q3 , 1) → {q30 },
(q30 , 0) → {q3 }, (q30 , 1) → {q30 },
(q4 , 0) → {q4 }, (q4 , 1) → {q0 }}
F = {q0 }
119
Figura 5.4: Autômato finito não-determinístico relativo ao fenômeno de tradução gênica,
derivado da categoria dos autômatos. Elaboração do autor.
120
mensagem (ação de um legissigno indicial remático, transposto em S321 ), enquanto
o sistema permanece em q2 o ribossomo continua a busca (ação de um legissigno
icônico remático, transposto em S311 );
121
5.2 Cadeia de vacância
5.2.1 Introdução
122
O comportamento sofisticado dos Pagurus longicarpus é mais explícito na modalidade
síncrona das trocas de conchas. Afinal, mediante a vacância percebida numa concha
atraente — intacta e de bom tamanho —, o que se poderia esperar de um animal de
cérebro relativamente pequeno e simples seria a competição acirrada pelo novo abrigo.
No entanto, o que se observa é um comportamento orquestrado, sugerindo a presença de
cognição social sofisticada.
O nível focal adequado para o estudo da cadeia de vacância no comportamento dos pa-
guros é o nível do indivíduo. Consequentemente, o nível inferior ou microssemiótico,
iniciador dos processos, é o nível dos processos neurais e o nível superior ou macrossemió-
tico, que apresenta as restrições naturais, é o nível ecológico de seu relacionamento com
outros indivíduos. Aqui, existe uma sutil diferença com relação ao caso do fenômeno de
aprendizagem e memória da Aplysia californica. No caso da aplísia, foram considerados
dois níveis focais — organismo e células — resultando em dois conjuntos de diagramas, no
caso do paguro, apenas o nível do organismo está em jogo, pois a preocupação é analisar
somente a interação social que ocorre entre os indivíduos. Aqui, portanto, o paguro é con-
siderado como uma caixa preta, e apenas seu comportamento como indivíduo é levado em
conta. Desta forma, um esquema preliminar relativo ao comportamento assíncrono pode
ser estabelecido. Nele podem ser constatados quatro momentos distintos: momento I -
animal distraído, momento II - encontro com uma concha vazia, momento III - verificação
de adequação de tamanho e momento IV - decisão pela troca de concha ou permanência
com a concha antiga. A este esquema, considerando-se o comportamento síncrono, pode
ser agregada uma bifurcação no momento de encontro. Agora este encontro se dá não
apenas com a concha, mas também com outros indivíduos (momento II’), o que acarreta
uma nova etapa de verificação de tamanho (classificação), não mais com relação à concha,
mas com relação aos outros indivíduos (momento III’), resultando no posicionamento em
fila de acordo com o tamanho de cada caranguejo, do maior para o menor. Depois de
certo tempo de espera, cada indivíduo pode fazer a verificação da adequação da concha
vazia (momento III) e, finalmente, proceder à decisão de utilizar a concha vazia ou não
(momento IV). Este esquema pode ser visualizado na figura 5.5, cuja descrição segue
123
abaixo:
124
faz uma outra verificação de dimensões (e3’) com um efeito classificatório (s3’), ou seja,
coloca-se em fila de acordo com a ordem de tamanho dos indivíduos, chegando sua vez,
passa ao momento III e o fluxo segue da mesma forma que na dinâmica assíncrona. Ver
fig.5.6 (Ecossistema).
Nível focal (nível focal): também neste exemplo, os processos semióticos verifica-
dos no nível focal são determinados pelas condições de fronteira do nível macrossemiótico
e pelas condições iniciadoras do nível microssemiótico. A entidade interpretadora é o
indivíduo e as possibilidades de ações sígnicas dependem das pré-disposições sociais da
espécie expressas por influência do seu fenótipo. No momento I, enquanto certo indivíduo
transita livremente sem que nada lhe chame a atenção, apenas qualissignos estão atu-
ando (primeiridade). No momento II, a presença de uma concha vazia (legissigno icônico
remático corporificado em suas réplica, um sinsigno do mesmo tipo) capta a atenção do
indivíduo, promovendo a transição entre os estados de primeiridade e secundidade. Então,
seguem-se as duas dinâmicas possíveis. Primeiramente, não existindo outros indivíduos,
a dinâmica assíncrona se instala, levando o animal ao momento III em que ele realiza
a verificação das dimensões da concha com relação ao seu próprio corpo. Considera-se,
aqui, a ação exclusiva de legissignos icônicos remáticos, pois há uma relação direta entre
corpo e receptáculo, algo da ordem do caber (corforto) ou não caber (desconforto), sem
espaço para índices ou dicentes. Após a verificação, a decisão final ocorre também de
maneira direta, conforto leva à aceitação da nova concha, desconforte à recusa. Portanto,
a dinâmica assíncrona seria regida completamente por legissignos icônicos. Por outro
lado, a presença de outros indivíduos no momento II leva a uma bifurcação em direção
ao momento II’ por ação de legissignos indiciais remáticos. O caráter indicial refere-se à
necessidade de se formar uma fila, ação que não pode ser entendida considerando-se ex-
clusivamente a ação de ícones. Assim, para se formar a fila de espera, ocorre a transição
para o momento III’ para que outro tipo de verificação aconteça, ou melhor, uma classi-
ficação. Agora não se trata da comparação do corpo do intérprete com um espaço, mas
uma comparação com outros corpos, exigindo a capacidade de interpretação de legissignos
indiciais remáticos, pois indicam uma posição relativa. Assim, pode-se estabelecer que a
bifurcação síncrona ocorre por ação de legissignos indiciais remáticos. Então, tendo sido
construída a fila de espera, o sistema volta às mesmas condições da dinâmica assíncrona,
passando, sequencialmente, pelos momentos III e IV. Ver fig.5.6 (Indivíduo).
125
Figura 5.6: Diagrama semiótico da dinâmica da cadeia de vacância (nível focal: indiví-
duo). e1 a e4 representam as entradas, s1 a s4 representam as saídas. P, S e T apontam,
respectivamente, os estados de primeiridade, secundidade e terceiridade. Elaboração do
autor.
126
5.2.3 Autômato finito
Esta seção tem como meta a construção do autômato finito correspondente às dinâmicas
assíncrona e síncrona referentes à cadeia de vacância do comportamento de troca de
conchas do Pagurus longicarpus. Considerando os momentos envolvidos, de M1 a M4,
a análise desses momentos leva ao estabelecimento da categoria das semioses envolvidas,
da categoria do autômato finito (por isomorfismo entre as categorias) e do diagrama de
transição de estados deste autômato.
127
Figura 5.7: Diagrama representando a categoria das semioses envolvidas nos momentos
M1, M2, M3 e M4, construído com base no diagrama semiótico correspondente. Elabo-
ração do autor.
128
transpostas em transições t.
Figura 5.8: Diagramas correspondentes às categorias das semiose e dos autômatos finitos
obtidos pela transposição semiótica. Elaboração do autor.
129
δ = {(q0 , 0) → {q0 }, (q0 , 1) → {q1 },
(q1 , 0) → {q2 }, (q1 , 1) → {q1 , q10 },
(q2 , 0) → {q2 }, (q2 , 1) → {q3 },
(q3 , 0) → {q0 }, (q3 , 1) → {q3 , },
(q10 , 0) → {q20 }, (q10 , 1) → {q10 },
(q20 , 0) → {q2 }, (q20 , 1) → {q20 }}
F = {q0 }
130
• Em q1 estão presentes três possibilidades: primeiro, o símbolo 0 faz o sistema tran-
sitar para q2 , enquanto o símbolo 1, ou mantem o sistema em q1 , ou promove a
transição para q10 — considerando o mundo do animal, 0 representa a ausência
de outros competidores, enquanto 1 representa tanto a presença da concha (S311 )
quanto a presença de outros competidores S321 .
5.3 Resumo
Este capítulo final da pesquisa tratou de duas aplicações da transposição semiótica com
intuito de verificar a possibilidade de generalização deste procedimento para o estudo de
casos relativos à vida artificial. Em resumo:
1. O primeiro caso tratou do fenômeno de tradução gênica, tendo como foco o nível
das organelas celulares, mais especificamente, adotando o ribossomo como entidade
interpretadora.
131
3. Nos dois casos, foram apresentados os seguintes diagramas: diagrama semiótico
representativo do fenômeno em questão, diagramas das categorias das semioses e
dos autômatos finitos e diagramas de transição de estados correspondentes a cada
um dos fenômenos.
132
Conclusão
A hipótese de uma resposta afirmativa para esta questão baseou-se nas considera-
ções de Emmeche sobre o sinequismo de Peirce, contrário à concepção de Langton de
que uma vida artificial poderia ser desenvolvida independentemente da materialidade que
a suporta. Assim, como primeiro passo, foram apresentados os principais conceitos da
semiótica peirceana e suas relações com a biossemiótica e com o estruturalismo hierár-
quico, contribuindo para o fortalecimento dos fundamentos da transposição semiótica e,
consequentemente, alcançando o primeiro dos objetivos específicos propostos. Duas con-
tribuições originais da pesquisa podem ser depreendidas desta fase: a concepção de uma
nova representação diagramática para os signos apresentada como um quadro semiótico
no qual as posições dos elementos invocam suas possíveis relações; e o desenvolvimento
de diagramas semióticos capazes de expressar as relações sígnicas subjacentes aos fenô-
menos biológicos, tais diagramas foram apresentados como resultado da primeira etapa
da transposição semiótica.
Cabe destacar uma última contribuição, de caráter geral e levada a cabo de maneira
colateral: o desenvolvimento da tese se apoiou fortemente no pensamento diagramático,
sendo que as características qualitativas dos resultados alcançados decorreram diretamente
desta escolha. Assim, tendo o pensamento diagramático, ou diagramatologia, influenci-
ado decisivamente o avanço da pesquisa, certamente a própria pesquisa contribuiu para
demonstrar o potencial dos diagramas como elementos de auxílio à cognição humana.
Desenvolvimento futuro
Normalmente, os resultado obtidos numa pesquisa científica têm caráter provisório. En-
contrar respostas para algumas questões implica, necessariamente, em se deparar com
novas indagações que exigem esforços complementares. Desta forma, esta seção tem por
finalidade apontar possíveis desdobramentos que podem surgir a partir deste ponto.
A ideia de transposição semiótica é anterior a esta tese, tendo sido concebida como um mé-
todo para o desenvolvimento de softwares biomiméticos (CAMARGO, 2014; CAMARGO;
VEGA, 2014). Naquela época, os resultados obtidos, apesar de adequados quando com-
parados ao escopo proposto, apontaram a necessidade de uma fundamentação semiótica
mais consistente. Esta tese buscou, portanto, satisfazer esta necessidade através do estudo
da obra de Charles Sanders Peirce. No entanto, ainda longe de esgotar esta questão, a
134
obra peirceana, vasta e complexa, apresenta-se como um instrumento inesgotável para o
contínuo desenvolvimento da transposição semiótica. Neste contexto, um dos pontos que
podem ser destacados diz respeito à precisão na identificação da classe a que pertencem
os signos envolvido em certo fenômeno biológico. Apesar da afirmação de Peirce de que
raramente se exige exatidão na definição da classe à qual pertencem os signos, e de que,
de certo modo, sempre se chega bastante perto do caráter sígnico para qualquer propósito
normal da lógica (CP 2.265), no caso da transposição semiótica, quanto mais precisa for
esta classificação, mais adequado deverá ser o autômato finito correspondente.
Ainda com relação aos fundamentos da transposição semiótica, vale explorar, de ma-
neira mais completa, todo o potencial da teoria das categorias, além de investigar outros
campos da matemática e dos sistemas formais. Inclusive, é importante mencionar os
trabalhos de Peirce a respeito dos grafos existenciais, sistema lógico-diagramático com
potencial de expressão equiparado aos sistemas simbólicos da lógica clássica.
135
(PG) e programação evolutiva (PE); a computação evolucionária interativa (CEI) que é a
tecnologia na qual a CE otimiza os sistemas alvo de acordo com a avaliação subjetiva hu-
mana; modelagem baseada em agentes (MA) que utiliza múltiplos agentes cujas decisões
são inteiramente baseadas em informações locais; e a otimização tipo colônia de formigas
(OCF) que utiliza insetos artificiais para encontrar soluções para problemas combinatórios
complexos (KIM; CHO, 2006b).
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