TCC - Ítalo Oliveira de Jesus (Versão Final Facom)
TCC - Ítalo Oliveira de Jesus (Versão Final Facom)
TCC - Ítalo Oliveira de Jesus (Versão Final Facom)
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Salvador
2013
1
ÍTALO OLIVEIRA DE JESUS
“SEU JORNAL”:
Salvador
2013
2
AGRADECIMENTOS
A Gabrielli, Valéria e Verena, pela amizade que transcendeu a relação acadêmica e pelo
apoio nas horas mais difíceis.
3
DE JESUS, Ítalo Oliveira. Seu Jornal: análise do Modo de Endereçamento no
Telejornal da TV dos Trabalhadores. Monografia – Faculdade de Comunicação,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
RESUMO
Em 2010, a TV dos Trabalhadores (TVT) foi criada em São Paulo. A primeira outorga
de TV aberta dada a um sindicato de trabalhadores no Brasil, através da Fundação
Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Paulista aconteceu durante o segundo mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva,
do Partido dos Trabalhadores. O objetivo do trabalho foi ver e analisar o modo de
endereçamento do primeiro e único telejornal da emissora, o Seu Jornal. Para isso
utilizamos a Metodologia de Análise de Telejornalismo desenvolvida pela pesquisadora
Itania Gomes no âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo, ligado ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, da Universidade Federal da
Bahia.
4
LISTA DE FIGURAS
Figura 3: Plano Médio. O enquadramento mais utilizado pelo Seu Jornal .................. 39
Figura 4: Plano Geral. Na imagem acima, o apresentador Carlos Ribeiro conversa com
Paulo Donizetti, da Revista do Brasil. Edição do dia 12 de dezembro de 2011 .......... 40
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7
9. REFERÊNCIAS .............................................................................................. 71
6
1. INTRODUÇÃO
Liderando por anos a lista dos países mais desiguais do mundo, o Brasil tem passado
por importantes e profundas mudanças sociais, econômicas e políticas nos últimos anos.
Desde a redemocratização, em 1985, o país estabilizou a moeda e controlou a inflação,
mas as mudanças mais intensas aconteceram após 2003, com a posse do presidente Luís
Inácio Lula da Silva, eleito com 55 milhões de votos. Com o apoio histórico dos
movimentos sociais e entidades da sociedade civil, como o sindicatos, e de diversos
partidos, o candidato chegou ao governo e deu início a uma série de mudanças nas
políticas sociais.
7
A partir dessas considerações e com a criação da TV dos Trabalhadores, a questão que
se coloca neste trabalho é: de que forma um telejornal semanal – exibido de segunda a
sexta-feira – de uma televisão educativa mantida por um sindicato se endereça ao seu
público? De que forma este telejornal constrói um estilo a ser reconhecido pelo seu
telespectador?
Na tentativa de responder essas questões, o nosso objeto de estudo, o Seu Jornal, foi
submetido à Metodologia de Análise de Telejornalismo, desenvolvido por Itania Gomes
e fruto dos estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo,
que em 2011 completou 10 anos. A Metodologia trabalha com conceitos como Estrutura
de Sentimento, Modo de Endereçamento e Gênero Televisivo e desenvolveu quatro
operadores para a análise do modo de endereçamento de produtos telejornalísticos:
mediador, contexto comunicativo, pacto sobre o papel do jornalismo e a organização
temática do telejornal.
Essa abordagem analítica tem como base teórica os Estudos Culturais, corrente de
investigação que surgiu no final da década de 1950 na Inglaterra e teve como
fundadores Raymond Williams, Richard Hoggart e Edward Thompsom. Segundo essa
corrente de pensamento, a relação entre cultura e sociedade não pode ser separada.
Assim sendo, a cultura abarca todas as relações sociais, políticas e de poder nas quais as
nossas práticas cotidianas estão inseridas. Pensar a análise de um telejornal a partir
dessa corrente implica ver o telejornalismo como resultado da articulação dessas
relações. De acordo com Raymond Williams (1979), o jornalismo é uma instituição
social e sua construção é cultural. Essa definição do autor se torna clara neste programa,
uma vez que podemos observar o contexto social, político e econômico no qual surgem
a TV dos Trabalhadores e o Seu Jornal. Mais ainda se levarmos em conta que os
sistema de televisões do Brasil é majoritariamente composto por emissoras privadas e
líderes de audiência.
8
analítico numa tentativa de encontrar as marcas do programa e observar o seu modo de
endereçamento. O corpus deste trabalho é composto por duas semanas de gravação,
totalizando 10 programas. A primeira semana se refere ao período entre 12 e 16 de
dezembro de 2011 e, a segunda semana, ao período que vai de 23 a 27 de janeiro de
2012.
9
2. TELEVISÃO E TELEJORNALISMO NO BRASIL
1
Em http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=8600
2
TV Tupi iniciou suas operações em 1950. A emissora paulista foi fundada por Assis Chateaubriand,
dono dos Diários Associados, na época, o maior grupo de comunicação do Brasil.
10
diversificação dos mercados e pela racionalização de seus processos de
produção (BARBERO; REY, 2001, p. 67).
Os autores falam sobre a capacidade da televisão de ficar com maior parte dos recursos
de publicidade e como produtos da televisão, a exemplo das telenovelas e os noticiários,
possuem recursos orçamentários milionários. Em um artigo sobre as estratégias da TV
Globo – maior emissora de televisão do Brasil – a pesquisadora Itania Gomes (2011)
observa a relação histórica entre política e economia na emissora e em seu principal
telejornal, o Jornal Nacional (JN).
Apesar de ser o telejornal mais antigo em exibição no Brasil, o Jornal Nacional não foi
o primeiro telejornal do país. O Imagens do Dia era exibido pela então recém-criada TV
Tupi. O telejornal foi exibido pela primeira vez em setembro de 1950, no mesmo mês
em que a emissora de televisão foi inaugurada. Segundo o pesquisador Guilherme
Rezende (2010), os primeiros telejornais do país são fortemente marcados pela
influência do rádio e eram precários do ponto de vista técnico, o que acabava por refletir
na qualidade do programa.
3
Porcentagem de televisores ligados no canal em relação ao total.
4
Em http://comercial2.redeglobo.com.br/programacao/Pages/jornal-nacional.aspx?a=2. Acessado em
18/04/2012.
11
Em seus anos iniciais, os telejornais eram bastante parecidos em relação à aparência, ao
visual. Rezende (2010) afirma que “os noticiários eram apresentados por locutores com
estilo ‘forte e vibrante’”, o que marcaria a influência do rádio. Em termos visuais,
segundo Fernando Barbosa Lima, “os telejornais eram parecidos: uma cortina de fundo,
uma mesa e uma cartela com o nome do patrocinador” (1985 apud REZENDE, 2010,
p.57). O Imagens do Dia não foi, no entanto, o único telejornal a surgir na emissora. Em
1952, a TV Tupi criou o Telenotícias Panair, exibido às 21h, e, pouco depois criou
aquele que viria a ser o principal telejornal da época, o Repórter Esso.
12
A análise do telejornal tem como base teórica e metodológica as pesquisas dos Estudos
Culturais em associação com os estudos da linguagem. Diversos autores tem se
debruçado diante da discussão sobre a cultura em seus mais diversos âmbitos e formas,
incluindo aí a televisão e o telejornalismo. Pensar algo dentro da perspectiva dos
estudos culturais deve levar em conta aspectos das mais diversas ordens: históricos,
culturais, sociais e ideológicos do telejornalismo. Além disso, pensar o telejornalismo
dentro da abordagem dos estudos culturais “deve implicar articular suas dimensões
técnica, social e cultural” (GOMES, 2007, p. 4). Essa abordagem se mostra pertinente
quando falamos do objeto de estudo a ser analisado neste trabalho: um telejornal de uma
emissora outorgada a um sindicato de trabalhadores, de uma das regiões mais ricas e
desenvolvidas do país, e de onde saiu um ex-presidente da República.
A partir dessa ideia de televisão como forma cultural, o telejornalismo pode ser visto
como uma construção cultural, uma vez que o seu desenvolvimento se dá nas formações
econômicas, culturais e sociais de cada sociedade, e cumpre, também, funções nessas
5
The invention of television was no single event or series of events. It depended on a complex of
inventions and developments in electricity, telegraphy, photography and motion pictures, and radio. It can
be said to have separated out as a specific technological objective in the period 1875–1890, and then, after
a lag, to have developed as a specific technological enterprise from 1920 through to the first public
television systems of the 1930s (original)
13
formações. Os discursos, ou seja, o que se diz sobre o jornalismo e o seu papel nas
sociedades modernas ocidentais, são construídos culturalmente, não são da ordem da
natureza. Assim como observado por Williams (1974), o jornalismo não se configura
apenas nas possibilidades técnicas oferecidas nos anos anteriores, mas na articulação
destas possibilidades técnicas com determinadas condições históricas e sociais. Como
todas as instituições, o jornalismo faz uso de um discurso para afirmar sua legitimidade
social. Ao longo dos últimos 200 anos, o jornalismo construiu um discurso sobre seu
papel social de forma a legitimá-lo, tanto para os profissionais quanto para a sociedade.
Segundo Wilson Gomes:
Sobre os discursos produzidos pelas instituições, o autor diz que o discurso das
instituições para se legitimarem socialmente deve levar em conta algumas
considerações:
Esse discurso teria também uma função direcionada à sociedade em geral, uma vez que
a instituição social necessita criar nesta última as mesmas convicções internas do campo
social de origem. No caso, o jornalismo concebe um discurso social sobre si tanto para o
próprio campo quanto para a sociedade em geral. Esta legitimidade, que aconteceria a
partir da função prática do jornalismo, tem como base os valores socialmente
reconhecidos por determinada sociedade (GOMES, W. 2009, p. 68).
14
Em uma análise e estudo do processo histórico em que se desenvolve a imprensa nos
Estados Unidos, Michael Schudson (1978) nos mostra como o jornalismo se
desenvolveu e foi se construindo enquanto instituição social especifica em relação ao
contexto social, histórico e econômico do país, com um grande enfoque no surgimento e
desenvolvimento do conceito de objetividade na imprensa estadunidense. Segundo o
autor, a virada que leva a objetividade a ser uma “máxima” a ser alcançada pelos
jornalistas acontece em 1830. Ao falar sobre as mudanças no jornalismo, ele diz que
estas mudanças, que ocorreram nos anos 1830, levaram “ao triunfo da ‘notícia’ sobre o
editorial e dos ‘fatos’ sobre a opinião, uma mudança moldada pela expansão da
democracia e do mercado, e que, com o tempo, conduziria à incômoda submissão do
jornalista à objetividade” (SCHUDSON, 1978, p. 25).
O autor mostra como o surgimento dos “penny papers” – jornais vendidos a preços
populares que concorriam com os “six penny”, mais caros e cujo conteúdo era
majoritariamente voltado para política e economia –, foi se disseminando na maior parte
das principais cidades norte-americanas da época e causaram uma “revolução
comercial” no jornalismo. Esta mesma imprensa popular, surgida no século XIX, foi a
responsável pelo surgimento do conceito moderno de notícia, segundo ele. Em suas
palavras:
O autor expõe como o surgimento de uma imprensa de custos baixos surgiu em Nova
York e conseguiu se expandir por outras cidades dos Estados Unidos, além de
estabelecer valores que ainda hoje são defendidos por jornalistas e servem de
legitimação por parte de grupos de comunicação. Ainda no começo do seu livro
“Descobrindo a Notícia” (1978), o autor faz uma interessante reflexão acerca da
objetividade como valor do jornalismo:
15
A objetividade é uma estranha exigência a se fazer a instituições que, como
sociedades comerciais, dedicam-se antes de tudo à sobrevivência econômica.
É uma estranha exigência a se fazer a instituições que, com freqüência, por
tradição ou por código explícito, são órgãos políticos. É uma estranha
exigência a ser fazer a editores e repórteres que não contam com nenhum dos
aparatos profissionais que, no caso de médicos, advogados ou cientistas,
supostamente a garantem (SCHUDSON, 1978, p. 13).
Para Itania Gomes (2011), “o jornalismo tornou-se uma indústria comercialmente bem
sucedida e uma profissão socialmente legitimada”. Segundo a pesquisadora, o processo
de consolidação do modelo hegemônico do jornalismo acompanhou o próprio processo
de constituição de uma cultura popular massiva. Assim como objetividade, muitos
outros valores e normas surgem como pilares do jornalismo e permanecem até hoje.
Quarto poder, imparcialidade, verdade, factualidade, entre outros, são alguns exemplos
de conceitos que ainda hoje definem o jornalismo como uma instituição social.
16
3. O JORNALISMO SINDICAL
Segundo a autora, o mais antigo jornal fundado no Brasil e que pode ser considerado
como fruto da imprensa operária data de 1847, e foi fundado no Recife, capital de
Pernambuco. "O Proletário" foi criado por um grupo de intelectuais da cidade. O Jornal
dos Tipógrafos, fundado em 1858, no Rio de Janeiro, pela Associação dos Tipógrafos
do Rio de Janeiro, foi o primeiro pertencente a uma categoria profissional, embora não
tivesse um caráter político, afirma a autora.
A partir da década de 70, a imprensa sindical passa a ser predominante. Essa imprensa
sindical possui diferenças da imprensa operária anarcossindicalista (chamada assim
devido à forte influência do anarquismo na condução do movimento operário brasileiro
na época de surgimento desta), que compõe a primeira fase da imprensa operária no
Brasil, segundo Ferreira (1988), e vai do final do século XIX até os anos 1930; e da
segunda fase, caracterizada por uma imprensa partidária, devido a formação do Partido
Comunista do Brasil e a politização dos sindicatos, que vai do período de 1930 até o
golpe militar de 64. Segundo Ferreira:
17
A imprensa sindical, que nasce e se fortalece no meio operário brasileiro, é
relativamente recente; ela nasce a partir de meados da década de 70, quando
se inicia o processo de enfrentamento do sistema pelas vias legais,
fortalecendo-se nos primeiros anos da década de 80 (FERREIRA, 1988, p.
54).
O movimento grevista na região do ABC Paulista, entre 1978 e 1980, é considerado por
muitos historiadores como o ponto de partida do declínio e enfraquecimento do governo
militar e do surgimento deste Novo Sindicalismo. As greves na região aconteceram
principalmente em indústrias metalúrgicas e automobilísticas. As reivindicações eram
muitas devido às precárias condições de trabalho da época. Como afirma Pogibin:
A região do ABC tinha sido a principal beneficiada pelo capital estrangeiro atraído pelo
governo militar no período do chamado “milagre econômico”, que se inicia em 1968.
Naquele momento, o investimento em bens duráveis se concentrou na indústria
automobilística e nessa região, que compõe a Região Metropolitana de São Paulo.
Apesar de terem os maiores salários no contexto industrial brasileiro na época, os
metalúrgicos sofriam com a intensificação do ritmo de trabalho, a alta rotatividade das
vagas de trabalho (estratégia usada para afastar os funcionários indesejados pelas
fábricas) e a insegurança (POGIBIN, 2009, p. 14).
18
A partir de 1978, uma onda grevista atinge a maior parte das fábricas do ABC paulista.
Em 1979, uma greve geral toma conta da região e o presidente do sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC) à época, sendo o atual ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
um dos líderes das manifestações por melhores condições de trabalho. O movimento é
considerado por muitos como um dos responsáveis pelo enfraquecimento do regime
militar que vigorava no país. Para Pogibin:
Em seu site, o sindicato relata o momento como um dos mais importantes da sua
história:
6
Disponível em http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=2&id_SUB=53
19
3.1 A COMUNICAÇÃO NO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC
7
Disponível em http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=10859&id_SUB=66
8
Disponível em http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=10859&id_SUB=66
9
Todo o conteúdo produzido pelos veículos de comunicação da Rede Brasil Atual pode ser visto no site
http://www.redebrasilatual.com.br/. Atualmente, a Revista do Brasil tem tiragem média de 360 mil
exemplares. Presente também nas redes sociais, o site Rede Brasil Atual possui 11 mil fãs no Facebook e
sua conta no Twitter conta com 18 mil seguidores.
20
4. A TV DOS TRABALHADORES
Em seu portal na internet, a emissora diz que sua outorga é “resultado de 23 anos de luta
do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC”. Fundado em 1933, este sindicato foi e
continua sendo até hoje uma das principais entidades sindicais do país. Sérgio Nobre,
presidente do sindicato, no anúncio de estreia da emissora procurou reafirmar o
10
“A radiodifusão educativa destina-se à transmissão de programas educativo-culturais, que, além de
atuar em conjunto com os sistemas de ensino, visa à educação básica e superior, à educação permanente e
à formação para o trabalho, além de abranger as atividades de divulgação educacional, cultural,
pedagógica e de orientação profissional. Nessa linha, visando à consecução do interesse público, a
outorga para a execução de serviços de radiodifusão com fins exclusivamente educativos só pode ser
pleiteada por entidades que não tenham finalidade lucrativa, sendo reservada à execução da União,
Estados e Municípios, universidades e fundações constituídas no Brasil, conforme preceitua o art. 14 do
Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, que complementou e modificou a Lei nº 4.117, de 27 de
agosto de 1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações.” Em
http://www.mc.gov.br/radio-e-tv-educativa/plano-nacional-de-outorgas/23998-plano-nacional-de-
outorgas-tve-2011
11
Disponível em www.tvt.org.br
21
destaque da entidade no cenário nacional. "Todos reconhecem a importância histórica
que essa Casa [o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC] teve na luta pela consolidação da
democracia no Brasil. A TVT é resultado dessa democracia e um direito dos
trabalhadores", disse o sindicalista.
A região do ABC Paulista e o sindicato dos metalúrgicos da região são berços políticos
do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores,
assim como da Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior central sindical da
América Latina e uma das maiores do mundo em número entidades e de trabalhadores
filiados. A região também foi cenário para boa parte das lutas pela democratização do
país no período da Ditadura Militar brasileira, que durou de 1964 a 1985.
Atualmente, a emissora conta com nove programas na sua grade: Circuito de Vídeo
Popular (em média, tem 1h30 minutos de duração), Bom Para Todos (“Programa de
prestação de serviços totalmente voltado ao trabalhador e ao cidadão brasileiro”; em
média, tem 30 minutos de duração)12; Clique e Ligue (“Programa que aborda as novas
tecnologias e a inclusão digital da população brasileira”; em média, tem 45 minutos de
duração); ABCD em revista (“Revista eletrônica que dá voz ao movimento social
organizado da região do ABCD”; em média, tem 30 minutos de duração); Melhor e
mais Justo (“Os temas dos debates estão vivos na realidade sócio econômica do Brasil e
12
Descrição completa de todos os programas disponível em www.tvt.org.br/programacao
22
as ideias indicam soluções para as principais questões do nosso país”; em média, tem 50
minutos de duração); Memória e Contexto (“O Memória e Contexto tem um objetivo
claro: ativar o pensamento e a ação crítica por meio de conteúdos apresentados com o
apoio do acervo da TVT e através dos testemunhos de quem viu ou viveu os fatos”; em
média, tem 50 minutos de duração); Pra você ver (“Pra Você Ver mostra como a
sociedade se mobiliza para resolver os problemas dos cidadãos quando o Estado falha”;
em média, 25 minutos de duração) e o Seu Jornal, o telejornal exibido de segunda a
sexta-feira, às 19h, pela emissora.
23
5. METODOLOGIA DE ANÁLISE DO TELEJORNALISMO
24
A notícia é discurso e, como tal, um conjunto de convenções que ajudou a
configurar o jornalismo como uma instituição socialmente reconhecida e no
interior do qual fazem sentido as noções de imparcialidade e objetividade e
das distinções entre fato e ficção, informação e entretenimento.
Naturalmente, a notícia televisiva é um discurso que é estruturado pelos
discursos mais amplos da televisão (GOMES, 2007, 10).
Para essa análise foram testados os quatro operadores, que nos dão pistas para vermos o
modo de cada programa de construir seu estilo, ou seja, seu modo de endereçamento ao
público. São eles: o mediador, o contexto comunicativo, o pacto sobre o papel do
25
jornalismo e a organização temática. Segundo Gomes (2007), os operadores se
articulam e não devem ser observados e interpretados de forma isolada. O mediador é a
figura central de um programa telejornalístico. Todos os programas contam com a
figura do mediador, através do apresentador, repórter, comentaristas, correspondentes e
âncoras, por exemplo. Segundo a metodologia, o mediador é aquele que representa a
“cara” do programa. Como exemplos de mediadores que dariam essa “cara” ao
programa, podemos citar mediadores cuja imagem já se confunde com a do programa,
por causa do tempo em que estão à frente das produções - entre outras razões -, como
William Bonner, do Jornal Nacional (TV Globo), e Sérgio Chapelin, do Globo Repórter
(TV Globo); ou mais novos, mas que ainda assim dão cara ao programa, como Marcelo
Tas, do Custe o que Custar (TV Bandeirantes). Diz Itania:
O mediador, por seu papel central, é uma das figuras centrais dos modos de
endereçamento dos programas. Isso se torna bastante claro, por exemplo, em programas
como Brasil Urgente (GOMES, 2007).
26
está’) – ou implicitamente – através das escolhas técnicas, do cenário, da
postura do apresentador (GOMES, 2007, p. 26)
Entre os aspectos para observarmos o programa a partir deste mediado, por exemplo,
está a existência de link ao vivo. Para Gomes (2007), a transmissão ao vivo ainda é o
melhor exemplo sobre como os programas buscam o reconhecimento de sua
autenticidade por parte dos telespectadores. Os formatos de apresentação da notícia
(nota, reportagem, entrevista, etc.) dão importantes dicas sobre o jornalismo praticado
pelos programas e ainda permite ver o investimento do mesmo na produção de seu
produto principal, a notícia.
Por fim, o último dos quatro operadores: a organização temática. Apesar de parecer o
operador mais importante em programas de telejornalismo temáticos - cabendo ao
pesquisador observar como este se articula com os outros operadores - , para os
telejornais esse olhar demanda um pouco mais de atenção, uma vez que frequentemente
a organização temática do telejornal só pode ser compreendida após a observação do
modo singular como cada telejornal organiza e apresenta as diversas editorias.
27
6. SEU JORNAL: O TELEJORNAL DOS TRABALHADORES
Criado em 2010 juntamente com a TV dos Trabalhadores, o Seu Jornal é carro chefe da
programação jornalística da emissora. Assim como acontece em diversas outras
emissoras de diversas partes do mundo, o jornalismo é utilizado pelas emissoras de TV
como uma estratégia de credibilidade da sua programação. A TV, cuja outorga pertence
ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, está sediada numa das regiões mais
ricas do país, com os mais altos índices de industrialização da federação, e que foi um
dos pilares de sustentação que levaram o Estado de São Paulo ao posto de mais rico do
Brasil. Em seu site, a emissora diz que sua outorga é “resultado de 23 anos de luta do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC”. A outorga de emissora educativa foi dada em
2009 à Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, que é definida como
uma “entidade cultural sem fins lucrativos criada e mantida pelo Sindicato”. Para o
diretor de Comunicação do Sindicato e presidente da Fundação, Valter Sanches, o
objetivo da emissora é ser “um canal de amplificação da voz dos movimentos sociais"13.
“Um telejornal para todos aqueles que buscam um mundo melhor e mais justo” ou
“Aqui você tem as notícias que são importantes para a transformação social do nosso
Brasil”. Essas são algumas das definições que o apresentador Carlos Ribeiro usa para
apresentar o telejornal aos seus telespectadores. A estratégia textual de convocação e
legitimação acontece logo na abertura do programa, o que ajuda a localizar o
telespectador sobre que tipo de telejornal ele irá assistir. Esse recurso de identificação
do telejornal diz muito, a partir do nosso ponto de vista, sobre o que o telejornal quer
fazer e ao mesmo tempo é uma forma de direcionamento ao público, ou seja, de mostrar
qual a relação comunicativa que o programa quer construir.
13
Disponível em http://www.tvt.org.br/quem-somos
28
Um telejornal sempre apresenta definições dos seus participantes, dos objetivos e
dos modos de comunicar, explicitamente (‘você, amigo da Rede Globo’, ‘para o
amigo que está chegando em casa agora’, ‘esta é a principal notícia do dia’,
‘Agilidade, dinamismo e credibilidade é o que queremos trazer para você’, ‘você é
meu parceiro, nós vamos juntos onde a notícia está) - ou implicitamente – através
das escolhas técnicas, do cenário, da postura do apresentador. (GOMES, I., 2007, p.
25 e 26).
14
Disponível em:
http://www.informes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2636:dirigentes-do-pt-
mostram-transformacao-social-do-pais-no-governo-lula-&catid=42:rokstories&Itemid=108
15
Em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-19/valorizacao-do-minimo-e-acoes-afirmativas-
fizeram-pobreza-cair-365-no-brasil-diz-oit
16
Em http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1172975
29
apresentação do telejornal, que tem em média 29 minutos de duração. O tom pouco
informal que o programa tenta mostrar pode ser observado também a partir do vestuário
usado pelo apresentador do programa, que nunca usa terno.
Os exemplos acima não são os únicos que podem ser observados através deste operador
de análise dentro do telejornal. Usualmente, logo após o intervalo (que acontece apenas
uma vez, geralmente entre os minutos 15 e 17 do programa), o apresentador volta a falar
com a audiência e desta vez até a convoca para participar do programa. “Contamos com
a sua participação, que é muito importante pra a gente. Mande pra a gente fotos e
imagens pela internet. É uma forma de fazer jornalismo colaborativo com a sua
participação”, diz Ribeiro enquanto o endereço do site da emissora aparece na tela. O
programa utiliza vídeos de telespectadores em algumas das edições, geralmente
relatando problemas. Em uma das edições de janeiro analisadas pelo programa17, um
“colaborador” (como o programa identifica quem envia os vídeos), o Zé Correia, envia
imagens de uma praça no bairro do Grajaú em mau estado de conservação. As imagens,
que não possuem uma boa qualidade, são acompanhadas por comentários do
colaborador, que fala do “desprezo” do poder público pelo local. Ao fim da exibição das
imagens, o apresentador fala sobre quem participa do quadro de modo a legitimar a
produção e veiculação de material pela audiência. “Nossos colaboradores estão a
serviço da sociedade, estão com as câmeras ligadas e o espaço está aberto aqui no Seu
Jornal, pra você", diz Ribeiro. A colaboração dos telespectadores é definida pelo
próprio programa como extremamente importante e os vídeos enviados são usados nas
edições do programa. Na edição do dia 23 de janeiro, o apresentador diz: “Essa é a
nossa principal missão. Dar espaço a você de comunicação ou dos movimentos sociais
e trabalhadores organizados”. Ao dizer que as câmeras dos colaboradores estão
ligadas, o programa pactua com a noção de vigilância. Além de reforçar
discursivamente esse “estamos de olho”, o programa reafirma que o espaço para este
tipo de participação está aberto. No portal da emissora, é possível ver com destaque um
quadro onde o visitante é convidado a enviar sua foto ou seu vídeo para participar do
programa. A participação via internet é algo constante e vai aparecer novamente, em
melhor qualidade, no telejornal, com os comentários do comentarista internacional
Flávio Aguiar, que fala sobre o panorama internacional, direto de Berlim, na Alemanha.
17
Edição do dia 23 de janeiro de 2012.
30
Na edição do dia 24 de janeiro, o programa dá um espaço considerável para um material
enviado por colaborador. Depois do intervalo, o apresentador diz:
APRESENTADOR: “Estamos de volta com o Seu Jornal, que conta com a sua
Carlos Ribeiro participação. É muito fácil: www.tvt.org.br. Faça como o
colaborador Hugo Marques, que enviou um vídeo com a
cobertura do Festival Moinho Vivo”.
18
Edição do dia 17 de dezembro de 2011.
31
6.2 A CUT E OS MOVIMENTOS SOCIAIS PAUTAM O SEU JORNAL
19
O prêmio é entregue a personalidade que se destacaram na luta pelos Direitos Humanos no Brasil. A
primeira edição do prêmio aconteceu em 2011. A premiação possui as seguintes categorias: Personalidade
de destaque na luta pela Redemocratização do Brasil; Personalidade de destaque na luta por Democracia,
Cidadania e Direitos Humanos; Personalidade de destaque na luta por Democracia e Direitos dos
Trabalhadores; Personalidade de destaque na luta por Democracia e Justiça no Campo; Instituição de
destaque na luta por Democracia e Liberdade. Entre as personalidades que já foram premiadas estão o ex-
presidente Lula, o escrito e religioso Frei Betto e a militante pelos direitos das mulheres Maria da Penha.
32
Vannuchi é requisitado pelo telejornal em diversas ocasiões, sempre comentando
assuntos que foram pauta no programa. Em uma das situações, na edição do dia 14 de
dezembro, o comentarista é convocado para falar sobre o lançamento do livro “A
Privataria Tucana”, que relata casos de corrupção durante o tempo em que José Serra
era ministro do Planejamento do governo Fernando Henrique Cardoso. O apresentador
Carlos Ribeiro diz que gostaria que o comentarista “falasse e analisasse” a repercussão
do livro. Antes do comentário de Vannuchi, uma matéria sobre a chegada dos livros às
livrarias é exibida. Além de ouvir o autor do livro, o jornalista Amaury Ribeiro Júnior, a
matéria traz sonoras com o deputado estadual Pedro Simão, do PT, e com três membros
da direção da CUT: o presidente Artur Henrique, o secretário geral, Quintino Severo, e
o diretor Rogério Janine. Na volta ao estúdio, é a vez do apresentador questionar o
comentarista:
O comentarista responde:
33
É importante observar o que o comentarista diz no quadro anterior. Ao dizer “esta
imprensa” para se referir aos jornais e TVs da “grande imprensa”, Paulo Vannuchi deixa
claro que não se trata da mesma imprensa onde ele e, conseqüentemente, o Seu Jornal
estão. Esse não é o único momento em que o telejornal questiona a credibilidade de
outros veículos de comunicação. O apresentador faz novo questionamento ao ex-
ministro:
COMENTARISTA: “Não é fácil essa CPI, pelo período do calendário do ano. Nós
Paulo Vannuchi estamos nos últimos dias de votação, sempre há recursos
protelatórios, haverá turma do deixa disso. De qualqueer
maneira o livro tem papel muito importante, que é algo que no
direito existe e que no jornalismo bom deve existir, que é ouvir
os dois lados. O chamado contraditório. Combate à corrupação
não pode ter alinhamento partidário. Imprensa tem que cobrar
e denunciar, mas também denunciar e cobrar quando envolve
Serra, quando envolve governadores e lideranças políticas
apoiadas por esses jornais. Sem isso ela não será uma
imprensa democrática”.
34
Não é à toa que um ex-ministro dos Direitos Humanos é o comentarista de política do
programa. Entendemos que o termo Direitos Humanos remete a diversas estratégias
comunicativas que são caras ao programa. Ao dizer que o programa é “para todos
aqueles que buscam um mundo mais justo”20, o programa estabelece uma relação
comunicativa com os telespectadores, que ao mesmo tempo gera uma expectativa.
Justiça, paz e dignidade são pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos21,
que foi assinada pelos membros das Organizações das Nações Unidas (ONU), entre eles
o Brasil. Ao agradecer a presença do ex-ministro como “esclarecedora”, o telejornal o
coloca no posto de mediador que tem, a partir de sua trajetória, a competência para falar
sobre esse tema. O programa ainda reconhece verbalmente essa competência. Na edição
do dia 25 de janeiro de 2012, após a exibição de uma reportagem sobre a invasão da
comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, o comentarista é convocado para
falar sobre o assunto e é introduzido pelo apresentador da seguinte forma:
20
Edição do dia 15 de dezembro de 2011.
21
Em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
35
polícia que segue vendo o menino da USP, certamente porque
era negro, então desencadeou o racismo, que leva a esse
policial a ir lá adiante, sacar a arma. No episódio de São José
dos Campos, essa opção preferencial pelas elites ricas e, nesse
sentido, ainda bem que temos hoje um país governado por
Dilma, uma pessoa que também foi presa política, torturada no
tempo da ditadura, sucessora de Lula, com toda a sensibilidade
social pra entender que é hora do governo federal mostrar os
seus caminhos e as suas possibilidades, exigir apuração
rigorosa dessas violências e sobretudo abrir possibilidade de
solução pacifica com o direito à terra pelos moradores do
Pinheirinho”.
Como podemos ver acima, existem dois momentos para a apresentação de Flávio
Aguiar. Num primeiro momento, ainda nas edições de dezembro analisadas, ele aparece
como Correspondente Internacional do telejornal e usa o microfone da emissora. Ele
está no que parece ser sua casa, com uma estante de livros atrás, que entendemos ser
uma referência à história do professor, como intelectual e escritor. Seu papel no
telejornal não mudou no período, mas, no entanto, nas edições de janeiro o professor
passa a ser identificado como comentarista internacional. O mediador já não usa o
microfone, embora apareça no mesmo local - com a estante de livros atrás. Apesar dessa
mudança de identificação, a participação do professor é a mesma: o comentário sobre
algum assunto que esteja em destaque no noticiário internacional. Além de Flávio
Aguiar e Paulo Vannuchi, o telejornal possui comentarista em seus quadros. Anderson
Carvalho é comentarista de esporte.
Os mediadores do programa são peças importantes para a análise, uma vez que eles são
aspectos fundamentais para vermos o modo de endereçamento do programa. O
apresentador Carlos Ribeiro está à frente da apresentação do programa desde o início.
Careca e negro, Ribeiro está longe do estereótipo que estamos acostumados a ver nos
programas jornalísticos brasileiros. A figura simpática do apresentador é responsável
pelo clima informal que a apresentação do telejornal tem. É o modo como o
37
apresentador se comporta e se relaciona com a câmera que permite, por exemplo, que
expressões como “Brasilzão” não soem forçadas.
Figura 2: Exemplo de Primeiro Plano. O mais próximo que o apresentador chega do telespectador.
38
Figura 3: Plano Médio. O enquadramento mais utilizado pelo Seu Jornal.
39
uma delas localizada na parte esquerda, junto com o apresentador, e a outra na parte
direita, junto com o local onde fica o convidado do programa. Há também a marca do
telejornal, localizada estrategicamente para que fique na parte central desse plano.
Figura 4: Plano Geral. Na imagem acima, o apresentador Carlos Ribeiro conversa com Paulo Donizetti, da
Revista do Brasil. Edição do dia 12 de dezembro de 2011.
40
Figura 5: Imagens da vinheta do Seu Jornal.
41
de Uélson Kalinovski ouve moradores, um membro do Movimento Nossa Itaquera,
Valter Almeida Costa, e Rosilene Wansetto, do Comitê Popular da Copa em São Paulo.
O telespectador mais atento vai lembrar que a construção do estádio, que será de
propriedade do clube de futebol Corinthians, foi apoiada pelo ex-presidente Lula, mas
em nenhum momento o governo federal é citado no texto. As críticas das vozes ouvidas
na matéria – que não incluem as fontes oficiais dos governos municipal, estadual ou
federal – fazem coro em direção à falta de um local para remanejamento dos moradores
da comunidade e à pressão da Fifa para que o Brasil aceite suas exigências. A maior
parte das fontes da matéria são moradores desalojados e membros de entidades ligadas
aos movimentos sociais. Essa característica é recorrente na relação comunicativa que o
programa constrói com a audiência.
A construção do texto segue um tom emocional e uma linha que mostra o “povo
batalhador, trabalhador”, ou seja, aquele público pelo qual o telejornal está interessado
em ser visto, sendo expulso de suas casas:
42
não atende aos anseios da população brasileira”. Algo interessante de se observar é
que o repórter começa a passagem com uma pasta de documentos na mão e só depois
explica que aquele é um dossiê produzido pelos membros do comitê e que “prova” essa
falta de atendimento da Lei Geral da Copa à população brasileira. Em seguida ele ouve
a responsável pelo comitê presente à manifestação:
Por fim, a reportagem termina com Rosilene Wansetto afirmando que os trabalhadores
que hoje trabalham nas áreas ao redor dos estádios serão expulsos pela Fifa para que
apenas seus parceiros comerciais possam explorar esses espaços.
A relação entre o programa e telespectador é regulada por acordos tácitos, que dizem
sobre o papel do jornalismo na sociedade. Esse pacto é que dirá ao telespectador o que
esperar do programa. De acordo com Gomes:
No caso do Seu Jornal, esse acordo é sobre o que envolve o interesse público e a
responsabilidade social. O telespectador do programa está sempre sendo convocado
como alguém que “procura um mundo mais justo” ou como alguém que “busca as
notícias que são importantes para a transformação social do Brasil”. A noção de
43
interesse público do programa, no entanto, está atrelada a outras agendas, como a da
Central Única dos Trabalhadores (CUT).
44
SONORA: “Projetos como o conjunto habitacional Patrícia Rodrigues
são importantes, mas precisam estar Samora, arquiteta e
acompanhados de outras políticas públicas, urbanista.
de desenvolvimento urbano e inclusão
social, que vão ser mais eficientes do que
somente a política habitacional. Na minha
experiência com projetos de urbanização
de favelas, o que eu vi foi que os que dão o
melhor resultado são aqueles em que a
população se envolveu mais, participou
mais”
45
APRESENTADOR: “O que é que eles vão fazer com todas Alexandra Barbosa,
essas pessoas aqui? Essa é a pergunta moradora.
que nós temos que fazer para o
governador, para o pessoal da Câmara
Municipal. O que é que eles vão fazer
conosco aqui?”.
46
6.3 O SEU JORNAL X GRANDE IMPRENSA
No livro, Borges usa uma classificação de Daniel Herz, membro do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC) para o “primeiro time” do grupo que
opera a “mídia nacional”: são eles as principais emissoras de TV, como Globo, SBT,
Record e Bandeirantes; a Editora Abril, que edita grandes revistas de circulação
nacional, como Veja, Exame e Contigo; e os jornais Estadão e Folha de S. Paulo, ambos
com sede em São Paulo. Essas empresas constituem também as maiores do setor no
Brasil e os grupos aos quais pertencem – como é o caso de Globo e Abril – figuram nas
listas dos maiores do mundo em suas respectivas áreas.
23
Edição do dia 16 de dezembro de 2011.
47
Durante a entrevista, Donizetti fala sobre o costume da “grande imprensa” de defender o
corte de gastos do Governo Federal e diz que isso resultou no crescimento zero medido
pelo IBGE.
Esse sorriso revela um tom de deboche em relação às previsões dos economistas das
emissoras de TV e dos jornais da “grande imprensa”, indicando que elas serviriam como
“piadas”. Em seguida, ainda na entrevista, que tem duração de 4 minutos e 56 segundos,
Donizetti utiliza mais um argumento de embate e de diferenciação do jornalismo da
revista e da “grande imprensa” para dar credibilidade ao que está dizendo.
48
Paulo Donizetti (Editor tomadas medidas que a gente sempre defende na linha
da Revista do Brasil) editorial da revista. A gente sempre cobra que o crescimento
econômico seja sustentado através da geração de emprego e
do estímulo ao consumo da economia”.
49
vimos anteriormente, não passa de um discurso do campo para legitimar suas ações e é
algo desacreditado pela academia e até mesmo por profissionais da área. O mediador
ainda reduz o campo a uma área onde predominaria o maniqueísmo: a diferença entre a
imprensa “boa”, como a TV dos Trabalhadores, e a imprensa “má”, possivelmente os
veículos de comunicação da “grande imprensa”. Mas, ao mesmo tempo em que coloca
os veículos como bons e ruins, o comentarista usa o discurso da imparcialidade, que é
comum à maior parte dos veículos de imprensa e é uma criação dos jornais populares
norte-americanos no século XIX. No entanto, quando analisamos o programa
percebemos que esse pacto não é cumprido pelo telejornal. Em diversas reportagens, as
fontes que dariam o contraponto da opinião não são ouvidas. Ao colocar o programa
como necessário à democracia, que precisa de uma “imprensa boa”, como a TVT, o
mediador adota uma postura maniqueísta em relação aos meios de comunicação
brasileiros, que estariam, assim, divididos entre “bem” e “mal”. Ao mesmo tempo em
que faz a crítica aos outros veículos, o programa comete o que seria considerado um
erro no jornalismo, que é não ouvir o outro lado. De certa forma, isso depõe contra o
programa. Essa falta do outro lado, da voz contrária na maioria das matérias pode ter
uma razão: uma vez que os telejornais de outros veículos apresentam apenas o lado que
lhe interessa, cabe ao Seu Jornal mostrar e dedicar o seu espaço apenas à sua versão dos
fatos, sem o contraponto – este amplamente divulgado pela “grande imprensa”.
[...] ninguém fala com seriedade ou com pretensão de ser levado à sério se
não assume implicitamente o compromisso, diante dos seus interlocutores, de
que os argumentos que apresenta são por ele considerados verdadeiros. Dito
de outro modo, ninguém é obrigado a levar a sério o que digo se não achar
que eu estou convencido de que o que digo é verdade. Logo, dizer algo é ao
mesmo tempo sustentar uma posição sobre fatos e coisas e assumir o
50
compromisso com qualquer interlocutor de que a posição sustentada é por
mim considerada verdadeira. Ademais, ao fazer isto, não sustento apenas que
o que digo é verdadeiro para mim; assumo que o é para qualquer um e que
qualquer pessoa pode vir a ser honestamente convencida disso. Desse modo,
apresentar publicamente a minha convicção subjetiva na verdade do que
afirmo implica sustentar ao mesmo tempo uma pretensão de verdade.
(GOMES, W., 2009, p. 9 e 10).
A partir das considerações acima é possível ver o embate e a disputa de poder que vem
sendo travada nos últimos anos, no Brasil, devido, essencialmente, à visibilidade que
vem tendo a imprensa com pontos de vista mais progressistas e menos conservadores.
Revistas como a Carta Capital e a Revista do Brasil, que, apesar da circulação pequena
se comparadas a outras revistas de circulação nacional, contam com publicidade dos
governos mais recentes, o que não as torna menos legitimas, já que grandes revistas de
circulação nacional, a exemplo da Veja (com 1,2 milhão de exemplares por semana)24,
com um estilo muito mais conservador, também recebem verbas publicitárias estatais.
No caso da Carta Capital, a revista com a maior circulação entre as que possuem uma
linha editorial alinhada ao pensamente de esquerda, até mesmo grandes empresas e
bancos anunciam em suas páginas.
24
Disponível em http://publicidade.abril.com.br/tabelas-gerais/revistas/circulacao-geral/
51
Como acontece em boa parte da América Latina, o contexto jornalístico brasileiro é
dominado por grandes grupos privados de comunicação. As Organizações Globo são o
maior grupo de comunicação da América Latina e um dos maiores do mundo25. Além
de controlar a TV Globo, que recentemente se tornou a segunda maior emissora do
mundo26, o grupo possui diversas emissoras de rádio com grande audiência, como CBN
e Rádio Globo, e jornais cuja circulação está entre os maiores do país, como O Globo e
Extra. A emissora possui a maior rede de afiliadas do país e estas muitas vezes estão nas
mãos de outros grandes grupos privados, que reproduzem regionalmente a musculatura
que a emissora carioca possui nacionalmente. Exemplos como a Rede Brasil Sul (RBS)
que atua na região Sul e é dona das principais afiliadas da Globo no Rio Grande do Sul
e Santa Catarina, além de editar os maiores jornais da região, como o Zero Hora, de
Porto Alegre; e a Rede Bahia, que atua na Bahia e é dona também das principais
emissoras afiliadas à Globo na região, além de possuir rádios e o jornal Correio da
Bahia, que possui a maior circulação do Nordeste.
Na semana de dezembro de 2011 (12 a 16), o Seu Jornal exibiu uma série de
reportagens sobre as áreas de riscos das cidades do ABC paulista e também da capital,
São Paulo. A justificativa apresentada aos telespectadores era a de que o período de
25
Apenas a emissora de TV faturou R$ 12 bilhões em 2012: http://rd1.ig.com.br/televisao/globo-fecha-
2012-com-faturamento-de-r-12-bilhoes/159958
26
Disponível em http://portal.comunique-se.com.br/index.php/editorias/3-imprensa-a-comunicacao-
/68574-globo-se-torna-a-segunda-maior-emissora-de-tv-do-mundo.html
52
chuvas estava chegando e a série mostraria os riscos a que boa parte da população está
exposta, além de soluções para o problema. Ao longo de uma semana, o telejornal
exibiu cinco reportagens feitas pela repórter Michelle Gomes. Na mesma semana, o
telejornal da TVT fez uma cobertura exaustiva do livro A Privataria Tucana, do
jornalista Amaury Ribeiro Jr., que acusa políticos do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) de cometerem crimes como lavagem de dinheiro durante as
privatizações que ocorreram no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A utilização de som e trilha sonora na reportagem sobre as chuvas foi algo que chamou
a atenção durante a análise do telejornal. Solos de guitarra e sons de piano foram usados
para produzir sentido em determinadas imagens. Mais de uma vez esses recursos dão às
reportagens um tom dramático e sensacionalista. Para Juliana Gutmann (2011),
pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo, as articulações da
imagem ao som, na forma de texto verbal, recurso que se coloca como uma espécie de
condição do relato telejornalístico, de áudio ambiente (voz ou ruído) e música, atuam na
estruturação das formas de acesso à realidade construída em uma reportagem. Segundo
a pesquisadora:
27
Edição do dia 12 de dezembro de 2011.
53
off, elemento que atua como poderoso indexador de significados, de modo a
reduzir o leque de diversidade interpretativa. (GUTMANN, 2011, p. 67 e 68)
A matéria usa imagens de arquivos que mostram o “drama” dos moradores durante as
chuvas no início de 2011. Entre as cenas exibidas estão a de moradores limpando as
casas sujas de lama e deixando os imóveis. A articulação de imagens de chuva com o
som de chuva forte e trovões provocaria, de acordo com a nossa interpretação de
Gutmann (2011), a atribuição de significado ao que ela chama de evento sonoro: "o
barulho de uma sirene de ambulância, juntamente com a imagem de uma batida entre
dois carros, pode configurar uma cena de acidente de trânsito envolvendo feridos".
Assim, a combinação de elementos utilizada no Seu Jornal pode configurar uma cena de
deslizamentos de terra envolvendo moradores que perderam seus imóveis e/ou a vida.
SONORA: "Eu espero que eles venham indenizar a gente. É o mínimo que
Maria de Fátima eles podem fazer, já que a vida da minha da nora e do meu neto
Pio, moradora do ninguém vai trazer de volta".
Morro do
Macaco.
54
A moradora não consegue segurar o choro no trecho final da frase quando fala do neto e
da nora. Em seguida, imagens de arquivo do morro após o desabamento, e de moradores
retirando os pertences que conseguiram recuperar, são articuladas com o som de vento
(que remete a um ambiente abandonado) e de uma música tocada no piano, que dá uma
conotação fúnebre. A seqüência de imagens, com o choro e o morro após o
desabamento, tem clara intenção de sensibilizar o telespectador. O programa constrói
uma relação comunicativa com seu espectador onde a solidariedade é algo central.
Veremos mais sobre essa questão em breve. Neste caso específico, o recurso do choro e
toda a estrutura da matéria lembram as estratégias utilizadas pelos programas
sensacionalistas, que no Brasil ganham força após o surgimento do Aqui Agora,
transmitido pelo Sistema Brasileiro de Televisão - SBT. De acordo com Danilo
Oliveira:
55
mais uma tragédia anunciada”.
SONORA: “Eles gravam lá, falam que vão passar a reportagem pra ajudar a
Sônia Silva, gente, lá no Pinheiro, que a gente já está lá na luta, tentando uma
moradora. moradia. Ninguém é bandido. Todo mundo é pai, trabalhador,
pai de família. Eles entram lá, filmam. A gente fala uma coisa e
eles põem outra completamente diferente. A gente tá se sentindo
muito mal, a gente está se sentindo que nem uns animais”.
SONORA: “Sempre deveria começar por razões sociais. O social vai além
Ronildo do econômico, do político e do jurídico. É o ser humano em si, a
Aparecido, padre. sua dignidade e os seus direitos. Nós temos poderes que falam
por si mesmo, mas todos deveriam estar à serviço da vida”.
Essa situação ilustra questões bastante caras ao Seu Jornal e que já foram relatadas neste
trabalho de alguma maneira. Em primeiro lugar, uma das sonoras feitas pelas matérias
mostra uma das moradoras desalojadas criticando abertamente os meios de
comunicação que vão ao local e mentem. A condição da senhora, aparentemente
fragilizada e em posição de desvantagem social, a torna uma fonte capaz de chamar
56
atenção do telespectador para uma questão que o programa traz: a crítica aos meios de
comunicação tradicionais. Neste caso, o programa também lança mão da fonte para
sensibilizar o telespectador, que deve se solidarizar com a situação da moradora.
Uma segunda questão envolve a Igreja Católica. Por causa das péssimas condições do
alojamento, os moradores pedem para ficar na igreja da comunidade e são acolhidos
pelo padre. Na falta de uma fonte oficial, o repórter ouve a fonte da igreja, instituição
que teria o respeito dos moradores. É preciso lembrar que a Pastoral Operária, que
surgiu dentro da Igreja Católica no ano de 1973, teve um importante papel na
reestruturação do novo sindicalismo que emerge na região do ABC paulista e na cidade
de São Paulo, no final da década de 70, em meio à forte repressão dos governos
militares. Aqui, o padre encarna o papel da fonte que é conhecida e respeitada pelo
telespectador, além de estar alinhado ao programa, ao defender o povo. Segundo
Machado (2009):
57
Na edição do dia 25 de janeiro, uma reportagem trata do aniversário da cidade de São
Paulo. O apresentador Carlos Ribeiro, ainda na chamada da matéria, diz que a
manifestação mais importante aconteceu na Praça da Sé. Enquanto uma missa na
catedral contava com a presença do prefeito Gilberto Kassab, do PSD, e do governador
Geraldo Alckmin, do PSDB, manifestantes protestavam do lado de fora contra as
operações policiais na Cracolândia – região no centro de São Paulo que possui uma
grande presença de usuários de crack. Durante a gravação da matéria, a equipe do
telejornal filma a confusão envolvendo policiais e manifestantes. O repórter Carlos
Carlos aparece em meio aos manifestantes e o câmera que o acompanha acaba sendo
vítima de gás de pimenta. Aqui, o repórter Carlos Carlos deixa o papel de vídeorreporter
e passa a contar com outro profissional da emissora. O relato visual não é interrompido.
Ao ser atingido pelo gás o repórter cai e o telespectador pode acompanhar as imagens
da câmera perdida em meio à multidão. É como se eles estivesse “vivenciando” a
situação. Depois da confusão o repórter entrevista alguns manifestantes e entre eles está
um que chama Kassab e Alckmin de “capeta e satanás”. Entre as imagens mostradas
estão a de cartazes que trazem inscrições como “Fora, Rede Globo” e “Assassinos.
PSDB = Nazismo”.
Durante esse off são exibidas imagens de Antônio trabalhando em um dos prédios e
depois andando por uma das ruas com a repórter.
58
OFF: “A família dele foi tirada de uma área de risco no bairro Divineia,
Michelle Gomes onde ele morou por seis anos”.
(Repórter)
Aqui são exibidas imagens de Antônio e da repórter no local onde o trabalhador vivia,
mas as imagens são em preto e branco, como se fosse algo do passado. Aqui,
novamente, um recurso técnico é usado para produzir sentido. Neste ponto é importante
observar o valor da fonte. Não se trata de uma pessoa qualquer, um morador aleatório
que perdeu sua casa, mas sim de um trabalhador. As imagens do trabalhador com sua
roupa de trabalho, no seu local de trabalho e chegando à sua casa nova, dizem muito
sobre o endereçamento que o telejornal constrói. Consideramos legítimo, uma vez que
se trata de uma TV dos trabalhadores.
59
da repórter nas cenas é uma maneira de mostrar que o mediador está lá no local da
notícia, presencia as situações ao vivo e a cores, ouve relatos para contar à audiência.
60
Figura 6: A repórter Michelle Gomes, ao vivo, da redação do telejornal.
telejornal
61
instantaneidade do assunto deixou a emissora sem capacidade de produzir algo mais
elaborado como a série das chuvas e expôs sua limitada capacidade técnica.
No Seu Jornal, o apresentador faz o papel de porta-voz do telejornal, logo, daqueles que
querem a “transformação social” do Brasil. Numa das reportagens, sobre o aumento de
passagem do transporte público de Diadema28, o apresentador fala sobre a participação
de um telespectador, que enviou vídeos. A matéria é construída a partir das imagens
enviadas pelo colaborador. Ao fim da exibição, o apresentador diz para a câmera:
APRESENTADOR: “E o Seu Jornal começa com uma boa notícia. Eu diria que uma
ótima notícia. O tumor do ex-presidente Lula regrediu 75%”.
Carlos Ribeiro
28
Edição do dia 13 de dezembro de 2012.
62
complementa Ribeiro. Aqui o apresentador deixa clara a sua opinião sobre assunto, mas
também ao começar a frase com “O Seu Jornal”, ele chama para si a responsabilidade
de falar pelo programa.
Em outra edição29, ao falar sobre o fechamento de uma estrada que servia de acesso
entre os moradores de São Bernardo do Campo e Santo André, e era “muito
importante”, o apresentador diz antes da exibição da reportagem:
Em dois momentos distintos o apresentador faz uso de adjetivos para dar sentido à
reportagens. No primeiro caso, ao falar sobre a regressão do tumor do presidente Lula,
nós entendemos que o “boa notícia” serve para reforçar o sentido que se pretende na
notícia. A partir da relação construída com a audiência, entendemos que esse
telespectador estaria mais inclinado a atribuir esse mesmo sentido. No final da
reportagem o apresentador, talvez numa tentativa de evitar que a reportagem seja
acusada de sensacionalismo ou de uso político, diz:
Outra figura bastante significativa no programa é o repórter Carlos Carlos. Muitas vezes
ele é identificado como vídeo-repórter. Isso acontece quando ele é responsável também
pela gravação das imagens, além de conduzir as reportagens. Num telejornal de uma TV
sindical, carregado de notícias políticas, Carlos Carlos é a juventude no programa.
Alguns dos outros repórteres são jovens também, mas estão sempre relacionados às
pautas políticas e mais duras enquanto Carlos Carlos tem muitas de suas matérias
relacionadas à cultura, arte e juventude. Na edição do dia 15 de dezembro, o repórter
entrevista o músico Rapadura Xique-Chico, que mistura rap com repente.
29
Edição do dia 15 de dezembro de 2011.
63
O repórter usa, durante as entrevistas, um vocabulário informal e incomum para o
telejornalismo, como “E aí, firmeza, vei?”, ao iniciar o bate-papo com o artista
nordestino. Também na mesma edição, o repórter é responsável pela reportagem que
mostra o funcionamento e a organização do Movimento Ocupa Sampa, inspirado no
Occupy Wall Street, de Nova Iorque. Ao questionar um dos participantes sobre o
movimento, Carlos Carlos pergunta “O que é que tá rolando?”. Na edição do dia 12 de
dezembro, o repórter cobre a polêmica envolvendo o Metrô de São Paulo e grafiteiros,
que foi relatada anteriormente. Carlos Carlos acaba construindo uma trajetória no
programa que acaba levando o público a identificá-lo como o mediador da área de
cultura e artes, embora o repórter atue em matérias com outros focos. Segundo Gomes:
De certa forma, entendemos também que a figura de Carlos Carlos traz uma imagem
mais nova e jovem ao programa. Não o jovem que está interessado em consumir e
badalar, mas aquele que, politicamente, é ativo, que participa de manifestações e está
interessado no que acontece na cena cultural e também no universo político do país.
Dentro da análise do modo de endereçamento, o mediador deve ser observado a partir
da noção de performance. Segundo Itania Gomes, “noção põe em relevo o caráter
interpretativo do desempenho dos atores, dos mediadores televisivos: o ator representa a
partir de seu próprio corpo, de suas próprias características, mas ele desempenha um
papel” (GOMES, I. 2007, p. 25). Seja através da linguagem ou da sua presença física
em protestos, misturado aos manifestantes, por exemplo, consideramos que o repórter
Carlos Carlos seja aquele aonde podemos ver melhor essas marcas da noção de
performance, seja com o linguajar informal ou quando ele apanha da polícia em um
protesto por estar no meio dos manifestantes.
64
Do ponto de vista da organização temática do programa, o trabalhador do Seu Jornal é o
cidadão que está interessado nas mudanças sociais pelas quais o Brasil passou nos
últimos anos. Direitos humanos, política e cidadania são os interesses pressupostos pelo
programa para seu público. Além dessas questões, outro assunto muito caro ao
programa é o da solidariedade. Não são poucas as referências a essa questão no
telejornal. Na edição do dia 13 de dezembro de 2011, por exemplo, após uma matéria
sobre o número de crianças e adolescentes que desaparecem todos os anos no Brasil, o
apresentador convoca o telespectador para a questão:
APRESENTADOR: “Vou te pedir uma ajuda porque tenho certeza que você pode
ajudar a encontrar as crianças e adolescentes desaparecidos.
Carlos Ribeiro
Acesse o nosso site e veja a lista de pessoas que permanecem,
lamentavelmente, desaparecidas e saiba como ajudar. Está logo
abaixo do player de vídeo. Lá você encontra todas as
informações necessárias e vai fazer um bem incrível a uma
família”.
Entendemos que ao fazer uso desse tipo de estratégia, o telejornal pretende mostrar que
a “transformação social” pela qual o país passa está diretamente atrelada a uma
sociedade que se importa com o outro. Ainda sobre a organização temática do
programa, o Seu Jornal traz o esporte para dentro de seu espaço, mas o tempo e os
recursos dedicados a esse assunto é ínfimo. A participação do comentarista Anderson
Carvalho acontece nos minutos finais do programa e ele não conta com nenhum outro
recurso visual, como exibição de lances de jogos, em sua participação.
O Seu Jornal é um telejornal que apresenta fortes marcas de defesa das políticas
públicas implantadas pelos governos do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma
Rousseff, ambos do PT. Ao mesmo tempo, o programa assume o discurso de ser fazer o
oposto do que fazem os telejornais da “grande imprensa”, embora cometa alguns dos
“erros” apontados nesses programas. A defesa, no entanto, não é vaga, sem fundamento.
Através de matérias e reportagens, o programa tenta mostrar os resultados dessas
políticas públicas no cotidiano dos moradores da Grande São Paulo. Apesar dessa
defesa, o Seu Jornal não deixa de mostrar problemas que estão diretamente ligados às
questões básicas de amparo à população e que são de responsabilidade do Estado, como,
65
por exemplo, no caso da população desabrigada para a construção do estádio que vai
receber jogos da Copa do Mundo em São Paulo. Mesmo a obra tendo o aval do Governo
Federal, o programa não deixou de mostrar como o processo pode ser desumano com
aqueles que não são amparados. Aqui, relembro que o próprio presidente da Fundação
Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, que detém a outorga da emissora, afirma
que o papel do canal é “ser um canal de amplificação da voz dos movimentos sociais”.
Apesar de uma das marcas de boa parte dos movimentos sociais ser o ativismo político,
a fala do presidente dá uma dimensão da importância que a própria televisão tem no
país como um veículo de massa.
66
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reivindicação é antiga, por isso o surgimento da TVT causou tanto alvoroço. Embora
países da América Latina – Argentina e Uruguai - tenham tomado iniciativas no sentido
de regular os meios de comunicação e democratizar o setor, o Brasil está estacionado.
Enquanto o governo não toca no assunto, o Partido dos Trabalhadores, em resolução de
outubro de 2012, logo após as eleições, afirma que:
30
Disponível em http://www.mst.org.br/node/7714
31
Disponível em http://www.pt.org.br/arquivos/Balanco_Eleitoral_2012.pdf
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mostrar os problemas o cotidiano, os problemas e as conquistas dos trabalhadores. Uma
nova antena deve ser inaugurada ainda em 2013, na Avenida Paulista, em São Paulo, o
que vai aumentar ainda mais a capacidade de transmissão da emissora.
Apresentado como o “Telejornal para todos aqueles que buscam um mundo melhor e
mais justo”, o “Seu Jornal” traz uma pauta voltada principalmente para questões sociais
e políticas, deixando de lado questões e assuntos mais ligados ao que poderíamos
definir como “cultura” e “esporte”, por exemplo. Foi possível ver a forte vinculação do
programa com questões e bandeiras dos movimentos sociais, como os grupos de defesa
de comunidades afetadas por obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014. A Central
Única dos Trabalhadores (CUT), maior central de trabalhadores da América Latina,
também é figura presente no telejornal. É de se esperar que a organização tenha voz,
uma vez que o sindicato é filiado à CUT e a relação com o Partido dos Trabalhadores é
forte.
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até mesmo incompetentes. No entanto, é comum que o telejornal cometa alguns dos
mesmos erros que aponta nos outros telejornais, como a falta da voz do “outro”, do
contraditório.
Observamos que o telejornal adota uma linha editorial politicamente alinhada com o
atual governo federal, sob o comando do Partido dos Trabalhadores. Ao se propor como
o telejornal que apresenta “as notícias para a transformação social do Brasil” e, ao
mesmo tempo, mostrar positivamente o legado de políticas públicas implantadas pelo
governos dos presidentes Lula e Dilma, o programa diz ao seu telespectador que a
associação dessas duas questões estão ligadas.
Embora tenham poucos recursos financeiros e tecnológicos para disputar espaço com as
grandes redes de TV, o programa adota o formato tradicional, por exemplo, com o uso
de bancada. O uso do link ao vivo não existe e a conversa com a redação, que acontece
no final do telejornal – quando o jornalista chama um repórter na redação para falar
sobre as “últimas notícias” do dia – é dispensável e, de certo modo, acaba sendo
empobrecedora para o programa, já que não acrescenta nada. A figura do repórter
Carlos Carlos, por exemplo, mostra como o programa quebra com alguns padrões. Um
repórter barbudo, que usa camisetas e com linguajar marcado por gírias – a exemplo do
“E aí, firmeza, vei?” – costuma apresentar matérias de política e cultura. Considero que
a figura de Carlos Carlos é um dos pontos fortes do programa. Assim como a TVT, o
“Seu Jornal” é um produto novo no “mercado” brasileiro de telejornais, o que não
permitiu observações de outros programas ou trabalhos na área, uma vez que se trata do
primeiro telejornal da primeira emissora de TV ligada a um sindicato no Brasil.
Acredito que a criação da TV dos Trabalhadores (TVT), sem dúvida alguma, representa
um avanço na democratização da comunicação no Brasil.
Concluindo, considero o Seu Jornal como um telejornal voltado para o público que está
interessado em ver as mudanças pelas quais o país passou nas últimas décadas,
principalmente na área social. Como um programa da TV dos Trabalhadores, o
telejornal se apresenta como uma alternativa aos programas telejornalisticos das grandes
emissoras do país – privadas e integrantes de grandes conglomerados de comunicação.
Logo, pertencem a empresários, aos “patrões”. O telejornal se propõe como um lugar do
trabalhador que também está atento a temas como cidadania e justiça social. Considero
que apesar dos problemas técnicos e limitações financeiras, o Seu Jornal apresenta uma
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linha editorial bastante positiva. A Metodologia de Análise de Telejornalismo permitiu
que essas características fossem observadas a partir do contexto social, político e
econômico do Brasil, o que é fundamental para entender a importância histórica da
criação da TV dos Trabalhadores e, conseqüentemente, do Seu Jornal.
Com a análise do primeiro telejornal ligado a uma emissora de TV sindical, creio que
esta monografia é um primeiro passo para futuros trabalhos sobre a TV dos
Trabalhadores – e aqui gostaria de registrar a vontade de ver mais canais com este tipo
de programação. O trabalho contribui com o Grupo de Pesquisa em Análise de
Telejornalismo na medida em que se soma a outras importantes pesquisas de análise,
mas lançando o olhar para um produto inédito no país.
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8. REFERÊNCIAS
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988.
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GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São
Paulo: Paulus, 2004.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a notícia: Uma história social dos jornais nos
Estados Unidos. Tradução de Denise Jardim Duarte – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010 –
(Coleção Clássicos da Comunicação Social)
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