A Revolta Do Sudoeste

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A REVOLTA DE 1957 NO

SUDOESTE DO PARANÁ
a luta pela terra entre memórias e comemorações
Editora UNICENTRO
Rua Salvatore Renna, 875, Santa Cruz,
85015-430 - Guarapuava - PR.
Fone: (42) 3621-1019
[email protected]
www.unicentro.br/editora

Publicação aprovada pelo Conselho


Editorial da UNICENTRO
PAULO JOSÉ KOLING

A REVOLTA DE 1957 NO
SUDOESTE DO PARANÁ
a luta pela terra entre memórias e comemorações
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

Editora UNICENTRO
Direção: Denise Gabriel Witzel
Divisão de Editoração: Renata Daletese
Assessoria Técnica: Beatriz Anselmo Olinto, Suelem Andressa de Oliveira Lopes,
Victor Mateus Gubert Teo
Correção: Dalila Oliva de Lima Oliveira
Diagramadores: Valmir Dzivielevski Junior, Victor Mateus Gubert Teo
Diagramação: Valmir Dzivielevski Junior
Capa: Valmir Dzivielevski Junior
Gráfica UNICENTRO
Lourival Gonschorowski, Marlene S. Gonschorowski, Agnaldo Dzioch

Apoio:

Ministério da Cultura (MEC)


Secretaria de Educação Superior - SESu
Programa de Extensão Universitária

Ficha catalográfica
Catalogação na Publicação
Carmen Pegoraro CRB 9/906

KOLING, Paulo José


K81r A revolta de 1957 no Sudoeste do Paraná: a luta pela Terra entre memórias e
comemorações / Paulo José Koling. – Guarapuava, PR : Ed Unicentro, 2018.
370p.
364p.: il.

ISBN 978-85-7891-206-2
Bibliografia

1. História - Paraná. 2. A luta pela terra entre memórias e comemorações. I.


UNICENTRO. II. Título.

CDD 981.62

Copyright © 2018 Editora UNICENTRO


Nota: O conteúdo desta obra é de exclusiva responsabilidade de seus autores.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço ao Ministério da Educação (MEC),
que, por meio do Programa de Extensão Universitária (PROEXT),
possibilitou o financiamento e a realização do projeto de extensão
Memórias da Terra: Modos de viver, lutas e resistências camponesas
no Sudoeste e Oeste do Paraná (Convênio nº 010/2010-MEC/SESU/
PROEXT-UNIOESTE), cujo um dos resultados é este livro. Juntamen-
te a isso, também registro a participação dos bolsistas, então alunos
do Curso de Graduação em História, Tiago Arcanjo Orben, Francieli
Pinheiro e Jael dos Santos. Para além de fortalecer a inserção social,
esse resultado demonstra que não há como cindir ensino-pesquisa-
-extensão, quando há compromisso com a universidade pública e
interação com as questões histórico-sociais. Nesse sentido, um re-
gistro ao então Reitor Alcibiades Luiz Orlando, hoje in memoriam,
por sua práxis ética em defesa do caráter público da Universidade e
da Administração da Coisa Pública, é o ato mais singelo de reconhe-
cimento à sua pessoa e vida profissional. Também agradeço à Márcia
Elisa Sbaraini-Leitzke, Bibliotecária do Câmpus de Marechal Cândido
Rondon, pelo auxílio na obtenção de fontes bibliográficas esgotadas.
Com relação ao público-alvo do projeto Memórias da Terra,
é oportuno agradecer às pessoas que concederam entrevistas,
oportunizaram diálogos e visitas, assim como disponibilizaram
fontes e materiais que contribuíram para a pesquisa-extensão.
Tratando-se dessas atividades, é importante citar e reconhecer os
serviços disponibilizados pelo Quadro de Pessoal do Arquivo Público
do Paraná, que oportunizaram o levantamento e a reprodução de
fontes dos Fundos Documentais.
Por fim, agradeço especialmente à Carmen, Paola, João,
Helena, Pedro e Laura a compreensão e apoio direto e indireto que
deram e dão para as atividades que realizo no âmbito da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná e nas nossas vidas.
A todos os citados, não cabe responsabilidade pelo conteúdo
e abordagem apresentadas neste livro.
LADRÃO DE TERRA

Intérpretes: Jacó e Jacozinho

Composição: Moacyr dos Santos/ Teddy Vieira

Tinha eu quatorze anos quando deixei meu Estado


Meu pai era sitiante trabalhador e honrado
Por esse mundão de Deus eu dei murro no pesado
Quando a sorte me ajudava os meus prano foi cortado
Triste notícia chegava
Meu destino tranformava
Eu fiquei um revortado

Meu pai tinha falecido na carta vinha dizendo


As terras que ele deixô minha mãe cabô perdendo
Para um grande fazendeiro que abusava dos piqueno
Meu sangue ferveu na veia quando eu fiquei sabendo
Invadiram as terra minha
Tocaro minha mãezinha
Pra roubar nossos terreno

Eu vortei pra minha terra foi com dor no coração


Procurando meu direito eu entrei num tabelião
Quase que também caia nas unha dos gavião
Porque o dono do cartório protegia os embruião
Me falou que o fazendeiro
Tinha rios de dinhero
Pra gastar nesta questão
Respondi no pé da letra não tenho nenhum tustão
Meu dinheiro é dois revórver e bala no cinturão
Se aqui não tivé justiça para minha proteção
Vou mandar os trapacero pra sete parmo de chão
Embora saia uma guerra
Vou matar ladrão de terra
Dentro da minha razão

Negar terra pros caboclo ai ai


É negar pão pros nossos filhos ai ai
Tira a terra dos caboclo ai ai
É tira o Brasil do trilho ai ai

Nós tava de onze a onze na parada nesse dia


Os pobre é carta baixa e os rico são as mania
Foi uma chuva de bala só capanga que corria
Foi pela primeira vez que o dinheiro não valia
O baruio acabou cedo
intregaram foi de medo
Terras que me pertencia

Na cerca de minha terra ai ai


Quem mexer ninguém imagina ai ai
Os arame são de bala ai ai
E os murão de carabina ai ai
11 Apresentação

19 CAPÍTULO I
Revolta de 1957 e fontes históricas: uma reflexão necessária

65
CAPÍTULO iI
A questão agrária no Sudoeste/PR: entre litígios e grilagens

99 CAPÍTULO iiI
O Sudoeste e a Revolta de 1957: disputas pela terra e pela história

167 CAPÍTULO Iv
Levantados do chão em armas: a ocupação das cidades (ações e reações)
197 CAPÍTULO v
Do pós-levante de outubro de 1957 ao Getsop

225 CAPÍTULO vI
Um passado inventado em monumentos, comemorações e eventos

323 CAPÍTULO viI


O passado em debate & debates sobre o passado

343 referências

355 anexos
APRESENTAÇÃO
–3– Um povo de quatro milhões de homens,
A oito anos atrás conscientes de seu número, jamais desespera
era terra desabitada de seu futuro. Estes quatro milhões, enquanto
com o povo de outros Estados nada mais são do que uma massa inorgânica,
foi logo colonizada. uma multidão dispersa, serão incapazes de
–9– decidir seu rumo histórico.
A primeira foi a Citla
José Carlos Mariátegui (1972, p.31)
A segunda Comercial
uma ajuda a outra
e as duas porém o mal.
“A espingarda venceu a metralhadora.”
Albino de Oliveira - Décima José Santolin (In: TVSINAL,2009)

Neste ensaio da escrita da História e de um ofício do


historiador, abordamos a experiência da luta pela terra ocorrida
no Sudoeste do Paraná1, destacando o levante popular, da multidão
em armas, que ocupou as cidades da região, no outubro de 1957,
acabando com as práticas de grilagem, violências e expropriações
dos posseiros, que as companhias imobiliárias Citla, Comercial e
Apucarana realizavam com seu braço armado privado (jagunços) e
consorciado com agências e agentes do governo de Moysés Lupion.
A história do movimento da revolta e a vitória conquistada na terra,
para o trabalho e para a moradia dos colonos e posseiros, constitui-
se num caso singular de luta social, de consolidação de uma
cartografia fundiária formada, fundamentalmente, por pequenas
propriedades rurais e de agricultura familiar, ainda visível no
Sudoeste novo do Paraná.
Na construção de uma identidade à região e ao povo/
homem do Sudoeste – na perspectiva da “invenção de uma tradição”,

1. Nas citações incluídas no texto optamos por manter a grafia conforme o texto original das fontes.
no sentido dado por Hobsbawm e Ranger (1997) –, alicerçada a partir
das lutas e do movimento, as memórias e experiências de vida dos
protagonistas e dos líderes herdeiros do outubro de 1957 – também
indicados neste texto como sendo os representantes continuadores
no pós-outubro de 1957 –, reuniram temporalidades diversas e
contextos sociais diferentes, uniformizando e nivelando a própria
tradição como se fosse o próprio chão da história, resignificando
e dando novos sentidos às representações sobre o passado ou
apresentando-se, seletivamente, como narradores de uma história.
Nessas revisões e rememórias, nas pesquisas históricas realizadas
durante as décadas de 1970 e 1980, portanto, após o período da
regularização oficial das terras da Gleba Missões e parte da Gleba
Chopim, realizadas pelo Grupo Executivo de Terras do Sudoeste
do Paraná (GETSOP), foram incluídos os elementos do litígio, do
pioneirismo, da grilagem e das ações e reações das companhias
e dos colonos e posseiros, bem como a demarcação dos fatos e dos
personagens do antes e do depois de outubro de 1957, porém, sem
mais terem que tratar de outras lutas a não ser àquelas relacionadas
às reconstruções do passado no presente.
A produção bibliográfica, os monumentos de homenagens
e as comemorações realizadas desde 1972 até 2007 focaram novos
e velhos atores e cenas, com novas linguagens, representações e
significados. De modo especial, no movimento do cinquentenário o
predomínio das oficialidades redefiniu o caráter da luta pela terra na
legalização e na pacificação do próprio outubro de 1957 – quando não
no próprio desarmamento do passado e na centralidade da ritualização
do ato fundante num simples congraçamento e nas festividades da
passagem das Bodas de Ouro –, haja vista os novos interesses e as
novas configurações sociais dos agentes e agências promotoras das
comemorações do 50º Aniversário do Outubro de 1957.
Já passados os efeitos do cinquentenário, o tema da Revolta
de 1957 merece uma reflexão que trata da história da história desta
luta pela terra, porém na perspectiva de uma contextualização das
disputas que houve sobre o passado, dos usos e abusos e das invenções
e reinvenções desta “tradição” do Sudoeste novo do Paraná.
Nesses aspectos, as próprias autorias e fontes consideradas
clássicas para este tema – Hermógenes Lazier (1980; 1998), Rui

14
Christovam Wachowicz (1985), Iria Zanoni Gomes (1986), Rubens
da Silva Martins (1986), Othon Mäder (1957; 1958), as fotografias
do jornalista Osvaldo Jansen (1957), as entrevistas realizadas entre
o final da década de 1970 e início de 1980 com os líderes herdeiros
e representantes continuadores, assim como com demais pessoas
que viveram o Movimento de 1957 (principalmente Lazier e Nivaldo
Antonio Oliskovicz, Wachowicz e Iria Gomes) –, marcaram e
demarcaram muitos aspectos do que foi praticado e dito no chão
da história acerca dos sujeitos envolvidos nas disputas. Ao mesmo
tempo, esses autores fortaleceram, silenciaram ou limitaram o
horizonte para uma visão mais ampla dos temas, dos objetos, das
fontes, dos problemas, das abordagens e dos sujeitos sociais no
passado e nos novos contextos vividos no pós-outubro.
A “tradição inventada” passou a ter mais força e reforçava
as atualizações do passado no presente, em cada momento de
registro de calendário do 1957 ou das emancipações políticas das
municipalidades. Sobre esta perspectiva, parece-nos, que é preciso
avançar de um ponto de vista crítico, porém, nesse campo de disputas,
a força simbólica (BOURDIEU, 2009) dessa “tradição” – já enraizada
no saber social, nas memórias sociais (coletiva e individual), no
cotidiano e nos lugares de memórias –, constitui-se numa práxis
(teoria e prática) reificadora de si, em novas formas e novos sujeitos
(agentes e agências), que adquire autonomia em relação ao próprio
fato/processo original, quando não sobrepõem outras histórias
(linguagens) e outras memórias (saber social e historiografia), por
vezes às avessas do que foi o levante.
Nesse sentido, a leitura desta obra, certamente, vai
agradar ou desagradar a gregos e troianos, na medida em que
não parte do interior da tradição já consolidada, mas, sim, da
demonstração de aspectos fundamentadores desta representação
de que o Outubro de 1957 foi, praticamente, um caso sui generis
na qual “Os pequenos venceram os grandes. Isso é muito raro
acontecer na história da humanidade. E sem derramamento de
sangue” (PEGORARO, 2007, p. 27-28).
Na perspectiva da oficina da História, as escritas sobre o
passado e as interfaces das memórias dos “narradores” (BENJAMIN,
1994) apresentadas em fontes bibliográficas, em lugares de memórias

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e monumentos ou em novas linguagens de registros comemorativos,
é preciso superar a visão do senso comum e da tradição. No exercício
da pesquisa e reflexão das fontes e linguagens, História e Memória
nem sempre caminham lado a lado, na perspectiva da escrita sobre o
passado e na relação presente-passado, que permeia a historiografia
e o saber social, ainda mais quando entra, à baila, a própria tradição e
os valores sociais dessa identidade da sociedade da região Sudoeste.
Nesse sentido, a abordagem apresentada neste livro não
tem o propósito de “fazer tábua rasa do passado” (CHESNEAUX,
1995), mas também não respira o ar da “tradição” já existente
entre as gerações que viveram e vivem no Sudoeste do Paraná ou
dos escritos fundantes de uma oficialidade, da seletiva “eleição
dos heróis pioneiros” (RIPPEL e outros, 2013) ou dos porta-vozes
e representantes continuadores (os líderes do outubro de 1957,
com suas trajetórias político-institucional e social) nos períodos
seguintes, entre outubro de 1957 a janeiro de 1974, e entre os marcos
comemorativos do Jubileu de Prata de Francisco Beltrão (1952-1977)
ao Jubileu de Ouro do Outubro de 1957 (1957-2007).
De todo modo, aos que partilharem de uma crítica à
crítica, ou de uma avaliação acerca de um possível radicalismo ou
academicismo do texto/autor, vindo de alguém que não conheceu
ou conhece o Sudoeste, ou mais, de quem não viveu no Sudoeste em
tempos anteriores ou mais recentes, antecipo duas ponderações que
não levitam sobre a superficialidade das águas do senso comum,
nem mergulham e respiram dentro da “tradição inventada”. Uma se
refere à interpretação contemporânea dos sentidos histórico-sociais
do movimento de pacificação e do desarmamento do passado. Tanto
o “pioneirismo” quando a monumentalização da tradição e do “mito
fundante” (CHAUÍ, 2000) não trazem o passado para o presente, mas,
sim, inventam e reinventam, com novas linguagens e obras, sobre
o passado no tempo presente (textos, logomarcas, monumentos,
lugares de memórias, arte cênica e imagens reeditadas, com
criatividade e interatividade visual, pedagogicamente sutil), com uso
e/ou abusos das novas autorias. A outra diz respeito à necessidade
de superação da abordagem apresentada neste livro que não iguala
nem nivela atores, autores e personagens que participaram das
disputas, tampouco abranda ou silencia sobre as contradições que

16
havia no passado, em seus vários contextos (1951-1957; 1957-1962;
1962-1974; 1977-1997-2007; 2007 em diante).
Para orientar os leitores e indicar possíveis caminhos de
leitura do conjunto dos capítulos, haja vista que há uma organicidade
dos temas e dos novos contextos, e aos que não estão familiarizados
com o tema e com a história da Revolta de 1957 no Sudoeste do
Paraná, sugerimos que, após a finalização da primeira leitura, seja
realizada uma releitura mais acurada, até porque, mesmo que o
texto tenha um ponto para a sua finalização, permanecem pontos e
problemas que requerem novos estudos, novas pesquisas e um maior
aprofundamento. Nesse sentido, a seletividade das fontes orais
construída pelo historiador Ruy Wachowicz (1985) e a consolidação
dos legítimos porta-vozes e narradores; a periodização do Movimento
de 1957, proposto por Iria Gomes (1986); o problema das lideranças
(farrapos e não farrapos) indicadas e revisadas por Hermógenes
Lazier (1980/2007), Wachowicz e Gomes; as “lições de casa do Verê ou
da Fronteira” (THOMAZONI, 2007); a plena regularização das terras
feitas pelo Getsop; as novas formas de luta pela terra e a organização
popular dos sem terras; e as formas de uso e abusos das linguagens
e imagens em monumentos, lugares de memórias e em registros
comemorativos requerem revisões sérias.

17
CAPÍTULO I
REVOLTA DE 1957 E FONTES HISTÓRICAS: uma reflexão
necessária
A revolta de 1957, ocorrida no Sudoeste do Paraná, passou
a ser um tema mais recorrente e revisitado na pesquisa histórica
(relacionada ao ensino e à formação profissional) nos últimos anos,
e um fato rememorado e comemorado pela sociedade dessa região,
principalmente a partir dos eventos organizados pelos governos
municipais relacionados ao registro da passagem do cinquentenário
ocorrido no ano de 2007. Nesse contexto, os materiais produzidos e
seus autores ou idealizadores – dentre os quais cabe indicar os pró-
prios agentes e as agências da esfera governamental financiadoras
–, construíram um novo conjunto de fontes e linguagens para a his-
tória presente, como também (re)elaboraram novos sentidos, valo-
res, ideias, monumentos e lugares de memórias referentes ao passa-
do, com um pé no presente e um olho no futuro (registrar o próprio
cinquentenário e, com o cinquentenário, construir novos sentidos
ao passado no e para o presente e o futuro). Tendo em vista os resul-
tados desse duplo movimento (pesquisas e eventos) relacionados ao
cinquentenário, entendemos ser oportuno dialogar com parte des-
sas novas fontes e linguagens para situar as novas interpretações
e lugares de memórias apresentadas ou edificadas pelos pesquisa-
dores e agentes/agências. Entretanto, considerando o processo que
envolve esse período de mais de cinquenta anos e as mudanças e per-
manências históricas percebidas, é preciso interagir com a história
da História da revolta de 1957 e articular os contextos locais, regio-
nais e nacionais para se compreenderem vários aspectos que envol-
veram os diversos sujeitos sociais nessa “invenção de uma tradição”
ao Sudoeste paranaense (cf. HOBSBAWM e RANGER, 1997).
Algumas fontes – memórias, novas linguagens (logomarcas,
peças teatrais, cartazes, dentre outros), lugares de memórias
(monumentos) e referências bibliográficas – utilizadas neste livro
dizem respeito às visões construídas sobre o movimento social da
revolta de 19572 e embasam os contextos históricos nos quais foram
produzidas, bem como os vínculos e interesses que seus autores/
sujeitos possuíam em relação à história da luta pela terra que houve
2. A própria variação da/na nominação indica as diferentes visões dos sujeitos e do movimento: a rebelião agrária do
Sudoeste do Paraná em 1957 (MÄDER, 1958); o levante dos posseiros ou movimento camponês revolucionário
(WACHOWICZ, 1985); a revolução agrária (MARTINS, 1986); a revolta dos posseiros (GOMES, 1986; LAZIER,
1998); o levante armado dos colonos (BONETI, 1995); a revolta dos colonos (DAMBROS, 1997); e, a revolta dos
colonos (KRÜGER, 2004, p. 212/213). O debate sobre a nominação não é um ponto central para a compreensão do
processo, porém, os termos “posseiros” e “colonos” apareceram como elementos de discussão durante o contexto do
cinquentenário.
ou ainda existe na região Sudoeste do estado, no Paraná e no Brasil.
Compreendemos, portanto, que, para uma análise mais consistente
desta história da História, faz-se necessário interagir com a
bibliografia, a historiografia, outras fontes/linguagens e o saber
social, haja vista a condição ontológica da construção histórica e dos
conhecimentos.

1.1 – Disputas pela história: uma abordagem sobre as


autorias e fontes
A obra Paraná, Sudoeste: ocupação e colonização, de
Ruy Christovam Wachowicz3 (1985), historiador e professor
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), é uma referência
indispensável para o estudo desse movimento camponês4. Nas
indicações das fontes orais produzidas e utilizadas no livro,
Wachowicz (1985, p. 309-313) relacionou os 32 “depoimentos
orais” (entrevistas gravadas em áudio) obtidos pelo próprio autor
(1975: 1; 1978: 5; 1979: 24; e 1984: 2)5, e mais os 49 “depoimentos
orais” aproveitados do Projeto “Fontes Culturais para o Ensino”, da
Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná (Fundepar),
realizados durante os anos de 1983 e 1984, respectivamente 3 e 46
entrevistas. Para o momento não cabe abordar a contribuição de Ruy
Wachowicz para a História do Paraná, porém, essa obra paranista
correspondeu à análise histórica que o autor fez sobre o processo
de integração do Sudoeste ao Paraná, com ênfase na atuação dos

3. Ruy Christovam Wachowicz nasceu no ano de 1936 e faleceu no ano de 2000, com 64 anos de idade.
4. Nesta obra o autor tratou do Sudoeste do Paraná e na obra Obrageros, mensus e colonos, Ruy Christovam Wachowicz
(1982) abordou a história da região Oeste do Paraná, sendo a última fomentada no âmbito da construção da usina
hidroelétrica de Itaipu Binacional. No período a abordagem da história regional fazia parte do projeto de atuação do
Wachowicz no Departamento de História, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde atuava como docente
efetivo. O próprio título do livro em questão indica a perspectiva paranista e regional (uma abordagem da história
regional): Paraná, Sudoeste: ocupação e colonização.
5. Disponíveis à consulta no Arquivo Público do Paraná, Fundo Documental Ruy Christovam Wachowicz, em meio
digital. Considerando o período em que estas fontes orais foram produzidas, à época, era de uso comum entre
historiadores e nas ciências humanas, considerar os relatos dos entrevistados como depoimentos orais. Além das
questões da formalidade das entrevistas gravadas em aparelhos gravadores de fita K7, o termo depoimento possui uma
força simbólica para ambas as partes (pesquisador e entrevistado).
Comum nos meios jurídicos e policiais, o depoimento representa a produção de uma prova do réu ou da testemunha,
ritualmente confirmada pelo juramento inicial de “dizer a verdade”, sob a imposição da mão direita sobre a Constituição
ou mesmo a Bíblia. Por analogia ou jurisprudência, ao historiador caberia o papel de ser o interrogador (advogado de
defesa ou de acusação, ou de investigador). Nesse mesmo sentido, o Tribunal ou a Delegacia é a própria academia,
o “campo acadêmico” e o “campo jurídico”, como indicou Pierre Bourdieu (2009), que fundamenta a verdade do
depoimento juramentado perante uma autoridade.

22
governos do Estado, na formação social e político-administrativa da
região e na inserção do Sudoeste no mercado regional e nacional6. Em
termos gerais, a abordagem de Ruy apresenta uma visão territorial
do estado nacional e do Paraná.
As fontes orais produzidas e citadas por Ruy Wachowicz
formam um bom acervo documental que registrou as memórias
de pessoas que estiveram envolvidas no processo de disputa pela
terra, seja por parte dos colonos e posseiros ou das companhias
imobiliárias e do governo local e estadual. Para além das questões
teórico-metodológicas que as fontes orais e as memórias requerem
para uma análise da história e da memória viva, como abordaram
Alessandro Portelli (1988), Michel Pollak (1989), Marieta Ferreira e
Janaina Amado (1998) e Paul Ricœer (2007), dois aspectos chamam a
atenção dessas fontes naquela pesquisa e obra. O primeiro tem relação
com o distanciamento temporal que houve entre o passado (a revolta
de 1957) e o presente (período das entrevistas), que correspondeu a
mais de 20 anos, afora a data da primeira edição do livro, realizada
em 1985. O segundo aspecto corresponde ao conteúdo dessas
memórias e a condição que os indivíduos entrevistados tiveram no
passado e naquele presente (data das entrevistas). As memórias dos
entrevistados que foram líderes do movimento – diretores da Cango,
funcionários das emissoras das Rádios Colmeia (de Francisco Beltrão
e de Pato Branco), diretores das companhias imobiliárias e ocupantes
de cargos e funções públicas (parlamentares, prefeitos, delegados
e militares) –, predominam na narração dos fatos tidos como os
mais contundentes durante o conflito agrário. Essas questões da
temporalidade e das memórias construídas/elaboradas por alguns
(entrevistados, entrevistadores e pesquisadores) podem contribuir
para os usos e abusos dessas fontes orais selecionadas e seletivas. A
própria condição do autor e da obra demarcou a visão sobre a revolta
e seus sujeitos (também selecionados), influenciou a produção
acadêmica posterior e repercutiu no meio social e na opinião pública.
Diríamos até que Wachowicz tornou-se um igual aos próprios líderes
oficiais e oficializados da revolta de 1957. Algumas entrevistas
realizadas por Ruy Wachowicz também tiveram a participação de
6. O texto possui elementos favoráveis ao Governo do Paraná. Ao tratar do Território do Iguaçu e mesmo o caso das
disputas da companhia Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA) com a Colônia Agrícola Nacional “General
Osório” (CANGO) e os colonos e posseiros, o autor distingue os pró-varguistas e gaúchos sulinos e argentinos
(companhia Pinho & Terras), dos paranaenses articulados com o governo do Estado e suas oligarquias locais.

23
Jácomo Trento, o “Porto Alegre”, que interagia no diálogo com os
entrevistados, além de aproximar entrevistados e entrevistadores
para o foco das entrevistas, haja vista seus laços de amizade e a
trajetória de vida pública e social na região. A própria participação
de Porto Alegre nas entrevistas contribuía para fortalecer a versão
certa dos fatos relatados e, consequentemente, da abordagem que
Wachowicz fez sobre a revolta de 1957.
A obra 1957: a revolta dos posseiros, de Iria Zanoni Gomes
(1986), resultou da pesquisa de dissertação que a autora fez durante
o Curso de Mestrado em Sociologia, na Universidade de São Paulo
(USP/FFLCH/Departamento de Ciências Sociais), iniciado no ano de
1979. A pesquisa foi motivada pela sua trajetória e memórias de vida,
como ela mesma relatou na introdução do livro:

Gaúcha, tendo minha família migrado para Francisco Beltrão


em outubro de 1956, vivi os momentos mais tensos desse
processo. Os jagunços na rua, as histórias de mortes, a roupa
suja de sangue e furada de bala que uma vizinha lavava, a
tomada da cidade pelos colonos, a rua coberta de papéis, uma
bala perdida que por poucos centímetros não se aloja em minha
cabeça. Tudo isso ficou em minha memória.
Foi em 1979 que a oportunidade de elaborar este trabalho
surgiu. A necessidade de apresentação de um anteprojeto de
tese para inscrição no curso de mestrado na Universidade de
São Paulo permitiu que aquilo que estava na memória passasse
para o papel (GOMES, 1986, p. 117, grifo nosso).

O livro de Iria Gomes também influenciou as interpretações


e visões sobre a revolta dos posseiros. Sua proximidade com a história
pesquisada, certamente, contribuiu para a pesquisa, seja enquanto
reminiscência/lembranças ou memória social/individual da autora
(POLLAK, 1992). A repercussão do livro abrangeu a opinião pública
na região Sudoeste, e mesmo no entendimento de pessoas que
participaram do movimento e na (re)construção do conhecimento
histórico sobre o passado, como foi o caso da indicação que Walter
Alberto Pécoits (1994) fez durante sua entrevista à Revista Gente do
Sul, para registrar os 37 anos da revolta dos colonos.

[...] o Ruy escreveu todas [sic] a historia da reforma agrária de


57 baseado quase só em informações obtidas aqui com 15 ou
20 pessoas de Francisco Beltrão e da fronteira. Na minha casa,
7. A autora teve acesso às entrevistas realizadas por Ruy Christovam Wachowicz, conforme indicou nas citações das
fontes orais do Acervo do Projeto Fontes Culturais: Região Sudoeste. Curitiba, FUNDEPAR, 1984.

24
comigo, ele ficou me entrevistando mais ou menos cinco dias. Fez
gravação disso tudo e mais tarde ele fez este trabalho, que é um
trabalho histórico muito bom, de excelente qualidade. Apesar de
que eu continuo achando hoje que o melhor documentário que
existe sobre a revolta agrária de 57, suas causas, seus efeitos, é o
trabalho da Iria (“1957, A Revolta dos Posseiros”, de Iria Zanoni
Gomes), é o mais completo (PÉCOITS, 1994, p. 5)8.

Outra referência bibliográfica necessária ao estudo da


questão agrária no Sudoeste paranaense é o conjunto de obras
produzidas por Hermógenes Lazier, porém, boa parte deste material
não está disponível ao meio acadêmico ou aos demais interessados
por tratar-se de edições de baixa tiragem que estão esgotadas. Além
disto, a contribuição de Lazier esteve e está inserida nos meios de
comunicação (jornais e rádios), na rede de ensino, nos governos
municipais (principalmente em Francisco Beltrão), nos projetos de
pesquisa e na produção de fontes e de outras linguagens (documentos,
memórias/entrevistas, obras literárias, peças de teatro e lugares
de memórias), relacionadas à valorização da revolta de 1957 e seus
resultados enquanto representação de uma identidade camponesa
familiar para o Sudoeste do Paraná, e, segundo ele, um caso/exemplo
de reforma agrária.
Uma das referências bibliográficas mais utilizadas de Her-
mógenes Lazier (1980) é a Edição da Revista História, comemorativa
do Jubileu de Prata da emancipação do município de Francisco Bel-
trão, produzida para o ano de 1977, Francisco Beltrão: 25 anos de lu-
tas, de trabalho e de progresso, publicada em 1977, pela Editora Folha
do Sudoeste Ltda. (Edição Histórica, 90 p.), e em 1980 (90 p.), ambas
as edições esgotadas. Trata-se de um dos primeiros estudos de auto-
res locais sobre a questão agrária do/no Sudoeste, sendo referência
para o tema, pois Lazier abordou os aspectos dos povoamentos, dos
litígios territoriais (Questão de Palmas e do Contestado), das popula-

8. Conforme os dados apresentados, a entrevista foi organizada pela Revista Gente do Sul, realizada no mês de outubro
de 1994, e teve a participação de Silvio Casteli (72 anos esteve entre os milhares de colonos que tomaram a cidade de
Francisco Beltrão no dia 10 de outubro/1957), Sebastião Albuquerque de Souza (morador de Francisco Beltrão deste
1943), professor e historiador, Hermógenes Lazier (autor do livro “Análise histórica da posse da terra no Sudoeste
Paranaense”), Itamar M. Pereira (repórter do jornal de Beltrão e da Revista Gente do Sul), João José de Matos (61 anos,
morador de Verê desde o início dos anos de 50), Setembrino Thomazoni (posseiro de Nova Prata do Iguaçu, depois
eleito primeiro prefeito desse município, 1983/1988), Ruy Christovam Wachowicz (historiador e professor aposentado
da UFPR) e Sittilo Voltolini (professor, estudioso do Sudoeste, autor da peça teatral Pedrinho Barbeiro, chefe de
gabinete do CEFET/Pato Branco). Na apresentação da entrevista, há a seguinte referência: “Após 37 anos, o principal
líder da revolta dos Colonos conta que não sentiu medo, que teve sempre grandes amigos e atribui seu sucesso político
à participação na luta. Ele acredita que a história não vai perdoar Lupion, que era o governador do Paraná em 57” (In:
PÉCOITS, 1994, p. 1).

25
ções e demografia, dos projetos de colonização da Companhia Agrí-
cola Nacional General Osório (CANGO); da atuação da Clevelândia
Industrial e Territorial Ltda. (CITLA) e suas relações com o grupo Lu-
pion; da revolta dos posseiros e da implantação do Grupo Executivo
para as Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP), agência vinculada
ao Gabinete da Presidência do governo federal e ao Ministério da
Agricultura, além da participação do governo do Paraná, responsá-
vel pela regularização fundiária das posses e propriedades rurais e
urbanas no Sudoeste, naquelas áreas de litígios e grilagem (Gleba
Missões e parte da Gleba Chopim).
A Edição Histórica dos 25 Anos de Francisco Beltrão contém
4 partes: História das terras do Sudoeste (p. 7 a 28), Os Pioneiros de
Francisco Beltrão (p. 29 a 64), Os prefeitos de Francisco Beltrão (p. 65 a
84) e Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão (p. 85 a 90). O texto da
primeira parte foi escrito por Hermógenes Lazier, sendo uma versão
preliminar da pesquisa de mestrado que ele estava realizando sobre
Francisco Beltrão. A descrição do projeto da Edição Histórica do Ju-
bileu de Prata foi introduzida na Apresentação da segunda parte Pio-
neiros, escrita pelos redatores (Lazier e Oliskovicz), conforme segue:

Esta revista histórica de Francisco Beltrão e região do Sudoeste


Paranaense, lançada em comemoração ao Jubileu do Município
Capital do Sudoeste Novo, é o fruto de um trabalho intenso de
pesquisa, mediante a consulta cuidadosa em arquivos públicos,
em documentos coletados entre os pioneiros e em entrevistas
com os próprios protagonistas ou fautores de nossa história,
resultando num trabalho inédito, feito com muita seriedade e
com uma única preocupação – a VERDADE.
Para facilitar esse trabalho, de maneira bastante abrangente,
o emérito professor e historiador da Fundação Faculdade de
Ciências Humanas de Francisco Beltrão, Hermógenes Lazier,
fez uma síntese de sua longa pesquisa sobre os Problemas
das Terras do Sudoeste, que antecedendo a publicação de seu
livro sobre o assunto poderá servir de subsídio para estudos
regionais nas escolas de 1º grau uma vez que o emérito
professor fez um trabalho sério e unilateral, encarando os fatos
e seus personagens como realmente o são, trabalho que o eleva
como legítimo historiador (LAZIER, 1980, p. 29)9.

9. Para as demais partes da Edição Histórica, o texto da Apresentação indica: “Numa segunda etapa, o professor
Nivaldo Antonio Oliskovicz, diretor administrativo do Jornal Folha do Sudoeste [...], dado a nossa história com
muito gosto, não mediu esforços em visitas a todos pioneiros, em suas casas, duas ou três vezes, para entrevistá-
los, conferir o trabalho sobre os depoimentos e fotografá-los, tomando toda precaução para que não fossem
ditas inverdades, introduzindo o debate sobre determinados assuntos contraditórios, procurando as testemunhas
apresentadas elevando (sic. [e levando]) as conclusões aos protagonistas, antes de serem publicadas. Na terceira
parte encontramos mais um trabalho, realizado pelo professor Nivaldo Antonio Oliskovicz, que ouviu os ex-prefeitos
de Francisco Beltrão e conforme os depoimentos relatou suas administrações. [...]. Na quarta parte, apresentamos

26
Ruy Wachowicz e Iria Gomes utilizaram muito essa obra de
Lazier e Oliskovicz em seus estudos. Outra produção bibliográfica
é o livro Análise histórica da posse de terra no Sudoeste paranaense,
publicado em 1986, de Lazier (1998, 3ª Edição, 166 p.). Esse livro foi
o resultado da pesquisa e da dissertação realizada por Hermógenes
Lazier10, no Curso de Mestrado em História do Brasil (UFPR)11. Além
de reapresentar e aprofundar os temas já estudados por ele, Lazier
inclui 7 documentos históricos como anexos12. Para melhor situar
esta fonte bibliográfica, é importante indicar que na versão final da
dissertação submetida à Banca de Exame consta o ano de 1983 e o
título Estrutura Agrária no Sudoeste do Paraná (LAZIER, 1983). Sua
edição, em livro, passou por uma reorganização e um rearranjo do
texto, sem os aspectos da introdução e da metodologia da pesquisa
da dissertação.
Ao tratar do litígio e do conflito agrário que houve no Sudo-
este no período de 1940 e 1950, Hermógenes Lazier é crítico contun-
dente do grupo Lupion, das empresas imobiliárias, principalmente
da Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA), além da Comer-
cial e da Apucarana. Em relação à grilagem de terra que a Citla reali-
zou, Lazier considerou o negócio relacionado à Gleba Missões e parte
da Gleba Chopim, como um “ato ilegal e imoral” (LAZIER, 1998, p.
o trabalho de Luiz Fonseca, relator da Administracão de João Arruda que mostra as realizações de um dos grandes
prefeitos que Francisco Beltrão já teve” (LAZIER, 1980, p. 29).
10. “A monografia Análise Histórica da Posse de Terra no Sudoeste Paranaense foi elaborada durante o curso de
mestrado na Universidade Federal do Paraná nos anos de 1979 e 1980 e defendida perante a banca examinadora
do dia 21/03/1984”. (LAZIER, 1998, p. 14 – Prefácio da 2ª Edição). Lazier também indicou que a primeira edição
foi publicada no ano de 1986 e financiada pela Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte do Paraná, tendo sido
selecionada pelo Conselho de Editoração, entre as monografias do curso de mestrado. O Prefácio da 1a Edição foi
redigido pelo Dr. Walter A. Pécoits, então “Secretário da Casa Civil do Governo do Estado do Paraná na gestão José
Richa” (In: LAZIER, 1998, p. 9-12).
11. Sobre sua formação e atuação acadêmica, consta na segunda orelha desta obra os seguintes dados:“Graduado em
História pela Faculdade de União da Vitória. Especialização Lato-Sensu, em História, pela Faculdade de Guarapuava.
Mestrado pela Universidade Federal do Paraná. Exerceu atividade de professor em vários estabelecimentos e
municípios: CEFET, Colégio Positivo, Faculdade Espírita e PUC em Curitiba; FACIMAR em Marechal Cândido
Rondon. Em Francisco Beltrão lecionou em várias escolas. Liderou os trabalhos para criação da FACIBEL, onde foi
o 1º Vice-Diretor [...]. Foi Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão na Gestão de
Antonio de Paiva Cantelmo. Exerceu a função de Pró-Reitor de Extensão da UNIOESTE, em Cascavel. Durante muitos
anos respondeu pela disciplina de História na equipe de ensino do NRE de Francisco Beltrão” (LAZIER, 1998).
12. Os documentos são: 1) Relatório para escolha de terras para localização de Reservistas do Exército na faixa fronteiriça
do Brasil com a República Argentina, de 22/7/1942; 2) Ofício nº 477, de 16/6/1941, do Secretário Geral do Conselho de
Segurança Nacional en viado ao Exmo. Senhor Ministro da Agricultura; 3) A quem interessar possa, abaixo-assinado de
criação da Comissão Permanente da população do Povoado de Rio Marrecas, de 3/9/1951, contendo 250 assinaturas.
Documentos de formação da sub-comissão designada a ir a Capital da República, de 15/10/1957, e correspondência da
sub-comissão ao Superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional (SEIPN), de 15/101951; 4) Ofício
nº 1887, de 15/10/951, do Diretor de Divisão de Terras e Colonização enviado ao Administrador da Colônia Agrícola
Nacional General Osório, Assunto: Regularização de terras da C.A.N.G.O.; 5) Resolução do Conselho de Segurança
Nacional referente ao anteprojeto ao Senado, para anulação da venda de terras da União à Clevelândia Industrial e
Territorial Ltda., da Gleba Missões e parte da Gleba Chopim; 6) Depoimentos dos pioneiros do Sudoeste do Paraná, feitas
pelo professor Nivaldo Antonio Oliskovicz [passagens selecionadas]; e, 7) Tabelas dos Relatórios da Produção Agrícola e
Pecuária das famílias cadastradas pela CANGO, dos anos de 1947, 1948, 1949 e 1950 (LAZIER, 1998, p. 99-156).

27
49-50), conforme já havia apresentado na revista histórica Francisco
Beltrão: 25 anos de lutas, de trabalho e de progresso (1977)13.
Ao apresentar a experiência da Cango, Lazier considerou-a
como um exemplo de reforma agrária que deu certo e inclui a
atuação do Grupo Executivo de Terras para o Sudoeste do Paraná
(GETSOP), no período de 1962 a 1973/74, que regularizou e titulou
as propriedades rurais e urbanas no Sudoeste, como resultado da
vitória dos posseiros para esse caso de luta pela terra.
No Posfácio da 2ª edição, datada em 14/8/1997, do livro
Análise histórica14, Lazier historicizou os percalços que tiveram que
enfrentar ao localizar e reencontrar a documentação da Cango,
durante o período de 1972 a 1997, até sua incorporação ao Museu
Municipal de Francisco Beltrão.

Foram produzidos durante a existência e funcionamento da


CANGO, inicialmente em Pato Branco e depois em Francisco
Beltrão. Estavam numa das casas do INCRA, espalhados e
empoeirados. Em 1972, tivemos a felicidade de localizá-los
e, juntamente com alunas da Escola Normal Regina Mundi,
organizá-los (LAZIER, 1998, p. 164).

As lutas pela posse e propriedade legal da terra, o


trabalho e o progresso havido no Sudoeste do Paraná, na visão
de Lazier, deram uma identidade para a região, tanto em termos
político-sociais quanto socioeconômico ao homem sudoestino.
A predominância da pequena propriedade rural, da agricultura
familiar, do associativismo (cooperativas) e de organizações,
entidades e movimentos sociais no campo e na cidade são indicados
por Lazier como características do Sudoeste.
Entendemos que a trajetória de vida de Hermógenes Lazier
também demarcou seu entendimento sobre a problemática da terra.
Sua participação e militância teórica e social no Partido Comunista,
ao qual, inclusive, se filiou no ano de 1950, podem ser percebidas nos
textos que fez sobre o passado, “as análises sobre as lutas pela posse
13. Ao tratar da luta pela terra e da atuação das companhias imobiliárias, Iria Gomes (1986, p. 29 ss.) apontou para “a
questão legal e a questão moral”.
14. No Prefácio da 2ª Edição, Lazier informou que o livro estava esgotado e o contexto dos 40 Anos da Revolta de 1957
motivava uma nova edição: “A 1ª edição está esgotada. Tendo em vista que no dia 10/10/1997 completa 40 anos
da tomada da cidade de Francisco Beltrão pelos posseiros, a procura do livro tem sido grande, especialmente entre
os estudantes. [...] Diante dessa realidade, Wilmar Reichembach, proprietário da livraria Fonte Nova, preocupado
também com a divulgação da história do Sudoeste do Paraná, decidiu patrocinar a segunda edição do referido trabalho”
(LAZIER, 1998, p. 14).

28
da terra no Sudoeste/PR”15. Lazier passou a residir em Francisco
Beltrão no ano de 1969, após cumprir pena, enquanto preso político da
ditadura, no presídio Ahu, em Curitiba16. Foi nesse contexto que iniciou
seus estudos sobre a revolta dos posseiros de 1957. Certamente que
a trajetória do Partido Comunista durante o período de 1945/1964, a
cisão dentro do PCB ocorrida em 1962 (criação do Partido Comunista do
Brasil, PCdoB), o período da ditadura e o envolvimento dos comunistas
no movimento da anistia, das “Diretas Já” e da redemocratização,
entre meados da década de 1970 e início dos anos de 1980, forjaram a
visão e revisão da história do partido e da participação dos comunistas
– estando dentre eles o próprio Hermógenes Lazier –, no cenário
estadual, nacional e internacional (relação que o PCB tinha com a
União Soviética e a internacional comunista).
Nessa perspectiva, consideramos que o elogio que
Hermógenes Lazier fez à Cango, aos colonos e posseiros e ao Getsop,
bem como sua crítica acirrada ao grupo Lupion, ao Partido Social
Democrático (PSD) e às companhias imobiliárias (Citla, Comercial
e Apucarana) pelas práticas de especulação e grilagem de terra,

15. “Lazier foi um historiador e professor que, apesar de nascido em União da Vitória, foi grande pensador da região
Sudoeste, onde passou a residir desde 1969. Foi um dos fundadores da antiga Facibel, que se transformou em Unioeste,
e ganhou notoriedade estadual ao publicar um amplo estudo sobre a posse da terra na região, sendo o primeiro a
conceituar a revolta de 57 como dos posseiros e não apenas de colonos. Filiado ao PCB, o historiador também tentou a
vida política como vereador – sem sucesso – e nos últimos anos de sua vida era responsável por uma coluna no Jornal
de Beltrão”(In: Prefeitura de Francisco Beltrão.<http://franciscobeltrao.pr.gov.br/noticias/cultura/arena-cultural-do-
parque-homenageia-hermogenes-lazier/>. Publicado em 8 mar 2014). Acessado em 22 jun 2014.
16. Hermógenes Lazier (1931-2009) foi operário e jornalista, professor e historiador, militante político do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), tendo se filiado no ano de 1950, e, depois, em 1992, transformado em Partido Popular
Socialista (PPS). Durante a ditadura Lazier chegou a ser preso político. Em um dos textos de sua Coluna no Jornal de
Beltrão, de 22/6/2007, Lazier reproduziu uma passagem sobre outro livro seu, onde descreveu sua condição e situação
enquanto preso político comunista:
“No meu livro Paraná: Terra de todas as gentes e de muita história dediquei oito páginas (199 a 207) à repressão no
Paraná: 1964/1985, referente à sua militância e prisão: ‘É o caso de Hermógenes Lazier preso como comunista. Seu
crime: pegar assinaturas, de acordo com a lei em vigor, para encaminhar ao Egrégio Tribunal Eleitoral para legalizar o
PCB. Consta da acusação’:
“...Ter esta ou aquela ideologia, pelo menos no estágio atual do nosso direito, não constitui crime. Acontece que, no
caso presente, o acusado Hermógenes Lazier, ao se qualificar ‘comunista’, quis com isso dizer que não tinha essa
ideologia e sim que pertencia a um partido ao qual deu existência na clandestinidade”.
A sentença condenatória da auditoria da 5ª RM afirma: “condenar Hermógenes Lazier, já qualificado,
considerando-se a intensidade do dolo e a personalidade do acusado, a pena de dois anos de detenção,
como incurso nas sanções do artigo 36, do Decreto-Lei 314/67, pena essa fixada por maioria de votos”.
Essa sentença aconteceu no dia 29 de abril de 1969. Os ministros do Superior Tribunal Militar, julgando o recurso
de Hermógenes Lazier, reduziram a pena para um ano, quando afirmaram: “do exame da prova dos autos ficou-nos a
convicção de que a pena imposta ao apelante Lazier foi muito pesada”.
Para pagar esse crime ficou um ano na penitenciária do Ahu em Curitiba”.
Durante a minha estadia no Ahu aconteceu um fato até patético: fui condenado pela direita como perigoso comunista.
Na penitenciária, porém, por defender a posição do meu partido político (PCB, hoje PPS), que era contra a tática de
assaltar banco e da luta armada (guerrilha), fui acusado por outros presos políticos — de posições esquerdistas — como
traidor da revolução brasileira.
Era, portanto, punido pela direita e pela esquerda (LAZIER, 2007d In: http://www.jornaldebeltrao.com.br/
colunista/10/5500/punido-pela--direita--e-pela—esquerda). Acessado em: 22/6/2014.

29
pelo uso da violência com aparato particular e oficial (delegados,
policiais, prefeitos, juízes e jagunços), foram produzidos a partir
da releitura do passado, que o autor fez durante seus estudos e
pesquisas, além da sua trajetória de vida. Distintamente da história,
o projeto getulista da marcha para o Oeste, da Cango e a colonização
da região de fronteira Paraná/Brasil-Argentina, a participação de
comunistas no governo Juscelino Kubitschek, a votação que Jânio
Quadros obteve nos municípios do Sudoeste na eleição presidencial
de 1960, o envolvimento dos comunistas com as reformas de base do
governo João Goulart, o Jango, foram apresentados por Lazier como
partes que integraram o único exemplo de luta pela terra, vitorioso
para os camponeses ocorrido no Brasil, e modelo a ser seguido para
uma “verdadeira reforma agrária”.
Se um dos principais estudiosos da revolta de 1957 era
comunista, não podemos repetir o erro que Ruy Christovam
Wachowicz fez ao indagar se houve a participação de “uma
vanguarda comunista” no levante do Sudoeste (?). Wachowicz foi
perguntar aos seus confiáveis entrevistados – o major Reinaldo
Machado, o advogado Edu Potiguara Publitz e o Jácomo Trento –,
sobre este assunto.

Na atuação do GETSOP, bem como no levante dos posseiros


em 1957, não se conseguiu detectar a presença de elementos
ligados ao Partido Comunista Brasileiro. Os acontecimentos de
Porecatu, ocorridos pouco antes de 1957, parece que distraíram
a atenção dos membros das esquerdas engajadas, da política
brasileira.
[...]
O major Reinaldo Machado, da polícia paranaense, afirma
que ‘não cheguei a ter conhecimento de qualquer pessoa de
ideologia estranha, tentando explorar aquele movimento’.
O advogado udenista Edu Potiguara Publitz também é categórico
ao afirmar que antes e durante o levante não conheceu
nenhuma influência e nem ingerência do Partido Comunista.
Jácomo Trento, o Porto Alegre, afirma entretanto que se algum
líder de esquerda chegasse e dissesse aos colonos: ‘Eu vou
resolver a situação de vocês’, todos iriam para o seu lado, porque
a situação estava insustentável. E conclui: ‘Os comunistas
bobearam aí’ (WACHOWICZ, 1985, p. 288-289)17.

17. Eric Hobsbawm, ao relatar sua experiência de pesquisa com fontes orais, sobre a história-memória viva e o tempo
presente como história, após as entrevistas que realizou com “sobreviventes da Sociedade Fabiana pré-1914 a respeito
de seu tempo”, indicou seu próprio aprendizado: “a primeira lição que aprendi foi que nem mesmo valia a pena
entrevistá-los, a menos que eu tivesse descoberto mais sobre o tema da entrevista do que poderiam se lembrar. A
segunda lição foi que, no tocante a fatos verificáveis de modo independente, sua memória tendia a se enganar. A
terceira lição foi que era inútil levá-los a mudarem de idéia, já que esta havia se formado e fixado muito tempo antes”
(HOBSBAWM, 1998, p. 247).

30
Como a pergunta que o historiador Wachowicz fez a esses
entrevistados não tinha sentido histórico, ao encerrar o capítulo
da revolta no seu livro Paraná, Sudoeste, sua resposta não foi tão
diferente do que uma mera especulação. Por vezes a academia cria
seu universo racional e seus exercícios abstratos18. Alguns leitores
desatentos, convictos ou convencidos pela autoridade do autor,
simplesmente aceitam a relação e reproduzem o fato inventado
abstratamente como se fosse parte da história e indagam sobre os
motivos da ausência dos comunistas naquele conflito agrário!
A versão que Moysés Lupion deu à imprensa, em outubro
de 1957, em resposta às perguntas que o jornalista Álvaro Lins,
representante da Telepress19, lhe fez em relação à possibilidade da
questão do Sudoeste poder ser uma luta de guerrilha, evidenciam
que nesse aspecto, lupionistas e antilupionistas não divergiam, à
época, sobre esse assunto.

ÁLVARO LINS: - Senhor Governador, então a última pergunta:


E a propósito de um detalhe que o senador Veloso citou, a
respeito da subversão da ordem que se verifica no sudoeste
paranaense. Há um propósito evidente de desmoralizar a
autoridade pública. Eu queria saber de V. Excia. o seguinte:
Vossa Excelência acredita que elementos extremistas estejam
agitando esse problema na zona conflagrada?
GOVERNADOR MOYSÉS LUPION: - Até onde nos é dado obter
informações, ainda estes episódios ligados à propriedade,
há sempre elementos extremistas que se aproveitam das
circunstâncias para agitar. Mas nessa região ainda não tivemos

18. No livro Retorno 2: Pato Branco na revolta dos posseiros de 1957, Sittilo Voltolini (2003), reproduziu o texto que Raul
Vaz (1986, p. 322-337) publicou no livro Lupion, a verdade, referente à coletiva de imprensa que o governador Moysés
Lupion (PSD) e o senador Gaspar Veloso (PSD) realizaram no mês de outubro de 1957, referente “as explicações de
Lupion e a proposta de reforma agrária”, originalmente publicada na Revista Divulgação. Dentre os questionamentos
dos jornalistas, Lupion falou sobre os conflitos de terra (violências e assassinatos) que havia no Sudoeste do Paraná,
e a responsabilidade do governo e da Polícia do Paraná. Além de fazer sua defesa, Lupion e Veloso se opuseram às
acusações feitas pelos parlamentares da UDN e do PTB, contestando-os como oportunistas. Por outro lado, expuseram
que o conflito não tinha a participação de “agitadores comunistas”, diferentemente do caso do conflito agrário ocorrido
no Norte do Paraná (guerra de Porecatu, 1947/1948 a 1951), durante seu primeiro mandato no governo do Paraná
(12/3/1947-31/1/1951).
Na eleição de 1947, Moysés Lupion, do PSD, teve o apoio da União Democrática Nacional (UDN/Diretório do Paraná,
cujo presidente era Othon Mäder), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do Partido de Representação Popular (PRP) e
do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sobre o assunto, cf. Raul Vaz (1986, p. 293 ss). Conforme os dados do Tribunal
Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), o resultado da Eleição de 1947 para o governo do Paraná foi: Moysés Lupion
(PSD/UDN/PTB/PRP/PCB) obteve 91.059 votos (66,47%), Bento Munhoz da Rocha (PR) teve 45.941 votos (33,53%),
os votos em branco somaram 5.096 (3,51%) e os votos nulos foram 3.213 (2,21%), totalizando 145.309 votantes.
19. A primeira pergunta que Álvaro Lins fez ao governador Moysés Lupion foi: “Primeiramente, nós estamos informados,
no Rio, de que essa questão do sudoeste do Paraná, pode-se transformar dentro em breve, numa luta de guerrilhas.
Quais seriam as providencias do Governo nesse sentido? GOVERNADOR LUPION: - Eu tenho a impressão de que
somente quem não conhece a região poderá levantar essa hipótese. Porque é uma região que ainda não está devidamente
povoada e felizmente a gente que está vindo para esta região, podemos dizer que é a melhor gente que tem entrado
ultimamente no Paraná, naturalmente ressalvando aqueles que já – pelas proximidades das fronteiras com a Argentina
ou anteriormente têm se homiziado – nela pois é uma região também em que há maus elementos [...] (VAZ, 1986, p.
325; VOLTOLINI, 2003, p. 336).

31
conhecimento de nenhuma ação nesse sentido que tivesse
aparecido. É evidente que o Estado tem todos os elementos
necessários, materiais e legais, e que deles está dispondo
naturalmente com toda a ação, toda a decisão, para manter a
ordem pública e tranquilidade da região (VAZ, 1986, p. 331; cf.
VOLTOLINI, 2003, p. 349-350).

Outra obra necessária à pesquisa é o livro Entre Jagunços e


Posseiros, de Rubens da Silva Martins (1ª Edição, Curitiba: Studio GMP,
1986, 484 páginas)20. O médico Rubens da Silva Martins concluiu o
curso de Medicina no ano de 1948, na Universidade Federal do Paraná
(UFPR), e seu primeiro emprego foi na Companhia Agrícola Nacional
General Osório (Cango), tendo chegado à Vila Marrecas, no início de
março de 1949, juntamente com sua esposa, e foi o segundo médico21
que a Cango teve em Marrecas.
A data da publicação de Entre jagunços e posseiros, com
Preâmbulo assinado pelo autor no ano de 1985, em Curitiba, é
instigante, seja pelo conteúdo e a farta documentação incorporada
no texto (fotografias antigas, documentos sobre a população de
Marrecas e da Cango, correspondências e manuscritos, um apêndice
com matérias publicadas na imprensa/jornais oposicionista e
situacionista), quanto pelo período da conclusão e publicação do
livro. A obra possui 3 partes que tratam, respectivamente, de: “I –A
experiência profissional e política de um médico no Sudoeste do
Paraná; II – A primeira gestão do município de Francisco Beltrão e
os principais eventos de interesse da comunidade; e III – A revolução
agrária no Sudoeste do Paraná”.
Certamente que a versão que Rubens S. Martins produziu
sobre o passado – pois no ano de 1985 escreveu sobre o período
de 1949 a 1957/58, rompendo o silêncio de mais de 25 anos –, ao
fazer seu “relato histórico efetuado desde a ocupação pacífica das
terras até a subversão da ordem pública com a eclosão da Revolta
20. Na página XI constam os dados sobre o Patrocínio da obra: “A ASSOCIAÇÃO MARRECAS DO BEM ESTAR
AO MENOR ao patrocinar a presente edição de ENTRE JAGUNÇOS E POSSEIROS, doada pelo Autor em
benefício dos menores deste Município, contou com suporte financeiro dos seguintes setores empresariais [segue
a relação de 16 empresas] [...]
Ao externar aos mesmos nossa gratidão em nome da população mirim de Francisco Beltrão, enfatizamos a importância
da divulgação deste trabalho, um dos mais autênticos depoimentos relacionados com a colonização e o desenvolvimento
de nosso Município.
Francisco Beltrão, dezembro de 1986” (MARTINS, 1986, p. xi).
21. “A CANGO construiu o primeiro hospital e instalou a primeira farmácia levando para a região o primeiro médico
Dr. Eduardo Winter, o primeiro farmacêutico e o primeiro dentista” (LAZIER, 1998, p. 40). Na Edição Histórica,
Francisco Beltrão: 25 anos de lutas, de trabalho e de progresso, de Lazier (1980, p. 65), o sobrenome do Dr.
Eduardo tem outra grafia: Winthers.

32
dos Posseiros e o fechamento das companhias colonizadoras que
operaram na região” (MARTINS, 1986, p. 16), tornou público um
acerto de contas com sua consciência, na defesa da sua trajetória de
vida em Marrecas/Francisco Beltrão e atualizou seu posicionamento
adotado diante dos debates que havia sobre aquela experiência
(revolução agrária) vitoriosa de luta pela terra, no contexto de fins
de 1970 a meados da década de 1980.
Tanto as entrevistas realizadas por Ruy Wachowicz,
quanto para Iria Zanoni Gomes e por Hermógenes Lazier/Nivaldo
Oliskovicz, apresentam um distanciamento temporal em relação à
revolta de 1957, e seus entrevistados tiveram vários anos de vida até
registrarem suas memórias nessas entrevistas. Nesse aspecto, os
efeitos do tempo na sedimentação da vida e das memórias dessas
pessoas devem ter contribuído na narração sobre o passado e,
possivelmente, amenizaram os conflitos vividos no chão da história
durante o período de 1949/1957. No retorno ao passado e com a
visão retrospectiva dos caminhos realizados na história social, as
subjetividades e o saudosismo de uma conquista ou de uma derrota,
foram relatados com a poeira já baixada e um grande acúmulo de
vida, para os entrevistados nos anos de 1970 e 1980.
Nesse sentido, na história contada e no diálogo (ou
questionário) com o entrevistador, os protagonistas lidam com suas
lembranças, saudades, alegrias, realizações, traumas, frustrações,
tristezas, dores, derrotas, silêncios, esquecimentos, seus lugares
sociais e as memórias coletivas e individuais, como abordou Michel
Pollak (1989 e 1992) ao tratar desse ofício para o historiador.
Para o caso de Rubens da Silva Martins, nascido em Curitiba
no dia 27/8/1920, seu livro foi publicado quanto tinha 65 anos de
idade, depois de várias décadas de trabalho e convivência em outro
ambiente social. Após o levante de 10 de outubro de 1957, ocorrido
em Francisco Beltrão, Rubens viajou a Curitiba para exigir do
governo Lupion (PSD) uma resposta governamental e o apoio aos seus
correligionários do PSD que viviam em Francisco Beltrão, inclusive
por discordar do acordo que o governo Lupion fez com os revoltosos.
Em 1958 Rubens voltou a residir e trabalhar em Curitiba e chegou a
ser candidato pelo PSD a prefeito de Francisco Beltrão na eleição de
1960, por ser o nome mais forte do PSD no município. Naquele pleito

33
foi derrotado pelo candidato Dr. Walter Alberto Pécoits, do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), que contou com o apoio da União
Democrática Nacional (UDN).
Não podemos realizar uma análise da interpretação
construída por Rubens Martins sobre a revolução agrária, o levante
armado que houve no Sudoeste em 1957, sem entender essa
autobiografia e o lugar social onde ele estava naquele contexto e no
período em que escreveu Entre jagunços e posseiros, a partir da sua
(re)memória sobre o passado e o uso de um farto acervo documental
particular seu ou de conhecidos.
A obra Entre jagunços e posseiros é mais um capítulo das/
nas disputas sobre o passado. Seu legado no presente, registrado
em forma de livro (escrito, impresso e divulgado) foi idealizado,
não somente como um ato de filantropia à população mirim
de Francisco Beltrão, mas, fundamentalmente, para demarcar
posição na relação presente-passado e manter sua versão escrita e
impressa para o futuro. Com um bom arsenal de fontes históricas
(documentos, registros, fotografias, relatórios e correspondências
diversas), Rubens (ex-médico da Cango, ex-1º Prefeito e ex-Delegado)
defendeu a Cango, o progresso de Beltrão, o PSD (partido, prefeitos e
vereadores), o deputado estadual Cândido Machado de Oliveira Neto
(PSD), o Governo Lupion e a Citla22. Contestou a versão do senador
Othon Mäder (1958) da UDN, do deputado estadual Antonio Anibelli
(PTB) e do médico Walter Alberto Pécoits (PTB), principal liderança
em Francisco Beltrão, que relacionava os culpados pelas violências
praticadas pelos jagunços aos donos e chefes das companhias e
seus aliados locais e regionais (policiais, delegados, juízes, prefeitos,
promotores, advogados, comerciantes, vereadores, etc.).
No livro Rubens também denunciou o partidarismo que os
representantes do PTB e da UDN tinham em relação à companhia imo-
biliária Pinho e Terras, do Grupo Dalcanalle e Ruaro, que também agia
com a especulação de terras na Gleba Chopim, e avaliou que o Exército
22. Na terceira parte, que trata dos Prefeitos, da obra Francisco Beltrão: 25 anos de lutas..., organizada pelo professor
Nivaldo Antonio Oliskovicz para lançamento em 1977, ano do jubileu de prata (In: LAZIER, 1980, p. 64-90), consta
uma referência ao projeto de edição do livro que Rubens da Silva Martins estava organizando, o que indica que Martins
idealizou e redigiu a obra durante vários anos, praticamente uma década (antes de 1977 até 1985): “O saudoso amigo de
Francisco Beltrão, aqui foi delegado e construiu um dos mais belos hospitais da região, que ficava em frente da Prefeitura
e que foi mais tarde o Colégio La Salle. Atualmente, trabalha em Curitiba no setor de perícia do INPS e o IPASE. Tem
muito para contar sobre a história de Francisco Beltrão e promete publicar um livro que revelará muitos fatos inéditos de
nossa história, além de fornecer um acervo de documentos xerocados de sua administração que foram queimados em 1966
com a prefeitura. Será de muita valia sua obra e muitos a aguardam com ansiedade” (In: LAZIER, 1980, p. 67).

34
tomou partido em favor dos colonos e posseiros, o que determinou a
vitória do levante popular contra a ordem, a lei e as autoridades.
Além de defender que a Citla não praticava violência,
ao menos no município de Francisco Beltrão, Martins relativizou
o argumento de que as práticas de violência ocorridas nos anos
de 1956 e 1957 teriam sido introduzidas na região pelas Citla,
companhias Comercial e Apucarana e seus corretores-jagunços,
conforme havia denunciado o senador Othon Mäder (UDN)23
na tribuna do Senado Federal, e as notícias e coberturas in loco que os
principais órgãos de imprensa veiculavam sobre os últimos conflitos
ocorridos entre jagunços e posseiros durante o mês de setembro e o
início de outubro de 1957. Como apêndice do livro, Rubens anexou
várias matérias publicadas pelos jornais da capital do Paraná (e
divulgadas no país), oposicionistas e situacionistas ao governo
Lupion (PSD), relacionadas à revolução agrária e à desordem criada
com o levante armado dos posseiros.
Rubens Martins descreveu outros aspectos do cotidiano
daquela fronteira (internacional e da frente de expansão agrícola),
“uma região conturbada e sem lei” (MARTINS, 1986, p. 77), também
para relativizar o oportunismo e o partidarismo dos representantes
da oposição (PTB e UDN) à Citla, ao grupo e o governo Lupion (PSD).
O autor igualmente contestou o libelo de Othon Mäder
(1958, 33 p), separata de dois discursos pronunciados no Senado
Federal, em 6 e 9 de dezembro de 195724, que acusava o Grupo
Lupion pelos crimes e violências realizadas pelas companhias (Citla,
Comercial e Apucarana) e seus jagunços naquela grilagem de terra.
Escreveu Martins: “O ferrenho adversário da [sic.] Lupion considerou
‘culpadas’ todas as pessoas que, no Sudoeste do Estado, não rezavam
pela cartilha de sua preferência e, obviamente, as que militavam no
Partido Social Democrático” (MARTINS, 1986, p. 437).
Para demonstrar que a região daquela fronteira era violenta
desde a sua formação anterior, Rubens Martins comparou os dados
apresentados pelo senador Mäder e seus interesses eleitoreiros, com
23. Othon Mäder (8/1/1895 - 11/2/1974), natural de Paranaguá/PR. No ano de 1931 foi nomeado pelo governador como
prefeito interino de Ponta Grossa, por breve período. Em 1932 foi prefeito de Foz do Iguaçu. No período de 1950 a 1959
foi Senador pelo Paraná e de 1959-1963 foi deputado federal, ambos pela UDN.
<http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=2167&li=38&lcab=1937-1946&lf=38>
24. Rubens Martins se refere, pejorativamente, ao libelo, a publicação da separata dos dois discursos de Othon Mäder.
Trata-se da cartilha que Othon Mäder divulgou durante a campanha eleitoral que fez em 1958, à sua candidatura
para deputado federal.

35
outras situações de mortes (assassinatos) e violências registradas
antes da presença das companhias. Com relação ao libelo, Martins
fez a seguinte síntese:

No ‘Balanço Trágico’ do senador udenista, constam 14 mortes


violentas, 2 desaparecimentos e 47 vítimas de lesões corporais
ocorridas no sudoeste do Estado, no período de abril a outubro
de 1957, atribuídos a jagunços das companhias colonizadoras
que operavam na região (MARTINS, 1986, p. 439).

Além de criticar a falta de provas, pois os dados de Mäder


foram obtidos, conforme Rubens Martins (1986, p. 439), de “informes
de procedência e autenticidade duvidosas”, o autor apresentou fatos
e dados sobre registros de violências ocorridas em anos anteriores.
Sua vivência, enquanto médico da Cango, antes de assumir o cargo
de prefeito, mantinha-o familiarizado, por ofício, com estes fatos e
os respectivos registros, tratamentos e encaminhamentos. Todavia,
a interpretação desse contexto de hinterland da Vila Marrecas e
da vida da população na e entre fronteiras (da frente agrícola e
internacional) não esteve circunscrita a um mero apontamento
técnico de um profissional da saúde.

Quando Francisco Beltrão era ainda um simples e obscuro


povoado, incrustado no vasto e quase desértico território da
antiga Clevelândia – antes portanto, de eleger seu primeiro
prefeito com apenas 749 sufrágios; ao tempo em que Capanema
era alçada à categoria de Município, contando [com] apenas 17
eleitores (ratifico: desessete eleitores!), e na região abrangida
pela antiga Marrecas e adjacências, ainda não se ouvira falar
em companhias de terras – os crimes registrados na Sub-
Delegacia local, em apenas três meses, superavam em muito,
o número de mortos e feridos constante do ‘Balanço Trágico’,
relacionado com os sucessos revolucionários havidos na região
em 1957 (MARTINS, 1986, p. 439).

Com relação à autobiografia que Rubens Martins registrou


em seu livro, temos que levar em consideração a condição dele, além
de ser médico empregado na Cango, em setembro de 1949,também
foi inscrito como filiado no PSD25, e, em 1952, foi candidato a prefeito

25. “Em setembro de 1949, Júlio Assis Cavalheiro, Presidente do Sub-Diretório do Partido Social Democrático em
Marrecas, comunicou-me ter incluído meu nome como Membro daquela agremiação, iniciativa que contou com minha
aquiescência, embora não pretendesse qualquer envolvimento em manifestações políticas, sempre desgastantes e
prejudiciais ao bom desempenho da atividade médica” (MARTINS, 1986, 147).

36
pela coligação “Aliança da Vitória”26, para disputar a primeira
eleição municipal em Francisco Beltrão, ocorrida no dia 9/11/1952.
Em meio às artimanhas da campanha, às questões dos eleitores e
dos votos impugnados pelo PTB, no dia 9/2/1953, o Tribunal Eleitoral
do Paraná reformulou o resultado inicial da apuração, pois, com
a validação dos votos impugnados, Ricieri Cella (PTB) teve sua
diplomação invalidada pelo TRE/PR, e Rubens da Silva Martins (PSD)
foi declarado vencedor e novo prefeito, somando 749 votos, contra
os 697 de Cella (PTB), mais os 22 em branco e os 78 nulos, de um total
de 1.546 eleitores27.
Durante o período de 1953 a 195628, Rubens S. Martins
exerceu o mantado de prefeito, fazendo seu sucessor pelo PSD, Ângelo
Camilotti (candidato único, pois dentre os nomes indicados para os
Diretórios do PTB e da UDN, somente seu nome foi avalizado por esses
partidos de oposição a Rubens Martins/PSD). Em 1957, Rubens Martins
foi indicado como Delegado de Polícia de Francisco Beltrão “mais ou
menos um mês antes do levante. E isso porque o delegado anterior,
José Penso, que continuou como seu delegado auxiliar, praticou tantas
arbitrariedades contra os colonos, junto com as companhias, que a
26. A “Aliança da Vitória” era formada pelos seguintes partidos: Partido Social Democrático (PSD), Partido Social
Progressista (PSP) e o Partido Republicano (PR).
27. Por três meses Ricieri Cella, do PTB, (dezembro/1952 a fevereiro/1953) foi prefeito de Francisco Beltrão. No dia
18/2/1953, Rubens da Silva Martins, do PSD, foi diplomado prefeito pelo Juiz Eleitoral da 47ª Zona Eleitoral do Paraná
e exerceu o mandato até 1956. A indicação de quem foi o primeiro prefeito eleito também fez parte das disputas que
houve na Vila Marrecas e em Francisco Beltrão.
Na página atual do Município o assunto da primeira eleição foi descrita sem as devidas cores das disputas, sendo
apresentada como um tópico sui generis sobre a história política de Francisco Beltrão como “Uma eleição, dois
prefeitos”: “A história política começou com uma eleição tumultuada, para eleger o primeiro prefeito. No pleito de 9
de novembro de 1952, elegeu-se Ricieri Cella, do PTB. Empossado em 14 de dezembro de 52, Cella governou até o
início de fevereiro de 1953, quando foi obrigado a entregar o cargo para seu concorrente, Rubens da Silva Martins, do
PSD. A Justiça Eleitoral aceitou um pedido para validar algumas centenas de votos em separado, que não tinham sido
computados na eleição do dia 9 de novembro de 1952. Na nova contagem, Rubens, que na primeira contagem tinha
537 votos, ficou com 749. E Cella, que fora eleito com 545 votos e vencera com uma diferença de 17, ficou com 697
e perdeu por 52 votos” (In: Prefeitura de Francisco Beltrão. <http://franciscobeltrao.pr.gov.br/o-municipio/historia/>).
Acessado em 25/6/2014. Se os dados da primeira apuração forem como o indicado, a primeira diferença em favor de
Cella foi de 8 votos, e não de 17 votos, conforme a referência indicada neste item da página.
Carla Cattelan e André Paulo Castanha consideram Ricieli Cella como primeiro prefeito eleito e indicam Rubens
da Silva Martins como prefeito em exercício para o período de 1953/1956, utilizando as referências e dados da obra
Entre jagunços e posseiros para tratar do resultado da eleição de 1952, e citar as ações do governo municipal para o
desenvolvimento educacional de Francisco Beltrão: “O prefeito em exercício no ano de 1953, Rubens Martins, em seu
livro Entre Jagunços e Posseiros, publicado em 1986, relata como contratou o corpo docente para ministrar as aulas, ou
seja, os critérios que utilizou para a seleção e admissão” (CATTELAN; CASTANHA, 2013, p. 13).
Este entendimento dos autores, de considerar Rubens como prefeito em exercício, não tem sentido à história, a não ser que
tomaram partido em favor de Cella e consideraram que o novo resultado do TRE/PR fosse legalmente provisório, para tratar
do mandato de Rubens como em exercício. Neste caso, o mandato em exercício de Rubens da Silva Martins não passa de
uma leitura exclusiva de Cattelan e Castanha, até porque o desdobramento dessa reviravolta passou a ser fato consumado.
28. Nos demais municípios gêmeos, emancipados de Clevelândia em 1952, juntamente com Francisco Beltrão – Pato
Branco, Barracão, Santo Antônio do Sudoeste e Capanema –, o PTB elegeu os prefeitos e fez a maioria dos vereadores
(Cf. MARTINS, 1986, p. 178-180). Estes resultados demonstram que o PTB tinha uma grande inserção social e
eleitoral no Sudoeste, e a força que o getulismo tinha entre os migrantes sulinos.

37
situação tornara-se insustentável” (GOMES, 1386, p. 59-60). No dia 10
de outubro de 1957, quando os colonos e posseiros ocuparam a cidade
de Francisco Beltrão, o delegado, o juiz e o promotor foram destituídos
de suas funções e mantidos em prisão domiciliar, por determinação
da direção do movimento. O médico Walter Alberto Pécoits, um dos
principais líderes do levante, foi o porta-voz da demissão e prisão
dessas autoridades. A polarização entre Rubens Martins/PSD e Walter
Pécoits/PTB, certamente, chegava ao grau máximo.
Apesar das memórias atuais de Martins e de Pécoits, dos relatos
daqueles fatos e das suas divergências político-partidárias e pessoais
que tiveram há mais de 25 anos atrás, as feridas do passado já estavam
cicatrizadas. Nos relatos orais e na autobiografia o(s) protagonista(s) da
história e revisor(es) da(s) memória(s) toca(m), sim, nas cicatrizes, mas
não mais nas feridas (na carne viva e no sangue quente que escorria na
pele e pelas veias nos momentos de tensionamentos e enfrentamentos).
Tratam, eles, das lembranças e não mais das convicções e motivações
vividas naquelas ações que realizaram no mundo real num tempo
passado. No entanto, em Entre jagunços e posseiros, Rubens Martins
registra sua posição à história e demarca sua condição, num contexto
em que a revolta de 1957 representava uma conquista de seus opositores.
Tratando-se da posição de Rubens Martins em sua
autobiografia, duas passagens do texto merecem a citação para
contextualizar as disputas e mudanças ocorridas na história e na
escrita da história, ambas relacionadas aos interesses e rixas que
havia entre o PSD x PTB/UDN, entre Rubens da Silva Martins x
Walter Alberto Pécoits, entre a UDN/PTB x Citla/Grupo Lupion, e
entre posseiros x companhias, no caso, a Citla e suas consorciadas, a
Comercial e Agrícola Paraná Ltda. e a Colonizadora Apucarana Ltda.
Ao descrever seu ato de posse em seu livro, Rubens incluiu
fotografias históricas que registraram o momento e as pessoas que
presenciaram aquele momento de vitória dele e do PSD.

Minha posse na Prefeitura Municipal constou de um ato singelo,


ao qual compareceram o Deputado Estadual Cândido Machado
de Oliveira Neto, líder pessedista na região, correligionários
dos municípios vizinhos, os integrantes da Aliança da Vitória
e todos aqueles que prestigiaram e honraram com seus votos
os candidatos da coligação partidária. Esteve presente também
o médico Walter Alberto Pecoits que, por ter chegado ao Muni-
cípio dois meses antes do pleito, ainda firmava pé no terreno

38
político e, pouco tempo depois, daria um chega prá lá em Ricieri
Cella, assumindo a liderança efetiva de sua aguerrida e podero-
sa agremiação partidária (MARTINS, 1986, p. 174).

FOTO 1: Posse de Rubens da Silva Martins

FOTO Nº 60 – A sra. Jupira, esposa do Deputado Candinho, ao assinar a ata de posse do primeiro
prefeito de Francisco Beltrão; junto à mesa, o menino Luiz Alberto Martins de Oliveira, filho do
Deputado, em manga de camisa, o médico Walter Alberto Pecoits (MARTINS, 1986, p. 176)
Obs.: Inserimos a indicação de Walter Pécoits na foto, para auxiliar na identificação.

A segunda passagem do texto de Rubens Martins que


merece destaque, e na qual novamente citou Walter Pécoits como
fonte, está relacionada à defesa da Citla e do chefe do escritório dessa
companhia em Francisco Beltrão, o pioneiro Júlio Assis Cavalheiro29.

A atuação pacífica da CITLA foi reconhecida também por Walter


Alberto Pecoits, um dos líderes da ‹Revolta dos Posseiros em
1957’ e adversário político de Júlio Assis, conforme se constata
de sua afirmativa feita à revista Atenção, publicada em seu
terceiro número, em julho de 1978: ‘A CITLA tinha pelo menos
uma virtude. Trabalhava com gente nos escritórios, o que
29. Júlio Assis Cavalheiro é apontado como um dos primeiros proprietários das terras na Vila Marrecas. O direito de posse
que comprou localizava-se no lado direito do Rio Marrecas, e no lado esquerdo do rio ficavam as terras e a sede da
Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO). Júlio Assis Cavalheiro e Luiz Antônio Faedo são considerados
os primeiros pioneiros de Francisco Beltrão e responsáveis pela estruturação da primeira planta urbana da sede do
município: “A pedido de Júlio Assis Cavalheiro e Luiz Antônio Faedo, proprietários da maior parte das terras da
margem direita do rio Marrecas, um topógrafo da Cango (talvez Pedro Hyaudochen) traçava o primeiro mapa da futura
cidade. Em 1947, Júlio Assis e Faedo começaram a vender e até doar lotes, quase todos padronizados em 22 x 44
metros. E o povoado foi crescendo rapidamente” (In: Prefeitura de Francisco Beltrão. <http://franciscobeltrao.pr.gov.
br/o-municipio/historia/>). Acessado em 25/6/2014.

39
amenizava um pouco a sua ação. Nunca foram violentos’30
(MARTINS, 1986, p. 349)31.

Na medida em que Rubens da Silva Martins se propôs


a produzir e publicar um livro sobre jagunços e posseiros, a ser
distribuído, fundamentalmente pela Associação Marrecas do Bem
Estar ao Menor, em Francisco Beltrão e na região Sudoeste, ele entrou
no campo de disputa pelas memórias e nas escritas da história,
utilizando seu arsenal de documentos e provas para defender e isentar
o PSD, a Citla e o governo Lupion das acusações que já haviam sido feitas
durantes os embates no passado (1952 a 1957) e, fundamentalmente,
diante das retomadas das memórias, produções bibliográficas e novas
representações que estavam em construção entre fins da década de
1970 e no início de 1980. Ao doar a obra àquela Associação (um ato
duplamente filantrópico e à filantropia), sua distribuição foi feita in
loco, Martins (autor e indivíduo histórico) retornou ao mesmo local
das disputas no passado e no presente, num cenário de construção
da identidade do homem sudoestino, do pioneirismo e dos pioneiros
da Vila Marrecas e do município de Beltrão, interagindo com o
movimento das festividades do jubileu de prata.
Nesse contexto houve uma retomada da história passada
que era utilizada para criar uma identidade para a região Sudoeste.
A vitória dos colonos e posseiros em 1957 na luta pela terra passava
a ser base e referência para as novas lutas contra a ditadura e o
latifúndio, com destaque para as organizações e movimentos sociais
camponeses (sem terra, sindicalismo rural combativo, comunidades
eclesiais de base, partidos de esquerda).
Mais do que isso, a autobiografia do ex-médico da Cango,
do ex-primeiro prefeito eleito e do ex-delegado, do filiado ao PSD e
do fiel correligionário de Candinho e de Moysés Lupion, no formato
30. Infelizmente não foi possível localizar a entrevista que Walter Alberto Pécoits deu a Revista Atenção, publicada na
edição de julho de 1978. Pela data, esta entrevista foi realizada quase 21 anos depois da revolta de 1957. Na medida em
que Martins utilizou a entrevista de Pécoits para defender sua posição e interpretação da revolta dos posseiros de 1957,
no livro Entre jagunços e posseiros, mesmo tendo sido seu maior adversário político (PSD X PTB), e no levante contra
a ordem e a lei (Delegado x Líder dos Posseiros), o autor usou as memórias de Pécoits para defender e isentar a Citla
dos atos de grilagem e violências praticadas no período de 1956 e 1957. Ao usar a entrevista que Pécoits concedeu em
1978, Martins também demonstra que estava acompanhando os debates e as disputas na escrita da história da revolta
de 1957 e da história de Francisco Beltrão, a antiga Vila Marrecas.
31. Segundo Hermógenes, Júlio Assis Cavalheiro foi chefe do escritório da Citla em Francisco Beltrão, entre fins de 1956
até outubro de 1957. Lazier incluiu nos anexos do livro Análise Histórica da posse da terra no sudoeste paranaense,
passagens de entrevistas realizadas pelo professor Nivaldo Antonio Oliskovicz, e, dentre estas, há a do Júlio Assis
Cavalheiro, que reproduz esta questão da relação entre Cavalheiro e a Cilta. Na realidade, pelo menos desde fins de
1953 Cavalheiro trabalhava no escritório da Citla em Beltrão (In: LAZIER, 1998, p. 144-145; cf. LAZIER, 1980, p. 55).

40
do livro Entre jagunços e posseiros, era um arsenal de provas de que
Rubens da Silva Martins teve mais importância para a sociedade da
Vila Marrecas, da Cango e do município de Francisco Beltrão do que
os líderes do levante de 195732.
Se no período de 1978 a 1985, os estudos acadêmicos, por
exemplo, contribuíam para dar voz aos líderes da revolta dos colonos
e esse movimento adquiria expressão social, duas década depois
de 1957, os olhos e interesses convergiam para os vencedores33,
independentemente de isso representar a construção de uma
identidade regional inventada.
Em Entre jagunços e posseiros, Rubens Martins atuava
a contrapelo das personalidades vencedoras, mostrando que o
Sudoeste foi construído por grandes homens que defendiam a ordem
e a lei; que o bloco político-social formado pelo PSD local e estadual,
a Citla e o grupo Lupion não eram os responsáveis pelas violências e
conflito pela posse da terra.
As provas históricas dos opositores (fotografia da posse
de Rubens Martins e de trechos da entrevista de Walter A. Pécoits)
foram incluídas no livro para defender a Citla e isentá-la das
acusações dos mandos e desmandos e das práticas de grilagem e
violências ocorridas no período de 1956 a outubro de 1957. Mesmo
que essas provas tenham sido produzidas em tempos diferentes,
ambas servem para contrapor as duas situações. Em 1953, Walter A.
Pécoits apenas era um médico recém-chegado em Francisco Beltrão
e presenciou um grande ato em favor de Rubens S. Martins e do PSD
(ato de posse do “primeiro prefeito eleito”). Na entrevista à revista
Atenção, realizada no ano de 1978, ao relatar sobre a revolta dos
posseiros, 20 anos depois, Pécoits reconhecia uma virtude da Citla:
“não faziam uso de práticas de violência”. Nessa revisão, Walter
Pécoits reporta-se ao passado a partir daquele momento presente,
onde, certamente, já não era preciso radicalizar as posições, até
porque tinha sido prefeito de Francisco Beltrão e deputado estadual
pelo PTB, e referia-se ao passado numa temporalidade mais ampla
(1957-1978), além dos seus acertos com o passado, especialmente no

32. Como compreendeu Pierre Bourdieu (2009), o poder simbólico é expressão de posição e força social.
33. Reveja as indicações anteriores dos livros de Hermógenes Lazier (1977, 1980 e 1998), de Ruy C. Wachowicz (1985)
e da Iria Zanoni Gomes (1986) e as pesquisas documentais e de campo (realização de entrevistas com lideranças e
colonos envolvidos na revolta de 1957).

41
que se refere às relações que teve com Júlio Assis Cavalheiro, que,
na memória coletiva sobre Beltrão, era um dos principais pioneiros.
Se for avaliar o conjunto da interpretação, Rubens da Silva
Martins34 simplesmente afirmou que foi mais importante para a
Cango, a Vila Marrecas e o Município de Francisco Beltrão, do que o
médico, dono de rádio, dono de hospital, dono de serrarias e posseiro
de área rural e de vários lotes urbanos, Walter Alberto Pécoits, seu
principal rival e oposicionista político, líder da revolução agrária que
destituiu o Delegado, o Juiz e o Promotor.
O prefácio da primeira edição do livro Análise histórica da
luta pela posse da terra no Sudoeste paranaense, redigido pelo Dr.
Walter Alberto Pécoits, teve início com o seguinte parágrafo: “Terra
da violência. O Sudoeste do Paraná nasceu num teatro de lutas pelo
espaço da terra. Seus habitantes cresceram e viveram num clima
de guerra entre poderosos e pequenos, tentando sobreviver num
pedaço do chão paranaense” (In: LAZIER, 1998, p. 9).
Desde fins da década de 1970, portanto, havia outra
disputa: a do registro do passado. Nessa perspectiva, as fontes de
Ruy Wachowicz, de Iria Gomes, de Hermógenes Lazier, de Rubens
da Silva Martins, as entrevistas de Walter A. Pécoits e demais
pioneiros e protagonistas do levante de 1957, tratam sobre o passado
e têm relação com aquele presente (1970/1980), quando houve uma
retomada do tema da revolta. Nesse período, a Citla, a Comercial, a
Apucarana e o governo Lupion já eram coisas do passado!
Com relação às fontes de época, priorizamos duas referências:
- os discursos que o senador Othon Mäder (UDN/PR) fez na tribuna do
Senado, na capital do país, Rio de Janeiro, nas datas de 6 e 9 de dezembro
de 1957; - fotografias históricas (registros feitos pelo fotógrafo Oswaldo
Jansen, do jornal O Estado do Paraná, e fotos do acervo do Fundo Moysés
Lupion, disponíveis no Arquivo Público do Paraná).
Durante o ano de 1957, identificamos 15 discursos que o
senador Othon Mäder realizou na tribuna do Senado para tratar
exclusivamente dos casos de violências e conflitos agrários ocorridos

34. Silvia Maria Amâncio (2009, p. 104-108) abordou as memórias de Rubens da Silva Martins, porém não aprofundou
as vinculações que o autor apresentou em relação às questões indicadas sobre sua historicidade e seus embates nas
disputas sobre o presente-passado.

42
no Sudoeste do Paraná35. Estes discursos tiveram grande repercussão
na imprensa, especialmente nos jornais da capital federal e em
Curitiba. Conforme a gravidade das violências à questão do Sudoeste
chamava a atenção dos meios de comunicação (rádios e jornais) no
Paraná, em São Paulo e Rio de Janeiro, além de jornais estrangeiros.
Com o crescimento do tensionamento social e dos conflitos armados,
alguns desses órgãos de imprensa, inclusive, enviaram jornalistas e
fotógrafos ao Sudoeste do Paraná para fazerem a cobertura dos fatos.
O discurso realizado pelo senador Mäder, no dia 6/12/1957,
consta nas páginas 3 a 15 da cartilha (material de campanha
publicado em 1958), e o do dia 9/12/1957, nas páginas 16 a 33. Esse
material, publicado em formato de encarte, reproduz na íntegra os
registros dos Anais do Senado e inclui os apartes e questionamentos
realizados por outros senadores nas respectivas sessões, interagindo
a favor ou contra a manifestação de Mäder.
O próprio título da cartilha – A REBELIÃO AGRÁRIA DO SUDO-
ESTE DO PARANÁ EM 1957 suas causas a dupla responsabilidade do Sr.
Moysés Lupion como Governador do estado e chefe do “Grupo Lupion” –,
indicava a polêmica que o senador havia colocado na pauta do Senado,
principalmente em seu debate contra o senador Gaspar Velloso (PSD/
PR), partidário, defensor e amigo do governador Moysés Lupion (PR).

35. Segue, abaixo, a relação das datas e dos assuntos dos discursos realizados pelo senador Othon Mäder.
17/05/1957: A empresa Clevelândia industrial e Territorial Ltda. e a questão das terras denominadas Arapoti e Missões,
no Estado do Paraná.
26/09/1957: Comentário sobre episódios violentos no Paraná, nos quais morreram vários colonos.
30/09/1957: Denuncia os últimos conflitos ocorridos no sudeste paranaense.
02/10/1957: Focaliza últimos conflitos ocorridos no sudoeste paranaense, analisando a atuação do governo do estado.
03/10/1957: Reafirma suas declarações em torno dos impasses reinantes no sudoeste paranaense.
08/10/1957: Focaliza os últimos conflitos ocorridos no sudoeste paraense.
10/10/1957: Análise sobre os acontecimentos do Paraná, apresentando novas provas contra o Sr. Moises Lupion.
14/10/1957: Congratula-se com a Câmara dos Deputados pela sua decisão confirmando ato do Tribunal de Contas
denegatório de registro ao contrato de vendas de glebas entre a União e a Citla.
15/10/1957: Considerações sobre a conflagração surgida no sudoeste do estado do Paraná.
17/10/1957: Considerações sobre os conflitos ocorridos no sudoeste paranaense.
18/10/1957: Oficio recebido da cidade de Pato Branco, estado do Paraná, relacionado com os conflitos ocorridos no
sudoeste daquele estado.
20/11/1957: Fala sobre o processo de responsabilidade instaurado pelo Tribunal de Contas do Paraná contra o
governador Moises Lupion e sobre a opinião pública com relação ao governo do mesmo.
28/11/1957: Fala sobre o conflito de terras entre posseiros e empresa de colonização.
06/12/1957: Contesta discurso do senador Gaspar Velloso sobre os incidentes verificados na questão de terras do
sudoeste paranaense.
09/12/1957: Relata incidentes sobre questões de terras no sudoeste paranaense.
(Fonte:<http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/Consulta_Parl.asp?intPag=1&p_cod_
senador=2167&p_ano=1957>. Acessado em 27/6/2014.)

43
IMAGEM 1: MÄDER, Othon. A Rebelião agrária do Sudoeste do Paraná em
1957... Capa e Quarta Capa (Final).

Os discursos do senador Othon Mäder, realizados nos


dias 6 e 9/12/1957, também estão disponíveis no acervo digital do
Senado Federal36 e na página da Associação de Estudos, Orientação
e Assistência Rural (ASSESOAR)37. Com relação à publicação
impressa das separatas desses dois discursos de Mäder (cartilha
de campanha da sua candidatura a deputado federal nas eleições
de 1958), foi possível termos acesso a um exemplar original dessa
cartilha, em pesquisa de campo realizada no Distrito de Pinhalito,
município de Diamante do Sul, Paraná, no dia 6/8/2010, graças ao
acervo documental e fotográfico particular que Erotides Rodrigues e
Baldina Amaral das Neves tinham em sua residência.
O debate ocorrido no próprio Senado Federal, entre os
senadores Othon Mäder (UDN) e Gaspar Velloso (PSD)38, além
de corresponder às disputas dentro das instâncias de governo,
polarizavam a relação entre o governo Juscelino Kubistchek (PSD) e
a oposição da União Democrática Nacional, o que aumentava o tom
político-social e ideológico desse embate. No âmbito do Paraná, essas
disputas estavam polarizadas, principalmente, entre os deputados
estaduais Cândido Machado de Oliveira Neto (PSD), da base do
36. Disponível na página: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/RP_AnaisRepublica.aspLivro> V. 1, V. 4 e V.
9, 1957.
37. Endereço da página: <http://www.assesoar.org.br>. Arquivo acessado em 16/9/2009.
38. Silvia Maria Amâncio (2009, p. 99-104) tratou do confronto Othon Mäder x Gaspar Velloso.

44
governo de Moysés Lupion (PSD), e Antonio Anibelli (PTB). No âmbito
local, as instâncias do governo municipal também convergiam ou
divergiam em relação às configurações político-partidárias a que a
disputa pela terra tinha vinculação. Nas eleições municipais de 1952,
o PSD elegeu prefeito de Francisco Beltrão, Rubens da Silva Martins, e
o PTB elegeu os prefeitos dos municípios de Pato Branco, Capanema,
Santo Antônio do Sudoeste e Barracão (MARTINS, 1986, p. 178-180).
Nas eleições municipais de 1955, o PSD elegeu todos os prefeitos dos
5 municípios do Sudoeste paranaense.
A abordagem que Rubens Martins fez em Entre jagunços e
posseiros, também está centrada nessa polarização político-partidária.
Por um lado, esse enfoque valoriza seu grupo (Citla e Lupion) e a ele
mesmo, enquanto membro da Cango39, prefeito e delegado; e, por
outro, desqualifica os principais oposicionistas e os argumentos
propagandísticos utilizados por Othon Mäder, Anibelli e Pécoits.
No 18º item da Terceira Parte do livro, intitulado Os “culpados”
pelos crimes cometidos no Sudoeste do Paraná, relacionados com o
litígio de terras, segundo o senador Othon Mader, Rubens Martins
(1986, p. 431-443) contestou o libelo que Othon Mäder publicou em
1958, contendo as separadas desses dois discursos, além de defender
Moysés Lupion das acusações sobre seu envolvimento com a Citla.

Ao afirmar publicamente, em 03-10-1957, não ser partícipe


da Sociedade Clevelândia Industrial e Territorial Ltda (CITLA),
Moisés Lupion esclareceu que a referida companhia se
constituíra, segundo certidão em seu poder, em 1947 e nascera
com direitos sobre a Fazenda São Francisco de Sales, a ela
transferida pelos srs. Othon Mäder e representantes do espólio
Francisco Beltrão (V. a integra dos esclarecimentos prestados
por Lupion, na edição do Diário da Tarde, de 04-10-1957)
(MARTINS, 1986, p. 431).

39. No livro Rubens da Silva Martins publicou vários materiais da sua campanha na candidatura a prefeito realizada em
1952. Dentre os materiais que utilizou e selecionou para o livro (enquanto prova da sua atuação em prol de Francisco
Beltrão), constam os panfletos: “O Dr. Eduardo Virmond Suplicy apoia a candidatura do DR. RUBENS MARTINS”;
“Jahyr de Freitas é pelo Dr. RUBENS MARTINS”; e “ELEITOR! Por que razão Getúlio Vargas, ao ser eleito Presidente
da República, escolheu apenas um membro de seu partido político para constituir seu Ministério?”. Outros materiais de
campanha foram incorporados ao livro, onde os candidatos do PSD e do PTB fazem acusações de “golpes comunistas”
às propagandas de “apropriação indébita” ou de desvirtuamentos de pontos dos programas de governo apresentados.
Como Eduardo Virmond Suplicy e Jahyr de Freitas eram diretores da CANGO e a colônia tinha sido implantada pelo
governo Vargas, Rubens Martins, sendo médico da Cango, não poderia deixar de utilizar a força que o getulismo tinha
entre os migrantes gaúchos e catarinenses. Ao tratar da coligação “Aliança da Vitória”, Rubens citou alguns arranjos que
tinham realizados: “O apoio que eu recebera de Suplicy, homem dedicado inteiramente à atividade administrativa e avesso
às lides político-partidárias, levaria o PTB a cobrar, na esfera federal, sua substituição na CANGO. Embora filiado ao
Partido Republicano, fora ele conduzido à chefia daquele Órgão graças às gestões de seu sogro, um almirante amigo de
Getúlio e de livre trânsito no Catete. Seu envolvimento franco e declarado com minha candidatura, o tornara vulnerável, e
algo deveria ser feito para assegurar-lhe o necessário respaldo. A constituição de um Diretório do P. R. no Município foi a
solução encontrada, pois o próprio Governador do Estado estaria filiado àquele Partido” (MARTINS, 1986, p. 151-152).

45
Nesses discursos, realizados nos dias 6 e 9/12/1957, Othon
Mäder usou a tribuna do Senado para apresentar as provas das
acusações que tinha feito ao Grupo Lupion (das práticas de violências
e crimes ocorridos no Sudoeste do Paraná), em resposta ao senador
Gaspar Velloso que exigia do senador da UDN a referida comprovação
do que Mäder afirmava contra Lupion, as Companhiase os jagunços,
sob o risco de Mäder ter que responder no Senado e na Justiça pela
falsidade das acusações.
Para uma leitura dos discursos de Othon Mäder, enquanto
fonte de época e expressão das disputas político-partidárias,
principalmente nos aspectos da força dos discursos no discurso
sobre o conflito agrário ocorrido no Sudoeste do Paraná, os textos
dos Anais do Senado que reproduziram o confronto (Mäder x
Velloso) nas sessões realizadas nos dias 6 e 9 de dezembro de 195840,
ocorreu quando as companhias de terra já tinham sido derrotadas,
os jagunços expulsos, as autoridades pró-companhias demitidas e
os colonos e posseiros já haviam retornado aos seus lares e posses,
porém, o Governo Lupion mantinha-se no executivo paranaense e o
PSD ainda era governo no estado e no país. Rubens Martins, porém, já
não tinha mais seu lugar em Francisco Beltrão, pois havia retornado
a Curitiba, onde voltou a trabalhar na prefeitura municipal. Ao tratar
da “capitulação do chefe de polícia” e da “retomada do município”,
e registrar os confrontos havido em Beltrão e o desgosto pessoal que
teve diante das negociações que o governo Lupion (PSD) realizou
com os “sublevados”, Rubens Martins (1986, p. 415-430) demonstrou
sua força político-partidária e rebateu Othon Mäder.
Ao escrever e publicar Entre Jagunços e Posseiros, em
1985/1986, Rubens Martins revisitou os discursos de Othon
Mäder41, pois era uma das fontes mais contundentes e aceitas
pela historiografia, além de ser difundida na opinião pública,
que comprovavam os vínculos que havia entre o governo Lupion
e as companhias, com seus jagunços. Há mais de 20 anos depois,
40. Uma das principais fontes que Othon Mäder utilizou foi o depoimento do jagunço Maringá, prestado no Fórum de
Pato Branco, no dia 21/10/1957: “O segundo documento é a transcrição fiel nas colunas do jornal ‘Estado do Paraná’
de uma certidão, hoje incorporada ao Inquérito Parlamentar. Trata-se de certidão do termo de declarações prestadas ao
Juiz de Direito da Comarca de Pato Branco, por um dos empreiteiros do crime (jagunço), contratado pelas companhias
colonizadoras para matar e seviciar colonos e suas famílias, de nome Lourenço José da Costa, mais conhecido pela
alcunha de ‘Maringá’” (MÄDER, 1958, p. 11).
41. Todas as referências que tratam da revolta de 1957 no Sudoeste do Paraná citam estes dois discursos como fonte e prova
das práticas de violência realizadas pelas companhias e seus jagunços. Ivo Thomazoni (2007, p. 28), testemunha viva
e um dos principais líderes do movimento em Pato Branco, cita os dados que Othon Mäder incluiu no discurso do dia
9/12/1958, referindo-se a informes extraoficiais.

46
as violências, assassinatos e os atos de barbárie mais extremos
cometidos contra os colonos, mulheres e crianças circulavam na
memória coletiva. O levante de 1957 representava, portanto, uma
vitória e exemplo de luta dos pequenos contra os poderosos e este
não era o lado em que Rubens Martins estava no passado.
Outra fonte de época, amplamente difundida nas edições
dos jornais em 1957 e utilizada por pesquisadores e agentes/
agências, são as fotografias que registraram os principais casos e
atos de violências praticados por jagunços a mando dos diretores das
companhias imobiliárias – a exemplo do assassinato de Pedro José
da Silva (conhecido como Pedrinho Barbeiro, vereador do Distrito de
Verê, pelo PTB, ocorrido no dia 21/5/1957) e das 7 mortes que houve
no Km 17, da estrada Santo Antônio/Capanema, no dia 14/9/1957,
registrada como “Tocaia do Km 17” –, além de cenas das multidões
que ocuparam as cidades no Sudoeste em outubro de 1957.
As fotografias mais “famosas” sobre a revolta de 1957 são as de
autoria do fotógrafo Oswaldo Jansen, que esteve na região a serviço do jor-
nal O Estado do Paraná / Tribuna do Paraná. As fotos que fez em sua co-
bertura do levante em Francisco Beltrão foram publicadas nas matérias do
jornal, a exemplo do O drama dos retirantes do Sul, das edições de 2/8/1957
e 4/8/1957, com o texto de P. Charquetti e as fotos de Oswaldo Jansen (cf.
KRÜGER, 2004, p. 212 ss – Revolta dos colonos repercute na imprensa).42
A divulgação dessas fotos, a preservação do acervo, sua uti-
lização como fonte de pesquisa e uso como material de propaganda
para eventos comemorativos da revolta dos posseiros (principalmen-
te na passagem dos 50 Anos, completados em 2007) contribuíram
para reforçar a importância do movimento, reeditar algumas foto-
grafias de Osvaldo Jansen e reatualizar a própria memória social.
Além dos serviços de correspondente, ao registrar inúmeras
cenas da ocupação de Francisco Beltrão, cidade sede das companhias
Citla e Comercial, Oswaldo Jansen produziu uma grande quantidade
de fontes (imagens), possibilitando, à época e no presente, que Fran-
cisco Beltrão seja a principal referência dessa experiência de luta pela
terra (a capital no Sudoeste novo e das memórias da revolta de 1957)43.
42. Neste livro Sudoeste do Paraná: história de bravura, trabalho e fé, Nivaldo Krüger (2004) reproduziu fac-símile de várias
matérias publicadas entre agosto, outubro e novembro de 1957 pelo jornal O Estado do Paraná / Tribuna do Paraná.
43. Conforme dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), a região geográfica
do Sudoeste é formada por 42 municípios, sendo Francisco Beltrão o que apresenta a maior população e Pato Branco
ocupa o segundo lugar em termos demográficos, conforme dados do Censo do IBGE. O destaque demográfico e
urbano-industrial que Francisco Beltrão passou a ter nas últimas décadas também contribui para tornar o município e a
cidade como principal referência para a história e a representação do que foi a revolta de 1957.

47
FOTO 2: Registro de Oswaldo Jansen do levante de 1957, em Francisco
Beltrão, nos dias 10 e 11 de outubro

Cena dos colonos nas ruas próximas aos escritórios da Comercial e da Citla, após jogarem na rua
os contratos e as notas promissórias assinadas (apud VORPAGEL, 2008a, p. 14).

Enquanto fonte histórica e linguagem, a força de uma ima-


gem, registrada numa fotografia de época, com recurso de filme
e revelação em preto e branco, é muito significativa, com todos os
sentidos que o seu autor, o fotógrafo, quer representar e apresen-
tar no registro da imagem, pois, como expôs Peter Burke (2004), o
“testemunho ocular” envolve os sujeitos da cena, a cena (em si e sua
produção), o olhar do sujeito (o fotógrafo) que registra os sujeitos na
imagem, a cena e a capacidade de leitura e interpretação de quem
utiliza essa linguagem/fonte na pesquisa histórica.
No Fundo Documental Moysés Lupion, do Arquivo Público do
Paraná, há o acervo de imagem que contém fotografias da revolta de
1957. Considerando que várias fotografias da revolta são usadas para
divulgar o movimento em projetos para registro de passagens de ca-
lendário, novos lugares de memória e em outras fontes de linguagem,
muitos dos quais já adquiriram um caráter de mito fundador a uma
identidade regional ao Sudoeste paranaense, como abordou Marilena
Chauí (2000), é oportuno reproduzir algumas fotografias do acervo
Lupion, tendo em vista a própria oficialidade do Fundo Documental44.
As duas fotos que seguem registraram a ocupação em Francisco Bel-
trão e a concentração da multidão em frente ao prédio onde funciona-
va a Rádio Colmeia, no segundo andar (LAZIER, 1998, p. 66).
44. A pesquisa documental realizada no Arquivo Público do Paraná foi feita de forma inicial e sem muita disponibilidade
de tempo e, por isto, não levantamos os dados da ficha técnica das fotografias deste Fundo.

48
FOTO 3: Revolta de 1957, Francisco Beltrão/Rádio Colmeia

Fonte: Arquivo Público do Paraná, Fundo Documental Moysés Lupion.

FOTO 4: Revolta de 1957, Francisco Beltrão/Rádio Colmeia

Fonte: Arquivo Público do Paraná, Fundo Documental Moysés Lupion.

Para o momento, destacamos que as duas fotos foram


tiradas, batidas pelo fotógrafo, estando ele, praticamente no mesmo

49
lugar, com pouca mudança do/no enquadramento, como podemos
verificar, por tratar-se da mesma esquina e pela identificação do
estabelecimento comercial no letreiro/placa “Bar e Churrascaria”.
A foto 4 teve maior circulação e pode ser encontrada em várias
referências bibliográficas e cartilhas. Apontamos 6 aspectos para
uso dessas duas fotografias (Foto 3 e 4) como documento/fonte: a
multidão, as armas (espingardas, revólveres) e instrumentos de
trabalho (fações e facas, armas brancas), o vestuário, a fisionomia
das pessoas, a bandeira do Brasil (nas duas fotos) e a posição da
multidão e do fotógrafo diante das cenas registradas.
Na foto 3, a centralidade da cena está na entrada do prédio de
dois pisos, construído com o uso de madeira. Alguém está em frente
à porta central do “Bar e Churrascaria” falando para a multidão: “A
concentração dos colonos foi em frente ao bar Solano” (WACHOWICZ,
1985, p. 243). No prédio, onde funcionava a Rádio Colmeia, também
há pessoas que estão nas janelas participando do ato, sendo que,
na janela que está acima da porta central do bar, tem um fotógrafo
registrando o mesmo ato daquele ângulo. A própria bandeira
nacional está próxima à entrada do bar. Na foto 4, a centralidade do
ato ocorreu na esquina oposta à da cena da foto 3, pois a multidão
está de frente para a outra esquina e o fotógrafo está em uma posição
superior (mais alto) à população na referida esquina, permitindo o
enquadramento de cima para baixo e registrando o rosto da pessoas
da multidão; inclusive, podemos perceber que muitos estão sorrindo
e alegres, empunhando seus símbolos e suas ferramentas de luta e
de trabalho. Ambas as cenas, porém, apresentam elementos de uma
pose para a fotografia.
Em relação ao estado físico da fotografia, há um corte na
foto 4, perceptível numa linha (de recorte ou revelação em duas
partes, decorrente de uma reprodução de foto anterior impressa em
formato de livro aberto; ou de revelação que tenha gerado um corte
na imagem) que resultou num pequeno desencontro nos traços das
formas que acompanham a imagem do adolescente que está atrás
do homem que segura a bandeira (corpo, cabeças, haste da bandeira,
chapéus). Essa falha ou detalhe, no entanto, não prejudica a leitura e
interpretação do ato fotografado.
Dentre as publicações a que tivemos acesso também é
oportuno citar o livreto produzido pela Associação de Estudos,

50
Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR)45, intitulado 1957-1997 –
a Revolta dos Colonos – De olho no passado e pés no futuro – 40 Anos.
A obra tem o formato e a metodologia de caderno de formação46 da
Assesoar, cuja finalidade era registrar os 40 Anos da Revolta dos
Colonos (1957-1997), e servir de referência para a reflexão sobre
o passado de luta pela terra e a organização e atuação no presente
para construir o futuro, conforme o texto da Introdução.

O presente trabalho tem a intenção de levar até você algumas


informações sobre a ainda pouco conhecida história do
Sudoeste Paranaense. Ele é parte de um conjunto de ações
comemorativas dos 40 anos da Revolta dos colonos em 1957 (In:
DAMBROS e outros, 1997, p. 5).

O livro foi planejado em três partes, conforme segue: -


Primeira Parte: Antecedentes históricos, de autoria de Vanderlei
Dambros (Assesoar); - Segunda Parte: A Quem pertenciam as terras do
Sudoeste?, de autoria de José Zanella e Marta W. Lenoch (FACIBEL)47;
45. A Assesoar foi criada a partir da atuação da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações, que iniciaram os
trabalhos pastorais em 1962 no Sudoeste, com a vinda de um grupo de missionários religiosos da Bélgica. A atuação
dos missionários belgas foi influenciada pelo Concílio Vaticano II (1961-1965), convocado por meio da Bula Papal
Humanae Salutis, do Papa João XXIII, e a experiência da Congregação na Bélgica, com a Ação Católica, envolveu
os leigos na organização de base da igreja e esta experiência pastoral e pontificial da Igreja Católica estaria sendo
difundida nesta região (cf. FERES, 1990, p. 534 ss).
Na pesquisa que João Bosco Feres (1990, p.534-583) fez sobre a questão agrária no Brasil, publicada com o título
Propriedade da terra: opressão e miséria – o meio rural na história social do Brasil, o autor analisou a presença da
Assesoar na região Sudoeste: “Em 1962, um grupo de missionários belgas, da Congregação dos Missionários dos
Sagrados Corações iniciava no Sudoeste o processo de reflexão e de discussões sobre um dos problemas principais
levantados pelo GETSOP, desde o início de sua atuação na região: como atrair e estimular os colonos à ação social, no
sentido de fortalecer sua capacidade de intervenção junto aos poderes públicos e às estruturas regionais, pela melhora
de suas condições de vida e de trabalho? [...]
Chegava-se, assim, em 1964, à idéia da criação de uma associação de leigos, com um centro de reuniões, cursos e
encontros e com uma gráfica (para a confecção de material catequético). A motivação religiosa ampliada e voltada para
a situação de vida na região, levou os iniciadores da proposta a conceber uma Associação de Estudos, Orientação e
Assistência Rural, que recebeu o nome abreviado de ASSESOAR.
Participaram desse primeiro grupo, um núcleo de 33 jovens colonos (já ativos na JAC), os missionários e mais um
grupo de leigos católicos notáveis da cidade (profissionais liberais, funcionários ligados ao GETSOP, entre outros).
Contando com uma significativa ajuda financeira de contatos, também católicos, da Bélgica, a nova associação
desenvolveu-se, inicialmente, como um importante centro de reflexão pastoral e de produção de cursos e de subsídios
para todas as paróquias e capelas da região” (FERES, 1990, p. 534-535).
Na década de 1970 a Assesoar teve muita influência da Teologia da Libertação e os trabalhos de base envolviam
a organização política e sindical (novo sindicalismo combativo) dos agricultores e filhos de agricultores, além da
participação de leigos nas práticas da igreja. A Assesoar teve um papel muito importante, juntamente com a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), na formação e organização de novas lutas pela terra surgidas entre 1970/1980, principalmente
do movimento sem terra: Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra do Sudoeste do Paraná (MASTERS).
O estudo realizado por João Bosco Feres foi financiada pelo Fundo para Pesquisa da Universidade Católica de
Nijmegen, da Bélgica, e sua pesquisa e formação esteve vinculada ao Departamento de Geografia Humana da referida
Universidade. A publicação foi realizada pelo Centro de Estudos e Documentação Latino-Americano (CEDLA),
sediado em Amsterdam, Bélgica. Durante as pesquisas de campo sobre o Sudoeste do Paraná, Feres também teve o
apoio local da Assesoar.
46. Os textos apresentam uma abordagem dos assuntos, charges relacionadas aos temas e box com questões para refletir,
com charges de reuniões de grupos. A escrita tem os elementos de material de apoio para formação popular.
47. Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão (FACIBEL).

51
e, - Terceira Parte: Animados pela vitória sobre as companhias de
terra, de autoria de Justino Rafagnin (Micro Região dos Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais).
Ao focarem a publicação para a comemoração dos 40
Anos da Revolta dos Colonos, a Assesoar remeteu a luta pela terra
e a conquista da propriedade no passado aos colonos: a revolta foi
realizada pelos colonos e a cultura da terra, no presente, é a herança
que os pais e avós transmitiram à nova geração.
A denominação do movimento, a revolta de 1957, no presente,
em 1997, representava para a Assesoar (co)memorar as práticas dos
atores/sujeitos da revolta, no caso, dos colonos. Na medida em que
a Assesoar (re)memora a coragem e as lutas que os colonos tinham
realizado há quatro décadas, na passagem dos 40 anos, quem deveria
ocupar a centralidade eram os colonos do presente, para enfrentarem
suas lutas na atualidade, haja vista que a modernização acelerada
e as dificuldades de permanência na terra, para muitos dos filhos
dos colonos vitoriosos de 1957 exigiam novas ações (migração para
novas fronteiras agrícolas no Centro-Oeste do país, êxodo rural com
migração para as cidades ou lutar por uma reforma agrária, com
ocupações de latifúndio no Sudoeste ou outras regiões no Paraná),
como abordou João Bosco Feres (1990, p. 548 ss.)48.
Considerando que a revolta de 1957 passou a ser objeto
de referência a uma identidade à região Sudoeste, construída e
reconstruída em vários contextos, outras linguagens marcaram
e marcam os sentidos que seus autores ou idealizadores, agentes
ou agências, inventaram em relação ao conflito, aos fatos e
circunstâncias que envolveram pessoas ou expressaram as disputas
pela terra (pioneiros, Cango, Vila Marrecas, companhias imobiliárias,
governantes, etc.). Os lugares públicos de memória construídos
ou destruídos entre 1957 a 2007, os monumentos e as publicações
comemorativas chamam a atenção, pois registraram projetos, ações
e eventos de passagem.

48. Conforme João Bosco Feres (1990, p. 562), muitos filhos dos colonos (os adventícios), pequenos proprietários rurais,
não tinham acesso à terra pela partilha, por herança, da propriedade dos pais, tornando-os sem terra. As expropriações
dos grandes projetos hidroelétricos da Eletrosul, no Rio Iguaçu, também gerou muitos sem terras que não queriam
migrar para outras fronteiras de colonização no Centro-Oeste do país ou na região Amazônica, nem migrar para centros
urbanos em busca de emprego.

52
Para o momento, selecionamos três conjuntos de fontes
(monumentos, nome de rua, logomarca, atos e eventos comemora-
tivos às passagens de calendário) que contribuem pela qualidade do
conteúdo histórico-social, originalidade dos autores e pelos novos
sentidos ao passado (re)memorados no presente.
O primeiro conjunto está relacionado às ações realizadas ou
pretendidas pelos colonos e posseiros durante a ocupação da cidade de
Francisco Beltrão e em período posterior que dizem respeito ao acerto
de contas com o passado. A ocupação dos escritórios da empresa
Comercial e da Citla em Beltrão, nos dias 10 e 11 de outubro de 1957,
resultou na destruição do mobiliário, na eliminação dos contratos e
das notas promissórias (documentos que os colonos e posseiros foram
coagidos a assinar), rasgadas, jogadas nas ruas e pisoteadas, e nos dias
seguintes, na localização de armas pesadas em parede falsa (algumas
de uso exclusivo do exército nacional). Esses atos e fatos, amplamente
divulgados, foram mantidos na memória e no “patrimônio histórico e
cultural” da revolta de 1957, a exemplo da foto 2.
Outras ações de acerto de contas com o passado não foram
mantidas com o mesmo status ou seu conteúdo foi amenizado. O
silenciamento, o esquecimento e a seletividade da(s) memória(s)
social e individual, como abordou Michel Pollak (1989; 1992),
também fazem parte do saber social, dos projetos de sociedade
e do conhecimento sobre o passado (CHESNEAUX, 1995); ou
como historicizou Alessandro Portelli (1998), os usos e abusos
na reconstrução do passado a partir dos interesses e disputas no
presente podem resultar em invenções radicalmente às avessas às
práxis históricas.

53
FOTO 5: Destruição do monumento a Júlio Assis Cavalheiro, 11/10/1957

Fonte: sertaosangreto.blogpost.com.br/ - 55 Anos da Revolta dos posseiros – Postado em


10/10/2012. Acessado em 18/06/2014.

No dia 11 de outubro de 1957, os revoltosos destruíram o


monumento (obelisco) construído em homenagem a Júlio Assis
Cavalheiro, por ter sido considerado pioneiro de Francisco Beltrão,
da ex-Vila Marrecas. Conforme Lazier (1980), entre fins de 1956 até o
levante de outubro de 1957, Júlio Assis exerceu a chefia do escritório
da sede da Citla, em Francisco Beltrão. Aquele monumento tinha
sido edificado na avenida central da cidade, junto à praça, também
denominada Júlio Assis Cavalheiro, e foi destruído pelos revoltosos.
Quando Walter Alberto Pécoits (PTB) foi eleito prefeito de
Francisco Beltrão (eleição na qual teve como seu principal oponente
Rubens da Silva Martins, pelo PSD), pretendia mudar o nome da
avenida principal da cidade, denominada Júlio Assis Cavalheiro, para
Avenida 10 de Outubro, numa clara posição de ruptura com o passado e
uma afirmação da vitória do movimento de 1957. Durante a entrevista
realizada em 199449, o repórter do Jornal de Beltrão e da Revista Gente
do Sul, Itamar M. Pereira, questionou Pécoits sobre o assunto com
a seguinte pergunta: “A Avenida Júlio Assis Cavalheiro recebeu a
proposta de mudar de nome, para Avenida 10 de Outubro. Por que o
novo nome não foi aceito?”. E, Walter Pécoits respondeu-lhe referindo-
49. Entrevista com o médico Walter Alberto Pécoits, líder da Revolta dos Colonos de 1957, à Revista Gente do Sul, de
Outubro de 1994, Francisco Beltrão-PR.

54
se ao passado, mas também acrescentando uma nova avaliação pessoal
sobre o assunto, já mediada com o distanciamento temporal e a
sedimentação das lutas no/do passado e dos sentimentos pessoais.

Eu sempre tive intenção de mudar o nome de duas avenidas


de Francisco Beltrão, a Júlio Assis e a Luiz Antônio Faedo, que
eram as duas vias principais da cidade, assim como hoje, pra
mim, continuam sendo. Dependeria da aprovação da Câmara de
Vereadores. Dos nove vereadores eu tinha seis. Era meu líder, na
Câmara, o Euclides Scalco. E o presidente da câmara, o Antoninho
Cantelmo. Eu tinha uma Câmara respeitável. E eu conversei com
o presidente e o líder, sobre a oportunidade ou não de mudar os
nomes. O Scalco ficou indiferente, até concordaria comigo, tenho
certeza. Mas falou primeiro o Antoninho, presidente da Câmara,
que discordou. O Antoninho era morador antigo de Francisco
Beltrão, foi companheiro de trabalho dos dois, do Júlio e do Faedo.
E seria 10 de Outubro mesmo. E Faedo eu nem me lembro mais
o nome que seria, se mudasse. Como o Antoninho Cantelmo,
presidente da Câmara, companheiro político altamente
respeitável, com o qual eu jamais queria ter qualquer problema
de constrangimento futuro, discordou, eu silenciei, voltei atrás.
Houve de fato a intenção minha, não vou negar. Hoje, talvez
pensando com bastante calma, eu dou até razão ao Antoninho,
compreendo perfeitamente a sua posição. Se fosse hoje talvez eu
pensasse igualzinho ao Antoninho, de não mudar (PÉCOITS, 1994,
p. 6; grifo nosso)50.

O segundo lugar de memória que apresentou uma nova


visão sobre a revolta de 1957 e inventou outro sentido às lutas
camponesas, bem como atribui centralidade ao Estado na pacificação
do Sudoeste, é o monumento construído em homenagem ao Getsop,
edificado no ano de 1972 na praça central Dr. Eduardo Wirmond
Suplicy de Francisco Beltrão, por iniciativa do prefeito Deni Lineu
Schwartz (Arena -1), para perenizar o ato simbólico de entrega da
primeira escritura de terra que o Getsop fez na região.
Os elementos estéticos e figurativos incorporados ao
monumento têm grande força simbólica, pois o projeto arquitetônico
(idealizado e executado) apresenta criatividade e originalidade em
50. A própria Diretora de Cultura, Tânia Ghedin, em uma passagem do texto no Caderno Cultural do Projeto Memória, nº.
9, que homenageou o ‘grande pioneiro de Beltrão’, Júlio Assis Cavalheiro 1910-2010 – Cinquentenário de nascimento,
tratou da tentativa de mudança do nome da Avenida Principal de Francisco Beltrão, porém situando o fato como tivesse
ocorrido no ano de 1957, época em que Ângelo Camilotti (PSD) era prefeito: “Em 1957, houve a intenção de mudar
o nome da ‘Avenida Júlio Assis Cavalheiro’ para ‘Avenida 10 de Outubro’, fazendo referência à data de concentração
de colonos na Praça Central de Francisco Beltrão durante a ‘Revolta dos Posseiros’. Segundo Chico Cavalheiro, a
votação na Câmara de Vereadores foi favorável à permanência do nome original da avenida, com cinco votos a favor e
quatro contrários” (GHEDIN, 2010, p. 10). Pelo visto essa informação apresentada pela Tânia Ghedin e as memórias
do Chico Cavalheiro não conferem com os fatos indicados para 1957 e também divergem do caso citado por Walter
Pécoits (1994, p. 6), na medida em que o Chico rememora que o projeto de lei referente a mudança do nome da Avenida
Principal foi submetido a votação na Câmara de Vereadores, não sendo aprovado.

55
favor dos novos donos do poder no estado nacional e ao novo modelo
de agricultura, em época da ditadura e do milagre econômico.
O terceiro conjunto de fontes produzidas sobre a revolta
de 1957 relacionadas a monumentos, produção de materiais de
divulgação e a realização de eventos comemorativos foram planejados
e realizados, pelos agentes e agências, para registrar a passagem dos
50 Anos, o Cinquentenário 1957-2007, da Revolta dos Posseiros.
A tradição e a força simbólica que um ato de registro de
passagem de calendário referente a um cinquentenário possui na
sociedade ocidental foram utilizadas por vários agentes e agências
para dar novos sentidos ou reatualizar o fato/ato fundante da revolta
de 1957. O ritual de passagem de Bodas de Ouro, a renovação de uma
aliança originária e a própria simbologia do ouro (do ponto de vista
cristão, da propriedade de riqueza, de status e hierarquia social e de
posição em lugares e espaço de poder nas instituições e corporações
da sociedade política e da sociedade civil), fortaleceram e deram
base aos projetos da comemoração do 50º aniversário. Enfim, o
cinquentenário da Revolta dos Posseiros e/ou da Revolta dos Colonos
foi construído e os agentes e agências reconstruíram a identidade do
povo da região Sudoeste, no início do século XXI, expressando novos
\consensos e base à hegemonia dos dirigentes da apropriação da
herança do passado51.
Os novos sentidos e linguagens do cinquentenário
consolidaram e atualizaram a tradição da revolta de 1957 para o
Sudoeste. O levante contra as companhias imobiliárias e a vitória
dos colonos e posseiros na luta pela terra foi transformado num
mito fundador. Todavia, para os 50 Anos, as contradições vividas
no período de 1950/1957 foram lapidadas e, também, aparadas as
arestas para o período de 1957/2007. Nessa perspectiva, esse mito
fundador, já homogeneizado para toda a sociedade do Sudoeste
paranaense, do Paraná e do país, tem sua historicidade e está
condicionado aos interesses dos agentes e agências envolvidos na
comemoração, no registro da passagem e na produção de novos
lugares de memórias e linguagens sobre o passado, como enfatizou
51. Ao abordar a comemoração do Quinto Centenário – 500 Anos da Descoberta do Brasil, Marilena Chauí referiu-se ao
mito fundador, nos seguintes termos: “Se também dizemos mito fundador é porque, à maneira de toda fundatio, esse
mito impõe um vínculo interno com o passado como origem, isto é, com um passado que não cessa nunca, que se
conserva perenemente presente e, por isso mesmo, não permite o trabalho da diferença temporal e da compreensão do
presente enquanto tal. Nesse sentido, falamos em mito também na acepção psicanalítica, ou seja, como impulso à repe-
tição de algo imaginário, que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede lidar com ela” (CHAUÍ, 2000, p. 9).

56
Marilena Chauí (2000, p. 9), ao tratar do caso da passagem dos
500 anos do Brasil: “Um mito fundador é aquele que não cessa de
encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos
valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra
coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo”.
Acrescenta-se a isso a força que o próprio corpo do Estado
local – articulado no âmbito dos poderes públicos do/no Município, à
força da institucionalidade, às representações nas demais esferas do
estado nacional –, possui na vida cotidiana dos cidadãos, das pessoas
e da sociedade civil52, também tem exercido papel de destaque,
quando não os seus agentes e as suas agências atribuem a si mesmos
(enquanto dimensão do consenso numa hegemonia)53a condição de
porta vozes exclusivos na representatividade da sociedade54. Sendo
agência e esfera da coisa pública local, os governos municipais,
articulados com os grupos de interesses da sociedade civil, dispõem de
autoridade reconhecida pela opinião pública, de recursos humanos,
logística, orçamento e recursos financeiros para executarem as
ações e projetos comemorativos do cinquentenário. Entretanto,
para a pesquisa histórica esses aspectos dizem respeito a apenas
uma parte das relações sociais e de poder referentes à história do/no
passado, nas edições de novos registros de memórias e linguagens,
bem como no planejamento e definição do uso dos espaços públicos
nos ambientes da cidade e do município, particularmente no que
diz respeito à nominação de lugares (praças e ruas) e edificação de
monumentos e da regulação e gestão do patrimônio público local.
Embora a presença de agentes e agências do Estado, na
esfera do Município, seja frequente e, em grande parte, constituia-
se no núcleo organizador dos novos registros e linguagens, além
de ser o principal órgão planejador e financiador dos eventos
e das edificações dos novos marcos/monumentos dos 50 Anos,
ou de ser coordenador dos projetos de publicação de cartilhas
do cinquentenário, Resgatar o passado de lutas, para valorizar a
liberdade do presente, tal como o volume de Ivo Thomazoni (2007),
52. Para uma leitura da práxis do Estado na vida cotidiana dos indivíduos e da sociedade, sua ossatura na (re)organização
das relações sociais, na divisão social do trabalho, na (des)regulação das relações de classes (trabalho x capital) e no
desenvolvimento da economia (produção, ciência e inovações), confira Nicos Poulantzas (2000).
53. Construção do projeto de sociedade de um partido ao conjunto da sociedade, enquanto visão de mundo e cultura/
civilização, como abordou Antonio Gramsci (1982).
54. Da vontade geral pedagogicamente construída, no sentido rousseauneano (ROUSSEAU, 1958 e 1978; ARENDT,
1997, 1998).

57
50 Anos Revolta dos Posseiros 1957 – 2007, (essa oficialidade) requer
uma análise dos interesses desses mesmos agentes e agências
do Estado, das entidades da sociedade civil envolvidas e das
personalidades que interagiram para a produção desses novos
valores e sentidos construídos no movimento do cinquentenário.
O projeto do cinquentenário e a presença da oficialidade
do Estado, dos pioneiros ou personalidades da revolta envolveram
novas mediações e seletividades. Com relação às mediações
presentes na seletividade dos entrevistados e dos conteúdos das
entrevistas (produção das fontes orais), reafirmou-se a memória
coletiva e a opinião pública presente na região do “único caso de
luta pela terra onde os pequenos foram vitoriosos” e a importância
que a revolta de 1957 teve para a predominância da agricultura
familiar e da pequena propriedade rural na cartografia fundiária e
na formação social da região Sudoeste.
Por outro lado, no momento dos 50 Anos, muitos protago-
nistas, líderes ou pessoas comuns, dos atos realizados em 1957, já
tinham falecido. Além disso, as companhias imobiliárias, o gover-
no Lupion, os jagunços, as disputas entre o PSD e o PTB/UDN e as
práticas de violências daquele tipo de grilagem tinham seu lugar no
passado. Para uma visão retrospectiva do passado, já não havia mais
disputa para “amenizar” e a maioria das lembranças vivas não ti-
nham mais os traumas a enfrentar ou os silêncios para esquecer. A
festa passou a ocupar a centralidade nas/das comemorações e novos
sujeitos passaram a ocupar os espaços das cenas. O passado passou
a ter um novo sentido no presente. No presente aquele passado não
representava mais temores, nem ameaças à ordem ou à lei, seja no
âmbito do Estado ou como desobediência da sociedade civil em ocu-
pações de cidade e de órgãos públicos.
Ao tratar do cinquentenário da revolta dos posseiros e seus
registros nas instâncias do estado restrito no Paraná e no governo
federal, Silvia Maria Amâncio indicou a realização da Sessão Solene
da Assembleia Legislativa em Pato Branco: “No dia nove de outubro
de 2007, foi realizada em Pato Branco, por proposição do Deputado
Estadual Augustinho Zucchi (PDT), uma sessão solene da Assembleia
Legislativa Paranaense para homenagear o cinquentenário da
Revolta dos Posseiros” (AMÂNCIO, 2009, p. 132).

58
O registro do cinquentenário produziu outras conquistas para
a região Sudoeste, pois passou a ser um elemento afirmativo da própria
história do Paraná e assunto a ser incluído no sistema estadual de
educação, porém com os valores reificados do próprio mito fundador.
Na esfera do legislativo federal, os senadores Flávio Arns
(PT/PR) e Álvaro Dias (PSDB/PR) registraram a passagem dos 50 anos
da revolta de 1957, na Sessão do Senado, realizada no dia 2/10/2007
(AMÂNCIO, 2009, p. 133-134). Enquanto Flavio Arns referiu-se
à revolta dos posseiros, Álvaro Dias tratou de registrar, em seu
discurso, a passagem dos 50 anos da Revolta de 5755.
Na Câmara Federal, o deputado Assis do Couto (PT/PR),
vinculado ao Sudoeste e articulado com os agricultores familiares
e suas entidades e organizações (sindicatos de trabalhadores rurais,
associações, cooperativas de produção e de crédito), e com as
prefeituras municipais, em seu discurso realizado na Sessão Solene,
do dia 8 de outubro de 2007, registrou sua homenagem aos 50 Anos
da Revolta dos Colonos (COUTO, 2007a)56.
Tendo em vista a grande quantidade de fontes produzidas
no movimento do cinquentenário, daremos destaque mais adiante, à
fotografia oficial da revolta dos posseiros de 1957 (incluindo os usos e
abusos), à produção da logomarca dos 50 Anos (selo oficial) utilizada
no município de Francisco Beltrão, à produção da peça teatral e o
Teatro: A Revolta dos Posseiros – Sudoeste do Paraná, 1957, de autoria
de Ivo A. Pegoraro (2007), e o Monumento Oficial do Cinquentenário
da Revolta dos Posseiros, construído na Avenida Central da cidade
de Francisco Beltrão, defronte a Praça Central Dr. Eduardo Wirmond
Suplicy, no centro da cidade, inaugurado no dia 10/10/2007.
No bojo do contexto do planejamento do cinquentenário
(1957-2007), da mobilização social realizada durante o processo e
comemorações, da produção de novas linguagens, de novos sentidos
55. Trecho do discurso de senador Álvaro Dias: “transcorridos 50 anos, amainadas as paixões e as emoções que envolviam
os protagonistas do movimento, ou os que nele pudessem ter algum tipo de interesse, é possível analisar a Revolta de
57 com o desejável distanciamento” (DIAS, Álvaro apud AMÂNCIO, 2009, p. 133).
56. Em seu discurso na “Sessão Solene da Câmara dos Deputados em homenagem aos 50 anos da ‘Revolta dos Colonos’”,
realizada no dia 8 de outubro de 2007, conforme Requerimento apresentado pelo deputado federal Assis do Couto
(PT/PR) à Presidência da Casa no dia 4/9/2007, Assis do Couto fez referência à importância da vitória que os colonos
tiveram em outubro de 1957, derrotando as Companhias e o governo Lupion, e relacionou-a com a permanência da
cartografia fundiária da região Sudoeste, marcada, predominantemente, pela pequena propriedade e pela agricultura
familiar, de colonos, motivo pelo qual denominou o levante de 1957 como a Revolta dos Colonos: “Até hoje a região
sudoeste do Paraná, constituída por 42 municípios, que aqui estão representados pelo Prefeito Eduardo Gaievisk, de
Realeza, mantém uma estrutura fundiária em que prevalecem as pequenas propriedades, em que 87% das propriedades
familiares são consideradas pequenas e 94% possuem áreas menores de 50 hectares” (COUTO, 2007b, p. 19-20).

59
e ideais, e dos possíveis resultados alcançados na região, também fo-
ram realizados novos estudos sobre a formação social da região, da
revolta de 1957 e do movimento do cinquentenário, com novas abor-
dagens e significados aos lugares de memória e monumentos de refe-
rências às lutas e atos que marcaram os enfrentamentos que colonos
e posseiros tiveram com as empresas imobiliárias e seus jagunços.
No município de Pato Branco, a direção do Centro Federal
de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET/PR) havia criado o
subprojeto Resgate Histórico de Pato Branco, no ano de 1993, para
produzir materiais sobre a história do município e da revolta dos
posseiros de 1957, que registraria a passagem dos 40 anos em 199757.
Um dos resultados deste projeto foi o livro paradidático Retorno 2:
Pato Branco na Revolta dos Posseiros de 1957, de autoria do professor
Sittilo Voltolini. No ano de 2003, esse material foi republicado, com a
2ª Edição, para os preparativos do cinquentenário que iria ocorrer em
2007. Contando com apoio financeiro do Município, de empresários
e profissionais liberais de Pato Branco, por meio do Projeto Conhecer
para Amar, a segunda edição teve boa tiragem para circular e ser
acessível à população de Pato Branco. Nesse sentido, o material deve
ter repercutido na opinião pública58, reforçando a visão do heroísmo
dos pioneiros e dos heróis locais.
No contexto do cinquentenário também foram realizados
estudos e pesquisas temáticas desse movimento. As pesquisas
realizadas por Silvia Maria Amâncio (2009), Anita Izabel de Mello
da Silva (2010) e Edvino Knäsel Vorpagel (2008) tratam da luta
pela terra e dos lugares de memórias articulados pelo movimento
do cinquentenário. Silvia Amâncio e Anita Silva ampliaram o
debate histórico-historiográfico ao incluir, na reflexão, a própria
transformação da luta pela terra em monumento, no entanto, é
oportuno qualificar as perspectivas dessa abordagem, pois houve
57. “RETORNO é subprojeto do empreendimento histórico-cultural Resgate Histórico de Pato Branco, lançado pela
Unidade de Pato Branco do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – CEFEP-PR, em dezembro de 1993,
com intuito de coletar, arquivar e levar para o conhecimento da sociedade a trajetória vitoriosa da implantação deste
núcleo de progresso e desenvolvimento no Sudoeste do Paraná: Pato Branco” (VOLTOLINI, 2003, p. 9).
O subprojeto Resgate Histórico de Pato Branco tinha uma Comissão Executora e o material produzido do Retorno
continha vários volumes: “RETORNO 1 - Origens de Pato Branco; RETORNO 2 – Pato Branco na Revolta dos
Posseiros de 1957; RETORNO 3 – Ciclo da Madeira em Pato Branco; RETORNO 4 – Plácido Machado, Primeiro
Prefeito de Pato Branco” (VOLTOLINI, 2003, p. 9).
58. “O Projeto Conhecer Para Amar objetiva a instalação de postos de empréstimos das obras da saga RETORNO, em
áreas previamente selecionadas, para proporcionar à população condições de torná-las emprestadas – e devolvê-las
– sem lhe causar muito transtorno. Naturalmente, será serviço gratuito para a sociedade e, como existem custos de
material para a sua concretização, é aqui que entra a cooperação das entidades públicas e empresariais, convidadas a
colaborarem para a respectiva concretização” (VOLTOLINI, 2003, p. 12-13).

60
e há silenciamentos e esquecimentos que permeiam as novas
linguagens oficiais produzidas durante o cinquentenário e seus
novos lugares de memória.
A pesquisa de Éverly Pegoraro (2008) teve como principal
fonte a atuação da imprensa escrita (jornais) do Paraná que
mantinha posição pró-governo Moysés Lupion e as companhias
imobiliárias, ou os contrários ao grupo Lupion e em favor da oposição
(PTB/UDN) e dos colonos e posseiros. Rubens da Silva Martins (1986)
já havia indicado o debate que houve entre os jornais de Curitiba
situacionista e oposicionistas para comprovar que as disputas
político-partidárias do PTB e da UDN contra o PSD/governo Lupion
resultaram na revolução agrária.
Silvia Amâncio (2009), ao pesquisar os documentos da
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS/PR), disponíveis no
Arquivo Público do Paraná, relacionados à revolta de 1957 e à atuação
político-partidária de Walter Alberto Pécoits, também se deparou
com o debate político-partidário que os jornais no Paraná tinham
realizado em relação ao conflito agrário e seus desdobramentos.
A construção dos “heróis”, mártires ou líderes pioneiros
da revolta de 1957 e os debates sobre os rumos do movimento
camponês no pós-vitória também passaram por revisão histórico-
historiográfica, variando entre a exaltação de mártir (BOCHESE,
2006), a bravura, o trabalho e a fé (KRÜGER, 2004), a proposição de
novos negócios ao turismo de guerra (FRAGA e FERNANDES, 2009) e
a crítica ao pioneirismo e o progresso da expansão da frente agrícola
(ZATTA e RIPPEL, 2013).
Novas abordagens também criticaram a tradição inventada
sobre o Sudoeste e o caráter seletivo e excludente da historiografia
tradicional. Elir Battisti (2006) ampliou a visão sobre os sujeitos
sociais e as práticas de resistência que os colonos (homens,
mulheres e crianças) realizaram em contraposição às companhias
e seus jagunços, sendo este artigo um dos primeiros trabalhos que
abordam a revolta de 1957 na perspectiva de gênero, com enfoque
à participação ativa das mulheres, que tinham que enfrentar
triplamente as ameaças e violências praticadas pelos donos e
empregados das empresas grileiras de terra.

61
Mariana Baggio Annibelli (2009) e Aruanã Antonio dos Pas-
sos (2011) revisaram o enfoque colonizador e pioneiro da reocupação
oriunda da ação civilizatória da Marcha para o Oeste, da Cango e da
migração sulista no pós-1949, bem como dos silenciamentos de ou-
tros sujeitos e outras perspectivas histórico-sociais de ocupação da-
quela/naquela fronteira. A recolocação da vida cabocla, do modo de
ser dos posseiros e povos indígenas que viviam neste território antes
da implantação dos projetos de colonização dirigidos, fomentados
pelo Estado nacional (frente agrícola de origem sulista), ou por grila-
gem de companhias imobiliárias privadas, apoiadas pelo governo do
Paraná, demonstra o caráter seletivo do pioneirismo e contestam a
tese do vazio demográfico (MOTTA, 1994).
Nas abordagens sobre a vida e a territorialidade cabocla
e indígena, Aruanã Passos (2011) dialogou e reconheceu o estudo
inicial que Ruy Wachowicz (1985) fez sobre a ocupação e colonização
ocorrida no Sudoeste do Paraná, as referências aos conflitos e
interações realizadas com os povos Kaingang e aspectos do modo de
ser caboclo.
Para além das questões norteadoras das pesquisas e do de-
bate historiográfico que havia nas décadasde 1970 e de 1980 sobre
o campesinato, os movimentos sociais no campo e a moderniza-
ção conservadora, Ricardo Abramovay (1981) abordou, com muita
consistência, a vida cabocla e o processo de interação caboclo-mi-
grante (a oposição ao caboclo) que, infelizmente, não permaneceu
como referência entre os demais pesquisadores e historiadores, e já
não era mais assunto de interesse aos artífices do cinquentenário.

A maior parte dos autores fala do Sudoeste Paranaense no


final dos anos 1940 como uma região de terras livres. Num
sentido, é verdade: as terras eram livres da propriedade, quer
ela fosse monopolizada, latifundiária, ou – como imperou
posteriormente – familiar. Mas, como vimos, elas não eram
livres de qualquer forma de ocupação. O mundo da propriedade
só se afirmou graças à eliminação do mundo do usufruto, graças
à extinção social do caboclo.
O dinheiro foi fundamental para a superação deste obstáculo que
se antepunha ao reino da propriedade. O dinheiro não dissimula
a desigualdade entre o caboclo e o colono, mas não há dúvida de
que seu efeito desagregador sobre o mundo caboclo foi ao menos
encoberto por seu caráter pacificador: o colono não expulsa pela
violência o caboclo, ele se instala com o seu consentimento,
através de uma relação aparentemente entre iguais, a compra e
a venda (ABRAMOVAY, 1981, p. 49-50; grifo nosso).

62
Em sua pesquisa de Mestrado em Sociologia Rural, realizada
na UFRGS, apresentada em fins de 1986, Lindomar Wessler Boneti
pesquisou os conflitos no Campo e analisou o “caso do Sudoeste
do Paraná”, conforme expôs em seu artigo O significado histórico
do levante armado dos colonos do Sudoeste do Paraná ocorrido em
1957 (BONETI, 1997, p. 2). Ao retomar algumas questões básicas
de sua pesquisa, Boneti, consciente ou inconscientemente, viu-se
entre a teoria (lógica da exploração e da libertação) e a realidade
(contraditória e opositora à teoria).

A participação dos comerciantes na eclosão do levante não


descaracteriza o mérito da luta pela terra pelos posseiros da
região. Evidentemente, com a participação dos comerciantes,
o levante tomou outra dimensão. Na dialética da opressão e da
libertação, no contexto da luta de classe, de forma simplista,
poderíamos dizer que os comerciantes e colonos situaram-
se de lados opostos, por se constituírem, um o explorado
(não detentor do capital), e outro, o explorador (detentor
do capital). Porém, na dialética da libertação e opressão, o
explorador colocou-se ao lado do explorado em busca da defesa
de interesses comuns, igualmente do ocorrido na Revolução
Francesa (BONETI, 1997, p. 17)59.

Iria Zanoni Gomes (1986) também analisou as bases sociais


da revolta de 1957, dando centralidade aos colonos e às alianças
construídas com comerciantes, profissionais liberais e posseiros
urbanos que tomaram o mesmo partido e posição na luta pela terra.

É por isto que, contradizendo a versão de todos que tinham ligações


com as companhias, penso que o crescimento da resistência não
foi mero resultado da intervenção da CANGO ou de elementos
políticos que faziam oposição ao governo, mas, acima de tudo
foi consequência do surgimento de uma consciência nos colonos
que eles teriam de lutar se quisessem uma solução para seus
problemas. E essa consciência não foi induzida de fora, mas foi se
construindo no decorrer dos acontecimentos.

59. Em continuidade à reflexão, Boneti trata da relação teoria-realidade: “Em outras palavras, constitui-se tal luta numa
batalha comum de dois segmentos que ao nível da produção colocar-se-iam de forma opositora, mas que tinham
interesses comuns ao nível da luta. Porém, qual desses dois segmentos seria a vítima como tal? Aparentemente seria o
posseiro, pois contava com o perigo de perder a posse da terra. Acontece, porém, que como o foco da questão e o que
motivava a luta era em si a disputa pelo sobretrabalho do posseiro pelo capital comercial que se fracionou em duas
alas, a vítima nos parece ser o comerciante. Nesse caso, não foram os comerciantes que assumiram a luta camponesa,
na qualidade de bons cristãos. O que realmente aconteceu é que os colonos foram induzidos a assumirem a luta que
pertencia aos comerciantes. Assim, vemos pois, a questão centraliza-se no repasse do sobretrabalho de um segmento
do capital comercial para outro segmento desse mesmo capital comercial. Dessa forma, para os colonos nada mudaria
caso as companhias de terras conseguissem implantar-se definitivamente na região. Não deixariam sua condição de
segmento explorado, só que ao invés de serem explorados por um grupo do capital, seriam explorados por um outro
grupo do capital comercial (BONETI, 1997, p. 17-18, grifo nosso).

63
É lógico que, à medida que vai se sedimentando nos colonos a
disposição para a luta, o movimento vai se ampliando. As conversas
não se restringiam apenas aos colonos, mas entre os colonos e os
comerciantes, o médico, o advogado, enfim, entre os colonos e os
que se identificam com a sua luta. A aliança com essas categorias
faz crescer o movimento (GOMES, 1986, p. 74-75, grifo nosso).

Para avançar em nossa análise sobre a história, a


historiografia e as reconstruções de uma identidade da revolta de
1957 e de uma tradição do homem sudoestino, no entendimento
de Hermógenes Lazier (1998), principalmente nos momentos de
passagens de calendários e na produção de novas linguagens, cabe,
primeiramente, pontuarmos alguns aspectos da formação social e
da questão agrária no Sudoeste.

64
CAPÍTULO II
A QUESTÃO AGRÁRIA NO SUDOESTE/PR: entre litígios e grilagens
Em fins do século XIX, a formação social da atual região do
Sudoeste do Paraná e sua integração ao Estado nacional brasileiro foi
marcada pela disputa e litígio territorial que houve entre o Brasil e a
Argentina (Questão de Palmas), envolvendo as atuais microrregiões
paranaenses de Palmas, Chopim e Missões, além do Centro e do Oeste
catarinenses, cujo arbítrio internacional do presidente Cleveland (dos
Estados Unidos), em 1895, foi favorável ao Brasil (cf. WACHOWICZ,
1985). Contudo, como também enfocou Ruy Wachowicz (1985), a
expansão branca (de guarapuavanos e palmenses; de tropeiros e
ervateiros) em direção às terras do Sudoeste do Paraná também
foi marcada por conflitos entre diversos povos indígenas e de não-
índios (alianças com tribos, resistências e enfrentamentos), em meio
à expansão da sociedade nacional.
A presença de obragens de argentinos que exploravam
erva-mate e madeira no Sudoeste era expressiva, inclusive durante
a primeira metade do século XX. Essas obragens praticamente
dominavam o espaço geográfico do Sudoeste e mesmo do Oeste
paranaense e catarinense até o período de 1925/1930 e durante o
Estado Novo varguista, como abordou Ruy Wachowicz (1982; 1985).
Outras disputas de limites e de ocupação ou de propriedade
dessas terras resultaram na Guerra do Contestado (1912-1915/1916) e
no litígio que houve entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Ao
apresentar os antecedentes históricos da região Sudoeste, Vanderlei
Dambros tratou, resumidamente, da Guerra do Contestado com a
seguinte passagem:

Em 1911, com a construção da estrada de ferro – São Paulo


– Rio Grande, chega à região do Vale do Rio do Peixe, em
Santa Catarina, a Brasil Railway. Uma multinacional Norte-
Americana que recebeu do Governo autorização para ocupar
uma faixa de 15 km de cada lado da Ferrovia. Foi o início da
Guerra do Contestado que só terminou em 1915 com mais de
08 mil mortos. Depois de inúmeras batalhas os ‘invencíveis’,
como ficaram conhecidos, foram exterminados pela força
de 7 mil soldados, com ajuda de aviões, comandados pelo
General Setembrino de Carvalho, veterano de Canudos
(DAMBROS, 1997, p. 155).

Tratando-se da resistência cabocla e sertaneja da população


do Contestado, os confrontos de interesses sacralizaram o domínio
social dos terratenentes e o favorecimento aos grupos estrangeiros.
A participação do exército nacional e a política de guerra da terra
arrasada, contou com o apoio e a participação dos coronéis da região,
além das obrigações que o governo federal tinha para com a Brasil
Railway Company. Parte dos sobreviventes refugiou-se nos sertões
mais ao Oeste da região do conflito, em terras também disputadas, de
longa data, entre os governos do estado do Paraná e de Santa Catarina.
Ao enfocar o litígio que houve entre o Paraná e Santa
Catarina em relação à demarcação dos limites territoriais dos
estados, Ruy Wachowicz (1985, p. 131 ss.) incluiu os interesses que
paranaenses do Sudoeste tinham em criar um novo estado, o Estado
das Missões, para solucionar as disputas. Mais tarde essa ideia
separatista repercutiu nos projetos do Território Federal do Iguaçu e
nas novas iniciativas de criação do Estado do Iguaçu.
Ao apresentar a trajetória passada sobre a formação do
Sudoeste, Hermógenes Lazier referiu-se às disputas que houve entre as
Províncias de São Paulo e Santa Catarina e sua continuidade após 1853,
quando houve a emancipação do Paraná da Província de São Paulo.
Para Lazier, o litígio territorial entre o Paraná e Santa Catarina só foi
definido no ano de 1916, em meio à problemática social do Contestado.

A partir de 1853, quando foi criada a Província do Paraná, a


disputa continuou entre o Paraná e Santa Catarina. As duas
Províncias brasileiras reivindicavam a posse dessa rica e fértil
região. Foi uma disputa longa. Na fase final da luta jurídica,
Rui Barbosa foi advogado do Paraná e Epitácio Pessoa defendeu
Santa Catarina.
Depois da Guerra do Contestado, os dois Estados assinaram
o acordo de fronteira no dia 20 de outubro de 1916. Afonso
Camargo assinou pelo Paraná e Felipe Schmidt firmou por Santa
Catarina. O referido acordo foi confirmado pelo Presidente da
República, Wenceslau Braz, sendo que a maior parte das terras
em litígio passou para Santa Catarina.
Portanto, a região do Sudoeste do Paraná só passou a pertencer
ao Estado do Paraná após a assinatura do acordo de 20 de
outubro de 1916 (LAZIER, 1998, p. 23).

Para além dos aspectos dos litígios territoriais, a


referência aos povos indígenas (Xokleng e Kaingang)60 e à
60. Vanderlei Dambros abordou a relação que os “índios mansos” e os “índios bravos” tiveram com os portugueses
colonizadores na conquista lusitana destas terras: “A estratégia dos portugueses foi a de dividir os índios: os ‘mansos’
que colaboravam com eles, e os ‘bravos’ que não aceitavam os conquistadores. Entre os ‘mansos’, destacaram-se dois
caciques que, hoje, dão nome a dois municípios do Sudoeste: Vitorino Condá (município de Vitorino) e Viry (município
de Verê). Com a ajuda desses ‘índios mansos’, os portugueses (fazendeiros e exército) penetraram os Campos de Palmas
e Campo Erê, em 1839. Daí em diante, os ‘índios bravos’ foram submetidos ou massacrados. Em 1839, 37 fazendeiros
estabeleceram suas possessões nos campos de Palmas. Outros dirigiram-se a Campo Erê, seguindo informações dos

68
cartografia cabocla (PASSOS, 2011; WACHOWICZ, 1985, p. 53-63),
devem ser citadas para superar a visão do “vazio demográfico” e
da existência de “terras de ninguém”, em contraposição à visão
do pioneirismo e do projeto civilizatório da ocupação fomentada
a partir do governo federal e paranaense e de companhias
imobiliárias no período posterior a 1930/1940.
Para Ruy C. Wachowicz (1985, p. 53 ss), a ocupação luso-
paranaense vinha das regiões Leste e Sudeste (Ponta Grossa,
Guarapuava, União da Vitória, Palmas e Clevelândia) e circunscrevia-
se aos espaços/ambientes naturais de campos e das rotas dos
tropeiros, que interligava a região das Missões, no Rio Grande do Sul,
à feira de Sorocaba, no estado de São Paulo, cruzando pelo Paraná
nos campos gerais61.
A ocupação posseira de caboclos que havia no Sudoeste teve
uma forte origem social da região Central paranaense e do Contestado
de Santa Catarina, e reproduzia o modo de ser caboclo – suas formas
de uso e posse da terra, o cultivo extrativista (erva-mate), a criação de
animais (o porco alçado)62, o cultivo de subsistência e a caça e venda
de peles/couro de animais silvestres –, coerentes com sua visão de
mundo. Em síntese, podemos dizer que, para os caboclos, a terra e o
trabalho faziam parte de uma relação ambientalmente equilibrada
com a natureza (não destrutiva do ecossistema), estando distante
e à margem do mercado capitalista nacional e paranaense, bem
como da própria esfera jurídica-institucional do Estado nacional
(estado de direito e instâncias de governo, nas barbas e na mira das
autoridades da lei e da ordem).
Kaingang, liderados por Vitorino Condá. [...] No final do século XIX (1890), os próprios ‘índios mansos’ (índios
aldeados) perceberam o tamanho engano. Um dos caciques dizia, em Boa Vista (Clevelândia), aos homens do governo:
‘Olha, nós precisamos de terra para criar nossos filhos, que nós não vamos andar criando nossos filhos nas copas dos
pinheiros. Nós não somos macacos’” (DAMBROS, 1997, p. 13-14).
61. “No início do século XX, o sudoeste paranaense, de Mariópolis até a fronteira argentina, continuava a ser um imenso
vazio demográfico. Sua população atingia apenas 3.000 habitantes. Os fazendeiros de Palmas, únicos capitalistas da
região, nunca se interessaram em investir na colonização de terras que não fossem campos de criatório. As terras
situadas a ocidente de Clevelândia não despertavam um maior interesse dos palmenses detentores de capital”
(WACHOWICZ, 1985, p. 65).
62. Sobre a criação de porco alçado pelos caboclos, João Bosco Feres descreve: “O sistema de criação de suínos era
extremamente primitivo. Dominava a criação do porco alçado, do pinhão. O único tratamento especial dispensado pelo
caboclo era o fornecimento de sal aos animais. Os porcos eram alimentados até atingirem algumas dezenas de quilos e
eram, então, vendidos aos safristas, que realizava, o restante da engorda, para revender os animais a consumidores na
área de União da Vitória” (FERES, 1990, p. 495).
Esta forma de criar porco é diferente do tipo safrista, onde o próprio posseiro caboclo ou colono fazia a derrubada de
área de mato (10, 20, 50 ou até 100 hectares), cercava e plantava milho, abóboras, etc. para depois soltar os porcos para
engorda. Sobre as duas formas de criar porco, João Feres tratou que: “Essa atividade exigia amplas áreas: uma cabeça
por hectares de mata, no regime do porco alçado, e 4 cabeças por hectares de milho, no regime de safra. O que explica
o deslocamento da suinocultura para as áreas mais remotas da região, na medida em que os colonos, vindos do Sul,
começaram a instalar-se” (FERES, 1990, p. 495).

69
Nessa perspectiva, a abordagem que Ricardo Abramovay
(1981) fez sobre o mundo caboclo, suas formas de uso da terra e
ocupação fundiária precisam ser retomadas e recolocadas para
uma revisão da bibliografia, da historiografia e das linguagens mais
recentes que tratam da questão agrária na revolta dos posseiros de
1957, principalmente para evitar a generalização que há em relação
ao uso do termo posseiro para designar somente os novos migrantes
que se estabeleciam no meio rural (colonos, agricultores familiares)
e no meio urbano de vilas e povoados ou sedes de municípios
(comerciantes, empregados, profissionais liberais e funcionários
públicos) no período posterior a 1943. A posse e o usufruto da terra que
o caboclo tinha, enquanto posseiro, distinguia-se profundamente e
radicalmente da posse que os novos migrantes obtinham dos antigos
posseiros (compra de uma parcela de terra, formalizada num simples
registro em papel ou mesmo por compromisso verbal e de honra), ou
tirando nova posse em áreas de terras devolutas, ou ainda obtendo
cadastro de posse junto a Cango.

Esse sistema de utilização da terra e a tênue ligação com o


mercado geram para o caboclo um mundo cultural e ideológico
praticamente oposto ao do colono de origem européia que veio
substituí-lo na região. Produtor fundamentalmente natural (e
não mercantil), o trabalho do caboclo não é guiado por um plano,
por um projeto de acumulação, de crescimento constante de sua
produção. A riqueza é uma noção determinada por esta lógica do
usufruto, ela é eminentemente qualitativa, refere-se aos valores
de uso ao alcance do produtor (ABRAMOVAY, 1981, p. 26).

A propriedade jurídica e a lei positiva não reinavam


nesse território caboclo antes de 1930/1943. A sociabilidade
cabocla orientava-se pelos costumes e direitos consuetudinários
dos habitantes que fundiam hábitos e costumes de indígenas,
de caboclos, de mestiços (lusos-indígenas), de populações negras
egressas da escravidão e pela religiosidade popular cristã, a exemplo
do próprio movimento do Contestado (cf. ANNIBELLI, 2009). O antigo
usufruto da posse distinguia-se do novo direito da posse adquirida,
seja àquela comprada dos caboclos, ou de posseiros existentes, ou
ainda a posse obtida gratuitamente da Cango (com promessa de
futura escrituração jurídica), ou ainda a de abertura de uma nova
área de posse em terra devoluta.

70
Distintamente do enfoque de Ricardo Abramovay, João
Bosco Feres (1990) tratou dessa transformação social e fundiária
(das terras e do mundo caboclo para as terras dos colonos e da
integração ao Estado e mercado nacional), o que ocorreu a partir da
atuação da Cango e da migração dos colonos sulistas para essa nova
área de expansão da fronteira agrícola nacional no espaço entre os
limites territoriais da Argentina e a região de Clevelândia, no sentido
Oeste-Leste, e as terras de Santa Catarina até o Rio Iguaçu/Paraná,
no sentido Sul-Norte.

A chegada do fluxo de migrantes vindos do Rio Grande do Sul e


de Santa Catarina iniciou, sem nenhum choque com os posseiros
caboclos, a fase de grandes mudanças integradoras da região.
Com os migrantes estabeleceu-se o sistema de propriedade
fixa da terra, através das compras de posses aos caboclos, que
recuavam, pacificamente, para outras áreas com as atividades
que lhes eram próprias. O fluxo migrante foi de tal maneira intenso
que se pode afirmar a ocorrência de um fenômeno de completa
substituição de uma população por outra. Assim, a chegada dos
colonos representou não apenas uma mudança econômica,
mas também étnica e cultural para a região. Da população
original restaram pouquíssimos agricultores caboclos. Alguns
bodegueiros e safristas, que haviam prosperado permaneceram e
gozavam de grande prestígio entre os novos migrantes. Alguns
deles tornaram-se, na década de 50, prefeitos e chefes políticos
dos novos municípios que surgiam, consoante o avanço da frente
colonizadora (FERES, 1990, p. 496 – grifo nosso).

Para João Feres, houve uma transição pacífica e substitutiva


do mundo caboclo para o mundo da integração nacional, com a
presença de novos migrantes (colonos e cidatinos) e do Estado,
todavia, indiretamente, esse enfoque pacifista está relacionado
à visão dos conflitos de terra que ocorreram no período de 1950 a
1957, entre posseiros-colonos e companhias imobiliárias. Nesse
sentido, Feres relega o universo agrário e sociocultural caboclo a
um simples passado superado sem traumas e violências, inclusive
o antigo direito de posse, enquanto usufruto e direito à terra. Por
não haver a “propriedade fixa da e na terra” no período anterior,
para Feres, a integração nacional ocorreu com o fluxo migratório
de sulistas, de colonos de ascendência de migrantes europeus, e o
problema agrário no Sudoeste se referia somente àquele conflito de
terras. Nesse sentido, para Feres, o conflito agrário de 1957 serviu de

71
referência para a definição pacífica da substituição de população do
período anterior.
Como o conflito agrário de 1957 envolveu os novos posseiros,
residentes no meio rural e urbano, e os antigos posseiros caboclos
já não viviam na região Sudoeste ou os poucos que permaneceram
participavam da nova sociedade, a luta pela terra mobilizou estes
novos sujeitos que reivindicavam o direito à propriedade legal
de suas posses e a eliminação da grilagem praticada pelas novas
companhias imobiliárias.
Assim, o termo posseiro está relacionado à falta de um
registro jurídico garantido pelo Estado, a escritura regularizada da
propriedade, e não à vida sem a presença da lei (direito positivo) do
Estado no universo social dos posseiros caboclos. Portanto, a grande
maioria dos estudos sobre o conflito agrário dos novos migrantes
sulistas ignora e desconsidera as ocupações anteriores e as suas
formas de relação com a terra e sua posse (caboclos e descendentes
de portugueses e mestiços)63.
A partir de relatos de vida de moradores da região, é possível
recuperar essa outra dimensão da posse da terra e da vida cabocla que
não tinha o caráter jurídico do Estado moderno e da terra enquanto
propriedade e riqueza acumulada. Olivino Garbosa, residente na
comunidade de Barra do Santana, no município de Verê, distrito de
Pato Branco à época da revolta, referiu-se à vida cabocla e à relação
de posse da terra que havia anteriormente à nova frente migratória.
63. A tese de que os caboclos posseiros viviam de negócio de posse, da indústria de posse, como indicou Joe Foweraker
(1982, p. 156-158) não tem sustentação histórica, pois atribui um espírito mercantil aos caboclos. Este assunto aparece
com frequência na bibliografia e em relatos orais construídos a partir de pré-conceitos amparados numa visão de
progresso aos processos de colonização dirigidos (seja os de iniciativa de governos ou os de concessões às empresas
imobiliárias particulares), como se os posseiros antigos, caboclos e mestiços pobres, que ocupavam áreas devolutas
para além das fazendas, tinham essa prática com o propósito de fazerem benfeitorias (derrubada da mata, construção
de casebres, de pequenos roçados de cultivo) para, futuramente, venderem aos novos migrantes e obterem ganhos em
dinheiro ou objetos de troca (cavalo encilhado, revólver ou espingarda). Na perspectiva apresentada por Foweraker,
após o negócio com a posse, os caboclos seguiriam adiante em terras devolutas para abrirem novas posses e fazerem
novos negócios, sucessivamente até o limite da expansão sobre terras devolutas ou de fronteiras (nacional ou de outras
frentes de expansão agrícola). Assim, a indústria da posse é vista como uma prática mercantil ao modo caboclo e dos
trabalhadores nacionais.
Para uma leitura crítica da questão da indústria da posse e da condição marginal dos posseiros caboclos ou dos
trabalhadores nacionais, Beatriz Anselmo Olinto e Marcos Nestor Stein (2009, p. 299-308) abordaram o caso da
municipalidade de Guarapuava que, durante a década de 1920, visava organizar a ocupação e colonização do rocio
existente nos arredores da cidade, tendo o propósito de abastecer o mercado local com alimentos e estabelecer um
projeto de colonização dirigida a colonos poloneses migrantes. Para Olinto e Stein, o então prefeito Romualdo Baraúna
tinha a percepção de que os trabalhadores nacionais – os caboclos posseiros – representavam a primeira frente de
ocupação dos sertões agrestes, o início da civilização em território selvagem e indígena, que favoreceria as novas
frentes dos colonos e o estabelecimento da propriedade privada, do trabalho produtivo voltado ao mercado, visando
à acumulação e o progresso. Nessa perspectiva, diferentemente da indústria da posse, a frente cabocla e a posse da
terra para uso estavam inseridas no movimento de integração de novos territórios e população (posseiros e colonos) ao
mercado e ao estado nacional.

72
[...] tinha um caboclo lá, dono de uns cem alqueires mais ou
menos e soube que meu pai tinha cachorro veadeiro, cachorro
bom, e ele veio aqui. Veio aí e falou: ‘Garbosa eu sei que o senhor
tem uns cachorro veadeiro, uns cachorro bom. Vai lá nas águas
[Águas do Verê], lá dar uma caçada com nós, lá tem muito pardo’.
O pai disse: ‘Sábado de manhã nós imo’. E daí era picada,
estradinha de cavalo, só. Foi meu pai, meu irmão e o filho desse
homem veio, que nós compramos a terra.
Foram lá, daí ele disse assim: “Vocês dois pegam essa picada aqui,
desce no rio Chopin lá tem uma canoa, um caíco”, uma canoa que
eles dizem [...]. “E eu com o Garbosa imo solta os cachorro”.
O meu pai levou quatro cachorro veadeiro. Soltaram os cachorro
lá no mato. Aí, parece que soltaram em cima dos veado, cai dois
de vereda na água, assim, do [Rio] Chopin.
Que o bicho [veado] quando o cachorro bate ele vai na água. Eles
mataram os dois pardo, veado grande. Daí, na hora, tiraram o
couro, fizeram o que tinha que fazer.
‘Agora, nós imo embora’, pegaram os quarto dos veado.
Daí, quando o meu pai, ele quis sair, ele disse: ‘Garbosa você me
dá essa culher (sic) de cachorro aí, eu te dou o sítio’.
Eu não sei bem, mais era de cinquenta alqueires pra mais. ‘Te
dou o sitio’. O pai diz: ‘Não. Eu não vendo os meus cachorro’.
Ele ia ali no Lajeado Grande, Dois Vizinhos tirava um sitio. Ele
só vivia caçando. O meu pai não vendeu os dois cachorro pelos
cinquenta alqueires lá! (GARBOSA, 2011).

Hoje, por mais óbvia ou simples que seja, essa diferenciação


é suficiente para evitar debates e disputas sobre qual denominação,
politicamente correta, deve ser dada ao movimento: Revolta dos
colonos ou Revolta dos posseiros. Entretanto, mesmo na passagem
dos 40 e dos 50 anos da revolta, esse assunto foi polemizado, tendo
em vista a perspectiva de que ambos os nomes davam aos “legítimos
herdeiros do passado”. Para além da questão agrária, mesmo num
contexto gestado a partir da década de 1980, as novas formas e
movimentos de luta pela terra redimensionaram os sujeitos do/no
meio urbano e rural no Sudoeste. O foco nas relações entre os sujeitos
sociais e os modos de vida no passado, posseiros e colonos, dava base
aos projetos sociais no presente e posição em relação aos sem terras
e às ocupações de latifúndios improdutivos que estavam sendo
realizadas no Sudoeste nas novas lutas pela terra (cf. DAMBROS,
1997; FERES, 1990). Aos interessados na ordem social já não haviam
mais problemas de grilagem, de posse ou de regularização jurídica
da propriedade da terra no meio rural e urbano no Sudoeste. Além
disso, o Estado e as agências da Lei agiam e regravam a civilidade.
Violência no campo e conflito armado deveriam passar longe das ruas
e dos espaços públicos das cidades, assim como nos acampamentos

73
de sem terra organizados dentro da área de latifúndios (com atos
de reintegração de posse, determinados pelo judiciário, com uso da
força policial; ou com a ação de milícias privadas dos fazendeiros) ou
na beira de estradas. O exemplo do passado, por sua vez, deveria ser
transformado em festa, e o levante armado de 1957 visto somente
como coisa do passado.
O projeto do cinquentenário congregou e abrangeu todos
os pioneiros (ainda vivos, lembrados e selecionados) da revolta de
1957 e fortaleceu a tradição do homem sudoestino. Entretanto, seus
idealizadores foram os que deram conteúdo à comemoração (o quê
e para que comemorar?). Neste caso, o Estado (governo municipal,
parlamentares, meios de comunicação) foi o lugar social a partir do
qual a aliança de ouro foi construída e festejada, numa sociedade
modernizada e urbanizada. Os antigos posseiros, caboclos, e os povos
indígenas (confinados nas poucas reservas de aldeias ou toldos) não
tiveram mais lugar na história e na memória social.
Em contrapelo a esse movimento, numa revisão das
principais referências bibliográficas (anteriormente indicadas),
de monumentos públicos de memórias e de novas linguagens
construídas para sustentar visões de mundo sobre o passado,
podemos evidenciar posicionamentos e opções político-sociais de
seus autores (agentes e agências).

2.1 – Litígios e grilagens da gleba Missões e parte da


gleba Chopim
O problema agrário que houve no Sudoeste esteve permeado
de práticas de grilagens, apropriações, violências e expropriações de
terras, com participação de diversos sujeitos e agências. As ações de
litígios que envolveram o governo do Paraná e da União, as empresas
empreiteiras de ferroviárias, as companhias imobiliárias, a Cango, o
aparato policial do estado do Paraná (Polícia Civil e Militar) e da Nação
(Exército), o poder Judiciário da esfera estadual e federal, os colonos
e posseiros (os novos posseiros) constituíram tal emaranhado que
exigiu pesquisas criteriosas – dentre elas as de Othon Mäder (1957),
Hermógenes Lazier (1976, 1998), Ruy Wachowicz (1985), Iria Gomes

74
(1986) e Rubens da Silva Martins (1986) –, para desenosar e seguir o
fio da meada neste emaranhado.
A participação da companhia imobiliária Clevelândia,
Industrial e Territorial Ltda. (Citla) teve sua origem nas concessões
de terras que a União e o Estado do Paraná fizeram, em fins do século
XIX e início do XX, às empresas ferroviárias enquanto forma de
pagamento aos serviços de construção de ferrovias64.
Hermógenes Lazier mapeou o problema agrário que havia
no Sudoeste durante o período de 1950 a 1957, que resultou no
conflito entre posseiros e as companhias de terra:

Quando as frentes pioneiras começaram a chegar ao Sudoeste


do Paraná o valor das terras aumentou e a cobiça pelas mesmas
cresceu. A situação ficou grave, pois houve períodos em que para
a mesma área de terra existiam cinco ‘proprietários’: CITLA,
Pinho e Terra (empresa de colonização pertencente ao grupo
Dalcanale), Governo do Estado do Paraná, Governo Federal e o
posseiro (LAZIER, 1998, p. 24-25).

Lazier também fez uma análise histórica sobre os


desdobramentos das disputas pela titularidade da Gleba Missões
e parte da Gleba Chopim, principal foco do conflito agrário no
Sudoeste. É preciso considerar que uma abordagem retrospectiva
não representa uma “lógica à história”, mas um conhecimento
sobre o processo histórico que o historiador sistematiza a partir das
evidências, da sua capacidade de leitura e interpretação de fontes
e do seu lugar social (condição e posição de classe). Nesse sentido,
a síntese que Lazier produziu sobre a trama das concessões serve
como base para o mapeamento da cartografia das “negociatas”
que já haviam sido realizadas entre as empresas construtoras de
ferrovias (semelhantes às atuais empreiteiras que atuam em obras
de infraestrutura), o governo (do Paraná e da União) e particulares. A
citação do texto de Lazier, que segue, precisa ser extensa, pois indica
um período histórico mais longo e se refere à inclusão das terras das
glebas Missões e parte da Chopim no litígio.

64. Entre os autores pesquisados há algumas divergências sobre o tamanho das margens das ferrovias que foram concedidas
às empresas (15 km; 15 ou 30 km de cada lado da ferrovia) ou em relação aos ramais ou itinerário das construções
vinculadas às concessões. Como essas divergências não são o foco deste estudo, para o momento, sugerimos as leituras
destas fontes aos interessados.

75
A história vem de longe. Desde o Império. Pelo Decreto nº
10432, 9/11/1889, o engenheiro João Teixeira Soares obteve,
para a companhia que viesse a organizar, uma concessão para a
construção de uma estrada de ferro entre Itararé e Santa Maria
da Boca do Monte, compreendendo um ramal que, descendo de
Guarapuava até o rio Iguaçu, fosse acompanhá-lo até sua foz,
no rio Paraná. A referida concessão cedia, gratuitamente, terras
devolutas em uma zona máxima de trinta quilômetros para
cada lado do eixo das linhas.
Em 14 de novembro de 1889 foi assinado o contrato entre o
Ministério do Visconde de Ouro Preto e João Teixeira Soares. A
assinatura ocorreu, portanto, um dia antes da queda do império.
No dia 7 de abril de 1890, porém, o Governo Republicano,
pelo Decreto nº 305, efetivou o Decreto Imperial com
pequenas alterações.
Em 1890, João Teixeira Soares transferiu seus direitos à
Compagnie des Chemin de Fer Sud Ouest Brasilien, de Bruxelas.
Em julho de 1891 a Cia. Belga concedeu os mesmos direitos para
a Cia. Industrial dos Estados do Brasil. Finalmente, em 1893, a
mesma concessão foi transferida para a Companhia de Estradas
de Ferro São Paulo-Rio Grande, que era subsidiária da Brazil
Railway Company.
O Governo do Estado do Paraná assinou contratos com a
CEFSPRG para a construção de estradas de ferro e já começou
a titular terras à referida companhia. Em 17 de julho de 1913
o Presidente do Paraná, Carlos Cavalcanti de Albuquerque,
titulou a gleba Chopim com a área de 715.080.142m2. Mais
tarde, em 1 de outubro de 1920, o Presidente do Paraná, Caetano
Munhoz da Rocha, titulou para a mesma companhia a gleba
Missões, com área de 4.257.100.000m2. O território das glebas
Missões e Chopim representa quase todo atual Sudoeste do
Paraná. Portanto, quase toda a região foi titulada para a mesma
companhia (LAZIER, 1998, p. 25)65.

Sobre os desdobramentos das concessões que envolveram


o Estado do Paraná e as empreiteiras de ferrovias, Ruy Wachowicz
também incluiu a empresa Companhia Brasileira de Viação e Comércio
(BRAVIACO), sucessora de parte das concessões da CEFSPRG.

Em 1920, o Estado do Paraná assinou com esse mesmo grupo de


norte-americanos a construção de uma ferrovia, que partindo de
um dos pontos da São Paulo – Rio Grande, iria ter até Guarapuava.
A modalidade de pagamento seria semelhante a da ferrovia
Sengés a Marcelino Ramos. O contrato foi assinado em 23 de
agosto de 1920, mas já em 22 de novembro do mesmo ano a São
Paulo – Rio Grande transferia o contrato para uma nova firma: a
Companhia Brasileira de Viação e Comércio (BRAVIACO).
65. Iria Gomes tratou deste assunto na seguinte passagem do seu livro: “O governo provisório da República, através
do Decreto n.º 305, de 7 de abril de 1890, manteve, com algumas alterações, o Decreto Imperial. Em seguida, em
1891, essas concessões foram transferidas para a Companhia União Industrial e, em 6 de maio de 1893, pelo Decreto
n.º 1.386, para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, do grupo Brasil Railway Company. Foi essa
companhia quem realmente construiu a Estrada de Ferro Itararé-Uruguay e o ramal Jaguariaíva (Paraná)-Ourinhos (São
Paulo), bem como recebeu parte das terras concedidas, ficando um resto para receber posteriormente. Coube ao Estado
do Paraná a demarcação e titulação das áreas concedidas, tendo em vista que, pela Constituição da República, de 1891,
as terras devolutas e nacionais passaram ao domínio dos Estados” (GOMES, 1986, p. 30).

76
Esta nova companhia, embora ligada aos norte-americanos,
juridicamente era independente. Antes mesmo de iniciar
a construção do ramal ferroviário para Guarapuava, os
proprietários da BRAVIACO, intimamente ligados à oligarquia
de proprietários que governava o Paraná, consegue que o Estado
lhes titulasse terras por conta da construção do referido ramal:
verdadeira benesse da oligarquia aos norte-americanos. Foram
tituladas as glebas:
Santa Maria com 12. 327 ha
Silva Jardim 76. 746 ha
Riozinho 551 ha
MISSÕES 425. 731 ha
Como essas transações vão a posteriori originar complicadas
questões no judiciário, é preciso esclarecer e salientar o
seguinte: o contrato entre o Estado do Paraná e a São Paulo –
Rio Grande, pela construção do ramal de Guarapuava, data de
23 de agosto de 1920. A titulação da gleba Missões, antes mesmo
de iniciados os trabalhos da construção do ramal, data de 9 de
outubro de 1920. A transferência do contrato para a BRAVIACO,
data de 22 de novembro de 1920.
Entretanto, ao transferir o contrato para a BRAVIACO, a São
Paulo – Rio Grande resolveu que a gleba Missões, entre outras,
ficaria sob seu domínio, não passando para a BRAVIACO
(WACHOWICZ, 1985, p. 178-179; cf. localização da gleba Santa
Maria, Silva Jardim e Missões – Anexo 1)66.

Com relação à gleba Missões e a Braviaco, é oportuno


adiantar dois aspectos relacionados à historiografia e aos vínculos
político-partidários. Para a gleba Missões, o ponto do debate entre os
autores se refere às concessões de terras. Quando Iria Gomes tratou
das disputas que a Cango e a Citla tiveram em relação à titularidade
e à legalidade para a venda das terras da gleba Missões67, a autora
polemizou com Ruy Wachowicz68, divergindo dele quanto ao direito
líquido que a Citla tinha da gleba Missões.

66. Sobre a participação da Braviaco, após tratar do contrato firmado entre o Governo do Paraná e a Companhia São
Paulo-Rio Grande, de 23/08/1920, referente à construção do ramal de Guarapuava e as concessões de terras (2.100.000
hectares e títulos, em adiantamento, relativos à construção do ramal), Iria Gomes indicou que: “Em razão desse
contrato, a São Paulo-Rio Grande recebeu, tituladas, em 1 de outubro de 1920, as glebas Santa Maria, Silva Jardim,
Riosinho e Missões, num total de 514.355 hectares. No entanto, em 23 de setembro do mesmo ano, a Companhia
Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande transfere à Braviaco – Cia. Brasileira de Viação e Comércio – a concessão da
construção do ramal Guarapuava-Foz do Iguaçu, bem como o direito às terras que lhe seriam realizadas por tal obra,
ressalvando, porém, as glebas que já lhe haviam sido tituladas, entre elas, a gleba Missões. A Braviaco, por sua vez, em
contrato de 8 de junho de 1928, tem assentadas a data de início da construção da estrada e medidas de financiamento,
mantendo-se os contratos anteriores e recebendo títulos, com direito líquido, de quatro glebas, num total de 1.090.000
hectares. Recebeu, ainda, caucionados, na Secretaria, em virtude da cláusula contratual referente ao emprego de capital
na construção do ramal de Guarapuava, mais quatro glebas, num total de 1.480.000 hectares. Quer dizer: o Estado
entregou, por conta do direito líquido anterior, 1.594.355 hectares (514.355 mais 1.080.000), faltando apenas 495.645
para complementar os 2.100.000 de direito. No entanto, entrega à Braviaco mais 1.480.000, por conta do contrato da
nova construção” (GOMES, 1986, p. 30-31).
67. “Mas, o fato de a CITLA vender a terra e a CANGO doar a mesma não teria sido suficiente para gerar os acontecimentos
que se verificaram na região. O que pesou para que os colonos se levantassem contra essa companhia e suas subsidiárias
foi a ação arbitraria e violenta com que agiam, não tendo legalmente o domínio das terras” (GOMES, 1986, p. 44).
68. Para Wachowicz essa relação Citla x Cango era: “Na prática in loco, o grande problema enfrentado pela CITLA na
região, era a CANGO. Esta possuía a posse efetiva da região. Já no primeiro governo Lupion, que se iniciou em 1946,

77
Para Ruy Wachowicz, o grande problema enfrentado pela CITLA
na região, era a CANGO. Não gostaria de abordar a questão
desse ponto de vista porque ele tem como pressuposto o direito
líquido e certo da companhia sobre a Gleba Missões. Como essa
questão até hoje está na justiça, a afirmação anterior deixa de
ter validade (GOMES, 1986, p. 44).

Iria Gomes também esclareceu que a empresa Braviaco


tinha como gerente Luiz Alberto Dalcanalle, que também era o
principal acionista da companhia imobiliária Pinho e Terras, do
Grupo Ruaro-Dalcanalle, formado por empresários do Rio Grande do
Sul que atuavam em várias regiões no Sul do país, com a especulação
privada de terras em projetos de colonização dirigida69.
Para Ruy Wachowicz, o grupo Pinho e Terras também tinha
proximidade com especuladores argentinos, de Buenos Aires70, além
dos vínculos com a União Democrática Nacional (UDN) e sua aliança
com o PTB. A crítica de Ruy Wachowicz à colonizadora Pinho e Terras,
do Grupo das Famílias Dalcanalle e Ruaro, também tem elementos
da sua visão paranista, contra argentinos e gaúchos, os separatistas
do Território Federal do Iguaçu e do Estado do Iguaçu.
A indicação geográfica das glebas Missões e Chopim, e dos
núcleos coloniais de Francisco Beltrão (Vila Marrecas), Pato Branco,
Capanema e Santo Antônio do Sudoeste contribui para dimensionar
a abrangência territorial das concessões dadas, incialmente, às
empreiteiras de ferrovias e particulares (como João Teixeira Soares
e José Rupp, que indicamos na sequência) e, posteriormente, às
empresas imobiliárias (companhias de colonização que especulavam
com a venda de terras e extração de madeira).

começou o processo de esvaziamento da CANGO. As verbas orçamentárias foram ficando cada vez mais escassas”
(WACHOVIWZ, 1985, p. 199).
69. Durante a década de 1950, o Grupo Ruaro também atuou na região Oeste do Paraná, participando da companhia
Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A. (Maripá) que, em 1946, adquiriu a Fazenda Britânia de
argentinos e implantaram o projeto de colonização dirigido, formando inicialmente os municípios de Toledo
(1951) e de Marechal Cândido Rondon (1960), desmembrado do anterior. Com a Pinho e Terras, a Família Ruaro
também especulou com terras em Palotina, na região de Medianeira, em Cascavel (também no ramo comercial) e
em terras na gleba Chopim.
70. Conforme expôs Ruy Wachowicz: “Mário Fontana afirmou que a PINHO E TERRAS era muito ligada a grupos
econômicos de Buenos Aires, que estavam interessados em controlar econômicamente o sudoeste paranaense.
Capitalistas argentinos seriam pois, aliados do grupo Dalcanalle. A entrada da PINHO E TERRAS impediu
que a CITLA ficasse com cinco glebas pela dívida do Rupp. Ficaram apenas com Missões e parte de Chopim”
(WACHOWICZ, 1985, p. 189).

78
MAPA 1: Principais glebas históricas do sudoeste

Fonte: WACHOWICZ, 1985, p. 185. Conforme Ivo Thomazoni (2007, p. 4), a parte da gleba Chopim
incluída nas concessões correspondia à margem esquerda do Rio Chopim, com 38.720 hectares.

Tratando-se da cartografia da região do litígio entre a


Citla, a Cango e os colonos, Nivaldo Krüger (2004, p. 215) incluiu
um mapa da região Sudoeste, contendo um erro na indicação da
localização de Capanema, pois consta como Catanduvas (Vide
Mapas 2 e 3). Este erro acabou sendo reproduzido em outros estudos.
Apesar de tratar-se de um erro de informação relativamente
simples de resolver, para um leitor não familiarizado com o
assunto da revolta de 1957 ou sobre o Sudoeste, esse erro pode
passar batido, despercebido, ou tido como correto, haja vista o
peso do autor, Krüger71, e da referência bibliográfica.

71. Nivaldo Passos Krüger nasceu em Canoinhas/SC, no dia 27/5/1929, e sua família migrou para o Paraná, estabelecendo-
se em Guarapuava. Sobre sua biografia é oportuno destacar a trajetória política, tendo em vista a influência que exerceu
em várias esferas de governo e pelos cargos públicos que assumiu. Foi vereador em Guarapuava durante o período de
1958 a 1962, e prefeito desse município em 3 gestões (1964, 1973 e 1983). Exerceu a função de deputado estadual
pelo MDB no período de 1969 a 1973 e de deputado federal pelo PMDB entre 1979 a 1982. Por ter sido eleito suplente
de senador em 1994, na candidatura de Roberto Requião (PMDB/PR), foi empossado no Senado no dia 18/12/2002,
assumindo a vaga do titular Roberto Requião, eleito governador do Paraná, porém permaneceu nesse cargo por apenas
45 dias. Foi presidente da Sanepar e da Paraná Ambiental no governo Requião. Para mais informações sobre essa
personalidade pública confira “Gente da Nossa Terra: Nivaldo Krüger” (In: http://gorpacult.blogspot.com.br/2011/12/
gente-de-nossa-terra-nivaldo-kruger.html). Acessado em 21/7/2014.

79
MAPA 2 e 3: Região Sudoeste do Paraná – Capanema/Catanduvas

Fonte Mapa 2: Secretaria Municipal da Cultura de Francisco Beltrão


Fonte MAPA 3: KRÜGER, 2004, p. 215, apud VORPAGEL, 2008a, p. 3.

Não fosse o reconhecimento social e influência política do


autor, Nivaldo Passos Krüger, e a oficialidade da obra, Sudoeste do
Paraná: história de bravura, trabalho e fé72, este erro não causaria
maiores estragos. Por outro lado, a força da biografia de Krüger deve
ter contribuído para que o mesmo erro passasse batido, seja pelo
autor quanto pelo revisor do texto do livro, Carlos Fernando Huf.
A indicação de Catanduvas73 no lugar de Capanema
também não constou como errata pós-impressão. A circulação do
livro também contou com a força da sua inserção nos preparativos
do cinquentenário 1957-2007. Quanto ao uso do mesmo erro, o peso
72. O livro foi financiado por meio de projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (MEC). O
estudo sobre o Sudoeste também teve apoio da FUNPAR, da Fundação Santos Lima e do Positivo. Com formato grande
(31 X 22 cm) e acabamento finíssimo (capa dura com sobrecapa, diagramatura do papel miolo brilhoso), com gravuras
impressas com alta resolução e em cores (fotografias, imagens, mapas), as 300 páginas do corpo do texto, somadas as
16 páginas do encarte interno de matérias de jornal de época e mais as 8 páginas entre capas, contracapas e folha de
rosto são suficientes para estimar o volume de recursos utilizados para o financiamento do projeto. Além da impressão,
o financiamento da obra também incluiu as pesquisas de campo que foram realizadas durante os 20 meses em que o
autor permaneceu na região, a serviço do projeto, viagens e estadias.
A oficialidade da escrita da história neste livro é marcante, pois o autor inclui uma breve história oficial de cada
município do Sudoeste, contendo itens sobre a história, administração, economia, educação, relatos de pioneiros,
fotografias, imagens, etc., além de uma breve biografia das principais personalidades políticas do Sudoeste. Somente
estes itens do Sumário servem de parâmetro para uma análise da oficialidade, da tiragem, da divulgação/distribuição do
livro na região e da aceitação de seu conteúdo.
Nos agradecimentos, Nivaldo Krüger incluiu as seguintes instituições e entidades: Municípios do Sudoeste e seus
Prefeitos, Câmaras Municipais do Sudoeste do Paraná, Fundação Santos Lima, Assembleia Legislativa do Paraná,
Governo do Estado do Paraná, Casa Civil, Biblioteca Pública do Paraná, Copel, Sanepar, CEFET, Faculdades e
Universidades da Região, Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (Amsop) e Diocese de Palmas.
73. Catanduvas é um município da região Oeste paranaense, microrregião do Cantuquiriguaçu, localizado a leste
do município de Cascavel e a Oeste de Guaraniaçu. Foi local do conflito entre a Coluna Paulista, dos tenentistas
insurgentes liderados pelo general Izidoro Dias Lopes, e o exército nacional, sob o comando final do general Cândido
Rondon, nos anos de 1924/1925. Além da Coluna Paulista, o movimento tenentista também teve a participação da
Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes, vinda do RS. O principal foco de ação dos tenentistas insurgentes foi
no Oeste do Paraná. Para uma leitura deste assunto, confira a obra de Ruy Christovam Wachowicz (1982), Obrageros,
mensus e colonos, que trata da região Oeste do Paraná, e o livro de Sérgio Lopes (2002).

80
historiográfico da obra e do autor Nivaldo Krüger, certamente,
influenciou Silvia Maria Amâncio (2009, p. 39), pois ela utilizou
o mesmo mapa como referência cartográfica para indicar a área
da atuação da Citla e do Getsop na região Sudoeste. Outro caso de
reprodução do mapa publicado por Krüger foi realizado pela Maria
Aparecida Tives Palma (2014), que – mesmo tendo nascida no ano de
1949, na comunidade do Alto Verê, e de ter vivenciado a revolta de
1957, quando tinha 8 anos de idade, além de ser e viver no Sudoeste
e Oeste do Paraná –, inseriu o mapa que Nivaldo Krüger utilizou na
obra Sudoeste do Paraná (PALMA, 2014, p.27), com a devida indicação
da autoria e da fonte de referência.
Para retomar a questão dos litígios internos e disputas
pela gleba Missões e Chopim, Hermógenes Lazier contextualizou
a ação do governo do Paraná que, no ano de 1930, por meio de
decreto, anulou as concessões de terras realizadas à Companhia
São Paulo-Rio Grande.

Vitoriosa a Revolução de 1930, o general Mário Tourinho


assumiu o Governo do Estado do Paraná como interventor. O
novo Governo do Paraná começou a estudar as concessões de
terras feitas à CEFSPRG e constatou irregularidades, inclusive o
não cumprimento do contrato por parte da referida companhia.
Em seguida, pelos Decretos nos 300 e 29 [sic.- 20], de 30/11/1930
e 5/01/1931, anulou algumas daquelas concessões. Entre as
titulações anuladas estavam as das glebas Missões e Chopim.
Com esta medida o território do Sudoeste do Paraná voltou ao
domínio do poder público.
A Companhia de Estradas de Ferro São Paulo-Rio Grande,
porém, não se conformando com os referidos decretos, entrou
com recursos na justiça para garantir a posse das referidas
terras (LAZIER, 1998, p. 26).

Com relação a esses atos do governador interventor Mario


Tourinho, Ruy Wachowicz (1985, p. 179) expôs que: “Estes decretos
declaravam nulos os domínios de terras da BRAVIACO originados do
ramal ferroviário de Guarapuava, aliás, ainda não concluído”. Ruy
também citou o artigo 2, do Decreto nº 300:

São declarados nulos e de nenhum efeito, todos os títulos de


domínio expedidos em razão dos contratos rescindidos da
Companhia Brasileira de Viação e Comércio e da Companhia
Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, devendo ser
responsabilizadas as mesmas companhias pelas áreas de terras
porventura alienadas ou que, por sua autorização, constarem

81
de títulos diretamente expedidos pelo governo em nome de
terceiros (apud WACHOWICZ, 1985, 179-180).74

Para Wachowicz (1985, p. 180), as medidas adotadas pelo


general Mário Tourinho fez com que Getúlio Vargas demitisse o
interventor Tourinho e indicasse um novo interventor, Manoel
Ribas, que “era elemento dócil e de absoluta confiança de Getúlio
Vargas” (WACHOWICZ, 1985, p. 181).
Na análise que Iria Gomes (1986, p. 30, 31) fez sobre essas
medidas do governo do Paraná, os decretos de anulação também
estavam amparados pela Constituição de 1891, que estabeleceu, aos
Estados, o domínio das terras devolutas e nacionais.
A partir das medidas adotadas pelo governo do Paraná, as
disputas judiciais pelas glebas de Missões e de Chopim passaram a
envolver várias partes e interesses de terceiros, dependendo de cada
parte nas ações judiciais: o governo do Paraná, o governo Federal e as
companhias empreiteiras de ferrovias (CEFSPRG e Braviaco).
O emaranhado do litígio passou a ter nova configuração
com a encampação dos bens da Brazil Railway Company realizada
pelo Governo Federal no contexto de Segunda Guerra Mundial
(FOWERAKER, 1982, p. 126), nos termos do Decreto-Lei nº 2.073,
de 8/3/1940, e a incorporação deles junto à Superintendência das
Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União (SEIPU), de acordo
com o Decreto Federal nº 2.436, de 10/7/1940. Com relação a esse
novo quadro, Ruy Wachowicz assim se referiu:

Em 1940, o governo federal baixou o decreto lei 2.073, de 8 de


março, incorporando ao patrimônio da União todos os bens da São
Paulo – Rio Grande e entre outras glebas a denominada Missões.
Pela ótica do Estado do Paraná, a incorporação da gleba Chopim
pela União era juridicamente correta, mas a de Missões,
não. Esta havia sido titulada em pagamento do ramal de
Guarapuava, um contrato estadual.
Mas assim não pensava o governo federal. A gleba Missões
estava relacionada nos bens da São Paulo – Rio Grande e foi
incorporada ao patrimônio da União.
Pelo decreto 2.436, de 10 de julho de 1940, foi criada a
Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio

74. Sobre os efeitos do Decreto nº 300, Iria Gomes incluiu a negociação estabelecida pelo Decreto Federal nº 477: “Após
o Decreto Estadual nº 300, a estrada continuou a ser construída e, em 22 de novembro de 1936, pelo Decreto Federal
nº 477 a União aceitou, sem ônus, o acervo (ativo) da Guarapuava, constante das obras ferroviárias executadas, tendo
ficado o Estado do Paraná responsável por todas as questões que por ventura surgissem com a Braviaco, os empreiteiros
ou quaisquer interessados nos negócios da estrada” (GOMES, 1986, p. 31-32).

82
da União (SEIPU), para gerir os bens da extinta Brazil Railway
Co. (WACHOWICZ, 1985, p. 180-181)75.

Na análise de Hermógenes Lazier, a Brazil Railway Company


(trata-se da mesma empresa que esteve envolvida na guerra do
Contestado), era “um trust com ramificações nos quatro cantos do
país. Possuía 14 empresas, sendo uma delas a CEFSPRG” (LAZIER,
1998, p. 26). Lazier cita o artigo 1º, do Decreto nº 2.436, onde constam
as 14 empresas da Brazil Railway, sendo uma delas a CEFSPRG, e,
dentre os bens desta empreiteira constava as áreas das glebas Missões
e parte da Chopim. Além disso, Hermógenes esclareceu que: “Após a
incorporação, a pendência sobre a propriedade das glebas Missões
e Chopim, que antes era entre o Paraná e a CEFSPRG, continuou
existindo, mas agora entre o Governo Estadual e o Governo Federal”
(LAZIER, 1998, p. 27).
Sobre a decisão de o governo federal encampar e incor-
porar os bens e os direitos (ativos e passivos) dessa multinacional,
além das questões de ordem da segurança nacional e da quebra do
comércio internacional, em pleno período de guerra76, Iria Gomes
referiu-se às várias outras motivações que o governo Vargas teve
para tomar a decisão:

Segundo parecer do Procurador da República, Ademar Vidal, os


motivos que levaram o Governo Federal a expedir tais decretos
foram ditados por imperativos morais e econômicos do Estado,
reclamados pela causa pública. Da avaliação feita pelo Governo
da União acerca dos negócios da companhia e que resultou
no Decreto-Lei nº 2.073, concluiu o Governo que, por um lado,
o patrimônio dessa empresa se formara com receitas e lucros
sonegados dos cofres públicos e, por outro, essa empresa
devia ainda ao Patrimônio Nacional, importância superior a
três milhões de libras que recebera a título de adiantamento
para ser deduzida de sua receita bruta, a que ela, não obstante
expressa convenção, jamais cumprira (GOMES, 1986, p. 32, grifo
do autor)77.

75. Para Iria Gomes, a SEIPU era a Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional (SEIPN). A
autora utiliza uma vasta documentação da SEIPN para abordar a questão agrária do Sudoeste. Esta denominação,
SEIPN, também foi utilizada por Hermógenes Lazier (1998, p. 27). Conforme Joe Foweraker, o decreto também atingiu
a BRAVIACO, que havia sucedido a CEFSPRG no Paraná.
76. Durante a Segunda Guerra Mundial o governo Vargas nacionalizou várias empresas estrangeiras instaladas no
país, em grande parte as dos ramos de energia, de transportes e do setor financeiro, pois o estado de guerra gerou
uma crise no comércio internacional, nas exportações e importações, tanto de bens primários e industrializados,
como de capital financeiro (empréstimos).
77. Com relação à incorporação, Iria Gomes acrescentou: “A incorporação, portanto, significou uma desapropriação
em pagamento, utilizada pelo Governo para a defesa do decoro e do erário público. Para que nenhuma dúvida
pudesse surgir, fez com as entidades estrangeiras em jogo, representadas pelo governo francês, um convênio

83
Com a extinção da CEFSPRG e da própria Brazil Railway
Company, além dos acordos firmados com as empresas e governos
estrangeiros envolvidos, em particular o governo da França, a
permanência desse foco do litígio ficou restrito ao governo do
Paraná e ao governo federal. Conforme a análise de Ruy Wachowicz,
a questão permanecia sub-judice.

O Estado do Paraná entrou com um embargo contra a União


porque estava se apropriando de terras que segundo o Estado,
lhe pertenciam. Começa então uma disputa judiciária entre
o Estado do Paraná e a União, no domínio de várias áreas de
terras, sobretudo a da gleba Missões (WACHOWICZ, 1985, p. 181).

Para além das disputas jurídicas que havia entre as


empresas empreiteiras de ferrovias, o governo do Paraná e a
União – desde o final do Império e o início da República, durante
o século XIX, até a década de 1940 –, existia outro foco/núcleo de
disputa, mais intrincado, relacionado ao litígio de propriedade das
terras do Contestado e do Sudoeste, polarizado entre os governos
estaduais do Paraná e de Santa Catarina, do Território Federal
do Iguaçu, o governo federal e seus órgãos fundiários e os grupos
particulares – inicialmente, a família de José Rupp, e, depois, as
empresas imobiliárias (Citla e Pinho e Terra). A complexidade mais
significativa não estava nas bases jurídicas ou no histórico dominial
das terras, mas, sim, na teia de inter-relação e interação de interesses
construídos pelos interessados dentro e fora do Estado.
Na abordagem que João Bosco Feres (1990) fez sobre este
núcleo de atores e agências que atuaram neste litígio, apresentada
no capítulo Caboclos, colonos e grileiros, há uma síntese do tema que
ele elaborou a partir da bibliografia e de demais fontes que pesquisou
ou produziu (entrevistas). Para tanto, Feres também retornou ao
ponto inicial do fio da meada, tal como os demais pesquisadores já
haviam indicado: a família de José Rupp.
Ele, José Rupp, como informou Ruy Wachowicz (1985, p. 187),
“advogado e conhecedor profundo da sistemática de terras” e das
brechas da lei, obteve a concessão de terras na região do Contestado

mediante o qual pagou o saldo das incorporações, abrindo mão as companhias de quaisquer reclamações ou
reivindicações” (GOMES, 1985, p. 33).

84
no final do século XIX, portanto, bem antes da resolução dos limites
territoriais que houve entre os governos de Santa Catarina e do Paraná.
Iria Gomes introduziu os primeiros atos desta disputa
judicial da gleba Missões, que resume bem o objeto do litígio:

No final do século XIX, José Rupp obteve do Governo de Santa


Catarina um contrato de arrendamento de terras consideradas
devolutas, para explorar ervais e matas. Essas terras, no
entanto, já pertenciam, por decreto, à Companhia Estrada
de Ferro São Paulo-Rio Grande. Essa companhia, agindo
judicialmente, requereu mandado de manutenção de posse.
A medida judicial foi-lhe concedida e, mais tarde, cassada.
Em função da primeira medida a companhia apreendeu
quantidades de madeira e erva-mate, das quais José Rupp se
dizia dono. Depositadas judicialmente, seu depositário veio a
falecer e as mesmas foram extraviadas. Este fato foi constatado
quando da cassação da primeira medida. Tentando reaver a
erva-mate e a madeira e não as encontrando, José Rupp entrou
com uma ação de indenização contra a companhia. Esta foi
condenada a pagar a importância de Cr$ 4.700.000 (quatro
milhões e setecentos mil cruzeiros), acrescida de juros de mora
e custos (GOMES, 1986, p. 34, grifo do autor)78.

Hermógenes Lazier descreveu as searas judiciais havidas


entre José Rupp e a empreiteira São Paulo-Rio Grande, e os atos
jurídicos das ações:

Em 4 de junho de 1920, a referida companhia ajuizou em


Florianópolis, no Juízo Sencional, uma ação sumária de
manutenção de posse de José Rupp e outros na área explorada
pelo mesmo com embargo e apreensão do depósito de erva mate
já extraídas.
Em outubro de 1920 foi feita a apreensão judicial. José Rupp
apelou. A ação correu os trânsitos legais e em 7 de julho de 1925
foi reconhecida a posse de José Rupp nas terras em litígio, bem
como da erva mate e madeira apreendidas.
A companhia não se conformou, recorreu ao Supremo Tribunal
Federal. O maior órgão do Poder Judiciário, em decisão de 7
de maio de 1938, confirmou a sentença em favor de José Rupp
(LAZIER apud WACHOWICZ, 1985, p. 186).

Iria Gomes relatou o passo seguinte que José Rupp deu nos
meandros da lei.

Apesar de não transitada em julgado, a sentença passou a ser


executada sem a intimação regular das partes (art. 165 e 197, do
78. Ruy Wachowicz (1985) avaliou que o governo do Paraná tinha indicado as glebas do Contestado e do Sudoeste como
pagamento à Companhia São Paulo-Rio Grande pelo ramal de Guarapuava, justamente por estarem em litígio com
Santa Catarina, e para não comprometer outras regiões do Paraná.

85
Código do Processo Civil). Assim, obteve José Rupp a penhora de
várias glebas que haviam pertencido à São Paulo-Rio Grande e
que, a partir de 1940, estavam incorporadas à União, entre elas
as glebas Missões e Chopim (GOMES, 1986, p. 34).

Ainda segundo Iria Gomes, a partir dessa ação de Rupp, a


União Federal entrou no jogo judicial com uma ação: “ofereceu em-
bargos de terceiro senhor e possuidor, alegando, entre outros funda-
mentos o da impenhorabilidade daquelas glebas, por constituírem
propriedade sua, tendo em vista a incorporação feita em 1940 dos
bens da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande” (GOMES,
1986, p. 34).
Conhecendo os labirintos do Judiciário, José Rupp havia
novamente recorrido à Justiça para recuperar seus negócios,
decorrentes dos prejuízos e danos causados pela perda da posse da
área no Contestado, originado da ação da São Paulo-Rio Grande.
Segundo Ruy Wachowicz, o quantum foi indicado pela Justiça
somente no ano de 1945: “a justiça avaliou seus prejuízos em
Cr$ 4.720.000,00 mais os juros de mora e as despesas judiciais”
(WACHOWICZ, 1985, p. 186).
Ruy Wachowicz (1985, p. 186, 187) também esclareceu
que, mesmo tendo a União indicado que havia irregularidade,
pelo fato de não ter sido citada no processo, pelo menos no pós-
SEIPN, “um juiz mandou penhorar os bens para pagamento dos
honorários”, porém, Rupp, conhecedor dos meandros da lei e
movido por outros interesses, não ajuizou a cobrança judicial da
penhora e “preferiu um acordo com o governo federal”, conforme
informação dada pelo senador Othon Mäder em seu depoimento
à Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal, em
13/2/1958 (apud WACHOWICZ, 1985, p. 187).
Conforme Wachowicz, José Rupp, por três vezes, apresentou
propostas de negociação (pagamento em dinheiro – Cr$ 5 milhões
pela dívida, pagamento em terras – glebas Missões e Chopim,
pagamento em terras – somente a gleba Missões, com área de 425
mil hectares), todas negadas pela Superintendência e o Ministério
da Fazenda, a última, inclusive indeferida pelo presidente Eurico
Gaspar Dutra (WACHOWICZ, 1985, p. 187). Sobre a última proposta,
Iria Gomes indicou:

86
O último indeferimento ocorreu em 1 de julho de 1950, sendo
Superintendente o Sr. Antonio Vieira de Melo. Consistia num
pedido de liquidação amigável, em que José Rupp, propunha se
lhe desse em pagamento de seu litigioso crédito a mencionada
e já célebre gleba ‘Missões’ e tão somente ela (GOMES, 1986, p.
35, grifo do autor).

Segundo Ruy Wachowicz, o emaranhado passou a ter no-


vos interessados em fins de 1950, durante o período final do governo
Dutra e do governo Lupion, no Paraná. As imobiliárias vinculadas
aos principais partidos políticos que governavam o país e o Paraná
passaram a defender seus negócios de terra no Sudoeste: a Pinho e
Terras (grupo Dalcanalle e Ruaro)79, vinculada a UDN e PTB; e a Cle-
velândia Industrial, Territorial Ltda. (Citla), vinculada ao PSD, sendo
seu diretor Mário José Fontana, que havia atuado na comercialização
de terra da área atual do município de Mariópolis, em 194880. Como
comentou Ruy: “Ambos os grupos aproveitaram-se da falta de fisca-
lização que ocorreu nos últimos meses do governo Dutra, para reali-
zarem negócios vantajosos, mas ilegais” (WACHOWICZ, 1985, p. 184).
Segundo Wachowicz, no final de 1950, a SEIPU [SEIPN] tinha
vendido uma área de terra da gleba Missões para a Pinho e Terras: “...
em 22 de dezembro, vendeu à firma PINHO E TERRAS 11.500 alqueires
da própria gleba Missões e 300.000 pinheiros adultos à Companhia
de Madeiras do Alto Paraná S. A.” (WACHOWICZ, 1985, p. 184)81.
79. Cabe retomar que Luiz Aberto Dalcanalle também era presidente da Braviaco, da ex-CEFSPRG.
80. A Citla foi constituída no ano de 1947. “O diretor da CITLA, Mário José Fontana, já havia acumulado experiência
nesse setor, com a compra da fazenda São Francisco de Sales e parte da fazenda Morais. A aquisição dessa [sic.]
terras foi possível graças ao espólio de Francisco Gutierrez Beltrão, na região. O total de terras adquiridas em
1948, pela CITLA, foi de 9.686 alqueires, nas margens do rio São Francisco de Sales, ao ocidente de Clevelândia”
(WACHOWICZ, 1985, p. 195).
Com relação ao início dos negócios do gaúcho Mário Fontana com a especulação imobiliária de terras, Wachowicz
(1985, p. 195) também comentou que, com a origem da Citla, Fontana executou o projeto de colonização dirigida
privada de Mariónoplis (nome dado ao município, em sua homenagem, com a emancipação político-administrativa
definitiva de Clevelândia, ocorrida em 1960), onde havia 60 famílias de caboclos posseiros, com os quais fez acordo
amigável (?), e construiu uma hidrelétrica de 350 HP para fornecer energia à serraria e à cidade.
Durante a coletiva à imprensa que o governador Moysés Lupion e o senador Gaspar Velloso realizaram em outubro de
1957, o governador respondeu à pergunta lhe feita por Sergio Fraga sobre a origem da Citla: “... E verificamos, então,
que esse grupo de homens do Rio Grande do sul, se estabeleceram em Clevelândia, pela aquisição de uma propriedade
denominada ‘São Francisco de Sales’, cujo domínio pertencia ao Sr. Othon Mader e à família de Francisco Beltrão. Essa
firma se organizou e está lá sendo uma das cláusulas do contrato, clausula IV, se não me falha a memória, expressa, que
a companhia se organizava com o fim de explorar comercial e industrialmente a colonização da fazenda ‘São Francisco
Sales’. Posteriormente através de uma contra certidão da Junta Comercial, nós conseguimos verificar isso, ela ampliou
para 1946 quotistas o seu quadro social. Esse aumento de quotistas, e naturalmente de recursos, foi conseqüência da
incorporação que José Rupp fazia dos seus direitos sobre estas outras áreas de terras e é evidente que uma empresa
colonizadora que se estabelece em determinado ponto, é porque ali encontrou uma área para colonizar [...]. Ela se
estabeleceu ali, porque originariamente ela adquiriu essas terras do Sr. Othon Mader e da Família Francisco Beltrão,
conforme documentos que nós também tivemos oportunidade de verificar” (In: VAZ, 1986, p. 332; VOLTOLINI, 2003,
p.3 49-350). Confira também Rubens da Silva Martins (1986, p. 389-391).
81. Sobre a relação entre a SEIPU e a Pinho e Terras, Ruy também expôs que: “O grupo Dalcanalle já era conhecido pela SEI-
PU. Havia uma demanda judicial entre esta e a PINHO E TERRAS na região de Chapecó e Xanxerê. A PINHO E TER-
RAS havia substabelecido uma procuração da SEIPU a terceiros, pelo dobro do preço” (WACHOWICZ, 1985, p. 189).

87
Com relação à participação da Citla, Hermógenes Lazier fez
a seguinte análise:

Foi aí, então, que entrou na ‘jogada’ das terras do Sudoeste, a


Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA). Em 26.07.1950,
José Rupp cedeu seu crédito à CITLA. A partir de 26.07.1950 o
Poder Público Federal deveria pagar a indenização não mais a
José Rupp e sim à CITLA (LAZIER, 1980, p. 10).

Em entrevista concedida a Ruy Wachowicz, gravada no


dia 20/12/1978, Mário José Fontana referiu-se à negociação que fez
com José Rupp: “... Somente não fizemos a aquisição dos direitos de
recebimento do Rupp. Fizemos a composição. No início era muito
maior. Era de cinco glebas, porque a terra não valia nada e ninguém
queria nada com terras, a não ser os colonos que vinham do sul” (In:
WACHOWICZ, 1985, p. 188).
Na primeira ação, petição, que Mário Fontana fez à Supe-
rintendência, como tratou Ruy, a Citla indicou 5 glebas para a nego-
ciação das dívidas de Rupp: “A CITLA entrou com requerimento para
receber em terras o pagamento a que tinha direito. Pelo crédito de
Rupp pediu cinco glebas: Missões, Chopim, Chopinzinho, Silva Jar-
dim e Andrada” (WACHOWICZ, 1985, p. 187-188; cf. a localização das
glebas do INIC, no mapa – Anexo 1). A relação que a Citla tinha com o
Grupo Lupion e o governo Lupion (PSD), e este junto ao governo Du-
tra (PSD), deram novos rumos ao assunto, como indicou Wachowicz
(1985, p. 187): “Moysés Lupion era um dos esteios do governo Dutra.
Negar-lhe um pedido poderia trazer implicações políticas”.
Ao tratar da mudança do credor e das regras do jogo, Iria
Gomes (1986) analisou os resultados:

No entanto, em novembro do mesmo ano, a já cessionária de


Rupp, a Clevelândia, Industrial e Territorial – (CITLA), em nova
petição à Superintendência e, sendo Superintendente, ainda
o Sr. Antonio Vieira de Melo, não só obteve solução amigável,
mas condições muito mais vantajosas que as pleiteadas por José
Rupp (GOMES, 1985, p. 35).

A abordagem que Hermógenes Lazier fez sobre aquela que


foi considerada por Othon Mäder a “maior bandalheira da República”,
sintetiza as inter-relações e as interações que a Citla, grupo/governo

88
Lupion, governo federal e o PSD realizaram para defender e garantir
a concretização dos seus interesses comuns.

A partir daí aconteceu o milagre. Aquilo que era ilegal passou a


ser legal. Aquilo que era indevido passou a ser legítimo. Aquilo
que era indeferido passou a ser deferido.
Com a entrada da CITLA na problemática do recebimento de
indenização todas as portas se abriram e, em 17.11.1950, foi
acertado entre a CITLA e a Superintendência das Empresas
Incorporadas ao Patrimônio Nacional o acordo sobre a
indenização. O acordo foi a titulação para a CITLA da Gleba
Missões e parte da Gleba Chopim como pagamento daquele
crédito.
Em 01 de julho de 1950, como vimos, foi indeferido um pedido
de José Rupp para que fosse paga a indenização apenas com a
Gleba Missões.
Apenas quatro meses depois a mesma Superintendência
acertou com o acordo, agora já com a CITLA e não com José
Rupp, titulando não só a Gleba Missões, mas, também parte da
Gleba Chopim (LAZIER, 1980, p. 10).

Para Ruy Wachowicz, o fato de a Pinho e Terras – vinculada


a UDN e aliada ao PTB no Paraná – ter adquirido 11.500 alqueires
na gleba Missões da Superintendência (transação de terra que na
verdade a própria SEIPN não poderia ter efetuado, pois tratava-se
de área sub-judice, na análise de Wachowicz), fez com que a Citla
não ficasse com as cinco glebas inicialmente pretendidas (Missões,
Chopim, Chopinzinho, Silva Jardim e Andrada)82. A avaliação que Iria
Gomes fez sobre o jogo de interesses que houve nesse giro repentino
de 180º, de ilegal para o legal, acrescentou mais informações para o
entendimento da negociata.

A escritura de dação em pagamento, assinada em 17 de


novembro de 1950, abrangeu uma área de 198.000 alqueires,
incluindo faixa de fronteira com Argentina, a Colônia Agrícola
Nacional General Osório – CANGO, diversas propriedades
particulares, inclusive uma área de 27.775 hectares, vendida
pela Superintendência à firma Pinho e Terras, Ltda., em 22 de
maio de 1950, as posses de agricultores acolhidos pela CANGO,
em número aproximado de 3.000 famílias e as sedes distritais e
dos municípios de Francisco Beltrão, Santo Antonio e Capanema
(GOMES, 1986, p. 35).

82. João Bosco Feres, assim resumiu o milagre: “A essa altura, o grupo Pinho e Terras (concessionário da Braviaco), tam-
bém resolveu entrar na negociata e passou a pleitear na Justiça uma indenização pelo negócio fechado com a SEIPU.
Pressionado pelo peso político do PSD (CITLA), e pela necessidade de não descontentar a oposição (Pinho/Braviaco),
o superintendente da SEIPU aceitou as propostas das duas companhias imobiliárias. De repente, como que num passe
de mágica, o que era ilegal, a 1º de junho, tornara-se legal, a 17 de novembro de 1950” (FERES, 1990, p. 505).

89
Não bastasse o milagre da negociata, Ruy Wachowicz tratou
de aproximar os vínculos construídos dentro e fora das agências do
Estado, e apontou o histórico de sucessão de empresas e empresários,
do uso de relações de parentescos e de cargos públicos na arquitetura
das ações ilegais e irregulares realizadas pelos novos sócios para dar
base jurídica à grilagem e possibilitar aos grileiros implementarem
seus projetos in loco.

A escritura de dação em pagamento foi assinada por Antônio


Vieira de Melo em nome da Superintendência e datada de
17 de novembro de 1950. Salienta-se que os elementos que
participaram das negociações desse estranho e ilegal acordo,
eram pessoas ligadas ao antigo gerente geral da São Paulo – Rio
Grande, Geraldo Rocha, ou seja: Geraldo Rocha Sobrinho era
assistente do então Superintendente Antônio Vieira de Melo
e filho do tabelião do 6.º Ofício de Notas, Francisco Rocha, em
cujo cartório foi registrada a escritura de dação em pagamento
(WACHOWICZ, 1985, p. 189).

Ao pesquisar os documentos da Superintendência –


dentre eles o relatório As terras da Superintendência das Empresas
Incorporadas no Paraná (1.º Folheto), de 1951, Iria Gomes tratou de
outro álibi, de máxima quixotesca, utilizado por Antonio Vieira de
Melo para justificar outra ação furtiva da camarilha, ou melhor, da
quadrilha que assaltava o Estado e a população do Sudoeste, na mais
plena luz do dia e agindo dentro do Estado (inclusive utilizando seus
holofotes), colocando no papel uma “dita errata” para transmutar-
se, por si só, em coisa certa, constitucional (?), no âmbito da lei e do
Estado (contrato e escritura), para dar lei à grilagem.

Ocorreu, ainda, mais um fato que vem confirmar a


irregularidade da transação. A própria minuta do contrato entre
Superintendência e CITLA foi alterada no momento do registro
em Cartório. Em ofício ao Ministro Presidente do Tribunal de
Contas, de 4 de janeiro de 1951, o próprio Antonio Vieira de
Melo, Superintendente que efetuou a transação, afirma que,
confiada a minuta da escritura a cartório, foi ela transcrita com
alterações que desvirtuaram o despacho mencionado (GOMES,
1986, p. 36. [O destaque corresponde ao documento da SEIPN])83.

83. Sobre esta artimanha realizada pela Citla, em seu pronunciamento durante a “Sessão Solene da Câmara dos Deputados
em homenagem aos 50 anos da ‘Revolta dos Colonos’”, realizada no dia 8/10/2007, o deputado federal Assis do Couto
(PT/PR) citou uma passagem do discurso que Carlos Lacerda (UDN) fez na Câmara Federal naquele período em meio
aos debates que havia na casa sobre o litígio: “A manobra feita pela CITLA inclui a adulteração de um parecer do
Consultor Geral da República, como se o mesmo fosse favorável a essa transação, o que na verdade era exatamente
o contrário, conforme denunciou o Deputado Carlos Lacerda. Em seu pronunciamento nesta Casa, disse o Deputado:
‘Não havia parecer favorável do Consultor Geral da República, mas precisamente o inverso. Era um parecer contrário,

90
O conluio dos sócios do/no negócio e da grilagem foi
evidenciado nos desdobramentos do registro da escritura de dação da
propriedade da gleba Missões e de parte da gleba Chopim, conforme
esclareceu Hermógenes Lazier. Tendo por fonte a manifestação que
o Tribunal de Contas (Oficio nº 730, de 14/04/1951) fez no processo
de registro encaminhado pelo superintendente Antônio Vieira de
Mello, Lazier citou:

Esse Tribunal tendo presente o processo encaminhado


pelo Ofício n.º 2 de 05 de Janeiro do ano em curso, da
Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio
Nacional, relativa a escritura pública de doação e pagamento
celebrada em 17.11.1950 entre a Superintendência citada e a
sociedade Clevelândia Industrial e Territorial Ltda (CITLA);
resolveu, em 09 de Janeiro do corrente ano, recusar registro
a escritura, preliminarmente, por que não houve prévia
autorização do Senado Federal como determina o parágrafo 2,
artigo 156 da Constituição Federal (apud LAZIER, 1980, p. 11).

Ao abordar o grilo da gleba Missões e de parte da gleba


Chopim que a Citla e o grupo Lupion realizaram, Ruy Wachowicz
tratou da ação que Ademar Vidal, 4.º Procurador da República,
moveu quatro dias depois da assinatura da escritura, para anular o
documento, tendo em vista as inconstitucionalidades. Wachowicz
resumiu as cinco referências da ilegalidade. Diante da consistência
das violações dos dispositivos constitucionais e da capacidade de
ação dos grileiros dentro e fora do Estado, é oportuno citá-las:

a – foi violado o artigo 156 da Constituição Federal que exigia


autorização do Senado Federal em toda transação imobiliária
acima de 10.000 hectares;
b – não foi cumprido o dec. Lei 7.549, de 6 de agosto de 1946 que
exigia que toda alienação, por parte da União, de terras que
pertenceram a São Paulo-Rio Grande nos Estados do Paraná
e Santa Catarina, só poderia ocorrer mediante concorrência
pública e por preços nunca inferiores à avaliação;
c – não foi ouvido o Tribunal de Contas da União, como manda o
dec. Lei 426 de 12 de maio de 1948;
d – não foi autorizada a transação pelo Conselho de Segurança
Nacional, de acordo com o art. 180 da Constituição Federal,
visto que parte das terras em questão se encontravam na faixa
de fronteira, com o agravante de haver a transação atingido a
CANGO, há muitos anos instalada na região;
e – Havia dúvidas antes e depois da transação com a CITLA,
sobre quem era o verdadeiro proprietário da gleba Missões: o

e a CITLA adulterava o sentido do mesmo, passando essa adulteração a integrar a escritura em seu favor lavrada pela
Superintendência do Patrimônio Nacional’” (COUTO, 2007b, p. 11-12).

91
Estado do Paraná e a União estavam na justiça. Estava portanto
a questão sub judice, não podendo a mesma ser alienada pela
União (WACHOWICZ, 1985, p. 190).

Tratando-se da polêmica que esta grilagem gerou na época


da revolta de 1957, no discurso que Othon Mäder fez na tribuna do
Senado, no dia 9 de dezembro de 1957, o senador recorreu aos dados
que o próprio grupo Lupion/Citla havia produzido sobre a avaliação
das terras que tinha negociado como pagamento dos ex-direitos de
José Rupp que a Citla passou a ser sucessora, em 26/7/1950.

Segundo uma estimativa feita pelo ‘Grupo Lupion’, nas terras


de que se apossou fraudulentamente, e que têm a área de cento
e noventa e oito mil (198.000) alqueires – cêrca de quatro vezes
o Distrito Federal – a quantidade de pinheiros alí existentes é
de dez milhões (10.000.000). Na mencionada base de preço, as
terras valem Cr$ 1.584.000.000 e os pinhais Cr$ 2.000.000.000.
Portanto o valor daquele patrimônio é de Cr$ 3.584.000.000 (três
bilhões quinhentos e oitenta e quatro milhões de cruzeiros).
Esse patrimônio, que é constituído das glebas ‘Missões’ e
‘Chopim’, foi transferido da União para a Citla, por escritura
fraudulenta e já anulada, pela ínfima quantia de Cr$ 8.600.000
(oito milhões e seiscentos mil cruzeiros). O preço, pago pela Citla
(Grupo Lupion) foi de 0,2% do valor das glebas. A lesão sofrida
pela União em seu patrimônio foi enorme. Tão grande foi, que
já não é uma lesão, mas um roubo.
Diante dessas cifras alucinantes, o Grupo Lupion tudo fez
e tudo fará para não perder essa negociata, recorrendo se
preciso, aos mais bárbaros processos de banditismo, como vem
fazendo. Nunca houve no Brasil negociata com bens públicos
tão vultosa, como esta com as terras de ‘Missões’ e ‘Chopim’
(MÄDER, 1958, p. 32, grifo nosso).

A necessidade de titulação das glebas Missões e parte da


Chopim continuou sendo uma questão vital para o grupo Citla/
Lupion e foco das disputas com as agências da União (Tribunal
de Contas, Procuradoria da República e Cartórios de Registro de
Imóveis). Hermógenes mapeou as várias ações do Tribunal de
Contas, acima indicadas, e da Procuradoria da República. No fervor
da grilagem documentada para tramitar nas agências e instâncias
reguladoras da União e do Paraná, Lazier indicou outra ação do
procurador Ademar Vidal.

Imediatamente após ter conhecimento da ilícita escritura


de doação, o Dr. 4º Procurador da República, devidamente
autorizado pela Procuradoria Geral, solicitou de seu colega, o

92
Procurador do Estado do Paraná tomasse todas as providencias
Judiciais e administrativas no sentido de impedir a transcrição
daquela escritura no Registro Geral de Imóvel. A seguir a União
promoveu protesto Judicial e fez publicar editais nos jornais de
circulação no Sul do País advertindo terceiros de boa fé contra
qualquer ato de alienação ou oneração dos bens dados em
pagamentos, atos que não reconhecia por bons e legais (LAZIER,
1980, p. 11).

Ruy Wachowicz tratou de aprofundar os meandros deste


jogo de poder, deixando claro os vínculos que havia entre a Citla e o
governador Moysés, ou melhor, entre o Grupo Citla e o Grupo Lupion.
Os interesses de ambos em tomar partido e agir de forma articulada,
dentro e fora do Estado e das agências, seja através das pessoas
(cidadão e pessoa física), dos agentes (autoridades de governo,
dirigentes políticos, funcionários públicos e de pessoa jurídica
privada) e das agências (do Estado, partidos políticos e da sociedade
civil organizada), por vezes fundidas num indivíduo, a exemplo de
Moysés Wille Lupion de Tróia (empresário e governador).

A pedido do INIC84, o Conselho de Segurança Nacional avisou


por ofício a todos os cartórios do Paraná e Santa Catarina para
que não lavrassem a escritura da CITLA, na região da fronteira,
sem assentimento por escrito do referido Conselho. O cartório
de Clevelândia negou-se a registrar na região a referida
escritura. [...] não teve dinheiro que o comprasse.85
Foi então novamente acionado o governo do Estado. Os
deputados do PSD na Assembleia Legislativa eram subservientes
in extremis ao governador Lupion. Um projeto de lei enviado
pelo executivo, desmembrando o cartório, foi imediatamente
aprovado embora não houvesse necessidade funcional para
tanto. Foi então instalado um cartório em Santo Antônio do
Sudoeste e a escritura transcrita incontinente. Mais uma
arbitrariedade era cometida no lusco fusco do governo Lupion.
Registrada a escritura na região, imediatamente foram
instalados escritórios da CITLA em Francisco Beltrão e Santo
Antônio do Sudoeste (WACHOWICZ, 1985, p. 190-191)86.

84. Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), agência vinculada ao Ministério da Agricultura, criada em 1955,
que assumiu a administração da CANGO.
85. O destaque em itálico refere-se à citação de passagem da entrevista que Antonio Anibelli concedeu a Ruy Wachowicz
em Curitiba, na data de 11/03/1979. À época da atuação da Citla no Sudoeste, Antonio Anibelli era Deputado Estadual
pelo PTB/PR, eleito em 1952. Antes disso, exerceu o cargo de Promotor Público em Clevelândia e foi eleito prefeito
municipal em 1944. Chegou a ocupar o cargo de governador interino do Paraná para conclusão do mandato, após
Bento Munhoz da Rocha (governador eleito em 1950 que exerceu o cargo de 31/01/1951 a 3/04/1955) ter assumido o
Ministério da Agricultura. Confira em Ruy Wachowicz (1985, p. 217-219), outra citação da entrevista de Anibelli onde
relata aspecto do seu exercício interino no cargo de governador do Paraná.
86. Ao tratar destes meandros, Iria Gomes transcreveu em nota de rodapé, uma matéria publicada no Jornal do Commércio,
RJ, de 15/10/1952: “Na época da transação, dentro do tempo exigido, a CITLA havia registrado nas Comarcas de
Palmas e Clevelândia a escritura, o que lhe conferia os efeitos de domínio e posse. Segundo o Memorial da Clevelândia
Industrial e Territorial Ltda. (CITLA), feito pelos advogados Justo de Moraes e Antonio C. Paranhos, com vistas ao
Presidente Getúlio Vargas e ao Promotor Geral e Sub-Procurador da República, em 14/10/1952, depois de homologado
judicialmente o acordo entre a Superintendência e a CITLA, a escritura foi ‘transcrita nos Cartórios de Registro de

93
Nos discursos realizados na tribuna do Senado, nos dias
6 e 9 de dezembro de 1957, Othon Mäder denunciava que Moysés
Lupion era sócio da CITLA e utilizava o governo do Estado do Paraná
para garantir a regularização da grilagem – o exemplo da criação do
Cartório de Registro de Imóveis em Santo Antônio do Sudoeste é mais
que suficiente para comprovar os mandos e desmandos em favor
das empresas imobiliárias –, acobertar as práticas de expropriações
e violências utilizadas contra os colonos e posseiros no Sudoeste do
Paraná, nas áreas da gleba Missões e de parte da gleba Chopim.
Hermógenes Lazier, também se referiu à atuação do
Moysés Lupion, como partícipe dos negócios da Citla: “Consta que o
Governador do Paraná, Moisés Lupion, era um dos sócios da CITLA. O
partido político que governava o Paraná era o mesmo que governava
o Brasil, o PSD. O escândalo do acordo foi cognominado de ‘A maior
bandalheira da República’” (LAZIER, 1998, p. 49)87.
Para uma avaliação da intensificação dos conflitos gerados
a partir de 1950, com os litígios e grilagens havidas no Sudoeste,
envolvendo a Citla e o governo Lupion, tendo por foco as terras das
glebas Missões e Chopim, convém citar os Esclarecimentos prestados
por Lupion, ao Jornal Diário da Tarde, publicado na edição do dia
04/10/1957, que Rubens da Silva Martins (1986) incluiu no livro Entre
Jagunços e Posseiros, para defender o posicionamento de Moysés
Lupion e do PSD nas lutas reais havidas no passado, nas disputas
Imóveis de Clevelândia, Estado do Paraná (1.º e 2.º) Ofícios, respectivamente, em 27 de novembro e 7 de dezembro de
1950” (apud GOMES, 1986, p. 37).
87. Aramis Lillarch (1990) fez uma breve apresentação da participação de Moysés Lupion na história política do Paraná,
incluindo alguns dados sobre seu patrimônio pessoal: “Um dos homens mais ricos ao ser eleito governador em
19 de janeiro de 1947, perdeu quase todo o seu patrimônio – que incluía 45 empresas atuando em vários setores”
(LILLARCH, 1990, p. 1).
O Grupo Lupion era formado por mais de 50 empresas de diversos ramos. Em sua defesa ao amigo e partidário
de governo Moysés Lupion, Raul Vaz relacionou as propriedades do império Lupion até 1945, com base no
“Laudo de Avaliação de M. Lupion & Cia, organizado para o Banco do Brasil por Benjamin Mourão-Engenheiro
Civil”, vinculado ao pedido de empréstimo que Lupion havia solicitado ao Banco do Brasil. A empresa tinha Cr$
25.000.000,00 em capital e os acionistas eram: Moysés Lupion (Cr$ 17 milhões), Pedro Lupion (Cr$ 4,5 milhões),
Hermínia Rolim Lupion (Cr$ 1,5 milhões), David Lupion (Cr$ 1 milhão) e Joaquim Pereira (Cr$ 1 milhão). Raul
Vaz (1986, p. 71-80), também relacionou o patrimônio da firma M. Lupion & Cia, retirados do relatório de Mourão,
contendo uma lista de 51 bens.
Ao introduzir o item Uma fortuna fantástica, Raul Vaz expôs que: “Moysés Lupion chegou ao Governo do Estado do
Paraná muito rico – e saiu dele sem nada. Todos os bens conseguidos por Lupion foram através de atos lícitos e em
nada tendo com a administração pública – foram negócios normais, honrados e indiscutíveis. Toda a fortuna se assentou
na seriedade, e o exercício político trouxe além dos dissabores para a família, como a calúnia e a difamação, a pior
conseqüência: a formação de um grupo de opositores que agiram sem qualquer escrúpulo a fim de liquidar o político,
eliminar o industrial e varrer do Paraná, para sempre, o sobrenome Lupion” (VAZ, 1986, p. 68).
Quando Ruy Wachowicz analisou a atuação do governo Lupion, que enviou o Chefe de Polícia do Paraná, Alfredo
Pinheiro Júnior ao Sudoeste, incluiu o meio de transporte utilizado para este serviço do Estado: “O Chefe de Polícia,
Pinheiro Júnior, avisou que estava chegando de avião, procedente de Pato Branco. Desceu num táxi aéreo da companhia
BOA, de propriedade do grupo Lupion. Os executivos estaduais só viajavam em avião dessa companhia, de propriedade
do governador” (WACHOWICZ, 1985, p. 266).

94
pelas memórias e na escrita da história em voga na década de 1980,
marcada pela passagem dos 30 Anos da Revolta de 1957.
Rubens Martins não somente entrou no debate sobre o
passado, a Revolta de 1957, com o Entre jagunços e posseiros, mas
também rememorou a polêmica que houve entre o PSD/Governo
Lupion/Moysés Lupion/Cândido Júnior/Rubens da Silva Martins/
Citla/Mário José Fontana/Júlio Assis Cavalheiro/Comercial/
Apucarana contra a CANGO/UDN/Othon Mäder/PTB/Antonio
Anibelli/Walter Alberto Pécoits. Por sua vez, na réplica que Moysés
Lupion enviou ao Redator do Diário da Tarde, fez questão de citar
os negócios antigos que Othon Mäder teve com Mário José Fontana,
relacionados à criação da Citla.

– ‘Não sou participe da Sociedade Clevelândia Industrial e


Territorial Limitada (CITLA).’
– ‘O Governo do Estado não tem outro procedimento a seguir,
senão respeitar e acatar as decisões judiciais já tomadas...’
‘Senhor Redator:
Tendo esse jornal em data de hoje (dia 2) publicado extensa
reportagem, além do editorial, a propósito dos acontecimentos
que se desenrolaram recentemente no sudoeste do Paraná, em
os quais se articulam acusações à minha pessoa e se dá aos fatos
versão menos verdadeira, venho, a bem da verdade, prestar a
essa ilustrada redação os seguintes esclarecimentos:
1 – Não sou participe da Sociedade “Clevelândia Industrial e
Territorial, Limitada – (CITLA) conforme provam as certidões
anexas já publicadas no “Diário do Congresso Nacional” de 28
de setembro último, por onde se constata a existência de 146
cotistas, quase todos elementos colonizadores procedentes dos
Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e a maioria
ali residentes, entre os quais não figura o meu nome nem e de
qualquer dos meus familiares. As referidas certidões, fornecidas
pela Junta Comercial do Estado do Paraná, corroboram e provam
as afirmativas feitas por mim, anteriormente, ao Senado
da República, sobre o assunto em tela. Tampouco influi, por
qualquer forma, seja direta ou indiretamente na organização
da mencionada firma que, segundo o conteúdo das mesmas
certidões (cláusula quarta), se constituiu, em 1947, com o fim
de “exploração industrial, comercial e a exportação das reservas
naturais contidas na Fazenda São Francisco de Sales ou outras a
serem adquiridas, e a sua colonização’.
Nasceu, portanto, com os direitos sobre a Fazenda em
apreço, que lhe foram transferidos pelos srs. Othon Mader e
representantes do espólio Francisco Beltrão (apud MARTINS,
1986, p. 389-390, grifo do autor)88.

88. Éverly Pegoraro (2008) comentou esta polêmica que Moysés Lupion e o PSD tiveram contra o senador Othon Mäder.
Ao vincularem Mäder com a Citla, na negociação da Fazenda São Francisco de Sales, aproximavam a Citla de Othon
Mäder, enfraquecendo a crítica que o senador fazia da Citla e do grupo Lupion. Conforme expôs Éverly, Mäder tornou
público que o negócio que havia realizado tratava-se somente de um espólio que possuía da Fazenda São Francisco.

95
Com a entrada da Citla nos negócios da gleba Missões e
Chopim, os vínculos que a empresa tinha com o governo Lupion
já haviam sido motivo de preocupação da Cango e dos colonos e
posseiros, como indicou Iria Gomes:

Era o final do primeiro Governo Lupion. E embora a CITLA


ainda não houvesse instalado seus escritórios na região, sua
presença já se fazia sentir. Mas não apenas isso. Sua ligação
com o Governo do Estado já era evidente, bem como o clima de
insegurança que trazia para a região.
Por outro lado, a reivindicação da presença do Exército já
aparece de forma bastante explícita, bem como já se faz
presente o embrião da luta partidária que se desenvolverá
posteriormente (GOMES, 1986, p. 41).

No ano de 1951, a Citla instalou seus escritórios em Francisco


Beltrão (sede) e em Santo Antônio do Sudoeste, e Mario Fontana
iniciou os novos negócios da empresa industrial e territorial. Ao
começar a abordagem sobre a atuação da Citla no Sudoeste, Iria
Gomes descreveu um cenário de que os dirigentes da Citla e o Grupo
Lupion, certamente, tinham conhecimento que o litígio permanecia
sub-judice e havia migrantes e posseiros habitando a região, seja os
cadastrados pela Cango no entorno da Vila Marrecas quanto os que
abriam posse nas proximidades da fronteira (Barracão, Capanema e
Santo Antônio do Sudoeste), não registrados pela Cango.
Um dos riscos que uma análise retrospectiva do passado
pode passar despercebido ao pesquisador é o de dar uma lógica a
priori à ontologia da história, pelo simples fato de o pesquisador ter
conhecimento, no presente, sobre o passado.
O professor Sittilo Voltolini, entre resgates e a motivação
do conhecer para amar, seguiu uma lógica memorialista sobre o pio-
neirismo e as lutas no passado, deduzindo, abstratamente, um ou-
tro passado, sem a revolta de 1957, idealizando como seria a história
justa se a lei no papel fosse respeitada ou, se no imperativo do cre-
do (jura de sacramento), as imagens no espelho fossem as próprias
obras. Para tanto, Sittilo ateve-se, simplesmente ao documento (fon-
te) no papel como se ele fosse o chão da história e do saber social, que
a escrita dependesse somente da dedução do escritor.

96
Todos os funestos acontecimentos de 57 não foram argumento
suficiente para levá-la a concretizar compromisso assumido
publicamente e que constava da escritura de dação da Gleba
Missões e parte da Chopim, à Clevelândia Industrial e Territorial
Ltda. em 17 de novembro de 1950. A respeito do posseiro sediado
na área, o documento dizia o seguinte dos deveres da CITLA,
na qualidade de recebedora:... que a outorgada recebedora fica
obrigada a cumprir fielmente as seguintes cláusulas: a)... b)
conservar os posseiros existentes dentro das referidas glebas nos
lugares onde habitam, fixando-os de modo justo e razoável, numa
área de dez alqueires no máximo, para cada família, observando-
se os dispostos na Constituição Federal vigente – (art. 156 § 3º).
Com base nisso, pode-se muito bem deduzir que a CITLA, que,
com essa escritura nas mãos, deitou e rolou na Missões e parte
da Chopim, jamais revelou a cláusula acima citada a quem
quer que fosse da ala dos posseiros, sonegando-lhes um direito
que o senhor Mário José Fontana tinha sacramentado com sua
própria assinatura (VOLTOLINI, 2003, p. 303-304).

O senador Othon Mäder (UDN), em seu discurso no Senado,


realizado no dia 17/05/1957, ao debater com o senador Gaspar Velloso
(PSD), havia denunciado a burla que a Citla realizava em relação ao
tratamento que deveria dar aos posseiros.

Se não puderem tirar a CITLA das terras que ocupa


indevidamente, que a obriguem, pelo menos, a respeitar uma
das cláusulas da escritura fraudulenta que obteve das Emprêsas
Incorporadas, na qual se estipula que os colonos deverão
ser respeitados e localizados. Nem essa cláusula está sendo
cumprida (MÄDER, 1957, p. 394).

Realmente, com a história não se brinca! A partir de


1951 a Citla cravou seu negócio no Sudoeste do Paraná, visando a
especulação imobiliária, a extração vegetal e a exploração industrial
(projeto celulose), numa área grilada que correspondia a 4 vezes o
território do Distrito Federal da época. Antes de tratar dos conflitos
que a Citla introduziu no Sudoeste e dos álibis utilizados para
demonstrar a legalidade da escrituração da Gleba Missões que forjou,
convém tratar das origens da Vila do Rio Marrecas e da Colônia
Agrícola Nacional General Osório, a Cango.

97
CAPÍTULO III
O SUDOESTE E A REVOLTA DE 1957: disputas pela terra e pela
história
Hoje, para realizarmos uma pesquisa histórica e a leitura
de obras bibliográficas que tratam da Revolta de 1957 – além
do levantamento e interpretação de outras fontes e linguagens
(fotografias, fontes orais, comemorações, monumentos e eventos,
dentre outras) –, é preciso redobrar a atenção para separar,
figurativamente e metodologicamente, o trigo do joio; diferenciar
um do outro, compreendendo suas diferenças, divergências,
interações, contradições e oposições radicais (de e na raiz ontológica
em uma sociedade de classes).
Este caso de luta pela terra, vitorioso para os “de baixo”, já
foi transformado num monumento e numa tradição ao e do povo do
Sudoeste paranaense. Os vários eventos de comemoração, os projetos
de “resgate do passado”89 – organizados e financiados por agentes
e agências locais (governos, memorialistas, pioneiros, entidades de
classe, empresários, clubes de serviços, sindicatos e organizações
sociais [a exemplo da Assesoar]) –, além de reforçarem, na opinião
pública e em lugares públicos no meio urbano das cidades e rural
dos municípios (lugares públicos de memórias; nomes de ruas,
avenidas, praças, prédios e obras [Centro Cultural, Hospital, etc.]),
uma visão heroica do pioneirismo, do trabalho, do progresso, da fé
e do desenvolvimento da região, passam a ser lugar comum, e, por
vezes, referências que dispensam a crítica dos pesquisadores menos
avisados ou os que aceitam esse censo comum, pois têm a chancela
das autoridades e dos autorizados para falar sobre ou rememorar o
passado. O reenquadramento e a molduração da imagem do “único
movimento camponês vitorioso”, dentre as lutas camponesas já
ocorridas na história do Brasil, assusta aprendizes e antecipa o
preconceito de revisionistas àqueles que se aventuram a criticar as
comemorações, sejam as vinculadas à ordem social ou mesmo às da
contestação popular, pois, no outro lado da moeda, seus agentes e
agências também projetam valores.
No dia 19 de agosto de 2007, foi realizada a 22ª Romaria da
Terra do Paraná, com o tema “Na luta da terra fazemos mudança,
conosco caminha o Deus da Aliança”, tendo por local Francisco

89. O termo resgate é problemático para uma abordagem histórica, seja pela associação que a palavra e o ato podem
significar de algo que corre risco (resgate de sobreviventes) ou que está sob o domínio do inimigo (sequestrado), bem
como da necessidade de profissionais de elite¸ altamente qualificados, treinados e munidos de recursos para esta ação.
Beltrão. A temática, a data e o local foram escolhidos para marcar o
cinquentenário da Revolta dos Colonos – 1957/2007 (GOMES, 2007).
Cindidos “dos de baixo”90, mesmo mantendo a
representação dos porta-vozes do passado, a cada reatualização do
mito fundador também há uma cristalização do caráter seletivo da
própria tradição inventada e dos novos personagens: – os colonos e
posseiros pioneiros e líderes da revolta de 1957 ainda vivos (com suas
memórias e lembranças vivas); e, – as atuais personalidades locais
(agentes e agências), os porta-vozes dos atos e encenações dos e nos
eventos comemorativos (novas linguagens e lugares de memórias,
analisados no item 3.5).
A massa documental já produzida por Hermógenes Lazier
(1980, 1998), Ricardo Abramovay (1981), Ruy Wachowicz (1985), Iria
Gomes (1986), Rubens da Silva Martins (1986), Othon Mäder (1958),
Ivo Pegoraro (2007), Ivo Thomazoni (2007), Nilvaldo Krüger (2003),
Vanderlei Dambros (1997), inclusive o conjunto das entrevistas com
personagens já produzidas e publicadas pelos autores em suas obras/
livros ou em edições comemorativas – Hermógenes Lazier e Nivaldo
Antonio Oliskovicz publicaram breve biografia e entrevistas com 17
pioneiros e os 8 prefeitos que Francisco Beltrão teve nos 25 Anos de
emancipação, das Bodas de Prata do município 1952-1977; o jornal
Folha do Sudoeste publicou um conjunto de entrevistas com líderes
e personagens da revolta para os 30 Anos 1957-1987; a Assesoar
produziu materiais para os 40 Anos 1957-1997; o Jornal de Beltrão
publicou um conjunto significativo de entrevistas de pioneiros
ainda vivos para os 50 Anos, o Cinquentenário, das Bodas de Ouro
–, ampliaram o conjunto de referências às pesquisas. Portanto, há
muito trigo e muito joio, mas é preciso passar pelo crivo da crítica
e da interpretação dos lugares sociais de onde os entrevistados e os
entrevistadores estão falando para fazer o pão de trigo.
Tendo acesso às entrevistas (em áudio ou impressas)
produzidas para exaltar o pioneirismo do homem sudoestino (en-
tre lutas, trabalho, progresso, bravura e fé) e a vitória da espin-
90. “Assistimos nas últimas décadas a constituição de políticas de memória voltadas à exaltação e glorificação da Revolta
dos Posseiros de 1957 na região Sudoeste do Paraná, percebemos ainda que tais políticas se intensificaram a partir de
2007, após as comemorações do seu cinquentenário. Desta forma, vem ocorrendo diversas manifestações por parte do
poder político e econômico regional intitulando o ‘pioneiro’ como símbolo do ‘labor, progresso, desenvolvimento e
trabalho’. Entretanto, o que chama atenção é a utilização da Revolta dos Posseiros para a promoção destes signos e de
um imaginário social, pioneirista não reivindicada pelos que são homenageados (posseiros) e sim construídos em torno
deles” (ZATTA e RIPPEL, 2013, p. 44).

102
garda contra a metralhadora, ou o acesso a objetos e edificações
projetadas para registrar comemorações, não basta demonstrar
habilidades e capacidade de articulação no uso dessas referências
para produzir uma repetição. Na oficina da escrita o ofício de his-
toriador requer a práxis (saber & fazer) e a reflexão crítica sobre
as mediações que há entre a memória e a história (Mnemonize e
Clio); o documento e monumento, como tratou Le Goff (2003); o
silêncio e esquecimento, conforme Pollak (1989); a simulação e a
necessidade de superação do trauma, como abordou Hector Bruit
(1995); a memória coletiva e individual problematizada por Pollak
(1992); a força do discurso/narrativa e lutas sociais para romper
a superficialidade da lógica, com aprofundou Héctor Bruit (1995)
e Pierre Bourdieu (2009); e, a historiografia e o saber social, como
insistiu Jean-Jacques Chesneaux (1995)91.
Ao reunir revolta e comemorações, pioneirismo e memó-
rias/lembranças da visão sobre o passado, há um período que en-
globa mais de 50 anos do processo de formação histórico-social (da
ontologia da história e dos sujeitos) da/na região Sudoeste. Trata-se,
portanto, de uma temporalidade que envolveu mais de uma gera-
ção. Entre a velha e a nova geração, há uma distinção profunda, pois,
para uns, representou vida e lutas, e para outros, relatos e histórias
contadas e narradas sobre o passado.
Por vezes, esses mesmos cinquenta anos foram trajetórias de
vida e anos experienciados pelas mesmas pessoas/protagonistas da
revolta, portadores da (re)memória viva no tempo presente. Por outras
vezes, relatos de lembranças descritos e publicados por pesquisadores,
historiadores, estudiosos e autodidatas que construíram em versão
mais ou menos consistentes sobre o que representou o movimento
camponês (quais foram seus fatores ou fatos mais relevantes; qual o
caráter e o debate historiográfico sobre a participação dos camponeses
na política, nos movimentos revolucionários e nas lutas por reforma
agrária), a exemplo de Ricardo Abramovay (1981), Iria Zanoni Gomes
(1886) e Lindomar Wessler Boneti (1995). Ambos os conjuntos
apresentam elementos seletivos, pois escolhem quem entrevistar ou
o que abordar sobre o conflito agrário. Neste caso, como a história já
91. Para Jean-Jacques Chesneaux (1995) a análise da historiografia consiste na abordagem da relação entre autoria, saber
histórico e a posição diante das relações concretas no tempo e no lugar social dos autores/atores/sujeitos: “Resgatar de
cada etapa do passado a relação específica entre o saber histórico e o modo de produção dominante, tal deveria ser a
verdadeira função da historiografia (ou da história da história)” (CHESNEAUX, 1995, p. 36).

103
foi o passado e os desdobramentos posteriores à vitória, também são
e estão visíveis aos protagonistas e escritores; praticamente só se fala
e se escreve sobre quem venceu o enfrentamento, no caso a revolta de
1957, e o sucesso alcançado por uns (a gloria aos líderes) e por outros
(a paz na propriedade).
Neste caso, mesmo tratando-se de uma história dos
vencedores de baixo, sobre os rivais e opressores dos posseiros,
aos vencidos, só restaram os frutos da expulsão daquelas terras: o
esquecimento e a pecha de quem fez uso da violência privada e
institucional, espalhando o medo e o terror com atos de barbárie. Os
traumas das violências e da opressão, já cicatrizados, são filtrados
com o efeito dos anos vividos no pós-fato, ou, por subjetividade e
consciência. No cotidiano, foi preciso fazer com que muitos traumas
fossem esquecidos ou neutralizados psicologicamente para que os
agredidos pudessem reviver, reerguer-se e manter-se a si e aos seus.
Moysés Lupion, Citla, Apucarana e Comercial permanecem
como opressores, porém despersonalizados, pois poucos ficaram
para Cristo, fundamentalmente os jagunços. Com exceção de
Rubens da Silva Martins (1986) e de Raul Paz (1986), mesmo Júlio
Assis Cavalheiro e Mário José Fontana relataram, em suas memórias
(fontes orais), as diferenças que tiveram com relação ao grupo
Lupion e às outras companhias (Comercial e Apucarana). Resta
indagar se o grupo PSD/Citla/Lupion, além dos jagunços e da
cobertura dos agentes e das agências da lei, nos governos locais e
estadual, dependia exclusivamente dos meios dessas milícias ou, se
também não tinham base social local de sustentação e convivência
(amigos, simpatizantes, parentes, vizinhos, compadres, partidários,
correligionários, sócios, favorecidos, etc.)92.
Nos eventos de comemorações, o passado-presente ou
presente-passado ficam de mãos dadas para fundamentar as festas,
para exaltar o pioneirismo e dar lugar aos novos herdeiros da tradição.
As diferenças temporais praticamente não têm lugar na história e são
relegadas ao esquecimento ou mesmo ao silenciamento determinado
pelos vencedores de baixo e conveniente aos vencidos locais.
Com relação àqueles que foram elevados ao status de líderes
da revolta popular, chama a atenção que, além de subverterem a
92. Aos colaboracionistas e simpatizantes locais dos promotores daquela grilagem também permaneceu a desconfiança, o
recolhimento e silenciamento, porém não o esquecimento destas marcas.

104
ordem e a lei, durante o levante armado (tomada das cidades e dos
lugares da opressão), foram nomeados pelo mesmo governo Lupion
(até a última hora, o baluarte da prepotência das companhias
imobiliárias) a chefes da nova ordem e juízes temporários da lei.
Posteriormente à arefação dos ânimos e o retorno da multidão às
suas moradias e terras de trabalho, esses líderes galgaram espaços
dentro do próprio Estado (vereadores, prefeitos, deputados estaduais,
deputados federais, secretários de estado, diretores de agências e,
inclusive, presidência da Assembleia Legislativa do Paraná).
Diante da força desse novo movimento, ainda haveria
sentido a pesquisa histórica e a história da historiografia? Certamente
que sim, pois as comemorações também têm seu lugar social e
temporal. Cabe contextualizar as generalizações, os anacronismos
do pioneirismo e as benesses da pacificação que a revolta de 1957
trouxe para o trabalho (ordem) e o progresso no Sudoeste.
Numa visão retrospectiva podemos aproximar, abstrata-
mente, contextos sócio-temporais (Vila Marrecas/Cango, cidade de
Francisco Beltrão/companhias imobiliárias, revolta, Getsop, come-
morações e eventos/monumentos de registro de calendário), porém
correndo o risco de uniformizar e generalizar as coisas específicas
ou mesmo isoladas das temporalidades. Noutra perspectiva, em se
tratando das dimensões mais simples do/no cotidiano da vida das
pessoas em um pequeno povoado, localizado numa região de fron-
teiras (nacional e internacional), para outros contextos onde houve
transformações gerais – que ampliam a complexidade territorial,
econômica, social, demográfica, fundiária, legal e cultural, dos mo-
dos de vida, da organização e divisão social do trabalho e das classes
sociais em uma sociedade integrada ao estado nacional –, não ca-
bem generalizações ou abstrações. Por ser processo, a história não
é nem está pré-determinada. As reflexões teóricas e sobre as teorias
(conceitos e categorias) fundamentam a interpretação do passado e
exercitam a escrita sobre a história.
Para tratar sobre o passado, a formação histórico-social
da região do Sudoeste paranaense, de olho nos anacronismos, no
pioneirismo e nas referências para a invenção de uma identidade
à região do Sudoeste novo, é primordial manter a interação entre
saber & fazer na pesquisa e na escrita, principalmente para historiar

105
a dimensão cotidiana das pessoas que viveram na Vila Marrecas ou
foram os primeiros moradores locais, por antiguidade e não por
pioneirismo, daquilo que veio a ser um novo processo de (re)ocupação
desse espaço nessa fronteira.

3.1 – A Vila Marrecas


Além das disputas e litígios territoriais da Questão de
Palmas e do Contestado, as sociedades indígenas, os caboclos, os
obrageros argentinos (interessados nos ervais e na madeira) e
foragidos da lei (gaúchos, catarinenses e argentinos) que ocupavam
o atual território do Sudoeste durante o período entre o final do
século XIX até meados da década de 1940, passaram a ter contato
com parcos migrantes vindos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul
ou de Palmas e Clevelândia. Outros núcleos de povoamento eram
as colônias militares criadas no final do Império (Chopim, criada
no ano de 1882) e durante a República Velha (do Bom Retiro, criada
em 1918), e das estradas estratégicas projetadas até Barracão (no
Sudoeste na fronteira com a Argentina) e Foz do Iguaçu (no Oeste do
Paraná e na Tríplice Fronteira), cuja colônia militar havia sido criada
no ano de 1889 (MYSKIW, 2009, p. 137 ss). Sobre o Sudoeste, também
é bom indicar que, durante o período de 1923 a 1925, parte da Coluna
Prestes permaneceu em Francisco Beltrão.
Na obra Francisco Beltrão: 25 anos de lutas, de trabalho e de
progresso, Hermógenes e Nivaldo Antonio Oliskovicz trataram sobre
a formação do novo movimento de ocupação ocorrido na região
e no núcleo da Vila Marrecas. A segunda parte do texto, que trata
dos pioneiros, os autores iniciaram com uma breve biografia do
Dr. Francisco Gutierrez Beltrão, extraída do livro de Maria Nicolas
(1954), Cem Anos de Vida Parlamentar, em homenagem àquele que
atuou no Paraná e no Contestado, estabelecendo limites territoriais
e os traçados de estradas estratégicas de integração.
Ao se referirem aos primeiros moradores do novo processo
de ocupação, iniciaram com os relatos da entrevista realizada com
Alcibíades Carneiro Lobo, conhecido pelo apelido de Abílio Carneiro,
filho de Hermínio Carneiro Lobo. Nivaldo Oliskovicz realizou as

106
entrevistas com os pioneiros, editando os materiais com uma rápida
apresentação do entrevistado e finalizando com a transcrição das
perguntas e respostas do roteiro de entrevista.
Oliskovicz, referindo-se ao contexto das novas migrações,
fez um comentário introdutório à entrevista com Abílio Carneiro,
descrevendo o processo da seguinte forma:

Em 1900, a civilização havia chegado à Clevelândia, cuja


extensão territorial do Município abrangia todo o Sudoeste, e à
Campo – Erê (SC) de onde colonos e amigos destes, provenientes
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, precisando de espaço e
melhores terras para trabalhar e sobreviver, além de fugitivos
da lei, obrigavam-se a penetrar na imensidão de terras férteis
e selvas densas de araucárias, que julgavam ser devolutas, na
esperança que um dia o Governo as legitimaria a seus reais
pioneiros e posseiros. E foi assim, que em 1914 a família do
Sr. Abílio Carneiro fez paiol, roça, casa e vieram morar em
Marmeleiro (In: LAZIER, 1980, p. 33).

Incluindo Abílio Carneiro como pioneiro no entorno de


Marmeleiro, Oliskovicz, ao tratar da migração da família para o
Sudoeste, descreveu que a abertura de novos roçados para a safra
de porco e a busca de caça fez com que Hermínio Carneiro se
estabelecesse, como posseiro, nas costas do Rio Marmeleiro, no ano
de 1914, com peões, que permaneceram anônimos e sem nomes na
entrevista (por não serem pioneiros nem primeiros moradores !?).
Eram somente alguns peões.

[N. A. Oliskovicz:] Quando sua família veio para o Sudoeste?


R. Em 1914, meu pai e alguns peões arranjaram bastante sal,
fósforo, armas de fogo, ferramentas e saíram à procura de terra
boa para plantar e entraram no meio daquele sertão. Vinham
abrindo picadas, limpando o trajeto, caçando, tirando mel, até
que encontraram um lugar que meu pai gostou. Eram as terras
na costa do Rio Marmeleiro onde é a cidade de Marmeleiro.
Levaram 15 a 20 dias. Ali construíram um paiol de tábua lascada
de pinho e fizeram uma roça de milho.
[N. A. Oliskovicz:] Quando vieram de mudança?
R. Quando o milho começou amadurecer, meu pai trouxe a
família. Meu pai vinha tocando várias teses (sic. - reses], porcos
e as mulas carregavam os cargueiros. Trouxeram galinhas e
cachorrada boa. Mas, a mudança veio aos poucos depois de
muitas viagens e sofrimentos, pois a gente levava 5 dias de
Campo-Erê a Marmeleiro porque as picadas eram muito ruins e
cheias de voltas. Quando chegamos, meu pai soltou os porcos na
roça para engordar (In: LAZIER, 1980, p. 33).

107
Com relação à localidade de Francisco Beltrão, durante a
entrevista Nivaldo Oliskovicz indagou Abílio (Alcibíades Carneiro
Lobo) com a seguinte pergunta:

[N. A. Oliskovicz]
Quem pisou 1º em Marrecas ou Francisco Beltrão?
R. Acho que foi a minha família, quando fazíamos caçadas.
Lembro que antes de 1922, descemos o Rio Marrecas de bote.
Caçando e fazendo conhecimento. Paramos na Barra do Faedo,
onde o riacho Lonqueador deságua e soltamos os cachorros.
Logo acuaram uma anta no barranco do riozinho e ouvimos os
esganicos de um dos cachorros que foi ferido pela anta numa
das paletas, lonqueando-o. Por isso batizamos o riacho de
Lonqueador, que ainda se chama assim (In: LAZIER, 1980, p. 33).

Nivaldo também incluiu as famílias de Amantino José


Duarte e de Sebastião Müller dentre os primeiros moradores. Nos
comentários e na apresentação de Amantino, Nivaldo destacou suas
memórias sobre as caçadas.

Foi aí, que um dos melhores caçadores de tigres, de antas e


tatetos do Sudoeste, que percorreu a região inteira desde o início
da década de 30, teceu as estórias mais saborosas que desvenda
os tempos mais primitivos do verdadeiro pioneirismo, o lado
rústico e grotesco da vida de quem se arriscava a enfrentar o
sertão, perdendo-se na selva que não tinha fim para nenhum
lado, passando fome, suportando o frio de geadas e a água de
tempestade, escorrendo pelo corpo, além de dormir com um olho
aberto e vinchesters engatinhada na mão, porque o tigre estava
rondando há dois dias, com muita fome (In: LAZIER, 1980, p. 35).

No ano de 1936, Amantino Duarte comprou a posse de João


Müller, de 8,5 alqueires por 250 mil réis, que vendeu o “direito de
posse” de sua área por recear a ameaça recebida de Esmelindro
Carneiro: “Mas, quando a roça começou a ficar loura (madura),
apareceu o Esmelindro Carneiro, que morava em Campo-Erê, irmão
mais velho de Abílio Carneiro, e pediu aos Müllers que desocupassem
as terras, porque elas pertenciam a uma companhia de terras”
(In: LAZIER, 1980, p. 35). Sobre sua mudança para as beiras do Rio
Marrecas e a “ameaça”, Duarte relembrou:

Eu vim logo de mudança, trouxe 5 peões e fizemos as mangueiras


[para a safra de porco]. Mas, logo naqueles dias, apontaram 3
cavaleiros, um montado em burro preto e dois peões em mula.
Chegaram e já quiseram saber porque ainda não tinha ido

108
embora. Então contei que era novo ali e tinha comprado a roça
para engordar porcos. Nisso, um dos peões já passou a mão
numa vinchesters e eles ficaram amigos. Apearam, comeram
bem e foram embora para nunca mais incomodar (In: LAZIER,
1980, p. 36).

Ao tratar da migração da família de Sebastião Müller,


Nivaldo também se referiu ao primeiro morador de Marrecas.

E foi assim que em 1942, quando o primeiro morador de


Marrecas, hoje a cidade de Francisco Beltrão, Sr. Sebastiao
Müller, veio fazer a primeira roça pelas imediações da rodoviária
nova, casa do Sr. Luiz Antonio Faedo e Cemitério Municipal,
mas não era o único na região. Há muitos anos moravam os
Carneiros em Marmeleiro, Amantino Duarte nos Trinta, Alípio
Fabrício no Rio do Mato, João Maria Pinto em Nova Concórdia,
José (Jeca) Lopes no Quatorze, além de mais de duas dezenas de
colonos que haviam se incrustrado nos pinhais do Sudoeste,
próximos da futura cidade, que em 14 de dezembro de 1952,
tornou-se cidade e sede administrativa de município. Sebastião
Müller, teve o mérito de ser o primeiro morador de Francisco
Beltrão, porque, por acaso, escolheu o lugar onde mais tarde,
exatamente ficou o centro da cidade (In: LAZIER, 1980, p. 37).

Tratando-se do pioneirismo oficializado, a “fundação” de


Francisco Beltrão é atribuída a duas personalidades: Luiz Antônio
Faedo e Júlio Assis Cavalheiro. A escolha destes dois pioneiros está
relacionada às iniciativas de implantação de loteamentos urbanos que
Faedo e Cavalheiro fizeram, cada um em um dos lados da estrada da
Cango, nas terras situadas no lado direito da margem do Rio Marrecas.
Ambos os pioneiros foram homenageados com a nominação das duas
principais avenidas da cidade de Francisco Beltrão93.
Nivaldo apresentou Luiz Faedo como “fundador de
Francisco Beltrão”, que loteou suas terras e fez várias doações para
a instalação de espaços públicos, como o da praça principal “Dr.
Eduardo Wirmond Suplicy”. Com relação à sua migração até a Vila
Marrecas, nos registros da entrevista, Oliskovicz descreveu sua
trajetória: “Faedo já era casado, quando veio para o Paraná, em 1943
e se fixou em Mariópolis por três anos. Em 1945, resolveu aventurar
melhores terras e veio a Marrecas, comprando todas as terras de
93. Cabe observar que a história do município reproduz o aspecto territorial e político-administrativo, mas, bem mais do
que o parcelamento da menor unidade federativa, a predominância do Estado em seus aspectos formais e institucionais
da ordem e do progresso, reforça a visão tradicional e forma a opinião pública do lugar comum à população. Este foco/
enfoque não possibilita uma abordagem da ossatura do Estado e da totalidade orgânica das desigualdades sociais,
tampouco uma visão sobre a interação e a articulação na disciplina social e de classes (POULANTZAS, 2000).

109
Sebastião Müller. Logo depois, veio Francisco Comunello que se fixou
do outro lado da estrada da Cango” (In: LAZIER, 1980, p. 39)94.
Considerando que essas entrevistas foram organizadas
e publicadas para a edição histórica dos 25 Anos de Francisco
Beltrão, no ano de 1977, a abordagem do pioneirismo fortaleceu
a seletividade das grandes personalidades do município. Nesse
sentido, esses pioneiros foram reconhecidos pela participação que
tiveram na fundação da Vila Marrecas, emancipada em 1952. As
duas personalidades principais foram aqueles que lotearam a área
urbana da Vila. O enfoque do pioneirismo de Nivaldo Oliskovicz
chega a situações de exagero, como a do caso da apresentação de
Júlio Assis Cavalheiro.

Todos os cidadãos beltronenses tem um dever cívico de conhecer


o fundador da cidade em que ora vivem. Júlio Assis Cavalheiro,
homem que irradia simpatia e contagia com sua bondade,
sempre teve um coração aberto e fez por merecer a gratidão de
todo um povo que lhe devota o maior respeito e admiração. [...]
Este homem que foi dono de quase toda a cidade de Francisco
Beltrão, onde hoje apenas possui uma casa de residência e seu
nome na Avenida principal, tendo por iniciativa própria em 1947
loteado esta cidade no meio do mato, doado quase a totalidade
de suas terras para que a cidade crescesse, favorecendo a um
amigo, a um conhecido do vizinho ou, ajudando àquele que
vinha com a intenção de instalar indústria, sua oficina ou casa
de comércio. Doou um campo inteiro de Futebol, o do Clube
União, lotes para construções públicas e hospitais e desfez-se
até dos únicos 10 lotes, que havia reservado, na Avenida que
leva seu nome. Não porque tivesse precisado de dinheiro, pois
sempre soube viver com sobriedade e bem, mas, porque sempre
acreditou que a boa ação e seu idealismo ecoariam mais alto (In:
LAZIER, 1980, p. 52-53).

Outra marca que Cavalheiro teve para a fundação da Vila


Marrecas, conforme o ponto de vista incorporado na Edição Histórica,
por Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz, foi a de ter empreitado
a construção da estrada que ligaria Pato Branco a Francisco Beltrão.

Em 1945, empleitei da CANGO a estrada de Pato Branco a Francisco


Beltrão, iniciando a obra 7 km antes de Pato Branco, que deixei con-
cluída até Buriti, perfazendo 17 km, em duas etapas, primeiro até
94. Ao responder a pergunta do entrevistador Nivaldo sobre a venda da posse, Sebastião Müller disse: “Minha mulher ficou
muito aborrecida quando perdeu um filho, porque era muito difícil qualquer recurso só havia os curandeiros com erva.
Então, resolvi vender o direito de posse para o compadre Luiz Antonio Faedo. Vendi o paiolão, as terras e uma porca
com 11 leitões por um conto e quinhentos, três anos depois e fomos morar perto do tio Demétrio Müller, depois do
Parque Miniguaçu onde comprei 150 lances de cerca de rachão. Ali ficamos até 1957, quando ficamos com medo das
Companhias de Terras e voltamos para o Canela” (In: LAZIER, 1980, p. 39).

110
o Rio Forquilha e depois até Buriti, perto do Rio Santana. Eu tinha
180 homens que trabalhavam na roçada, no destoque e na aber-
tura da estrada. A CANGO dava o rumo da estrada através de uma
boa picada e nós roçávamos 25 metros para cada flanco. Depois,
desmatávamos e tínhamos que arrancar os tocos numa largura
de 20 metros, por onde a estrada devia passar, no meio, com a
largura de 10 metros. Atrás vinha outra turma com picaretas e 10
tombeiras que tinha comprado para isso. As tombeiras eram um
tipo de gaiola, puxada por uma mula, que servia para transportar
a terra e pedras de um lugar para outro e que suspendia para des-
pejar o material (In: LAZIER, 1980, p. 53).

Essas origens da Vila Marrecas, apresentadas para os 25


anos de lutas, de trabalhos e de progresso, no capítulo dos Pioneiros,
estabeleceu uma lógica para a história do passado. Mesmo abordando
o conflito agrário que houve nos anos de 1950, e sendo uma das
primeiras publicações que situou os litígios e grilagens a partir de uma
pesquisa documental, o marco do município foi construído a partir
da ação dos grandes personagens: os pioneiros. Nas entrevistas, os
autores não aprofundaram as contradições e disputas que houve no
passado em torno da questão da terra, inclusive para não reavivá-las
nos eventos da comemoração dos 25 anos. As lutas estão registradas
na abordagem da história das terras do Sudoeste, inclusive enquanto
trabalho/ação dos posseiros e colonos, porém os frutos do progresso
superaram o tempo dos conflitos. A vitória na revolta de 1957, estava
sendo comemorada em 1977, somente quatro anos após o recente
encerramento dos trabalhos do Getsop e em época da ditadura.
A questão agrária do/no Sudoeste também teve relação com
os projetos de colonização e de integração do território ao estado
nacional, agora habitado por novos migrantes. Tanto as iniciativas
governamentais – que também correspondiam a interesses de
grupos/blocos dentro e fora do Estado, nas esferas do Paraná e da
União –, quanto de projeto de colonização dirigida de empresas
imobiliárias privadas, ou de migrações espontâneas de famílias
vindas de SC e do RS, muitas motivadas pelos laços de parentesco,
de vizinhança e de amizades que tinham em seus locais de origem.
Ao migrarem para o Sudoeste do Paraná em busca de
terra para morar e trabalhar, seja nos projetos governamentais
ou nas migrações espontâneas, esses vínculos aglutinavam os
colonos posseiros e davam base às relações e mediações sociais nas
comunidades e na sociedade local e regional.

111
3.2 – Ocupações na fronteira e litígios de terra
Além das colônias militares e das estradas estratégicas, o
programa varguista da “Marcha para o Oeste”, fomentado a partir
de 1938, com foco para as regiões das fronteiras internacionais e
com incentivos à reocupação com migrantes agricultores (frentes
agrícolas), teve, na criação da Colônia Agrícola Nacional General
Osório (Cango) e do Território Federal do Iguaçu, os dois casos mais
significativos para o Sudoeste paranaense. Ao abordar a ocupação do
Sudoeste do Paraná, Iria Gomes (1986) diferenciou duas formas ao
processo de migração e repovoamento, com demarcações temporais,
demográficas, socioculturais e dos agentes/agências proponentes:

a primeira, antes de 1940, de ocupação extensiva da terra, que


se caracteriza por uma economia cabocla, voltada basicamente
para a exploração da erva-mate, madeira e criação de suínos. A
segunda, de ocupação intensiva, se refere ao efetivo processo
de ocupação da região. Esse processo, iniciado na década de 40,
intensifica-se na década seguinte com os migrantes gaúchos e
catarinenses, descendentes de europeus, que haviam colonizado
as ‘regiões antigas’ do Rio Grande do Sul. Estabeleceram-se, na
região, de forma espontânea, pela ocupação pura e simples de
terras devolutas ou pela compra da posse do ‘caboclo’, e através
da colonização dirigida, principalmente a de iniciativa oficial,
no caso, através da Colônia Agrícola Nacional General Osório –
CANGO (GOMES, 1986, p. 15-16, grifos do autor).

Hermógenes Lazier também se referiu à iniciativa varguista


da Cango, como resposta governamental às reivindicações que ex-
-reservistas tinham encaminhado ao Governo Federal, solicitando
terras para se estabelecer e trabalhar. No Anexo II, do livro Análise
histórica da posse da terra no Sudoeste paranaense, Lazier reproduziu
o Ofício nº 477, de 16/06/1941, que o Gen. Francisco José Pinto, Secre-
tario Geral do Conselho de Segurança Nacional, enviou ao Ministro
da Agricultura, com o assunto “Núcleo Colonial em Foz do Iguaçu”:

I – Numerosos soldados, anteriormente agricultores, após


prestarem o serviço militar na 1ª Companhia Independente de
Fronteiras, em Foz do Iguaçu, invocam o art. 230 da Lei de Servi-
ço Militar e do inciso 1 do art. 6º do Decreto-lei nº 1968, para ob-
tenção de lotes para cultura. Seus pedidos, encaminhados a esse
Ministério, levaram a Divisão de Terras e Colonização a propor a
criação de um núcleo colonial naqueles arredores.

112
II – Estando essa região compreendida na faixa de 10 léguas da
fronteira, faixa essa que vem a ser reintegrada ao Patrimônio
da União, carecendo essa decisão presidencial apenas do ato
declaratório em vias de ser publicado, essa Secretaria Geral é
de parecer que esse Ministério está em condições de prever pla-
nos de colonização em terrenos que forem reivindicados pela
União, não só nos arredores de Foz do Iguaçu, como em terras
idênticas nas vizinhanças de centros de consumo de outros Es-
tados fronteiriços, para nelas localizar os reservistas e demais
famílias brasileiras que o desejam (In: LAZIER, 1998, 113-114).

No Anexo I, do referido livro, Lazier reproduziu o Relatório


para escolha de terras para localização de Reservistas do Exército
na faixa fronteiriça do Brasil com a República Argentina, elaborado
pelo Engenheiro Francisco Fernandes Leite e o agrônomo de
fomento agrícola, classe K, Sylvano Alves da Rocha, com data de
22/07/1942, em resposta ao Ministério da Agricultura, dos serviços
de levantamento in loco que a comissão responsável pelo estudo e
escolha do local de instalação da colônia aos ex-reservistas fez na
região95. A Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO) foi
criada por meio do Decreto nº 12.417, de 12/05/1943, do governo
Vargas, e deveria ser implantada na região fronteiriça do Sudoeste
paranaense com a Argentina.

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe


confere o artigo 74, letra A, da Constituição e na conformidade
do disposto do Decreto-Lei n.º 3059, de 14 de fevereiro de 1941,
Art. 109 fica criada a Colônia Agrícola Nacional General Osório,
no Estado do Paraná, na faixa de 60 km da fronteira na região
Barracão-Santo Antonio em terras a serem demarcadas pela
Divisão de Terras e Colonização do Departamento Nacional
de Produção Vegetal do Ministério da Agricultura. Parágrafo
Único: A área a ser demarcada não será inferior a 300 mil
hectares (In: LAZIER, 1980, p. 13; 1998, p. 34-35).

Para Ruy Wachowicz (1985), a criação da Cango e do


Território Federal do Iguaçu (Decreto-Lei nº 5.812, de 13/09/1943)
integravam a política do Estado Novo da marcha para o Oeste e os
95. Sobre os trabalhos da Comissão, Lazier comentou: “A referida comissão em seu relatório, após estudar ‘in loco’,
manifesta preferência pela região compreendida nos municípios de Clevelândia e Xapecó, respectivamente nos estados
do Paraná e Santa Catarina, na fronteira com a República Argentina, justificando as suas preferências: pela salubridade
do local, dotado de ótimas condições de clima; pela possibilidade de ser grandemente facilitado o acesso à colônia; pela
riqueza da flora e da fauna; pela fertilidade do solo; pela existência de grande número de cursos d’água. A comissão
sugeriu, também que em vez de núcleo fosse criada uma colônia agrícola para receber, não só reservistas, como civis
nacionais agricultores; que os lotes a serem demarcados fossem de 50 hectares e que a sede da colônia fosse o local
denominado ‘Separação’” (LAZIER, 1980, p. 13).
Rubens da Silva Martins (1986) tratou da dubiedade com que Vargas criava as colônias agrícolas, comparando os casos
da Colônia de Duque de Caxias, implantada na área rural do Distrito Federal, com o da Cango.

113
interesses que grupos imobiliários gaúchos, empresas colonizadoras
(especuladoras de terras), mantinham junto ao governo getulista96.
Segundo Wachowicz, com a Cango e o Território Federal do Iguaçu,
o governo federal acrescentou mais esses elementos no litígio que
tinha com o governo paranaense.

Estava pois o problema sub-judice quando em 1943, acelerando


a criação de um território federal na região, o governo federal
criou pelo decreto n.º 12.417, de 1.º de maio de 1943, a Colônia
Nacional General Osório (CANGO), em terras da gleba Missões.
Tal procedimento do governo federal era ilegal. A questão
dominial da gleba estava no judiciário. Disputavam-na o
governo estadual e federal.[...] O interventor Manoel Ribas
era elemento dócil e de absoluta confiança de Getúlio Vargas
(WACHOWICZ, 1985, p. 181).

O território da Cango abrangia a Gleba Missões, porém,


como essa área estava em litígio, a delimitação cartográfica dos
300 mil hectares não foi incluída no decreto de criação da Cango,
contudo, a área correspondia à faixa de fronteira de 60 quilômetros.
Para Wachowicz, justamente por estar em litígio, foi que, no decreto,
não houve a indicação da demarcação da área da Cango. Sob a esfera
do Território Federal do Iguaçu, vinculado diretamente ao governo
federal, inicialmente, a Cango foi instalada em Pato Branco, tendo
por administrador Eduardo Wirmond Suplicy.

A administração da CANGO instalou-se provisoriamente


em Pato Branco, por não ter estrada até Marrecas. A picada
existente foi alargada pelas máquinas da CANGO. Uma pequena
serraria foi instalada para serrar e dar tábuas para os colonos
vindos do Rio Grande (WACHOWICZ, 1985, p. 182)97.
96. O contexto da Segunda Guerra Mundial e as questões estratégicas da segurança nacional que a União mantinha no
cenário internacional da guerra, no Cone Sul e no âmbito nacional, merece mais atenção aos estudos dos projetos de
colonização dirigidos pelo Estado Novo e mesmo por empresas privadas nas regiões de fronteiras. A presença das
colônias militares, o assentamento de ex-reservistas e de ex-expedicionários, certamente, contribuíam para fortalecer
a ideia da defesa nacional e do patriotismo entre os novos colonos. O serviço militar obrigatório atingia, praticamente,
todos os jovens ao completarem 18 anos e o recrutamento tinha por finalidade formar soldados para a guerra. O
período de treinamento no Exército, onde a maioria dos reservistas realizava o serviço militar, também representava,
aos rapazes, a passagem da juventude à vida adulta (do cidadão e do homem formado ao trabalho) e à emancipação civil
(casamento e formação de nova família). Após a baixa nas Forças Armadas, principalmente no Exército, a disciplina
dos ex-reservistas na vida civil e as habilidades adquiridas durante o treinamento e a formação militar, enquanto
soldado, eram mantidas como regras à conduta social e civil diante da ordem e de reação diante de possíveis injustiças
que enfrentariam na vida (na condição de cidadão e de pessoa – de si, de familiares/parentes, vizinhos e comunidade).
O que ocorreu no Sudoeste durante o período de 1951 a 1957 também deve ser analisado a partir desses elementos de
ação e reação individual, coletiva e comunitária que os colonos e posseiros realizaram contra aquela grilagem e suas
práticas de violência.
97. Hermógenes Lazier tratou da indicação de Suplicy para a direção da Cango: “Inicialmente havia sido nomeado o
engenheiro Enéas Calandrini Pinheiro, o qual fez parte da comissão que em 1942 esteve na região escolhendo o local
para a instalação da colônia. Para surpresa de muita gente, porém, ficou sem efeito a nomeação, sendo designado
para administrador da CANGO, o Dr. Eduardo Virmond Suplicy. Dizem que a designação de Suplicy foi resultado

114
Hermógenes Lazier também relatou as primeiras medidas
que a Cango realizou em Marrecas, antes mesmo de transferir a
sede da Colônia para essa localidade/povoado. Nesse aspecto, Lazier
e Oliskovicz, iniciaram a abordagem sobre Marrecas, relacionando
os 32 moradores que já havia no povoado dessa pequena vila,
anteriormente à instalação da Cango, fundamentando o pioneirismo
e os pioneiros nas Bodas de Prata de Francisco Beltrão, mas não se
referindo àquelas 32 famílias dos primeiros moradores.
A seletividade dos dois grandes pioneiros – Luiz Antônio
Faedo e Júlio Assis Cavalheiro –, como indicado anteriormente, não
teve como critério a antiguidade dos moradores que abriram posse
e iniciaram o novo movimento de ocupação da faixa de fronteira no
Sudoeste às margens do Rio Marrecas, mas, sim, o critério da urba-
nização da área que veio a ser a Vila Marrecas e a trajetória e posição
social que Faedo e Cavalheiro tiveram na sociedade local. No texto da
Edição Histórica, Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz trataram
dos dois assuntos, porém, fortaleceram e atribuíram a condição de
pioneiros e de grandes personalidades históricas somente aos fun-
dadores da área urbana da vila do Rio Marrecas. No ano de 1948, esse
povoado passou a ser sede da Cango e, no ano de 1952, passou a ser a
cidade/sede da municipalidade de Francisco Beltrão.

Quando em março de 1946 o Engenheiro Duílio Trevisani


Beltrão, filho de Francisco Gutierrez Beltrão, ao fazer a medida e
a demarcação da gleba n.º I da Cango (onde está localizado hoje,
o município de Francisco Beltrão) encontrou alguns colonos
estabelecidos com benfeitorias, morada habitual e culturas
efetivas (LAZIER, 1980, p. 14)98.

No ano de 1948, depois que Júlio Assis Cavalheiro havia


aberto a estrada de Pato Branco até o Rio Marrecas, a Cango instalou
sua sede, com escritório e a base logística na Vila Marrecas. Por ser
um projeto de colonização dirigido e de iniciativa governamental, os
do trabalho de sua esposa, Sra. Verginia, que foi Miss Paraná e tinha muita influência na esfera Federal. Eduardo V.
Suplicy, foi, portanto, aquele que comandou o início do trabalho de povoamento e colonização. Dirigiu a CANGO
quase 12 anos” (LAZIER, 1980, p. 17).
98. Pelos sobrenomes, nas origens étnico-culturais dos 32 moradores, posseiros colonos, havia a predominância de luso-
brasileiros: Constantina Pereira do Nascimento, Alfredo Rodrigues dos Santos, Manoel José de Lima, Lauro Justiniano,
Florindo de Paula, João Lena de Ávila, Francisco Siqueira Gomes, Miguel Guilherme, Hermínio Pinheiro, Fermino
Deitos, Paulo Paitach Iess, Juvenal Clemente, Sebastião Müller, Belchior da Silva Verdum, Adão de Oliveira Duarte,
João Zanelo, Sebastião Pilar Silvio Veloso, Germínio Pinheiro, João Nunes, Fulgêncio Santos, Galdino Santos, Afonso
Cordeiro, Maria do Carmo, Francisco Pereira, Pedro Kino, Izídio Pereira, Itachir Ribeiro, Jonas Soares, Luiz Santos,
João Filho Procópio Silva e Sebastião Lima (LAZIER, 1980, p. 14).

115
colonos recebiam terras devolutas, ainda sub-judice, com cadastro
junto à Cango e promessa futura de escrituração, além de assistência
técnica, apoio à produção e suporte de infraestrutura, saúde e
educação. O início da atuação da Cango serviu de base para a formação
social da frente de colonização, sendo, inclusive, lugar de atuação de
diretores e profissionais liberais contratados para o serviço público
federal na Colônia. Enquanto agência governamental, a Cango
organizou a vida da população urbana e rural da Vila Marrecas, bem
como a rede de abastecimento e escoamento da produção.
Até 1951, a Cango congregava pioneiros, posseiros, colonos,
diretores e profissionais liberais. Ao tratar do período inicial da
Cango, Rubens da Silva Martins referiu-se àqueles bons tempos, pois
ele também foi gente da Cango, onde atuou como médico.

Bons tempos aqueles em que aqui chegando, muitas vezes sem


bagagem, mas quase sempre com prole numerosa, recebia o
colono esperançoso, a ordem de ocupação de 20 alqueires de
mata e iniciava, confiante no futuro e na força de seus braços,
confiante na lei e nos homens que a fazem, ele iniciava a
valorização de mais um pedaço de nossa terra, tornando em
realidade aquilo que o Governo denominava ‘Marcha para o
Oeste’. Isto ocorreu em 1948, época em que, ingressar na Colônia
General Osório, significava: 20 alqueires inteiramente de graça,
salvo a selagem do requerimento da terra; assistência médica
e farmacêutica gratuita; transporte para os enfermos; escolas
primárias; sementes selecionadas para a valorização do produto
da lavoura, maquinaria adequada ao seu beneficiamento e
transporte gratuito do mesmo aos mercados mais próximos
(MARTINS, 1986, p. 318).

A importância da Cango também foi registrada por


Hermógenes Lazier. Tendo acesso aos relatórios anuais, Lazier
publicizou vários dados demográficos e socioeconômicos dos
resultados obtidos pela Cango na região.

A população cadastrada na CANGO, foi de 467 famílias em 1947,


887 em 1948, 1068 em 1949, 1440 em 1950 e 2725 famílias em 1956.
A população cadastrada, portanto, aumentou de 2.529 em 1946
para 4.946 [em 1947], 6045 em 1949, 7147 em 1950 e para 15.284
em 1956 (LAZIER, 1980, p. 15; GOMES, 1986, p. 21 – nota 20).99

99. Iria Zanoni Gomes também utilizou os relatórios da Cango em sua pesquisa e, ao tratar da evolução da população da
Colônia, acrescentou a seguinte consideração que merece destaque: “É interessante observar que de 1951 a 1955, não
existem relatórios sobre as atividades do órgão. Foi nesse período que a CITLA (companhia imobiliária) começou a
atuar na região criando vários problemas à CANGO, quase paralisando a colonização” (GOMES, 1986, p. 21 – nota 20).

116
Das informações constantes nos relatórios, Lazier também
incluiu, na edição histórica dos 25 anos, dados sobre a origem e
procedência dos habitantes da Colônia (estrangeiros e brasileiros) e
o perfil demográfico (estado civil, sexo e escolaridade): “Entre os [sic.]
4.956 pessoas cadastradas na CANGO em 1948, 886 eram adultas e
4070 dependentes. Dos 886 adultos, 745 eram casados, 82 solteiros
e 59 viúvos. Dos 4.070 dependentes, 1.768 eram do sexo masculino e
2.302 do sexo feminino. Do total de 4.956 eram alfabetizados 1.245”
(LAZIER, 1980, p. 15)100.
Conforme Ruy Wachowicz e Iria Gomes, a Colônia Agrícola
teve dois momentos, distintos pelo vínculo que teve em relação
ao governo federal e às diretrizes do projeto de colonização. O
destaque feito por Iria Gomes foi o de que: “A CANGO teve dois
momentos: o primeiro, como Colônia Agrícola, em que as terras
eram dadas aos colonos. E, o segundo, quando é transformada em
Núcleo Colonial, e se determina que a terra passe a ser vendida”
(GOMES, 1986, p. 18, nota 11, grifos do autor).
Já Ruy Wachowicz informou sobre a mudança
administrativa e o vínculo institucional que a Cango passou a ter
junto ao governo federal101.

Enquanto a CANGO foi colônia, os migrantes sulistas recebiam


a propriedade agrícola de graça, de conformidade com a lei.
Quando a administração da colônia passou para o INIC em
1955, tal privilégio concedido pela CANGO foi eliminado, ao
menos no papel. Mudou apenas o nome de Colônia para Núcleo.
Diz um presidente do INIC102: ‘Ao tempo em que aquilo era
colônia, todos os agricultores deveriam e devem receber o lote
gratuitamente. Depois que transformaram em núcleo deve
vogar o preço comum.’ Mas, na prática, a CANGO nunca cobrou
a terra de colono algum. Inicialmente, ainda se expedia algum
título provisório, porém a partir de meados da década de 1950,
nem esses provisórios passaram a ser expedidos (WACHOWICZ,
1985, p. 183-184).

100. “Das 4.956 pessoas cadastradas na CANGO em 1948, 4849 eram brasileiros, e 107 eram estrangeiros. Das 4.849
brasileiras, 1940 eram naturais do Estado do Paraná, 1813 do Rio Grande do Sul, 1.065 de Santa Catarina, 10 de São
Paulo, 10 do Rio de Janeiro, 9 da Bahia e 2 do Espírito Santo. Dos 107 estrangeiros, 70 eram naturais da Argentina,
7 da Finlândia, 7 da Franca, 6 de Polônia, 5 da Espanha, 3 da Alemanha, 3 do Paraguai, 2 da Bélgica, 2 da Itália, 1 da
Áustria e 1 de Portugal” (LAZIER, 1980, p. 15).
101. “A administração da colônia coube ao Ministro da Agricultura, através da Divisão de Terras e Colonização (DTC).
Em 1954, a administração da CANGO passou para um órgão recém-criado: o Instituto Nacional de Imigração e
Colonização (INIC), instalado em 1955” (WACHOWICZ, 1985, p. 182).
102. Em nota de ropadé, Ruy Wachowicz indicou a origem dessa informação. O presidente do INIC era Wálter Cechella:
“Depoimento do Presidente do INIC à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para examinar as graves ocorrências
do sudoeste do Paraná, Reunião de 3 fev. 1958” (In: WACHOWICZ, 1985, p. 184 – nota 4).

117
Iria Gomes utilizou os relatórios da Cango do ano de 1956
para apresentar os dados demográficos e demais informações sobre
o que a Colônia/Núcleo havia realizado até o período que antecedeu
o acirramento dos conflitos com as companhias imobiliárias.

Além disso, o Núcleo contava, neste ano, com 15.284 pessoas,


das quais 7.312 crianças menores de 7 anos, 10.669 analfabetos e
4.585 alfabetizados. Havia construído 27 escolas, contratado 26
professoras, atendendo 1.009 alunos matriculados. No fim do
exercício de 1956, o núcleo tinha registrado 8.804 colonos reivin-
dicando terras, totalizando um número aproximado de 26.000
pessoas aptas para os serviços da lavoura (GOMES, 1986, p. 21)103.

Com relação à questão agrária e os litígios de terra, o cenário


do Sudoeste passou a ter outros desdobramentos a partir da atuação
da imobiliária Clevelândia Industrial e Territorial Ltda., como expôs
Hermógenes Lazier (1980, p. 17): “Foi atuando como grileira que a
CITLA em 1950 apareceu na região vindo tumultuar o trabalho de
povoamento e colonização da CANGO”.
Ao tratar da luta pela terra realizada por colonos e posseiros
e ao se referir à revolta de 1957, Iria Zanoni Gomes expôs que, para
uma análise do processo, era preciso considerar os desdobramentos
que houve na região a partir da instalação do escritório da Citla
em Francisco Beltrão, ocorrida em 1951, e a continuidade do litígio
entre o governo federal e a Citla pela posse e propriedade da gleba
Missões, além das articulações que houve no âmbito do governo do
Paraná, seja nos mandatos de Moysés Lupion (12/3/1947 a 31/1/1951;
31/1/1956 a 31/1/1961), quanto no de Bento Munhoz da Rocha Neto
(1951/1955), relacionados aos assuntos fundiários e de colonização
da região Sudoeste104.
Em 1951, a Vila do Rio Marrecas e toda a região do Sudoeste
pertenciam ao município de Clevelândia quando a Citla instalou seu
escritório central na referida vila e outro escritório no povoado de
Santo Antônio do Sudoeste, dando início à comercialização de terras
e às demarcações na área da gleba Missões e parte da Chopim.
103. Tratando-se de região Sudoeste, Iria Gomes apresentou os seguintes dados para os anos de 1956 e 1960: “A população
da Colônia Agrícola, em 1950, era de 7.147 pessoas, enquanto que a região era de 76.373 pessoas. De 50 para 60, houve
uma verdadeira explosão populacional na região. Enquanto a CANGO, em fins de 1956, tinha cadastradas 15.284
pessoas e 26.000 esperavam cadastramento, em 1960 a região estava com 230.379 pessoas, sendo 119.787 na área
rural” (GOMES, 1986, p. 22).
104. “A análise desse processo me faz pensar que o levante de 57, do qual os colonos saíram vitoriosos, não foi um ato
casual, resultado apenas da ação violenta das companhias contra os colonos, no decorrer desse ano. Penso que o movi-
mento teve uma longa gestação que se iniciou quando a CITLA se instalou na região em 1951” (GOMES, 1986, p. 37).

118
Nesse mesmo ano os moradores do povoado de Rio Marrecas
se mobilizaram para buscar uma solução perante as autoridades
do governo federal. No Anexo III, do livro Análise histórica da posse
da terra, Hermógenes Lazier (1998) incluiu o primeiro documento
produzido pelos moradores da vila de Rio Marrecas que tratou
da organização e das medidas adotadas pela população contra a
Citla. Em Assembleia geral, realizada no dia 3 de setembro de 1951,
250 moradores (homens e mulheres) – colonos, comerciantes,
industriais e profissionais liberais –, ocupantes de terras no
Povoado de Rio Marrecas e adjacências, aprovaram e subscreveram
o abaixo-assinado A Quem Interessar Possa, que seria encaminhado
às autoridades federais. Nesse mesmo ato, foi constituída uma
Comissão Permanente, composta por 20 integrantes, para garantir
a “defesa de seus direitos com referência ao litígio existente sobre
a legitimação das referidas terras” (In: LAZIER, 1998, p. 115-123).
Dentre as cinco “medidas necessárias ao bom desempenho de suas
atribuições”, a Assembleia aprovou a indicação do Dr. Rubens da
Silva Martins para presidir a Comissão Permanente105.
No dia 15 de outubro de 1951, a Comissão Permanente reu-
niu-se para indicar a subcomissão – integrada pelos moradores Jahyr
de Freitas (presidente), Irineu Montemezzo e Angelico Penso –, que
seria encarregada de ir à capital federal para tratar com o presidente
da República (ou vice, ou ministros, ou autoridade competente, na
ausência do presidente) sobre os problemas e as injustiças pratica-
das pelas firmas e companhias de terra. Também deveria investigar,
junto à Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio
Nacional (SEIPN), qual era a função que José Copertino de Almeida
105. Os integrantes da Comissão Permanente eram: Rubens da Silva Martins, Guilherme Gimeli, Júlio Assis Cavalheiro,
Augusto Daros, Vicente Longo, Otavio Dal’Maria, Luiz Antônio Faêdo, Dante Manfroi, Agostinho Neves da Rosa,
Balduino Daros, João Pedro Mazzaro, José Petla, Riciere Cela, Theodoro Zanatta, Angelico Penso, Guerino Fabrer,
José Miranda Duarte, Natalino Tondo, Jahyr de Freitas e Lourenço Baré (In: LAZIER, 1998, p. 115). Destacamos
em itálico os nomes incluídos na relação dos pioneiros e dos prefeitos de Francisco Beltrão, selecionados por
Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz na edição histórica: Francisco Beltrão: 25 anos de lutas, de trabalho e de
progresso (LAZIER, 1980).
Sobre a formação desta Comissão Permanente, Iria Gomes indicou quatro aspectos importantes à compreensão dos
desdobramentos que o movimento teve nos anos seguintes: “Em primeiro lugar, assinaram o documento de criação da
COMISSÃO PERMANENTE 250 pessoas, tanto da área rural, como da sede do povoado. Não eram apenas pessoas di-
retamente interessadas na questão da terra. Havia também comerciantes, industriais e profissionais liberais. Em segun-
do, a comissão era composta basicamente de comerciantes. O único profissional liberal que dela participou foi o médico
Rubens da Silva de Oliveira [Martins]. É importante reter esse fato porque no momento da tomada das cidades os
comerciantes e profissionais liberais terão uma participação significativa, principalmente nas negociações. Em terceiro,
tanto as pessoas que participaram da assembléia, quanto as que faziam parte da comissão não pertenciam a um único
partido político. E, por último, uma avaliação das atribuições da comissão deixa bem claro que essa primeira tentativa
de organização para enfrentar a situação inquietante que aquela população estava vivendo, tinha um caráter eminente-
mente reivindicatório e institucional. Buscava-se a solução dos problemas pelas vias legais” (GOMES, 1986, p. 46).

119
Goes teria na Vila Marrecas a serviço da SEIPN, uma vez que, assim,
ele se apresentava na localidade106. A subcomissão também foi imbu-
ída das tarefas de estabelecer entendimentos com a Citla e a Pinho e
Terras (In: LAZIER, 1998, p. 124).
Durante 17 meses, a Citla pôde agir sem maiores restrições
legais, porém a comercialização de lotes foi barrada a partir da
publicação e divulgação da Portaria nº 419, da Secretaria da Fazenda
do novo governo de Bento Munhoz da Rocha Neto (UDN)107, que era
de oposição ao ex-governador Moysés Lupion (PSD), tendo em vista
que a Gleba Missões continuava sub-judice (União x Paraná, INIC/
Cango x Citla)108.

Instalando-se na região em 1951, a CITLA teve pouco tempo


para desenvolver suas atividades. Bento Munhoz da Rocha,
governador do Estado no período de 1951-1955, julgando
conveniente que se aguardasse a decisão judicial sobre
a escritura de dação em pagamento, a favor da CITLA,
proibiu, através da portaria n.º 419, de 2 de junho de 1952, o
recolhimento dos Impostos de Transmissão e Propriedade,
‘Sisas’, de qualquer transação imobiliária nas glebas Missões e
Chopim (GOMES, 1986, p. 38).

Ao se referir à proibição da expedição das guias das Sisas,


para o recolhimento do imposto junto às Coletorias Estaduais, Ruy
Wachowicz acrescentou outro aspecto sobre as disputas que havia
entre o governo Munhoz (UDN/PTB/PR) e o grupo Citla/Lupion
(PSD), citando a posição que o diretor da Citla, Mário Fontana, teve
em relação àquela medida.

Mas, Mário Fontana queixava-se dessa decisão. Ela teria sido


tomada de forma unilateral. Só à CITLA não era fornecida a
Sisa. Para o grupo Dalcanalle o governo continuou fornecendo
esse documento em outras regiões do Estado, embora essas

106. A população local desconfiava da conduta de José Goes e sobre seus possíveis vínculos com a SEIPN. Após a formação
da Comissão Permanente e a tarefa que a subcomissão deveria realizar junto a SEIPN, José Copertino não foi mais visto
na Vila Marrecas e adjacências.
107. Bento Munhoz da Rocha (UDN) foi eleito em 1950, com apoio do PTB e do Partido Republicano (PR). Assumiu
o cargo no dia 31/01/1951 e permaneceu como governador até a data de 3/4/1955, quando assumiu o Ministério da
Agricultura no governo federal. Como naquele período não havia o cargo de vice-governador, o deputado estadual
Antonio Anibelli (PB) assumiu o cargo no período de 3/04/1955 a 1º/05/1955. Após essa data o deputado Adolfo de
Oliveira Franco assumiu até o final do mandato.
108. Ruy Wachowicz relacionou as 5 questões que ainda persistiam nos litígios: “a – o Paraná disputava no judiciário a gleba
com a União; b – a União propôs ação sumária de cancelamento da escritura da CITLA; c – José Rupp entrou em ação
julgando que o Supremo Tribunal Federal não era competente para julgar a causa e sim o Tribunal Federal de Recursos;
d – o INIC também entrava com embargos para salvaguardar os direitos da CANGO; e – a PINHO E TERRAS também
tentava na justiça salvaguardar os direitos que julgava possuidora nos 11.500 alqueires que achava ter comprado da
SEIPU” (WACHOWICZ, 1985, p.191-192).

120
terras tivessem sido adquiridas em circunstancias semelhantes
à da gleba Missões. A explicação para esse fato – lamentado por
Mário Fontana – era política. Dalcanalle era da UDN e apoiava o
governo estadual (WACHOWICZ, 1985, p. 192).

As disputas e a polarização das forças tenderam a crescer


com a própria complexificação da sociedade local e a vinculação
dos grupos de interesses com outras esferas públicas e privadas do
Paraná e da União. Durante o período de 1951 a 1956, principalmente
após a publicação da portaria de proibição das Sisas (2/6/1952), do
governo Bento Munhoz, até o início do segundo mandato do governo
Lupion (31/1/1956-31/1/1961), as querelas que havia entre a Cango/
INIC e a Citla e seus arranjos junto aos órgãos de governo e os poderes
públicos locais (Justiça e Polícia) e estaduais, balizavam os rumos das
disputas pela posse e propriedade das glebas Missões e Chopim, bem
como suas implicações em relação aos colonos e posseiros.
Hermógenes Lazier (1980) historiou esse período, citando
as disputas que envolveram o Instituto Nacional de Imigração e
Colonização (INIC) ao qual a Cango estava vinculada, e o próprio
Conselho de Segurança Nacional (CSN), em 1956.
Conforme Lazier, em outubro de 1951, a Cango havia
recebido ofício do diretor da Divisão de Terras e Colonização (DTC),
do Ministério da Agricultura, com esclarecimentos sobre a falta
de fundamento legal da proposta que a Citla tinha apresentado à
Cango, de doar gratuitamente 20.000 hectares para estabelecer
a sede da Colônia. No Ofício nº 1887, o diretor do DTC, Renato
Gonçalves Martins, incluiu os dados do despacho que o 4º Procurador
da República havia redigido em resposta à questão do registro da
escritura da gleba Missões e ao documento de doação que a própria
Citla (requerimento, 19/04/1951) havia proposto à Cango.

Em consequência o título de domínio oferecido pela Requerente


é inexistente e o que se oferece como doação é propriedade
da própria União que, recentemente efetuou no ‘Banque de
France’ o depósito da soma de 991.157.611 francos, à disposição
dos portadores das obrigações da ‘Companhia Estrada de Ferro
São Paulo – Rio Grande’ para o devido resgate, tudo nos termos
dos arts. 4º e 7º, item c do acordo de Resgate de 8 de março de
1946, celebrado entre os governos Brasileiros e Francês (Diário
Oficial de 24.8.1951, pg, 12.579). É fora de dúvida, portanto que
a Requerente, a oferecer a doação gratuita em data de 19 de
abril do corrente ano, não possuía e nem nunca possuiu título

121
hábil de domínio que a capacitasse de fazer doação, sendo de
estranhar não houvesse esclarecido a esse Ministério sobre os
fatos acima relatados, que agora levo ao conhecimento de V.
Excia. para um perfeito acertado juízo sobre o que propõe a
sociedade ‘Clevelândia Industrial, Territorial Limitada’ (CITLA)
(In: LAZIER, 1980, p. 18-19).

Para Ruy Wachowicz, em Francisco Beltrão, havia vários


grupos envolvidos com a problemática da gleba Missões e parte da
Chopim: os pró-Citla, os contrários à Citla e os colonos posseiros109.
Ruy também acrescentou o relato que Walter Pécoits fez sobre aquele
período e as estratégias de propaganda que a Citla utilizava.

[...] cada mês, cada dois meses uma manifestação: vinham


para cá os diretores, vinham de táxi aéreo, vinham debaixo de
foguetes. Davam uma churrascada e diziam que eles tinham
ganho a questão no judiciário. Até era corrente e o pessoal fazia
troça. Quando soltavam foguete perguntavam:
– O que foi que aconteceu?
– A CITLA ganhou de novo!
Toda vez que houvesse um casamento, jogo de futebol, ou
alguém que soltasse foguete, perguntavam:
– O que foi que aconteceu?
– A CITLA ganhou de novo! (PÉCOITS In: WACHOWICZ, 1985,
p. 194-195).

3.3 – Cenários da luta pela terra: entre agências e


agentes da grilagem e resistências
Com a emancipação da Vila Marrecas, ocorrida no ano de
1952, além das mudanças necessárias à instalação da municipalidade
(prefeitura, câmara de vereadores, benfeitorias, urbanização,
estradas, etc.), as disputas político-partidárias também passaram a
ter uma configuração em torno da Cango e da Citla, como foi o caso
da primeira eleição realizada no dia 9/11/1952 e a segunda eleição
municipal, ocorrida em 1955 (cf. Anexo 3).

109. Ruy Wachowicz descreveu-os: “a – os pró CITLA, corrente formada por pessoas que nem sócios eram da firma. Por
relações de amizade ou por obrigações políticas, colocavam-se favoráveis às pretensões da companhia; b – os contra a
CITLA, que eram elementos ligados ao PTB e à UDN, oposicionistas portanto às pretensões do PSD. A essa corrente
pertencia o grupo Dalcanalle, que tinha na região um preposto, Zulmiro Ruaro. Sem incomodar, sem agitar, sem
violentar quem quer que seja; c – os colonos posseiros, que continuavam chegando em grande número. Acreditavam na
CANGO por ser órgão oficial e proporcionar-lhes assistência e terras gratuitamente” (WACHOWICZ, 1985, p. 194).

122
Rubens da Silva Martins (1953-1955), eleito pelo PSD, utilizou
suas “credenciais” da e na Cango e na Comissão Permanente, além
do apoio do ex-governador Moysés Lupion e da Citla. Já Riciere Cella,
candidato pelo PTB/UDN, também teve participação na Comissão
Permanente e o apoio de pessoas ligadas à Cango e ao PTB e UDN. A
polarização político-partidária redesenhou as relações das pessoas
que viviam na ex-Vila de Rio Marrecas, em torno dos grupos da
Cango e da Citla.
Ao escrever sobre essas disputas na obra que redigiu (entre
1977-1985) e publicou entre 1985 e 1986, Rubens Martins remarcou
suas diferenças em relação aos adversários que teve no passado. O
valor da personalidade e da filantropia de Júlio Assis Cavalheiro110
– que à época já havia sido homenageado com a indicação do seu
nome para a nominação da principal avenida da cidade –, incluía sua
atuação na presidência do diretório municipal do PSD e seus serviços
no Escritório da Citla, ambos realizados com estreitos vínculos com o
executivo municipal e com o prefeito. Os elogios que Rubens da Silva
Martins incluiu em seu livro englobaram seu mandato, a Citla e o
PSD. Ao mesmo tempo, ele denunciou os interesses que o PTB, a UDN
e a Pinho e Terras Ltda. tinham nos litígios de terra e nas disputas
pelo governo municipal.

Nos seus dias de esplendor, a Companhia construíra o primeiro


campo de aviação do Município, abrira novas estradas e acenava
com outros melhoramentos de interesse da população.
O vínculo cada vez mais nítido entre a CITLA e o PSD, refletia
a potencialidade de recursos daquela Colonizadora na
agremiação partidária, cuja legenda despontava como franca
favorita no pleito de 1956 que elegeria meu sucessor no
Executivo de Francisco Beltrão.
Por sua vez, os partidários do PTB e da UDN (satélite teleguiado
do primeiro no Município) se acercavam da Companhia Pinho e
Terras Ltda., do Grupo Dalcanalle, defendendo seus pretensos
direitos e recebendo em troca, apoio financeiro e material para
fazer frente à batalha sucessória (MARTINS, 1986, p. 350).

Na eleição para a sucessão de Rubens Martins, Ângelo


Camilotti (PSD) foi candidato único a prefeito nas eleições municipais

110. “Nos áureos tempos da CITLA, Júlio Assis Cavalheiro, era cortejado por gregos e troianos que vislumbravam a
possibilidade de obter por seu intermédio, melhores preços e prazos mais longos em seus acertos com a Companhia,
e até empréstimos em dinheiro que Júlio Assis concedia pessoalmente, ao se condoer das dificuldades financeiras
alegadas por muitos dos que o procuravam. / Por intermédio dele, vários cidadãos se beneficiaram de régias concessões,
autorizadas por Mario Fontana, sócio e gerente da CITLA” (MARTINS, 1986, p. 350).

123
de 18/11/1955, após um “consenso construído” entre situacionistas
(PSD) e oposicionistas (PTB, UDN, Partido Social Progressista – PSP)111.
Ele, Camilotti,exerceu o mandato entre os anos de 1957 a 1960, que
incluiu o período de maior tensionamento da revolta em outubro
de 1957. Mantendo-se a favor da ordem e da legalidade, posição
defendida pelo PSD local e estadual – já no segundo mandato do
governador Moysés Lupion (1956/1960) –, na condição de prefeito,
obviamente, Camilotti tomou partido/posicionamento, dentro e
fora do Estado, em favor da Citla, da Comercial e do grupo Lupion.
Na Edição Histórica dos 25 Anos de Francisco Beltrão,
ao focar o pioneirismo, Lazier e Oliskovicz (1980) deram outros
sentidos as inter-relações e interações que havia entre Júlio Assis,
a Citla, o prefeito Ângelo Camilotti e a revolta de 1957. Na entrevista
que Oliskovicz fez com Júlio Assis Cavalheiro, a pergunta realizada
pelo entrevistador foi: “É verdade que V.Sa. esteve envolvido com a
CITLA?” E a resposta do pioneiro foi:

O termo certo não é bem esse. Eu tinha me tornado o chefe


de escritório dessa companhia em fins de 1956 e fiquei no
posto até outubro de 1957. E fiz isso porque, então, eu tinha
direito de falar e ser ouvido pela chefia, podendo poupar os
colonos de maiores sacrifícios, favorecendo na venda por
onde eles diziam que tinham divisa, aceitando as propostas de
pagamento conforme melhor lhes convinha. Uma colônia de
terra custava 500 cruzeiros e eu, muitas vezes, paguei o selo
das propostas de compra e venda, porque o colono realmente

111. Em seu livro Entre Jagunços e posseiros, Rubens da Silva Martins incluiu cópia do ofício que os presidentes do
PTB, UDN e PSP enviaram ao diretório do PSD em resposta à consulta sobre a candidatura única de Júlio Assis
Cavalheiro pelo PSD, datado em 30/07/1956. No primeiro parágrafo do ofício, indicam o posicionamento inicial:
“Comunicamos a Vv.Ss. que este Diretório do Partido Trabalhista Brasileiro, por sua Comissão Executiva, em
reunião efetivada nesta data, apreciando a indicação de Vv.Ss. do nome do sr. Julio Assis Cavalheiro para candidato
único às eleições municipais de novembro próximo vindouro, muito embora reconhecidas suas altas qualidades,
recusou essa indicação por ter considerado a posição do referido sr. nos meios políticos locais, visto que o sr, Julio
Assis Cavalheiro é líder político na região” (In: MARTINS, 1986, p. 355). Os diretórios do PTB, da UDN e do PSP
apresentaram outros 4 nomes para que o PSD indicasse qual seria o candidato único: Angelo Camilotti, João Pedro
Mazaro, Jose Pedron e Felix Romanzini.
Em 1953, além de ser presidente do diretório do PSD em Francisco Beltrão, Júlio Assis Cavalheiro já trabalhava no
Escritório da Citla, em Francisco Beltrão. O ofício que a Citla encaminhou ao prefeito Municipal propondo a doação
de lotes urbanos foi subscrito por ele, na condição de Chefe do Escritório de F.co Beltrão. A cópia desse ofício, datado
em 17/12/1953, reproduz o papel timbrado da Clevelândia Industrial e Territorial Ltda., constando no cabeçalho outras
informações sobre a Citla que é preciso destacar: Sede e Escritório Central, Av. Brasil, 296 – Mariópolis – Clevelândia /
Paraná; Escritórios: Rio de Janeiro, Av. Almirante Barros, 90-7 s – sala 706; Caxias do Sul – Rio Grande do Sul, Rua Si-
nimbú, 1326. [sic.] (MARTINS, 1986, p. 351). Outra referência que indica a participação do Julio Assis na Citla, antes
de 1956, é descrita pelo próprio Rubens Martins (1986, p. 348), pois Cavaleiro havia atuado na Citla desde fins de 1953.
Com relação à importância político-partidária de Júlio Assis Cavalheiro no PSD, é possível dimensio-
nar seu peso, enquanto liderança e dirigente pessedista pelos dados apresentados pelos familiares, con-
forme depoimentos fornecidos para a Tânia Maria Penso Ghedin: “Nos tempos idos da política, havia
apenas dois lados: ou era PSD ou PTB. Júlio Assis foi presidente local do PSD por 16 anos. Foi um grande arti-
culador político na história do município, fez amigos, parceiros e adversários” (in: GHEDIN, 2010, p. 16)

124
não tinha dinheiro. Mas acho que a CITLA não cometeu
barbarismo (LAZIER, 1980, p. 55)112.

Nessas reconstruções do passado, Nivaldo Oliskovicz foi tão


partidário do oficialismo quanto o próprio prefeito Ângelo Camilotti.
Ao tratar sobre o posicionamento que o prefeito teve em relação ao
conflito agrário, além de fundamentar a neutralidade em favor da
ordem, adotada por Camilotti (pessoa e autoridade), Nivaldo, por sua
lógica retrospectiva sobre o passado113, antecipou a tranquilidade
e a normalidade (conquistadas após a revolta de 1957), ao próprio
processo de luta contra as companhias no contexto de 1957.

Angelo Camilotti foi eleito em 1956, como candidato único que


obteve o apoio de todos os partidos da época. Recebeu 3.108
votos a favor e 130 em branco. Fez boa administração, embora,
durante sua gestão, tenha a revolta dos colonos, que foi muito
positiva para o executivo municipal, porque veio a tranquilizar
e a normalizar uma série de problemas surgidos com o correr
dos acontecimentos. A autoridade máxima do município, não
levando-se em conta o lado pessoal do prefeito, não podia, de
maneira nenhuma, rebelar-se contra as companhias, porque
ele representava o lado legal dos direitos e as companhias
eram legais, eram legítimas portadoras de documentos que
comprovam seus direitos de posse das terras. Por isso não há
razão em criticar o prefeito que não condenou as companhias ou
apoiou aos colonos. E isso é tão verdade, que o Gov. Federal teve
que indenizar as companhias com 200 milhões de cruzeiros.
Angelo Camilotti jamais tencionava questionar tais fatos ou
burlar a justiça, sempre respeitando os direitos. E foi por isso,
que suas terras adquiridas naquela época, dentro da cidade,
pagou três vezes. Pagou aos posseiros. Pagou às Companhias. E
pagou para legalizá-las (LAZIER, 1980, p. 67)114.

112. Ao marcar os 25 anos de Francisco Beltrão e referindo-se a aspectos da vida de Júlio Assis de 20 anos atrás, Oliskovicz
utilizou os termos verdade e envolvido para publicizar, a partir do relato do próprio Júlio Assis, uma versão que sanasse
dúvidas sobre o predomínio da imagem do pioneiro filantrópico que fundou a cidade de Francisco Beltrão e deu
credibilidade ao escritório da Citla neste município, mantendo a pecha do barbarismo às companhias Comercial e
Apucarana. Na edição histórica a imagem do pioneiro Júlio Assis foi sobreposta aos problemas que a Citla gerou na
região antes do levante de 10 de outubro de 1957.
113. O caráter oficial da edição histórica e a importância das bodas de prata de Francisco Beltrão (1952-1977), evento
singular com força simbólica (BOURDIEU, 2009), reforçaram a importância que deveria ser dada ao pioneirismo, à
história administrativa do Município (prefeitos) e às lutas e conquistas no passado. A defesa da revolta de 1957 está
integrada ao pioneirismo e à própria crítica tenaz que Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz fizeram contra a Citla
e o governo Lupion, porém escrevendo sobre um passado de 25 anos atrás.
114. Convém destacar que, na passagem da apresentação do prefeito Angelo Camilotti, Nivaldo Oliskovicz e
Hermógenes Lazier optaram por elogiar a atuação de Camilotti e exaltar o mandato daquele prefeito, na condição
de autoridade máxima que defendia a ordem e a lei, no registro da passagem do Jubileu de Prata, ao ponto de
afirmarem que a Citla era a legítima e legal, por direito e documento, proprietária da área da Gleba Missões,
contradizendo todo o texto da primeira parte da revista comemorativa que tratou da grilagem e das violências
praticadas pela Citla (junto com a Apucarana e a Comercial e seu braço armado) e pelos desmandos do governo
Lupion. De certa forma, este elogio à autoridade e à sua neutralidade em relação revolta de 1957, fragiliza o
sentido da luta pela terra realizada no passado pelos colonos e posseiros e dá centralidade à história administrativa
do município. Nas comemorações dos 25 Anos da história de Francisco Beltrão, estes autores reinventaram um
passado, dando oficialidade ao sujeito-autoridade entre 1952-1977.

125
Mário Fontana, diretor da Citla, construía sua própria base
social e a força política da Citla na região e nas demais esferas de
governo, a exemplo das relações que tinha com Rubens da Silva
Martins, Júlio Assis Cavalheiro e Ângelo Camilotti.
Segundo Ruy Wachowicz (1985, p. 199) no início da
década de 1950 era possível perceber o tensionamento social que
havia no Sudoeste. A partir da atuação do INIC junto ao Conselho
de Segurança Nacional, visando a uma maior segurança local, foi
aprovado o pedido de instalação de um destacamento do Exército
em Francisco Beltrão. Mesmo sendo uma corporação vinculada à
União e pertencente às Forças Armadas, a presença do batalhão do
Exército contribuiu para que a reação das companhias e do governo
do Paraná não reproduzisse o caso de Porecatu, quando houve o
levante armado dos colonos e posseiros.
Dentre as disputas jurídicas que a Citla moveu contra a
Cango, Lazier indicou o mandato obtido do Juiz de Clevelândia em
1953, determinando ao administrador da Cango, Glauco Olinger,
paralisar a colocação de colonos na gleba Missões. No dia 8/6/1953,
Olinger havia enviado telegrama ao Ministério da Agricultura para
obter orientações.

Comunico-vos recebi hoje mandato Juiz Clevelândia Dr. José


Zantute sentido paralisar colocação colonos sob pena multa de
5.000,00 por localização mais 500,00 por dia até cessar mesma
pt. Referido mandato acusa-me violar direitos propriedades
colocando colonos Gleba Missões propriedade CITLA onde se
acha a CANGO pt Solicito imediatamente instruções se deve
paralisar entrada colonos ou se posso continuar admitindo-
os pt Presente estamos recebendo 5 famílias diariamente (In:
LAZIER, 1980, p. 19).

Hermógenes também fez referência a outros dois


telegramas que Glauco Olinger enviou ao Ministério da Agricultura
durante o mês de junho de 1953, relatando os problemas gerados
após aquele mandato: a aglomeração de novos migrantes na entrada
da área da Cango (cabeceira da ponte do Rio Marrecas115, telegrama

115. A primeira ponte construída sobre o Rio Marrecas era de madeira, tinha paredes laterais de tábuas e telhado coberto
com tabuinhas, o que era comum à época. Sobre a localização das áreas urbanas e os acessos às terras das glebas
Missões e Chopim, Iria Gomes situa os ambientes: “Na cidade de Francisco Beltrão, a sede da CANGO localizava-se
à margem esquerda do rio Marrecas, onde também se encontrava a entrada para o interior das duas glebas. A sede do
município localizava-se à margem direita do rio. Uma ponte unia as duas sedes. A CITLA, que tinha seu escritório na
sede do município, controlava junto à ponte a entrada dos colonos” (GOMES, 1986, p. 47).

126
enviado no dia 10/6/1953) e o início das vendas de lotes pela Citla.
O segundo telegrama, de 11/6/1953, Olinger comunicou que: “CITLA
escritório montado cidade Marrecas vendendo lotes da CANGO
situada zona onde construímos estradas preços 25.000,00 acordo
informação comprador” (In: LAZIER, 1980, p. 19)116.
Outra ação que a Citla obteve em seu benefício, que deve ter
sido resultado de jogos político-partidários e de interesses de demais
agentes e agências, foi o acordo realizado com a própria direção da
Divisão de Terras e Colonização (DTC), conforme telegrama enviado
pelo diretor Renato Goncalves Martins (o mesmo que em 1951 havia
comunicado que a doação dos 20 mil hectares era um álibi da Citla) à
Cango, no último dia do ano, em 31/12/1953.

De acordo com entendimento estabelecido entre essas direto-


rias, o Sr. Procurador Geral da República e os representantes da
CITLA, recomendo a suspender a colonização de novos colonos
nessa colônia até que aquela autoridade se pronuncie sobre a
matéria em caráter definitivo. Esclareço, outrossim, que pro-
vidências imediatas deverão ser adotadas por parte da CITLA,
segundo ainda entendimento acima (In: LAZIER, 1980, p. 19).

Com esse acordo favorecendo a Citla, para controlar o


acesso às terras, seus dirigentes passaram a restringir à migração
espontânea, pelo menos aos colonos que vinham a Francisco Beltrão,
já que, na região da fronteira, pela estrada da Separação que dava
acesso a Santo Antônio do Sudoeste, não havia como conter a entrada
de novos migrantes. No ano seguinte, em 1954, os dirigentes da
imobiliária bloquearam o acesso à entrada de Francisco Beltrão: “A
CITLA, sentindo-se fortalecida com a determinação do DTC, tentou
impedir que isso ocorresse e, no ano de 1954, colocou uma tranca na
entrada da ponte” (GOMES, 1986, p. 47).
Como as tensões tendiam a uma crescente, pois a Citla
forçava sua legitimidade e legalidade, Iria Gomes contextualizou a
reação dos moradores. Diante das restrições ao acesso à ponte do
Rio Marrecas, foi criada uma comissão de representantes para ir a
Curitiba tratar do assunto junto ao governo do Paraná: “uma comissão
formada por Luiz Prolo, Adelino Vetorello, Moacir Bordignon e Ivo
116. Iria Gomes também tratou desse telegrama, citando Hermógenes Lazier: “...11/06/53, a constatação de que a CITLA
começara a venda das terras. Em novo telegrama ao Ministério da Agricultura, o administrador da Colônia Agrícola
informa: CITLA escritório montado cidade Marrecas vendendo lotes da CANGO situada zona onde construímos
estradas preços 25.000,00 acordo informação comprador”(GOMES, 1986, p. 42).

127
Thomazoni, vai a Curitiba conversar com o governador pedindo
providências. Bento Munhoz da Rocha Neto manda a comissão
ao Chefe de Polícia, na época Ney Braga. Este determinou que um
coronel da polícia de Pato Branco fosse até Francisco Beltrão e
retirasse a tranca” (GOMES, 1986, p. 47-48).
Após essas rusgas, conforme indicou Iria Gomes (1986, p.
48), a Citla abrandou em suas ações, “manteve-se mais ou menos
quieta até 1956”, coincidindo com o fim do governo de Bento Munhoz
e o início do segundo governo de Moysés Lupion, quando ocorreram
as maiores reviravoltas nas práticas de grilagem e violências que só
foram levadas a cabo com o levante armado dos colonos e posseiros
em outubro de 1957.
Para Ruy Wachowicz, no final do governo de Bento
Munhoz, a Citla realizou outra artimanha, firmando um acordo
com o INIC: “Depois de muitos desentendimentos, ainda no
governo de Bento Munhoz da Rocha Neto, o INIC e a CITLA, dirigidos
respectivamente por Glauco Olinger e Mário Fontana, resolveram
realizar um acordo verbal” (WACHOWICZ, 1985, p. 199), tendo
cada qual consensuado que: “a – a CITLA não tentaria tomar posse
da CANGO, sem antes o judiciário definir-se sobre a questão;
b – o INIC, através do Departamento de Terras e Cartografia,
não tentaria expedir títulos de propriedade aos colonos, já ali
localizados” (WACHOWICZ, 1985, p. 199).
Desse acordo, o que mais chamou a atenção para Wachowicz
foi o fato de que “um dos presidentes do INIC realizou com a CITLA a
chamada composição amigável, pela qual o INIC transmitia à CITLA
todas as suas terras, com exceção de 30 alqueires”. Na análise desse
jogo, Ruy indicou que os dirigentes da Citla não só registraram o
acordo no Registro de Imóveis, como também divulgaram aos quatro
ventos como sendo o ato uma solução definitiva em seu favor. Ruy
Wachowicz acrescentou, ainda, que essa composição amigável
era ilegal e a Citla fazia uso político desse acordo: “Só a diretoria
executiva do INIC poderia firmá-lo. Por essa razão, a composição
amigável foi declarada nula pelo INIC, em 20 de fevereiro de 1957”
(WACHOWICZ, 1985, p. 199-200).
A avidez da Citla na grilagem da gleba Missões e parte da
Chopim, com seus 198.000 alqueires, tinha seu propósito. Para

128
além da grande negociata, Mário José Fontana, principal diretor
da companhia, pretendia implantar o projeto Celulose. Pelos dados
apresentados por Ruy Wachowicz (1985, p. 196), indicados no Projeto
Celulose que a Citla havia elaborado, na área, havia mais de 3 milhões
de pinheiros adultos, várias quedas d’águas para instalação de
hidroelétricas, inúmeros ervais, milhões de árvores de madeira de
lei (principalmente cedro e peroba) e milhares de toneladas de nós
de pinho, além das terras de mato branco que poderiam ser vendidas
a colonos migrantes. Para Wachowicz, com o Projeto Celulose, Mário
Fontana pretendia instalar um grande polo industrial de celulose,
nos padrões dos que haviam nos Estados Unidos e no Canadá, com
infraestrutura de energia, extração e transformação, escoamento e
reflorestamento planejado de araucárias.

Como projetos prioritários, foram escolhidos as vias de


penetração e a fábrica de celulose. Esta última deveria produzir
20.000 toneladas de papel, mensalmente. Calculou a CITLA,
que com o consumo anual de 100 mil pinheiros, produzir-se-ia
240 mil toneladas anuais de celulose. Haveria portanto matéria
prima para 30 anos, tempo necessário para reflorestamento
de 1.500.000 pinheiros por ano. Com o reflorestamento
sistemático, a produção de celulose poderia chegar a 640.000
toneladas anuais (WACHOWICZ, 1985, p. 196)117.

Entre o litígio e a grilagem, a Citla tinha vínculos com o


grupo Lupion e disputava o domínio das terras contra a Cango, os
colonos e posseiros migrantes sulistas. Para Wachowicz (1985, p.
202), nessa polarização social e político-partidária, havia o polo
dos paranistas (Citla e o grupo Lupion), com seu projeto industrial
e arranjo partidário em torno do PSD, e o polo dos sulistas (Cango,
Pinho e Terras do grupo Dalcanalle/Ruaro, ligados à família
Bornhausen, da UDN catarinense), com seu projeto governamental
de colonização dirigida, voltado aos colonos migrantes, e os arranjos
117. Ao abordar o levante dos posseiros, no capítulo X do livro, Ruy Wachowicz novamente diferenciou os interesses da
Citla (vinculada ao PSD e o paranismo) e os da Pinho e Terras (vinculada a grupos argentinos). Os grupos argentinos
e aliados locais na fronteira brasileira não tinham interesse que a Citla interligasse a fronteira do Paraná ao mercado
estadual e nacional, chegando a ocorrer atos de represália às obras de construção da estrada de ligação Pato Branco-
Francisco Beltrão–Barracão. Sobre isso, Wachowicz indicou que: “Júlio Assis Cavalheiro foi o grande aliado que a
CITLA conseguiu na região. Era um homem estimado pela população. Foi o empreiteiro dessa obra, que Mário Fontana
chamou de estrada de integração do sudoeste. Essa integração do sudoeste com o restante do Brasil não interessava
aos grupos argentinos. A estrada, se concretizada, faria o sudoeste voltar-se definitivamente para o Paraná. Os
argentinos estavam acostumados, desde os fins do século passado, a explorar economicamente a região. A erva mate e
o pequeno comércio era como que controlado pelas firmas argentina. [...] Quando a estrada já estava aberta, por 8 ou 10
quilômetros, chegaram no local da frente de trabalho uns elementos policiais brasileiros de Santo Antônio, perguntando
pelo administrador dos trabalhos. O rapaz administrador estava no chimarrão, depois do serviço, à noitinha. Levantou-
se e disse que era ele. Mataram-me o rapaz. Passaram Fogo [...]” (In: WACHOWICZ, 1985, p. 209).

129
partidários em torno do PTB varguista e da UDN. Nota-se que, nessa
polarização, o próprio Ruy Wachowicz não deixa de acentuar seu
paranismo, mesmo não sendo simpático com a Citla e o lupionismo.
A presença de migrantes colonos e de outros posseiros, no
entorno de Francisco Beltrão e no zoneamento da fronteira, entre
Barracão e Capanema, que agiam fora do controle da Citla, conforme
o relato que Mário José Fontana deu em entrevista a Ruy Wachowicz,
realizada em Curitiba, no dia 20/12/1978, representava pequenas
grilagens: “De repente, saía taboa de todos os lados [...]. Verdadeiros
ladrões. Não davam nem confiança para a firma (CITLA), nem para
coisa alguma. Foi aquele avança” (FONTANA apud WACHOWICZ,
1985, p. 202).
O confronto entre os pequenos grileiros e os grandes e
poderosos grileiros, de terras e madeiras, realmente não teria
solução tranquila. Convém novamente citar a abordagem que Ruy
Wachowicz fez sobre o assunto a partir das memórias de Mário
Fontana, para uma visualização das diferenças que havia entre a
Citla e os moradores já estabelecidos pela Cango, os colonos posseiros
mais antigos ou recém-chegados.

O fluxo migratório não parava. A CITLA continuou a fazer planos


para a instalação da fábrica de celulose. Os planos avançavam
substancialmente neste sentido. Fontana já estivera em 1946
nos Estados Unidos e Canadá, e em 1952 voltou para estes
países, para estudar os grandes empreendimentos no setor. A
CITLA mandou elementos de Porto Alegre estudar o assunto na
Escandinávia, região nórdica também produtora de celulose.
Foi estudada a possibilidade de se importar o sal e o cloro,
matérias primas indispensáveis para o projeto, diretamente do
Lago Poopo, da Bolívia. O enxofre e o sulfato de sódio viriam do
xisto de União da Vitória. A Krupp e a Whestinghouse, ambas
firmas alemãs, foram convidadas para participarem do projeto.
Estudou-se a possibilidade de instalar usinas elétricas nos
rios Chopim e Iguaçu. Foi escolhido o local da construção da
indústria de celulose: a Volta Grande do rio Iguaçu, no Verê. Alí
existia excelente quantidade de água para o empreendimento.
Celulose exige muita água de boa qualidade. Nas Águas do Verê,
seria instalada a indústria e localizada a cidade industrial.
As firmas estrangeiras entrariam com 48% do capital e
as nacionais com os restantes 52%. O vulto do projeto e as
repercussões políticas que o mesmo poderia trazer para a
região, atraiu o interesse do grupo Lupion. Como a CITLA
pertencia à corrente do PSD e de certa forma dependia do apoio
político desse partido, Fontana resolveu concordar com o grupo
Lupion, formando o capital nacional da firma (WACHOWICZ,
1985, p. 202-203).

130
A rede de relações que Mário Fontana tinha construído
no âmbito local e estadual, principalmente com o Grupo Lupion,
durante o período de 1951 a 1955, acentuava a polarização. Nesse
ínterim, além da partidarização PSD x PTB/UDN, os investimentos
iniciais que a Citla realizava em infraestrutura, a resistência que
os colonos e posseiros tinham em fazer acordos nas condições
estabelecidas pela companhia, as pendengas jurídicas do litígio da
gleba Missões/Chopim (Cango/INIC x Citla) e a necessidade de novos
recursos para o projeto celulose acentuou os vínculos da empresa e
de Fontana com o grupo Lupion. Com relação a essas questões, os
relatos e memórias que Mário Fontana concedeu a Ruy Wachowicz
são fundamentais, porém também incorporam a visão dele no
tempo presente, uma vez que os descaminhos que a Citla, Moysés
Lupion e o lupionismo tiveram que enfrentar no período de 1955 a
1960 ofuscaram os brilhos do Projeto Celulose.

Nos anos de 1951 a 1955, foram feitas vultosas despesas pelo


grupo Lupion com o projeto na França. Até diplomatas do
Itamaraty entraram nas negociações. Estas não foram feitas
pessoalmente por Moisés Lupion, mas pelo grupo que o mesmo
liderava. Segundo Fontana, Lupion só tinha vaidade de ser
governador. Mas, os irmãos é uma tragédia, esses irmãos... pá
(WACHOWICZ, 1985, p. 204).

Na entrevista produzida em 1978, Mário Fontana recoloca


as querelas que teve contra as lideranças dos posseiros e colonos,
praticamente invertendo as posições e responsabilizando a oposição
e o governo Bento Munhoz pelas perdas e fracassos do Projeto
Celulose. Também é possível perceber que Mario Fontana diferencia-
se do próprio grupo Lupion e distingue os membros do grupo e da
família Lupion. Ruy Wachowicz registrou algumas destas revisões
das memórias de Fontana: “As serrarias de pequenos grileiros já se
contavam às centenas” (WACHOWICZ, 1985, p. 204).
As condições de situação ou de oposição em relação a um
ou outro governo local, estadual e nacional igualmente foi foco da
visão retrospectiva que Mário Fontana construiu a mais de duas
décadas depois dos fatos vividos, das lembranças e de suas marcas
na memória.

131
Esse Anibeli, o pessoal da UDN. Tinha um médico, um tal de
Pecoits, que era um inferno. [...] tinha serrarias, só aliciava
pessoal para o mal. Lá em Dois Vizinhos, tinha outra gente que,
se apossou de pinhais grandes e que comandavam também.
Era muita gente, procurado fazer revolta. Queriam ser é donos,
afastando os donos (FONTANA apud WACHOWICZ, 1985, p.204).

Ao falar sobre o passado, Mário Fontana, para não se


comprometer com os abusos e violências praticadas a seu mando
e dos demais dirigentes das companhias imobiliárias, igualou as
partes (elementos que queriam o mal e aliciadores), ao nivelar
os pequenos grileiros com os grileiros poderosos, os invasores de
propriedades (que queriam ser donos das terras) com os grileiros e
seus jagunços. Passadas mais de duas décadas, ninguém condenaria
mais aquele que foi o principal diretor da Citla118.
Ao eximir-se da responsabilidade de ser agente e dirigente
de uma empresa que praticou grilagem, expropriações e violências,
em sua entrevista, Mário Fontana (principal sócio proprietário)
separou a Citla/Fontana da Citla/Lupion, bem como das mudanças
ocorridas após a eleição de Moysés Lupion para o governo do Paraná,
em 1955, e o início do seu segundo mandato (1956/1961). Ao tratar
das mudanças que houve na Citla e a participação de duas novas
companhias imobiliárias – Comercial e Agrícola Paraná Ltda.;
Colonizadora Apucarana Ltda. –, Ruy Wachowicz apresentou o relato
que Fontana deu em sua entrevista:

A oposição, PTB e UDN, acusavam ao governador Lupion de ter


pago com as terras da CITLA seus cabos eleitorais, que haviam
investido somas consideráveis na campanha eleitoral de 1955.
Mário Fontana nega esse fato. Inclusive nega as afirmações de
que era auxiliado pelo grupo Lupion. Ao contrário: Eu é que au-
xiliei a eles, politicamente. Isto sim. O fato dos empreendimentos,
esta coisa toda, a pessoa adquire uma certa liderança. Eu não pre-
tendia nada em política, nada para mim. Mas, estava ajudando.
Afirma ainda que só recebeu apoio do deputado pela região,
Cândido Machado de Oliveira Neto, na questão da construção
das estradas. Ele imediatamente conseguiu que se fizesse o es-
tudo (WACHOWICZ, 1985, p. 206-207).

Em relação aos vínculos de Moysés Lupion com as empresas


Comercial e Apucarana, e os desdobramentos no Sudoeste, Iria
118. Neste aspecto, a participação que Júlio Assis Cavaleiro teve junto a Citla e na localidade de Beltrão (pioneiro e homem
com grande influência e respeito social) auxiliou para a construção de uma visão amena da Citla (não praticava
violências nem tinha jagunços!) e do Mário Fontana.

132
Gomes indicou as duas versões que há sobre esse assunto: - uma
relacionada aos apoios e ao financiamento da candidatura de Moysés
Lupion ao governo nas eleições de 1955119; - outra referente às dívidas
que o grupo Lupion fez no exterior com o Projeto Celulose e tinha que
saldar, conforme relato do Mário Fontana120.
O posicionamento de Mário Fontana inclui sua avaliação
de que o Projeto Celulose tinha fracassado (em decorrência dos
pequenos grileiros que reduziram significativamente as matas de
araucárias e das dívidas do grupo Lupion) e que a Citla tinha perdido
espaço, seja em termos de área física, quanto de força empresarial
e política, pois em seu relato a Ruy Wachowicz, ele manteve suas
diferenças com o grupo Lupion. A construção da imagem de que
a Citla não praticava barbarismo, nem antes nem depois de 1956,
também serve de blindagem aos grandes homens da história de
Francisco Beltrão que atuaram na Citla ou apoiaram seus negócios121
e vice-versa (no passado e no presente-passado estas personalidades
locais melhoram a imagem da Citla ou, em períodos posteriores,
passam a ser mais importantes do que a Citla para a história do
município de Francisco Beltrão). Neste aspecto, Iria Gomes indicou
as novas condições e situações enfrentadas pelos colonos e posseiros
na luta pela terra.

É interessante notar que, com a entrada das duas companhias


na região, há uma redivisão da área de atuação: a CITLA fica
quase exclusivamente com a sede de Francisco Beltrão; a
Comercial, com parte do interior de Francisco Beltrão e com as
119. Para Iria Gomes, esta versão é conhecida como: “Uma, a mais divulgada, afirma que, por ocasião de sua segunda
campanha eleitoral, o Sr. Moysés Lupion assumiu dívidas significativas com João Simões, diretor do Banco do
Estado do Paraná e com Jorge Amin Maia, na época prefeito de Apucarana. Como pagamento das dívidas, ao
primeiro coube as terras comercializadas pela Comercial Agrícola e ao segundo, as comercializadas pela Apucarana”
(GOMES, 1986, p. 49).
120. Para esta, Iria Gomes referiu-se: “A segunda versão é de Mário Fontana, diretor presidente da CITLA, Segundo
Fontana, o grupo Lupion, querendo participar do Projeto Celulose, assumiu no estrangeiro, principalmente na França,
dívidas exorbitantes. Como Fontana não tinha recursos para pagar essas dívidas, foi ‘obrigado’ a entregar parte das
terras das glebas Missões e Chopim às duas companhias. Segundo o diretor da CITLA essa quantidade de despesa que
dizem que fizeram, eu fui obrigado a fazer na ‘marra’ o acerto com duas companhias que me indicaram. Uma era a Cia.
Comercial, dirigida pelo João Simões e a outas era a Apucarana, dirigida pelo Amin Maia” (GOMES, 1986, p.50; cf.
WACHOWICZ 1985, p. 206; DAMBROS, 1997, p. 29-30; FERES, 1992, p. 509).
121. A partir desta reflexão é preciso ler a obra de Rubens da Silva Martins, Entre jagunços e posseiros, pois sua fidelidade
ao pessedismo e ao lupionismo, também inclui a Citla: “As duas colonizadoras instaladas em Francisco Beltrão
encaravam a situação e procediam de maneira diversa: a Comercial Agrícola Paraná recorria às ameaças e à intimidação
dos posseiros para forçá-los aos acertos de sua conveniência; a Clevelândia Industrial e Territorial Ltda., lançava
mão de métodos suasórios brandos, mais convenientes e formulava melhores propostas, transmitidas aos colonos por
intermédio de um homem de alta credibilidade, cuja palavra empenhada dispensava a assinatura de contratos formais e
o aval de terceiros. Esse homem, Júlio Assis Cavalheiro, convencido de que as terras da região pertenciam, sem dúvida
alguma, à CITLA, como diziam as escrituras registradas nos cartórios, aceitou, em fins de 1953, a incumbência de
chefiar seus escritórios no Município, face às razões que exporia, anos depois, em entrevista concedida aos autores de
Francisco Beltrão: 25 anos de luta, de trabalho e de rogresso’” (MARTINS, 1986, p. 347-348).

133
áreas de Verê e de Dois Vizinhos; e, a Apucarana, com áreas nos
municípios de Capanema e Santo Antonio do Sudoeste, região
de fronteira com a Argentina .
A entrada dessas duas companhias inicia uma nova fase
na história da luta pela terra na região, onde a especulação
imobiliária passa a comandar o processo de expropriação e
espoliação violenta de que são vítimas os posseiros ali instalados
(GOMES, 1986, p. 50) .

Moysés Lupion (PSD) tinha sido eleito senador pelo Paraná


nas eleições de 1954, obtendo 162.814 votos, a maior votação entre
os candidatos122. Na eleição geral de 1955, Lupion renunciou ao
Senado123 para disputar o governo do Paraná, pelo PSD, vinculando
sua candidatura a de Juscelino Kubitschek à presidência124. Moysés
Willi Lupion de Tróia foi eleito com 185.108 votos e Kubitschek
obteve 108.031 votos no Paraná, fato esse considerado por Rubens
da Silva Martins (1986, p. 358), como “uma infidelidade do PSD no
Paraná”, pois Lupion tinha obtido 77.077 votos a mais do que JK, do
mesmo partido. Mesmo tendo Othon Mäder (UDN) como candidato
concorrente ao governo do Paraná, Lupion obteve uma votação
expressiva no Sudoeste, pois, durante a campanha, tinha prometido
resolver o problema da terra aos posseiros125.
Nas eleições municipais de 1956, o PSD elegeu os prefeitos
dos 5 municípios do Sudoeste do Paraná, demonstrando a força do
PSD local e sua articulação com o governo Lupion. Esse resultado
eleitoral também serviu de base para Rubens Martins e Gaspar
122. Os demais candidatos foram: Alô Guimarães (PSD) com 135.204 votos. Paraílo Borba (122.651 votos) e Rocha Loures
(44.342 votos) não foram eleitos (In: MILLARCH, 1990, p.4 – Acessado em 10/6/2014).
123. Em seu lugar no Senado, assumiu a vaga Alô Guimarães (PSD), na condição de suplente de Lupion. Já na própria
vaga de Guimaraes, assumiu Gaspar Velloso (PSD), que era suplente do Guimarães. Sobre esta artimanha, Lupion
relatou que: “Eu renunciei e o Alô Guimarães assumiu, como suplente, a minha cadeira – o que permitiu que o seu
suplente, Gaspar Velloso, fosse para o Senado. Claro que, na época, isto irritou os outros partidos e provocou muitas
discussões. Mas conservamos as vagas no Senado” (In: MILLARCH, 1990, p. 4 – Acessado em 10/6/2014). Em 1956,
Alô Guimarães (PSD) foi candidato a prefeito de Curitiba nas eleições municipais, sendo derrotado pelo candidato Nei
Braga (sem partido), porém apoiado pelo grupo de Bento Munhoz da Rocha.
124. Sobre sua candidatura ao governo do Paraná, Moysés Lupion relatou que foi um pedido do candidato a presidente
do PSD, Juscelino Kubistchek: “Foi uma convocação pessoal do Juscelino Kubitschek de Oliveira, que disputava a
Presidência da República. Ele foi objetivo e não me deixou alternativa: ‘preciso de você novamente no governo do
Paraná’. Disciplinado, atendi o pedido do meu correligionário mineiro” (In: MILLARCH, 1990, p. 4 – Acessado em
10/6/2014). Nessa entrevista, Moysés Lupion também definiu sua posição político-partidária: “Eu sou do tempo da real
identidade partidária, da fidelidade política” (In: MILLARCH, 1990, p. 4 – Acessado em 10/6/2014). Essas marcas do
pessedismo e do lupionismo também são muito explícitas na abordagem que Rubens Martins expôs em seu livro Entre
jagunços e posseiros.
125. Conforme dados do TRE/PR, a Eleição de 1955 para Governador no Paraná teve o seguinte resultado geral: Moysés
Willi Lupion (PSD/PDC/PTN) obteve 185.108 votos; Mario Batista de Barros (PTB/PR) teve 151.152 votos; Othon
Mäder (UDN) somou 66.207 votos; Luis Carlos Pereira Tourinho (PSP) ficou com 46.082 votos; e, Carlos Amorety
Osório (PSB) somou 417 votos. Também houve 18.458 votos em branco e 6.693 votos nulos, totalizando 454.117
eleitores votantes. Siglas partidárias: - PSD: Partido Social Democrático; - PDC: Partido Democrata Cristão; - PTN:
Partido Trabalhista Nacional; - PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; - PR: Partido Republicano; - UDN: União
Democrática Nacional; - PSP: Partido Social Progressista; e, - PSB: Partido Socialista Brasileiro.

134
Velloso alegarem que a rebeldia dos colonos e posseiros era coisa da
oposição (do PTB e da UDN), de um revanchismo, interessados na
desordem, no desrespeito à propriedade e à lei, com o propósito de
desestabilizar o governo Lupion e de recuperar suas bases eleitorais.
Além das ações que Moysés Lupion (governador, senador
e empresário) já havia realizado dentro e fora do Estado para
favorecer a Citla e as novas companhias imobiliárias – Comercial
e Apucarana –, ao assumir o seu segundo mandato no executivo do
Paraná, novamente agiu para desembaraçar os negócios, como expôs
Iria Gomes. Dentre essas ações do governo Lupion, duas merecem
destaque por tratar-se de intervenções lupionistas que envolveram
negócios e governo. A primeira delas foi o ato do governador Lupion
que “revogou a portaria que impedia a recolhimento das ‘Sisas’, em
1956” (GOMES, 1986, p. 49). A segunda foi mais contundente, pois
envolveu a base partidária e o governo do Estado. No dia 4 de abril
de 1956, o Conselho de Segurança Nacional (CNS) encaminhou ao
Senado Federal documento referente à resolução sobre a ilegalidade
da escritura de dação da gleba Missões e parte da Chopim à Citla.
Moysés Lupion, na condição de governador pelo PSD, ameaçou
romper as relações com o governo federal de JK e com o PSD nacional,
se Juscelino Kubitschek mantivesse a posição de apoiar a aprovação
do anteprojeto de lei no Senado, que regulamentasse a decisão do
Tribunal de Contas de decretar a “nulidade da escritura conferida a
Clevelândia industrial e Territorial Ltda. – CITLA – e o cancelamento
do respectivo registro” (In: LAZIER, 1980, p. 20)126. Diante da pressão
do PSD e do governador do Paraná, Kubitschek voltou atrás nos
encaminhamentos que havia realizado e o assunto não foi para a
pauta do Senado.
A partir dessa correlação de forças, o litígio e a grilagem
de terra passaram a ter novos desdobramentos. Para Hermógenes
Lazier, nesse cenário, as práticas coercitivas predominaram nas
ações das companhias após 1956: “Pode-se afirmar que era o Grupo
Lupion, através da CITLA, da COMERCIAL e da APUCARANA com seus
126. Hermógenes Lazier reproduziu o documento que o Conselho de Segurança Nacional encaminhou ao Senado Federal,
no dia 04/04/1956, contendo 16 considerandos e 5 considerandos das resoluções propostas ao Ministério da Guerra
(enviar um destacamento a Santo Antônio do Sudoeste para garantir a ordem social e os serviços de colonização que o
INIC devia realizar na região), que fosse oficiado o Procurador Geral da República para dar andamento à ação ordinária
de nulidade da escritura e cancelamento do seu registro, que fossem oficiados os Tabeliões e Oficiais de Registro de
Imóveis das Comarcas de Francisco Beltrão, Clevelândia, Pato Branco, Santo Antônio, Capanema e Barracão em
relação à legislação sobre as terras da Faixa de Fronteira, e que fosse enviada cópia do documento ao Consultor Geral
da República (LAZIER, 1980, p. 20).

135
jagunços, acobertados e amparados pelo Poder Público Estadual, a
arrancar dinheiros dos posseiros de qualquer maneira, utilizando
todas as formas de arbitrariedades” (LAZIER, 1980, p. 20).
Nesse contexto, a contrapelo das companhias e do bloco
lupionista (companhias, governo e PSD), que não vacilavam
em suas chicanas de legítimos proprietários da gleba Missões e
Chopim, Iria Gomes situou as reações que os colonos, posseiros,
comerciantes, profissionais liberais, moradores urbanos e as
lideranças, articuladas em torno do PTB e da UDN, passaram a
realizar: “Passaram, então, a usar outras formas de resistência que
num primeiro momento, foram localizadas e de pequenos grupos e,
posteriormente, transformaram-se na grande resistência coletiva:
a tomada das cidades” (GOMES, 1986, p. 48). Todavia, enquanto
resistência, reação e proposição, a radicalização das ações dos
colonos e posseiros, bem como as práticas de desobediência
civil e de subversão à ordem local esteve umbicalmente ligada à
conscientização de que não haveria outro caminho.
Para o período posterior a 1956, Iria Gomes inclui outros
aspectos relacionados às ações das companhias: o respaldo do governo
Lupion e a força do grupo Lupion junto à Citla (independentemente
do perfil de Júlio Assis Cavalheiro), à Apucarana e à Comercial
davam garantias de impunidade aos seus agentes (grileiros e
jagunços), quando não o próprio respaldo das agências de governo,
de funcionários e dos poderes públicos (prefeitos, delegados, polícia
militar, policiais, juízes e promotores); o segundo mandato de Moysés
Lupion no governo do Paraná tinha um prazo de vigência (1956-
1961) e as companhias, principalmente, a Apucarana e a Comercial,
recém-chegadas no negócio e ávidas pelos lucros imediatos, não
queriam e não podiam perder tempo na especulação imobiliária da
terra; a permanência de querelas judiciais no litígio INIC/Cango x
Citla/Lupion tornavam mais urgentes os resultados da especulação
imobiliária às companhias e ao grupo Lupion, diante da possibilidade
legal de cancelamento da escritura de dação; as formas de vendas
passaram a ser realizadas com uso da força, por meio de milícias
privadas, contratadas pelas companhias, pois as medidas brandas e
cordiais não traziam bons resultados aos especuladores127.
127. “Os primeiros emissários das companhias, que entraram em contato com os colonos, eram gente bem vestida.
Esclareciam que parte do pagamento poderia ser em produtos agrícolas ou em gado. Como esses corretores não

136
Iria Gomes também destacou que as pressões indiretas e
diretas que, até então, estavam concentradas mais no meio rural,
atingindo fundamentalmente os colonos posseiros; a partir de 1956,
também passaram a ser direcionadas aos moradores urbanos, das
cidades e dos patrimônios (distritos e vilas), ampliando a população
atingida pelas expropriações e violências128: “Com a violência se am-
pliando também para os moradores urbanos, a ação das companhias
deixa de ser um problema apenas dos colonos. Torna-se um proble-
ma regional” (GOMES, 1986, p. 82-83).
Em seu novo modus operandi, a Comercial e a Apucarana,
fundamentalmente, passaram a contratar jagunços que agiam de
forma violenta, forçando colonos e posseiros a assinarem contratos
de compra e venda e promissórias de dívidas (confissão de dívida),
ou submetendo-os a expropriações, despejos e humilhações, quando
não a espancamentos, sevícias, abusos sexuais e assassinatos.
Com relação a essas novas práticas, Ruy Wachowicz indicou
que as companhias criaram suas milícias privadas: “Trouxeram para
a região pistoleiros do norte do Estado e ao que parece, retiraram da
penitenciária do Ahú de Curitiba, os presos que manifestaram desejos
de colaborar manu militari com os interesses das companhias”
(WACOWICZ, 1985, p. 216). Com essa força para-policial privada
os jagunços agiam como corretores (forçando negócios dos quais
recebiam porcentagem) e agentes de desintrusagem nos casos em
que os colonos e posseiros resistissem às propostas das companhias.
Praticamente, os jagunços faziam do terror e do medo, a
força de pressão, atuando e expondo abertamente o aparato bélico,
como fator de ameaça: “Os jagunços percorriam a região em jipes
conseguiam vender ao colono procurado, recorreram aos jagunços. Quando estes invadiram o lar do colono,
desmoralizando sua família, o colono deixou a enxada e pegou a winchester” (WACHOWICZ, 1985, p. 213).
Em entrevistas que Júlio Assis Cavalheiro fez sobre sua atuação na Citla, informou que vendeu 500 lotes da companhia.
Entre suas memórias sobre jagunços e posseiros, Cavalheiro também relatou que discordava da forma como a
Comercial e a Apucarana agiam (WACHOWICZ, 1985; GOMES, 1986; LAZIER, 1980).
Outras informações referentes às vendas que a Citla realizou foram incluídas na obra de Iria Gomes (1986), com
menção às práticas de sobreposição de escrituras/contratos de compra e venda (lotes vendidos mais de uma vez e
andares no histórico de registros): “Conforme relatório feito pelo INIC, em 1958, a pedido do Presidente da República,
a CITLA havia vendido, entre 1954 a 1957, 425.606 hectares, a companhia apresentou documento comprobatório das
vendas, inclusive registro em cartório, de 325.245 hectares com superposição de área e com registro, também neste
caso, em cartório. Deve ser ressaltado que, nessas vendas, está incluída a transação com a Companhia Comercial e
Companhia Apucarana. O relatório destaca, ainda, que toda a faixa de fronteira, que estava excluída da escritura de
dação em pagamento, foi incluída nas vendas da CITLA. É o caso das terras vendidas à Apucarana que atuava na divisa
com a Argentina” (GOMES, 1986, p. 54 – nota 106).
128. Mesmo que a Citla tenha permanecido com as terras da cidade e do entorno de Francisco Beltrão, ou que Júlio Assis
Cavalheiro atuasse sem o uso de violências, seu escritório em Lajeado Grande, sob a direção de Nilo Fontana, irmão
de Mário Fontana, estava comprometido com os mandos e desmandos praticados em conjunto com a Apucarana e a
própria Comercial no Verê e Dois Vizinhos.

137
DKW, pintados de amarelo, sempre ocupados por homens portando
metralhadoras e pistolas calibre 44 e 45” (WACHOWICZ, 1985, p. 217).
A prática de violência passou a ser ofício das companhias,
a tal ponto de o próprio gerente da imobiliária Apucarana, Gaspar
Kraemer, fazer propaganda desse modo de operação: “Em Santo
Antônio, o administrador da APUCARANA, Gaspar Kraemer, dizia
nos bares, hotéis e nas ruas, que bastaria matar uns 20 ou 30 colonos
que o resto se intimidaria ou fugiria para a Argentina, pois essa
experiência já havia sido feita no norte do Paraná e tudo dera certo
(WACHOWICZ, 1985, p. 214).
A segurança da impunidade estava, justamente, na aliança
que as 3 imobiliárias tinham com o governo de Moysés Lupion,
as autoridades locais e as instâncias dos poderes públicos, como
analisou Iria Gomes: “Esta situação só era possível porque contava
com a conivência das autoridades policiais e administrativas
locais e estaduais e com a omissão do Governo Federal em relação
à ilegalidade da transação imobiliária da SEIPN com a CITLA”
(GOMES, 1986, p. 57).
Além da estrutura e da logística paramilitar (milícias e
armamentos), agentes da ordem pública também participavam
dessa pedagogia do medo e da impunidade.
Por sua vez e em oposição às imobiliárias, o senador Othon
Mäder (UDN), o deputado federal Bronislau Ostoja Roguski (PTB)
e o deputado estadual Antônio Anibelli (PTB) mobilizavam a base
partidária e eleitoral no Sudoeste, denunciando as companhias e
esclarecendo os colonos e posseiros para não assinarem documentos
de compra e venda e notas promissórias. O senador chegou a
enviar uma carta, datada em 12 de março de 1956, denunciando as
irregularidades da escritura de dação que a Citla teria obtido junto
ao SEIPN (WACHOWICZ, 1985, p. 212).
Em relação a essas ações da UDN e do PTB, conforme
indicou Ruy Wachowicz, em matérias de jornais, os diretores da Citla
rebatiam Othon Mäder acusando-o de parcialidade: “Era acusado
de parcialidade, visto que não remeteu esta carta aos posseiros que
estavam estabelecidos nas terras adquiridas da Superintendência
pela firma PINHO E TERRAS” (WACHOWICZ, 1985, p. 212).

138
Além dos embustes dos “empregados e dirigentes”, das vio-
lências e das chicanas, as companhias praticavam outras extorsões.
Estabeleciam valores bem acima do preço estipulado pela Cango ou
pelos preços de compra de direito de posse que era praticado entre
a população local. Em seu discurso na tribuna do Senado, durante a
39ª Sessão realizada no dia 17/5/1957, Othon Mäder denunciou esse
abuso que as companhias realizavam.

Segundo comunicações recebidas do Estado, as quais lerei


para conhecimento da Casa, estão exigindo os que se dizem
proprietários das áreas Cr$ 8.000,00 por alqueire, ou sejam Cr$
80.000,00 por lote de dez alqueires comumente denominado,
naquela região, colônia.
E ainda excluindo da venda toda a madeira de valor industrial,
o que representa outros Cr$ 80.000,00 por ‘colônia’, aproxi-
madamente. O preço da colônia vai, portanto, a cerca de Cr$
150.000,00. Ora uma colônia ou um pequeno lote é o suficiente,
apenas, para uma pequena família. O agricultor de prole nume-
rosa não poderá viver em tão exígua extensão de terra e será
obrigado a comprar dois, três ou quatro lotes, o que elevará for-
çosamente, a despesa para Cr$ 200.000,00 ou Cr$ 300.000,00
(MÄDER, 1957, p. 385)129.

Nessa Sessão do Senado, Othon Mäder fez-se acompanhar


dos colonos, Augusto Pedro Pereira e Rosalino Amandio da Costa,
que tinham ido até a capital federal, Rio de Janeiro, para apresentar
às autoridades um abaixo-assinado com reivindicação para que o
governo federal e as autoridades dos órgãos fundiários tomassem
medidas em relação ao acordo de pagamento realizado entre a Citla
e a SEIPN, e solicitavam orientações sobre o que deveriam fazer:

como devem proceder, tendo em vista os dispositivos do Decreto-


lei número 2.597 e seus [sic.] Regulamento, no qual consta que
as glebas Missões e Chopim, por força do Decreto-lei número
39.364, de 13 de junho de 1956, artigo 1.º, § 2.º, as glebas Missões
e Chopim passam a pertencer ao Patrimônio do Instituto
Nacional de Imigração e Colonização (In: MÄDER, 1957, p. 386).

129. Em passagem mais adiante do discurso, o Senador Mäder acrescentou: “Nesta base de preço a CITLA vai receber pela
venda dos terrenos ‘Missões’ e ‘Chopim’ cerca de dois bilhões e oitocentos milhões de cruzeiros (Cr$ 2.800.000.000,00),
terrenos estes que foram fraudulentamente desfalcados do patrimônio público (Êmpresas Incorporadas) por apenas oito
milhões de cruzeiros (Cr$ 8.000.000,00). São cifras de estarrecer” (MÄDER, 1957, p. 387).
Sobre os abusos na especulação do solo, preços de até 10 vezes mais do que o indicado pelo Estado, Iria Gomes citou
uma passagem do relato que o advogado Edu Potiguara Publitz concedeu em entrevista a Ruy Wachowicz, em fevereiro
de 1979: “Eles queriam vender as terras aos colonos numa base de 80, 100, 120 mil cruzeiros a colônia, quando o
Estado... vendia as terras na base de 9, 10 e, no máximo, 12 mil cruzeiros... queriam um preço extorsivo que o colono
absolutamente não podia pagar” (PUBLITZ, Edu P. apud GOMES, 1985, p. 55).

139
Na mesma tribuna, Mäder também informou que, há vários
dias, os dois colonos estavam na capital já passando dificuldades
financeiras e não tinham conseguido agenda com as autoridades:
“Não obtendo audiência, resolveram deixar, na portaria do Palácio
do Catete, o documento de que passo a dar ciência ao Senado”
(MÄDER, 1957, p. 386).
A reação da população local passou a ter novos rumos e
desdobramentos que, para o momento, não convém detalhar, haja
vista a amplitude das fontes e das ações. As pesquisas de Hermógenes
Lazier (1980 e 1998), de Ruy Wachowicz (1985), de Iria Gomes (1986) e
de Rubens da Silva Martins (1986), assim como os discursos de Othon
Mäder (1957 e 1958) permitem uma boa leitura aos interessados. Além
disso, estas referências (autores e obras) podem ser consideradas
clássicas e, praticamente, requisito básico para o debate acadêmico,
bem como para uma análise da produção de novas linguagens, de
lugares de memórias e de comemorações, fomentadas por agências
e agentes locais, vinculados aos governos municipais, instituições e
entidades da sociedade civil.
Nesse sentido, para este ensaio, não convém detalhar
passo-a-passo a trama das ações e reações ocorridas durante o ano
de 1957, haja vista que não traríamos novos elementos substâncias
em relação aos que já foram produzidos sobre os fatos, as fontes, os
sujeitos e as autorias da bibliografia consultada. Entretanto, para o
estudo da história da história do movimento, relacionada à tradição
e às comemorações, entendemos que os aspectos mais recorrentes
e reforçados da seletividade incluída nesta tradição (versão
hegemônica articulada com a oficialidade, dentro e fora do Estado, à
época e em momentos posteriores) necessitam de breve comentário,
pois estão presentes nas novas edições dos estudos bibliográficos,
em outras linguagens produzidas sobre a revolta e nos eventos de
registro de passagens. Enfim, os resultados do tempo (na história, nos
sujeitos, nas memórias, no saber social e na historiografia) podem
ser (re)vistos em suas várias dimensões e redefinições, mantendo
ou não aproximações e descolamentos entre a história-passado e
o conhecimento presente sobre o passado. Portanto, também são
novas histórias vividas.

140
Em termos gerais, as novas abordagens revisam criticamen-
te o pioneirismo e as apologias que transformaram a revolta de 1957
num mito fundador, numa tradição à região e ao homem sudoestino.
Porém, essa tradição da revolta de 1957 apresenta força simbólica; já
integra a memória social oficializada e a opinião pública na socie-
dade do Sudoeste, a tal ponto que reproduz/reifica a própria seleção
do passado (quem foram os lideres, quem são/foram os autorizados
a falar em nome e sobre a revolta, quais foram e são as personali-
dades e líderes, ou sobre quais foram os episódios/fatos seleciona-
dos para registrar)130. O período pós-outubro de 1957 e as trajetórias
das lideranças no âmbito da representatividade política (prefeitos,
vereadores, deputados estaduais e federais) têm essas vinculações.
Com o transcorrer do tempo e da vida, paulatinamente,
a geração de 1957 deixa de existir e aquilo que foi registrado, a
exemplo das entrevistas, acaba constituindo um acervo documental
marcado pelo próprio tempo e as autorias da/na sua produção, como
as entrevistas que Ruy Wachowicz (1985) realizou. Estes efeitos do
tempo também consolidam as seletividades, os silenciamentos e os
esquecimentos (os dois últimos, inclusive, definitivamente quando
se trata da não produção, em vida, de fontes orais e escritas ou da
não transmissão, por oralidade, enquanto memória viva a outrem)131.
Éverly Pegoraro (2008) não teve como entrevistar algumas
lideranças da revolta de 1957, já falecidas à época em que realizou sua
pesquisa sobre os “dizeres em confronto”. Buscou, então, em outras

130. É preciso considerar que a própria população produz e reproduz seus líderes e porta-vozes, de acordo com as próprias
relações sociais locais (parentesco, vizinhança, religião e comunidade), seus hábitos e costumes incorporando ou não
às coisas e mediações do Estado.
131. O silenciamento e o esquecimento podem ser produzidos pelos próprios protagonistas que se deparam com traumas
existenciais que necessitam superar para garantir a integridade física, moral e psíquica. As situações de violência
sofrida ou de reações que representaram conflito com a lei são casos muito frequentes de silenciamento e esquecimento,
enquanto medida de proteção dos envolvidos. Sobre esse aspecto, Ivo Pegoraro e Hermógenes Lazier, durante as
atividades realizadas para o projeto do cinquentenário, buscaram fontes, especialmente por meio de entrevistas, que
confirmassem os casos de extremo barbarismo praticados pelos jagunços, como o da “chacina da família de João
Saldanha” (esposa e 2 filhos), citado por Othon Mäder (1958), porém não obtiveram maiores informações, além
daquelas já conhecidas por meio do depoimento que o jagunço Maringá, Lourenço José da Costa, prestou perante o Juiz
de Direito Dr. José Meger, da Comarca de Pato Branco, no dia 21/10/1957 [caso apresentado mais adiante]. Na opinião
de Ivo Pegoraro (2011) é preciso considerar que alguns relatos podem ter sido inventados ou que boatos passaram a ter
vida própria.
Como na região Oeste e Sudoeste do Paraná houve vários conflitos locais e internacionais, por vezes, na memória social
e em relatos orais, misturam-se informações sobre a Guerra contra o Paraguai, Contestado, Coluna Prestes e Revolta
de 1957. Isso, porém, não nega as violências e os traumas que marcaram o conflito agrário de 1957 e as vidas dos
partícipes.
Noutra medida, os confrontos e os dizeres (discursos proferidos em tribunas do poder público, em cargos no/do Estado,
aos meios de comunicação, à população e aos eleitores) produzidos entre Othon Mäder e Moysés Lupion e seus porta-
vozes, estão carregados de elementos da retórica, das posições político-ideológicas (visão de mundo e da coisa pública)
e político-partidárias (UDN x PSD).

141
pessoas suas fontes orais, por meio de relatos e memórias daquilo
que viveram, bem como, em suas versões, sobre o que determinados
líderes fizeram. As entrevistas com Manoela Sarmento Silva Pécoits
e com Inelci Pedro Matiello (sonoplasta da Rádio Colmeia, de Pato
Branco) foram realizadas para abordar a atuação do Walter Pécoits,
do Jácomo Trento (Porto Alegre), do Ivo Thomazoni e da própria
Rádio Colmeia, reafirmando a própria tradição construída em torno
dessas pessoas e do papel que a Rádio Colmeia teve, enquanto meio
de comunicação e foco convergente da organização e mobilização
social, ocorridas em Pato Branco e em Francisco Beltrão132.
Diante da interação dessa gama de fontes e linguagens
publicadas, publicizadas e edificadas (monumentos) sobre
a revolta de 1957 e do próprio movimento de revisitação, de
rememoração e de comemoração atualizados, na perspectiva
indicada por Marilena Chauí (2000), passamos a enfocar alguns
aspectos dos embates ocorridos durante o ano de 1957 e dos casos
mais marcantes de violência e de reação dos colonos e posseiros,
recorrentemente citados e consolidados na memória social e nos
mais diversos espaços institucionais do Estado e da sociedade civil
(agentes e agências), que marcam as oficialidades, as apropriações,
a conquista do movimento e a indicação dos herdeiros políticos da
revolta de 1957133, em outras temporalidades.

132. “Os colonos vinham se queixar que a polícia não tomava providência, nem a justiça... Como a Casa Rádio Sonora
patrocinava um programa na rádio Colméia de Pato Branco, o Repórter ZYS 37, passamos a trazer as notícias do interior
e conseguir divulgação num programa humorístico chamado ‘Confusão no Galinheiro’” (TRENTO, Jácomo apud
GOMES, 1986, p. 82).
133. Iria Zanoni Gomes (1986) abordou as questões sobre o papel das massas (camponeses), da vanguarda, das alianças
e das lideranças (cf. BONETI, 1995). Nos novos estudos acadêmicos de Elir Battisti (2006), Amâncio (2009) e
Anita Silva (2010), esses autores revisaram a bibliografia e criticaram Othon Mäder pela visão que ele tinha sobre
os camponeses, considerados vítimas ou vitimados, massa de manobra. Entendemos que os exageros e a vitimização,
muito presentes nos discursos antilupionistas de Mäder, podem ser lidos e interpretados desta forma, porém, a lógica
da retórica, a construção e argumentação sobre os fatos, a demonstração da consistência das provas, o conhecimento de
causa, a sofisticação e a beleza da oratória, assim como o lugar do discurso (tribunas e imprensa escrita e falada) não
podem ser confundidos com o entendimento sobre o chão da história. Na disputa político-partidária, por sinal, essas
tribunas, além de serem lugar comum e de convivência para Othon Mäder, Moysés Lupion, Antônio Anibelli e Gaspar
Veloso, dentre outros, têm suas linguagens, arranjos, jogos de cena e simulações.
Vira e mexe, esse assunto aparece em várias discussões sobre a história da América Latina e do Brasil. Os casos
mais famosos são de Las Casas (vitimização dos índios) e León Pomer (1980, vitimização do Paraguai). Parece-
nos que Héctor Bruit (1995) e José A. de Freitas Neto (2003) demonstraram que a retórica aristotélica tem muita
força simbólica.
Tratando-se da revolta de 1957, a condição de sujeitos aos camponeses é evidente, porém está “fora do lugar” pensar
que queriam fazer uma revolução agrária. Aqueles camponeses agiram coletivamente e tinham suas lideranças para
acabar com a violência e o medo que as companhias e seus jagunços realizavam e provocavam nas pessoas. Também
não aceitavam ser extorquidos financeiramente pela força e pela “lei” com preços estabelecidos pelas companhias.
Ao eliminarem as companhias, seus empregados e servidores, e obterem a promessa de regularização de suas terras
(escritura da propriedade rural ou urbana), simplesmente retornaram aos seus lugares de trabalho e moradia, atentos aos
desdobramentos da solução acordada.

142
3.4 – Buscando a cooptação: um jogo das companhias
Para além das garantias das agências e dos agentes dos
poderes públicos aliados ao governo de Moysés Lupion, as companhias
contavam com os dirigentes municipais do PSD e sua base partidária,
mas também construíram outras mediações entrecruzadas por
interesses nos negócios, laços clientelistas e círculos de amizades
que os próprios agentes e agências tinham no âmbito local e regional
no Sudoeste. Na localidade de Pranchita, a Citla chegou a obter o
apoio declarado do vigário, Padre José Wandersnicht, motivado pela
promessa de doação de 500 mil cruzeiros para a paróquia construir
a igreja (WACHOWICZ, 1985, p. 213)134. O posicionamento pró-Citla,
do pároco, não foi esquecido pelos colonos quando ocuparam a
cidade de Santo Antônio do Sudoeste, num ato de desobediência
civil à ordem. Dentre as medidas adotadas pela Junta Deliberativa e
a Comissão Executiva local referente à destituição das autoridades
pró-companhias, Iria Gomes citou que: “Também em Planchita,
ficou em prisão domiciliar o vigário da paróquia, padre José, que
abertamente, em seus sermões, fazia propaganda da ‘CITLA’”
(GOMES, 1986, p. 108).
O plano de ação das companhias incluía a cooptação de
lideranças que tomavam partido em defesa dos colonos e posseiros.
Três relatos dos envolvidos são emblemáticos, pois integram a
trajetória de vida dessas pessoas – à época e em períodos posteriores,
conforme suas narrativas e rememórias do passado –, e estão
associados à condição de liderança que tiveram no movimento e à
“eleição dos heróis” (cf. ZATTA e RIPPEL, 2013).
Em Pato Branco, o presidente do diretório municipal do PSD e
advogado da Comercial, Iris Mário Caldart, foi o porta-voz da proposta
de cooptação feita a Jácomo Trento (o Porto Alegre) e a Ivo Thomazoni:

Este advogado... propôs comprar do Sr. Otávio Rotilli a rádio


Colméia de Pato Branco e vendê-la a mim e ao Ivo Thomazoni.
Ela seria paga com publicidade a favor da companhia...
Respondi a ele que não era homem de negócios e que nunca iria
134. Ruy Wachowicz (1985, p. 213 – Nota 7) utilizou o Livro Tombo da paróquia de Rio Claro, para indicar a posição
pró-Citla do pároco, pois havia registrado seu comentário sobre a mobilização que os colonos realizaram no mês de
julho de 1957, junto ao juiz de Santo Antônio: “Parecia uma procissão de cavalaria de assalto. Passam num caminhão
e muitos cavalos. Não conseguiram nada. Aprenderam que a CITLA é Legal” (WANDERSNICHT, Pe. José apud
WACHOWICZ, 1985, p. 213).

143
compactuar com uma bandalheira daquele tamanho (TRENTO
apud GOMES, 1986, p. 84)135.

No dia 4 de agosto de 1957, o Supremo Tribunal Federal


havia recusado o recurso extraordinário que a Citla tinha movido
no Judiciário para reverter o pedido de anulação da escritura de
dação. Iria Gomes (1986, p. 71) avaliou que essa decisão repercutiu
fortemente entre os colonos, pois as Rádios Colmeia, de Francisco
Beltrão e de Pato Branco, divulgaram a notícia, enfraquecendo, com
isso, a posição das companhias e do grupo Lupion.

Do lado dos colonos, a disposição para a luta é reforçada.


Colabora para isto a ampla divulgação que as rádios de
Francisco Beltrão e Pato Branco fazem sobre tal decisão. Isso
foi possível porque a CANGO, através de seu administrador,
enviou um ofício a todos os prefeitos, juízes de direito e estações
de rádio, no qual constava o telex enviado pelo presidente do
INIC, dando ciência da decisão do Supremo Tribunal Federal e
pedindo que fosse dada ampla divulgação de tal fato em toda a
região (GOMES, 1986, p. 72).

Diante da efervescência dos ânimos de ambos os lados do


litígio e dos negócios (Cango/PTB/Rádios Colmeia/UDN/Colonos x
Citla/Comercial/Apucarana/PSD/Governo Lupion), as companhias
imobiliárias intensificaram a mobilização para a venda das
terras e pressionaram as emissoras de rádio local (proprietários e

135. Iris Mário Caldart era advogado da Comercial e teria sido o mandante do assassinato do vereador do distrito de Verê,
Pedro José da Silva (PTB), Pedrinho Barbeiro, ocorrido no dia 21 de maio de 1957 (caso comentado mais adiante no
texto). Também foi o advogado Iris Caldart que acertou a dívida que o escritório da Comercial de Francisco Beltrão
tinha com a Casa Rádio Sonora, da venda que Porto Alegre tinha feito de um motor elétrico. Sobre estas rusgas,
Wachowicz citou o relato que Jácomo fez sobre a cobrança do cheque sem fundo que havia recebido para o pagamento
de um motor: “Encontrei-me com o diretor da mesma, senhor Lino Marchetti. Receberam-se em seu escritório com 14
jagunços. Quando entrei, disse: / - Vim aqui para receber o cheque que o senhor me deu e não tem fundo. / Aí ele me
disse assim: / - Eu não vou pagar o cheque para você e vou devolver o motor, salvo se você parar de agitar os colonos
para que não comprem a nossa terra. Avisa que não é legal. [...]” (TRENTO apud WACHOWICZ, 1985, p. 234).
Com relação à trajetória de Ivo Thomazoni, indicamos duas referências. Na obra de Hermógenes Lazier (1980, p
64), Francisco Beltrão – 25 Anos, consta, uma Mensagem do então Deputado Estadual Ivo Thomazoni (pela Arena)
e Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Outra breve, mas significativa biografia de Thomazoni
está publicada na página do Município de Pato Branco, link dos prefeitos: “Nasceu em 22 de setembro de 1.931, em
Joaçaba, Distrito Capinzal (SC). Exerceu atividades como homem público e radialista. De 1.945 a 1.951 administrou
negócios na Companhia Comercial Sudoeste Ltda. Nesta época, foi locutor e gerente da Rádio Colméia, atualmente
Rádio Celinauta de Pato Branco. Em 1.959 foi eleito deputado estadual. Um ano depois, a 14 de dezembro de
1.960 elegeu-se prefeito Municipal de Pato Branco. Em 1.967 elegeu-se, por votação direta, deputado estadual pela
Arena e foi membro da Comissão de Constituição e Justiça. Foi o primeiro secretário da Associação Paranaense dos
Municípios. Em 1.972 foi eleito vice-prefeito de Pato Branco. Em 1.974, foi reeleito deputado estadual pela Arena,
permanecendo líder do governo com o governador Jaime Canet Junior. Em 1.977 foi eleito presidente da Assembléia
Legislativa do Estado do Paraná. Em 1978, com a maior votação já alcançada por um arenista no Paraná, foi reeleito
deputado estadual pela Arena. Em 1.979, por motivos de saúde, renunciou ao cargo de deputado e assumiu o cargo de
auditor do Tribunal de Contas do Estado do Paraná” (Disonível em: <http://www.patobranco.pr.gov.br/o-municipio/
prefeitos/>. Acesso em: 3/9/2014).

144
funcionários). Em meio a esse cenário, o médico e vereador Walter
Pécoits (PTB), dono do Hospital Walter Pécoits e sócio proprietário da
Rádio Colmeia de Francisco Beltrão, passou a ter suas rusgas diretas
com a Citla e com a Comercial. Em meio a isso tudo, também recebeu
proposta “amistosa” das companhias para amainar as arestas136,
pois utilizavam a força/coerção e a cooptação, segundo suas
vantagens/interesses e a condição e posição dos inimigos. No caso,
Walter Pécoits era alguém que teria que ser bem medido no jogo. Em
entrevista concedida a Roberto Gomes, no mês de novembro de 1977,
citada por Iria Gomes, Pécoits relatou o fato:

Segundo Walter Pécoits, quando as companhias perceberam


que ele se tornara mais frio, e que abertamente, principalmente
através da rádio, denunciando as violências, assumira uma
posição contra elas, fizeram uma proposta de me dar uma
escritura de 200 alqueires de terra na costa do Iguaçu (In:
GOMES, 1986, p. 83; cf. WACHOWICZ, 1985, p. 244).

Ruy Wachowicz entrevistou Walter Pécoits em Francisco


Beltrão, na data de 14 de fevereiro de 1979, e tratou de outra
sutileza que Lino Marquetti137, diretor do escritório da Comercial em
Francisco Beltrão, teve com o médico. Ao deslocar-se para atender
um doente, Walter deparou-se com um bloqueio (aterro) na estrada
que a companhia tinha feito para controlar o trânsito dos colonos.
Enquanto aguardava a liberação da estrada, Nilo Marquetti, que
comandava a segurança dos capangas no bloqueio, foi conversar com
o médico e o assunto referiu-se à tensão social que havia na região.

Eu falei com ele sobre a agitação que estava ocorrendo na região,


o inconformismo, a revolta dos nossos agricultores. Expliquei ao
Lino Marquetti que todo povo tem um grau de saturação. Quando
vencido o seu grau de saturação, do sofrimento, o povo, mesmo
desarmado, é capaz de chegar ao máximo de sacrifícios e lutar
contra os poderosos para sobreviver. Entre o morrer covarde e
morrer lutando, pelo menos faz o papel histórico de valente.
136. Ruy Wachowicz fez referência a uma querela que houve entre Pécoits/Rádio Colmeia e a Comercial: “Numa
oportunidade, a COMERCIAL chamou Pecoits a juízo, para que desmentisse uma notícia que eles consideravam
calúnia. Haviam perdido uma questão no judiciário e a notícia foi divulgada. Queria um desmentido. Mas, a notícia
foi baseada em jornais de grande circulação no Brasil. Para reafirmar seu posicionamento, Pecoits pôs no ar por 10
dias consecutivos, a mesma notícia. Então, eles me situaram assim, pelo menos não como inimigo, mas como homem
independente, perante eles” (WACHOWICZ, 1985, p. 243).
Antes de vir para Francisco Beltrão, Walter Pécoits tinha sido vereador em Erechim, pelo PSD (KRÜGER, 2004,
p. 212). Foi eleito vereador em Beltrão no ano de 1956, prefeito municipal em 1960 e deputado estadual em 1962
(cf. PÉCOITS, 1994). Também relatou que teve interesse na concessão e instalação da Rádio Colmeia para utilizá-la
enquanto meio para sua projeção social e influência político-partidária.
137. A escrita do sobrenome também pode ser encontrada como Marchetti.

145
É o meu raciocínio no sentido de povo [...].
Pois, bem, nesta ocasião ele me disse o seguinte:
– Olha doutor, aqui não há nenhum problema conosco. Nós
estamos tranquilos, nós vamos conseguir fazer tudo o que nós
queremos. Eu tenho aí uns pistoleiros, uns jagunços meus, que
se o cara não está satisfeito eu aponto para eles e ele vai e mata.
Ele mata e não pergunta porque.
Eu então perguntei a ele, brincando mas meio preocupado,
se ele ainda não tinha apontado para mim. Ele me deu uma
resposta inteligente. Ele me deu uma resposta que me deixou
intranquilo ainda. Ele me disse, bem exato, isto:
– Ainda eu não apontei.
Este ainda significava que eles estavam me cuidando. Isso
me fazia tomar muita precaução. Eu era cuidadoso comigo.
Eu falava só com gente em que eu tinha absoluta confiança
(PÉCOITS apud WACHOWICZ, 1985, p. 245-246).

Outro caso de tentativa de cooptação foi feita ao advogado


Edu Potiguara Publitz, que atuava em Santo Antônio do Sudoeste e
em Pato Branco. Edu Publitz, vinculado a UDN, foi o único advogado
da região que decidiu assumir as causas jurídicas em favor dos
colonos e posseiros138. Iria Gomes recuperou o depoimento que
Publitz deu à Comissão Parlamentar de Inquérito139, realizado no
dia 6 de novembro de 1957, no qual consta o relato da tentativa de
cooptação feita ao advogado.

138. Conforme seu relato, essa decisão passou a ser uma convicção pessoal após presenciar os atos de enterro do Pedrinho
Barbeiro, em Pato Branco: “[...] eu decidi a minha luta contra as companhias no dia em que foi enterrado o vereador
de Pato Branco [...]. Eu estava ali no momento do enterro, eu e o Dr. Natalício Fischer e mais um padre de Pato Branco
que foi fazer a encomenda do corpo. [...] / Nem sequer o povo teve coragem de acompanhar aquela família no enterro
do seu chefe. [...]” (PUBLITZ apud WACHOWICZ, 1985, p. 231; 232).
139. A revolta de 1957 foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Câmara Federal, “criada para
examinar as graves ocorrências do sudoeste do Paraná” (WACHOWICZ, 1985, p. 184 – Nota 4), porém, por pressão
governista (PSD) e lupionista, a Comissão foi esvaziada e não concluiu os trabalhos. A ofensiva contra a CPI, vitoriosa
aos governistas, demonstra que o grupo Citla e Cias./governo Lupion/PSD, foi derrotado no Sudoeste (que abriu
caminho, lento, para a solução dos litígios da gleba Missões e parte da Chopim, pela força social e amplitude do levante
armado que colonos e posseiros realizaram), porém na esfera do governo estadual e federal manteve-se armado com
unhas e dentes. Joe Foweraker (1982) chegou a tratar da força de pressão que Moysés Lupion teve nos governos Dutra,
Vargas e JK, conforme segue: “A liberdade de ação do Governo estadual dependia da configuração da política federal
durante o período e, em particular da influência do PSD (Partido Social Democrático) e seu líder Moisés Lupion,
governador do Estado de 1946-50 e 1956-60, e um dos políticos da grande máquina partidária. No seu mandato anterior,
ele havia sido um dos pilares da administração Dutra, e continuou até 1955. [...] ele próprio havia encabeçado um grupo
econômico com importantes interesses no oeste, entre os quais encontravam-se nada menos do que títulos em Missões e
parte de Chopim [...], que a firma Lupion, a CITLA, havia obtido do SEIPU em 1951. Essa transação era gritantemente
ilegal e inconstitucional, envolvendo extenso suborno, nepotismo e corrupção [...]. Indicativa da influência de Lupion,
porém, foi a visível relutância de Vargas para ordenar as investigações federais, apesar da insistência de Osvaldo
Aranha. Qualquer investigação dessa ordem teria enfraquecido a facção do PSD no Paraná. De fato, após renovados
protestos e pressões, Vargas concordou com uma investigação federal, mas seu suicídio aconteceu logo em seguida, e
Lupion foi salvo pelo gongo.[segue texto sobre JK] [...] / Por outro lado, uma petição de estritamente cinco prefeitos,
pedindo o fechamento da CANGO, o esquema de colonização federal na área da CITLA, foi imediatamente atendida.
Cortando os fundos federais para a CANGO. Kubitschek demonstrou que não faria oposição concreta às operações da
CITLA na área” (FOWERAKER, 1982, p. 129-130).
Iria Gomes citou a ação dos prefeitos: “Comissão dos prefeitos do PSD, em fins de agosto de 1957, vão ao Rio de
Janeiro, capital federal, para reivindicar a extinção da CANGO” (GOMES, 1986, p. 72-73).

146
[...] fui procurado por um agrimensor da CITLA, tentando
demover-me de atender aos colonos e me convidando para
trabalhar com ele,... como advogado da CITLA, disse-me que
tinha contratado com a CITLA um serviço avaliado em mais ou
menos Cr$ 15.000.000,00 e que... dividiria comigo esses Cr$
15.000.000,00;... Respondi que era advogado pobre mas que
meu nome não tinha preço e ficava ao lado dos colonos... Desse
momento em diante.... comecei a ser hostilizado (PUBLITZ apud
GOMES, 1986, p. 84).

Para o momento, destacamos alguns aspectos dos


relatos de memórias desses “heróis elegidos”, pois dizem
respeito àqueles que se posicionaram contra os poderosos e ao
lado dos pequenos. Trata-se de pessoas que tiveram relevância
no movimento e nos atos do levante armado de 1957, porém
tinha posição social, conhecimento de causa e amparo político
suficiente para resguardar suas posições e decisões, além das
precauções que adotaram para garantir a respectiva integridade
física. Elaboraram seus relatos com elementos morais e éticos
para demonstrarem a opção acertada que fizeram no passado. Na
construção das lembranças sobre o passado, a visão retrospectiva
e os rumos da história encontram afinidades (há uma lógica
narrativa), justamente por se tratar de uma representação do
vivido (memória/história). As contraposições apresentadas por
Rubens da Silva Martins (1986) e Mário José Fontana (entrevista
concedida a Ruy Wachowicz, em 20/12/1978), demonstram as
interfaces das disputas, dos tensionamentos e das contendas
partidárias que tiveram durante os anos de 1956 e 1957 (e desde
1952), principalmente àquelas que envolveram Martins, Fontana e
Lino Marquetti com Walter Pécoits (cf. Foto 1), e as de sobreposição
do pioneirismo de Francisco Beltrão em detrimento à importância
daqueles que foram as lideranças dos colonos e posseiros na revolta
de 1957. Neste sentido, a própria publicação da Edição Histórica
dos 25 anos de Francisco Beltrão (LAZIER, 1980), fortaleceu a
sobreposição do pioneirismo na história do município de Beltrão
ao movimento de luta pela terra e resistência popular contra as
empresas imobiliárias e seu aparato estatal e paraestatal.

147
3.5 – No fio da navalha: demarcações de violências
Dando continuidade à apresentação de elementos da
seletividade construída na versão oficializada da tradição da
revolta dos colonos, bem como dos usos e abusos incorporados
em novas edições e produções de repetição atualizada do passado,
fundamentalmente no contexto do cinquentenário, há cinco casos de
violência que ocupam a centralidade nas abordagens que descrevem
o crescente acirramento dos conflitos armados até a eclosão dos
levantes de tomada geral das quatro cidades no Sudoeste do Paraná
(desobediência civil às autoridades até então instituídas, expulsão
das companhias e do aparato paramilitar, ocupação e destruição
dos escritórios e da documentação), o “grau de saturação”, como foi
definido por Walter Pécoits140, anos mais tarde (1979), na entrevista
concedida a Wachowicz. Para a apresentação destes casos é preciso
retornar a momentos anteriores aos casos de cooptação, haja vista
o aspecto didático da inserção dos assuntos neste ensaio, que não
segue a linearidade cronológica à apresentação dos temas das
práticas de violências da grilagem e das práticas de resistência e
enfrentamentos do movimento social.
O primeiro caso diz respeito ao assassinato do vereador
Pedro José da Silva (PTB), o Pedrinho Barbeiro, ocorrido no dia 21
de maio de 1957, em sua residência, localizada na sede do distrito
de Verê, município de Pato Branco, a mando da Comercial, foi um
balizador de águas nas ações das companhias, na organização dos
colonos e na repercussão do conflito agrário em âmbito estadual a
nacional141. Conforme já foi indicado, Edu Potiguara Publitz teve seu
batismo de sangue a partir desse caso.

140. Sobre o acirramento dos conflitos, Ruy Wachowicz (1985, p. 229) apresentou o cenário que havia em Francisco Beltrão
até dezembro de 1956, pois até então, “as coações ainda não existiam e a repressão das delegacias ainda não se haviam
manifestado”. Todavia, a logística já havia sido montada: “As sedes dos escritórios da CITLA e COMERCIAL eram
em Francisco Beltrão. Todos os delegados e inspetores de quarteirão, em todo o sudoeste, foram trocados. Homens
simpáticos à COMERCIAL ou mesmo seus assalariados, foram colocados nesses cargos. Doze jipes da COMERCIAL
com jagunços fortemente armados, muitas vezes em companhia da polícia, visitavam os colonos para que assinassem
o contrato e pagassem um sinal, como entrada de suas posses” (WACHOWICZ, 1985, p. 229).
141. Sobre o cenário do fato há versões que divergem pontualmente, porém, o fundamental pode ser resumido no ato de duas
pessoas estanhas terem ido até a casa do vereador, cujas obras da residência estavam sendo finalizadas. Para confirmar
que se tratava de Pedrinho Barbeiro, perguntaram quem ele era e se queria vender a casa. Outra versão refere-se a
negócios com gado que os estranhos queriam fazer com Pedrinho. Ao obterem a informação da identificação, um dos
jagunços, simplesmente fez os disparos e os dois fugiram do local. O vereador e barbeiro no Verê, Pedro José da Silva,
era casado com Elvira e tinha 4 filhos (cf. THOMAZONI, 2007, p. 15; WACHOWICZ, 1985, p. 230-232).

148
Para Iria Gomes, esse fato/caso demonstrou os limites que
as formas de ação legal e reivindicatória que os colonos, posseiros
e partidários vinham realizando para garantir seus direitos, em
contraposição às práticas de violência e expropriações que as
companhias realizavam. Nessa perspectiva, Gomes contextualizou
aquela tragédia:

A última tentativa coletiva de se conseguir uma solução pela via


legal, o abaixo-assinado que Pedrinho Barbeiro deveria levar ao
Presidente da República, havia fracassado. O assassinato dessa
liderança repercutiu de forma significativa em toda a região
(GOMES, 1986, p. 69)142.

Albino de Oliveira, autor da poética Décima, utilizou essa


arte de linguagem popular para memorizar atos e atores da trama
da revolta de 1957 em 100 versos (cf. Anexo 2-A e 2-B). Nos versos 34
e 35, retratou o caso do Pedrinho Barbeiro, com segue: “[34] Quando
foi no mês de Abril143 / no Distrito do Vere / mataram a Pedro José
da Silva / vereador do P. T. B. / [35] Estava fazendo uma lista / para
entregar a Juscelino / foi morto pelos bandidos / mas não era seu
destino /” (OLIVEIRA, [s. d.]; cf. Anexos 2 - A e 2 - B).
O assassinato de Pedrinho Barbeiro foi a primeira prova
das “mortes, desaparecidos, vítimas de crimes diversos praticados
naquela região” pelas companhias e seus empregados jagunços, que
Othon Mäder (1958, p. 16) apresentou em seus discursos realizados
nas sessões do Senado, dos dias 6 e 9 de dezembro de 1957144. Pelos
Tratando-se da “eleição dos heróis e mártires” da revolta de 1957, há casos de exagero, a exemplo do artigo de Neri
França Fornari Bocchese (2006),“Pedrinho Barbeiro: mártir da revolta dos posseiros”, no qual o autor compara
Pedrinho com o mártir e herói nacional da inconfidência mineira, Tiradentes.
142. Ao se referir a este “saturamento” da via legal, Iria Gomes indicou outros casos anteriores de abaixo-assinados, dentre
os quais consta àquele que Othon Mäder tratou em seu discurso realizado na tribuna do Senado, no dia 17/05/1957,
comentado anteriormente: “Desde 1951 que os moradores da região tentavam a solução para os problemas de terra
através de abaixo-assinados. O último, datado de 3/3/57, assinado por mais de 2.000 pessoas do município de Santo
Antonio, havia sido levado à Capital da República por uma comissão, da qual faziam parte Rosalino Albano da Costa
e Augusto Pedro Pereira, de Santo Antônio, guarda da CANGO, e Luiz Prolo, comerciante de Francisco Beltrão”
(GOMES, 1986, p. 69 – nota 145).
Pelas informações de Othon Mäder (1958, p. 13-14), o abaixo-assinado dos moradores de Santo Antônio do Sudoeste
foi datado em 7 de abril de 1957, e “protocolado no Palácio do Catete em junho de 1957 e tomou o nº 125” (MÄDER,
1958, p. 13-14). O abaixo-assinado foi o terceiro documento que Mäder apresentou e leu em seus discursos. Conforme o
senador, em maio a comissão deixou o documento na portaria do Catete, pois o protocolo foi registrado em junho/1957.
143. O dado de abril precisa ser corrigido, pois o crime ocorreu em 21/5/1957. Rubens da Silva Martins também indicou o
mês de abril: “em abril de 19957, foi o extermínio premeditado e covarde de Pedro José da Silva, vereador petebista de
Verê – o Pedrinho Barbeiro, como era conhecido” (MARTINS, 1986, p. 363). Nota-se que em seu livro Martins (1986)
também se contrapôs, de forma enfática, àquele crime, o que não poderia ser diferente para quem tinha sido um grande
líder em Francisco Beltrão e registrou suas memórias à posteridade no livro Entre jagunços e posseiros.
144. Trata-se dos discursos em resposta às contestações e os questionamentos que o senador Gaspar Veloso (PSD) havia-
lhe cobrado, sob o risco de ter que responder processo por calúnia e difamação feita ao governador Moysés Lupion,
no caso de Othon Mäder não apresentasse e comprovasse o que afirmava em relação a Lupion e à Polícia do Paraná.

149
relatos que Walter Pécoits fez a Ruy Wachowicz sobre o caso, comenta
que havia manifestado ao Pedro José da Silva sua preocupação em
relação à sua segurança pessoal e integridade física, pois estava
organizando o abaixo-assinado e poderia haver represálias. Ao
abordar o caso, Wachowicz indicou as várias omissões praticadas
pelas autoridades, evidenciando a cumplicidade que havia entre as
empresas e os comandos do Estado.

Apesar de haver testemunhas, o delegado de Pato Branco não


fez o levantamento do local. O deputado estadual Antônio
Anibelli denunciou o crime na Assembleia Legislativa.
A polícia de Curitiba mandou então a Pato Branco, um médico
legista para proceder à autópsia. Dois meses depois, o resultado
da mesma ainda não havia sido enviado para Pato Branco. As
testemunhas não foram ouvidas e os criminosos não foram pre-
sos. Um mês após o crime, o delegado foi contratado como fun-
cionário da companhia COMERCIAL (WACHOWICZ, 1985, p. 231).

A autoria do crime somente foi desvendada após a vitória


da revolta com o levante de outubro de 1957, e com a prisão de
Lourenço José da Costa, o jagunço Maringá, da Comercial, realizada
por Jácomo Trento, o Porto Alegre, e Virgílio Pedro Carbonera,
designados inspetores especiais de polícia, pela Junta Governativa
de Pato Branco. Ruy Wachowicz apresentou essa proeza de Porto
Alegre, com as seguintes palavras:

Um dos grandes feitos do Porto Alegre e do seu companheiro


Virgílio Pedro Carbonera, foi a prisão do jagunço Maringá, que
a muito custo foi mantido com vida. A população interiorana
queria linchá-lo. Foi o que comandou a chacina da família
do Saldanha. A presença desse jagunço em Pato Branco era
importante para que se pudesse tomar-lhe o depoimento.
Confessou então esse crime com minúcias de detalhes, e
esclareceu o assassinato do Pedrinho Barbeiro (WACHOWICZ,
1985, p. 257-258).

O depoimento do Maringá foi realizado no dia 21/10/1957,


no Fórum de Pato Branco, perante o Juiz de Direito, Dr. José Meger. O
Termo de Declarações, de Lourenço da Costa, foi o segundo documento,
na íntegra, que Othon Mäder apresentou ao Senado, no dia 6/12/1957,
tendo destacado, no discurso realizado no dia 9/12/1957, a seguinte
Segue o trecho final do discurso de Othon, do dia 6/12/1957: “O SR. OTHON MADER - Sr. Presidente, em face da
comunicação de V. Ex.a por ser êste depoimento um tanto longo, solicito me considere inscrito para o expediente da
sessão de segunda-feira, quando completarei a resposta ao eminente Senador Gaspar Velloso” (MÄDER, 1958, p. 15).

150
passagem ao se referir ao barbarismo praticado contra Pedrinho
Barbeiro e à população local:

... que o declarante afirma ainda, ter tomado parte no crime


cometido contra a pessoa de Pedro José da Silva, vulgo Pedro
Barbeiro, há cerca de cinco meses, mais ou menos; que o
declarante soube por terceiros, podendo citar o nome de João
Alves da Silva, vulgo ‘João Pé de Chumbo’, Chefe da turma do
departamento de madeiras localizada no distrito de Verê; que
o declarante afirma que ‘João Pé de Chumbo’ ou João Alves
dos Santos empregado da Companhia Agrícola Comercial
Paraná, que estava comentando num grupo de pessoas onde
o declarante ouviu que o Doutor Iris Mario Caldart, contratou
duas pessoas para matarem o Vereador Pedro José da Silva,
vulgo Pedrinho Barbeiro; que o declarante não soube que os
dois elementos que mataram Pedro José da Silva eram ou não
empregados das Companhias Comercial e Citla (In: MÄDER,
1958, p. 11; 17).

Na cartilha dos 50 anos Revolta dos Posseiros 1957 – 2007,


Ivo Thomazoni (2007, p. 15) diz que o crime foi “executado pelo
jagunço João Pé-de-Chumbo, a mando de Lino Marchetti, gerente da
Comercial, em Francisco Beltrão”.
O segundo caso de violência também ocorreu no distrito de
Verê, onde já havia ocorrido um confronto entre colonos, liderados
por Alamini, e jagunços da Comercial, na localidade do Alto Verê,
além de oito casos de violências praticadas por jagunços contra
colonos no Verê (WACHOWICZ, 1985, p. 236), porém, no dia 2 de
agosto de 1957, a população das comunidades de Barra do Verê, Alto
Alegre, Kennedy e Barra do Santana tinham se mobilizado para
tomarem o escritório da Comercial, localizado na área urbana do
distrito do Verê.

[...] reuniram-se, no Verê, em número de 300 aproximadamente


e decidiram atacar o escritório da COMERCIAL da localidade. O
movimento foi liderado por Leopoldo Preilepper, apelidado de
Tigre. Armados de espingardas carregadas com rolamentos,
winchester e outras armas de pouco efeito, resolveram
enfrentar os jagunços. O escritório da COMERCIAL foi preparado
para o evento, inclusive cavaram-se trincheiras ao redor. Mas,
novamente existiu entre os colonos alguém que funcionou
como cagüeta (WACHOWICZ, 1985, p. 236-237).

Nos relatos sobre o desenrolar desse confronto armado


há pequenas variantes, próprias das memórias de quem relata de

151
primeira ou segunda mão, de memória viva e de memória social, e
mesmo das escritas da História. Por tratar-se de uma ação armada,
os colonos organizaram duas frentes de ação contra o escritório da
Comercial, “um grupo de 40 colonos atacaria pela frente, e outro mais
numeroso por trás” (WACHOWICZ, 1985, p. 237). Leopoldo Preilepper,
apelidado de Tigre ou Tigrinho¸ considerado o líder da ação, para
além da logística do combate, pois tinha sido expedicionário da FEB,
enrolou uma bandeira do Brasil145 em seu corpo, para demonstrar
o caráter patriótico das ações dos colonos, enquanto cidadãos
brasileiros que povoaram a fronteira e lutavam pelo direito à terra.
Do lado da Comercial, os jagunços haviam se preparado, inclusive
com metralhadoras.
O poder de fogo da Comercial produziu vários efeitos, até
mesmo uma debandada entre o grupo que faria a ofensiva pela parte
de trás do prédio do escritório, fragilizando a ação iniciada pelo
grupo do Tigrinho, que teria se exposto e havia sido atingido no início
da ação. Da escaramuça houve duas mortes do lado dos colonos;
do lado da Comercial se houve baixas e feridos entre os jagunços,
estrategicamente, o assunto foi silenciado. Pelos relatos populares
houve morte e feridos entre os jagunços. Porém, o resultado
mais contundente foi o do lado dos colonos: “Cessado o combate,
constatou-se a morte de Guilherme Hening e ferimento do líder
Leopoldo Preilepper e outros. O ferimento do Tigre não era mortal,
mas por ser o líder, um dos jagunços disparou sua arma encostada
na sua cabeça” (WACHOWICZ, 1985, p. 237).
Em entrevista concedida a Ruy Wachowicz, datada em
12/02/1979, no distrito de Presidente Kennedy, município do Verê,
Paula Preilepper, viúva do Tigrinho, relatou que teve que enfrentar
sozinha os jagunços da Comercial no dia seguinte, quando foi buscar
o corpo do marido: “Encontrei ele tudo com a cabeça partida, o
miolo fora, depois que eles tinham judiado ele. Eles ainda por fim

145. O uso da bandeira pode ser visto em atos da tomada das cidades, a exemplo das fotos 3 e 4, onde há a bandeira
nacional, e em outros momentos e monumentos de registro e comemorações de passagens. Num dos lados/faces
(frontal) do monumento em homenagem ao Getsop, inaugurado em 1972, na arte mural há uma bandeira branca no
mastro desenhado em frente à Escola. No selo e no monumento do registro do cinquentenário há o uso da bandeira
nacional. Vários livros também estampam, na capa, fotografias de registros de cenas do levante de 1957 nas quais
consta a bandeira: Ruy Wachowicz (1985), Iria Gomes (1986) e Ivo Thomazoni (2007). Sobre a relação entre civismo/
patriotismo e educação nacional, cf. Nota 95. Walter Pécoits (1994, p. 4) e Ivo Thomazoni (2007) informaram sobre a
participação do Tigre na FEB. Na arte da capa do livro de Rubens da Silva Martins (1986) há 27 fotografias históricas
da Vila Marrecas e de Francisco Beltrão, porém nenhuma delas sobre a revolta de outubro de 1957, a “revolução
agrária”, indicada pelo autor.

152
chegaram a cortar pedaços da orelha dele só para levar de lembrança”
(PREILEPPER apud WACHOWICZ, 1985, p. 237).
Rememorando sua sina e revisitando o passado de agosto
de 1957, em 1979, Paula também fez referência à sua prisão e ao
fato de não ter recebido o certidão de óbito do marido: “Agora eu
estou sem prova que meu marido foi morto pela companhia” (apud
WACHOWICZ, 1985, p. 238, grifo nosso)146.
O terceiro caso recorrente é o da tocaia do Km 17, ocorrido
no dia 14 de setembro, na estrada que interligava os municípios
de Santo Antônio do Sudoeste e de Capanema, envolvendo colonos
e a imobiliária Apucarana (diretores, jagunços e funcionários),
que resultou em sete mortes147. Os fatos ocorridos nessa área da
fronteira contribuem para desvelar mitos e estigmas relacionados
às circunstâncias e ações dos principais polos de atores envolvidos
nos conflitos. Antes de tratar dessa tocaia (conceito carregado de
preconceito), convém situar esses aspectos.
Em termos dos mitos, a participação da Citla e de seus
jagunços demonstra que a visão da sua amenidade em Francisco
Beltrão, comparativamente à Comercial e à Apucarana, não se
sustenta, pois tanto os escritórios locais quanto os perfis dos seus
diretores e os serviços que os jagunços realizavam, não estavam
circunscritos a esses elementos. Trata-se, portanto, de uma prática
comum e ampla das três companhias associadas, o bloco Citla-
Apucarana-Comercial-Grupo Lupion.
Com relação aos estigmas, à época e nas versões sobre a
revolta, incluindo a imprensa (falada e escrita, oficial e empresarial,
com sua linguagem sensacionalista), as autorias, as agências, os
agentes e as diversas formas de linguagens, definiram os farrapos

146. A própria Polícia agiu contra a viúva: “Sofri muita coisa. Eles me prenderam, queriam tomar tudo o que eu tinha,
meu dinheiro. Me queriam levar embora, me judiaram. Fui vender uns porcos para pagar tudo o que tinha gasto do
mortuário, do falecido marido. / Eles queriam tomar tudo de mim. [...] Eram os polícia, policiais fardados. Prenderam
[...]. Eu fugi, rebentei a porta, saí porta afora [...]. Mas se ajuntaram mais colonos e pediram favor que não levantassem
mais a mão nessa viúva” (WACHOWICZ, 1985, p. 237).
147. Antes de abordar o caso da tocaia, Ruy Wachowicz (1985, p. 215-216, 219-220) indicou vários casos de conflitos
relacionados às ações e reações entre colonos e imobiliárias (Citla e Apucarana), ocorridos na faixa de fronteira: –
27/4/1957: Esquina Gaúcha, tiroteio entre colonos liderados por Pedro da Silveira, e agrimensores da Citla, resultando
na morte de dois colonos (Ermindo Vargas e Severino Piedade); – 11/8/1957: Colonos tentaram queimar o escritório da
Citla em Rio Claro (atual Pranchita), porém houve delação e a ação foi fracassada; – 6/9/1957: O gerente da Apucarana,
de Lageado Grande, Arlindo da Silva, foi morto numa espera, e seu guarda-costas Vilmar Pereira teve ferimentos; e,
– Início de setembro/1957: Lageado Grande, o funcionário da Apucarana, Manoel Alves Machado, foi atacado e teve
ferimentos graves. Iria Gomes também indicou que no dia“6 de setembro, numa emboscada na localidade de Lageado
Grande: Arlindo Silva [gerente da Apucarana em Capanema] foi morto e seu capanga Vilmar Pereira de Melo saiu
ferido” (GOMES, 1986, p. 76).

153
como sendo a versão dos jagunços (capangas ou cabras) contratados
pelos colonos e posseiros para ser o braço armado da resistência e da
ofensiva contra as companhias. Relacionado a isso, está a ideia de
que foram os farrapos e não os colonos e posseiros que praticaram as
violências contra os escritórios e os jagunços na Faixa de Fronteira.
Essa versão fica mais evidente nos materiais e fontes que tratam
dos acontecimentos ocorridos no período de 9 a 15 de outubro de
1957, quando houve a ocupação das cidades. De forma mais clara,
a distinção entre farrapos/ação armada violenta (antes de 9/10/57)
e colonos/ação pacífica, mesmo com uso de armas (a partir de
9/10/57) nas memórias dos protagonistas e líderes (reconhecidos),
bibliografias, nos materiais e linguagens construídas para a marcação
de fatos/atos de passagens (comemorações), é utilizado para elogiar
as façanhas obtidas pelo movimento e, fundamentalmente, pelos
líderes entre os dias 9 e 15 de outubro de 1957. Enfim, a tomada das
cidades e as vitórias foram realizadas com a força das multidões em
armas, porém, pacificamente.
Sobre a figura do farrapo e da radicalização das ações dos
colonos na faixa de fronteira, Ruy Wachowicz retratou o período
da mudança. Mesmo que tenha diferenciado o colono normal
(trabalhador ligado às fainas da terra e ordeiro) do colono farrapo
(fugitivo da lei), o fiel da balança era a lei e a posse/propriedade
da terra/lote, a “cultura efetiva e moradia habitual”, conforme
Foweraker (1982, p. 122), ou a esperança de obtê-la pacificamente e
a preço justo ou gratuitamente do Estado/Cango. Para Wachowicz,
a “saturação” do povo na fronteira teve um fato gerador, executado
por jagunços da Apucarana, e um desdobramento: “A gota d’água
que fez os colonos da fronteira perderam as esperanças, foi o
ocorrido com um colono que era fugitivo da polícia do Rio Grande
do Sul, um farrapo, portanto. Este reagiu, ameaçando os jagunços.
Por vingança, foi amarrado, castrado, seviciaram sua esposa e
mataram duas filhas, de 9 e 11 anos, com atos de estupro. A polícia
nem inquérito abriu” (WACHOWICZ, 1985, p. 219).
Em relação ao desdobramento, aparece a figura do(s)
farrado(s). O farrapo mais conhecido e citado foi Pedro Santin.
Independentemente do uso corriqueiro ou estigmatizado, do

154
adjetivo, para colonos ou foragidos, Ruy Wachowicz entendia que
a esperança foi substituída pela mesma moeda que as companhias
tinham utilizado como braço armado, porém, deste lado, com
sulistas e castelhanos.

Assim como as companhias que foram recrutar seus jagunços


no norte, os colonos procuraram defensores entre o elemento
sulista que migrava para a região. Encontraram nos farrapos os
elementos que necessitavam. Farrapos era a denominação local
dos foragidos da lei acoitados no Baixo Iguaçu. Da localidade de
Serra do Mico, da Província argentina de Missiones, trouxeram
Pedro Santin. Este havia vendido sua posse em Capanema em
março de 1957 e fixado residência na Argentina. Retornou
agora em setembro para combater os jagunços. Na Argentina,
Santin era conhecido por Pedro Capeletti. Os irmãos Bello,
famosos pistoleiros do Rio Grande do Sul, agora agricultores
no sudoeste paranaense, Robertinho, famoso argentino que
vivia refugiado numa ilha do rio Iguaçu, aderiram à causa dos
colonos (WACHOWICZ, 1985, p. 215, grifo nosso).

Quanto ao envolvimento do grupo de farrapos de Pedro


Santin nos enfrentamentos armados que houve em Capanema e
Santo Antônio, após tratar das sevicias do farrapo colono indicado
por Wachowicz, Iria Gomes citou a aliança que os colonos fizeram
com os homens fora da lei, que passaram a “uma forma de resistência
com características próprias: emboscadas, tocaias e violência no
mesmo nível da violência dos jagunços” (GOMES, 1986, p. 75, grifo
nosso)148. Ao tratar das interpretações, apropriações e memórias
sobre a revolta dos colonos de 1957, Tiago Orben (2014, p. 67 ss)
abordou os sentidos e significados que o termo farrapo teve nas lutas
sociais na região da fronteira e na historiografia que, seletivamente,
diferenciou-os dos colonos e dos líderes de outubro de 1957.

148. “Revoltados, os colonos pediram ajuda a Pedro Santin, também um farrapo, compadre da vítima e conhecido
na região por sua valentia. Tinha sido posseiro em Capanema e, desde março, estava refugiado na Argentina”
(GOMES, 1986, p. 75).
Rui Wachowicz comentou que Pedro Santin fazia contrabando de gado da Argentina para o Brasil aos açougues do
lado brasileiro e também teria tido encrencas com jagunços nesse ínterim: “Numa dessas viagens, foi assaltado por 10
jagunços da APUCARANA, que queriam roubar-lhe as rezes. Queriam o gado e não a sua pessoa. Santin matou dois
jagunços e pôs em fuga os restantes. Foi nesta oportunidade que recebeu o apelo dos posseiros para que os defendessem
dos jagunços. Reuniu então 11 colonos e atacou os escritórios da APUCARANA, em Lageado Grande, cercou os
escritórios e ateou fogo. Os que iam pulando para fora eram tiroteados incontinente. / Santin obrigava os colonos
a participar do seu grupo. Não havia escolha, tinham que colaborar à forca. Iniciou-se então a luta entre os colonos
posseiros e os jagunços da APUCARANA” (WACHOWICZ, 1985, p. 220).
Leomar Rippel (2013) também trata das formas de coerção direta que Pedro Santin teria utilizado: “Vale ressaltar que
foram os posseiros da fronteira que solicitaram a liderança de Pedro Santin, dessa forma, o mesmo passou a obrigar os
posseiros a participarem do seu grupo de resistência” (RIPPEL, 2013, p. 65).

155
Ruy Wachowicz também apontou que o acirramento dos
conflitos fez com que a Apucarana saísse de Capanema e transferis-
se sua base de ação para Santo Antônio do Sudoeste. Além de as duas
companhias pedirem apoio à Polícia, seus diretores, Nilo Fontana
(irmão de Mário José Fontana), da Citla, e Gaspar Kraemer, da Apuca-
rana, assumiram os escritórios em Santo Antônio: “Foi a aliança dos
colonos com os farrapos que trouxe para Santo Antônio elementos
dos altos escalões das companhias. Nilo Fontana veio dirigir a CITLA
e Gaspar Kraemer a APUCARANA” (WACHOWICZ, 1985, p. 216; cf.
GOMES, 1986, p. 76).
Em termos gerais, a Tocaia do Km 17, resultou do
desdobramento de uma reunião que o gerente da Apucarana, Gaspar
Kraemer, havia agendado com os colonos no escritorio da companhia
em Lageado Grande, para o dia 14 de setembro, visando um acordo.
Ruy Wachowicz citou o caso:

Na noite do dia 13 de setembro, num bar de Santo Antônio, o


gerente Gaspar Kraemer bebia com uns amigos numa mesa.
Perceberam que dois estranhos procuraram o Justi que era
proprietário de um hotel no Quilômetro 35. Um dos jagunços
aproximou-se e ouviu a pergunta: Quem era o Gaspar?
O gerente Gaspar Kraemer e outros dirigentes desistiram de ir
na reunião do dia seguinte, desconfiados de alguma coisa.
No dia seguinte, mandaram uma caminhonete, com o motorista
e um jagunço dos mais beligerantes. Ao que parece, receberam
ordens de darem carona a quem estivesse na estrada, já que era
grande o número de pessoas que se dirigiam para a reunião de
Lajeado Grande. O hoteleiro Justi estava entre eles. Eram 14 as
pessoas que estavam na caminhonete. No quilômetro 17, sete
foram assassinados, os restantes conseguiram fugir para o
mato ou fingiram-se de mortos.
Dos sete mortos, apenas dois eram da APUCARANA. Os
inexperientes colonos mataram cinco de seus companheiros.
Um dos atacantes inclusive participou do assassinato de seu
próprio pai, que havia pedido carona. Justi também morreu
picado de chumbo. O ódio acumulado durante muito tempo
pelos colonos explodiu em toda a sua fúria.
Foram então recrutados por Santin, cerca de 2.000 colonos.
Capanema foi tomada e os elementos das companhias expulsos
(WACHOWICZ, 1985, p. 221).

Na medida em que Ruy Wachowicz associou a condição de


os colonos serem inexperientes nos assuntos bélicos, a tocaia foi
um tiro de culatra onde os colonos chacinaram cinco colonos e dois
funcionários da Apucarana (motorista e jagunço): “as vítimas da

156
chacina do km 17”, como indicou Ivo Thomazoni (2007, p. 13). Esse
foi um dos resultados da aliança, o pedido de ajuda (GOMES, 1986, p.
75), entre colonos e farrapos (?)149.
Em outra medida e à análise das ações e reações na faixa de
fronteira, com as ações dos farrapos, acrescentou Ruy Wachowicz que:
“Santo Antônio tornou-se o baluarte dos jagunços da APUCARANA e
Capanema o santuário dos colonos” (WACHOWICZ, 1985, p. 222)150.
Mantendo-se na perspectiva de ver os farrapos como
homens fora de lei e de que a resistência passou a ter as mesmas
táticas das companhias/jagunços, porém para fazer justiça com as
próprias mãos, o conflito armado ocorrido no dia 14 de setembro,
no Km 17, foi noticiado151 e batizado, descrito e sacramentado na
opinião pública, na historiografia, em monumento, em eventos
e em registros de comemoração com a mesma alcunha: a tocaia
(emboscada, ação traiçoeira, vingativa e à surdina).
O uso de termo farrapo está consolidado nas mais diversas
fontes e bibliografias, por vezes, dando a impressão de que os
colonos haviam decidido utilizar à máxima “olho por olho, dente
por dente”, e se deram mal. Dentre as leituras de autores, realizadas
149. O problema do colono foragido da lei (farrapo) só é indicado para os casos de conflito armado entre posseiros e
companhias/jagunços na faixa da fronteira (Santo Antônio e Capanema). Para a área de Francisco Beltrão e Pato
Branco (Verê e Dois Vizinhos), esse tipo de braço armado não foi indicado, nem a forma de resistência/reação de
tocaia. Cabe indagar se as diferenças dizem respeito à história (singularidades locais) ou se a distinção está relacionada
às versões sobre a história (as vitórias e derrotas de ações de conflitos bélicos diretos entre grupos armados; as vitórias
de ações com mobilização popular ampla/multidão armada, porém sem casos de mortes ou de feridos com armas de
fogo). Quando Walter Pécoits referiu-se ao grau de saturamento da vontade do povo, ou quando Iria Gomes indicou as
ações para uma solução de via legal e da radicalização (colonos e posseiros pegaram em armas para resistirem contra
as companhias e seus jagunços), o caso dos farrapos deixa de ser relevante, afinal, também eram colonos e posseiros,
vítimas da grilagem, que buscavam justiça. Entre as rememórias e as comemorações, o assunto da ação pacífica e da
ação armada têm outros elementos e sua historicidade, como é abordado mais adiante.
150. Diante das circunstâncias da faixa de fronteira, a reação do Governo de Moysés Lupion foi de enviar o Chefe de
Polícia, Alfredo Pinheiro Júnior, à região. O deputado estadual Cândido Machado de Oliveira (PSD) e o tenente
coronel Alcebíades Rodrigues da Costa (ex-delegado especial em Porecatu, durante o conflito agrário, e ex-delegado
de Clevelândia no governo de Bento Munhoz) participaram das negociações. Ruy Wachowicz analisou que a esta altura
do conflito, o governo Lupion tinha que ceder e passou a agir logisticamente para preservar-se no poder, ele e o partido
PSD. As pressões da oposição tendiam para uma intervenção federal (posição da UDN) ou a renúncia de Moysés
Lupion. Para não perder a coroa, como diz o ditado popular, foram-se os anéis.
Essa solução lupionista e pedessista foi repetida em outubro em todas as cidades que teve o levante (Pato Branco,
Francisco Beltrão, Santo Antônio e Capanema). Hermógenes Lazier incluiu Barracão entre as cidades onde houve o
levante, porém não localizamos a discussão deste caso na bibliografia consultada (LAZIER, 1980, p. 21). A base local
do PSD (5 prefeitos, delegados, juízes, etc.) e as companhias foram para o sacrifício, desgostando vários partidários
lupionistas, dentre eles o vigário de Pranchita (WACHOWICZ, 1985, p. 226). O próprio Rubens da Silva Martins
(1986) tratou dessa negociação como uma traição do governador Moysés Lupion ao PSD local.
151. Nivaldo Krüger reproduziu matérias do jornal O Estado do Paraná – O Drama dos Retirantes do Sul / Texto: P.
Charquetti; Fotos: Osvaldo Jansen / das Edições de 26/07, 2/8 e 4/8/1957. Nas edições dos dias 2, 3, 4 e 5/10/1957,
a matéria geral foi – Os sangrentos acontecimentos que conturbaram o Sudoeste. Na edição do dia 5/10, o quadro
de chamada indicava: “Pródromos da malograda cilada do kl. 17 – A ação dos farrapos na revolta dos colonos – A
viagem que foi cancelada e o êrro fatal cometido pelos comandados de Santin – Responsabilizadas as companhias pelo
terrível êrro – Encarrada como verdadeira experiência sangrenta a saída da camioneta que deu carona a 12 colonos das
cercanias de S. Antonio, levando-os para um encontro com a própria morte – A trégua contingente” (apud KRÜGER,
2004, p. 212-213 - inserção de fontes: Revolta dos Colonos repercute na imprensa, p. 7).

157
até o momento, nesta pesquisa, Elir Battisti tratou desse assunto em
seu sentido mais às avessas e mesmo contraditório ao que se propôs
inovar em relação às abordagens dos sujeitos sociais daquele caso
de luta pela terra: “Na tentativa de se defender dos jagunços, muitos
colonos aliaram-se a bandidos e também praticaram arbitrariedades”
(BATTISTI, 2006, p. 71, grifo nosso)152.
Referindo-se aos vários casos de confrontos armados entre
colonos e jagunços das companhias, Rubens da Silva Martins se refe-
riu aos resultados da tocaia do Km 17: “Os organizadores do atenta-
do lamentaram durante muito tempo, terem assassinado por engano,
cinco colonos que viajavam na camionete e apenas dois jagunços da
referida colonizadora” (MARTINS, 1986, p. 363, grifo nosso).

FOTO 6: Monumento Revolta dos Posseiros – Tocaia do Km 17: “o que


determinou o final do front”, 14 de setembro de 1957

Fonte: Autor – Data: 9/07/2011.


Monumento localizado no município de Pranchita, inaugurado no dia 11/07/2007, durante as
comemorações do Cinquentenário.

152. As lidas na escrita da História nem sempre são rosa e o aprendizado requer reflexão, revisão e superação. Em seu
artigo, Elir Battisti propõe uma crítica à visão pioneirista e uma inovação teórica e metodológica (novas abordagens e
sujeitos, um diálogo interdisciplinar, a dimensão cultural, o imaginário e identidade coletiva), introduzindo a questão
da participação das mulheres, a relação entre a revolta de 1957 e a luta pela terra dos sem terras no Sudoeste na década
de 1980. No texto, porém, a priori, antecipou um futuro em forma de calvário aos colonos migrantes que vieram ao
Sudoeste antes de 1956 e 1957: “Ao vir maciçamente à região em busca de melhores condições de vida, os colonos
gaúchos e catarinenses não imaginavam quanta dor e sofrimento teriam ainda pela frente antes de concretizarem seus
sonhos” (BATTISTI, 2006, p. 69).

158
A tocaia do Km 17 também passou pelo filtro da ressignifi-
cação, para a história do movimento agrário e ao tratamento dado
às vítimas. Evidentemente que, de um lado, houve os 5 colonos, com
destaque para o Justi e o pai de um dos atacantes; do outro, um moto-
rista (inocente) e um jagunço (dos mais beligerantes) da Apucarana.
Na perspectiva da resistência dos posseiros, a fatalidade da forma de
agir do tipo farrapos, pesou e se transformou num estopim pelo fato
de o gerente, Gaspar Kraemer, ter agido astutamente. O monumento
construído em memória à Tocaia do Km 17, projetado para a preser-
vação das memórias da Revolta dos Posseiros, por sua vez, unificou
as 7 vítimas em 7 cruzes. Portanto, reuniu, no presente, em monu-
mento, o que foi, no passado, a matriz social do conflito agrário, mes-
mo em se tratando de demarcar o início do final do front.
Entre história, memórias e atualizações da tradição,
o próprio Ivo Thomazoni (2007, p. 11), ao tratar da resistência
na fronteira, apresentou o farrapo Pedro Santin como “líder
das operações de combate às companhias”, dando-lhe um novo
adjetivo: o guerrilheiro da fronteira (THOMAZONI, 2007, p.11). Em
2007, 50 anos depois, a imagem de Pedro Santin foi transformada,
a princípio, positivamente: de líder farrapo (fora da lei, bandido
e jagunço de posseiros colonos) a guerrilheiro. Guerrilheiro
(liderança) e guerrilha (tática de mobilização e reação) estão
relacionados à vitória de 1957. E isso relativiza a força do pacifismo
no levante e nas ocupações das cidades em outubro de 1957 e a
forma de ação daqueles outros líderes.
O quarto caso de violência que é utilizado para demarcar
os rumos dos acontecimentos foi praticado contra a família de João
Saldanha, um colono farrapo que residia na localidade de Rio Ampére,
em Francisco Beltrão. A descrição da trama e dos participantes
foi relatada pelo jagunço Maringá, Lourenço José da Costa, em seu
depoimento prestado em Pato Branco, no dia 21/10/1957. Segundo
Maringá, João Saldanha teria matado 2 jagunços da Comercial
(Nino Braz Farias e Eugenio de Tal) – Ruy Wachowicz (1985, p. 238)
refere-se a um jagunço –, e, em represália, Lino Marchetti teria
mandado seis jagunços até a casa de Maringá, entre os dias 4 e 6/10,
para darem cabo de Manuel Paraguay e de João Saldanha: “...que o
declarante, coagido, teve de mostrar o caminho, chegando a casa

159
(rancho) de Paraguay, pela madrugada, encontraram o rancho vazio,
sem nenhuma pessoa e, logo em seguida, atearam fôgo ao rancho
e atravessaram o Rio Ampére, para a propriedade de João Saldanha
(apud MÄDER, 1958, p. 12).
O episódio da família de João Saldanha pode servir como
base para avaliar o grau de barbarismo que os jagunços poderiam
fazer contra os colonos e posseiros. O depoimento feito por Maringá,
a menos de 20 dias depois dos fatos, portanto, com a memória fresca
– mesmo querendo livrar seu coro em relação à autoria ou mando
para a chacina da família de João Saldanha, pois, dependendo dos
termos e da versão que daria aos fatos, em seu depoimento perante
o juiz de Direito, seria um réu confesso e estaria produzindo provas
contra si mesmo –, é exemplar, enquanto retrato descrito por um
jagunço sobre os extremos das violências que praticavam, havendo
outras fontes mais contundentes.

... que cerca das doze horas, o declarante e mais os seis


elementos, cercaram a casa de João Saldanha, ocasião em que
João Saldanha, arrombando a porta, fugiu pelos fundos levando
uma Winchester e um revolver, que havia tirado da vítima Nino
Braz Farias; que o declarante pode afirmar quê João Saldanha,
ao fugir, os elementos da Companhia atiraram ao seu encalço,
de tiros de Winchester e de revólver; que o declarante afirma
que José de Oliveira, vulgo ‘Chapeu de Couro’ matou a mulher
de João Saldanha, quando esta pretendia evadir-se da casa,
inclusive um menino de oito a dez anos de idade; que o tal
Gauchinho matou uma menina de mais ou menos cinco a seis
anos e que outro rapaz conseguiu fugir; que o declarante não
viu a prática do crime, porque a mando de Chapeu de Couro,
juntamente com o da “Lapa” foram ao encalço de João Saldanha,
para ver se haviam matado o mesmo com os tiros que lhe
deram ao encalço, quando êste corria; que o declarante quando
voltou depois de não ter conseguido pegar João Saldanha, viu
os seus companheiros, sentados em cima de um páu, e que os
mesmos estavam esperando que a casa terminasse de queimar
pois haviam ateado fogo também nesta; que o declarante pode
afirmar que a mulher e os filhos de João Saldanha ficaram mortos
no mato, ao lado da casa; que o declarante pode afirmar que José
de Oliveira vulgo “Chapeu de Couro” jogou a criança menor
para cima para o ar e José Lucas a espetou com uma ‘adaga’ [...]
(apud MÄDER, 1958, p. 12-13).

Segundo a descrição de Ruy Wachowicz, não se soube qual


foi o paradeiro de João Saldanha e do filho de 8 anos que conseguiram

160
fugir. Também há informações diferentes sobre as idades dos filhos
assassinados e dos atos praticados. A propósito do depoimento de
Maringá, Iria Gomes (1985, p. 63) afirmou que ele amenizou o caso,
inclusive colocando-se como mero testemunho ocular dos crimes,
mas outras pessoas também prestaram informações acerca do caso
Saldanha. Para qualificar as brutalidades que os jagunços, liderados
pelo próprio Maringá, realizaram com a família de João Saldanha,
Wachowicz citou o relato que Jácomo Trento, Porto Alegre, concedeu-
lhe no dia 17/12/1978.

Pegaram a mulher, seviciaram-na os oitos [...]


Cortaram o seio da mulher e jogaram para o cachorro. O
Cachorro da casa cheirou o seio e saiu uivando. Deixaram a
mulher esvaindo-se em sangue e entraram dentro da casa.
Tiraram toda a mercadoria que servia: rádio, relógio, revólver.
[...] Atearam fogo na casa. Enquanto a casa estava queimando,
as crianças gritavam em volta da mãe, que se esvaia em sangue.
Eles falaram:
- Essa criança vai ser uma cobra que vai querer morder a nóis
mais tarde.
Floriou o revólver e deu um tiro na cabeça do menino de cinco
anos. Caiu morto. Aquele outro de 2 anos, o jagunço chamado
Lapa ou o Quarenta e Quatro, um desse dois, jogou o menino
no ar e o Maringá espetou-o na adaga. O menino caiu no chão
morto. Quando o incêndio já estava garantido, a casa estava
queimando mesmo, foram ver a mulher como é que estava. Ela
não estava morta. Ela tinha o cabelo comprido. Um pegou pelo
cabelo e outro cortou o pescoço, separando a cabeça. Jogaram
a cabeça para o cachorro. O cachorro repetiu a cena [...] e não
voltou mais [...].
Todo mundo então se movimentou (TRENTO apud WACHOWICZ,
1985, p. 238-239).

Considerando o período em que Porto Alegre rememorou


o caso, mesmo tendo sido ele e o Carbonera quem prenderam o
Maringá, no detalhamento das informações de Trento há elementos
da sua construção narrativa nessa fonte oral. Pelo visto, à época da
sua produção, Wachowicz e, mesmo, Iria Gomes (entrevista realizada
em setembro de 1985), não avançaram nesta interação. Já Rubens
da Silva Martins (1986, p. 366) tratou de outra versão: “A versão
difundida em Francisco Beltrão era mais tétrica: ‘Após a fuga de João
Saldanha, sua mulher e seus dois filhos menores, com idade inferior
a dez anos, foram decapitados, sendo suas cabeças espetadas nos
palanques da cerca de sua propriedade’”.

161
Por fim, o último e quinto caso emblemático, recorrente na
história e na historiografia, que serviu de estopim para o levante153
em Pato Branco, no dia 9/10/1957, e em Francisco Beltrão, no dia
10/10/21957, teve sua origem em outro ato de extrema violência
praticado por jagunços da Comercial, na localidade de Águas do Verê,
do distrito de Verê, contra três crianças (uma menina e 2 meninos),
filhos de colonos. Na região do distrito de Verê, as companhias
e seus jagunços já haviam praticados diversos atos de torturas,
violências, sevícias e abusos contra os colonos e moradores das sedes
das comunidades, no intuito de forçar a compra e pagamento dos
lotes conforme o interesse do grupo grileiro. O caso de resistência
e contestação que a família do colono Otto Zwiker realizou resultou
naquilo que foi considerado o estopim dos levantes de outubro
de 1957. Diante da negação de Otto Zwiker em aceitar a proposta
da Comercial e por ter movido uma ação possessória contra a
companhia, seus dirigentes enviaram jagunços para ameaçarem de
morte Zwiker e seus vizinhos.
Na abordagem que Ruy Wachowicz fez sobre este caso,
tratou do fato e expôs a impressão que Jácomo Trento relatou-lhe em
entrevista realizada no ano de 1978:

Zwicker e seus vizinhos foram então ameaçados de morte pelos


jagunços. Temerosos, refugiaram-se no mato. Ficaram semanas
escondidos. Os jagunços para obrigar as crianças a revelarem o
paradeiro dos pais, foram surradas com açoiteira, instrumento
usado para bater em cavalo. As crianças estavam com vergões
em todo o corpo, da grossura de um dedo (TRENTO, Jácomo In:
WACHOWICZ, 1985, p. 247).

Iria Gomes (1985, p. 88) iniciou sua análise sobre o


confronto final entre posseiros x companhias com o relato deste
caso – o do açoitamento das 3 crianças de Águas do Verê – e seus

153. Ruy Wachowicz e Iria Gomes trabalharam com os avanços da organização do movimento de resistência contra as
companhias. Além das matérias jornalísticas que a imprensa publicou a partir dos discursos de Othon Mäder e da
cobertura in loco na faixa de fronteira (Capanema e Santo Antônio), Wachowicz apontou alguns encaminhamentos que
a oposição tinha realizado: “Os políticos oposicionistas resolveram então agir. A decisão foi rebelar o sudoeste contra
as companhias, e tentar derrubar o governador Lupion. O chamado levante branco, de outubro, foi inicialmente obra
da UDN. A decisão partiu do senador Othon Mäeder, assessorado pelo advogado Publitz. [...] Nos primeiros dias de
outubro. Publitz retornou a Pato Branco. Entrou em contacto com várias lideranças da cidade e do interior, de vários
municípios. No dia 3 e 4 de outubro, a noite, foi feita uma reunião em Pato Branco. [...] aqui decidimos tomar a região.
O sudoeste foi dividido em três centros, que liderariam a rebelião: Pato Branco, Francisco Beltrão e Santo Antônio. A
iniciativa do levante deveria ocorrer em Francisco Beltrão ou em Pato Branco, porque ali havia estação de rádio. Edu
ficaria em Santo Antônio. Esta cidade não poderia iniciar o movimento por uma questão de estratégia [...], por falta de
comunicação” (WACHOWICZ, 1985, p. 240)

162
desdobramentos: “No dia 9 de outubro, pela manha, foram trazidas
para Pato Branco, vindas das Águas do Verê, três crianças de dez para
onze anos, uma delas filha do Otto Zwiker, que havia entrado com
um requerimento solicitando abertura de ação possessória contra a
Companhia Comercial”.
Conforme as rememórias de Jácomo Trento, na busca
por justiça, junto às autoridades e ante a repetição do descaso
e da conivência das autoridades locais, sua reação somou para
o acirramento dos ânimos. Recordou Trento que esse foi o fato
que aguardavam para desencadear a mobilização popular para a
ocupação das cidades e a reação incisiva que adotaram contra as
companhias imobiliárias e aliados locais.

Nós estávamos revoltados contra as companhias, mas quando


apareceram aquelas três crianças açoitadas,... eu perdi a
cabeça. Fui na Delegacia, fui no Fórum, na Prefeitura, não
encontrei guarida nenhuma. Então resolvi tomar providência.
O delegado de polícia era meu amigo. Deixou a cidade, foi pra
serraria dele e disse: ‘eu fecho os olhos e você veja o que faz.
Confio em você’ (TRENTO apud GOMES, 1986, p. 88)154.

Ruy Wachowicz (1985, p. 248) expôs que, a partir das 13:30


horas, Ivo Thomazoni, locutor da Rádio Colmeia, passou a chamar
o povo à cidade. Em Pato Branco, conforme relato de Porto Alegre,
no início da tarde, foi realizada uma reunião na Casa Paroquial com
as lideranças políticas locais – o prefeito Waldir Harry Graeff (do
PSD, aliado das companhias e do governador Lupion, que presidiu
a reunião), os presidentes e representantes de todos os partidos
políticos de Pato Branco (PSD, PTB, PSP, PRP, UDN) –, para tratar
do problema das companhias (GOMES, 1985, p.88). Na reunião,
foi aprovada uma Resolução a ser enviada por uma comissão às
autoridades de Curitiba, com as seguintes deliberações:

1°) - em sinal de protesto pelas brutalidades ocorridas podendo


mencionar o já citado saque e incêndio da família do Senhor
José Rodrigues, esta Comissão resolve, em primeiro plano, como
sinal de veemente protesto, cerrar as portas do comércio desta

154. Com base no relato de Porto Alegre, Ruy Wachowicz descreveu o desenrolar dos atos ocorridos na cidade de Pato
Branco: “O delegado da cidade, Alberto Geron, disse que não podia fazer nada, pois se o fizesse estava correndo
risco de vida. Seus superiores haviam dado ordens para deixar as companhias trabalharem, sendo este, segundo eles o
interesse do governo. A população foi procurar então o juiz de direito, José Meger. Este, toda vez que havia requisitado
forças para combater o bandidismo, não recebia resposta e nem apoio. O juiz então mandou abrir inquérito. A população
ficou estarrecida com as histórias contadas pelas crianças” (WACHOWICZ, 1985, p. 247-248).

163
cidade por três dias consecutivos: 2.o) constituir uma comissão,
composta dos presidentes dos partidos políticos locais – PSD,
PTB, PSP, UDN, PRP – para, entrelaçados por sentimentos de
humanidade, em defesa dos sagrados direitos democráticos,
especialmente dos colonos e iminência do massacre, irem, em
comissão especial, à capital do Estado, a fim de dar “ultimatum”
aos Srs. representantes do Poder Judiciário, do Poder Executivo
e do Poder Militar, na pessoa dos Srs. Desembargador Presidente
do Tribunal de Justiça do Estado, Secretário do Interior e
Justiça e Comandante da 5.a Região Militar, para tomarem
conhecimento da deliberação tomada pela reunião efetuada
em caráter de emergência, solicitando às mesmas providências
urgentes, no sentido de que, imediatamente, sejam retiradas
ou sustadas as atividades das já referidas companhias
colonizadoras das terras em caráter litigioso na esfera judicial-
federal, para o que determina o prazo de três dias, atitude esta
que deverá ser tomada por aqueles poderes já mencionados
no prazo de 12 horas, contadas da data de apresentação dêste
memorial aos respectivos poderes sob pena de dita Comissão se
dirigir pessoalmente ao Poder Judiciário Federal, bem como, e
muito especialmente ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, General
Teixeira Lott, numa atitude definitiva e num verdadeiro apêlo
para a solução aqui pleiteada (apud MÄDER, 1958, p. 9-10)155.

Como os contatos e os preparativos das ações já tinham


sido realizados com o grupo de Francisco Beltrão (com destaque para
Walter Pécoits e Luiz Prolo), no dia 10 de outubro, em Pato Branco,
houve outra “reunião restrita a 70 ou 80 pessoas” (WACHOWICZ,
1985, p. 250), para aprovação da Junta Deliberativa, composta por
26 pessoas, e da Comissão Executiva, composta por 5 membros156.
A experiência de 1951, da Vila Marrecas, foi retomada na Revolta
de 1957, com a criação de um governo próprio, em substituição às
autoridades (prefeito, delegado, juiz de direito e inspetores de polícia)
e a organização da segurança com milícias populares (pelotões)157.
O município de Francisco Beltrão, por ser a cidade sede da
Citla e da Comercial e por ter um Batalhão do Exército, rendeu-lhe a
condição de ser o epicentro das tensões, seja em termos de reação das
companhias e do governo do Estado, quanto da resistência popular e,
155. Essa Resolução foi o primeiro documento que Othon Mäder apresentou na tribuna do Senado. O senador também
relacionou os membros que subscreveram o documento e foram indicados para a Comissão: Vicente Elizeu Ampessan
(PSD), Oticio Paschoal Pedrolo (PRP), Guerino Zasdoná (PSD), Casemiro Gauze (PTB) e Douglas Cardoso (UDN),
além do prefeito municipal. Terminada a reunião, a comissão deslocou-se a Curitiba (MÄDER, 1958, p. 10).
156. Segundo Ruy Wachowicz, os nomes já tinham sido indicados no dia 9 e a reunião do dia 10, ratificou a indicação,
conforme relatou Ivo Thomazoni, “a reunião em dez minutos terminou”. Os membros da Junta Governativa Provisória
(Comissão Executiva) de Pato Branco foram: Natalício Fischer (médico), Lineu Dondeu (advogado), Aparício Henriques
(agrimensor), Jaury Souza (advogado), Albino Mendes de Araujo (advogado) (WACHOWICZ, 1985, p. 250).
157. Se Joe Foweraker (1982, p. 127) tratou da autoridade dual para abordar as disputas jurídicas no litígio que houve entre a
União e o Estado do Paraná sobre as glebas Missões e Chopim, com a desobediência civil e a soberania popular gerada
com o levante produziu um duplo poder, mesmo que de curto prazo. Esse assunto mereceria um aprofundamento,
pois, em torno dele, giram os debates e interpretações sobre o caráter do movimento camponês (aspectos de classe, da
direção, das massas e do plano de ação/metas).

164
certamente, da força de ação que o Exército poderia ter a mando do
governo federal, por meio do Ministério do Exército158.
Ao tratar do levante em Beltrão, Iria Gomes relacionou
alguns aspectos da concentração de forças, do barril de pólvora que
havia na cidade.

Foi em Francisco Beltrão que o movimento adquiriu maior


expressão, não só pelo número de colonos que participaram,
como pelo fato de ali estarem localizados os escritórios centrais
da CITLA e da Comercial e de ser este município para o qual os
jagunços acorreram depois do movimento de Capanema, em
setembro, e do fechamento dos escritórios em Pato Branco, no
levante que iniciou em 9 de outubro (GOMES, 1986, p. 94).

Ao tratar do levante em Santo Antônio, Ruy Wachowicz


destacou a atuação do advogado Edu Publitz, em relação à questão da
fronteira Brasil-Argentina: “Edu Potiguara Publitz conseguiu atrair
para Santo Antônio o cônsul brasileiro de Posadas, Airton Guedes
do Rosário. A essa autoridade diplomática, foram explicados os
objetivos pretendidos pelos posseiros” (WACHOWICZ, 1985, p. 274).
Ruy tratou do interesse que o governo argentino tinha em favorecer
os brasileiros refugiados para permanecerem naquele país (lotes
de terra, auxílio financeiro e cidadania)159, mas foi extremamente
sucinto sobre o caso da ocupação da cidade em Santo Antônio,
inclusive em relação ao confronto armado.
Enquanto que a cidade de Capanema já tinha sido libertada
da presença das companhias Citla e Apucarana e seus jagunços,
desde as ações de setembro, em Santo Antônio do Sudoeste, o
escritório da Apucarana era mantido sob a gerência do advogado
Luiz Abs da Cruz, e com aparato dos jagunços fortemente armados
(WACHOWICZ, 1985, p. 272).
Como a ocupação da cidade de Santo Antônio só ocorreu no
dia 12 de outubro, a mobilização dos colonos contou com a atuação da
Junta Deliberativa e da Comissão Executiva160, além do respaldo das
vitórias obtidas em Pato Branco e Francisco Beltrão. Entretanto, como
158. Rubens da Silva Martins (1986) manteve a tese de que o sucesso da revolução agrária, em Francisco Beltrão, só foi
possível por causa da atuação do Exército em favor dos colonos e posseiros, e em benefício da oposição (UDN e PTB).
159. “Eram centenas de brasileiros refugiados em Misiones. O governo dessa Província argentina destinou uma verba de
100.000 pesos para as primeiras necessidades dos brasileiros refugiados” (WACHOWICZ, 1985, p. 227). O coronel
Alcebíades Rodrigues da Costa chegou a ir para a Argentina para convencer os refugiados brasileiros a voltarem para
o Paraná (Brasil).
160. Com base nos relatos de fonte orais obtidas sobre Santo Antônio, Ruy Wachowicz discorreu que Edu Publitz não fez
parte da Comissão para poder atuar enquanto advogado dos colonos, se fosse preciso.

165
o tensionamento em Santo Antônio já vinha desde setembro, Iria
Gomes (1986) citou que a exoneração do delegado Adão Vasconcelos
Vargas, “que se havia negado energicamente a perseguir os colonos ou
acobertar as atividades ilegais das Companhias”, bem como a “vinda
de uma comissão de investigação para apurar os fatos das emboscadas
das camionetes enquanto que nunca veio uma comissão para apurar
as responsabilidades das Companhias, dos seus espancamentos,
das invasões de domicílios, do estupro de meninas, das mortes dos
colonos [...]” (apud GOMES, 1986, p. 106), gerou um confronto mais
agudo quando houve a ocupação da cidade pelos colonos, no dia 12
de outubro. Já Ruy Wachowicz (1985, 274) tratou do caso de Santo
Antônio sem detalhar melhor esse confronto armado que resultou em
ferimentos a bala em 6 pessoas (GOMES, 1986, p. 107).

166
CAPÍTULO IV
LEVANTADOS DO CHÃO EM ARMAS: a ocupação das cidades
(ações e reações)
Diante da diversidade de situações, tensionamentos e
negociações que houve nos levantes armados em Pato Branco,
Francisco Beltrão, Capanema e Santo Antônio do Sudoeste, e de o fato
da bibliografia consultada já constituir um cabedal razoavelmente
suficiente para uma avaliação dos arranjos e mediações estabelecidas
entre os polos do conflito para evitar e mesmo impedir que houvesse
confronto armado, para este ensaio, novamente, demarcamos apenas
alguns pontos que permitem uma reflexão sobre as reconstruções
de referenciais que tratam de um passado silenciado e reinventado
em monumentos e comemorações. Também é preciso diferenciar a
dimensão da práxis real, ou seja, as tensões, a logística, as vontades,
as ameaças e atos vividos em cada circunstância e os momentos
durante os dias que abalaram a ordem e o poder do governo Lupion
e das companhias no Sudoeste paranaense, das representações
construídas sobre aquele movimento social e o levante armado
de outubro de 1957 (no período de 9 a 15), aqui entendido como a
ocupação das cidades pela população em armas. Mesmo nos relatos
e nas memórias dos personagens centrais do núcleo dirigente, dos
colonos e posseiros (comissões executivas) e dos representantes das
companhias e do governo Lupion, os protagonistas revisitaram o
passado colocando a lógica da ação armada pacífica como carro chefe
da conquista e do reconhecimento da História, ao que consideram
como o único caso de vitória dos de baixo, num levante armado em
que não houve novo derramamento de sangue (!).
Primeiramente, cabe situar a reação do governo do Estado
aos levantes e tomadas das cidades. Com os conflitos que ocorreram
em setembro, em Capanema e Santo Antônio, a Polícia Estadual
tentou desarmar a população, porém sem sucesso. Mesmo tendo
o coronel Alcebíades da Costa acordado com os colonos a retirada
dos jagunços para Santo Antônio ou Foz do Iguaçu, houve o caso da
morte do jagunço Antônio Borges, realizada por Pedro Santin e Pedro
Pinto, em resposta ao que Borges havia realizado com o compadre de
Santin (cf. WACHOWICZ, 1985, p. 226)161.
161. “Em Capanema, o coronel Alcebíades havia reunido os funcionários e jagunços da APUCARANA. Para salvar suas
vidas, mandava-os em grupos escoltados pelos próprios colonos para Foz do Iguaçu. Estranhamente, o mais conhecido
de todos, que era um rapaz de nome Antônio, foi deixado como último a ser transladado para Foz do Iguaçu. Este era o
responsável por vários crimes de estupros, entre os quais o do compadre de Pedro Santin. De forma mais estranha ainda,
o coronel Alcebíades encarregou de escoltar o criminoso, dois líderes da rebelião dos colonos: Pedro Santin e Pedro
Pinto. Para Santin, esse era um golpe preparado pelo coronel: eles escoltariam o jagunço até Foz do Iguaçu e seriam
igualmente presos pela polícia paranaense. Santin era um homem muito odiado pelos responsáveis das companhias
e pelo governo estadual. Os colonos e as mulheres gritavam para que não entregassem o jagunço à polícia. / Depois
Quando ocorreu o levante em Pato Branco e em Francisco
Beltrão, a própria estabilidade do governo de Moysés Lupion já
estava em risco, em decorrência dos últimos acontecimentos
ocorridos na fronteira durante o mês de setembro. Conforme Ruy
Wachowicz, Lupion não teve saída sem perdas, deveria sacrificar as
companhias: “O Ministro da Guerra, general Teixeira Lott, deu um
ultimatum ao governador do Paraná, Moisés Lupion. Teria que fechar
as companhias imobiliárias e acomodar os colonos. Caso contrário,
haveria intervenção federal na região” (WACHOWICZ, 1985, p. 252).
Diante desse quadro, Wachowicz abordou que Lupion também agiu
para garantir sua força e permanência no governo e no PSD.

O governador Moisés Lupion jogou então a sua última cartada.


Teria que apaziguar a região, o mais rapidamente possível.
O interesse político a nível nacional, acabou prevalecendo
sobre o interesse econômico das companhias. A pressão da
sociedade civil e a ameaça de enfrentar uma intervenção
do Estado, levou o governador Lupion e tomar essa decisão
(WACHOWICZ, 1985, p. 253).

Tanto em Pato Branco, quando em Francisco Beltrão, as


reações do governo Lupion seguiram o que tinha sido realizado em
Capanema, isto é, no que diz respeito às medidas para restabelecer a
tranquilidade social e uma normalização da ordem pública, a partir
da própria estabilidade que as lideranças do movimento poderiam
garantir. Estrategicamente, o major Reinaldo Machado foi enviado
a Pato Branco, com plenos poderes, para tratar do rescaldo da
animosidade popular e “acabar com o levante de 1957”(WACHOWICZ,
1985, p. 253)162.
Na tarde do dia 9 de outubro, até o final da reunião realizada
na Casa Paroquial de Pato Branco, com os representantes políticos,
já havia mais de 1.000 pessoas mobilizadas, muitos portando
de um dia de viagem, o jagunço Antônio Borges foi abatido a tiros, depois de ter sido castrado. Sofreu antes de
morrer, os castigos que havia inflingido ao compadre de Santin. / O coronel Alcebíades abriu inquérito para apurar
as responsabilidades de Santin e Pedro Pinto. Santin refugiou-se novamente na Argentina, onde estava sua família”
(WACHOWICZ, 1985, p. 226-227).
162. Sobre esse assunto Iria Gomes citou: “A vinda do Major Machado tinha se dado em função do ultimatum que Moysés
Lupion teria recebido do Ministro da Guerra, Mal. Lott: ou se fechava as Companhias e se acalmava os colonos ou
haveria intervenção federal na região” (GOMES, 1986, p. 92).
Com relação ao ultimatum, Ruy Wachowicz (1985) analisou que esse encaminhamento, que dentre os males era o
menor, acabou favorecendo a continuidade do governo de Moysés Lupion, o PSD e o próprio governo JK. Enquanto
Othon Mäder (UDN) queria o impeachment e a intervenção federal, o presidente do PTB do Paraná, senador Souza
Naves, também concordou com o ultimatum. Citou Ruy: “Desta forma, os interesses econômicos do grupo Lupion
foram sacrificados, em benefício da situação do PSD nacional” (WACHOWICZ, 1985, p. 267).

170
revólveres e espingardas, na cidade, concentradas na Rádio Colmeia.
As tratativas que o major Reinaldo Machado fez com Jácomo Trento,
o Porto Alegre, e demais lideranças, reconhecendo nele a autoridade
máxima da nova ordem pública, foi a principal medida adotada na
perspectiva de salvar o governo estadual. Os relatos que Jácomo
fez a Ruy Wachowicz sobre as atuações que realizou, prendendo
os jagunços e submetendo a Polícia Militar local à sua posição de
delegado, prefeito e juiz de direito, por sua vez, demonstra a força
popular do levante e a substituição das autoridades do Estado pela
direção do movimento163.
Em Francisco Beltrão, onde havia os escritórios centrais das
companhias Citla e Comercial e a cidade permanecia como reduto
da força paramilitar164, o levante foi iniciado no dia 10 de outubro.
No dia seguinte, já reunia entre 4 a 6 mil colonos e posseiros,
porém, na antessala desse fato, houve alguns preparativos das
lideranças. Os relatos de Walter Pécoits são as principais referências
utilizadas pelos autores para constituírem o passo a passo165. Com os
acontecimentos do dia 9, no Verê e em Pato Branco, do açoitamento
das três crianças, também motivaram o início das ações em Beltrão.
O grupo de Beltrão se reuniu para mobilizar a população
contra as companhias. O desencadeamento foi indicado por Iria
Gomes, conforme o relato que Pécoits fez, em 1977, sobre sua
atuação quando soube do último caso do Verê: “Fiz um artigo
assim, violentíssimo. Foi um verdadeiro libelo contra a violência e a
injustiça. Li na rádio e vim para casa” (PÉCOITS apud GOMES, 1986,

163. Ruy Wachowicz citou o caso do Verê em sua análise dos resultados obtidos com a estratégia que a Polícia teve que
adotar em relação à força do movimento e das lideranças, referindo-se ao encontro de Porto Alegre com um tenente
e 31 policias: “Esse tenente, quando eu mandei parar, ele parou [...]. Daí, eu me apresentei a ele. Falei que eu era o
Porto Alegre, que era um líder do movimento. Aí ele falou: / – Eu não tenho satisfação a dar ao senhor. Eu tenho que
ir a Pato Branco, para dar satisfação ao delegado de Polícia. / Aí eu respondi que o delegado de Pato Branco era eu.
/ – Então o senhor me dê uma oportunidade para falar com o prefeito de Pato Branco. / – O prefeito de Pato Branco
agora, também sou eu. / Aí ele pediu para se dirigir ao Juiz de Direito. / – Também não tem juiz de direito em Pato
Branco. O Juiz de Direito de Pato Branco, também sou eu. Quem resolve a situação sou eu. Estou com o teu superior o
major Machado que está aqui no Verê e você vai tomar conhecimento disso: quem está comandando a polícia do Paraná
aqui no sudoeste, sou eu. Inclusive o seu superior, o major Machado, é meu subordinado” (TRENTO, Jácomo apud
WACHOWICZ, 1985, p. 256).
164. Nas últimas semanas a milícia dos jagunços faziam demonstrações ostensivas do poderio bélico e intimidavam os
moradores, circulavam com os jeeps cheios de jagunços armados. Ruy Wachowicz (1985) cita que o medo estava tão
presente que à noite, ninguém, circulava nas ruas da cidade.
165. Conforme informações que Ruy Wachowicz (1985) citou antes da culminação do levante, o médico e familiares tinha
se ausentado de Francisco Beltrão, pois tinham viajado a Buenos Aires em férias de 30 dias, retornando por Porto
Alegre, onde os filhos estudavam. Do outro lado dos levantados do chão, Rubens da Silva Martins (1986, p. 399-414)
também reconstituiu sua participação de forma detalhada, para os dias 10 e 11 de outubro, demonstrando a polarização
que tinha contra Pécoits.

171
p. 95)166. A autora também descreveu que no dia 10, “pela manhã,
as lideranças de Francisco Beltrão, mais ou menos 20 pessoas,
reuniram-se e estabeleceram um plano de ação para mobilizar os
colonos” (GOMES, 1986, p. 95)167. Walter Pécoits relatou que um dos
receios das lideranças era de que se fosse chover, as estradas ficariam
intransitáveis, mas, mesmo tendo chuviscado, os colonos começaram
a chegar em massa e das mais variadas formas (caminhão, a pé, a
cavalo, de carroça, etc.), com as armas e ferramentas de trabalho de
que dispunham: “Todos armados. Com espingardas de caça, pedaços
de pau, enxadas [...] lá pelas seis horas da tarde já tinha mais de três
mil pessoas na cidade” (PÉCOITS apud GOMES, 1985, p. 96)168.
A constituição de um poder popular, de comando e
organização de uma nova ordem social contrária àquela grilagem
e do interesse da população, foi realizada pelo próprio movimento,
ao destituírem as autoridades do governo local por meio de força
própria. Walter Pécoits rememorou as primeiras medidas realizadas
pelos dirigentes em relação à comunicação ao comando do Exército
e ao poder judiciário da cidade.

Às duas horas, reunimos o pessoal aqui no hospital e fomos à


casa do juiz. Batemos na porta e eu disse:
- Olha Dr., nós chegamos à conclusão que não dá mais para
continuar como está. Em sinal de respeito ao Sr., que é Juiz,
viemos informar que vamos tomar a cidade. [...] como ninguém
gosta do senhor, injusta ou justamente, [...] lhe dou um conselho:
o senhor fique em casa. Vamos usar o que os senhores dizem
na justiça ou na política, o senhor fica em prisão domiciliar.

166. Iria Gomes (1986, p. 94-95) analisou que: “Só não assumiram uma posição contra as companhias os que estavam
comprometidos com o governo, ou pelo cargo que exerciam, ou pela vinculação partidária”.
167. A primeira reação das companhias que Walter Pécoits citou foi a ameaça que recebeu de um funcionário da Comercial:
“Logo em seguida, Walter Pécoits foi procurado por um senhor [Azevedo] que trabalhava para a COMERCIAL. Tinha
sido da guarda pessoal de Getúlio Vargas. Veio avisar que não se deveria tentar nada contra as companhias porque
eles estavam armados, tinham a polícia do seu lado e que iriam chamar os jagunços do interior para a cidade ...”
(WACHOWICZ, 1985, p. 261).
Ivo Thomazoni relacionou as principais pessoas que residiam na área urbana de Beltrão que apoiaram os colonos contra
as companhias e seus jagunços que praticaram violências para coagir os colonos a negociarem as terras: “Isso gerou
a formação de forte núcleo urbano de apoio ao posseiro, liderado por Walter Pécoits, Ricieri Colla, José Argentino
Salvati, Antônio de Paiva Cantelmo, Luiz Prollo, Balduíno Daros, destacando-se também José Krasmieswski,
Francisco Cristófoli, Teodoro Zanata, Paulo Borghesan, Chico Daros, Fausto Mazzaco, Olívio Reinaldi, Genuíno
Balastrelli e Olívio Cardoso Poletto, não lhes faltando também a força de toda a população beltronenses não simpática
às colonizadoras” (THOMAZONI, 2007, p. 8).
168. Em seu relato Walter Pécoits também comentou: “Reuni os chefes dos colonos e mandei que o pessoal, com as melhores
armas, guarnecesse as entradas da cidade. [...] Enchemos o campo de aviação com toras de pinheiro e colocamos uma
guarda ali. No dia seguinte, dia 11, já tínhamos cerca de 6.000 colonos. Então fomos à delegacia. Tinha 12 presos.
Reuni todos, botei numa sala e disse: – olha, vocês estão todos presos aqui, uns mataram, outros roubaram, não quero
saber o que vocês fizeram. Estou precisando da cadeia, [...] Vão para a casa de vocês. [...] quando terminar, mando
chamar vocês pela rádio. [...] o que não vier, eu vou mandar buscar. Depois, guarnecemos a prefeitura, a Coletoria,
[...]” (PÉCOITS, Walter apud GOMES, 1986, p. 96). Pelo relato de Pécoits, passados os dias e o momento da tomada
da cidade, todos aqueles presos retornaram à Delegacia de Polícia de Beltrão.

172
[...] Se o senhor sair de casa, o senhor está preso (PÉCOITS apud
GOMES, 1986, p. 95).

O centro de tensão principal foram os escritórios das


companhias, todavia com uma diferença, como expôs Ruy Wachowicz
(1985, p. 262): “Os jagunços cometeram um erro de perspectiva. Todos
se aquartelaram no escritório da COMERCIAL. Júlio Assis Cavalheiro
já havia fechado o escritório da CITLA e se refugiado numa chácara
das vizinhanças”. Este comportamento de Júlio Cavalheiro não deixa
de ser chamativo, pois ele certamente conhecia bem a população local
e soube avaliar bem sobre qual seria a melhor decisão que ele deveria
tomar. Sua saída estratégica livrou-o de maiores constrangimentos
pessoais com o movimento geral dos colonos e posseiros e mesmo
com suas lideranças169.
Rubens da Silva Martins (1986, p. 378) que, no dia 19/9/1957,
havia assumido a Delegacia de Francisco Beltrão (no lugar de Luiz
Penso que atuava junto com as milícias das companhias), viu-se
em prisão domiciliar em seu hospital (Hospital Santo Antônio), por
determinação dos líderes do levante, pois era um dos principais
homens do Lupion e do pessedismo.
O reduto final foi o Escritório da Comercial, onde Lino Mar-
quetti e Breda (chefe dos jagunços) permaneciam com um contin-
gente de jagunços fortemente armados. Wachochicz (1985, p. 263)
indicou que seriam em torno de 40 jagunços que estavam no escritó-
rio, possivelmente a partir da entrevista que fez com Pécoits. Na en-
trevista de Walter Pécoits, utilizada pela Iria Gomes, ele indicou que
eram em torno de 25 homens. Obviamente que a diferença do nú-
mero de jagunços não é fundamental, mas, sim, o cerco realizado ao
escritório da Comercial, o tensionamento que houve entre as partes
e a negociação que foi realizada, conforme o próprio Pécoits relatou.
169. Conforme memórias de um dos filhos de Cavalheiro, o Chico, esse fato e circunstâncias da Revolta de Outubro de 1957
que envolveu Júlio Assis, teve outros desdobramentos, o que efetivamente demonstra que o assunto não foi tão simples
assim para o Júlio e sua família:“Fugimos e nos escondemos no mato por três dias. Fomos alimentados por um colono
amigo que conhecia as atitudes justas de Júlio Assis Cavalheiro. Residimos por um ano em Mariópolis. Voltamos para
a nossa casa em Francisco Beltrão que foi tomada por alguns revoltosos que a saquearam e roubaram todos os nossos
pertences. Era uma casa de madeira serrada, na Rua Octaviano Teixeira dos Santos, atual Escola Mundo da Criança”
(Chico Cavalheiro, apud: GHEDIN, 2010, p. 13). ”Chico” Cavalheiro é o apelido do primeiro filho de Júlio Assis
Cavalheiro e de Aline Toledo, Rosenery Toledo Cavalheiro (GHEDIN, 2010, p. 6).
Tânia Ghedin, em outra passagem do texto no Caderno Cultural, Júlio Assis Cavalheiro 1910-2010, ao se referir à
trajetória de vida do Cavalheiro e a questão da Revolta de 1957, descreveu que houve desdobramentos e mudanças
marcantes que permaneceram no período seguinte ao outubro de 1957: “Magoado pelo constrangimento que sofrera,
Júlio deixou a cidade de Francisco Beltrão em 1958, adquirindo terras em Enéas Marques, onde foi agropecuarista”
(GHEDIN, 2010, p. 13).

173
Fui até lá e fiz ver a eles que só restava se entregarem. Eram seis
mil colonos que estavam lá fora, loucos para se vingarem das
barbaridades que haviam feito.
– Mas, disse o Marquetti, estamos muito bem armados. Se eles
vêm aqui, nós vamos nos defender.
– Não tem dúvida nenhuma. Mas lá na praça tem seis mil
homens, vocês são vinte. Vocês vão matar uns trinta, no
máximo, e o resto vai matar vocês. É isto que quero evitar. Vocês
têm que se entregar.
– Mas como se entregar?
– Se entregar da seguinte maneira: vocês me dão todas as armas
de vocês, eu levo vocês presos para o quartel do Exército e vocês
saem daqui com as viaturas de vocês ou arrumo caminhões,
viaturas do quartel, ponho vocês para fora do município. [...]
Eles discutiram um pouco, não chegaram a um acordo. O pessoal
lá fora estava preocupado com a minha demora lá dentro.
Aí eu disse:
– Olha, eu tenho que sair, tal, vocês pensam, a proposta é esta e
eu não mudo uma linha do que disse.
Desci as escadas e o Marquetti desceu comigo. Quando chegou
na porta, disse:
– Olha, doutor, eu vou confiar no Senhor. Acho que o Sr. tem
razão. E a minha prova está aqui.
Pegou e me deu o revólver dele. Vim, falei com o pessoal que
estava tudo resolvido. Vamos esperar que eles vão se entregar
[...]. Não vamos matar ninguém, não vamos espancar ninguém.
Vamos aguardar um pouco para o Breda e o Marquetti
resolverem (PÉCOITS apud GOMES, 1986, p. 97)170.

Iria Gomes descreveu que, após a negociação com Marquetti,


Walter Pécoits foi para sua casa e a população dirigiu-se ao escritório
da Comercial, visando pegar o pessoal da companhia. Neste ínterim,
todos os da Comercial fugiram para o aeroporto. Novamente Walter
Pécoits teve que mediar uma solução, como relatou: “Fiquei numa
situação desgraçada. Mandei cercar o campo ... para não deixar eles
saírem de lá. Fui ao Quartel falar com o Comandante para que ele
me autorizasse a deixar os caras presos lá” (PÉCOITS apud GOMES,
1986, p. 98).
Os jagunços só foram levados ao Quartel do Exército no
final da tarde do dia 10, com uso de uma patrulha e, somente após
a autorização recebida do comando da 5ª Região Militar (GOMES,
1985, p. 98). Por fim, Iria Gomes descreveu que, no dia seguinte, 11 de
outubro, uma patrulha do Exército levou-os até Clevelândia, porém
tiveram que driblar a população mobilizada, pois havia colonos e
posseiros em armas querendo fazer justiça com as próprias mãos.
170. Na entrevista que Walter Pécoits deu a Ruy Wachowicz (1985, p. 263-264), há mais detalhes e informações sobre o
armamento e as exigências de garantias de vida que o Marquetti tinha feito. A entrevista utilizada por Iria Gomes foi
realizada em novembro de 1977 e a de Ruy Wachowicz foi feita em 14/02/1979.

174
Quando o pessoal da Comercial ia sair de Beltrão pela ponte, Pécoits
devolveu o revólver a Lino Marquetti, conforme relatou a Iria Gomes
(apud 1986, p. 98): “Quando estávamos na ponte, cheguei ao Lino
Marquetti e entreguei-lhe o revólver. Disse: / – Toma, isso é teu, deve
ter um valor para ti. Eu tenho o meu e gosto dele. / Foi o único homem
que saiu daqui armado”171.
Iria Gomes descreveu o momento da vitória, após a retirada
das companhias, referindo-se ao relato de Walter Pécoits:

A cidade virou uma festa. Os escritórios das companhias foram


invadidos. Quebraram tudo. Não que quisessem destruir, mas o
que queriam mesmo eram as malditas promissórias e contratos
que haviam assinado. A avenida em frente ficou coberta de
papéis, branquinha. [...] Precisava ver a alegria daqueles homens
rasgando as promissórias (In: GOMES, 1986, p. 98-99)172.

O próprio chefe de Polícia do governo Lupion, Alfredo


Pinheiro Júnior173, foi para Pato Branco e depois para Francisco
Beltrão, no dia 11 de outubro, para negociar a pacificação do levante e
reestabelecer a ordem de acordo com o interesse do governo Lupion.
Em entrevista que Pécoits concedeu à pesquisa de Iria
Gomes (1986, p. 99), informou que estava no aeroporto quanto
Pinheiro Júnior, o coronel Rubens Barra (observador do Exército) e
José Meger (juiz de Pato Branco) chegaram e teria ouvido o recado
que o chefe de Polícia tinha dado ao piloto, bem como ele, Walter,
ter mandado que o colono responsável pela segurança do aeroporto
fizesse com que o piloto decolasse imediatamente após a saída de
Pinheiro Júnior do local174.
171. Walter Pécoits relatou que dias depois um conhecido informou que no Escritório da Comercial havia uma parede falsa
onde tinham escondido o armamento. Ruy Wachowicz (1985, p. 269) citou que havia “cerca de 30.000 tiros de diversos
calibres, uma metralhadora ponto 30, fuzis mauzer 1908, mosquetão 1912, revólveres”. O material foi entregue ao
Exército e Pécoits disse que havia caixas de munição, ainda fechadas, contendo seu nome, que a Comercial fazia para
não levantar suspeitas (apud WACHOWICZ, 1985, p. 270).
172. Na entrevista concedida a Ruy Wachowicz, a sensação que Pécoits descreveu tem outras nuances: “Não tem dúvida que
foi uma coisa muito boa, porque o povo extravasou sua raiva naquilo. Os coitados estavam lá, abriram aquelas gavetas,
quase analfabetos, procurando ver o nome deles nos títulos” (apud WACHOWICZ, 1985, p. 265, grifo nosso).
173. Ao tratar da repercussão dos fatos do Sudoeste na imprensa curitibana, Éverly Pegoraro acrescentou algumas
informações sobre os interesses que o jornal Gazeta do Povo tinha com o assunto e sua divulgação: “A essa altura dos
acontecimentos, não era só o governador do Estado que sofria críticas. Sob o título ‘E ‘ele’ voltou ...’, Rubens Requião,
advogado e tradicional político paranaense, declarava pesadas ofensas ao Chefe de Polícia Pinheiro Júnior. No texto,
Requião mostrava as ligações (proibidas por lei) de um funcionário público em empresa privada – Pinheiro Júnior era
diretor da Gazeta do Povo. Além disso, acusava o jornal de receber grandes verbas publicitárias do governo do Estado”
(PEGORARO, 2008a, p. 188).
174. O aeroporto de Francisco Beltrão, como os das demais cidades do Sudoeste, estava inacessível. Por estratégia de
segurança, o movimento dos colonos e posseiros havia colocado toras de madeira na pista. Com o recebimento do aviso
de que o Chefe de Polícia estaria chegando, a pista foi desobstruída para a aterrisagem do táxi aéreo da companhia
BOA, de propriedade do grupo Lupion, que trazia Pinheiro Júnior.

175
Walter Pécoits retratou as cenas da recepção antipática
que o chefe de Polícia do governo Lupion teve no aeroporto e as
tratativas que Pinheiro Júnior teve que ouvir dele e das lideranças
(comissão executiva local) durante a reunião realizada no prédio da
Rádio Colmeia. Em resposta à pergunta que o chefe de Polícia fez
sobre quem era o chefe dali, Walter Pécoits teria agido da seguinte
forma: “– Conheço ali do aeroporto. O senhor disse ao piloto que
em meia hora resolveria essa majorca. Pois fique sabendo que isso
não é nenhuma majorca. E que o senhor está preso” (PÉCOITS apud
GOMES, 1986, p. 100)175.
Semelhante ao que a direção do movimento havia realizado
em Pato Branco e do que tinha executado em Beltrão no dia 10, em
relação às autoridades locais, a comissão não reconhecia, naquele
momento, o poder do chefe da Polícia do governo Lupion, mantendo-o
sob o mando da direção do levante. Já, em relação à pauta da reunião,
em outra entrevista Pécoits destacou.

A certa altura da reunião, Pinheiro Jr. perguntou: Então o que é


que os senhores querem? Pecoits respondeu:
Bom, eu quero o seguinte: substituir o delegado de polícia,
exonerar o promotor, transferir o juiz, tirar a polícia daqui, não
mandar mais a polícia. Os escritórios não serão mais reabertos,
ninguém será processado.
Ele aceitou tudo. (PÉCOITS apud WACHOWICZ, 1985, p. 268).

Mesmo levando em conta o período histórico transcorrido


até o registro dessa fonte oral, podemos considerar que, naquela
reunião, os itens apresentados por Pécoits para Pinheiro Júnior
eram os pontos básicos das reivindicações dos colonos e posseiros.
A negociação que Pécoits teve com Lino Marquetti, no escritório da
Comercial, também foi um indicativo da mediação que as lideranças
realizaram no intuito de dar uma solução definitiva às injustiças, ao
medo e às violências praticadas pelas companhias/grupo Lupion.

175. No relato que deu a Ruy Wachowicz, Pécoits disse que Pinheiro Júnior teria dado o recado ao piloto: “me espera um
pouquinho que eu vou lá em baixo e já termino com essa anarquia aqui e já volto. Em meia hora eu termino com esse
troço”. Também comentou que, na Rádio Colmeia, o chefe de Polícia de Lupion teria perguntado: “Quem é o Dr.
Wálter?” (WACHOWICZ, 1985, p. 266).

176
O ambiente do conflito e dos enfrentamentos não
tiveram apenas esses dois cenários de atores e de negociação
durante o levante em Beltrão, mesmo sendo eles balizadores da
mesa de negociação. Numa perspectiva histórica, a multidão
em armas que ocupou a cidade, também agiu para acertar as
contas com o passado (companhias e jagunços). Esses atos da
multidão não podem ser secundarizados em detrimento dos atos
e cenários dos dirigentes que atuaram a partir do poder popular,
sob o risco de reduzi-la (os milhares de colonos e posseiros) a
meros números ou massa de manobra (cf. MARIÁTEGUI, 1977).
Ao mesmo tempo, é preciso compreender o horizonte da vontade
dessa mesma multidão e das lideranças para não ultrapassar os
desejos daquelas pessoas e concluir que a vitória do levante foi um
sucesso, porém a conquista efêmera (durou poucos dias, obteve
resultados imediatos, mas não teve um programa ou projeto de
poder social a médio e longo prazo).
Quanto ao acerto de contas com o passado, indicamos
duas imagens da multidão em armas e em ação para evidenciar
a explosão da vontade popular. A primeira foto é um registro
da multidão na rua, em Francisco Beltrão, expondo suas armas
(brancas e de fogo) e as placas dos escritórios da Comercial e da
Citla que foram destruídos. A foto 2, indicada no Capítulo 2, sobre
as fontes, Osvaldo Jansen também registrou a festa e a alegria da
conquista alcançada pelos sujeitos da multidão que quebraram
os escritórios e jogaram na rua os contratos de compra e venda
dos lotes e as promissórias que eles tiveram que assinar, durante
os anos em que as companhias (Citla, Comercial e Apucarana), o
lupionismo e o pessedismo imperaram, por força da lei (dentro e
fora do Estado) no Sudoeste do Paraná.
Do ponto de vista das lutas sociais, essas cenas, de ocupação
e do acerto de contas com o passado representam uma libertação e
um momento de liberdade.

177
FOTO 7: Revolta de 1957 - Multidão em Francisco Beltrão

Fonte: Arquivo Público do Paraná - Acervo Fotográfico do Fundo Documental de Moysés Lupion.

FOTO 8: Derrubada do Obelisco, 11/10/1957

Fonte: SILVA, 2010, p. 60.

178
As cenas das destruições (placas, escritórios, contratos e
promissórias) possibilitam uma reflexão muito contundente para a
compreensão do caráter público e político da ocupação das cidades e
da força dos de baixo. Enquanto as negociações foram realizadas em
lugares restritos, privados ou públicos (no escritório da Comercial,
no prédio da Rádio Colmeia, no aeroporto, no quartel, na delegacia,
no cartório, etc.), a multidão permaneceu na rua. Para além disso,
a rua e a praça foram os lugares onde, pela força da organização, a
multidão exerceu seu direito e deu um passo para jogar o “direito
jurídico das companhias” e o monumento (obelisco) do passado
(Citla/Júlio Assis) no lixo, ou seja, na rua.
No registro da cena da foto 7, as pessoas da multidão
expõem suas ferramentas de trabalho que foram transformadas,
na rua, em instrumentos da luta política. Na mesma avenida,
ocupada pela multidão, as placas da Citla e da Comercial deixaram
de ser identificação de propriedade e, agora, fora dos seus lugares
(da grilagem legalizada e das chicanas), simbolizaram a vitória do
levante (cf. PEGORARO, 2008c). A visão panorâmica da avenida e
das edificações permite, ainda, ao leitor, contextualizar a realidade
urbana da época e o volume do povo na avenida.
A segunda fotografia registrou por outro ângulo, o início da
derrubada do obelisco que havia na praça da cidade, construído em
homenagem à fundação da cidade e ao pioneiro de Francisco Beltrão,
Júlio Assis Cavalheiro, que também teve seu nome indicado para
nominar a avenida principal de Marrecas. Sobre o ato de destruição
desses símbolos do passado, Iria Gomes escreveu: “Foi arrancada,
da avenida principal, a placa que lhe dava o nome, bem como o
obelisco comemorativo da fundação da cidade, que se encontrava na
praça, porque nele constava a CITLA” (GOMES, 1986, p. 99)176. Com
seu paranismo, Ruy Wachowicz não incorporou esse fato em sua
abordagem sobre o levante dos posseiros.

176. Estas inter-relações e interações das forças simbólicas (dos monumentos, dos lugares de memória e do ato coletivo de
destruição) foram abordadas por Iria Gomes: “É interessante analisar o significado simbólico dessa forma de protesto.
As promissórias, a placa de rua e o obelisco devem ser entendidos dentro de um universo simbólico mais amplo, ou
seja, derrubar o obelisco que representava a fundação da cidade, bem como a placa de rua com o nome de seu fundador,
significava um enfrentamento e uma recusa às companhias de terra e a quem tivesse qualquer ligação com elas. Por
outro lado, rasgar as promissórias e contratos assinados significava destruir materialmente os elementos que mantinham
um vínculo com as mesmas” (GOMES, 1986, p. 99 – nota 226). Ronaldo Zatta e Leomar Rippel (2013) também
apresentaram a imagem e o ato da derrubada do obelisco.

179
Mesmo sendo um cidadão benquisto, que discordava
da atuação da Comercial, como frisou Iria Gomes (1986, p. 99 –
nota 225), justamente por ter vínculo com a Citla, estes lugares
de memórias materializavam, naquele monumento, um registro
perene do passado que colonos e posseiros queriam eliminar de suas
vidas e do centro da cidade. Após a derrubada, a estrutura física do
monumento foi arrastada pelas pessoas. Esta imagem e a associação
entre Citla/Obelisco/Júlio Assis Cavalheiro, além da relação entre
a Citla/Comercial e Apucarana, certamente, motivaram o ato de
destruição realizado pela multidão durante o levante de 1957 (cf.
Fotos 5 e 8). A permanência deste ato da revolta na memória social
e nas versões sobre o passado, porém, retratam outros sentidos ou
vínculos à simbologia do monumento e da pessoa do pioneiro Júlio
Assis Cavalheiro para a história local177.
Dentre essas revisitações, cabe indicar duas fontes e
versões. A primeira foi incluída na parte das biografias dos pioneiros
da obra Francisco Beltrão: 25 anos de lutas, de trabalho e de progresso,
de Hermógenes Lazier (1980), referente a Júlio Assis Cavalheiro.
Ao tratarem da biografia do pioneiro Júlio Assis, Lazier e Nivaldo
Antonio Oliskovicz registraram a própria impressão e avaliação
que ele fez sobre a destruição do obelisco e sua relação com aquele
lugar/monumento de memória. Passados 25 anos depois dos atos na
história, o próprio Júlio Assis registrou as diferenças que havia entre
ele, na Citla, dos demais diretores e companhias. Porém, isso não é
o ponto central do seu relato, mas, sim, o reconhecimento de que o
obelisco tinha relação com a sua imagem e homenagem.

Nós esperávamos nos escritórios que os colonos interessados em


resolver o problema com a companhia viesse, até nós. Ninguém
era forçado para isso. E a revolta começou, motivada pelo temor
e pelo desespero de conversas assustadoras que tinham um
fundamento nas acusações da outra Companhia, a Comercial,
que tinha comprado 90 mil alqueires e obrigavam os colonos a
assinarem e a pagarem até tal dia. Até eu estava com medo dos
seus capangas que não nos olhavam direito, quando passavam
177. Pelos dados da revista O Cruzeiro e do Jornal de Beltrão, a destruição ocorreu no primeiro dia, em 10 de outubro,
porém Anita Izabel de Mello da Silva (2010) indicou a data de 11 de outubro de 1957.
Conforme já indicado no item sobre as fontes, ao assumir o mandato de prefeito de Francisco Beltrão, em 1960,
Walter Pécoits pretendia mudar o nome das duas principais avenidas da cidade, pois tinham os nomes de Júlio Assis
Cavalheiro (para esta Avenida pensava em indicar “10 de Outubro”) e de Luiz Antônio Faedo, porém não levou a ideia
adiante, diante da posição do presidente da Câmara Municipal de Vereadores. Praticamente três anos depois do outubro
de 1957, as divergências permaneciam latentes, até porque, naquela eleição, Pécoits (PTB) teve como oponente,
Rubens Martins (PSD), que representava o lupionismo, o pessedismo e o passado da grilagem das companhias Citla,
Comercial e Apucarana.

180
por perto do nosso escritório. Quando notei a movimentação
dos colonos na véspera da revolução, quis saber o que era aquilo.
E quando contaram-me que era contra a Comercial, fiquei até
muito contente, porque já não me sentia em segurança. Por
isso, acredito, ninguém pode ter guardado alguma mágoa
contra minha pessoa por causa disso. Antes, pelo contrário.
Pois, eu sempre procurei só ajudar. Fiquei realmente sentido,
eu confesso, quando alguns colonos revoltados arrancaram um
obelisco que havia em minha homenagem na praça da cidade.
Mas, quando entendi a cegueira daqueles que o fizeram, irados e
confusos, procurei esquecer e estou muito tranquilo quanto a isto,
porque, de sã consciência, não prejudiquei a ninguém (In: LAZIER,
1980, p. 55, grifo nosso).

Durante as comemorações do cinquentenário em Francisco


Beltrão, o Município, por meio do Departamento de Cultura e com o
projeto Mergulho Cultural, promoveu a apresentação da Peça Teatral
A Revolta dos Posseiros – Sudoeste do Paraná, 1957, de autoria de
Ivo A. Pegoraro, Direção de Vilmar Mazzetto e encenação do Grupo
Théspis178. Nessa forma de linguagem da história e sobre a história, a
destruição do obelisco fez parte do Segundo Ato (III), do Teatro, com
o seguinte texto à encenação:

Um grupo chega arrastando o monumento do pioneiro Júlio


Assis Cavalheiro.
GRANDO – Vocês arrancaram o marco do seu Júlio Assis, mas
ele é gente boa.
COLONO – Arrancamo e está arrancado.
E atravessam o palco arrastando o monumento. Os outros
aplaudem (PEGORARO, 2007, p. 26).

Pelo roteiro da Peça Teatral, a passagem do ato de


derrubada do Obelisco (um monumento com formato de um marco
geográfico de demarcação de terra, “o marco do seu Júlio Assis”), que
referendava a atuação de Júlio Assis Cavalheiro, enquanto pioneiro
que projetou parte da sede urbana de Beltrão, quando ainda era Vila
Marrecas, não possui relação com a imobiliária Citla. Pelo texto e pela
força simbólica da dramaturgia, permaneceu uma versão atualizada
178. Além da apresentação, a Peça Teatral foi impressa e distribuída. Na segunda capa da cartilha constam alguns dados que
merecem citação. O texto é de autoria de Ivo A. Pegoraro (jornalista e Diretor do Jornal de Beltrão) e foi submetido à
revisão para o professor Hermógenes Lazier, em junho de 2007. O texto também foi apresentado para análise da Tânia
Maria Penso Ghedin, Badger Vicari e José Antônio Rezzardi. As sugestões dos 4 revisores foram utilizadas pelo autor.
O motivo do Teatro (autoria e apresentações) foi a “Comemoração do Cinquentenário da Revolta de 1957 no Sudoeste
do Paraná”. Com relação à estreia e circulação das apresentações da peça teatral, contam os seguintes dados. Sobre a
estréia: “Peça encenada pela Cia de Teatro Théspis, na sequência do projeto Mergulho Cultural, promoção da Prefeitura
Municipal de Francisco Beltrão através do Departamento de Cultura. O Mergulho Cultural apresenta a peça a mais de
20 mil alunos das escolas públicas do município, gratuitamente. Também teve sessões (igualmente gratuitas) para a
comunidade” (PEGORARO, 2007, p. 2).

181
sobre a história como se a destruição do obelisco fosse um ato falho
na história: um grupo de colonos, por conta própria, derrubou e
arrastou pela cidade o monumento de um homem bom, o pioneiro
da cidade [“Arrancamo e está arrancado!”].
Ao abordar o significado do obelisco nas ações da revolta
de 1957, Anita I. de Mello da Silva (2010) tratou de outro sentido
na ação da população, sem fazer referência à cegueira, à ira ou
à confusão (os cegos, irados e confusos, no dizer de Júlio Assis)
daqueles que participaram desse acerto de contas com o passado:
“Este monumento erigido em homenagem ao pioneiro Cavalheiro
foi destruído na época da revolta. No dia 11 de outubro de 1957
foi tombado e arrastado por colonos insuflados até a residência
de Júlio Assis Cavalheiro, onde foi soterrado simbolizando um
‘enterro’” (SILVA, 2010, p. 60-61). Mas, mesmo Anita da Silva
sugere que os colonos foram insuflados a fazer algo impensado,
um ato inconsequente, como se não houvesse qualquer correlação
e responsabilidade pelas injustiças praticadas pelos agentes e sua
materialidade (força simbólica) naquele monumento179.
Walter Pécoits tratou da alegria e do extravasamento da
raiva dos colonos contra as companhias. Pelas fontes oculares,
fotografias, não há como interpretar sentimentos, porém, na foto
8, não se percebe manifestações ou semblantes dos envolvidos
semelhantes aos atos registrados na avenida, com a exposição de
armas (Fotos 3, 4 e 7). Também é preciso considerar que as lideranças
da UDN e do PTB local atuavam como uma oposição forte, haja vista
a partidarização que havia em Beltrão e no governo do Paraná. A
versão que Rubens da Silva Martins publicou em 1986, sobre os fatos
injustos ocorridos em 1957, envolvendo a relação entre Júlio Assis/
Citla/PSD e as manifestações populares, merece citação:

Os escritórios das companhias de terras tinham sido


desmantelados; o marco comemorativo da fundação da
Cidade, uma das mais justas homenagens prestadas a Júlio Assis
Cavalheiro – idealizador de seu primeiro projeto de urbanização
– fora derrubado e arrastado pelas ruas em sinal de repúdio ao
partido situacionista, cuja Presidência do Diretório Municipal
179. Sobre esse ato, seus significados em 1957 e suas ressignificação em período posterior (2010), há a seguinte passagem
que Tânia Maria Penso Ghedin incluiu no Caderno produzido em homenagem ao Centenário de Júlio Assis Cavalheiro:
“Foi erguido um obelisco em homenagem a Júlio Assis Cavalheiro na Praça Eduardo Virmond Suplicy, marco
comemorativo da fundação da cidade, em 1952. / Em 1957, na Revolta dos Posseiros, o obelisco foi arrastado até a
residência de Júlio Assis, onde foi realizado um enterro simbólico. Na ocasião colonos insuflados saquearam, roubaram
e ameaçaram a vida de Júlio Assis Cavalheiros e de sua família” (GHEDIN, 2010, p. 11).

182
era por ele exercida; já não havia mais gado para alimentar a
multidão que ainda permanecia na sede do Município, pois as
reses de propriedade de Júlio Assis e de seus correligionários, já
tinham sido abatidas e consumidas (MARTINS, 1986, p. 415-416,
grifo nosso)180.

Independentemente dessas rememórias ou dos argumentos


utilizados por seus porta-vozes para justificar uma ou outra ação, o
caso da destruição do monumento foi um dos acertos de contas com o
passado realizado diretamente pela multidão e num espaço público,
a rua. Além disso, as revisões continuam tendo elementos de acertos
ou desacertos com aquele passado. Nesse aspecto, Entre jagunços e
posseiros deu voz aos que foram derrotados e, em particular, ao já
esquecido e silenciado pessedismo.
Em Beltrão, a condução do movimento e a organização
das ações também foram planejadas para garantir a segurança
aos locais estratégicos da cidade (prédio da rádio Colmeia, hospital
do Walter Pécoits, delegacia, banco, etc.) e das estradas de acesso/
saída da cidade, além de medidas para evitar intrigas (controle da
venda de bebida alcóolica)181. Esta logística também foi adotada em
Pato Branco, desde o dia 9, e em Santo Antônio e Capanema, quando
houve a ocupação das cidades.
Durante a negociação da comissão executiva de Francisco
Beltrão e o chefe de Polícia, Alfredo Pinheiro Júnior, quando o
representante do governo Lupion aceitou os termos apresentados
por Walter Pécoits, houve um impasse, pois o cargo de delegado
ficaria para alguém da comissão e Luiz Prolo indicou o nome de
Walter Pécoits (In: GOMES, 1986, p. 100)182. Manoela Pécoits, esposa de
Walter, que participava da reunião, foi enfática em sua contestação
à possibilidade desta indicação, como o próprio Walter relatou:

180. Na peça teatral – A Revolta dos Posseiros, no 1º Ato, no final da cena (2), o personagem “Traiano” tem uma fala que se
refere ao abate do gado de Júlio Assis Cavalheiro: “[...] Foram matar umas vacas do Júlio Assis Cavalheiro. Logo vão
mandar carne pra bóia de vocês. [...]” (PEGORARO, 2007, p. 7).
181. Na versão de Rubens da Silva Martins sobre a “capitulação do cargo de chefe de polícia” e dos momentos iniciais
do levante, tendencialmente e por ser contrário à revolução agrária,fez referências à intranquilidade e à insegurança
da direção do movimento: “O primeiro membro da ‘Junta Revolucionária’ a me procurar, foi Francisco Cristófoli, ao
qual indaguei das ações e dos propósitos dos sublevados. / – Estou preocupado – respondeu-me. Há muita gente e
pouca comida. Estamos controlando o álcool (referia-se ao consumo de bebidas alcoólicas), a fim de evitar excessos e
violências. Muitos estão impacientes e já começam a duvidar do sucesso do movimento” (MARTINS, 1986, p. 415).
182. Sobre a negociação Luiz Prolo relatou os seguintes itens do acordo que fizeram com Pinheiro Júnior: “que eles
entregariam a delegacia de polícia para a gente, que as companhias não voltariam mais para a região. [...] Prometeram
toda espécie de cobertura, de ajuda aos colonos, de que não fariam qualquer espécie de perseguição para os que
tomaram parte no movimento. Na mesma hora, quando ele disse que nós poderíamos indicar um para ser o delegado ...,
eu mesmo fiz a indicação do Dr. Walter ...” (PROLO, apud GOMES, 1986, p. 100).

183
Eu discuti, não queria. A minha senhora [...], ficou furiosa. Ela
estava junto, ela participou de tudo, ela é muito metida.
– Olhe Wálter, a primeira coisa que tu vai fazer é o seguinte: tu
vai aí na frente, na janela, dizer para esse povo que tu agora é o
delegado de polícia. Que tu é funcionário nomeado pelo Moisés
Lupion. Eu quero ver como é que o povo vai te aceitar. Essa tua
mudança de uma hora para outra.
Mas, eu cheguei à conclusão que não tinha outra solução [...]
(WACHOWICZ, 1985, p. 268).

O encaminhamento final desse imbróglio, na realidade,


atendia parcialmente ambos os lados: os colonos e posseiros,
representados pelas lideranças do movimento; o governo Lupion que
teria que resolver o problema agrário ou pacificar a revolta popular.
Walter Pécoits foi quem divulgou os resultados dos acertos
realizados com o chefe de Polícia Pinheiro Júnior, falando da janela
do prédio da Rádio Colmeia à multidão na rua e com o microfone
da emissora em mãos a todos os que estavam acompanhando as
transmissões ao vivo que a Rádio Colmeia realizava.

Eu notifiquei a eles que as companhias não voltariam. Que eles


voltariam para casa tranquilos, que nós continuaríamos a luta,
para a solução do problema de terras que era a meta maior. Para
a solução em juízo, judicial, do problema de terra. Que nós
nos empenharíamos nisto e que eu como delegado manteria
o município em ordem, sem jagunços, exoneraria todos os
inspetores de quarteirão. Ninguém seria perseguido, mesmo
os adversários nossos. Mesmo agentes da CITLA que tivessem
terras, seriam respeitados.
Fiz o troço rápido, mas bem explicado. Quando terminei foi
aquela ovação extraordinária.
Eu saí depois com o Pinheiro Jr. e fomos recebidos de braços
abertos e carregados em triunfo. Uma modificação assim de um
giro de 180 graus. Aquele povo que queria matar o Pinheiro Jr.
Eu saí com ele nomeado delegado da polícia [...] (PÉCOITS apud
WACHOWICZ, 1985, p. 268-269, grifo nosso).

Na sequência desse acordo, bem sucedido, Iria Gomes


descreveu que Pécoits e Pinheiro Júnior foram até o Quartel do 13º
Regimento de Infantaria, onde passaram um rádio para o governador
Lupion e que em meia hora tinha a resposta de que ele havia aceitado
todas as condições (GOMES, 1986, p. 101).
Nota-se no relato que Walter Pécoits fez a Ruy
Wachowicz, em 1979, em sua memória viva e com a presença de
suas memórias de vida, há a indicação de uma lógica a priori ao

184
futuro dos líderes, dos colonos/posseiros e do movimento de 1957
– “que nós continuaríamos a luta, nós nos empenharíamos nisto”
–, que havia uma centralidade ao levante – a “solução do problema
de terras que era a meta maior, as companhias não voltariam” e
ele, delegado, “manteria o município em ordem, sem jagunços e
exoneraria todos os inspetores de quarteirão” –, e de que a ação
do levante e da ocupação da cidade tinha terminado – que eles
voltariam para casa tranquilos.
Nessa perspectiva, a reflexão sobre a (re)memória de
Pécoits reabre e recoloca as questões da relação que havia entre a
direção (lideranças) e a multidão (massa), permitindo a percepção
de uma dupla mediação das lideranças. Uma, como representantes
dos colonos na mesa de negociação com os representantes do
governo, com posição contrária ao aparato das companhias e
da grilagem de terra; outra, como mediadores da vontade dos
colonos e posseiros e enquanto herdeiros e continuadores da
luta em outros espaços e lugares. Obtida a vitória contra o medo
e as expropriações violentas, os colonos e posseiros poderiam
retornar à tranquilidade de suas casas. Para as pendências legais
e jurídicas da meta maior, já havia quem continuaria a luta. Na
realidade, já havia as lideranças que construíram o movimento e
que se mantinham como e enquanto lideranças183.
Em Santo Antônio do Sudoeste a ocupação da cidade pelos
colonos foi realizada no dia 12 de outubro, sob a liderança de Augusto
Pereira (guarda da Cango). Como Ruy Wachowicz (1985) havia
abordado, Santo Antônio era o reduto das companhias e dos jagunços
na faixa da fronteira, após os casos de Lageado Grande e da Tocaia do
Km 17, porém foi Iria Gomes quem tratou dos conflitos que ocorreram
durante o levante de outubro. O cerco à Delegacia foi o momento de
maior tensionamento entre colonos e a polícia, como expôs a autora:
“Embora o Juiz de Direito, o Promotor e o Delegado Especial Licínio
Barbosa tentassem demover os colonos de tal intento, às 23 horas
do dia 12 de outubro, a delegacia estava totalmente cercada, sob a
liderança de Augusto Pereira” (GOMES, 1986, p. 107).
183. A fala sobre o passado, de Walter Pécoits, não é apenas de um membro da comissão executiva, representativa do
movimento ou de alguém que foi nomeado delegado de polícia. Também é e se refere a ele, à época, enquanto médico
e dono de hospital, vereador do PTB e sócio da Rádio Colmeia, bem como ao que foi no período seguinte, até a data
dos relatos (ex-prefeito, ex-deputado estadual, conhecido de Jango e uma das lideranças mais fortes do PTB paranaense
entre 1960-1964, sem contar as questões relacionadas à ditadura no pós-1964). Sobre esses aspectos da trajetória de
vida e atuação político-partidária, cf. Silvia Amâncio (2009), Walter Pécoits (1994), Ruy Wachowicz (1985).

185
De acordo com Iria Gomes, quando os colonos tentaram
tomar a Delegacia, o subtenente Ricardo Coutinho estava como
responsável no local, porém, quando Licínio Barbosa chegou, com
dois auxiliares, houve uma escaramuça entre policiais e colonos
ainda naquela noite.

Imediatamente, os colonos cercaram o jeep, perguntando


quem era [...] Sou Delegado Especial, o Dr. Licínio, retirem-se,
vocês têm que me obedecer. Ato contínuo, puxou seu revólver,
momento em que os colonos lhe deram voz de prisão, [...] tendo
o Dr. Licínio, armado de metralhadora, reagido à prisão e
gritando para que a polícia fizesse fogo contra os colonos, dando
os primeiros tiros com sua metralhadora MADSEN, n.º 3420, cal.
9mm, C114812R; momento em que deflagrou o conflito, [...], que
resultou em ferimentos em seis (6) pessoas, inclusive o causante
do conflito, Dr. Licínio Barbosa (apud GOMES, 1986, p. 107).

Com o tiroteio, citou Gomes, muitas pessoas fugiram


naquela noite para a Argentina, inclusive os inspetores de polícia
vindos de Curitiba, haviam se refugiado no outro lado da fronteira,
conforme os registros documentais da Comissão do Movimento a
que Iria Gomes teve acesso em sua pesquisa. Tratou a autora que, no
dia 13, os colonos ameaçaram depredar as casas dos colaboradores
das companhias; invadiram o Fórum para obter armas; entraram
no Hotel Masiero, no quarto reservado pelos inspetores de polícia
e encontraram “três (3) Winchesters, e várias caixas de balas, num
total de 600 tiros” (apud GOMES, 1985, p. 107); e, entraram na casa do
advogado da Citla, encontraram “grande quantidade de dinamite” e
destruíram a documentação da companhia.
Sobre a última indicação, consta nos registros da Comissão
do Movimento: “Tomados de indignação, acabaram com todos os
documentos, contratos e promissórias que encontraram e que
vinham sendo assinadas sob coação e ameaças, fazendo depredação
da casa” (apud GOMES, 1986, p. 106)184.
As ações foram organizadas pela Comissão do Movimento
do Povo de Santo Antônio, composta por 26 membros, tendo uma
diretoria (comissão executiva), formada por representantes de “todas
184. Sobre o levante em Santo Antônio, Ruy Wachowicz expôs: “A cidade de Santo Antônio ficou ocupada por três dias
consecutivos. Ainda na madrugada do dia 12 para o 13, os colonos arrombaram os escritórios da APUCARANA e
jogaram os arquivos nas ruas da cidade. Encontraram inclusive no escritório 30 quilos de dinamite. Não encontraram
armas como em Francisco Beltrão, porque as mesmas já haviam sido retiradas do local pela própria companhia”
(WACHOWICZ, 1985, p. 275).

186
as agremiações políticas”, e o acompanhamento do advogado Edu
Potiguara Publitz (GOMES, 1986, p. 108)185. Esta comissão destituiu
o delegado especial e indicou novamente para o cargo de delegado,
Adão Vasconcelos Vargas, pois tinha sido exonerado anteriormente
por não ser subserviente às companhias, nem utilizado o aparato
para reprimir e perseguir os colonos.
No então distrito de Pranchita, as ações e reações dos
colonos também foram citadas por Iria Gomes. Mais de mil colonos
haviam ocupado o distrito, onde havia um escritório que servia de
“quartel general da Cia. CITLA” (GOMES, 1986, p. 108). O vigário da
paróquia, José Wandersnicht, foi mantido em prisão domiciliar por
ser aliado da Citla, e o médico Dr. Cini, também vinculado à Citla,
tinha sido preso pelos revoltosos. Conforme os registros da Comissão
do Movimento, o novo delegado, Adão Vargas, transferiu o médico
Cini para Santo Antônio, mantendo-o em lugar não divulgado, para
garantir que “não fosse linchado” pelo povo.
Na pesquisa documental que Ruy Wachowicz (1985) fez das
anotações do Livro Tombo, citou que o vigário de Pranchita, o padre
belga José Wandersnicht, escreveu que “os revoltosos não entraram nas
casas, não roubaram, não mataram” (apud WACHOWICZ, 1985, p. 275).
As tratativas de negociação para a desocupação da cidade
foram iniciadas no dia 14 de outubro, por meio do rádio da polícia
local de Santo Antônio, entre a Comissão e o chefe de polícia, Pi-
nheiro Júnior186.
As condições apresentadas pela Comissão eram: “1 –
Confirmação no cargo de Delegado, do Sr. Adão Vasconcelos Vargas.
2 – Anistia geral aos participantes do movimento. 3 – Não vinda de
185. Iria Gomes (1986) teve acesso à documentação produzida pela Comissão do Movimento do Povo de Santo Antônio,
pois nesta cidade, registraram as atividades e deliberações (reuniões e atas) e os materiais foram preservados. Como sua
pesquisa de Mestrado foi realizada durante o curso, essa documentação passou a ser conhecida ao público interessado.
Mesmo assim, convém indicar como esse assunto foi tratado por Walter Pécoits na entrevista que a Revista Gente do
Sul, fez com ele em outubro de 1994, em Francisco Beltrão, com a participação de Ruy Wachowicz:
“Ruy Christovan Wachowicz: – Sobre o movimento de 57, pra mim ficou um buraco negro que é a documentação
que foi levada para a Argentina. Um morador de Pato Branco me disse que os posseiros de Santo Antônio do sudoeste
faziam ata de suas reuniões e eu não localizei essas atas.
Pécoits: – Bom, foi muito comum durante os anos de 57, agricultores mais perseguidos da região de fronteira irem
morar para outro lado. E estão morando lá até hoje, não voltaram mais. Houve até publicações, debates no Congresso,
que era uma vergonha para o Brasil. Quando aconteceu a Revolta, na região de Santo Antônio, de fato as lideranças
tinham mania de fazer ata das reuniões e davam a prova por escrito pros bandidos (risos), num período que era
muito perigoso, porque nós não tínhamos feito um trabalho junto à população para contar com sua participação num
movimento de revolta contra o poder” (PÉCOITS, 1994, p. 5).
186. Iria Gomes referiu-se às primeiras negociações, conforme segue: “Foi no dia 14, à tarde, que o Chefe de Polícia iniciou
os contatos com a comissão, através do rádio da polícia local. A troca de rádios prosseguiu até as 23:40 horas, tendo o
Chefe de Polícia, no princípio, ameaçado o movimento com forças policiais” (GOMES, 1986, p. 108).

187
contingentes policiais. 4 – Não desarmamento dos colonos” (apud
GOMES, 1986, p. 109). Desses 4 pontos, Pinheiro Júnior discordou
do terceiro, pois manteve sua posição em relação ao envio de tropas
policiais, porém, aceitou que elas ficassem sob o comando do delegado
regional, Adão Vasconcelos Vargas, que a própria Comissão havia
indicado. Após esse acordo, comentou Iria Gomes (1986, p. 109), a
Comissão se comprometeu a desocupar a cidade até às 12 horas do
dia 15 de outubro.
Na visão da Iria Gomes, Pinheiro Júnior também teve que
concordar com as exigências dos colonos em Santo Antônio para
acalmá-los e restabelecer a ordem que o governo Lupion necessitava.
Ruy Wachowicz (1985, p. 275) comentou que no dia 15, ao desocuparem
a cidade, os colonos/comissão solicitaram aos moradores que
apoiavam o movimento, que identificassem suas casas com um papel
“verde”. Na noite do dia 15, soldados da polícia paranaense, vindos
de Barracão com o capitão Ariel Damasceno, chegaram à Delegacia,
porém ficaram sob as ordens do delegado Adão Vargas.
Com a normalização da situação no pós-levante, Edu
Potiguara Publitz saiu de Santo Antônio e foi a Pato Branco. Conforme
relatou Publitz a Ruy Wachowicz, por motivo de doença de sua filha,
rumou a Curitiba com a família e deu carona ao juiz de direito de
Pato Branco, Dr. José Meger. Em viagem, ao chegar em “União da
Vitória foi preso”. Separado da família e do juiz, Edu Publitz contou
que foi levado até Campo Largo, onde foi interrogado longamente
e ficou incomunicável (WACHOWICZ, 1985, p. 276). Somente após a
mobilização da esposa, de advogados (que impetraram vários habeas
corpus), de denúncias do caso na Assembleia Legislativa, feita pelo
deputado Anibelli, ele foi solto pela polícia sob a ameaça para que
não fosse aos jornais. Porém, disse Publitz: “Na mesma noite em
que cheguei a Curitiba, nem jantei e fui direto ao jornal ‘O Estado
do Paraná’, onde relatei todo o ocorrido e dei mais uma entrevista”
(apud WACHOWICZ, 1985, p. 276).
Sobre os desdobramentos das desocupações dos colonos nas
cidades de Pato Branco e Francisco Beltrão, é preciso analisar a força
do movimento, as correlações de forças político-partidárias (PTB/
UDN x PSD) e os caminhos e descaminhos para a conquista definitiva
e legal da terra, pois o lupionismo e o pessedismo permaneceram

188
muito fortes no governo do Paraná, mesmo com a derrocada das
companhias imobiliárias no Sudoeste.
Em Pato Branco, a atuação do grupo de inspetores de
policiais do movimento, sob a liderança de Porto Alegre, agiu em
Verê e em Dois Vizinhos187, fechando os escritórios da Comercial e
prendendo jagunços, a exemplo do Maringá, que foi levado preso e a
Juízo para depoimento, em Pato Branco.
Ruy Wachowicz (1985, p. 257-258) indicou que a ação do
governo Lupion e do chefe de polícia, Alfredo Pinheiro Júnior, era
a de enfraquecer a Junta Deliberativa. Como com o retorno do
major Machado, de Verê a Pato Branco, com apenas 25 policiais,
a correlação não era favorável às milícias do governo, tanto em
relação ao movimento quanto ao conjunto da população, o major
passou a usar de estratagemas para demonstrar força: dissimulava
embarque e desembarque em lugares estratégicos na cidade para
dar a impressão de que havia um grande contingente da Polícia.
Conforme abordou Iria Gomes (1986, p. 96), a caçada aos
jagunços “durou mais ou menos uma semana”. Com o fechamento
dos escritórios e a prisão de jagunços, Porto Alegre deixaria o cargo
de delegado de polícia, conforme compromisso pessoal que havia
acordado com o major Reinaldo Machado.

Porto Alegre havia assumido um compromisso com o Major


Machado: depois de fechados os escritórios e os jagunços
evacuados, a região seria entregue à Polícia Militar. E foi o
que ele fez. Sem consultar a junta, foi até a rádio e falou que
o objetivo do movimento estava atingido. Os jagunços estavam
presos, os escritórios lacrados, os que não foram presos se
entregaram no quartel em Francisco Beltrão ou fugiram
atravessando o Rio Iguaçu. Portanto, não tinha mais sentido
continuar o movimento (GOMES, 1986, p. 94).

Após esta decisão de Jácomo Trento, Ruy Wachowicz


ponderou que houve uma reunião dos membros da Junta
Deliberativa e da Comissão Executiva, tendo posições contrárias à
187. Sobre Dois Vizinhos, Iria Gomes utilizou uma matéria publicada no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 20/10/1957:
“Mais ou menos mil e duzentos gaúchos sentados perto das respectivas montarias aguardavam ‘Porto Alegre’ para
resolver o que fazer. Todos eles estavam armados e dispostos a lutar. O escritório local da ‘Comercial’ estava fechado
e ‘lacrado’ com uma folha de papel almaço, assinada pelo escrivão da comarca, colada na porta da frente junto à
fechadura. Mas os colonos não estavam satisfeitos. Queriam incêndio. A companhia possuía algum gado. Duas vacas
estavam pastando nas proximidades e os ódios se voltaram contra elas: / – Vamos comer as vacas da companhia, já
que não podemos comer os ‘jagunços’! Os animais foram mortos a bala e assados em praça pública em frente a Igreja”
(apud GOMES, 1986, p. 93).

189
autodissolução da organização do movimento e mesmo da entrega
das funções às autoridades do governo do Estado. Citou Wachowicz
(In: 1985, p. 258), que o médico Dr. Fischer foi quem reverteu as
discussões na reunião188. Nessa reunião, Porto Alegre comunicou
que havia entregado a Delegacia ao major Machado. Por fim, com
base nos relatos de Jaury Souza (advogado e membro da Junta),
Ruy Wachowicz mencionou que foi aprovado um comunicado de
dissolução daquelas representações e Trento foi a Rádio Colmeia
divulgar a decisão e os termos do acordo feito com o major Machado.

Nas últimas horas, ficamos com pouca gente na cidade. Nessa


pouca gente que ficou, a gente interferiu, pela emissora, para
esse pessoal debandar. Aí foi fácil, não foi tão difícil, com
exceção de alguns que queriam continuar, queriam levar para a
frente [...]. Mas, nós tínhamos atingido os nossos objetivos. Nós
tínhamos fechado os escritórios tínhamos prendido os jagunços.
Nós não tínhamos mais adversários, nós não tínhamos mais
com quem brigar [...]. Nossa missão estava cumprida (TRENTO
apud WACHOWICZ, 1985, 259).

Sittilo Voltolini analisou outras duas ações que o governo


Lupion fez para demonstrar sua força política e autoridade no
governo189: – denunciou as Rádios Colmeia de Pato Branco e de
Francisco Beltrão ao Ministério de Viação e Obras Públicas, por
sublevação à ordem pública e desobediência às leis da radiodifusão
(irregularidade nas instalações), propondo a cassação dos direitos
de concessão; – nos primeiros meses de 1958, a Diocese de Palmas
foi renegociar a dívida que havia realizado junto ao Banco do Estado
do Paraná, destinado à construção do Palácio Episcopal. Como a
Paróquia São Pedro Apóstolo, de Pato Branco, havia comprado a Rádio
Colmeia do grupo de Otávio Rotilli, por exigência do governador
Moysés Lupion, o bispo Dom Carlos Eduardo Sabóia Bandeira de
Mello, teve que pedir a exoneração de Ivo Thomazoni da rádio, para
obter o refinanciamento pelo Banestado (VOLTOLINI, 2003, p. 287-
292). Da primeira ação não obtiveram sucesso e da segunda, Ivo foi
contratado pela Rádio Colmeia de Beltrão e meses depois voltou ao
mesmo cargo na emissora em Pato Branco.

188. Ruy Wachowicz (1985, p. 282) assinalou que havia membros da Junta Governativa partidários da retomada do projeto
do Território do Iguaçu, e, anos depois, da ideia do Estado do Iguaçu.
189. Comentou Voltolini (2003, p. 287): “E política e eleitoralmente Lupion dispunha ainda de três longos anos (58, 59 e
60) – para concretizar os objetivos de mostrar ao vencedor quanto fôlego ainda tinha sobrado para o vencido”.

190
Em Francisco Beltrão o arrefecimento das tensões teve
suas características locais e, na realidade, manteve o mesmo perfil
da polarização que havia anteriormente – com exceção da presença
das companhias, dos jagunços e das autoridades locais lupionistas
–, pelo menos enquanto a mobilização popular mantinha a cidade
sob a direção do movimento agrário e, pela força social e política,
derrotaram o bloco Citla/Lupion.
Os escritórios da Citla e da Comercial tinham sido ocupados
pelos levantados do chão e, literalmente, desmontados (móveis e
documentação foram jogados na rua). Júlio Assis Cavalheiro havia
se recolhido numa chácara nos arredores de Beltrão. Lino Marquetti
havia aceitado a rendição apresentada por Pécoits e foi levado a
Clevelândia, sob a escolta do Exército junto com os jagunços. O
prefeito Angelo Camilotti, como já indicado anteriormente, durante
o levante, manteve-se “neutro”em relação a ambos os lados (LAZIER,
1980, p. 67). O Exército guarnecia a cidade e redondezas, seguindo as
ordens superiores, inclusive deu guarida à turma das companhias.
O chefe de polícia, Pinheiro Júnior, havia acordado com a comissão
representante do movimento e instituído Walter Pécoits como
novo delegado. Os presos existentes na cadeia foram colocados
em liberdade provisória pelo novo delegado para disponibilizar a
carceragem e, após convocados, todos retornaram.
Todavia, no dia 22 de outubro, voltou a ocorrer um novo ten-
sionamento social. Nessa data, chegou a Beltrão um contingente de
183 policiais militares. Sobre esse novo cenário é preciso considerar
não somente a tentativa de retorno à ordem do governo do Estado,
mas também as reações da base social local do lupionismo/pessedis-
mo, afora os ditos e não ditos sobre o que estava acontecendo.
Até a publicação do livro Entre jagunços e posseiros, de
Rubens da Silva Martins, ocorrida em 1986 – ou, antes disso, até a
Edição Histórica das bodas de prata de Francisco Beltrão, onde constou
uma breve biografia do ex-prefeito e a indicação da promessa de
publicação de um livro (LAZIER, 1980, p. 65-67) –, parte dos bastidores
do retorno da Polícia Militar não era assunto conhecido. A partir da
leitura dessa fonte, fica evidente a polarização político-partidária
que Rubens Martins teve com Walter Pécoits nos idos de 1953 a 1960,
fundamentalmente na questão da terra e nos confrontos que houve

191
durante o levante de 1957, assim como nas disputas sobre as versões
da Revolta de 1957.
Ao acompanhar os passos do levante em Francisco Beltrão
nos dias seguintes, de 10 a 12 de outubro de 1957, e considerar que a
capitulação do chefe de polícia ao prefeito e delegado da revolução,
Rubens Martins diz ter se negado a participar de qualquer “mesa
redonda” de negociação com revoltoso e com traidores, e avaliou
que somente uma conversa direta com o governador Lupion poderia
reverter aquela desordem: “Restava-me apelar ao Governador do
Estado e obter, na Capital, os meios que me permitissem salvaguardar
e tranquilizar a grande e numerosa família pessedista de Francisco
Beltrão” (MARTINS, 1986, p. 419)190.
O tema da retomada do município aos pessedistas foi
iniciado com um posicionamento bem claro acerca dos rumos que
o próprio governo do Estado havia adotado nas negociações com os
afrontadores da Lei.

Em Curitiba, após tranquilizar meus familiares e amigos que


temiam pela minha segurança, face ao noticiário alarmante
dos jornais, dirigi-me ao Palácio Iguaçu à procura de Lupion,
a fim de exigir a reparação dos males impostos aos pessedistas,
em decorrência da má, infeliz e desastrosa negociação celebrada
entre o Chefe de Polícia do Estado e os sublevados de Francisco
Beltrão (MARTINS, 1986, p. 421, grifo nosso).

Por tratar-se de uma escrita autobiográfica, com passagens


bem detalhadas e acompanhadas de documentação, o conteúdo
pessoal só vem acrescentar elementos para uma análise da influência
que ele, autor/protagonista, teve nas reações em favor da ordem.
A passagem mais significativa da trama Rubens Martins/PSD/
Lupion x Pécoits/PTB/Levante, apesar de longa, é necessária para o
entendimento dos desdobramentos que teve em Francisco Beltrão.
Derramado o leite pela falta de uma solução do problema agrário
em tempo hábil (Rubens havia integrado a comitiva que tinha ido à
capital em agosto de 1957), diante da desordem, o delegado deposto
foi ao Palácio do Iguaçu, indo direto à presença do governador Moysés
190. Em seu livro Entre jagunços e posseiros, Rubens Martins incluiu a manifestação que o advogado João Abs da Cruz, de
Santo Antônio do Sudoeste, filiado e dirigente municipal do PSD e lupionistas, já divulgou na imprensa em Curitiba, no
jornal Diário (25/9/1957), fez contra o que considerou uma traição do governador Moysés Lupion à família pessedista
na fronteira (Santo Antônio e Capanema), ao negociar com os rebelados da ordem e da lei e colocar o coronel Alcibíades
R. Costa à serviço dos “bandoleiros” (MARTINS, 1986, p. 394-398).

192
Lupion, para exigir, em primeira mão e por prioridade pessoal, a
exoneração imediata do delegado dos rebeldes, o também médico
Walter Pécoits. Mesmo quase três décadas depois, Rubens manteve
nos termos e na ponta da caneta o mesmo tom.

É possível que tivesse me excedido nos protestos e reclamos, o


que, por certo, foi relevado por Lupion, ao permitir o desabafo
sem interrupções. Ele achou válidas minhas ponderações e,
pretendendo me recompensar de alguma forma, acrescentou:
– Lamentavelmente isto aconteceu e nós lhe devemos uma
reparação moral. Você vai para a Secretaria de Saúde Pública ...
– Governador, – interrompi – não vim a Curitiba em busca de
emprego. Quem precisa de reparação, não apenas moral mas
financeira também, são nossos correligionários que, pelo simples
ato de serem lupionistas, são chamados de jagunços e caçados
como marginais pelos baderneiros de ontem, investidos hoje
em funções policiais que lhes foram conferidas pelo senhor
Pinheiro Júnior.
– E o que é que você quer que eu faça de concreto e que esteja ao
meu alcance?
– Preliminarmente, a destituição imediata de Pecoits, da
Delegacia do Município e a designação de um Delegado Especial,
desvinculado de qualquer agremiação política, imparcial e que
possa inspirar confiança à maioria da população local. O resto,
melhor do que eu, o senhor sabe o que é necessário fazer e como
fazê-lo (MARTINS, 1986, p. 421, grifo nosso).

Da escrita de Rubens Martins, sua ousadia e excessos no


Palácio do Iguaçu teriam dado resultados: “Surpreendeu-me o
pronto atendimento daquela reivindicação, com a determinação
do Governador para que se lavrasse o decreto de exoneração do
Delegado de Francisco Beltrão. Em seguida ele me convidou para
participar de um plano, visando à retomada do Município, com que
aquiesci prontamente” (MARTINS, 1986, p. 421).
Da segunda participação no Gabinete do Palácio, o plano foi
levado a efeito poucos dias depois. Um contingente da Polícia Militar
saiu de Curitiba no dia 18 de outubro, às 23h e 20min, chegando a
Francisco Beltrão, com algumas baixas de efetivos e materiais (por
motivo de doenças, problemas mecânicos e chuvas que tornavam
as estradas intransitáveis), no dia 22/10/1957, sendo recebidos,
conforme informações do “relatório do comandante”, citadas por
Rubens Martins (1986, p. 422), por “2.500 homens em armas, dispostos
a repelir a intervenção da tropa. Esses homens haviam destituído
e expulso as autoridades constituídas e contavam com o apoio da
guarnição local do Exército”.

193
Sobre essa nova crise com homens em armas, à época, sem
as informações de Rubens da Silva Martins (1986), Iria Gomes relatou
a quebra do acordo feito durante a reunião entre o Chefe de Polícia,
Pinheiro Júnior, e os representantes do movimento, ocorrida no dia
11/10, no prédio da Rádio Colmeia.

Em Francisco Beltrão, a chegada da Polícia Militar também foi


uma surpresa. O governo faltara com a palavra e no dia 22 de
outubro chegava à cidade um contingente de 183 homens, sob o
comando do Cel. João Luiz Motta, acompanhado do Cel. Paredes
(GOMES, 1986, p. 110)191.

Do outro lado do pessedismo e do lupionismo, Walter Pécoits


registrou sua reação diante da quebra da palavra do chefe de polícia,
Pinheiro Júnior. Referindo-se ao assunto em seu relato a Ruy Wacho-
wicz, realizado no dia 14/2/1977, Pécoits afirmou que foi ele quem
pediu a sua demissão do cargo de Delegado de Polícia de Beltrão.

Passei um rádio para o Pinheiro Jr., me demitindo do cargo.


Ele devolveu de lá para cá, dizendo que não aceitava a
minha exoneração porque eu continuava merecendo toda a
confiança deles.
Eu respondi que eles não estavam entendendo bem. Eu é que
não tinha mais confiança neles, porque eram eles que haviam
quebrado o acordo que ele havia tomado comigo (PÉCOITS apud
WACHOWICZ, 1985, p. 271).

A presença da Polícia Militar em Beltrão gerou diversas


reações locais: escolas foram fechadas para dar lugar à milícia;
pontos estratégicos foram ocupados com instalação de armamento
(um deles foi na frente do hospital do Walter Pécoits, porém com as
metralhadoras apontadas para o interior do prédio); a população se
manteve hostil à polícia, negando víveres e lenha para o abastecimento;
e, o Exército se colocou em prontidão (GOMES, 1986, p. 110-112)192.
191. Iria Gomes incluiu na Nota 260, a seguinte Observação: “Na conversa que tive com o Cel. Paredes ele me afirmou que
havia ido a Francisco Beltrão com um programa de medidas, que foi obrigado a modificar pela situação de tensão que
se criou com a chegada da polícia militar. Entre essas medidas estava a demissão do Dr. Walter. Mas isso não aconteceu.
Ao invés de demitir imediatamente Pécoits, foi conversar com ele e foi o próprio Dr. Walter quem se exonerou. / O Dr.
Rubens Martins, delegado de polícia, que no momento do levante foi substituído por Walter A.Pécoits, em depoimento
a Cristina Colnaghi, afirma ter exigido, em reunião com a comissão, a demissão de Walter. Fico com as versões de
Pécoits e do Cel. Peredes. Em 1º lugar porque, consultando o arquivo dos Boletins da Polícia Militar, existem 2 decretos
de nomeação de Delegado Especial para Francisco Beltrão no mês de outubro. O 1º com data de 17/10, que nomeia
o Cel. Motta para o cargo; e, o 2º , datado de 24/10, nomeando o Cel. Haroldo Cordeiro [...]. Em 2º lugar, porque o
próprio Prolo, que Rubens Martins afirma ter participado dessa reunião, nega que ela tenha ocorrido” (GOMES, 1986,
p. 111 – nota 260).
192. O governo federal, Ministério da Guerra, também mobilizou tropas do Exército de Santa Catarina, dos Batalhões de
Joinville e de Blumenau, que foram enviados até o Sudoeste do Paraná.

194
Iria Gomes (1986, p. 112) informou que o problema da
presença da polícia militar do Estado se normalizou até fins de 1957,
pois o contingente ficou bem reduzido e não agia mais em prol das
companhias. O levante havia dado fim à grilagem das companhias
e seus jagunços; venceram os colonos e posseiros. Permaneciam,
porém, às questões jurídicas do litígio e da regularização das terras
da gleba Missões e parte da Chopim aos seus legítimos donos.
Hermógenes Lazier fez uma síntese que passou a orientar a
visão sobre o passado de Francisco Beltrão e os principais resultados
da revolta dos posseiros, destacando a direção pacífica da multidão
em armas e a inteligência dos líderes do levante das ocupações
das cidades, ideia muito frequente nos relatos de memórias e na
tradição construída sobre quem foram os líderes no passado e os
narradores no presente.

Apesar da cidade ficar durante 3 dias nas mãos dos posseiros em


armas, não houve nenhuma arbitrariedade, nenhuma injustiça,
nenhuma vingança séria. Não houve derramamento de sangue.
Pode-se afirmar que a tranquilidade deve-se principalmente a
atuação inteligente, dos líderes do movimento, [e] patriótica
do destacamento do Exército, sediado em Francisco Beltrão
(LAZIER, 1980, p. 21).

No balanço final que Othon Mäder apresentou na tribuna


do Senado, no discurso realizado no dia 9/12/1957, sobre as causas
da rebelião agrária, os crimes ocorridos durante o período de atua-
ção das companhias Citla, Comercial e Apucarana, e a “dupla respon-
sabilidade” de Moysés Lupion, como governador e chefe do Grupo
Lupion, o senador apontou: – Mortos: 14 (quatorze); – Desaparecidos
(provavelmente mortos): 2 (dois); – Vítimas de espancamentos, se-
vícias, mutilações, estupros, assaltos, saques, incêndios, extorsões,
etc.: 47 (quarenta e sete). Na sua conclusão, Mäder também indicou
“na contagem dos responsáveis direitos e indiretos, culpados ou
cúmplices de tantos crimes revoltantes, chegamos a elevada cifra de
cinqüenta e nove (59)” (MÄDER, 1958, p. 31).

195
CAPÍTULO V
DO PÓS-LEVANTE DE OUTUBRO DE 1957 AO GETSOP
Com o agravamento das tensões no Sudoeste, as questões
do litígio da gleba Missões e parte da Chopim voltaram a ser
matéria de interesse na Câmara Federal, no Senado, na Assembleia
Legislativa, nas próprias esferas dos executivos locais (municípios),
paranaense e federal, assim como nas entidades de gestão agrária e
das próprias companhias imobiliárias. O fechamento dos escritórios
da Citla, da Comercial e da Apucarana não finalizou o litígio judicial
que havia entre as companhias e o governo federal, tampouco
o governo de Moysés Lupion deixou de atuar e usar o Estado para
seus interesses, não somente na região Sudoeste – com as glebas
Missões e Chopim –, mas em todo o Paraná, as grilagens de terra sob
o lupionismo continuava, conforme analisou Joe Foweraker a partir
de dados do Grupo Executivo das Terras do Sudoeste do Paraná
(Getsop): “Enquanto os órgãos federais e estaduais ficavam presos a
complexos debates legais sobre a propriedade, Lupion continuava a
titular terras de uma maneira que se tornou abusiva depois de 1958”
(GETSOP apud FOWERAKER, 1982, p. 131)193.
Hermógenes Lazier tratou do caso mais sui generis da
vinculação Citla/Lupion. Após o levante agiram para obter a
indenização das terras da gleba Missões junto ao Instituto Nacional
de Imigração e Colonização (INIC), conforme o autor descreveu: “A
CITLA foi expulsa da região pelo povo. Com o apoio do Governador
do Paraná voltou a atuar exigindo do Governo indenização pelas
terras” (LAZIER, 1980, p. 21). Informou Lazier que uma comissão
desse órgão (INIC) analisou o pedido, cujo parecer foi contrário à
indenização, fundamentando que a Citla não possuía a titularidade
legal e legítima da gleba Missões e de parte da gleba Chopim, tendo
em vista a posição do Supremo Tribunal Federal que havia dado
parecer pela anulação da escritura de dação, além dos elementos de
irregularidade da própria transação dos direitos feita anteriormente
entre a CEFSPRG (caso Rupp) e a Citla, afora o absurdo do valor que a
companhia queria pela indenização194.
193. Joe Foweraker descreveu como o governo Lupion procedia: “Titulava sobre propriedades que já haviam sido tituladas;
titulava para comprar apoio político e pagar dívidas políticas. Supervisionaria e titularia terras para requerentes que
na realidade não existiam, e esses fantasmas então passavam poderes de procuração para advogados de grupos de
interesse econômico aliados à administração do Estado. Se qualquer outro titular da terra se queixasse, esperava-se
então que a polícia, como as autoridades legais, assegurasse o novo título. Essas procurações falsas foram apenas
um dos mecanismos que complicaram a confundiram a situação legal, gerando múltiplas e violentas repercussões na
região” (FOWERAKER, 1982, p. 131).
194. Lazier citou parte da conclusão com os dados: “Não é possível, pois face a este fato, reconhecer administrativamente o
mencionado crédito. Além do mais, este crédito, se afinal reconhecido por Juiz competente, seria de Cr$ 4.700.000,00
Durante o período em que Moysés Lupion esteve no mandato
do governo do Paraná, nenhuma outra medida do Estado foi realizada
para dar uma solução à questão das terras no Sudoeste, para garantir
aos colonos e posseiros a permanência e a regularidade das áreas.
A vinculação partidária do pessedismo com o governo de Juscelino
Kubitschek também dava guarida aos interesses de Lupion e da
base partidária do PSD no Paraná e nas esferas do governo federal.
Exceto o que os colonos e posseiros tinham de posse ou registro legal
ou ilegal das terras onde moravam e produziam na agricultura, do
ponto de vista jurídico a situação permaneceu indefinida ou tal
como estava. Com exceção do fechamento dos escritórios das três
companhias e a eliminação do aparato das expropriações e violências
praticadas, tudo o mais tinha que ser conquistado a partir das ações
e experiências anteriores ou buscar outros caminhos e formas de
organização e pressão social.
Ruy Wachowicz incluiu em sua abordagem do pós-levante,
a aprovação pela Câmara Federal, do projeto de lei do deputado
federal Luiz Carlos Tourinho, do Partido Social Progressista (PSP), de
“anistia ampla e irrestrita às pessoas que se envolveram no sudoeste,
no período de 1º de janeiro de 1957 a 31 de outubro do mesmo ano,
por questões de terras” (WACHOWICZ, 1985, p. 276)195. Sendo uma
vitória do movimento, pois era um dos itens da negociação em todas
as cidades, alguns colonos e posseiros, bem como o Edu Potiguara
Publitz tiveram que responder inquérito. A anistia ampla e irrestrita,
por outro lado, acabou favorecendo as companhias e todo o aparato
do grupo Lupion. Nem os mandantes nem os executores dos crimes
de assassinato e das diversas formas de violências tiveram que
responder à Justiça. O próprio Maringá não foi processado196.
Iria Gomes (1986, p. 112) também fez referência à instalação
da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que foi esvaziada pela
base governista de JK e Moysés Lupion, ambos do PSD, no início de

e mesmo que fosse acrescido de juros de mora, honorários de advogado, custas processuais e o mais que fosse, nunca
chegaria a atingir e estaria muito longe dos Cr$ 680.969.600,00, quantia por quanto se pretende o acordo, sem levar,
ainda, em conta que grande parte da área estaria totalmente fora do acordo e que grandes quantias, mais de Cr$
100.000.000,00 já foram recebidos pela CITLA, nas suas transações ilícitas” (LAZIER, 1980, p. 21-22).
195. Ruy Wachowicz (1985, p. 276) citou que o deputado federal Luiz Carlos Tourinho foi o proponente do projeto de lei
para evitar disputas entre os partidos diretamente envolvidos no conflito de terra e viabilizar a aprovação, em plenária,
da lei da anistia ampla e irrestrita.
196. Iria Gomes informou que o Maringá, após o depoimento prestado no dia 21/10/1957, em Pato Branco, “foi solto logo
em seguida e fugiu da região. Sabe-se que, como inspetor de quarteirão da polícia, em Medianeira, foi assassinado por
um policial, em 1961” (GOMES, 1986, p. 94 – nota 213).

200
1958. Outra medida que não prosperou e que Gomes indicou foi o
projeto de desapropriação das glebas, encaminhado à presidência
da República, no dia 2/12/1957: “O decreto de desapropriação
foi suspenso. A indefinição jurídica das glebas Missões e Chopim
permaneceu, o que significava que o problema para os colonos
continuava” (GOMES, 1986, p. 112-113).
Joe Foweraker apontou para um aspecto importante sobre
as transformações que ocorreram na região, principalmente após a
vitória do levante dos colonos em outubro de 1957, que ampliou o
perfil do minifúndio na estrutura fundiária no Sudoeste, semelhante
ao projeto da Cango, porém, sem o controle administrativo de
agência fundiária.

A emergência do minifúndio é claramente ilustrada no


caso do Sudoeste do Paraná, onde as operações da CITLA e
a subsequente revolta e “vitória” dos camponeses levaram
ao caos administrativo e a uma completa falta de controle
sobre a ocupação da terra. Após a revolta, levas de migrantes
irromperam pela região vindos do sul, e as posses proliferaram.
Em apenas quatro anos, a região atravessou uma metamorfose
para o minifúndio (GETSOP apud FOWERAKER, 1982, p. 168).

Joe Foweraker (1982) e Ruy Wachowicz (1985, p. 286)


também se referem ao período entre outubro de 1957 até a criação
do Getsop, em março de 1962, ao momento em que houve o maior
desmatamento na região Sudoeste, pois, mesmo que as companhias
tinham sido expulsas, ninguém tinha segurança em relação ao
direito à sua terra, uma vez que permaneciam os problemas do litígio
e da falta de regularização. Tanto Foweraker quanto Wachowicz
(embasado na visão de Deni Schwartz, do Getsop)197 fazem uma
avaliação retrospectiva desse grande erro cometido contra a
natureza, principalmente das matas de araucária, todavia, o caso
do Sudoeste não foi uma exceção devido à insegurança da posse ou
ao oportunismo dos colonos e posseiros para tirarem vantagens nos
negócios com madeira ou comprovar a ocupação (cultivo efetivo)198.
197. Ruy Wachowicz entrevistou Deni Lineu Schwartz, ex-chefe do Escritório do Getsop em Francisco Beltrão, no dia
11/10/1979, em Curitiba. Com base no relato de Schwartz, o autor indicou que no período de 1957 a 1962 “foi destruída
a maior concentração de araucárias do planeta.” [...] “Em 1962, quando da criação do GETSOP, foram detectadas 270
serrarias na região. Quem tinha algum capital, instalava uma serraria de qualquer tamanho, porque no dia seguinte
talvez o pinheiral não seria mais seu” (WACHOWICZ, 1985, p. 286).
198. Nessa revisão retrospectiva, as opiniões e visões dos autores e dos entrevistados há a presença de valores atuais e
elementos de outra consciência ecológica, já socializada no contexto dos anos de 1980, numa crítica à modernização
dolorosa ocorrida na agricultura e nas cidades (urbanização, industrialização e marginalidade) no país.

201
O desmatamento de matas milenares era o feijão com arroz nas
frentes agrícolas e em áreas mais antigas de povoamento, onde ainda
havia matas (seja pela intensificação da produção e da ocupação de
mais terras, pela noção de progresso e uso dos recursos naturais e
pelo crescimento demográfico), sem contar com a demanda local,
regional e nacional por madeira, utilizada como principal matéria
prima em edificações no meio rural e no meio urbano.
Após a expulsão das companhias, em outubro de 1957, até
a criação da Getsop, a região do Sudoeste foi destino de um fluxo
crescente de migrantes colonos que abriram posse ou compraram
direito de posse de moradores existentes. A princípio, isso não
rompeu com o que vinha sendo realizado desde o início da Cango
ou com a forma espontânea de migração que ocorria por meio do
acesso à região via Barracão. Mas, é importante comparar os mais
de 4 anos do pós-levante com os 4 anos anteriores a outubro de 1957.
Se entre 1952 a 1957 houve um grande fluxo demográfico, conforme
dados já demonstrados, no período de 1958 a 1962, num cenário sem
a grilagem das companhias, a divulgação entre a própria população
nos locais de origem sobre a disponibilidade de terras, certamente
aumentou o fluxo migratório. Nesse mesmo período (1950-1962),
também já ocorria o parcelamento da terra familiar aos filhos, pois a
nova geração de colonos também almejava uma área para trabalhar
e viver. Considerando que a atuação do Getsop foi até 1973/74, a
estrutura fundiária na região Sudoeste já passava por uma nova
geração completa e o início da segunda geração, pois ultrapassava
as duas décadas de deslocamento e transformação socioeconômica
(cf. FERES, 1992). Essas transformações não negam a experiência da
Cango e das demais formas da nova colonização que efetivou uma
demografia social e fundiária predominantemente familiar e de
pequenas e médias propriedades rurais (dirigida pelo governo ou
empresas particulares, ou migrações espontâneas). O que é preciso
considerar é que o período de 1949 a 1957 é proporcionalmente
menor do que o período posterior ao levante até a finalização da
regulação fundiária realizada pelo Getsop (1974), como indicamos a
seguir. Contudo, o próprio enfoque da questão agrária do Sudoeste
no aspecto jurídico formal – dos litígios, das chicanas jurídicas e da
regularização das escrituras – dá centralidade ao Estado (agências e
agentes), em detrimento dos de baixo e sua cultura.

202
A continuidade da luta pela terra foi mantida por outros
meios, inclusive em seu conteúdo de segurança aos colonos e
posseiros que almejavam a titulação das posses para terem essa
garantia. Nas eleições municipais (prefeito e vereadores) e gerais
(governador e presidente), realizadas no dia 3 de outubro de 1960,
o lupionismo e o pessedismo foram derrotados nos 5 municípios
da região Sudoeste, diferentemente do que tinha ocorrido em 1955,
quanto os 5 prefeitos eleitos eram do PSD e lupionistas.
Para uma análise do resultado eleitoral mais aprofundado,
seria necessário contextualizar a própria construção político-
partidária, as bases ideológicas e as práticas da fidelidade
partidária, além do significado cultural que havia entre o cidadão-
voto-partido-governo. Nem todos pensavam na fidelidade, na
traição partidária ou na luta pela sobrevivência do PSD, como
Rubens da Silva Martins (1986, p. 375).
Os resultados da eleição em Francisco Beltrão, Pato Branco,
Capanema, Santo Antônio do Sudoeste e Barracão foram expressão
de uma vontade comum dos eleitores que queriam mudar o governo
para avançar na luta pela terra (cf. também o Anexo 3). Entretanto,
não dá para, simplesmente, utilizar uma lógica formal, a posteriori,
para a análise dessa relação entre a questão da terra e o resultado
eleitoral. A aliança entre o PTB e a UDN, na organização e mobilização
da luta contra as companhias não seguiu, em todos os municípios, a
mesma diretriz dada à eleição (legenda, coligação e candidaturas),
e essas variações locais foram evidenciadas nos resultados da
votação a determinados candidatos e partidos. A presença do PSD
não pode ser desconsiderada, inclusive em termos de candidaturas e
pela votação recebida, pois, também nesse caso, a tradição político-
partidária, a fidelidade pessedista e a influência das lideranças
denotam a multiplicidade e complexidade das mediações que havia
na sociedade local. Entre 10 a 15 outubro de 1957 e até 31/01/1961,
haviam transcorrido mais de 3 anos, sendo estes ainda tempos
da gestão do PSD, de Moysés Lupion no governo do Paraná e de
Kubitschek no governo federal.
Em Francisco Beltrão, a condição local fortaleceu a
posição de Walter Pécoits (ex-médico da Cango, ex-vereador,
dono de hospital, sócio da Rádio Colmeia e membro da comissão
executiva do levante) e do PTB. Sua votação foi expressiva e seu

203
nome representava a vontade comum dos colonos e posseiros. Na
disputa do pleito Pécoits teve como oponente, o principal nome do
PSD e do lupionismo, Rubens da Silva Martins (segundo médico da
Cango, dono de hospital, ex-prefeito e ex-delegado). Em Beltrão,
essa polarização dos campos de disputas foi marcante e o resultado
contundente: Pécoits obteve 70,52% dos votos, contra 24,65% dos
votos obtidos por Rubens Martins.
A aliança entre o PTB e a UDN fez com que o prefeito eleito
tivesse ampla maioria na Câmara de Vereadores, pois o PTB elegeu
5 candidatos e a UDN ficou com 2 vereadores, enquanto que o PSD
elegeu 2 nomes para o Legislativo municipal. Dentre os vereadores
que tiveram projeção partidária ou durante o movimento e o levante
de 1957, Luiz Prolo (UDN) teve 341 votos e Euclides Girolomo Scalco
(PTB) foi o mais votado, com 761 votos. Pelo PSD, o vereador que
obteve maior votação foi Floriano Penso, com 344 votos, 72 votos a
menos do que o último candidato eleito pelo PTB. A UDN também
elegeu Othmar Berkembreck, com 477 votos.
TABELA 1: Francisco Beltrão - Eleição de 1960

Part. Candidatos Votos % Votos


PTB Walter Alberto Pécoits 6.297 70,52
PSD Rubens da Silva Martins 2.201 24,65
Brancos 339 3,80
Nulos 93 1,03
Total de Votantes 8.930 100,00
Total de Eleitores 10.994
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – Paraná. <http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/>.

TABELA 2: Pato Branco - Eleição de 1960

Part. Candidatos Votos % Votos


UDN Ivo Thomazoni 2.945 36,52
PTB Alberto Pozza 2.874 35,64
PSD Osvaldo João Caldart 1.897 23,52
Brancos 213 2,64
Nulos 135 1,68
Total 8.064 100,00
Total de Eleitores 8.870
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – Paraná. <http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/>.

204
Em Pato Branco, o quadro eleitoral de 1960 teve outro
cenário, pois a UDN, o PTB e o PSD lançaram candidatura própria
a prefeito. A vitória de Ivo Thomazoni (do grupo da Rádio Colmeia),
com 36,52% dos votos dos eleitores, foi expressão da trajetória
político-partidária e social na luta contra as companhias, porém
obteve somente 71 votos a mais do que Alberto Pozza, do PTB, que fez
35,64% dos votos. Já Osvaldo João Caldart, candidato do PSD, somou
1.897 votos, representando 23,52%. Se somar os votos para prefeito
da UDN e do PTB, numa perspectiva de uma oposição ao lupionismo
(PSD), os candidatos Thomazoni e Pozza obtiveram 72,16 % dos votos,
proporcionalmente mais do que Pécoits.
Para a Câmara de Vereadores de Pato Branco, o PTB elegeu
4 vagas, a UDN 2 vagas e o PSD 3 vagas, demonstrando que a
manifestação dos cidadãos-eleitores não seguia piamente a lógica
(institucional e ideológica) dos partidos políticos. Edu Potiguara
Publitz, da UDN, obteve a maior votação, com 566 votos, sendo
esse um dos resultados do seu engajamento na luta contra as
companhias e o lupionismo.
No município de Capanema, os três partidos também
lançaram candidatos próprios para a disputa ao cargo de prefeito.
O PTB tinha maior representatividade, pois elegeu Manoel Pinto
Rodrigues, com 1.848 votos e o índice de 51,78%. Também fez 5
cadeiras na Câmara Municipal e o candidato a vereador João Luis
Lauthart fez a maior votação com 345 votos. A força do PSD, porém
não foi menor. Mesmo que Nelson Zuchi somou 1.250 votos, com
índice de 35,02%, os pessedistas elegeram 4 vereadores e a UDN não
atingiu o coeficiente ao legislativo municipal.
TABELA 3: Capanema - Eleição de 1960

Part. Candidatos Votos % Votos


PTB Manoel Pinto Rodrigues 1.848 51,78
PSD Nelson Zuchi 1.250 35,02
UDN Elidio Andreazza 248 6,95
Brancos 128 3,59
Nulos 95 2,66
Total de Votantes 3.569 100,00
Total de Eleitores 4.067
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – Paraná (http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/)

205
TABELA 4: Santo Antônio do Sudoeste - eleição de 1960

Part. Candidatos Votos % Votos


PTB Percy Schreiner 2.277 72,42
PL/PSD/UDN Gaspar Pacheco dos Santos 725 23,06
Brancos 92 2,93
Nulos 50 1,59
Total de Votantes 3.144 100,00
Total de Eleitores 3.614
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – Paraná (http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/)

Em Santo Antônio do Sudoeste, o cenário da polarização


partidária não foi o mesmo dos demais municípios, pois o Partido
Libertador (PL) formou uma coligação reunindo o PSD e a UDN local
na disputa com o PTB. A eleição de Percy Schreiner, pelo PTB, que teve
2.277 votos, com índice de 72,42%, foi, proporcionalmente, maior do
que o resultado que Walter Pécoits (PTB) obteve em Francisco Beltrão.
Em termos do Legislativo, porém, o PTB fez 7 vagas e a UDN 2 vagas,
ficando o PL e o PSD sem candidatos eleitos. Considerando que, em
Santo Antônio, a atuação de Edu Potiguara Publitz teve relevância
durante os conflitos e o levante, pode-se dizer que a UDN não tinha
tanta expressão no campo eleitoral, tendo, inclusive, se coligado com
o PSD lupionista. A melhor votação para vereador foi obtida por José
Francisco de Paula, do PTB, com 51 votos.
Em Barracão houve três candidatos a prefeito: Helmund
Thielle, eleito pelo PTB, com 973 votos; Plinio Zanata, pelo PSD, que
teve 559 votos; e, Bernardo Santin, pelo PL, que somou 452 votos.
Para o Legislativo, o PTB fez 4 vereadores, o PSD 3 vereadores e o
PL elegeu 2 vereadores. Ivo Magnabosco, do PTB, obteve a maior
votação com 217 votos.
Em termos gerais, considerando que o PSD era governo
nos 5 municípios, conforme os resultados locais na eleição de 1955
(MARTINS, 1986), nas eleições de 1960 o PTB e a UDN demarcaram
posição ao que representava o bloco Citla/Lupion/pessedismo.
Pela partidarização do pleito e os votos em candidatos e
legendas para o Executivo e o Legislativo, percebe-se claramente
a vitória das lideranças do movimento que já tinham filiação e
militância político-partidária durante o movimento da luta contra
as companhias Citla/Apucarana/Comercial e seus jagunços, assim

206
como contra o aparelhamento que o lupionismo tinha dentro e fora
do Estado (agências e agentes de/no governo). Todavia, essas mesmas
lideranças, ao assumirem os cargos eletivos, afirmaram-se muito
mais com suas gestões, pois a representação, no governo, passou a
ser vista como uma trajetória única, ou melhor, uma continuidade.
Porém, ao obterem destaque nesses mandatos, passaram a ser os
legítimos herdeiros e porta-vozes do passado. Nessa perspectiva,
reconstruíram as suas versões com esta linearidade e continuidade
(articulando presente-passado-presente). Os espaços institucionais
passaram a ser o lugar de onde lutavam e representavam a população,
nas conquistas anteriores e nas novas frentes de ação. Também não
eram líderes farrapos, foras da lei ou em conflito com a lei, mesmo
que o tivessem, lá nas suas origens no RS ou SC.
A fala que Walter Pécoits fez em sua entrevista a Ruy
Wachowicz, no dia 14/02/1979, demonstrou a continuidade e a
linearidade da sua representação. Ao mencionar os resultados
obtidos na negociação realizada com Pinheiro Júnior, em seu
pronunciamento à população na rua, da janela do prédio Soranso e
com transmissão pela Rádio Colmeia, referiu-se à desocupação da
cidade e às bandeiras da luta pela terra: “Que eles voltariam para casa
tranquilos, que nós continuaríamos a luta, para a solução do problema
de terras que era a meta maior” (PÉCOITS apud WACHOWICZ, 1985, p.
268-269, grifo nosso). Para Pécoits, o levante armado tinha atingido
o propósito dos colonos – eles voltariam para casa. Com relação à
linearidade e continuidade da sua representação, a afirmação sobre
“nós continuaríamos”, foi dita em 1979, quando ele tinha a visão
retrospectiva do movimento e da sua própria atuação durante o
período seguinte a outubro de 1957, nos anos em que foi prefeito de
Beltrão e a partir de 1962 enquanto deputado estadual pelo PTB.
Walter Pécoits usou sua condição e posição de representante
do PTB, bem como de líder herdeiro do movimento de 1957 nos
desdobramentos para a criação do Getsop. Seu trânsito no PTB, na
esfera nacional, foi relatado em 1994, quanto concedeu entrevista
à equipe da Revista Gente do Sul, em resposta à indagação de
Hermógenes Lazier (In: PÉCOITS, 1994, p. 6): “O senhor acompanhou
a comissão do Sudoeste que foi à capital da República, Rio de Janeiro,
conversar com os candidatos a presidente – Marechal Lott e Jânio
Quadros – sobre a situação dos posseiros. O que levou o Sudoeste a

207
votar maciçamente em Jânio Quadros?”. Na resposta, Walter Pécoits
fez menção a vários dados que merecem a citação completa.

Aí, pra dar uma informação bem certa, eu não acompanhei


a comissão, para mim, não era boa companhia. Tinha mais
gente deles que nossa. Eu não fui porque seria talvez o único
que participou do lado dos agricultores que faria parte dessa
comissão. E não era meu desejo, andar mal acompanhado. Meus
contatos com candidatos se resumiram a uma conversa muito
séria que eu tive ainda em 58, aqui em Francisco Beltrão, com
João Goulart, que era vice-presidente da república, e que veio
aqui em setembro, dia do radialista (21). Nós esclarecemos e ele
tomou um compromisso de tudo fazer para resolver. E a fórmula
nós demos sempre: é desapropriação imediata, total, completa,
e a titulação respeitando a posse de cada posseiro, seja ele
quem for. Nesta ocasião ele ficou aqui umas três horas, foi num
comício em praça pública. Mais tarde ele veio mais uma vez,
reconfirmou tudo quando foi candidato à vice-presidente na
chapa Jânio Quadros. Nessa primeira viagem ele me convidou
para passar uns dias com ele durante as férias, em São Borja,
a fim de fazer um relatório mais completo desse problema das
terras. Eu fui a São Borja, fui hóspede dele na fazenda, estive
lá três dias, fiz o relatório, deixei com ele, conversamos muito,
não só sobre os problemas daqui. Mais uma coisa, eu tinha
sido contemporâneo de João Goulart na Universidade de Porto
Alegre, ele fazendo Direito e eu fazendo Medicina. De maneira
que nos (sic.) tínhamos um relacionamento político anterior a
esses fatos (PÉCOITS, 1994, p. 6).

Durante as pesquisas de campo e a realização de entrevistas


com pioneiros e os ex-prefeitos que o município de Francisco
Beltrão teve durante os 25 anos, Nivaldo Antonio Oliskovicz obteve
informações sobre a atuação de Walter Alberto Pécoits junto ao PTB
e ao próprio João Goulart que requer citação.

Dr. Walter A. Pecoits era amigo pessoal de João Goulart, que


esteve em visita em sua casa, garantindo-lhe que faria a
regularização das terras do Sudoeste. Jamais concordou com
Leonel Brizolla, pedindo a João Goulart que o afastasse do Brasil.
E quando o PTB precisou dele para candidatar-se a deputado
estadual, somente aceitou depois que o Presidente da República
cumpriu o que tinha prometido, depositando os 200 milhões de
cruzeiros pela desapropriação das terras e criando o GETSOP.
Declara o ex-prefeito e ex-deputado estadual, que essa foi a
realização de seu maior sonho e a sublimação do anseio de um
povo que acreditava na palavra empenhada por Jânio Quadros,
João Goulart, ele e todas as lideranças do partido (In: LAZIER,
1980, p. 72; cf. LAZIER, 1980, p. 67)199.

199. Conforme Nivaldo Oliskovicz, os R$ 200 milhões foram destinados à indenização das companhias.

208
Na eleição para presidente e vice-presidente em 1960,
as candidaturas eram desvinculadas, porém, os três candidatos
a presidente tinham sua base partidária ou coligação que
apresentavam uma configuração distinta do cenário partidário
que havia no Sudoeste. Jânio Quadros foi candidato pela coligação
formada pela UDN, PDC, PL, PR e PTN. Henrique Teixeira Lott foi
candidato à sucessão de Juscelino Kubitschek, numa coligação
formada pelo PSD, PTB, PST, PSB e PRT. Adhemar de Barros foi
lançado pelo PSP200. João Goulart, o Jango, foi novamente candidato
a vice-presidente pelo PTB e já era o vice de JK.
Ao analisar a eleição de 1960 e sua relação com a questão
da terra no Sudoeste, Ruy Wachowicz expôs que esse foi o foco do
debate eleitoral local. Os vínculos entre a UDN e o PTB e a polarização
maior que tinham com o PSD e o lupionismo no Paraná e na região
também influenciou os eleitores. Ney Braga, do Partido Democrático
Cristão (PDC) foi eleito governador; Jânio Quadros, da UDN, foi eleito
presidente; e, João Goulart, do PTB, foi reeleito vice-presidente.

Jânio Quadros e Ney Braga fizeram sua campanha na região


prometendo solucionar o problema, respeitando a posse dos
posseiros. O PTB do sudoeste não acompanhou seu candidato
à Presidência da República, que foi o Marechal Teixeira Lott. A
UDN e o PTB, votaram em Jânio Quadros. Este obteve mais de
80% dos votos da região (WACHOWICZ, 1985, p. 281).

Para Hermógenes Lazier (1980, p. 22), a primeira medida


adotada pelo governo Jânio Quadros foi o Decreto nº 50.379,
de 27/3/1961, praticamente dois meses após a sua posse, que
declarou de utilidade pública e sujeita à desapropriação pela
União das áreas da gleba Missões e da parte da gleba Chopim.
Em outro decreto, de nº 50.494, de 25/4/1961, “determinou
regime de urgência para a desapropriação” (LAZIER, 1980, p. 22).
Ruy Wachowicz (1985, p. 282) considerou que o governador Ney
Braga (PDC), teria interferido junto ao presidente Jânio Quadros,
resultando no decreto nº 50.379 e iniciado tratativas para uma
solução ao velho litígio jurídico que havia entre a União e o
200. Partidos da Coligação do Jânio Quadros: União Democrática Trabalhista (UDN), Partido Democrata Cristão (PDC),
Partido Libertador (PL), Partido Republicano (PR) e Partido Trabalhista Nacional (PTN). Partidos da Coligação de
Lott: Partido Social Democrático (PSD), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Social Trabalhista (PST),
Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Republicano Trabalhista (PRT). Partido de Adhemar de Barros: Partido
Social Progressista (PSP).

209
Paraná em relação às terras no Sudoeste. Com a renúncia de Jânio,
ocorrida em 25/8/1961, e o desenrolar da posse de João Goulart, a
questão do Sudoeste não teve continuidade naquele ano.
Mantendo sua visão paranista, Ruy Wachowicz novamente
acentuou a atuação do governo do Estado na retomada das tratativas
com Jango, pois as ideias do Território do Iguaçu voltaram a ser
levantadas na região. Ruy, inclusive, abordou esse assunto na
entrevista que realizou com Edu Potiguara Publitz, em 8/2/1979.
Wachowicz (1985), após citar um encontro ocorrido em fevereiro
de 1962, em Curitiba, entre Publitz e “Carlos Dondeu, um elemento
do sudoeste que na oportunidade era assessor do governador”,
citou que, dias depois, o advogado foi chamado a Curitiba pelo
próprio Ney Braga que queria inteirar-se do assunto do Território
do Iguaçu. Conforme as memórias de Edu Publitz, o novo indicativo
para uma agitação era a criação do Estado do Iguaçu: “O Ney Braga,
como paranaense autêntico, falou que não poderia permitir que isso
acontecesse. Não poderia permitir que o Estado fosse desmembrado.
De maneira nenhuma ele iria permitir isso” (PUBLITZ apud
WACHOWICZ, 1985, p. 282, grifo nosso; GOMES, 1986, p. 113).
O bom paranista Ruy Wachowicz continuou dando os
méritos a Ney Braga, detalhando contatos telefônicos realizados
com Brasília, a nova capital, entre o governador e o novo presidente,
inclusive contornando problemas que o governador tinha com o PTB
no Paraná201. Novamente a fonte utilizada por Ruy Wachowicz foi o
relato do advogado e vereador da UDN, Edu Potiguara Publitz:

Prometeu dentro de 30 dias vir ao sudoeste dar a solução


ao problema. Realmente, 20 dias depois, ou seja, no dia 17 de
março, o presidente Jango e mais o governador Ney Braga,
chegavam a Pato Branco, trazendo uma equipe de técnicos da
Casa Civil e Militar da Presidência da República, do governo do
Estado, demais autoridades.

201. “Para solucionar a questão com o novo Presidente, Ney Braga tinha alguns problemas políticos. O PTB do Paraná
estava hostilizando seu governo. Apesar desse problema, Ney Braga telefonou para Brasília, querendo falar com o João
Goulart. O presidente não estava. Mas, horas depois o próprio Presidente ligou para o governador” (WACHOWICZ,
1985, p. 283).
Dentre os problemas que o governador Ney Braga tinha com o PTB, um deles tinha relação com o deputado estadual
Walter Alberto Pécoits, conforme o próprio Pécoits relatou a Nivaldo Oliskovicz: “O deputado estadual do PTB
pelo Sudoeste, Dr. Walter, assumiu em 31 de março de 1963, sendo eleito vice-líder de bancada, quando assumiu a
liderança várias vezes. Foi contundente, mordaz, e imperdoável oposicionista do governador estadual, representando
o maior entrave político do governador Ney Braga, atacando-o impiedosamente pela discriminação aos municípios
paranaenses, que estavam nas mãos de outro partido, que não o do governador” (In: LAZIER, 1980, p. 72). As rixas
entre Walter Pécoits e o governador Ney Braga não pararam por aí. Mais adiante, esse assunto será complementado.

210
Quando chegaram a Pato Branco já anunciou o presidente que
havia depositado a quantia de 200 mil (sic.) cruzeiros para
tomar a posse simbólica da região como Presidente da República
(PUBLITZ apud WACHOWICZ, 1985, p. 283).

Para Wachowicz, o relato de Edu Publitz tem elementos


udenistas, todavia na construção de fontes orais o entrevistador
não é um mero espectador. O paranismo de Ruy está presente na
abordagem geral da obra. O próprio Wachowicz indica outra fonte
marcada pelo petebismo, sem, contudo, demarcar uma contradição
com a de Publitz. Com base na entrevista realizada com Walter
Pécoits (o ex-prefeito e ex-deputado estadual pelo PTB), realizada
no dia 14/2/1979, referiu-se novamente à sua influência no âmbito
estadual e federal no partido para pressionar Jango e o PTB.

Ele [Jango] vinha prometendo e não fazia (a solução para o


sudoeste). Até que veio o preparo das eleições de 62, para
deputado. Eu já era prefeito (de Francisco Beltrão). Era
considerado, dentro do PTB, um homem-voto. E o PTB queria
fazer uma bancada boa.
Então eles fizeram a convenção e me botaram como candidato a
deputado estadual. Eu mandei um ofício para a direção do PTB,
para o Maculan, que era o presidente do PTB, dizendo que eu não
aceitava minha indicação como deputado, porque não tinha
conseguido resolver o problema que poderia ter sido resolvido,
que era o da desapropriação da gleba Missões.
O Jango tinha me prometido fazer e não fez. Eu então abria
mão da minha candidatura a deputado, completaria o meu
mandato de prefeito, que não era do partido, e sim do povo,
era meu e não do partido. Uma vez terminado meu mandato
de prefeito, eu me afastava do PTB. Eu me desligava e não fazia
mais vida partidária.
Isto estourou como uma bomba em Curitiba. Fez o pessoal vir
para cá de avião, veio o PTB para cá. Eu concordei com eles:
– Vocês vão falar com o Jango e eu dou 30 dias. Se em 30 dias
o Jango desapropriar as terras e depositar o dinheiro, eu sou
candidato. Se ele não fizer, vale o ofício que eu mandei para vocês.
Em 25 dias, o Jango veio com o cheque, depositou em Curitiba e
fizemos a concentração em Pato Branco porque não tinha campo
de pouso com segurança, aqui em Beltrão, naquele tempo.
Eu fiz o discurso oficial de agradecimento. Ele desapropriou as
terras e nós criamos o GETSOP [...].
Eu não aceitei (o GETSOP vinculado ao INCRA e ao IBRA)202,
e exigi um órgão especial exclusivamente para resolver o
problema daqui (PÉCOITS apud WACHOWICZ, 1985, p. 284).

202. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA)
foram criados a partir do Estatuto da Terra, de 1964, como órgãos fundiários do governo federal, em substituição à
Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA). Em 1970, o Ibra foi extinto e, em seu lugar, foi criado o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

211
A centralidade que Walter Pécoits deu à sua representati-
vidade, no PTB e na questão da terra no Sudoeste (a vontade do povo
e o mandato de prefeito), além do caráter pessoal que indicou nesta
referência à solução do problema, retrata o papel que as lideranças
tiveram antes e depois de outubro de 1957, assim como dos herdeiros
da vontade comum apropriada pelos representantes eleitos em car-
gos no próprio Estado203. Nesse sentido, a criação de uma tradição ao
Sudoeste, a partir da Revolta de 1957, está sedimentada nessa corre-
lação: os líderes/heróis falam de si e do movimento, (con)fundindo
memórias e história.
Com relação às medidas governamentais que resultaram
na regularização fundiária da gleba Missões e Chopim, Hermógenes
Lazier reconstituiu o passo-a-passo. Pelo Decreto nº 51.431, de
19/3/1962, João Goulart criou o Grupo Executivo para as Terras do
Sudoeste do Paraná (Getsop), “com a finalidade de programar e
executar os trabalhos necessários e efetivação da desapropriação”
(LAZIER, 1980, p. 22)204.
Lazier também indicou o acordo firmado entre a União,
representada pelo Getsop, e o Estado do Paraná, assinado no dia
22/6/1962, pelo qual as partes solucionaram as questões jurídicas
do litígio e criaram o Grupo Misto União-Estado do Paraná no
âmbito do Getsop205. Alguns dados incluídos nos considerandos
203. Depois que Walter Pécoits teve que renunciar o cargo de prefeito para assumir o mandato de deputado estadual
pelo PTB, no dia 31/01/1963, o presidente da Câmara de Vereadores, Euclides Girolamo Scalco, do PTB, assumiu
o cargo interinamente. Sobre Euclides Scalco também é importante citar: foi prefeito de 1963 a 1964; suplente de
senador (MDB/PMDB) de 1974 a 1982; deputado federal, de 1978 a 1988 (PMDB) e de 1988 a 1990 (PSDB, sendo
fundador deste partido); chefe da Casa Civil do governo de José Richa (PMDB), de 1983 a 1985; diretor geral da Itaipu
Binacional e ministro do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de 1994 a 2002; e, um dos coordenadores da
campanha de reeleição de FHC (Fonte – Euclides Scalco: http://franciscobeltrao.pr.gov.br/o-municipio/historia/).
Na eleição municipal de 1964 em Francisco Beltrão, o candidato Antônio de Paiva Cantelmo, da coligação PTB/UDN,
foi eleito com 2.632 votos (53,99%) para a gestão de 1965 a 1968 (Cantelmo era filiado no PTB e com a extinção dos
partidos e a instituição do bipartidarismo pela Ditadura, foi para o Movimento Democrático Brasileiro - MDB). Seu
adversário foi Floriano Penso, da coligação PSD/PDC, que obteve 2.039 votos (41,82%). Também teve 136 votos em
branco e 68 votos nulos, totalizando 4.875 votantes. Para a Câmara Municipal de Vereadores, a UDN fez 5 cadeiras, o
PSD 2 cadeiras e o PDC as outras 2 vagas.
204. “O Decreto nº 51.431 de 19 de março de 1962 criou o GETSOP, subordinado ao Gabinete Militar da Presidência da
República e constituindo-o com representantes dos seguintes órgãos: a) Conselho de Segurança Nacional – Presidente
do GETSOP; b) Procuradoria Geral da República; c) Ministério da Agricultura; d) Comissão da Faixa da Fronteira; e)
Serviço de Patrimônio” (In: LAZIER, 1980, p. 22). O decreto foi assinado pelo presidente João Goulart e pelo primeiro-
ministro Tancredo Neves.
205. Considerando que Ruy Wachowicz indicou uma versão udenista e outra petebista¸ convém citar uma terceira fonte
próxima do então governador Ney Braga, que relatou outros aspectos da relação e das negociações que houve entre
Jango (PTB) e Ney Braga (PDC), o relato que Deni Lineu Schwartz concedeu a Nivaldo Krüger, durante a fase de
levantamento e produção de fontes que o jornalista e fotógrafo (ex-deputado estadual e federal) fez para o projeto da
obra Sudoeste do Paraná, no contexto dos preparativos do cinquentenário da Revolta de 1957: “O presidente João
Goulart veio com destino a Pato Branco para apresentar pessoalmente a solução do impasse. Só que ao descer no
aeroporto, em Curitiba, e preparar-se para tomar outro avião e seguir até aqui com o governador Ney Braga, este
afirmou que não o acompanharia. / Naqueles dias o Estado do Paraná tinha ganho mais uma etapa do processo no
Supremo, e portanto ele considerava que deveria participar da solução. E aí houve um lanche político importante, que

212
do acordo merecem destaque, conforme segue: – “que na região
vivem cerca de 200.000 pessoas sem que tenham definido de
modo positivo, o direito sobre as terras por elas ocupadas”; – “que
o Governo Federal e o Governo do Estado, cônscios de seus deveres
e responsabilidades se acham no firme propósito de remover
o problema existente, assegurando a toda a região um clima de
paz, de estabilidade e de progresso”; – “a imperiosa necessidade
de organizar a propriedade, o trabalho e a produção naquela
fértil região e o escoamento do seu excedente para atender as
exigências de outras áreas”; e, – “que é dever precípuo do Poder
Público preservar a ordem e a tranquilidade social onde quer
venham estas a ser comprometida” (In: LAZIER, 1980, p. 22).
O Órgão Misto União-Estado do Paraná foi formalizado pelo
Decreto nº 51.514, de 25/6/1962, mantendo o Getsop e “acrescentando
4 representantes do Estado a serem indicados pelo Governador”
(In: LAZIER, 1980, p. 23). O governador Ney Braga indicou como
responsável pelo grupo do Paraná, o coronel Brasílio Marques dos
Santos Sobrinho, e o engenheiro Deni Lineu Schwartz, também do
grupo do Paraná, assumiu a chefia dos Serviços do Getsop. Com
essas resoluções estava resolvido o problema jurídico do litígio e
com a desapropriação e a indenização das terras às companhias (In:
LAZIER, 1980, p. 67), a agência passou a atuar na demarcação dos
lotes, respeitando as divisas dos posseiros.
Do ponto de vista da política fundiária a principal função do
Getsop era a de regularizar o parcelamento da terra (no meio rural
e urbano) e a escrituração dos lotes. Com relação à política agrária
e agrícola, o projeto inicial do Getsop também incluía a assistência
técnica, o financiamento e o escoamento da produção agrícola,
no espírito do programa agrário das reformas de base do governo
Jango206.Porém, pouco tempo depois da sua criação, com o golpe de
Estado de 1964 e a Ditadura (DREIFUSS, 1987), o país e a agricultura
passaram por uma ruptura no bloco do poder e um redirecionamento

mostra o valor da compreensão entre os homens. Eles entraram numa sala, e quando saíram ambos estavam sorrindo,
com uma solução. O Grupo, que era formado apenas por elementos do governo federal, foi acrescido de quadro
membros do governo estadual. Foi assinado um protocolo, unindo Estado e União contra os interesses de terceiros. Isto
é, com boa vontade e compreensão resolveu-se toda a situação numa sala de aeroporto, numa conversa entre políticos
de boa vontade, lá no Afonso Pena” (In: KRÜGER, 2004,p. 215).
206. Nas fontes pesquisadas e no conjunto das fontes orais que os autores produziram – Ruy Wachowicz, Hermógenes
Lazier, Nivaldo Antonio Oliskovicz, Iria Gomes, João Bosco Feres, etc. –, esse assunto não é citado nem analisado.
Entendemos que o tema carece de pesquisa.

213
na economia política ao desenvolvimento nacional (OLIVEIRA, 1987;
TAVARES, 1983)207.
A Ditadura também atingiu as bases político-partidárias
e as lideranças/herdeiros do movimento de 1957, porém de forma
distinta. Enquanto Walter Pécoits, deputado estadual pelo PTB
no Paraná (AMÂNCIO, 2009), foi cassado e andou visitando Jango
no exílio no Uruguai (In: WACHOWICZ, 1985, p. 283)208, os líderes
vinculados a UDN mantiveram-se na ordem. Ivo Thomazoni
continuou no cargo de prefeito em Pato Branco e, posteriormente,
elegeu-se deputado estadual pela Aliança Nacional Renovadora
(ARENA), chegando a ser eleito Presidente da Assembleia Legislativa
em 1977, conforme indicado anteriormente. Outras lideranças e
heróis (!) da Revolta de 1957 mantiveram-se ou pleitearam cargos
eletivos durante a Ditadura. Não só a Ditadura mudou os rumos
da política agrícola e agrária, como combateu a luta popular
pela reforma agrária, especialmente as Ligas Camponesas. Esse
assunto também não é abordado na bibliografia e nas fontes orais
consultadas, porém, nessa perspectiva, ainda que vários dirigentes
tenham permanecido no Grupo, o perfil do Getsop também deve
ter mudado em relação ao fomento agrícola (empresa rural e a
extensão rural voltada à tecnificação), mesmo dando continuidade
à regularização da propriedade da terra.
Sobre o papel do Getsop, enquanto etapa final daquela
luta pela terra – o segundo momento do movimento, conforme a
abordagem de Iria Gomes (1986) –, e a atuação que teve no Sudoeste
do Paraná, podemos destacar dois aspectos ou enfoques relacionados
à formação socioeconômica da região e à “identidade regional”,
vinculada à reinvenção do passado em lugares de memórias e
monumentos à revolta de 1957.

207. Neste período da criação e do início das atividades, Hermógenes Lazier, incluiu o Decreto nº 60.90, assinado em
26/6/1967, que mudou a vinculação do Getsop. O órgão saiu do Gabinete Militar da Presidência da República e passou
a ser vinculado ao Ministério da Agricultura. Todavia, desde 1964, o país estava sob o governo da Ditadura e o Estatuto
da Terra, de 1964, estabelecia o caráter empresarial para a agricultura e o financiamento voltado à modernização
produtiva (tecnificação e eliminação das unidades tradicionais de baixa produtividade, seja de minifúndios ou de
latifúndios) e à exportação.
208. Conforme os dados apresentados por Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz, referente à trajetória do ex-prefeito
Walter A. Pécoits, também consta a cassação do seu mantado: “Encerrou sua carreira política em 13-4-64, quando
foi cassado de seus direitos, sendo punido pelo AI [Ato Institucional nº 1], voltando a dedicar-se daí em diante,
exclusivamente, ao exercício de sua profissão em que sempre foi muito bem sucedido” (In: LAZIER, 1980, p. 72).
Obviamente que, nesta obra, os últimos dados da vida pessoal e político-partidária de Walter Pécoits se referem
somente ao período de 1964 a 1977, quando a obra foi produzida e publicada.

214
Ao produzir uma obra aos 25 Anos de Francisco Beltrão, Her-
mógenes Lazier, como indicado no início deste ensaio, marcado pela
posição ideológica, retomou e unificou a experiência da revolta de
1957 (desde a Cango, 1943, até o Getsop, 1974), como um exemplo de
reforma agrária, numa época de crescente crítica contra a Ditadura,
o “modelo do milagre econômico” e de crise na agricultura (ques-
tão agrária e monocultura). O enfoque de Lazier, porém, manteve-
-se centrado no contexto da comemoração do passado em Francisco
Beltrão e na região Sudoeste do Paraná: “A criação do Getsop foi uma
verdadeira medida de reforma agrária no bom sentido, que é não só
distribuir terras mas também dar assistência ao colono e à Região.
[...] Pode-se afirmar que o Getsop concluiu a obra iniciada pela CAN-
GO e interrompida pela atuação da CITLA” (LAZIER, 1980, p. 24).
Outro aspecto relacionado ao Getsop, semelhante ao que
houve com a Cango, os diretores dessa agência governamental
passaram a ter grande influência sociopolítica e partidária na região.
O engenheiro Deni Lineu Schwartz, um dos principais homens do
Getsop em Francisco Beltrão, permaneceu na agência após o Golpe
de Estado de 1964209, foi candidato único a Prefeito nas eleições
municipais de 15/11/1968, pela ARENA – nº 1, obtendo 6.650 votos
(75,36%)210, e exerceu o cargo de prefeito no período de 1969 a 1972.
Após o encerramento do mandato de prefeito, Schwartz
retornou ao Getsop e permaneceu no órgão até o encerramento das
atividades, conforme relatou a Nivaldo Krüger: “Fiquei no GETSOP
como chefe do serviço de 1962 a final de 1968, quando fui eleito
prefeito de Francisco Beltrão. Quando terminei meu mandato
em 1974211 voltei, e ainda fiquei mais um ano e pouco. O Grupo
foi extinto quando se entregou o último título de propriedade”
(KRÜGER, 2004, p. 216)212.
209. Ao tratar da criação do Getsop e do grupo misto, Schwartz expôs que o Golpe de Estado de 1964 causou-lhe apreensão:
“Logo depois, porém, veio a queda do Jango, e aí a gente ficou numa situação complicada, achando que ia mudar tudo.
Mas isso não aconteceu, e essa parceria Estado/União no GETSOP permitiu que a gente trabalhasse com tranquilidade,
apesar das pressões dos interesses políticos. Como engenheiro chefe, participei do início ao final do trabalho do
GETSOP, como um dos nove membros do seu Conselho” (In: KRÜGER, 2004, p. 215-216). A participação de Ney
Braga (PDC), enquanto general e governador, nos preparativos do golpe de Estado em 1964 e no governo da Ditadura
(foi ministro da Agricultura no governo do gen. Castelo Branco, de 19/11/1965-12/8/1966), evidenciam que suas
indicações ao Getsop não teriam risco, a exemplo do chefe de Serviço Deni Schwartz.
210. Pelos dados do TRE/PR, o número de votantes foi de 8.824 eleitores, os votos em branco foram 2.151 e os nulos
somaram 23 votos. A ARENA fez 4 vereadores e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) fez 5 vereadores. Cf.:
http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/
211. O mandato de prefeito encerrou em 1972. Se o ano de 1974 se refere ao encerramento dos trabalhos que realizou
enquanto Chefe de Serviço do Getsop, a indicação está correta.
212. Deni Lineu Schwartz foi prefeito de Francisco Beltrão no período de 1969 a 1972. Foi eleito deputado estadual por
3 mandatos (MDB em 1974 e 1978, PMDB em 1982) e deputado federal (PMDB em 1990). De 1983 a 1986 foi

215
Ao tratarem da biografia e das marcas dos prefeitos de
Francisco Beltrão, Hermógenes Lazier e Nivaldo Oliskovicz, indicaram
para a gestão de Deni Lineu Schwartz, no item do embelezamento da
cidade, as seguintes “realizações do prefeito ao Município”:

Construiu-se a praça do pioneiro na Cango para homenagear a


todos aqueles que desbravaram as matas. O custo elevou-se a 10
mil e quinhentos cruzeiros. Recuperou-se a Praça da Liberdade,
colocando escadarias, passeios, meio-fios, e ajardinando-se.
Construiu-se o Obelisco em homenagem ao GETSOP na Praça
Suplicy. Construção de parque infantil na praça do Pioneiro
e em Nova Concórdia. Foram plantadas 1.500 árvores nos
passeios da cidade (LAZIER, 1980, p. 77, grifo nosso).

A autoria do texto biográfico citado é de Oliskovicz, que


registrou um sentido ao pioneirismo e o significado da homenagem
realizada com o espaço público da Praça do Pioneiro na Cango. Já a
edificação do Obelisco em homenagem ao GETSOP, construído na
Praça Dr. Eduardo Wirmond Suplicy, no centro da cidade, além de
fortalecer o nome do primeiro diretor da Cango, reuniu, nesse novo
monumento, à memória e ao patrimônio público local, o registro da
ação do Getsop (1962-1972/73/74) na regularização da propriedade
da terra no Sudoeste, a atuação do principal chefe local do Getsop,
Deni Schwartz, e da própria gestão do prefeito Deni Lineu Schwartz,
pois essa obra foi executada no último ano do seu mandato.
De Suplicy a Schwartz, da Cango ao Getsop, reúnem e
presumem, portanto, o início e o encerramento do problema agrário em
Francisco Beltrão e no Sudoeste Novo do Paraná. Nesse monumento, o
Getsop simbolizava o alcance da meta maior que Walter Pécoits havia
mencionado na entrevista concedida a Ruy Wachowicz, em 1979, ao
se referir à negociação realizada com Pinheiro Júnior, ao discurso
que fez aos colonos, à desocupação da cidade de Beltrão e à vitória do
levante do outubro de 1957 (os colonos poderiam voltar às suas casas e
a luta seria continuada pelas lideranças).
Bem mais do que isso, a homenagem ao Getsop registrou,
reescreveu (nesta forma de linguagem) a história presente e passada
e apresentou os novos líderes e sujeitos da regularização fundiária,
Secretário de Estado dos Transportes no Paraná, no governo de José Richa (PMDB). Entre os anos de 1986 a 1987
foi ministro do Meio Ambiente, no governo de José Sarney (PMDB) e entre 1995 e 1996, foi Secretário de Estado
da Agricultura, no primeiro governo de Jaime Lerner (então filiado no Partido Democrático Trabalhista - PDT), (cf.
KRÜGER, 2004, p. 215).

216
àqueles que garantiram a definição positiva do direito à terra na
Lei (Escritura Pública de Propriedade). Enfim, na perspectiva de
Lazier (1980), o Estado regularizou e entregou as escrituras no
papel (a propriedade no direito positivo e de fato), segundo a ordem
e as agências do Estado (República Federativa, Estado do Paraná
e Getsop). Finalmente, a insegurança da posse foi eliminada e a
segurança do direito positivo da propriedade estava nas mãos dos
colonos (no meio rural) e dos donos de lotes urbanos.

Os dados, mais do que as palavras, comprovam a eficiente ação


do Governo Federal e Estadual através do GETSOP, na Gleba
Missões e parte da Gleba CHOPIM.
Os lavradores e moradores da Região de posseiros passaram a
proprietários. Receberam o título da propriedade de terra onde
moravam e trabalhavam (LAZIER, 1980, p. 24).

A participação do Getsop na história da questão agrária foi


centralizada, na abordagem que Hermógenes Lazier apresentou na
obra Francisco Beltrão: 25 anos, a partir dos resultados da própria
regularização fundiária: “Até 25 de agosto de 1972 haviam sido
expedidos pelo GETSOP, 35.856 títulos, sendo 30.221 no setor rural e
5.653 nos patrimônios (setor urbano)” (LAZIER, 1980, p. 24).

TABELA 5: GETSOP - Titulações (1962 a 25/8/1972)

1963 – 294 Títulos 1964 – 707 Títulos


1965 – 1.642 Títulos 1966 – 2.694 Títulos
1967 – 3.995 Títulos 1968 – 4.791 Títulos
1969 – 5.025 Títulos 1970 – 5.332 Títulos
1971 – 6.102 Títulos 1972 – 5.274 Títulos
Fonte: LAZIER, H. Francisco Beltrão: 25 anos ..., p. 24

Nessa publicação Lazier também incluiu a distribuição


desses títulos a cada ano, para o período de 1963 a 1972. Trata-se
de dados expressivos, porém parciais se levarmos em conta que as
atividades do Getsop foi até o final de janeiro de 1974. Diante disso,
o quadro contribui para uma avaliação do próprio andamento dos
trabalhos iniciais de regularização e titulação das propriedades e
sua ascendência, o que era de se esperar, justamente pelas demandas
iniciais de recursos humanos, financiamento e manutenção, de

217
instalação, logística, conhecimento, dos levantamentos a campo e
confecção da documentação e respectivos registros. Além desses
aspectos característicos para o início dos trabalhos do Getsop,
até o final de março de 1964, quando houve o golpe de Estado,
poucas escrituras tinham sido entregues. Nos anos seguintes, as
quantidades aumentam e, como pode ser visto, a partir de 1968,
é que as titulações anuais adquirem maior expressão, próximas e
superando a casa dos 5 mil títulos.
Alguns dados sobre o número das titulações e a data de
encerramento das atividades do Getsop apresentam diferenças,
mas não resultam em maiores problemas à leitura e interpretação
do plano de trabalho que essa agência governamental mista teve
no Sudoeste do Paraná. Iria Gomes apresentou os seguintes dados:
“Quando o GETSOP encerrou suas atividades, em 1973, haviam sido
titulados 32.256 lotes rurais e 24.661 urbanos. Somente três ou quatro
propriedades não foram tituladas porque os vizinhos não entraram
num acordo” (GOMES, 1986, p. 115, grifo nosso). Pela soma dos lotes
das áreas urbanas e rurais, chega-se ao número de 56.917 lotes
titulados. Os 3 ou 4 casos não regularizados haviam sido ajuizados
pelas partes. Além dessa indicação, Gomes finalizou seu texto
fazendo referência aos objetivos alcançados pelo Movimento de
1957: “num primeiro momento, a expulsão das companhias de terra
e, num segundo, a conquista do título de propriedade” (GOMES, 1986,
p. 115, grifo nosso).
Hermógenes Lazier (1998), em obra posterior, Análise
histórica da posse de terra no sudoeste paranaense, produto da
pesquisa do Curso de Mestrado em História (UFPR) e da dissertação
defendida no dia 21/3/1984, apresentou novos dados das titulações
realizadas pelo Getsop, abrangendo o período até janeiro de 1974,
quando a agência mista encerrou suas atividades.

Até sua extinção em janeiro de 1974, foram regularizados


e expedidos 43.383 títulos de propriedade de terra,
correspondentes a 56.963 lotes, sendo 12.413 títulos urbanos
e 30.970 títulos rurais. O município que mais títulos recebeu
do GETSOP foi Francisco Beltrão, com 7.550 títulos, seguido do
município de Dois Vizinhos, com 6.492 títulos (LAZIER, 1998, p.
74; cf. LAZIER, 1996, p. 18)213.
213. Hermógenes Lazier acrescentou outras informações das ações da agência nas áreas de infraestrutura (1.800 km de
estradas), educação, assistência e serviços aos municípios da região. “O GETSOP mediu, demarcou e dividiu em
lotes 350 glebas, 8 patrimônios e 30 povoados, totalizando 545.249.249,64 hectares e 56.917 lotes com um custo total

218
Dentre outras atividades que o Getsop realizou na região,
Hermógenes Lazier informou: “No setor educacional foi significativa
a participação do GETSOP. Só em escolas o GETSOP construiu 221
unidades, sendo 51 unidades de alvenaria e 170 unidades de madeira”
(LAZIER, 1998, p. 77, grifo nosso).
Pelo relato que Deni Lineu Schwartz concedeu em
entrevista a Nivaldo Krüger (2004, p. 216), os dados do Relatório Final
conferem com as últimas informações de Lazier que indicou 56.963
lotes regularizados pela agência mista: “Em 28 de janeiro de 1974,
o então presidente do GETSOP, coronel Luiz Barbosa Wolf, assinou
o Relatório Final das atividades, cumprindo decreto de extinção do
órgão. Após detalhada prestação de contas, o relatório informa que
43.383 títulos regularizaram 56.963 lotes. Apenas 4 não o foram por
envolver disputas judiciais”.
O Getsop foi extinto pelo Decreto nº 73.292, de 11/12/1973,
assinado pelo general e presidente Emílio Médici, e suas atividades
deveriam ser encerradas, “por conclusão de encargos”, na data de
31/01/1974, em plena Ditadura e nos anos do “milagre econômico”.
A importância que o Getsop adquiriu no Sudoeste está
relacionada ao conflito de terra, mas, fundamentalmente, ao
problema dos litígios e da grilagem que a Citla, a Comercial e a
Apucarana realizaram, sob e com a proteção e beneplácito do
governo Lupion. A desintrusagem e as violências realizadas pela
força privada das companhias, bem como a participação direta
e indireta das agências e agentes do governo local e estadual (o
bloco lupionista-pessedista) marcaram a própria ação e reação da
população atingida.
Os levantados do chão em armas, quando ocuparam as
cidades romperam, pela própria força e poder social, com a ordem
institucional e impuseram imediatamente a vontade comum da
multidão na rua: expulsaram as companhias imobiliárias e seus
jagunços, destituíram as autoridades lupionistas, eliminaram os
contratos e notas promissórias forjadas (confissão de dívida), e
constituíram uma nova representatividade popular.

de Cr$ 1.704.896,42. A medição efetuada revela a existência de pequena propriedade rural. Dos 32.256 lotes rurais
medidos, 7.133 (22,11%) possuem menos de 5 ha. / Para seu trabalho o GETSOP possuía 18 Jeep; 3 Pick-up; 2 Rural;
4 caminhões; 2 tratores. Possuía também, muitas viaturas emprestadas. Só do DER – 19º Distrito – o GETSOP havia
emprestado 6 motoniveladoras, 6 caminhões, 5 tratores, 2 Rural, 1 pá-carregadeira e 1 Jeep.” (LAZIER, 1998, p. 74).

219
No cotidiano da vida e do trabalho na terra a condição do
direito de posse ou do direito positivo da escritura não representavam,
respectivamente, insegurança ou segurança. As violências dos
litígios e da grilagem contribuíram para que a regularização da
propriedade adquirisse maior importância, ao ponto de o movimento
de 1957 ser compreendido, pela historiadora Iria Gomes (1986), em
dois momentos de luta: da expulsão das companhias de terra; da
conquista do título de propriedade. No primeiro, a força popular
na rua garantiu a vitória do levante de 1957 e, no segundo, a força
simbólica da vitória do levante e a representação dentro do estado/
governo mediou à garantia ao direito na lei. A relevância de um ou do
outro pode ser analisada a partir da própria dimensão do cotidiano
dos sujeitos, porém passaram por variações ao longo da história e das
escritas sobre a história. Comparativamente, o primeiro momento
que Iria Gomes indicou correspondeu ao período de 1951 a outubro
de 1957 (7 anos), e, o segundo, de outubro de 1957 a março de 1962 e
janeiro de 1974 (13 anos e meio). A diferença temporal demonstra o
que era fundamental aos trabalhadores e trabalhadoras que viviam
na roça e na cidade.
Os dados das titulações realizadas pelo Getsop devem ser
contextualizados para evitar a uniformização da questão agrária, do
processo social e da condição e posição dos sujeitos e atores sociais.
Nesse aspecto, a abordagem de Iria Gomes também contribui para a
reflexão. Os dados demográficos que Hermógenes Lazier apresentou
sobre a Cango para o ano de 1956 correspondia a 15.284 habitantes
e 2.725 famílias na área da colônia agrícola. Mesmo não abrangendo
toda a região do Sudoeste, até outubro de 1957, a população não
tinha a proporção indicada para o ano de 1962, de 200 mil habitantes
(LAZIER, 1980, p. 22). Os próprios resultados finais da regularização
no meio rural e urbano do Getsop, de janeiro de 1974, quando a
agência encerrou as atividades, com um total de 56.917 ou os 56.963
lotes e 43.383 propriedades, apontam para outra realidade social.
O crescimento demográfico acentuado nessa frente agrícola
não ofusca a importância da luta pela terra do movimento de 1957,
todavia, os dados da regularização fundiária realizados pelo Getsop
e acumulados até o início de 1974, não representam o universo social
dos levantados do chão em armas que derrotaram as companhias
imobiliárias e acabaram com aquela grilagem no Sudoeste. O perfil

220
demográfico da população e da urbanização que havia em 1974
não era igual ao período de 1950/57. Nessa perspectiva a análise
demográfica que João Feres (1992, p. 530) apresentou contribui para
evitar o uso de uma mera abstração aritmética para conceituar
a centralidade e a amplitude social do movimento de 1957: - 1950:
85.940 habitantes e 13,3% residiam no meio urbano; - 1964: 425.700
habitantes e 22,9% residiam na cidade. Tanto a relação e interação
que havia entre o meio rural e urbano ou entre o campo e a cidades
passaram por transformações significativas, tanto quanto o perfil
demográfico da população, os modos de viver e dar valor à terra, ao
trabalho e ao lugar de moradia.
Na medida em que estas coisas (lutas e conquistas
anteriores) passam a ser convertidas num passado abstraído ou
inventado, há casos em que as seletividades silenciam certos fatos,
inclusive os próprios protagonistas das ações.
A partir dos trabalhos iniciais e quando os resultados
do Getsop tiveram efetividade, o próprio presidente Jango veio ao
Sudoeste para, enfim, concretizar, no papel, as ditas promessas
que tinha feito aos partidários e cidadãos-eleitores. Para esse ato
comemorativo, em Francisco Beltrão, porém, deparou-se com certas
restrições de cunho político-partidário estremecido que envolvia
pessoas e figuras públicas engajadas no processo da luta pela terra.
Trata-se de um caso que Nivaldo Oliskovicz citou na biografia do ex-
prefeito e ex-deputado estadual Walter Pécoits.

Foi escolhido [o deputado estadual Walter Alberto Pécoits do


PTB] pelo Presidente da República – João Goulart, para junto
com o governador Ney Braga, distribuir os primeiros títulos
fornecidos pelo GETSOP, em Francisco Beltrão. Mas, o gov. Ney
Braga não aceitou no palanque e não permitiu que falasse.
Assim aconteceu e no dia seguinte, fazendo uso do grande
expediente, fez o ‘retrato de Ney’ (In: LAZIER, 1980, p. 72).

Sobre essa segunda ação do presidente Jango, em 1963,


e as pontas de faca que Walter Pécoits teve que aceitar, num mo-
mento tão significativo, o “retrato de Ney Braga” feito por Pécoits,
na sessão da Assembleia Legislativa, deve ter sido semelhante ao
que o senador Othon Mäder fez em relação ao governador Moysés
Lupion, no ano de 1957.

221
Com o Golpe de Estado de 1964, a ditadura fechou
espaços institucionais e sociais aos homens e mulheres do campo,
bem como a alguns representantes do primeiro momento do
movimento de 1957 que ocupavam cargos públicos e posições
político-partidárias contrárias à nova ordem. A cassação do
deputado Walter Aberto Pécoits (PTB), efetuada no dia 13/4/1964214,
foi o caso mais marcante para o movimento de 1957, pois, além
de ocorrer no governo de Ney Braga, com quem polemizou desde
1963, envolveu uma liderança forte do PTB paranaense e nacional
(pessoa vinculada ao Jango).
Em agosto de 1964, o deputado cassado Pécoits teve outro
enfrentamento com a Ditadura e a nova ordem social, relacionado
à revolta dos posseiros de Três Barras – distrito do município de
Catanduvas, localizado no outro lado do Rio Iguaçu215. Durante
o período de 6 a 8 de agosto de 1964 houve o levante armado,
envolvendo colonos posseiros, grileiros e funcionários da empresa
Bellé & Simioni, e funcionários do Departamento de Geografia,
Terras e Colonização (DGTC), tendo por foco os litígios e grilagens
de terras da Gleba Andrade, “colônia ‘Timburi’ (103.094 hectares)”
(MYSKIW, 2002, p. 92).
Obviamente que a outra margem do Rio Iguaçu servia
como refúgio ou era uma alternativa para a busca de terra a
muitos colonos e posseiros que viviam no Sudoeste durante os
anos de atuação das companhias imobiliárias (Citla, Comercial
e Apucarana), portanto, conheciam a luta pela terra ocorrida no
Sudoeste, suas práticas e lideranças, em particular a de Pécoits
(ex-prefeito de Francisco Beltrão e deputado estadual do PTB).
A condição de deputado de Pécoits, entre 1963/1964, ampliou a
representatividade, a base social e eleitoral do petebista, para
além da região do Sudoeste.
214. “Em 14/03/1964 – Pelo Ato nº 04 do Comando Supremo da Revolução, publicado no D. O. da União da mesma data,
o fichado teve seus direitos políticos suspensos pelo prazo de 10 anos” (DOPS. Ficha nº 30.954 – Walter Alberto
Pécoits, p. 2).
215. No ano de 1980 o distrito de Três Barras foi emancipado de Catanduvas e constitui-se no município de Três Barras do
Paraná. Sobre esse conflito agrário, Antonio Myskiw indicou que: “O levante de posseiros de Três Barras ocorreu entre
os dias 6 e 8 de agosto de 1964. Este levante mobilizou cerca de 400 posseiros e colonos, levando pânico aos moradores
daquela vila. Mantiveram funcionários do DGTC, empresários, topógrafos, agrimensores e picadeiros de mato em
cárcere privado por dois dias” (MISKIW, 2002, p. 87). Myskiw também citou que durante aqueles dias também houve
o assassinato/execução de pessoas detidas pelos rebelados, a mando dos líderes do levante.

222
Em decorrência dessa militância petebista e agrária o
líder da revolta de 1957, ex-prefeito e ex-deputado, que já estava
fichado na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS, Ficha
n.º 30.954, outubro de 1957 [data indicada na inicial da Ficha
Provisória Individual]), foi preso em Cascavel, pela 7ª Subdivisão
de Polícia, no dia10/8/1964, interrogado e depois solto, por ter
sido indiciado como articulador do Levante de Posseiros de Três
Barras de 1964216.O estudo de Antonio Marcos Myskiw (2002) trata,
brevemente, da acusação feita ao ex-deputado petebista Walter
Pécoits na Revolta de Três Barras, além de abordar os processos
judiciais movidos pelo Estado contra as lideranças dos colonos217.
O estudo realizado por Sílvia Amâncio (2009) também
contribui para a discussão sobre os impactos da Ditadura nos
assuntos da luta pela terra que houve no Sudoeste, à época da revolta
de 1957 e seus novos (des)caminhos no pós-1964, em particular no
que se refere à prisão de Walter Pécoits, o histórico de sua Ficha
na DOPS e do processo de indenização que o médico Pécoits moveu
contra o Estado do Paraná218, sem sucesso.

216. Para o estudo deste caso Antonio Myskiw utilizou como fonte principal o processo do Auto de Ação Criminal n.º
147/64, aberto na Comarca de Cascavel no dia 6/8/1964. Conforme leitura e análise documental do processo, Myskiw
citou a denúncia que a Promotoria Pública tinha apresentado em relação à participação de Pécoits e também citou parte
do depoimento prestado pelo médico Walter, no dia 9/8/1964: “Em seu depoimento, Walter Alberto Pécoits negava
‘terminantemente qualquer relação com aquele movimento e que estava fora da região desde o fim do mês de junho
do corrente ano’, de que a sua chegada na cidade de Cascavel nos dias em que ocorria o levante de posseiros foi por
acaso e ‘o fato de ter sido citado entre os mentores do levante, refere-se ao motivo de ser muito conhecido na região’”
(PÉCOITS, Walter apud MYSKIW, 2002, p. 95).
217. “Auto de Ação Criminal n.º 147/64, aberto na Comarca de Cascavel para apurar os fatos e punir os responsáveis pela
prática dos crimes de 33 pessoas, detidas e autuadas sob a acusação de terem praticado crimes de bando armado,
constrangimento ilegal, sequestro e cárcere privado, homicídio qualificado e lesão corporais – artigos 288, 146, 148 e
129, do Código Penal brasileiro” (MYSKIW, 2002, p. 87).
O levante dos posseiros foi derrotado no dia 9 de agosto, com a ação de um contingente de 42 homens da Polícia
Militar, da 7ª Subdivisão Policial de Cascavel, comandada pelo Delegado e Coronel João Rodrigues da Silva Lapa, e
fortemente armado. A resistência armada dos posseiros, após escaramuça contra os militares, resultou em 43 presos,
que foram levados a Cascavel (CHAGAS, 2015, p. 97). Com relação aos indiciados do processo de inquérito, Mayara
Chagas descreveu que: “Ao final do Inquérito policial, em 17 de agosto de 1964, foram indiciadas 58 pessoas, as
quais tiveram suas prisões preventivas decretadas. Das 58 pessoas que foram indiciadas e que tiveram mandados de
prisão expedidos 11 foram considerados foragidos” (CHAGAS, 2015, p. 65). Walter Pécoits constou na relação dos 58
indiciados, porém não foi a julgamento. Com relação ao desdobramento do processo e os julgamentos em primeira e
segunda instância, cf. Mayara Chagas (2015, p. 111-112).
218. Trata-se do processo movido pelo Walter Alberto Pécoits contra o Estado do Paraná, exigindo indenização por danos
morais e físicos sofridos por ele, em decorrência da sua prisão ocorrida no dia 10/8/1964, em Cascavel. Conforme
Requerimento que o deputado Joaquim Néia encaminhou à Presidência da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná,
datado aos 21/8/1964, solicita providências em relação ao ocorrido com o ex-deputado: “REQUER, seja transmitido ao
Exmo. Sr. Governador do Estado e ao Secretário de Segurança Pública e protesto desta Assembléia Legislativa pelos
inominávies acontecimentos no sudoeste paranaense que culminaram com a covarde, brutal, desumano e ignominioso
massacre do Doutor Walter Alberto Pecoits, ex-deputado Estadual, o qual, pela violência com que foi tratado pela
Polícia de Cascavel ficou cego de uma das vistas” (In: DOPS. Ficha nº 30.954).
Na Ficha do DOPS de Pécoits também consta o seguinte registro, com data de 10/12/1979: “(Convém salientar que foi
na Colônia Timburi que o fichado, segundo é voz corrente, criou o GRUPO DOS OITO, à semelhança do ‘Grupo Dos

223
Outras mudanças implantadas pelo governo da Dita-
dura que impactaram nos rumos da questão agrária no Sudoes-
te foram a Lei n°. 5.449, de 4/6/1968, que instituiu as Áreas de
Interesse da Segurança Nacional; e o do Ato Institucional nº 2
(A I-2), de 27/10/1965, que instituiu o bipartidarismo (ARENA x
MDB). Os municípios de Capanema, Santo Antônio do Sudoeste
e Barracão passaram a ter prefeitos nomeados pela Ditadura219,
mas, mesmo que Francisco Beltrão e Pato Branco não constaram
na relação, a força da Ditadura nesses dois principais municí-
pios do Sudoeste não foi menor do que nas áreas de segurança,
ou que a ordem e progresso tivesse menos força simbólica en-
tre colonos e posseiros ou entre agentes e agências do Estado, a
exemplo do Getsop. Neste aspecto, a revolta de outubro de 1957
e o problema da terra também passaram a ser reconstruídos
a partir do que os dirigentes do Estado e do Getsop definiram
como plano de ação para a agricultura, em tempos de Ditadura.

Onze’ de Leonel Brisola, com o objetivo de formas guerrilhas contra a Polícia Militar e provocar a inquietação Geral,
de modo a propiciar clima para a intervenção no Estado)” (In: DOPS. Ficha nº 30.954, p. 3).
219. Para uma leitura sobre a temática das áreas de segurança nacional no Oeste e Sudoeste do Paraná, indicamos a
dissertação da Luciana Zago, “Fronteira e Segurança Nacional no extremo Oeste Paranaense”. Em seu estudo Zago
relacionou os municípios paranaenses de fronteiras que foram incluídos naquele decreto: “Os municípios brasileiros
considerados Áreas de Interesse da Segurança Nacional foram nominados através da Lei n° 5449 de 4 de junho de 1968.
Isso significava que em 1969 quando ocorressem eleições municipais, nesses locais só aconteceriam eleições para a
escolha de novos vereadores. No Paraná os municípios incluídos foram: Barracão, Capanema, Foz do Iguaçu, Guaíra,
Marechal Cândido Rondon, Medianeira, Planalto, Perola d’Oeste, Santo Antônio do Sudoeste e São Miguel do Iguaçu”
(ZAGO, 2007, p. 51).

224
CAPÍTULO VI
UM PASSADO INVENTADO EM MONUMENTOS, COMEMORAÇÕES
E EVENTOS
Considerando que a regularização fundiária realizada pelo
Getsop foi encerrada no início de 1974, dezessete anos depois da
vitória do levante dos colonos contra as companhias e a quatro anos
das bodas de prata da emancipação de Francisco Beltrão, do ponto
de vista mais abrangente, como sugeriu Iria Gomes, a demarcação
temporal da conclusão do segundo momento do movimento de 1957
tem mais proximidade com o período de pesquisa e produção de
fontes sobre a revolta de 1957 do que o do primeiro momento, que,
grosso modo, remonta aos anos de 1950 e 1951, quando a Citla iniciou
a grilagem das terras da gleba Missões e parte da gleba Chopim. No
entanto, durante a segunda metade da década de 1970, quando a
rebeldia social no país já fragilizava a Ditadura e os movimentos
sociais entravam em cena, nos campos e nas cidades, como abordou
Eder Sader (1988), a história do conflito agrário passou a ter maior
importância na região e novos sujeitos sociais entraram em cena.
Os estudos sobre a revolta dos colonos trilharam dois
caminhos. Num sentido, orientaram-se para a construção de uma
identidade regional, marcada pelo pioneirismo e a invenção de
uma tradição, pela seletividade dos porta-vozes do passado e pela
afirmação dos heróis/herdeiros do movimento de 1957 (LAZIER, 1980,
1998; WACHOWICZ, 1985; MARTINS, 1986; PAZ, 1986; VOLTOLINI,
2003); noutra perspectiva, provocaram a reflexão e a revisão teórica
e histórica sobre a participação dos camponeses na política no país
(ABRAMOVAY, 1981; BONETI, 1997; FERES, 1990; GOMES, 1986;
DAMBROS, 1997).
Neste ensaio e para o momento, foi dado enfoque às
fontes que trataram e dizem mais respeito à trajetória da primeira
perspectiva, porém, na história da história, os eventos de registro de
calendário e das comemorações de passagens apresentam elementos
significativos que redimensionam a condição dos sujeitos e do lugar
social da questão agrária no presente e no passado, que estabelecem
relações com a abordagem da participação dos camponeses na
política. Algumas fontes consultadas, como o caso de João Bosco
Feres (1990), Lindomar Boneti (1997) e Vanderlei Dambros (1997),
problematizaram a revolta dos colonos de 1957 pelo viés da história
das lutas sociais no campo. A própria edição da 22ª Romaria da
Terra do Paraná, realizada no dia 19 de agosto de 2007, em Francisco
Beltrão, reuniu a temática da luta pela terra, na Revolta dos Colonos
de 1957, como um registro da passagem e comemoração dos 50 anos,
com indicação da necessidade de mudanças na atualidade, conforme
o objetivo que a Comissão Pastoral da Terra do Paraná (CPT/PR) havia
proposto naquela celebração: “refletir sobre a organização popular
dos trabalhadores rurais do Brasil nos dias de hoje” (In: IHU. www.
ihu.unisinos.br/, 2007).
Considerando a grande repercussão que o cinquentenário
da Revolta de 1957 teve na região do Sudoeste e a produção de
novas versões e (re)visões, dos novos monumentos e fontes de
linguagens de divulgação, é possível perceber uma reinvenção do
passado em monumentos, comemorações e eventos. Para os 50 Anos
algumas fontes antigas foram reutilizadas e recriadas contendo
nova originalidade ao mesmo passado reinventado. Em momentos
anteriores, outras (re)invenções e revisões foram produzidas e
permaneceram contemporâneas às recentes atualizações. Outros,
ainda, estão localizados em espaços públicos urbanos de destaque,
próximos aos antigos ou novos monumentos. Essas variações e a
multiplicidade de fontes instigam a curiosidade à reflexão sobre as
permanências e mudanças do objeto (revolta de 1957), do tema (terra)
e da abordagem (versão sobre o movimento social), que é possível
perceber no processo histórico (sujeitos e práxis) e nas invenções.
Assim, os lugares de memórias, as novas fontes de lingua-
gens, os monumentos e as comemorações passam a ser parte do
objeto, do tema e do problema para os estudos da revolta de 1957 e
para a historiografia. Como abordou Silvia Amâncio (2009), aquilo
que ontem foi a luta pela terra¸ hoje virou monumento, identidade
regional, comemorações e festividades. A oficialidade foi construída
enquanto consenso e o Município – enquanto lugar da organização
federativa e jurídica do Estado, das corporações da sociedade civil e
do cidadão –, disciplina a vida social e formaliza uma civita em seu
tempo e lugar. O governo local, suas agências e os espaços dos agen-
tes ocuparam centralidade na organização, financiamento e mobili-
zação da sociedade (política e civil) nos projetos de comemorações e
monumentos aos 50 anos.
Como indicou Marilena Chauí (2000, p. 9), os atos de mar-
cação de calendário e registros de passagens dão vida atual ao pró-

228
prio mito fundador. No caso da Revolta de 1957, é possível perceber
esse fenômeno, pois, em cada edição comemorativa ou evento fes-
tivo na história presente, há uma reinvenção e uma atualização do
passado abstraído.
Parte desses novos desafios que o pesquisador deve
enfrentar foram indicados por Silvia Maria Amâncio (2009) e Anita
Izabel de Mello da Silva (2010), pois, em seus estudos, enfocaram as
comemorações, os lugares de memórias e os monumentos que foram
incluídos na própria tradição da revolta de 1957 (lutas e monumentos).
Esses novos objetos e abordagens, portanto, ampliaram o tema da
revolta de 1957, pois, para além da história anterior, a força da festa
e as novas linguagens introduziram novos elementos ao mito, novos
vínculos sociais e fracionamentos com o passado, além de outras
visões e versões sobre o passado.
A ausência de debate sobre a diferença temporal que houve
no processo histórico durante o período posterior à vitória dos
posseiros e colonos naturaliza a própria comemoração, podendo,
muitos espectadores, pensarem que isto foi a revolta. A dramaturgia
da peça teatral A Revolta dos Posseiros – Sudoeste do Paraná, 1957 é
um bom exemplo da plasticidade do passado imaginado num ato de
arte cênica. Outro caso de atualização foi o debate sobre qual deveria
ser o nome certo para se definir o que foi a revolta: se foi/é a revolta
dos colonos; ou se foi/é a revolta dos posseiros; ou ainda, se foi/é a
revolta dos colonos e dos posseiros.
Essa problemática pode ser dimensionada a partir da
consolidação das versões produzidas por autores vinculados ao
circuito acadêmico ou que estavam fora desse ambiente, por
historiadores e profissionais de outras áreas e locais de ofício, por
autodidatas ou entusiastas apaixonados pelo Sudoeste e pela Revolta
de 1957. Enfim, dentre o trigo e o joio há a fala autorizada e a força
simbólica de quem disse, projetou e executou as comemorações, ou
daqueles que foram os líderes oficializados, os herdeiros da força
social do movimento.
Principalmente após a criação do Getsop e o encerramen-
to da regularização fundiária (desapropriação, indenização, escri-
turação e registro da posse/propriedade aos colonos e cidatinos),

229
surgiram novos porta-vozes do passado: a agência responsável pela
regulação e seus agentes (dirigentes e funcionários) e o Estado. Por
outro lado, a personalidade e a figura dos colonos ganharam novos
tons e perderam a força da ação que realizaram no passado. A partir
das fontes disponíveis, percebemos que durante a década de 1970,
principalmente após o ano de 1977, a experiência de luta pela terra
dos anos de 1950 passou a ser foco de atenção na região Sudoeste e
objeto de afirmação de uma identidade regional. Com o marco come-
morativo dos 25 anos de Francisco Beltrão e dos 30 Anos da Revolta
de 1957, registrados em 1987, foi iniciado um movimento que deu
mais força a essa invenção, que passou a ser repetida nas edições su-
cessivas. Os pioneiros, os entrevistados e as personalidades que rece-
beram esse status, nos 25 e nos 30 anos, passaram a ser reconhecidos
como os legítimos representantes no e do passado.
Durante a década de 1970, também houve outros enfoques
e caminhos nos estudos e pesquisas do conflito agrário ocorrido no
Sudoeste. No âmbito das pesquisas acadêmicas, o engajamento social
dos seus autores/pesquisadores com as novas formas de organização
e de luta popular em favor da reforma agrária e da redemocratização
do país, contribuiu para que a revolta dos colonos e posseiros de 1957
fosse revisada e revisitada. Mesmo a resistência armada contra a
Ditadura e a repressão do estado de terror, que tinham marcado as
lutas de classes no país entre fins dos anos 60 e início da década de
1970, a exemplo da guerrilha do Araguaia (1972), haviam produzido
seus efeitos em relação às formas de organização dos movimentos
sociais, do sindicalismo combativo e das esquerdas.
Em meio à ordem e ao progresso, consumada a paz e a
tranquilidade social da regularização da propriedade, durante os
anos do “milagre econômico” do governo Médici, o Getsop era extinto
e finalizava seu plano de ação no Sudoeste.
A questão agrária, problematizada no âmbito das lutas so-
ciais, fortaleceu formação dos movimentos sociais no campo visando
à reforma agrária e nas cidades almejando a reforma urbana, para
uma solução dos problemas do êxodo rural, da marginalização social
urbana e da modernização conservadora (FERES, 1990, p. 548 ss.).

230
Nesse sentido, com o êxodo rural, as expropriações de meeiros
e arrendatários, a falta de terra para os filhos dos agricultores pequenos
proprietários rurais, o surgimento do movimento dos atingidos por
barragens e dos sem terras, as ocupações, os despejos, as reintegrações
de posse e, em meio às violências praticadas pelas milícias do Estado e
de fazendeiros que surgiam na região, no Paraná e no país, corria-se o
risco de se repetir o movimento do passado no presente, ao menos em
termos de conflito armado. Os atingidos pela hidroelétrica de Salto
Santiago construída no Rio Iguaçu, nos municípios de Chopinzinho
e de São João; a ocupação da fazenda Giacomet-Marodin, localizada
nos municípios de Quedas do Iguaçu, Espigão Alto do Iguaçu, Rio
Bonito do Iguaçu, Nova Laranjeiras e Laranjeiras do Sul; a ocupação e
despejo violento ocorrido na fazenda Annoni, em 1982, localizada no
município de Marmeleiro, onde houve o assassinato do sem terra João
de Paula, eram histórias vivas ocorridas na abrangência do Sudoeste e
cenário da nova realidade das lutas sociais no campo (cf. FERES, 1990,
p. 557; SCHREINER, 2002).
O fortalecimento da luta pela reforma agrária, a força
da Teologia da Libertação e das pastorais sociais, a capacidade de
organização e mobilização que o movimento dos trabalhadores rurais
sem terra (MST) obtinha, as pressões sociais para a concretização do
I Plano Nacional de Reforma Agrária (I-PNRA) durante o governo
de José Sarney, a Constituinte e os embates para a definição do
capítulo da reforma agrária na nova Constituição e a organização
patronal rural no Brasil e da União Democrática Ruralista (UDR),
caracterizavam o contexto mais amplo da luta pela terra que havia
no Brasil (MENDONÇA, 2006).
Diante dessas perspectivas e possibilidades históricas,
as comemorações oficiais (da e na ordem) da Revolta de 1957
também visaram dominar e controlar o passado (cf. PORTELLI,
1998). Os símbolos da pacificação do conflito, da paz na propriedade
(trabalho e progresso), a negatividade dos atos de radicalização da
luta realizados no passado e o civismo (bandeira) passaram a ter
destaque nos eventos, nos cenários dos monumentos e em materiais
e publicações alusivas às comemorações.

231
6.1 – Homenagem ao GETSOP: a regularização da terra
e a paz social
O obelisco (LAZIER, 1980, p. 77) ou monumento erigido
em homenagem ao Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do
Paraná “GETSOP”, edificado na Praça Dr. Eduardo Wirmond Suplicy,
disposto em seu lado lateral, na Av. Júlio Assis Cavalheiro, com
pequeno recuo no ambiente da praça e em posição frontal à Igreja
Matriz Nossa Senhora da Glória, foi inaugurado no dia 14/12/1972,
por iniciativa do governo de Deni Lineu Schwartz (Arena - 1), para
simbolizar a entrega da primeira escritura de regularização da terra
no Sudoeste do Paraná, dez anos depois da criação da agência.
Considerando os dados apresentados por Hermógenes
Lazier (1980), até o final do ano de 1972, o Getsop havia expedido
35.856 títulos de propriedades. Do ponto de vista de Iria Gomes
(1986), o ano de 1972, praticamente, correspondia ao encerramento
do segundo momento do movimento de 1957 que garantiu a
regularização da propriedade da terra, com a escrituração e
titulação dos lotes aos colonos e aos que eram posseiros, sejam os
residentes no campo ou nas cidades.
No estudo que Anita Izabel de Mello da Silva (2010) fez sobre
os “lugares de memória da posse da terra”, em Francisco Beltrão,
o Monumento ao Getsop foi incluído em sua abordagem. A autora
situou a iniciativa do registro (lugar de memória) à posteridade.

O ano de 1972 foi quando Deni Lineu Schwartz encerrou


seu mandato como prefeito de Francisco Beltrão. Marcando
o trabalho desenvolvido pelo GETSOP, ele inaugurou o
monumento em forma de alta placa de concreto que apresenta
entre os elementos do seu texto, uma réplica do primeiro título
de terra entregue em Francisco Beltrão. Busca estabelecer
relação entre a oficialização da posse da terra e o sentimento
de tranquilidade e consequentemente a prosperidade para a
sociedade sudoestina. Sobretudo se lembrarmos que o prefeito
teve papel ativo no grupo gestor (SILVA, 2010, p. 81).220

220. Silvia Amâncio comentou que o monumento também tinha uma placa de inauguração (Monumento erigido em
homenagem ao Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná – “GETSOP” – pelo Município de Francisco
Beltrão / Inaugurado em 14 de Dezembro de 1972) e um chafariz: “A placa [...] foi retirada em julho de 2008. Naquela
oportunidade o monumento ao GETSOP ficava dentro de um chafariz” (AMÂNCIO, 2010, p. 85). A reforma da base
do monumento, realizada em 2008, redimensionou o ambiente em seu entorno na praça, permitindo a aproximação do
público ao local, porém alterou o monumento que permaneceu por 35 anos com o formato original.

232
A iniciativa do prefeito Deni em registrar a importância
do Getsop agregava um duplo sentido pessoal, pois, primeiro ele,
Deni Schwartz, ocupou a função de chefe de Serviço desde a criação
do Grupo Misto União/Estado do Paraná; depois quanto ao próprio
ato de inauguração do Monumento ao Getsop para o registro do
encerramento do seu governo, também enaltecia sua própria
personalidade e sua trajetória na vida pública em Francisco Beltrão.
Para uma análise mais aprofundada de um monumento,
enquanto linguagem histórica do patrimônio cultural e de lugares
de memória – enquanto força simbólica, lugar social de significação
do/no presente (construção sobre o passado e projeção ao futuro) e
fonte de formação pedagógica à sociedade –, os dados sobre quem
o idealizou, a autoria (artista), a fundamentação do projeto e a
importância que o monumento adquiriu para a população local são
fundamentais. Todavia, para o momento não foi possível realizar
um levantamento documental sobre essas informações junto à
prefeitura de Beltrão. Das fontes consultadas que fazem referência
ao lugar de memória ao Getsop, também não constam informações
dessa natureza, inclusive no estudo de Anita da Silva (2010) não há
menção à autoria e ao projeto arquitetônico.

IMAGEM 2: Centro da cidade de Francisco Beltrão – Praça Eduardo W.


Suplicy (no quadrado)

Fonte: Google Earth. (1) Praça Eduardo Suplicy. (2) Monumento ao Getsop. (3) Av. Júlio A. Cavalheiro.
(4) Igreja Matriz N. S. Glória. (5) Torre da Igreja Matriz (6) Monumento do Cinquentenário da
Revolta dos Posseiros.

233
FOTO 9: Monumento ao GETSOP. Praça Dr. Eduardo W. Suplicy – Francisco
Beltrão/PR – Centro. Lado da Av. Júlio Assis Cavalheiro (calçadão
estilizado à calçada de Copacabana, Rio de Janeiro/RJ).

Fonte:Autor – Data: 5/7/2011. Enquadramento: Escadaria da Igreja Matriz.

Diante dessas limitações da pesquisa sobre a edificação


e lugar de memória/patrimônio cultural, metodologicamente,
circunscrevemos a análise a partir da perspectiva de que a imagem
e os elementos visuais incluídos no monumento têm relação
ao registro do Getsop na trajetória da luta pela terra que houve
no Sudoeste. Nesse sentido, a intenção do autor e o conteúdo do
projeto/monumento foram idealizados para quem vê e lê o lugar
de memória, ou seja: tanto o idealizador (proponente e autor ou
artista – arquiteto ou engenheiro) quis mostrar, com a arte da
arquitetura e da gravura (quadro das imagens e elementos nos
murais do monumento) e registrar uma visão sobre o objeto (o
monumento), para quem viu ou vê o monumento leu ou lê aquela
linguagem do patrimônio público cultural de e sobre Francisco
Beltrão, o Getsop e a história da luta pela terra221. Enquanto o
primeiro conjunto da autoria sedimentou e cimentou suas ideias/

221. Os autores/obras utilizados para a leitura dos monumentos, lugares de memórias, fotografias, teatro/literatura/arte
cênica, eventos de comemorações e logomarca comemorativa que seguem neste item, foram: Augusto Roa Bastos
(1977 e 2002), Gabriel García Márquez (1998), Maria Ligia Coelho Prado (1999), Eduardo Natalino dos Santos (2002),
Hector A. Bruit (1995), André Toral (2001), Pierre Bourdieu (2009) e Peter Burke (2004).

234
visão no bloco de concreto, inaugurado do dia 14/12/1972, afora os
casos de restauração e de reforma física do monumento (retirada do
chafariz e da placa inaugural, em 2008), os leitores e observadores
e as leituras e releituras permanecem em movimento histórico e
subjetivo, articulado com seus saberes e valores.
A escolha do local de instalação do Monumento ao Getsop,
no centro da cidade e na Praça Dr. Eduardo W. Suplicy teve e tem
a mesma relevância do que o levante de outubro de 1957, tanto por
ter sido ali o local de concentração da multidão, ao lado do prédio
Soranso, onde funcionava a Rádio Colmeia, quanto por ser o local
onde o governo de João Goulart, o governador Ney Braga e a direção
do Getsop (Deni Schwartz) entregaram as primeiras escrituras
de terra da regularização fundiária que o grupo misto tinha
realizado. O próprio lado da praça em que o lugar de memória foi
posicionado, voltado para a Av. Júlio Assis Cavalheiro e em posição
frontal à Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória, deu qualidade ao
monumento, ao Getsop, ao prefeito, ao pioneiro da Vila Marrecas
e da religião católica: o Frei Deodato (cf. MARTINS, 1986, p. 213;
PEGORARO, 2000). Terra, fé e trabalho resultaram no progresso e
na conquista definitiva que o Estado, por meio do Getsop, garantiu
para trazer paz, tranquilidade e prosperidade.
As definições físicas e das imagens dispostas em cada um dos
lados (faces) do obelisco possuem uma força simbólica sui generis. A
obra tem dupla face e seus lados caracterizam uma interação criativa
e profundamente representativa da linguagem sobre o presente e o
passado que torna público e ao público-alvo. Tal como uma moeda, a
ligação de ambas as faces (lados) é o que dá valor/representatividade
(interação e integração) às imagens e ao que representam: o Estado/
Getsop, a gleba Missões e parte da Chopim que formaram a maior
parte da região do Sudoeste, a terra, os colonos e posseiros, a paz e
o progresso. Iria Gomes (1986) contextualizou dois momentos para
o movimento de 1957, porém, o Monumento ao Getsop representou
somente o que ela indicou como o segundo momento: o período da
regularização da terra (1962/1974). Nesse aspecto, o Monumento ao
Getsop somente reconhece o que foi realizado após outubro de 1957,
dando centralidade ao período de 1962 a 1972/74, ou seja, ao Grupo
e a seus dirigentes, pois anteriormente, entre o outubro de 1957 a

235
março de 1962, só havia insegurança e intranquilidade das posses e
conflitos de divisa entre vizinhos.
A posição do monumento (lado da frente e lado de trás)
em relação à Praça Suplicy, à Av. Júlio Assis, à Igreja Matriz e ao
espaço público no centro da cidade dimensiona a importância que
a obra teve em 1972, nos anos seguintes, até os dias atuais (45 anos
depois). Além das mudanças no espaço urbano, as transformações
sociais que o município e a cidade de Beltrão tiveram nas últimas
quatro décadas foram profundas. A paisagem urbana atual do
centro da cidade, da praça e da Av. Júlio Assis (na quadra da praça
transformada num calçadão, com mosaico estilizado às calçadas de
Copacabana) preservam esse cenário como lugar central e espaço
público de concentração, de realização de eventos e atos e, mesmo,
de circulação diária da população. Mesmo com a redefinição do
paisagismo da praça e do local do monumento, bem como os efeitos
do tempo no material da obra, o obelisco mantêm visibilidade e
destaque (cf. Foto 9).
Numa descrição inicial do monumento, no mural do lado da
frente, as imagens e figuras são coloridas e as cores correspondem
às cenas, objetos e coisas (céu, terra, água, documento, escola,
pessoas, vestuários, matas de araucária, máquinas, solo, plantas,
plantações, estrada, ponte, mapa, rios e relevo). Na arte plástica
do mural, o autor/artista reuniu vários elementos em cenas
e cenários que podem ser analisados separadamente e inter-
relacionados. Essa possibilidade da linguagem visual é significativa
para a oficina da História (cf. PRADO, 1999; SANTOS, 2002), na
medida em que permite perceber a intencionalidade do autor, os
sentidos e significados apresentados aos objetos e atores direta ou
indiretamente inclusos na arte das duas telas do monumento, bem
como de releituras dos observadores.

236
FOTO 10: Monumento ao Getsop (lado da frente).

Fonte: Autor– Data: 5/7/2011.

Foto 11: Monumento ao Getsop (lado de trás).

Fonte: Autor– Data: 5/7/2011.

237
Da escrita original incluída na face frontal da obra/
monumento de Homenagem, permanecem legíveis nesse mural as
seguintes frases: “REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA”
(parte superior da imagem geral); “VALORIZAÇÃO DA ÁREA E DO
HOMEM” (na faixa inferior, baixo da imagem/cenário geral, com
fundo cinza); “Homenagem ao Grupo Executivo para as Terras
do Sudoeste do Paraná” (logo abaixo da frase na faixa inferior); e,
GETSOP (centralizado e na parte inferior do quadro geral do lado da
frente do monumento).
No lado de trás, voltado para a área interna da Praça
Suplicy, o quadro geral apresenta uma cena de uma residência
(rural ou urbana) com uma família. Quanto às cores, o conjunto do
mural tem só uma cor, a cinza, mesmo que os elementos humanos e
naturais representados, em tese, sejam, existencialmente, coloridos.
Na imagem do lado de trás, registrada em 2011 (Foto 11), o fato de
ter apenas uma cor, cinza, não pode ser entendido como falta de
criatividade ou de simples gosto do autor ou projetista. O mural,
como foi pensado e executado, representa uma intencionalidade,
uma representação de algo em relação ao que se quer mostrar e
expor publicamente e ao público-alvo. Com relação às frases, na
parte superior do lado de trás, constam os registros dos dois anos
que demarcam o momento da criação do Getsop e o da inauguração
do monumento: 1962 (superior esquerdo, início do Getsop) e 1972
(superior direito, inauguração do obelisco), o passado e o presente
numa linearidade temporal de uma década. Abaixo dessas marcações
de calendário, consta a frase: “TRANQUILIDADE E PROSPERIDADE”.
Em 1962, o Getsop trouxe tranquilidade aos colonos e posseiros, e, em
1972 o Sudoeste já vivia na prosperidade!
Continuando, ainda, com a indicação do texto gravado
no cimento da obra, no seu lado de trás, abaixo e fora da imagem
do cenário central da moradia e da família de colono ou posseiro,
constam os dizeres: “AO GETSOP” (centralizado) e abaixo da
referência à agência homenageada foi escrito “[inegível ...., mas
possivelmente deveria iniciar com um agradecimento e homenagem
ao Grupo Misto...] DA UNIÃO FEDERAL E DO ESTADO DO PARANÁ”;
e, na parte inferior dessa faixa, finalizando o mural geral do lado de
trás, pelas letras ainda visíveis e o formado da frase original, deve

238
ter sido registrado o nome do órgão: GRUPO EXECUTIVO PARA AS
TERRAS DO SUDOESTE DO PARANÁ.
Antes de dialogar com as imagens e as disposições das
frases, das coisas, objetos e cenas, nos dois murais interativos da obra,
é preciso qualificar o posicionamento do monumento. O perfil de
cada mural, nessa dupla face, indica uma interface na própria obra:
enquanto que o lado da frente tem a vivacidade das cores (é colorido
como o mundo real), o lado de trás tem uma só cor, a cinza num único
tom, com exceção das escritas feitas em alto relevo (anos e frases).
No mural da parte da frente, constam as representações dos
atores e sujeitos sociais que haviam dado sentido à regularização da
propriedade da terra e garantido a tranquilidade social no Sudoeste:
o Getsop que era o grupo misto da União e do Estado do Paraná.
Enfim, o corpo do Estado. Pelo Getsop, a União Federal (governo
federal) e o Estado do Paraná (governo paranaense) garantiram o
direito positivo da propriedade da terra, trouxeram a tranquilidade
e a paz social na terra ao colono/proprietário e ao citadino/
proprietário (ambos ex-posseiros) e à região Sudoeste (área das
glebas Missões e parte de Chopim), além de valorizarem o homem,
o trabalho e a prosperidade. Esse lado do monumento também
estava voltado para o lado público da praça, para a rua (no caso a
Av. Júlio Assis Cavalheiro) e para a coisa pública (cf. ARENDT, 1998),
a quadra/lado mais central da Praça Suplicy e da cidade, pois sua
disposição frontal à Igreja Matriz congregava fé e trabalho na terra,
a ordem pública e a tranquilidade social. Desse lado do monumento,
portanto, está visível o Estado (suas agências e agentes) e a Lei que
regularizou a propriedade e, Ele (Estado/Getsop) é o ator central
que deu e entregou a escritura da posse da terra. Só Ele, o Estado,
é que garantiu e garante a tranquilidade, a ordem e a prosperidade
na paz social, por meio da titularidade da propriedade, da escola,
da modernização da produção agrícola (mecanização da lavoura no
milagre econômico) e da infraestrutura de escoamento.
No mural da face interna, de trás, desse lugar de memória,
os atores, as coisas e as cenas representam o interior da propriedade
ou lote escriturado, o lugar da moradia e do trabalho do colono e de
sua família. A tranquilidade e a prosperidade da unidade familiar
também foram garantidas pelo Estado/governo/Getsop que
regularizou a terra. Desse lado da interface, o Título da Propriedade

239
está diante da família do ex-posseiro/colono. A opacidade dessa
face só tem sentido, porque ali está quem recebeu o direito de
propriedade. Na outra face da obra é que está Quem ou Aquele que,
por monopolizar o poder superior, garantiu o direito pela Lei.
O obelisco, portanto, não considera o primeiro momento do
movimento de 1957, pois o próprio grupo misto e seus funcionários/
agentes vieram para a região Sudoeste a partir do ano de 1962
– indicados e nomeados pelo governo federal e pelo governo
paranaense (justamente, as duas esferas da federação que entre
1950/51 e 1955/57 respaldavam e davam tranquilidade aos grileiros
e seus consortes) –, para regularizar o direito e assegurar “um clima
de paz, de estabilidade e de progresso” (In: LAZIER, 1980, p. 22).
Enquanto interface da coisa pública, a dupla face do
monumento estabelece o lugar dos sujeitos em relação ao espaço
público. O Lado da frente (voltado para a avenida, a antiga rua tomada
pela multidão dos levantados do chão em armas), pois é ali que está
o Estado, a Escola, o Direito e o Progresso da economia, também
ordena, com esta força pedagógica o Lado de trás e o interior da praça,
o lugar do particular, do privado, da propriedade e da família: a casa
e a terra para morar e trabalhar, onde o casal labuta em paz para dar
futuro aos filhos. Com esse olhar, a propriedade deve ser o lugar da
tranquilidade, da paz, da estabilidade e da segurança. Somente com
o título da propriedade é que o Estado garante o direito ao posseiro.
O colono não precisa mais sair da sua terra para ocupar a cidade e
as ruas, nem pegar em armas para depor as autoridades e fazer a
justiça com as próprias mãos. No monumento os colonos e posseiros
não fazem a história nem mudam os rumos da história; não têm cor,
estão naturalizados na propriedade e passivos diante do presente
que o Estado lhes deu e garante: o título legal e a terra.
Esse olhar para o lugar de memória, com a indicação das duas
faces, das interfaces e de uma hierarquia entre as faces, visivelmente
demarcadas pela arte dos murais, também ordena as coisas e as cenas
da vida cotidiana, pois, primeiramente, culturalmente pensamos
a parte da frente e a parte de trás do monumento como lugares de
acesso, de importância e de ser das pessoas, nas coisas públicas e na
dimensão da vida privada e particular, nos lugares e relações dos e
entre os iguais e nas desigualdades e estranhamentos.

240
Dando seguimento à leitura da linguagem do monumento,
em sua dupla face e interfaces, o mural do lado da frente possui
figuras, coisas e cenas que demarcam o status do Estado/Getsop
e sua relação com a área do Sudoeste, os posseiros e o projeto de
colonização e regularização fundiária que o grupo misto tinha por
missão e estava realizando.
No mural frontal do Monumento ao Getsop, a cartografia da
gleba Missões e de parte da Chopim está inserida na parte superior
com as indicações das suas delimitações territoriais (Rio Iguaçu/
Norte, Rio Chopim/Leste, Rio Santo Antônio/Oeste e divisa seca
ao Sul) e a localização de Francisco Beltrão (indicado no texto da
Escritura, na placa de metal fixada dentro do mapa da gleba Missões).
A cor avermelhada da área do mapa tem relação com a própria terra
a ser ocupada e colonizada, enquanto frente agrícola, para produzir
e escoar o excedente para outras regiões do Paraná e do país (In:
Lazier, 1980, p. 22).

IMAGEM 3: Escritura de Antônio Thomé, colono residente na Linha


Thomé, município de Verê

UNIÃO FEDERAL
ESTADO DO PARANÁ
GETSOP

Título de Propriedade

[...]

Faz saber que tendo sido concedido por decisão tomada


em sessão de 22 de maio de 1963 no Requerimento
protocolado sob o nº 119, de 27/5/1963, GETSOP, de –
Fiorindo Tesser – o Lote de Terras sob o nº 14, da Gleba
1-FB, do núcleo de Francisco Beltrão da Colônia Missões,
situada no Distrito de Francisco Beltrão, no Município de
Francisco Beltrão, contendo a área de Cento e Quarenta e
Quatro mil metros quadrados (144.000 m2), [...]

Em Curitiba, 25 de junho de 1963.

(a) Antonio Julio Vasconcelos (a) Manoel Bandeira


Ten. Cel.Presidente Secretário Geral

Requerimento protocolado junto ao Getsop, sob o nº 6002, de 1º /9/1969, lote com área de
59.000m2. A escritura foi assinada pelo Getsop em 7/04/1970. Reprodução: Autor – cópia
fotográfica. Data: 2 ago 2011.

241
Sob a área do Sudoeste, o autor/artista criou e o monumento
concretizou a inserção, em alto relevo, de uma placa em ferro
fundido, onde foi gravado o texto inicial do Primeiro Título De
Propriedade expedido pelo Getsop ao colono Fiorindo Tesser, e que
em nome do governo Jango, o governador Ney Braga veio entregar
na mesma cidade e local onde está o obelisco. Os detalhes da escrita
na placa e alguns dos dados e imagens de um documento original
de escritura obtido de um colono, residente no Verê, permitem uma
visualização dos destaques garrafais dos sujeitos que regularizaram
a terra e da importância do instrumento de direito positivo, o Título
de Propriedade.
A criatividade do autor do projeto possibilitou – a par-
tir da leitura e do olhar de Gabriel García Márquez (1998)222
–, uma aproximação da simbologia do ato de entrega do Título de
Propriedade com uma matriz cultural hebraico-cristã: a represen-
tação do ato de entrega dos Dez Mandamentos por Javé a Moisés, no
Monte Sinai.
A cena representativa do ato de entrega do Primeiro Título
De Propriedade possui vários elementos que centralizam o papel e a
posição do Estado (União e Paraná - Getsop), assim como a força da
sua Lei, à sociedade e à população de Francisco Beltrão e do Sudoeste
paranaense. O poder simbólico da tradição hebraico-cristã fortalece
esta visão sobre o Estado incluída no Monumento em Homenagem
ao Getsop.

IMAGEM 4: Decálogo (Êxodo 20, 1-17).

“Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou do


Egito, da casa da Escravidão” (Ex. 20, 2).

222. Na obra Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez (1998), utilizou duas matrizes culturais para dar sentido ao
enredo do texto literário: o complexo de Édipo (de origem grega e tema na psicanálise freudiana) e o pecado do incesto
(de origem hebraico-cristã).

242
Na arte do mural, a Mão visível do Estado-Demiurgo está
dando, entregando o Título de Propriedade ao posseiro, a Lei. O ato
de entrega, inclusive, tem a força simbólica do gesto de dar algo
estendendo a Mão. Trata-se de um compromisso selado pela Mão
de quem dá e pela mão de quem recebe. Novamente, a condição e a
posição das figuras na cena demonstram a hierarquia nas relações
de poder estabelecida entre as partes: a Mão de quem entrega o Título
de Propriedade foi representada com um tipo de vestuário diferente
da mão e do vestuário utilizado, simbolicamente, daquele que recebe
o documento. O terno azul escuro, engomado e abotoado, e a camisa
longa branca, abotoada, não é um uniforme militar, mas corresponde
às formalidades e a moda das autoridades do Estado (governantes e
burocratas). Na arte dos símbolos, a mão/braço de quem recebe veste
uma camisa branca longa, domingueira, em respeito às autoridades
e aos costumes da época. A centralidade do documento e a ausência
da fisionomia de quem o entrega e de quem o recebe, fortalece ainda
mais a imagem do Estado e do seu poder impessoal, do poder sobre-
humano e omnipresente do Estado nacional.
Sabendo que no governo Jango, o governador Ney Braga veio
até Francisco Beltrão para cumprir a palavra e efetivar a entrega das
primeiras escrituras, na inauguração do monumento, a linguagem
da arte na obra do monumento manteve o simbolismo da força do
Estado e da missão que o Getsop deveria realizar no Sudoeste. To-
davia, em 1972, o registro aos dez anos do Getsop, certamente, não
teve, nem poderia ter, o propósito de preservar as ações e os compro-
missos cumpridos pelo presidente João Goulart (PTB), deposto com o
Golpe de Estado de 1964. Em pleno período da repressão à guerrilha
do Araguaia, nos anos do milagre econômico, estando o país sob o
Estatuto da Terra e a revolução verde, a vitória do levante armado
de 1957, com a multidão em armas, contra a grilagem das compa-
nhias imobiliárias e as autoridades do governo lupionista, era um
passado a ser silenciado e substituído pela paz, tranquilidade e pros-
peridade do Getsop/governo da Ditadura, seja na esfera da União,
com o presidente general Emílio G. Médici, quanto no Estado do Pa-
raná, com o governador nomeado Pedro Parigot de Souza, da Arena.
Na obra Francisco Beltrão: 25 anos, o autor Lazier, ao
apresentar o GETSOP – HOJE, incluiu uma referência que o coronel

243
Luiz Barbosa Wolf, presidente do grupo, redigiu em documento do ór-
gão, fazendo menção à sua missão e à passagem do 10º aniversário do
órgão em 1972. Para o presidente do Getsop, a tensão social e as dispu-
tas de terra só ocorreram no Sudoeste após o outubro de 1957, negan-
do, com isso, a questão agrária, os litígios e as grilagens anteriores:

... área que conforme é do conhecimento público viveu, a partir


de 1957 até a criação do Órgão em permanente estado de tensão
social e disputas de terras.
9 – neste ano o Getsop completará o seu décimo (10º) aniversário
de criação e praticamente cumpriu a sua missão.
Curitiba, 10 de Janeiro de 1972, Ten. Cel Luiz Barbosa Wolf (apud
LAZIER, 1980, p. 24).

Em suas memórias relatadas a Nivaldo Krüger, nas vésperas


do cinquentenário e temporalmente já distante da Ditadura, Deni
Schwartz relembrou dois aspectos que demarcaram a luta pela terra
e sua atuação na região (ex-chefe de Serviço do grupo misto, ex-
prefeito de Beltrão pela Arena-1, e ex-deputado estadual e federal
pelo do MDB/PMDB), envolvendo o povo do Sudoeste e o governo
(administração) do Getsop. Em suas rememórias, a revolta de 1957
foi um caso atípico, um ato de desespero.

Esse é o melhor povo do mundo. Lidando com essa gente por


quase oito anos, administrando tantos conflitos, nunca fui
ameaçado em minha integridade física. Isso mostra como
são erradas as versões a respeito da violência desse povo. O
que houve, e apenas em 1957, foi uma reação desesperada a
uma situação criada por uma grande irresponsabilidade dos
governantes (KRÜGER, 2004, p. 216, grifo nosso).

O próprio Nivaldo Krüger, ao destacar a importância do


Getsop para a região do Sudoeste, em meio às histórias de bravuras,
trabalho e fé, inseriu dados sobre a Missão Cumprida do Getsop,
utilizando informações do Relatório Final das Atividades, datado em
28 de janeiro de 1974, e assinado pelo presidente do Getsop, coronel
Luiz Barbosa Wolf: “Restabeleceu a paz social, a tranquilidade, a ordem
e o respeito mútuo e às autoridades constituídas que assumiram a
direção dos governos estadual e federal, após 31 de março de 1964”
(In: KRÜGER, 2004, p. 216, grifo nosso).

244
Quatorze meses após a inauguração da homenagem ao
Getsop, obra para o patrimônio cultural de Francisco Beltrão e do
Sudoeste, o texto do Relatório Final tratou da questão fundiária na
perspectiva da Ditadura. Por sua vez, para o dia 14/12/1972, a tônica
do autor/artista, nos murais de dupla fase, criou e recriou uma
imagem do Getsop nos anos desse regime, pois o passado anterior
devia ser silenciado ou referido somente ao pós-1957.
No recorte do cenário da escola, que integra o mural do lado
frontal, a inclusão de uma bandeira branca no mastro transmite o
conteúdo da paz social e da tranquilidade social que o Estado, por
meio do grupo misto, garantiu ao valorizar o homem e a regularização
fundiária da gleba Missões e parte da Chopin. Ao mostrar essa meta
à escola, da paz no mastro à bandeira, a Bandeira Branca, os aspectos
da cena realçam o civismo que a escola estava garantindo à nova
geração (representados nos alunos uniformizados) e ao futuro do
país. Assim, o monumento registrou, naquele presente, qual futuro
o Estado queria para a população do Sudoeste. As escolas construídas
pelo Getsop representavam a paz na ordem e no progresso.

Portanto, a Bandeira, nesse monumento, não tem relação


com a bandeira que os colonos e posseiros utilizaram durante a
luta e nas resistências contra as companhias imobiliárias, seja
no ato do Tigrinho (que enrolou a bandeira do Brasil em seu corpo

245
para enfrentar a milícia privada da companhia Comercial), no dia 2
agosto de 1957, no Verê; ou na ocupação das cidades, entre os dias 9
e 15 de outubro de 1957 (cf. Fotos 3 e 4). A bandeira branca foi uma
escolha para o registro daquela paz no campo que o Getsop e o regime
da Ditadura defendiam para o Sudoeste. Assim, o autor/artista ou
idealizador do projeto, intencionalmente, simbolizou a paz na terra
ao homem sudoestino nos tempos do Getsop.
O último cenário do mural, visível aos que estão na rua/
avenida, inventa uma paisagem que incorpora uma interação de
elementos do passado e do presente em Francisco Beltrão, porém
norteados pelo progresso econômico e tecnológico que o Getsop teve
e tinha (1972) em relação à assistência ao homem rural, à tecnificação
da lavoura e à infraestrutura de escoamento da produção.

“O Governo do Estado construiu a ponte de concreto armado na Avenida Júlio Assis Cavalheiro”
(SCALCO apud LAZIER, 1980, p. 73).

O Rio Marrecas está situado na base do mural frontal,


tal como esse lugar e ambiente foi a base para a fundação da Vila
Marrecas. A ponte de concreto armado, construída pelo governo do
Paraná, durante o mandato interino de Euclides Scalco (1963/1964),
substituiu a antiga ponte de madeira (que possuía paredes de
madeira e telhado com tabuinhas), da época da Cango e que a Citla
havia trancado para evitar a passagem livre de migrantes.

246
A presença de mata de araucária também representa a
paisagem mais caracterizada do ponto de vista da flora e das matas,
descritas por Francisco Fernandes e Sylvano Alves da Rocha, no
Relatório para escolha de terras para localização de Reservistas do
Exército na faixa fronteiriça do Brasil com a República Argentina
(RJ, 22/07/1942, In: LAZIER, 1998, p. 99-111); da matéria prima de
interesse da Citla no Projeto Celulose e dos “pequenos grileiros”,
conforme relato de Mário José Fontana (In: WACHOWICZ, 1985); e
uma das riquezas naturais e nacional objeto de cobiça da Citla e do
grupo Lupion, na “maior bandalheira da República”, denunciada
na tribuna do Senado por Othon Mäder (1957) e abordada por
Hermógenes Lazier (1980).
O elemento da mata de araucária também está relacionado
à missão do Getsop, conforme acordo firmado entre a União e o
Estado do Paraná, parágrafo nono: “O Órgão misto estabelecerá
regimes especiais para venda ou exploração da reserva florestal
existente, inclusive firmando convênios com o Instituto Nacional de
Agricultura e com o serviço Florestal do Ministério de Agricultura
visando a defesa da mesma reserva florestal” (In: LAZIER, 1980, p. 23).
Pelo plano de ação do órgão, o Getsop também teve a incumbência
de regularizar as serrarias e madeireiras que havia no Sudoeste,
bem como instalou um horto florestal visando ao reflorestamento
e à recuperação das matas. A presença de uma área reflorestada no
mural, próxima da mata nativa de araucária, registrou esse item do
plano de ação da colonização e do progresso que o Getsop realizava,
afora a mecanização da lavoura, representada no maquinário
(trator e grade) utilizado pelo colono (tratorista). A foice, a enxada, o
facão e a espingarda eram coisas anteriores a 1962/1964, marca da
tensão social e das disputas. A paz, a tranquilidade e a prosperidade
estavam na terra titulada e na produção para o mercado, racional e
milimetricamente organizada (cada coisa em seu lugar).
Na arte da criação do monumento, o cenário geral desse
mural, com as cenas interligadas e tonalizadas (uso do colorido e das
cores), produz um efeito estético visual agradável e chamativo ao
público-alvo e uma leitura imediata de fácil articulação e imaginação:
o sonho realizado e um lugar sonhado. Neste caso, o recurso da

247
criação artística possibilitou articular o Rio Marrecas, a ponte de
concreto armado, a cerca certinha, a lavoura mecanizada, as matas
(nativa e reflorestada), a escola em perspectiva e seu ajardinamento,
o campo/rural (em relevo plano, não tão comum assim no Sudoeste),
o horizonte e o céu de azul anil (tão badalado pela Ditadura, com a
música, Eu Te Amo Meu Brasil – autor: Tom).
O mural frontal também divide o cenário geral do painel em
duas partes que, esteticamente, possui uma forte simbologia: o céu
e a terra, separados e interligados pela linha do horizonte. Bem mais
do que os elementos agrários e da fertilidade agrícola, no ambiente
do céu foi colocado o mapa do Sudoeste com as terras regularizadas.
Articulando artística e harmoniosamente as matrizes culturais, é
possível interpretar que a imagem cartográfica no ambiente do céu,
é um sonho realizado e um símbolo ao futuro. Além disso, grande
parte da linha do horizonte é formada pelo braço do Estado/Getsop,
portanto, o próprio Estado foi e é o mediador entre a realidade
esperada pelo povo e o sonho realizado: do título de propriedade da
terra, da paz, do trabalho e da prosperidade ao homem do Sudoeste.
Ao mesmo tempo, no campo da arte, a linha do horizonte separa e
interliga passado (terra) e presente (céu) e, neste aspecto, também
o Estado é quem delineia o horizonte (separa e interliga o passado
com o presente/futuro, o novo cenário e um porvir da paz, da
tranquilidade e da prosperidade na propriedade regularizada).
O painel do lado de trás, afora as indicações temporais
e os objetivos que o Getsop tinha (1962: tranquilidade; 1972:
prosperidade) e as homenagens, possui uma cena de representação
com dois elementos constitutivos: a propriedade real num ambiente
privado, particular (representada no lote e na casa, não o título no
papel passado e registrado em cartório e agência do Estado, pois está
incluso no painel frontal) e a família do colono/posseiro (pai, mãe,
duas filhas e um filho, os últimos com idade entre 13/12 anos, 9/8
anos e 6/5 anos, respectivamente). Trata-se de uma família jovem,
formada, pela fé, tradição e costumes, no pós-1957. Obviamente que
essa família é o tipo ideal para o contexto do início dos anos de 1970.
Uma leitura com o olhar do contexto da Vila Marrecas e da Cango
não passa de um “voo de galinha”, para citar um ditado popular.

248
Pelo ambiente da área/lote, a araucária, as demais
árvores, o jardim no entorno da casa e o aspecto de ser uma área
(a propriedade geral, no sentido da teoria política) tem proximidade
com o meio rural. Porém, como as 5 pessoas da família estão paradas
em cima de um murro de pedra, olhando para a casa, a moradia pode
representar tanto uma residência rural quanto urbana, mas, dada
a altura do próprio murro (sem o acesso da rua), as características
da casa (a varanda minúscula, tamanho, esquadrias, o material
de alvenaria e o projeto arquitetônico e estrutural) e o padrão
socioeconômico para o lugar de habitação da família, está mais
próximo de um ambiente urbano, de um contexto de urbanização
vivido entre a década de 1960 e início dos anos 70, no país e na região
Sudoeste (cf. FERES, 1990), dos programas de habitação popular que
o governo federal havia iniciado naquele período para a população
de baixa renda (cf. MARICATO, 1987)223. Os detalhes gerais dos murais
seguem um padrão de engenharia/arquitetura e de um profissional
da área com experiência no ofício de criação da arte e do papel que
cabia ao Getsop naquele contexto.
A identificação do ambiente (urbano ou rural) é um aspecto
secundário em relação à visão do conteúdo apresentado nesse
cenário. O mural tem apenas uma cor, porém, com elementos em
alto relevo mais destacados do que o mural frontal, ao ponto de as
figuras produzirem sombras com o movimento do sol, estabelecendo
certo realismo às figuras e suas formas.
O perfil dos membros da família (elementos físicos e de
vestuário) indica uma origem sulista e de ascendência de antigos
migrantes de nações/etnias europeias.
O aspecto central da linguagem comunicativa que o
cenário/mural possui está novamente na figura de quem não
aparece na imagem (o sujeito oculto), porém é aquele que vem a ser
o ator central da homenagem. Trata-se do homenageado, o Getsop,
enquanto órgão da União e do Estado do Paraná, que, ao regular a
propriedade da terra, trouxe tranquilidade, paz e prosperidade à
família (a oikononia), à região e ao Estado nacional.

223. “A política habitacional no Brasil é definida pela forte presença do Estado, através do Sistema Financeiro de Habitação
e do órgão central, Banco Nacional de Habitação, criados em 1965, que estruturou uma rede de agentes financeiros
privados, fortaleceu o mercado imobiliário e a indústria de construção, viabilizando um movimento vigoroso em todo
o país de provisão de habitações para as classes médias e altas, fundamentalmente” (MARICATO, 1987, p. 87).

249
Entretanto, a interatividade desse cenário estabelece uma
interação entre a família (as 5 pessoas) e a casa, que é o lugar central,
o lócus, da vida privada na propriedade e na sociedade nacional, mas
também uma integração do Estado que deu a casa, na propriedade,
para eles terem um lugar para morar, trabalhar e prosperar.

A posição dos membros da família, vista na perspectiva


de dentro do cenário, de frente para a casa, despersonaliza os
indivíduos e afirma o Estado. Novamente os figurantes representam
um ato de dádiva, de presenteamento, que o Estado-Demiurgo dá
aos, até então, humildes colonos e posseiros. As pessoas daquela
família estão representadas, no painel, como pessoas e cidadãos
passivos, contemplando o presente recebido: o lote regularizado
pelo Estado e a casa. Nisso também a homenagem ao Getsop não só
ignora e silencia sobre a multidão em armas ocupando as cidades
no Sudoeste para derrotar o bloco Citla, Lupion, Apucarana e
Comercial, como também nega o conflito agrário vivido no período
de 1951 a outubro de 1957. Em anos da Ditadura, contemporâneos
ao conflito agrário do Araguaia, no Sudoeste havia somente
regularização fundiária e paz social.
Essa interatividade do mural também está aberta para
quem vê o monumento do lado de trás, pois quem está fora do
painel (público-alvo) fica numa posição contemplativa igual às
cinco pessoas da família representada e presenteada, pois, estando
de costas para o restante do interior da praça, o observador/leitor

250
dirige seu primeiro olhar para a casa, a figura central do mural
do lado de trás do monumento. O foco nessa imagem novamente
orienta o público observante para a vida privada, o trabalho e o lar
na propriedade particular, da economia doméstica.
O ator/autor dessa regulação na/da forma de pensar e de
ver a terra e o trabalho ao Sudoeste, cujos frutos e resultados já eram
visíveis em 1972, inclusive pelos adjetivos inseridos no Monumento
(tranquilidade e prosperidade e paz social), visou atingir o presente
(os 10 anos do Getsop, completados em 1972, no final da administração
municipal de Deni Schwartz) e o futuro, na medida em que aquela
linguagem sobre o passado, pedagogicamente, educaria o público-
alvo e os novos visitantes daquele monumento, enquanto registro e
lugar de uma memória. Na face pública do monumento (em relação
à Praça, à Cidade e ao Mural frontal), o Estado ilumina os cenários e
personifica a história; na face privada do mural a casa e do interior
da propriedade da família, o monumento nega a política e adjetiva
o lar. Nessa homenagem, o Estado/Getsop é representado como
sendo o Sujeito ordenador e civilizador da região que paira acima
e isolado da história anterior (negada e silenciada) e da sociedade
civil, enquanto que a regularização fundiária realizada pelo Grupo
eliminaria a barbárie das disputas de vizinhanças, relacionada à
demarcação de divisas entre as posses, que havia após o outubro de
1957, conforme o presidente cel. Luiz Wolf expôs no relatório final
dos trabalhos dessa agência fundiária, em janeiro de 1974.
Esses sentidos eram e continuam sendo diretrizes para
quem visitar o circuito da Praça Suplicy, enquanto esse lugar de
memórias estiver nesse local. O Getsop e o Estado pacificaram os
homens e a sociedade, extinguindo o direito de posse e as disputas
de cercas de posses, com exceção de 3 ou 4 que foram a juízo. Parece-
nos que essas interfaces orientaram o projeto da obra de homenagem
e reinventaram um passado em forma de linguagem na edificação
do patrimônio cultural. Tratando-se dessa escrita e disputa pela
história, a imagem do Getsop durante a Ditadura e neste monumento
não representava um segundo momento do movimento de 1957.
O que chama a atenção dos estudos de Ruy Wachowicz
(1985) e de Iria Gomes (1986) é a ausência da abordagem sobre a
atuação do Getsop. Ambos os autores limitam-se a apresentar os atos

251
governamentais de criação (órgão misto e missão) e os resultados
finais da regulação dos lotes e das propriedades, no meio rural e
urbano, realizados no Sudoeste.
Retornando ao tema do Getsop e da pacificação pela
regularização fundiária, na obra de Nivaldo Krüger, o autor reportou-
se ao registro que o presidente cel. Luiz Wolf fez no Relatório Final
sobre a missão da agência fundiária: “Cumpriu cabalmente o seu
encargo fundamental, a regularização da terra, garantindo ao
homem rural e, também, aos residentes nas cidades e povoados, a
propriedade essencial à produção agropecuária, à instalação das
indústrias, do comércio e da própria moradia, isto é, à TERRA (apud
KRÜGER, 2004, p. 216, grifo nosso).
A pacificação não estava somente na imagem da bandeira
branca no mastro da escola, numa das cenas inclusas na arte do
mural da face frontal do monumento em homenagem ao Getsop! A
bandeira branca da pacificação também não servia de sinal para um
final de batalha, seja para uma rendição ou um pedido de trégua para
uma negociação da paz, pois não representava o outubro vermelho
de 1957. Aquela era a bandeira do Getsop: da paz, da tranquilidade e
da prosperidade ordeira na propriedade regularizada na Lei.

6.2 – Assesoar: 40 Anos (1957-1997) – De olho no


passado e pés no futuro
Um segundo documento, fundamental para abordar a
história da história da Revolta de 1957, foi elaborado para marcar
a passagem dos 40 Anos (1957-1997) da Revolta dos Colonos, com o
propósito de manter o leitor e a população local De Olho no Passado e
Pés no Futuro. A cartilha da Assesoar contou com o envolvimento da
Facibel e da Micro Região dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais,
conforme foi apresentado no primeiro capítulo sobre as fontes.
A publicação da Assesoar teve o propósito de relembrar, para não
esquecer, aprender com as vitórias e os erros da geração passada e
fazer, no presente, as ações para o futuro. No primeiro parágrafo da
Introdução, os organizadores apresentaram esta reflexão ao leitor
que convém recolocar.

252
Relembrar os acontecimentos, as lutas e as vitórias das gerações
passadas, é a melhor maneira de avaliarmos os acontecimentos
e as lutas do presente; é a melhor maneira de evitarmos a
repetição dos mesmos erros cometidos e, principalmente, é a
melhor maneira de herdarmos de nossos pais e avós o amor à
terra e à vida, o ardente desejo de justiça, a determinação e a
coragem de lutar (DAMBROS, 1997, p. 5, grifo nosso).

Da cartilha, elaborada com uma escrita e linguagem


acessível, o registro dos 40 Anos, promovido pela Assesoar, merece
atenção pela própria condição dessa entidade e pela importância de
sua inserção junto às pastorais sociais da Igreja Católica e da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), à Comissão
Pastoral da Terra, à Pastoral da Juventude Rural, ao sindicalismo dos
trabalhadores rurais (crítico e combativo), aos movimentos sociais,
ao movimento sem terra, ao cooperativismo, aos partidos políticos de
esquerda (PT e PCB) e ao associativismo. A linguagem gráfica e visual
da capa da cartilha se destaca pela logomarca comemorativa e pela
fotografia reproduzida como imagem de fundo. Além da referência
aos 40 ANOS, a logomarca possui uma mão que empunhava/
empunha uma espingarda, em cuja ponta do cano sai uma flor.
Nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, a luta pela terra
foi marcada, desde meados dos anos de 1970, durante a década de
1980 e mesmo de 1990, pelo movimento dos atingidos por barragens
(Movimento Justiça e Terra, com a Itaipu Binacional; os atingidos
para Usina de Salto Santiago, com a Companhia Paranaense de
Energia – Copel; a Comissão Regional dos Atingidos por Barragens do
Rio Iguaçu, com a Copel), pelo Movimento Justiça e Trabalho224 e pelo
movimento dos sem terra, inclusive sendo o lugar onde ocorreu o
primeiro encontro nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais

224. O Movimento Justiça e Trabalho (MJT) resultou da organização dos suinocultores na região Sudoeste do Paraná,
com a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT/PR) e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), e
tinha como foco acabar com as injustiças das Notas Promissórias Rurais (NPRs) – um problema de âmbito nacional
(conforme normatização do crédito e das formas de pagamento dos produtos agrícolas e das garantias que os
bancos tinham de cobrar judicialmente as dívidas dos fiadores das NPRs, que eram os próprios agricultores) –, e as
falências dos Frigoríficos na região do Sudoeste e do Oeste. Nas edições do Boletim Poeira, da CPT/PR, de nos. 14
(novembro e dezembro/1980) e 15 (jan., fev., mar. Abr/1981), foram publicadas matérias sobre o MJT e a “revolta dos
suinocultores”. Mobilizados pelo MJT, o movimento adotou medidas mais contundentes, especialmente o bloqueio de
estradas, rodovias e portões de frigoríficos: “O Movimento ‘Justiça e Trabalho’ dos suinocultores teve início aqui no
Sudoeste do Paraná, em agosto de 1980. Nesta região o Movimento continua suas atividades. / No decorrer deste espaço
de tempo, vários acontecimentos, mais ou menos significativos, têm acontecido. Os que chamaram a atenção da opinião
pública tem sido o da Concentração do dia 15 de outubro em Francisco Beltrão e o Bloqueio das estradas realizado em
fins de novembro de 1980 para impedir a passagem do suíno em pé e de derivados de suínos” (CPT/PR. “Agricultores
do Sudoeste do Paraná avaliam o Movimento ‘Justiça e Trabalho’ dos suinocultores” In: CPT/PR. Poeira. Ano IV, n.
15, jan.-fev.-mar/.-br/1981. p. 15).

253
Sem Terra (MST), nos dias 21 a 24 de janeiro de 1984, no município
de Cascavel, que resultou na criação do MST (cf. SCHREINER, 2002).
Durante a década de 1980 e início dos anos de 1990, houve
várias ocupações de latifúndios improdutivos, ou com problemas
no histórico dominial, por sem terras nas regiões Oeste e Sudoeste,
organizados pelo Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do
Paraná (MASTRO)/MST225 e o Movimento dos Agricultores Sem Terra
do Sudoeste do Paraná (MASTES)/MST, a exemplo das ocupações da
Fazenda Annoni226, em Marmeleiro.
No âmbito paranaense e nacional, aqueles eram anos de
intensificação da luta pela terra e de conquistas do MST. Vários
líderes da CPT e do MST, do sindicalismo combativo de trabalhadores
urbanos e rurais, tiveram a iniciação e a formação teórica e militante
nos cursos da Assesoar, nos grupos de jovens e nas comunidades
eclesiais de base (CEBs) durante os anos 80 e início de 1990. Os rumos
das lutas sociais e sindicais também passavam pelo planejamento,
organização e mobilização que a Assesoar realizava, bem como pelas
condições que a entidade possuía em relação ao financiamento
de programas e projetos obtido no exterior, de entidades da igreja
europeia, principalmente da Bélgica.
Durante a segunda metade da década de 1990, a
violência no campo, no Paraná, acentuou-se, principalmente, pelo
posicionamento conservador do governo Jaime Lerner (PDT), no
225. Um dos casos mais expressivo do acirramento dos conflitos ocorridos entre sem terras, milícias particulares de
fazendeiros, Polícia Militar e Grupos Especiais da PM do Estado do Paraná, foi o “Caso Teixeirinha”, em Campo
Bonito, durante o período de acampamento, iniciado no dia 19/08/1991 a 8/03/1993, quando ocorreu o assassinato do
Teixeirinha (cf. ARAUJO e CORDEIRO, 1994).
No dia 19 agosto de 1991 a sede da Fazenda Santana – Agro Industrial Benedelli Ltda. –, foi ocupada pelo MST. Com
as negociações iniciais, realizadas entre o MST, o Governo do Paraná (no mandato de Roberto Requião/PMDB), o
INCRA e o proprietário, quatro meses depois, o acampamento foi transferido para 4 áreas próximas e do mesmo dono
(Ovídio Benedelli) que somavam 950 hectares, negociados para a reforma agrária e o assentamento de parte dos sem
terras. Com essa negociação, a sede da Fazenda Santana, o maior latifúndio, não seria mais ocupada. Transcorrido mais
de 18 meses depois do acordo, e diante da inoperância do Estado e do Incra, o movimento e os sem terras decidiram
reocupar a sede da Fazenda Santana, no dia 3/4 de março de 1993. Entre os dias 3/4 e 8 de março houve a morte de
3 policiais que estavam a paisana (do Grupo Especial), um ferimento a bala de Adecir Cassol (madeireiro que havia
arrendado a extração da madeira, por contrato com o Agro Industrial Benedelli), o assassinato de Diniz Bento da Silva,
o Teixeirinha, realizado pelo Grupo Tibre, no dia 8/3/1993, e a prisão e tortura de 7 sem terra acampados (cf. ARAUJO
e CORDEIRO, 1994; DUARTE e KOLING, 2010).
226. Para uma leitura sobre a ocupação, despejo e reocupação da Fazenda Annoni, confiram as matérias publicadas no
Boletim Poeira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/PR): “Documento dos agricultores sem terra de Marmeleiro”:
“Queremos primeiro dizer que somos brasileiros e sempre lutamos para o bem de nossas famílias e do Brasil. As
dificuldades que enfrentamos são sempre maiores. Já não dá para viver bem com a renda que temos dos serviços de
agregados e peãos [sic.]. Sabemos também que o Governo tem uma terra perto de nós: A FAZENDA ANNONI. Desde
janeiro de 1982, o INCRA se emitiu na posse depositando na justiça Cr$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de cruzeiros),
através de decreto desapropriatório para fins de regularização dominial da Gleba PERSERANÇA, na qual está a
Fazenda Annoni. Sabemos que a Fazenda Annoni tem 800 alqueires de terra desocupados e improdutivos. Sabemos
também que o Annoni está em dívida com o INCRA” (In: CPT/PR. Poeira. Ano V, n. 21, março-abril 1982. p. 18);
“Fazenda Annoni, ocupantes continuam organizados” (In: Poeira. Ano VII, n. 32, janeiro e fevereiro 1984. p. 9-10).

254
mandato de 1995/98 e no segundo mandato de Lerner (PFL), de
1999/2002 (cf. Associação Brasileira de Reforma Agrária, 2001),
gerando mais conflitos, ações de despejos, com uso da Polícia Militar
para cumprimento de mandados de reintegração de posse, práticas
de violências, prisões de sem terras, assassinatos e tensões sociais
entre o MST e a UDR (com suas milícias privadas).
A Assesoar nominou a luta pela terra como “revolta dos
colonos de 1957”. A publicação da cartilha servia como material de
subsídio às reuniões e discussões dos grupos de base. Didaticamente,
os conteúdos dos capítulos e temas estão acompanhados de box com
roteiros de perguntas para o debate. Na realidade, o texto é uma
divulgação em linguagem acessível ao leitor, das abordagens dos
autores e pesquisadores que trataram sobre o Sudoeste e a Revolta de
1957: Hermógenes Lazier, Ruy Wachowicz (1985) e Iria Gomes(1986).
A terceira parte do livreto, intitulado Animados pela vitória
sobre as companhias de terra, é de autoria de Justino Rafagnin, da
Micro Regional Sindical. No primeiro tema do material, Rafagnin
apresentou 3 fases da atuação pastoral da igreja católica e luterana:
1 – A fase Missionária (até 1960); 2 – A fase da renovação da igreja
católica (das decisões do Concílio Vaticano II até 1980); e, 3 – A fase
das pastorais específicas (1980 em diante), no caso até o ano da
publicação – 1997. Para o segundo tema, o autor tratou da luta pela
terra no Sudoeste e propôs 7 momentos históricos de colonização: até
1920; de 1920 a 1957; de 1957 a 1964; de 1964 a 1970; de 1970 a 1980;
de 1980 a 1995; e, de 1995 em diante.
Para o segundo período, Rafagnin citou o confronto dos
agricultores com as companhias de terra e a vitória dos colonos: “Dos
colonos aliados aos caboclos comerciantes e profissionais liberais”
(In: DAMBROS, 1998, p. 54)227. Para o terceiro momento, conhecido
como Período da Legalização das Terras, o autor indicou outra vitória
dos colonos: “Novamente dos colonos que permaneceram. Claro que
é preciso destacar o grande trabalho desenvolvido pelo GETSOP” (In:
DAMBROS, 1998, p. 54).

227. Sobre essa vitória, Rafagnin utilizou e concordou com a abordagem de Iria Gomes (1986), pois a autora indicou a
aliança entre colonos, comerciantes e profissionais liberais, assim como a nova condição que alguns caboclos – até
então com pequenos estabelecimentos comerciais e após a leva dos migrantes colonos sulistas –, passaram a melhorar
seus negócios e se tornaram comerciantes estabilizados e politicamente influentes (cf. FERES, 1990).

255
IMAGEM 5: DAMBROS, Vanderlei (org.). 1957 – 1997: A Revolta dos Colonos.

Destaque: De Olho no passado e pés no futuro (Tema da cartilha); Logomarca dos 40 ANOS.

Para o sexto período (de 1980 a 1995), Rafagnin se referiu a


uma “Etapa de Reação e da retomada da luta pela terra propriamen-
te dita. Os excluídos da agricultura mecanizada e financeira, junto
com os filhos dos pequenos proprietários, se organizam através do
MOVIMENTO DOS SEM TERRA e iniciam o processo de ocupações de
fazendas improdutivas na região” (RAFAGNIN, In: DAMBROS, 1997,
p. 54/55). Acrescentou o autor que, nesse período, também ocorreu a
“fase do segundo grande êxodo Rural” (In: DAMBROS, p. 1997, p. 55)
para as novas frentes agrícolas no Mato Grosso e Rondônia, de mi-
grantes colonos do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná.
Com relação ao sétimo período, Justino Rafagnin avaliou
que mantinha as características da fase anterior, acrescida das
novas possibilidades do associativismo e o início de uma agricultura
alternativa com a agroquímica, para manter o homem do campo (In:
DAMBROS, 1997, p. 55).
Para finalizar o tema da luta pela terra, o autor apresentou
três tabelas com dados sobre os assentamentos e acampamentos
(nomes, número de famílias e município) no Sudoeste: 1ª) Relação

256
dos 25 assentamentos existentes; 2ª) Relação das 6 áreas onde
acontecerão assentamentos a curto prazo; e, 3ª) Relação das 6 áreas
ocupadas que poderão ser negociadas (In: DAMBROS, 1997, p. 55-57)228.
Nessas tabelas constam os seguintes municípios: Mangueirinha,
Honório Serpa, Renascença, Salgado Filho, Marmeleiro, Chopinzinho,
Clevelândia e Palmas (na tabela dos projetos de assentamentos,
que envolvem 1.284 famílias); Saudades do Iguaçu, Renascença,
Marmeleiro, Francisco Beltrão e Palmas (na tabela dos novos
assentamentos, para 371 famílias); e, Marmeleiro, Barracão, Coronel
Domingos Soares e Bituruna (na tabela das áreas ocupadas a ser
negociadas, envolvendo 716 famílias). Esses dados evidenciam que
permanecia o problema de posseiros e de latifúndios improdutivos
ou irregulares (com problemas no histórico dominial, grilados).
A parte que nos interessa é o “Box – Para Refletir”, que segue
após as tabelas, por tratar justamente da problematização da relação
presente-passado, vitórias-e-erros, relembranças-e-esquecimentos-
ou-silenciamentos e sua indicação para o debate na base.

O lema do Movimento dos Sem Terra é: ‘Ocupar, Resistir e


Produzir’. A partir desta convicção, milhares de famílias estão
ocupando terras em nosso país.
É legítimo esse movimento na busca da reforma agrária? Ou
deveríamos esperar as iniciativas do governo?
Alguns agricultores que viveram a revolta de 57 dizem sobre
as lutas atuais como a do MST que ‘... no passado era justificado
se revoltar, mas hoje não é mais preciso ...’ Que você acha dessa
opinião?
As organizações populares devem apoiar as lutas do MST? De que
forma? (RAFAGNIN, J. In: DAMBROS, 1997, p. 57, grifo nosso).229
228. Os casos de ocupação de latifúndios improdutivos, a exemplo da Fazenda Annoni (1982), em Marmeleiro, demonstra
que a regularização fundiária do Getsop não atingiu todas as áreas (propriedades) que não tinham regularização. Havia
outras práticas de grilagem e apropriação de terras devolutas no Sudoeste e mesmo nas terras da Gleba Missões e parte
da Chopim.
No Boletim Poeira, da CPT/PR, nº 11, de 1980, foi publicado o “Documento Aprovado pelos Posseiros Presentes
na Assembleia de 28 de Março em Marmeleiro – Paraná”, organizada pela CPT/PR, Assesoar, Diocese de Palmas,
pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná e
a Cooperativa Mista de Francisco Beltrão, e contou com a presença de autoridades municipais e de parlamentares. O
problema da regularização das terras ocupadas pelos posseiros foi descrita no início do documento: “Trabalhadores
rurais e dirigentes sindicais dos municípios de Marmeleiro, Francisco Beltrão, de Renascença, de Itapejara D’Oeste,
de Santo Antonio do Sudoeste e de Salgado Filho, reuniram-se no dia 28 de março de 1980 em assembléia, para
uma tomada de posição ante o problema que enfrentam, há muitos anos para a legalização das terras ocupadas hoje
por mais de 500 famílias de agricultores”. O documento também apresenta os seguintes itens: “I - Problemas”, “II –
Reivindicações” e “III – Encaminhamentos”. A primeira Reivindicação do item II era: “Que o governo determine a
imediata desapropriação das áreas das Fasendas [sic.] Perseverança, Rincão do Capetinga, São Vicente de Palma Sola,
Erexim e outras” (In: CPT/PR. Poeira. Ano III, nº 11, maio e junho de 1980. p. 5-7).
229. No Boletim Poeira, nº 11, de 1980, há a matéria “As Revoltas do Sudoeste”, na qual a CPT/PR reporta-se às
mobilizações populares que ocorreram no ano de 1957 e de 1980: “A História do Povo do Sudoeste do Paraná registra
duas revoltas muito significativas, cujos autores foram os trabalhadores do campo. / A primeira foi o movimento dos
posseiros de 1957 que assumiu o caráter de revolta contra as firmas colonizadoras ‘CITLA’ e ‘COMERCIAL’” (In:
CPT/PR. Poeira. Ano III, nº 14, novembro/dezembro 1980. p. 5).

257
Há mais de uma década do fim da Ditadura e a 25 anos
da inauguração do monumento ao Getsop, a luta pela terra e as
linguagens sobre o passado têm novos sujeitos, no chão da terra
(ocupação de latifúndios e assentamentos conquistados) e nas
relembranças, contudo, o tema da Revolta de 1957 estava relacionado
à ocupação de latifúndio e ao corte das cercas da propriedade
(improdutiva e por vezes ilegal). Todavia, as novas ocupações pela
força da multidão levantada do chão, com suas ferramentas e
instrumentos de trabalho na terra foram colocadas ao debate, bem
como as formas de apoio e solidariedade.
A logomarca dos 40 Anos, possivelmente confeccionada
para a cartilha, possui simbologia para o ano de 1957 (de olho no
passado), para o ano de 1997 (realidade do homem do campo e a
luta pela terra, no então hoje) e para as ações a serem realizadas
(pés no futuro). Quanto às figuras da mão, da espingarda e da flor
presente na logomarca, apontamos dois aspectos relevantes acerca
da representação do passado no presente: 1º) Nos anos anteriores
a 1997, os conflitos do campo não correspondiam à pacificação da
regularização do título de propriedade da terra que o Getsop havia
afirmado. Portanto, a espingarda do passado permaneceu no registro
de passagem dos 40 Anos que a Assesoar demarcou; e, 2º) A flor no
cano da espingarda também atualizava as formas e as ferramentas
de luta que as multidões levantadas nas ruas e nos acampamentos,
contra as injustiças (inclusos nelas os latifúndios improdutivos e
grilados), as quais podiam transformar – pela organização política,
ampliando a coisa pública (ARENDT, 1998), e pela luta coletiva – e
construir novos direitos na rua e na terra.

Ao tratarem da segunda revolta do Sudoeste, a Revolta dos Suinocultores, contras as NPRs e as falências dos
frigoríficos, essa tradição, da história passada do povo do Sudoeste, referente ao levante com uso de armas, havia sido
referenciada em relação ao contexto da segunda revolta, conforme exposto no artigo incluído no Poeira, que tratou do
Fato do Mês: “Vinte e três anos depois, em 1980, o Sudoeste do Paraná é palco de mais uma revolta: A REVOLTA
DOS SUINOCULTORES. / Em 1957 os posseiros se valeram das armas (espingardas, taquaris, revólveres, etc.) para
garantirem seus direitos à terra. Agora, os suinocultores, firmados na convicção de que através do DIÁLOGO é possível
o encaminhamento das medidas indispensáveis à solução dos problemas, valerem-se de outros meios para chegarem
aos objetivos traçados” (CPT/PR. Poeira. Ano III, nº 14, novembro/dezembro 1980. p. 6).
Mesmo não sendo a Revolta dos Suinocultores um caso de luta pela terra, mas, sim, de uma luta por justiça e trabalho,
no caso, do direito à renda da produção agrícola (na cadeia produtiva de suínos) aos agricultores/colonos, nem de estar
vinculada aos novos movimentos sociais do campo que reivindicavam a reforma agrária, a aproximação da revolta
do Movimento Justiça e Trabalho (MJT), com a Revolta de 1957 e o uso das armas no passado, denota um sentido à
construção de uma tradição ao Povo do Sudoeste. Porém, naquele presente, 23 anos depois, ao invés de se valerem
das armas (espingardas, taquaris, revólver, etc.), a principal força de pressão era a multidão na rua (assembleias e
concentração) e os bloqueios de estradas (pontes e portões dos frigoríficos), que obrigaria as autoridades a abrirem o
“diálogo” com os agricultores/MJT.

258
Essa simbologia, porém, relembrava e atualizava outra
canção e outra prática de resistência contra os poderosos na
Ditadura, os poderes instituídos e a força dos canhões (da ordem
e do progresso) – “Para Não Dizer Que Não Falei Das Flores”,
de Geraldo Vandré – censurada e proibida pela Ditadura, mas
memorizada pela multidão.
Por fim, na folha de rosto da cartilha da Assesoar, consta
uma imagem de um Monumento dos 40 anos em Francisco Beltrão e
uma epígrafe que reproduzimos a seguir.

IMAGEM 6: Monumento dos 40 anos [da Revolta dos Colonos – 1957/1997]

Fonte: In: DAMBROS, Vanderlei e outros. 1957 – 1997: A Revolta dos Colonos.
Obs.: Sobre esse monumento, não constam mais informações e, para esta pesquisa, não tivemos
condições de tratar sobre esse lugar de memória, nem localizar onde foi edificado e suas condições
atuais, ou se não passou de um projeto.

Epígrafe [sem referência]:


“... a mão que semeava na lavoura, é a mesma que empunha
foices, enchadas [sic.] e armas, e marchava sobre a cidade para
conquistar seus objetivos através do conjunto do povo ... os do
campo e os da cidade.”

259
6.3 – O Movimento do Cinquentenário: comemorações e
narrações sobre o passado
Os registros da passagem do Cinquentenário, completados
em outubro de 2007, tiveram grande repercussão e adquiriram
força simbólica à altura das Bodas de Ouro. Primeiramente, as
festividades foram programadas com antecedência e o volume
dos materiais de divulgação, assim como de fontes (cartilhas,
livros, cartazes, selo comemorativo, etc.), recursos de linguagens
(teatro, fotografias, vídeos documentários, entrevistas e lugares
de memórias), investimentos de agências (governos municipais,
do Estado do Paraná e do governo federal), agentes e atores sociais
envolvidos (governantes, estudiosos, equipe dos governos locais
e entidades da sociedade civil) e de homenagens e homenageados
(monumentos, líderes herdeiros e colonos protagonistas do levante
de 1957), corresponderam à tradição desse tipo de comemoração
jubilar. Junto a isto, as atualizações e repetições do mito de
origem/fundante da identidade da região e do homem sudoestino
resignificaram o passado e recriaram uma relação presente-passado
(cf. CHESNEAUX, 1995).
O projeto 50 Anos – Revolta dos Posseiros 1957 – 2007: resgatar
o passado de lutas para valorizar a liberdade do presente, teve amplitude
regional (municípios do Sudoeste) e estadual (apoio cultural do
governo do Estado do Paraná), com programação articuladas em
todos os municípios e eventos intermunicipais. Eventos e atos
realizados em cada municipalidade contaram com a presença
de lideranças políticas atuais (prefeitos, deputados estaduais e
federais, etc.), de entidades (governamentais e empresariais) e
de personalidades porta-vozes herdeiros da representação dos
levantados do chão de 1957 (Ivo Thomazoni e Jácomo Trento, o Porto
Alegre; Walter Pécoits havia falecido em fins de junho de 2004) e de
estudiosos e memorialistas (Hermógenes Lazier e Ivo Pegoraro).
Dentre o conjunto de fontes desse mar de documentos e
materiais do Cinquentenário, destacamos à reflexão: a fotografia
oficial, a logomarca comemorativa, o Monumento do Cinquentenário
edificado em Francisco Beltrão, a cartilha de Ivo Thomazoni e a peça
teatral, de Ivo Pegoraro.

260
FOTO 12: Fotografia Oficial do Cinquentenário da Revolta dos Posseiros
1957 – 2007

Autor: Osvaldo Jansen - fotógrafo do jornal O Estado do Paraná / Tribuna do Paraná, que esteve
no Sudoeste para fazer a cobertura do Levante de Outubro de 1957 (cf. KRÜGER, 2004, p. 212-213 –
Bloco: Revolta dos Colonos repercute na imprensa, que contém 16 páginas com reprodução digital
de matérias da época).

Edvino Knäsel Vorpagel (2008a e 2008b) apresentou a foto-


grafia oficial dos 50 Anos da Revolta dos Posseiros, utilizada em vários
materiais de divulgação230. Em seu estudo sobre a Revolta dos Possei-
ros no Sudoeste do Paraná – 1957 (vinculado ao Programa de Desen-
volvimento da Educação, da SEED/PR), Vorpagel citou a autoria da
fotografia, Osvaldo Jansen, e fez uma descrição da cena que Jansen
enquadrou nessa imagem.

Foto famosa que tornou-se um símbolo de identificação da


Revolta dos Posseiros. Gaúchos e catarinenses, descendentes
de alemães e italianos, obtiveram no sudoeste do Paraná
a titulação de suas posses, depois de grave conflito que
repercutiu até no exterior. Na imagem central, Olívio Giusti
segurando a Bandeira e, debaixo dela, José Santolin. Esses
não foram os principais líderes da Revolta, mas simbolizam
aqueles milhares de colonos posseiros que, unidos e
engajados, derrotaram o poder econômico pela sua luta
(VORPAGEL, 2008a, p. 13).

230. Infelizmente não tivemos acesso à documentação ou fontes que tratam da seleção dessa fotografia para ser utilizada
como imagem oficial do cinquentenário.

261
A partir da contextualização que Vorpagel (professor de
História, da Rede Estadual de Ensino do Paraná – Núcleo Regional
de Maringá) introduziu acerca da fotografia oficializada, cabe
acrescentar outros aspectos relacionados à própria fama que essa
fotografia adquiriu a partir da oficialidade do cinquentenário,
referentes aos conflitos agrários – “O drama dos retirantes do Sul”
e “Os sangrentos acontecimentos que conturbaram o Sudoeste” (In:
KRÜGER, 2004) –, e às imagens registradas pelo olhar do fotógrafo
Jansen, nas lentes da máquina fotográfica¸ durante o levante de
outubro de 1957.
Quanto ao fotógrafo, essa imagem não alterou o vínculo já
estabelecido entre suas imagens e a história dos conflitos de terra
ocorridos no Sudoeste paranaense. Entretanto, dentre as inúmeras
fotografias de Osvaldo Jansen, a preservação e divulgação do
acervo fotográfico disponível no Município de Francisco Beltrão –
Departamento de Cultura / Memorial (cf. Iria Gomes, 1986; Éverly
Pegoraro, 2008a e 2008b), a partir da oficialidade do cinquentenário,
essa imagem passou a ser a marca do fotógrafo Osvaldo Jansen para
a comemoração dos 50 Anos.
Quanto à imagem da fotografia oficializada, dentre os
colonos que Jansen fotografou naquele enquadramento, dois
nomes passaram a ser destacados: Olívio Giusti, que estava
segurando a bandeira, e José Santolin, que estava segurando, com
a mão direita, uma espingarda 16, encostada no ombro direito.
Além deles, também foram citados os nomes de Luis Lorenazeti e
Nelson Meca que constam na fotografia (ZATTA e RIPPEL, 2013, p.
56). Em seu artigo, Edvino Vorpagel contextualizou que esses dois
colonos não foram os principais líderes do movimento e do levante
de 1957, todavia, passaram a ser famosos a partir da seleção e
divulgação da fotografia oficial dos 50 Anos. Ronaldo Zatta e
Leomar Rippel (2013) inter-relacionaram o uso dessa fotografia
como símbolo do movimento social de 1957 e a construção
dos pioneiros da revolta dos posseiros de 1957, no entanto, a
problematização a ser feita não diz respeito ao enquadramento da
imagem realizada no mês de outubro de 1957, mas, sim, à seleção
de uma fotografia para as oficialidades dos 50 Anos. Trata-se,
portanto, de relacionar a rememoração e a reescrita da história

262
para o cinquentenário, comemorado em 2007. Bem mais do que
a foto, independentemente dos recursos de edição e editoração
de uma imagem, como indicou Peter Burker (2004), a história da
foto e o histórico do seu uso em períodos e momentos posteriores
por outros sujeitos sociais, para registros e escritas do e sobre
o passado, devem nortear a reflexão e a análise da fotografia,
enquanto fonte (a foto) e parte da historiografia (escrita acerca
da foto e a partir da foto, pelos respectivos autores).
Diferentemente da maioria das imagens reproduzidas
de fotografias de época do movimento de 1957 e dos levantados
do chão em armas, ocupando as cidades do Sudoeste (cf. Fotos nos
3, 4, 5, 7 e 8), tão presentes na visão do cenário da multidão na
rua e do revestimento da avenida pública com os papéis brancos
dos contratos e das promissórias (rasgados, pisados e cuspidos),
a fotografia oficial das Bodas de Ouro 2007-1957, possui outro
enquadramento e aqueles que fizeram a seleção optaram
por utilizá-la para representar o passado nas festividades do
cinquentenário. A foto oficial apresenta muito mais uma cena
no levante do que um cenário da ocupação das cidades e do
movimento de 1957.
A força simbólica do enquadramento de uma imagem
de uma cena registrada em 1957, fez com que essa foto fosse
selecionada para representar, no presente, o que os selecionadores
quiseram destacar para representar o passado e o que relembrar
sobre o passado. Dado o caráter oficial da escolha da imagem e do
lugar social e posição oficial daqueles que optaram por indicar uma
imagem a ser utilizada no projeto institucional do cinquentenário –
Resgatar o passado de lutas para valorizar a liberdade do presente (com
a participação dos governos municipais e estadual, como agências
e os seus agentes centrais aos 50 Anos), sua projeção passou a ter
novo conteúdo com o Jubileu de Ouro. O olhar institucionalizado das
agências e dos agentes – interagindo com as dimensões do público
(res publica) e do pessoal (individual e coletivo); das instituições da
sociedade civil organizada; do político-cultural e ideológico, dentro
e fora do Estado –, e seus projetos sociais (no presente, e, olhar
para o passado com os pés no futuro), mediaram para a escolha da

263
imagem que melhor se enquadrava para as bodas douradas, suas
festividades e comemorações.
Do ponto de vista das figuras registradas no instantâneo
da cena, com um enquadramento horizontal (o olho do fotógrafo
e a máquina/lente fotográfica está na mesma altura das pessoas
fotografadas) podemos indicar: 10 pessoas (colonos e posseiros), 3
espingardas, 1 bandeira do Brasil, 1 faca ou punhal e 1 guarda-chuva
(vide Fotos 3, 4, 5, 7 e 8).
Na imagem, a relação do ângulo horizontal e das linhas
entre a visão de Osvaldo Jansen e das dez pessoas fotografadas,
apenas a bandeira do Brasil fica numa posição, em perspectiva real,
acima das 11 pessoas (os 10 fotografados mais o fotógrafo Jansen).
Tal como um instrumento ou ferramenta de luta e sua simbologia,
a bandeira e as armas estão presentes. Nessa cena, diferentemente
dos cenários e enquadramentos das fotos 3, 4 e 7, os colonos/
posseiros não estão empunhando espingardas, revolveres, foices,
facões, facas, placas das companhias ou rasgando e pisando nos
contratos e promissórias (Foto 2), nem derrubando um monumento
do/ao passado (Fotos 5 e 8). Se compararmos as fotos 12, 3 e 4, as
cenas e cenários têm semelhanças e diferenças. Ambas têm 1
bandeira, com a diferença no aspecto da sua disposição em relação
às pessoas (sua altura, devido ao tamanho do material de suporte).
Nas fotos 3 e 12, a bandeira tem a mesma forma, apesar do corte da
ponta do suporte, resultante do enquadramento feito por Osvaldo
Jansen e os dispositivos da lente (foco e amplitude).

264
Detalhe da Foto 12

Recorte no ângulo horizontal.


Legendas: (1) Espingardas: 3 unid. – 1(a), 1(b) e 1(c). (2) Revólver: 1 unid. (na cintura de Olívio
Giusti). (3) Faca [punhal]: 1 unid. (na cintura de José Santolin). (4) Bandeira do Brasil: 1 und. (5)
Guarda-chuva: 1 und.

Nas três fotos, o tipo de suporte (mastro) e acabamento


da bandeira (bola e ponta de lança) indica sua origem e o uso de
algum órgão ou estabelecimento público. Com relação aos aspectos
fisionômicos e estéticos das pessoas, as diferenças são visíveis, porém
isso não compromete o conteúdo das fotografias. Visualmente,
a imagem da foto 12 provoca mais impressão pela proximidade
e disposição geral das pessoas (faces, vestiários, etc.); aparenta
mais um perfil de pose e figurino para a foto, do que a explosão e
demonstração de força, resistência e vitória da multidão. Todavia,
também esse olhar estético tem conteúdo histórico-social e a leitura
de uma possível preparação (pose) do fotógrafo, dos fotografados e
dos objetos tenha consistência, porém seria tão somente mais uma
dentre as centenas de cenários, de cenas e de poses fotografadas por
Jansen que registraram os vários sujeitos, momentos e instantes dos
levantados do chão em armas (cf. ZATTA e RIPPEL, 2013).
De qualquer forma, a posição das pessoas em relação
às ferramentas e instrumentos de luta e de trabalho, na foto 12,
diferencia-a das fotos 3, 4 e 7. Na imagem da foto oficial dos 50
Anos, as armas de fogo – 3 espingardas – estão sendo seguradas e
não empunhadas. Essa gestualidade, em 1957, não “revolucionária”,
também não “amenizaria” os rumos dos fatos, porém, em 2007,
diante de um passado conhecido (mais antigo ou mais recente) e de
um presente vivenciado, diante das mesmas centenas de fotografias

265
que registraram, no passado, sujeitos, movimento, momentos e
instantes, a escolha foi seletiva.
Por fim, na imagem da fotografia oficial, a posição da
bandeira do Brasil ocupa o centro da cena e da foto, mesmo em
preto e branco e, mesmo que o destaque da bandeira nacional,
nesse enquadramento, é diferente ao das fotos 3 e 4. Na mesma
imagem, as armas de fogo estão em posição de descansar armas
(no ombro) – para utilizar a linguagem da disciplina militar e
da ordem de comando superior –, diferentemente da posição de
preparar armas, de apontar armas e de disparar, fogo231. Cabe
recolocar que, à época, a formação militar dos jovens soldados do
Exército era planejada e programada para o combate em guerra,
sendo esta a honra e a glória ao patriotismo: “Verás que um filho
teu não foge à luta, Nem teme, quem te adora, a própria morte”
(Hino Nacional). O caso do Tigrinho e da relação de seu ato com
o uso da bandeira do Brasil instiga a revisão dessa historicidade
naquele período.
Para além desses aspectos pedagógicos da fotografia
oficializada para o Movimento do Cinquentenário, a partir de um
levantamento sobre o acervo de fotografias que Osvaldo Jansen
produziu no ano de 1957, durante sua estada no Sudoeste do Paraná
para realizar o trabalho de fotojornalismo ao jornal O Estado
do Paraná/Tribuna do Paraná, e sobre outras publicações que
utilizaram fotografias de Jansen para abordar a Revolta de 1957,
foram encontradas duas outras fotografias que Osvaldo tirou da
mesma cena, porém com algumas variações do enquadramento e
das pessoas fotografadas. O fato de haver três fotos semelhantes
que registraram uma cena, a princípio, evidencia que Osvaldo
Jansen fez inúmeros registros da revolta e, enquanto profissional,
tinha experiência e um “olho bom” para a produção de imagem
para o fotojornalismo. Numa perspectiva comparada, a foto
selecionada para o cinquentenário, possui elementos estéticos
de posse e arranjo (enquadramento dos fotografados, da câmara
231. Para o aspecto da leitura da imagem da fotografia de Osvaldo Jansen, de 1957, existe uma referência que Augusto Roa
Bastos (2002; cf. também 1977) utilizou para, num artigo literário, tratar das questões da linguagem da tradução e da
linguagem da pintura, referindo-se aos diálogos dos personagens figurados de Cándido Lopez (pintor) e Bartolomé
Mitre (general e tradutor da obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri, para o espanhol), durante a grande guerra
(guerra contra o Paraguai), ocorrida entre 1864/1870. Em linguagem literária, Roa Bastos foi provocativo, pois
tanto o pintor pode criar na tela uma cena diferente do quadro que observa para registrar, quanto o tradutor pode
trair a si e ao autor original, dependendo das palavras que usa em sua língua para traduzir uma obra de outro, escrita
originariamente em outra língua nacional.

266
fotográfica e do fotógrafo). Todavia, a seleção e os selecionadores
da imagem oficial do jubileu de ouro não tiveram essa trilogia
do enquadramento e das imagens (3 fotos) como base para a
seletividade, tampouco Osvaldo Jansen teve uma grande ideia,
para a posteridade, ao produzir 3 fotografias em 3 quadros de
uma cena em meio à multidão. Divagar mais nessa seara é dar
imaginação ao anacronismo.
Porém, acrescentar as duas outras fotografias da mes-
ma cena contribui para uma reflexão sobre o uso da imagem ofi-
cial. Essa escolha tem relação com o sentido que os idealizadores
do movimento pretenderam dar ao passado (1957), no presente
do cinquentenário (2007). Nesse sentido, a autoria da fotografia
selecionada, a época do registro (outubro de 1957) e a produção
do enquadramento não podem ser confundidas com a história
do uso da foto para as comemorações do 50º Aniversário da Re-
volta de 1957, pois, para o projeto do cinquentenário 1957 – 2007,
os novos autores da efeméride re-produziram a própria imagem
oficializada, seja do ponto de vista estético (editoração da ima-
gem da fotografia de Osvaldo Jansen), propagandístico (publica-
ções e circulação nos meios de comunicação, impressos e publi-
cações), em eventos e lugares de memória e dos novos sentidos
e sentimentos selecionados para registrar as comemorações e
festividades, além, é claro, de resignificar o passado no presen-
te. Nesses entremeios, também houve silenciamentos e esqueci-
mentos. Por sua vez, essa foto/imagem, ao ser selecionada, pas-
sou a ter esse duplo sentido.
A logomarca comemorativa do cinquentenário da Revolta dos
Posseiros 1957 – 2007, criada em Francisco Beltrão, foi tornada oficial
por meio de um concurso público promovido pela municipalidade
e organizado pelo Departamento de Cultura. Pela importância do
tema e do momento para registrar, é possível imaginar a mobilização
da opinião pública sobre o concurso e o projeto comemorativo das
Bodas de Ouro.

267
FOTO 13: Fotografia de Osvaldo Jansen(1957)

Fonte: http://filmearevolta.blogspot.com.br/

IMAGEM 7: Fotografia de Osvaldo Jansen (1957)

Fonte: Capa da cartinha Ocupação do Paraná, publicada pelo Centro de Estudos Migratórios
(WESTPHALEN, Cecília Maria e outros. “Nota prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná
moderno” In: CENTRO DE ESTUDOS MIGRATÓRIOS. Ocupação do Paraná. São Paulo: AGEN, 1988.
(Série Cadernos de Migração, 3) 45 p. [Republicação na íntegra do Boletim nº 7, do Departamento
de História da Universidade Federal do Paraná, de setembro de 1968]. Obs.: Essa foto, da Imagem 7,
foi utilizada para a capa do livro de Iria Zanoni Gomes (1986), porém com recursos de editoração.

268
Edvino Vorpagel tratou dessa iniciativa do Departamento de
Cultura e dos dados sobre a autoria da logomarca e da imagem criada.

Logomarca vencedora do concurso realizado pelo Departamento


de Cultural da Prefeitura de Francisco Beltrão em 2006. A
imagem ilustra os personagens da Revolta e a cidade atual.
Lançada na abertura das comemorações dos 50 anos da Revolta
dos Posseiros em 2007. Criação: Marcos Chiapetti. Fonte:
Caderno Cultural. Prefeitura de Francisco Beltrão (VORPAGEL,
2008a, p. 1)232.

A criatividade que Marcos Chiapetti teve na confecção e


construção da logomarca dos 50 Anos resultou na própria escolha,
aprovação e oficialização da sua ideia. Justamente por ter sido
produto de um concurso público para o Projeto dos e aos 50 Anos,
idealizado para o município de Francisco Beltrão, ao ser concluído
o procedimento da escolha, a logomarca continuou com a autoria
de Chiapetti, porém ao uso da municipalidade e de domínio público.
Passou pelo crivo do concurso público e se tornou uma logomarca
pública, oficial ao Município, e divulgada nos materiais que
registraram o cinquentenário.
De certo modo, a Logomarca dos 50 Anos da Revolta dos
Posseiros apresenta elementos semelhantes à publicação das bodas
de prata de Francisco Beltrão, de Hermógenes Lazier (1980), pois
reúne temas da história do município e da revolta de 1957: presente
e passado estão entrelaçados.
Enquanto Lazier reuniu o pioneirismo com a luta pela terra
e a regularização fundiária, Marcos Chiapetti amalgamou, numa
aliança, imagens do passado/revolta e do presente/centro da cidade
de Beltrão. Além disso, em primeiro plano, a logomarca centraliza, em
figuras e símbolos, as Bodas de Ouro: a aliança dos 50 Anos.

232. Com relação à divulgação do Concurso da Logomarca, da autoria e da circulação da imagem selecionada, a pesquisa
realizada e as fontes consultadas não trazem maiores informações. Somente com um levantamento junto ao acervo
do Departamento de Cultura do município de Francisco Beltrão será possível dimensionar a amplitude do Projeto
do Cinquentenário. Considerando que o concurso da logomarca foi realizado no ano de 2006 e a abertura das
comemorações foi realizada em 2007, além do fato de a ocupação da cidade e a expulsão das companhias terem
sido realizadas no dia 10 de outubro, o projeto das Bodas de Ouro e o conjunto de ações, publicações e produções
foram grandes e sem medida, em relação às marcações de passagem de calendários anteriores sobre a Revolta de
1957. À época do planejamento do cinquentenário, Tânia Maria Penso Ghedin era a diretora do Departamento de
Cultura, do Município. O prefeito municipal era Vilmar Cordasso, do Partido Progressista (PP), que exerceu dois
mandatos, entre 2001 a 2008. Hermógenes Lazier, Ivo Pegoraro, Badger Vicari e José Antônio Rezzardi também
tiveram participação no planejamento, preparação e realização dos atos, eventos, produções e divulgação do projeto.
Em Pato Branco, o prefeito municipal era o Roberto Viganó, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), cf.: Tiago
Arcanjo Orben (2014, p. 69).

269
IMAGEM 8: Logomarca dos 50 Anos da Revolta dos Posseiros. 2006

Fonte: In: Edvino VORPAGEL (2008a, p. 1).

A força simbólica da aliança que circunda as imagens


dispostas em seu interior (contornos de uma fotografia do levante de
1957 – a foto oficializada – e de uma paisagem imaginada do centro
urbano, também em traços dos contornos de lugares e edificações
atuais de importância para a cidade de Francisco Beltrão), funde
passado e presente, identificados com a sobreposição e a junção
dentro da circunferência do anel dos 50 Anos da Revolta Dos Posseiros
– O levante de um povo, que há cinquenta anos conquistou o sudoeste.
Os recursos gráficos e visuais, somados à representação
das cores utilizadas em cada figura e o jogo de imagens, impactam
de imediato o observador. Enquanto a aliança/anel que circunda
o passado e o presente – o ato fundante do levante de um povo em
1957, e do marco da comemoração, da cidade em 2007, o chão/terra e
trabalho e o ceú/fé, da conquista do Sudoeste –, tem a cor vermelha,
do sangue derramado nas lutas, o chão do tempo presente foi riscado
com um traço em formato convexo, no formato da esfericidade
do planeta Terra, para sustentar passado/presente, na mesma
tonalidade dourada daquele tempo presente que simbolizava os 50
Anos (o dourado vem do passado e aponta para o futuro). Pelo formato
da logomarca, a tradição cotidiana do Jubileu de Ouro, cultivada,
ritualizada, comemorada e festejada, no âmbito do matrimônio

270
das igrejas cristãs, está registrada na posição habitual na e da
aliança e no bolo da festa, que deve ser compartilhado com e entre
todos os convidados. Proporcionalmente, o número dos anos, o 50º
aniversário, é maior do que o fato de origem (nascimento: Revolta de
1957) e corresponde ao presente: Beltrão em 2007, pois a cor dourada
foi utilizada para a demarcação da terra (o chão do Sudoeste), do
tempo (1957 – 2007) dos 50 anos e da cartografia urbana do centro da
cidade, com traços de lugares de memórias e de turismo e comércio.
O efeito estético da cor preta para o espaço das figuras
(pessoas e bandeira do Brasil) da fotografia utilizada para registrar
o passado, contrasta com o dourado das imagens dos 50 Anos e do
presente, ofuscando o próprio passado. Essa logomarca redefine o
passado: a cidade (centro urbano) predomina em relação ao meio
rural, no hoje e no ontem (AMÂNCIO, 2009). Assim, a revolta foi dos
posseiros e não dos colonos.
Logomarca dos 50 Anos: imagens do passado.

Reinventando uma imagem: Desarmando o passado de 1957 no cinquentenário.


Imagem original: Foto de Osvaldo Jansen, 1957.

Além desses aspectos da construção da logomarca do


aniversário de 50 Anos, na inventividade da criação dessa fonte
imagética, o autor lapidou a fotografia selecionada (uma imagem
elaborada da foto de Jansen) e inserida no selo para as Bodas de
Ouro, como também editou um cenário da cidade e do centro
urbano de Beltrão.
Para representar os posseiros de antigamente, os nascidos
do levante de outubro de 1957, Marcos Chiapetti retirou as imagens/

271
figuras das 3 espingardas da fotografia de Osvaldo Jansen. Como das
três armas de fogo que os posseiros usavam em 1957, a mais visível
era a espingarda que José Santolin segurava no ombro, com o cano
abaixo da bandeira, na cena da logomarca, as pessoas e a foto foram
desarmadas, permanecendo, com isso, os 10 posseiros e a Bandeira
do Brasil no registro sobre o passado.
Se anteriormente o posicionamento dos posseiros
em armas era a de descansar ou havia dubiedade sobre o
enquadramento da cena da foto, com a nova versão na logomarca
oficial dos 50 Anos, divulgada a partir do ato de abertura das
comemorações durante o cinquentenário (resgatar o passado de
lutas, para valorizar a liberdade do presente), aqueles 10 posseiros
passaram a estar desarmados (no passado e no presente), porém
permaneceram com a bandeira nacional. Numa linguagem da
disciplina nas casernas, ajeitou-se para eles abandonarem as
armas de fogo e empunharem a bandeira.
A seleção dessa foto de Osvaldo Jansen e seu uso às/
nas comemorações do Jubileu de Ouro também fortaleceu a nova
visão sobre a ordem e o patriotismo no passado, mas, sobretudo
para o presente (2007), haja vista que, através da “manipulação da
imagem” e dos recursos gráficos de editoração, as espingardas – que
a grande maioria dos colonos e moradores da cidade tinha, enquanto
ferramenta para à sua proteção, para a caça e também para a luta e
a defesa própria contra a grilagem que as empresas Citla, Comercial
e Apucarana realizavam, com o beneplácito do governo de Moysés
Lupion – desapareceram na/da história, em 1957 e em 2007.
Ronaldo Zatta e Leomar Rippel, no artigo A eleição de
“heróis” pioneiros na revolta dos posseiros de 1957 no sudoeste
do Paraná, abordam o uso dessa fotografia e sugerem uma
problematização: a cena dessa foto foi produzida por Osvaldo
Jansen e os protagonistas fotografados, por tratar-se de uma
pose233. Zatta e Rippel (2013) não avançaram na análise desses
elementos (pose, ajuste do figurino e enquadramento da cena),
nem problematizaram a história da foto e o seu uso na história,
233. “Outra questão dúbia sobre a Revolta, aponta para um dos símbolos que a define como movimento social, trata-se da
foto que segue na imagem 6 [do artigo, é a foto oficial dos 50 Anos]. Ela teria sido supostamente produzida em 10 de
outubro de 1957, retratando os posseiros ostentando a bandeira do Brasil no ombro em pleno fervor do acontecimento.
A foto se tornou um emblema do movimento social, sendo amplamente divulgada em todo o território nacional. Relatos
não oficiais afirmam que tal fotografia não fora produzida em plena revolta, mas sim, elaborada dias após o conflito,
com sujeitos barbeados e limpos, para que assim fosse lembrado” (ZATTA e RIPPEL, 2013, p. 55).

272
haja vista que só se tornou referência a partir da sua oficialização
no e para o Movimento do Cinquentenário (BURKE, 2004).
Aceitaram, simplesmente, que seu uso para 2007 fosse porta-voz
da luta pela terra.
Sobre a produção da cena, com seus atores/figurantes
e a análise do enquadramento do olhar do fotógrafo ou do(s)
interessado(s) na seleção dessa foto, uma possibilidade para
evitar ditos e não ditos, invenções e reinvenções, produzidas e
reproduzidas no campo acadêmico, na historiografia e na memória
social, reeditada a partir do movimento do cinquentenário (2007-
1957), seria a de buscar informações diretas com aqueles que
constam nesta fonte (os atores da cena e do registro deste fotolito
revelado, convertido em fotografia reproduzida, divulgada ou
incluída em acervo de imagem que chegou às mãos e aos olhos de
quem ou daqueles que a selecionaram para os 50º Aniversário).
Todavia, mesmo que haja dubiedade em relação à origem e
finalidade da foto, conforme Zatta e Rippel (2013) indicaram, bem
como os usos e abusos que foram produzidos com essa imagem/
fotografia, a relação que os autores fizeram entre a fotografia (cena
e cenário) e sua simbologia/emblema para o movimento da revolta
no pós 10 de outubro de 1957, estão superdimensionados. Mesmo
sendo divulgada anteriormente, nesta versão só teve sentido e
obteve popularidade no Jubileu de Ouro.
A história da fotografia e do seu uso não pode ser
confundida com a ontologia do processo histórico no passado
e no presente. Durante o movimento do cinquentenário essa
fotografia passou a ter outra relação com a visão sobre o passado.
Essa fotografia de Osvaldo Jansen não teve a importância
que Zatta e Rippel (2013) atribuíram a mesma para períodos
anteriores. Acrescenta-se a isso o fato de que, com a editoração da
imagem da fotografia oficializada, foi produzida uma nova versão
da fotografia de Jansen, uma nova fonte em suas mais diversas
materializações (imagem, monumento, selo, símbolo, etc.). Trata-
se, portanto, de uma nova fonte e de outro aspecto da sua história.
A pacificação e o desarmamento do passado, construído a
partir do movimento do jubileu de ouro, não foi a primeira edição
do abrandamento do movimento de luta pela terra ocorrido no

273
Sudoeste, durante o período de 1951 a 1957, em contraposição à
grilagem do bloco Citla, Apucarana, Comercial e governo Lupion.
A tranquilidade e a paz social foram elementos centrais da ação
do Getsop e no registro à sua homenagem, no Monumento de
1972, como indicado anteriormente.

Espingardas: 5 unidades
(1-a, 1-b, 1-c, 1-d e 1-e)
Revólveres: 3 unidades
(2-a, 2-b e 2-c)
Punhal (1),
Guarda-chuva (1) e
Bandeira (1)

Tratando-se da pacificação e do desarmamento, a


fotografia oficial do cinquentenário diferencia-se das outras
2 fotos (Foto 13 e Imagem 7, também conhecidas) que Osvaldo
Jansen registrou da mesma cena em meio à multidão em armas,
nos levantes ocorridos no ano de 1957.
Além do posicionamento da bandeira nacional que Olívio
Giusti segurava com a mão esquerda e numa posição mais baixa
em relação às pessoas e às armas, nesse enquadramento da cena,
além da centralidade das pessoas (não da bandeira nacional), há
bem mais armas de fogo do que na cena da foto oficializada. Estão
visíveis pela imagem gravada em fotografia, 5 (cinco) espingardas,
com destaque àquela que José Santolin segurava, e 3 revólveres,
sendo que um deles estava na cintura de Olívio Giusti.
Outros aspectos da recriação de sentidos na relação
presente-passado incluída na Logomarca dos 50 Anos para as
comemorações em Francisco Beltrão reúnem imagens do passado
com paisagem e locais de turismo em Beltrão, no presente.

274
FOTO 14: Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória, com a nova torre.
Enquadramento: Praça Suplicy, em ângulo com o Monumento ao Getsop

Detalhe: Um centro urbano inventado: turismo e fé.


Enquanto a torre da Igreja Matriz, no centro da
cidade é a obra/edificação mais alta da cidade (100
metros), o Morro do Calvário, onde há uma estátua
do Cristo Redentor, está localizado na área da
antiga Cango, e a sede da Assesoar está localizada
no mesmo lado da avenida, porém antes do morro
ou ao pé do morro. A paisagem do centro inserida
na logomarca reúne história, arquitetura urbana,
turismo e fé. Os altos edifícios, em 2006/2007,
também não tinham estes contornos de uma Beltrão
metrópole.

Fonte: Autor – Data: 01/08/2011.

A interatividade das figuras incluídas nas imagens dentro


do círculo da aliança, renovada nos 50 Anos, o passado e o presente
recolocam o sentido que àquele tempo inicial, da contagem dos anos
para esta modalidade de comemoração e festejos (nas passagens
de calendários mais marcantes: 1 ano, 10 anos, 25 anos, 50 anos,
100 anos, ...) teve em 2007. Não somente os aspectos produtivos
e comerciais existentes ou localizados no perímetro urbano e a
seletividade que as áreas centrais estabelecem pelo mercado, pela
capacidade de investimento e de planejamento que o poder público
local tem, pela importância da fé na vida comunitária e suas relações
fundantes com a própria Vila Marrecas e pela predominância dos
serviços (bancários e de lojistas), o cenário do centro urbano de
Francisco Beltrão está apresentado na logomarca como um cartão
postal, um espelho que reflete a importância que a cidade de Beltrão
tinha, enquanto polo urbano-industrial e de serviços no Sudoeste
do Paraná, pois se tratava do município com o maior número de
habitantes. A cidade de Francisco Beltrão está apresentada como
sendo a metrópole e a capital do Sudoeste do Paraná.
Além disso, o cenário turístico-religioso (torre da Igreja
Matriz e o Cristo Redentor do Morro do Calvário) afirmava, no cartão

275
postal, a mesma perspectiva que Nivaldo Krüger pincelou em sua
obra: a bravura, o trabalho e a fé; ou do Último Dia de Marrecas e a
figura do Frei Deodato, de Ivo Pegoraro (2000).
Do ponto de vista socioeconômico e demográfico, a
cidade e o centro da cidade, em 2007, tinham uma realidade
completamente diferente dos tempos antigos (Cango e companhias
imobiliárias de terras); dos tempos do Getsop e da regularização
das terras da gleba Missões, no período da Ditadura; e dos tempos
da Nova República e da última década do século XX. Em 2007, a
pacificação da terra não era mais problema nem questão social
(conflito agrário eminente), todavia, diante dos novos personagens
e das novas lutas pela terra, os novos despossuídos de uma terra
para morar e trabalhar, dentre os quais havia filhos e netos
dos levantados do chão em armas de 1957, o desarmamento do
passado não deixou de ser uma versão da regulação dos caminhos
de acesso ao trabalho, à moradia e à terra no contexto atual.
Nos 40 Anos da Revolta dos Colonos, a Assesoar recolocou em
debate a questão agrária no Sudoeste paranaense: para relembrar,
não esquecer, aprender, refletir e fazer. A força da multidão na rua,
com suas ferramentas e instrumentos na luta por terra de trabalho e
por justiça social permanecia vivo e atual (na memória e na prática)
no texto da cartinha e na vida.
Em outra medida, desarmando os levantados do chão e
mantendo a bandeira nacional, pode-se representar uma delimitação
das lutas e dos lugares de mobilização aos despossuídos e sem terra
ao campo institucional do Estado e da sociedade civil organizada,
da democracia representativa aos cidadãos-eleitores e, com isso,
reatualizar a paz social, a tranquilidade, a prosperidade e o direito
positivo. Assim, também se reatualizava o papel dos velhos e novos
herdeiros, representantes, mediadores e porta-vozes do passado,
pois, no presente, a identidade regional, idealizada num passado
abstraído, deve ser festejada e o passado jubilado com comemorações.
Por ser parte da cultura e da visão de mundo, inclusive
enquanto senso comum sobre a sociedade geral e ideologia
dominante, muitos dos aspectos acima apontados sequer foram
imaginados pelos dirigentes das agências e dos agentes, ou dos
protagonistas originais que adquiriram um status personalizado de
“heróis” e de narradores de uma vida, de uma região, de uma vitória

276
contra uma grilagem e de uma coragem no passado (cf. BENJAMIN,
1994, p. 197-221).
Noutra possibilidade, o distanciamento temporal e as
lidas com as memórias e relembranças, no mundo da vida e no
cotidiano das labutas e lutas no olhar para frente e para os seus,
também se tecem cicatrizes e se evita mexer nas feridas do corpo
e da consciência, pois isso pode sangrar e o sangramento pode
esvair a vida. Também na vida, quanto nas memórias, o passado e o
presente estão presentes e dia e noite interagem na integridade do
ser humano (dos indivíduos e da tessitura social).
Mais de 50 anos depois, é bom relembrar que, assim como
as cercas de arrame farpado, as rosas têm espinhos, mas também
possuem a flor, o perfume e as sementes!

FOTO 15: Placa de Inauguração do Monumento Revolta dos Posseiros – 50


Anos 1957-2007

Logomarca oficial dos 50 Anos de domínio público.


O Monumento dos 50 Anos da Revolta dos Posseiros, outra ação do projeto “Resgatar o passado de
lutas para valorizar a liberdade do presente”, foi construído para marcar e demarcar a passagem do
cinquentenário, conforme registro gravado, em granito, na placa de identificação deste novo lugar de
memórias:
Monumento comemorativo em homenagem aos posseiros que lutaram pela legalização das terras
no sudoeste do Paraná.
Fonte: Autor – Data: 5/7/2011.

277
Na parte superior da placa, foi inserida a Logomarca 50
Anos, destacando a relação do Monumento e da Homenagem ao
Jubileu de Ouro. A comemoração da inauguração e da festividade
do 50º Aniversário foi realizada no dia 10 de Outubro, registrando a
relação do presente (2007) com o passado (1957).
Também constam, na placa, os dados das autoridades do Mu-
nicípio: Vilmar Cordasso (PP) – Prefeito; Wilmar Reichembach (PSDB)234
– Vice-Prefeito; e, Tânia Maria – Diretora do Departamento de Cultura.
O projeto estrutural e arquitetônico/artístico também
seguiu os trâmites formais para contratação de projetos e para
execução de obra pública. Integrando o Projeto “Resgate”, o
monumento teve recursos de projetos aprovados junto ao governo do
Estado do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura, e do município.
Outras ações do projeto Resgatar o passado também tiveram recursos
de emendas de parlamentares de deputados estaduais e federais,
com ações e divulgações em vários municípios do Sudoeste.
O lugar escolhido para a edificação do Monumento condensa
e atribui várias simbologias à história política e social no município
de Francisco Beltrão. Construindo uma cartografia do patrimônio
público no centro da cidade, nas vizinhanças do Monumento ao
Getsop, o novo lugar de memórias foi construído no início do canteiro
central da Av. Júlio Assis Cavalheiro (o pioneiro), defronte ao local do
antigo prédio Soranso, onde funcionava a Rádio Colmeia. Corrigindo
o passado e redimindo um ato falho, 50 anos depois, a Av. Júlio Assis,
no centro da cidade, num cenário que reúne a Praça Suplicy, a Igreja
Matriz com sua nova torre, a obra em homenagem ao Getsop, a Rádio
Colmeia e o local da concentração da multidão em armas, o nome
Júlio Assis Cavalheiro passou por outro fortalecimento e a integrar,
positivamente, a história da história da Revolta dos Posseiros contra
as companhias Citla, Comercial e Apucarana, e seu conluio com o
grupo Lupion (cf. MÄDER, 1958; PEGORARO, 2007).
A expressão estética e paisagística do edifício da obra de
homenagem corresponde à importância dos 50 Anos e da magnitude
da comemoração do 50º Aniversário de uma história do passado
reescrita em novas linguagens para a cidade e para a população, em
2007. Anita Silva refere-se às dimensões físicas do concreto armado
234. Wilmar Reichembach (PSDB) também foi eleito prefeito para o mandato de 2009-2012. Em 2014 foi candidato a
Deputado Estadual pelo Partido Social Cristão (PSC), tendo sido eleito para o mandato de 2015/2018.

278
(a tecnologia do progresso, usada na nova ponte sobre o Rio Marrecas
e o Monumento ao Getsop).

O local marcado é onde os revoltosos se concentraram no ano de


1957, e se localiza em frente a antiga Rádio Colmeia, que transmi-
tia o cotidiano da revolta e a atenção, a importância dos sujeitos
envolvidos. O painel mede 7,83 metros de altura e pesa, aproxima-
damente, cinco mil quilos. Confeccionado, numa das faces, mo-
saico em pastilhas de vidro de 2X2cm, nas duas faces totalizando
32,40m2 de pastilha sobre a placa de concreto armado, com base de
1,50m x 1,30m x 0,45m com revestimento em granito preto polido.
O monumento foi a IX atividade da programação em comemora-
ção ao cinquentenário do levante dos posseiros, desenvolvidas de
outubro de 2006 a dezembro de 2007 (SILVA, 2010, p. 86)235.

Com esse novo panorama do cenário do centro da cidade,


vamos às suas imagens de dupla face do Monumento do 50º
Aniversário, idealizado para homenagear as “lutas no passado dos
posseiros pela legalização das terras no Sudoeste”. A obra deu novo
aspecto à paisagem do patrimônio público na área central da cidade
de Beltrão. A imponência do monumento faz com que seu observador
tenha que direcionar seu olhar para cima para visualizar o conjunto
das imagens do mural da parte da frente e o da parte de trás,
igualando o monumento à altura da cidade. Esse movimento ótico é
uma parte criativa da arte, pois, assim, o leve traço do acabamento da
parte superior e das laterais, fica indelével e, em dias de céu aberto
junta o céu real azul anil com o céu colorido de azul anil do mural, em
pastilhas de vidro. No cenário superior de ambos os lados, o círculo
vazado no concreto reproduz o Sol (do dia e do tempo presente), bem
como a aliança das Bodas de Ouro, radiada no amarelo-ouro das
pastilhas que têm essa cor no entorno da circunferência e na parte
interna do concreto, e em raios da luz do Sol que transpassam o anel/
aliança (o raio do círculo). No mural de trás, a simbologia do círculo
caracteriza a Lua (da noite e do tempo passado), pela junção do tom da
cor escura e das araucárias, do ontem. O passado está representado
enquanto natureza, condição natural e penumbra, mesmo que em
noite de Lua Cheia (do círculo prateado), a claridade não permita ver
o contorno exato das coisas. No passado, porém, em tons de cinza,
235. Anita Silva acrescenta outras atividades que mobilizaram a população e a sociedade local durante a programação
do Projeto Resgate e o evento da inauguração do novo monumento: “O evento movimentou segmentos artísticos e
culturais da região, gerando atividades como palestras, escolha da logomarca cinquentenário da revolta; concurso de
literatura; peças teatrais; produção de vídeo de depoimentos, entrevistas de pioneiros beltronenses que participaram ou
presenciaram o levante de 1957 e exposição fotográfica no calçadão central da cidade” (SILVA, 2010, p. 86).

279
essa penumbra não permite, oticamente, ver as coisas e o mundo em
suas formas coloridas.
Na arte do projeto, o autor/artista reuniu elementos que sim-
bolizaram a vitória do levante dos posseiros de 1957, com uso de regis-
tros fotográficos de cenas e cenários da multidão na rua. A combina-
ção das imagens da fotografia oficial, do fotógrafo Osvaldo Jansen, de
1957, da logomarca dos 50 Anos e de imagens, a exemplo daquela da
foto 2, dos contratos e promissórias (confissão de dívida) jogadas na
rua (os registros irregulares da grilagem rasgados, pisados e jogados
no lixo da história, a derrota do aparato privado e governamental e a
vitória nas/das ruas), além do segundo elemento que deu base à iden-
tidade do Sudoeste: as matas nativas de araucárias.
Considerando a leitura da interação dos painéis/murais,
dos cenários e das cenas já indicados para os casos do Monumento
ao Getsop, dos 40 Anos (1957/1997) apresentados na cartilha da
Assesoar, da fotografia oficial dos 50 Anos e da logomarca dos
50 Anos e a interatividade da linguagem visual do monumento
comemorativo de homenagem à Revolta dos Posseiros (1957-2007),
é relevante para situar essa reedição de uma versão sobre o passado
reinventado nesse lugar de memórias.
A base do Monumento assenta o presente e o passado.
No canteiro central da Av. Júlio Assis, lugar onde ocorreu o fato
fundante do 50º Aniversário, no dia 10 de outubro de 1957, também
foi o lugar do levante, da ocupação da cidade e da vitória. Após
anos de opressão, expropriações e violências¸ os levantados do
chão em armas também festejaram, bradando e empunhando seus
instrumentos e ferramentas de luta e de trabalho que destituíram as
autoridades da ordem lupionista e acabam com aquela grilagem no
Sudoeste. Em 2007, porém, no ato festivo da comemoração, o lugar
dessa memória foi erigido em homenagem àqueles posseiros que
lutaram “pela legalização das terras no Sudoeste”.

280
FOTO 16: Monumento aos 50 Anos (lado da frente)

Fonte: Autor – Data: 1º/8/2011.

FOTO 17: Monumento aos 50 Anos (lado de trás)

Fonte: Autor – Data: 1º/8/2011.

281
Dos levantados do chão contra a grilagem que, nos anos
anteriores, gestaram o parto da história, marcados com o sangue
da vida e do nascimento, com armas em posição, passaram pelo
batismo de sangue, que, com a força da multidão, esteve à altura
da insurreição realizada com a ocupação das cidades. Como aquela
grilagem tinha nome e endereço, a ocupação foi vitoriosa em cada
lugar estratégico: as repartições públicas, as autoridades locais e os
escritórios das companhias.
Aquilo que Iria Gomes (1986) compreendeu como
movimento de 1957 teve sua vitória, rompendo com a ordem,
sendo construído e conquistado até o outubro agrário do Sudoeste,
de 1957, que a autora considerou como o primeiro momento. É
importante entender que o problema agrário não era o da posse,
mas, sim, o da grilagem. O aparato daquela grilagem somente foi
derrotado com a ocupação das cidades, realizada pelos homens e
mulheres da terra, mobilizados com suas lideranças. A segurança
da desocupação das cidades, inclusive com a reversão de duas
tentativas de restabelecimento do lupionismo e do pessedismo em
Beltrão, efetivado pela grande maioria dos levantados do chão, só foi
realizada com a certeza de que a grilagem não retornaria.
O direito de posse (enquanto estado da lei e do direito) – ob-
tido junto a Cango, ou com a comprovação da cultura efetiva e mo-
radia habitual em terras devolutas, ou ainda adquirido de terceiros
–, não foi motivo da convulsão social, do drama dos retirados do Sul,
do Sudoeste sangrento, nem do ato e da forma da insurreição (cf.
FERNANDES, 1987). A terra de trabalho e não a terra de negócio (ES-
TERCI, 1990), era o que os colonos migrantes, retirantes do Sul, al-
mejavam na fronteira agrícola do Sudoeste para si e para legado aos
seus filhos. Esses mesmos colonos agricultores também não tinham
um modo de vida e de produzir na terra ao que era e é entendido
como o de posseiro, como também não provinham de um lugar de
origem onde o direito de posse representava as mediações sociais e
os costumes consuetudinários no mundo rural ou nas transmissões
da terra para uso como cultivos efetivos e moradia habitual. Esses
migrantes sulistas, estabelecidos na terra, em campos rurais e em
espaços citadinos, moviam-se pelo sonho de um lugar para morar e
estabelecer pertencimento (cf. ARENDT, 2008), com suas noções de

282
trabalho, vida comunitária, vínculos de parentescos e religiosidade,
bem como de ter garantias de propriedade reconhecidas na esfera
da nação e da coisa pública. Portanto, ter a posse da terra – de forma
segura e habitual, ou incerta e arriscada (sob o risco de desintrusa-
gem, expropriação e violências) – não correspondia a ser posseiro.
Estar de posse e querer regularizar a posse, de forma justa e correta
aos hábitos e costumes e na forma que a lei garantisse não era con-
traditória para com o modo de viver em pequena propriedade rural
ou urbana, especialmente num período que correspondeu aos anos
de 1949 a outubro de 1957, num lugar situado na faixa de fronteira
paranaense do Estado nacional, nas proximidades com a Argentina.
Certamente que a redefinição da questão agrária ao período
seguinte a data de 10 de outubro de 1957, como sendo o de lutas pela
legalização, ignora ou silencia-se em relação à grilagem anterior;
restringe o movimento de 1957 à tomada das cidades e à expulsão
das companhias com seus jagunços. Uma parte do campo para a
regularização foi limpado.
Na reflexão que Anita Silva fez sobre o ato de comemoração
e de inauguração do monumento em homenagem aos posseiros,
problematizou o registro sobre o passado gravado na placa inaugural,
pois seu sentido afirmava o presente e indicava-o à posteridade.

Há o aproveitamento de um momento comemorativo para


tentar fazer uma autoproclamação. Segundo essa ideia, os
posseiros lutaram pela “legalização” das terras. Um fato
aparentemente contraditório se levarmos em consideração que
em momento algum há referência de que os posseiros estavam
discutindo dentro da esfera jurídica a questão legal da posse
da terra. O que havia com muita evidência era um descaso dos
órgãos governamentais do estado e da união, além de uma
pressão das companhias colonizadoras que tentavam de todas
as formas expulsar os primeiros colonos (SILVA, 2010, p. 87).

Como historicizou Alessandro Portelli (1998), nas revisões,


rememórias e reescritas sobre uma história, os papéis dos sujei-
tos (agências e agentes) podem sofrer alterações, irreconhecíveis,
se passadas pelo crivo da pesquisa com fontes de época e com a
confrontação de outros olhares e sujeitos. Para Michel Pollak (1989,
1992) as memórias submersas e as mediações entre a memória social
e individual também se sobressaem ou permanecem silenciadas e
esquecidas, dependendo de quem e sobre o que se quer revisitar do

283
passado, em vista das problemáticas sociais e saberes existentes. Nas
mediações entre presente e passado, numa sociedade onde há con-
frontos com caráter de classes, afirma Jean Chesneaux (1995), o saber
social e a historiografia estão inclusos nas disputas de projetos sociais.
Se considerarmos que o Getsop e sua atuação representou
a regularização da posse da terra, durante o período de outubro de
1957 até 1963, quando o grupo misto, representando Jango, Ney Braga
fez a entrega dos primeiros títulos de propriedades aos posseiros, o
direito de posse permaneceu válido e norteou as delimitações das
áreas entre colonos e moradores das vilas e cidades, respeitadas
pelo próprio Getsop nos levantamentos. Portanto, o direito de posse
não tinha sido o motivo da “revolução agrária e da desordem”
(MARTINS, 1986). No entanto, mesmo se considerar a regularização
ou a legalização das terras como o principal resultado da revolta de
outubro de 1957, para ambas as versões registradas em monumentos
e na historiografia, os representantes e herdeiros do movimento
de outubro de 1957 e o Getsop (União e Estado do Paraná) foram os
“heróis” da conquista e do registro da terra. Indo mais além, tanto a
regularização quanto a legalização colocam o problema da terra no
interior do Estado e ao alcance dos seus agentes, os que ocuparam
cargos eletivos, funções públicas ou técnico-burocráticas dentro do
Estado/Getsop. Enfim, como a representatividade eletiva apenas
corresponde à ocupação de um cargo, esse mesmo lugar representa
o direito de posse para o exercício de um mandato – para o caso de
um servidor público essa analogia se refere ao direito de exercer
um cargo e realizar um serviço público –, temos outros ambientes
e lugares onde a posse garante a coisa pública, inclusive para
demarcar, claramente, o que é privado e o que é público, bem como
sobre qual é a linha do horizonte entre ambos.
Na medida em que a tradição da revolta de 1957 ganhou cor-
po no circuito dos representantes e herdeiros, das lideranças no mo-
vimento de 1957 que passaram a galgar representatividade dentro do
governo para, a partir dali, serem os porta-vozes do que ficou para ser
resolvido – a regularização em conformidade com a lei (legalização) –,
foi criado um novo circuito de relação e interdependência. Em 2007,
50 anos depois do dia de nascimento e do batismo (ou mesmo atual-
mente), a primeira geração dos líderes do levante e representantes

284
dos rebelados na mesa de negociação (Jácomo Trento, Ivo Thomazo-
ni, Luiz Prolo, Walter Pécoits, Manoela Pécoits, Edu Potiguara Publitz,
etc., com o chefe de Polícia, Pinheiro Júnior, ou o coronel Alcebíades,
ou o major Reinaldo Machado), dos porta-vozes e continuadores da
luta para alcançar a meta maior (regularização da propriedade da ter-
ra) já haviam falecido, ou tinham idade avançada, ou estavam apo-
sentados na carreira política-institucional, afinal, esta é a rotação da
vida e da história. Da segunda geração de representantes, a partir da
atuação do Getsop, de 1962 a 1974, concluiu-se aquilo que Iria Gomes
(1986) definiu como o segundo momento do movimento de 1957/1974,
restando, a partir de então, histórias para contar e comemorar, pois,
para ela, o Sudoeste estava concluso.
Para as novas gerações de representantes nos espaços
institucionais das esferas do Estado, principalmente no executivo
dos municípios do Sudoeste e nos cargos do governo do Paraná,
no legislativo estadual e federal e no Getsop, o campo político
(BOURDEIU, 2009, p.163 ss) passou a ser um lugar para referendar e
atualizar os sentidos do passado, de afirmar a tradição e a identidade
do Sudoeste. Aquilo que foi enfrentamento contra a grilagem e o
consórcio do governo do Estado, hoje era e é um lugar comum que
reúne o pioneirismo da Vila Marrecas, da Cango, das companhias
(às avessas, expulsas), do grupo Rádio Colmeia, do Getsop e das
administrações municipais, na Praça Central de Beltrão.
O painel da parte da frente do Monumento dos 50 Anos, com
posição voltada para o Calçadão da Av. Júlio Assis, tendo à direita a
Praça Suplicy e à esquerda a Igreja Matriz, sintetiza a nova versão da
tradição ao público dos homenageados, dos portadores da represen-
tação e a toda a população, pois essa identidade do Sudoeste e do ho-
mem sudoestino é extensiva ao conjunto da sociedade civil e política
e às pessoas. Ao mesmo tempo em que comemorações e homenagens
congregam, pois não há mais o que conquistar pelas lutas sociais, é
preciso demonstrar que no e pelo passado também dá para padroni-
zar e identificar o que é comum a todos, em 1957 e em 2007. Na arte
do mural, formado por milhares de pastilhas 2x2 cm, que cobrem
32,40 m2 (324.000 peças de pastilhas), o trabalho criativo reproduz
a fotografia de Osvaldo Jansen num mosaico atualizado em cores.

285
Os 10 posseiros estão representados com boa resolução
gráfica e visual que as pequenas pastilhas, com cor branca e outras
com cor escura que acompanha os contornos corporais e do vestuário,
possibilitam milimetricamente. Com essa técnica, o suporte (haste/
mastro) da bandeira do Brasil que, na imagem, Olívio Giusti segura,
a espingarda que José Santolin tem e descansa junto ao ombro
direito, o cabo da faca que Santolin tem na cintura e o guarda-chuva
que outro colono segura no braço estão contornados e marcados na
gravura com pastilhas pretas. O cano de outra espingarda visível na
fotografia de Osvaldo Jansen, lado esquerdo ao término da bandeira,
ficou imperceptível no mosaico, pois há apenas uma fileira de
pastilhas brancas que cortam o rosto do posseiro fotografado. O
cabo do revólver na cintura de Giusti não pode ser identificado, pois
se mistura com as pastilhas pretas do cabo da bandeira. A terceira
espingarda não aparece no mosaico. Já na base do monumento,
a imagem da Logomarca mantém os posseiros desarmados. As
complementações e atualizações da imagem da fotografia foi o que
expressou a recriação dos sentidos ao passado.
O efeito visual da imagem da fotografia de Osvaldo Jansen
ganha mais presença com a complementação que o autor/artista fez
às partes corporais não registradas no enquadramento da foto em
1957 e pela complementação do suporte da bandeira nacional (ponta
de lança do mastro).
Além dessa sagacidade, a inclusão das cores reais na
Bandeira do Brasil (verde, amarelo, azul e branco) na foto preto e

286
branco, qualificou os efeitos visuais para o observador/público-alvo.
A acuidade visual que o mosaico das pastilhas produz, em termos de
plasticidade do painel, tem duas sutilezas.

– Uma: a representação dos posseiros de corpo inteiro – num


nível mais alto e com ângulo de aproximação e de descida, pois os
papéis (contratos e promissórias) estão dispostos no chão do painel,
desde os pés dos 10 posseiros até a base do mural –, produz um efeito
de participação no observado e ao observador (Vide a Foto 16).
Com isto, o passado está projetado até o presente, onde o
observador está, e esta interatividade, quem vê o cenário (situado
no início do calçadão da Av. Júlio Assis), também se percebe pisando
aquilo que foi jogado na rua em 1957 (vide Foto 12). O passado está
presente e no presente.
– Outra: a construção do corpo inteiro dos 5 posseiros que
estão na primeira linha da cena, complementam o cenário com uma
impressão de um vestiário alinhado (de figurino). Mas, do ponto de
vista corporal dos fotografados, o detalhe está nos chapéus que 4
seguram com a mão esquerda e 1 com a mão direita. Essa montagem
complementar do autor/artista, também não se destaca pelo mero

287
tipo padrão do chapéu (alias, se for o caso, muito próximo ao tipo
que os colonos e posseiros utilizavam na vida real em 1957, cf. Fotos
3, 4, 5, 7 e 8), mas pelo gesto de respeito que realizam à Bandeira.
Tratando-se da complementação da foto e da criatividade do autor/
artista, não há como imaginar um respeito ao fotógrafo, Osvaldo
Jansen, diante da possibilidade de divulgação dos fotografados nos
jornais. Por ter sido incluído no cenário da imagem do painel frontal
do Monumento dos 50 Anos, o gesto tem relação com o conjunto do
cenário: a Bandeira do Brasil. Com a inclusão das cores da bandeira
na Bandeira, esse instrumento e ferramenta de luta se sobrepôs
aos demais, construindo uma versão de civismo e de patriotismo
no passado que o observador/leitor da linguagem visual do painel
também deve ter como exemplo de luta e de conquista, seja lá qual
for a questão na atualidade. Como no passado, no presente, nas
bandeiras das lutas, os cidadãos devem empunhar a Bandeira do
Brasil como ferramenta e instrumento de luta pacífica (sem armas e
levantes) pela cidadania, em tempos democráticos.
O novo civismo à Bandeira Nacional produzido e difundido
a partir do movimento do cinquentenário, também repercutiu
em novos estudos que tratam da própria monumentalização da
efeméride dos 50 Anos e dos “heróis pioneiros”, a exemplo da obra de
Leomar Rippel (2013). Mesmo com o propósito crítico aos discursos
(re)construídos, há uma incorporação dos elementos do projeto
das bodas de ouro e do resgate do passado de lutas em suas novas
linguagens e sentidos ao passado apresentados no monumento.

Na esteira destas comemorações, também foi erigido, na


Avenida Júlio Assis Cavalheiro, esquina com a Travessa Frei
Deodato, o monumento denominado “A Revolta dos Posseiros –
50 anos”, mosaico de pastilha de vidro sobre placa de concreto
armado que reproduz os posseiros em marcha com a bandeira
nacional (RIPPEL, 2013, p. 16 – grifo nosso).

No mural do lado de trás do monumento, o uso de duas


cores (branco e tom de preto) também repete (talvez por formalidade
da arquitetura ou das artes visuais) o caso da obra de homenagem
ao Getsop, em sua mensagem. O par de araucárias dimensiona, de
forma abstraída, tal como o é, hoje, na paisagem ambiental da região:
o símbolo natural do Sudoeste numa fase da Lua. Estando numa Luz

288
Cheia, também é a fase que mais reflete a luz do Sol (do presente/
Jubileu de Ouro), na Terra durante a noite (luz sobre o passado).
Na dupla face dos murais, da mesma moeda, Sol e Lua, dia
e noite, presente e passado, passado e presente movem a vida e a
natureza em seu conteúdo agrário e histórico-temporal. Para aqueles
que presenciaram os 50 anos em vida, homenageados no monumento
e no ato da inauguração, pois foram convidados e honrados pelos
promotores da comemoração do 50º aniversário, os registros de
memórias vivas do passado são revisitados nas lembranças tecendo
saudades, vitórias, coragem, justiça e conquistas de narradores de
um tempo e de um mundo muito diferentes dos da atualidade.
Os pioneiros da primeira aliança, os líderes herdeiros
da representação e, também, as pessoas comuns, vivas nas bodas
de ouro, comungam histórias de seu passado, narram suas
reminiscências das ações coletivas e pessoais: eu estive lá, eu vi, eu
fiz e eu lembro. Para os protagonistas do cinquentenário, o público-
alvo, os descendentes, os observadores e os herdeiros e descendentes
da nova geração de origem sanguínea, e os da representatividade, o
presente – 2007 e o 50º aniversário –, também fica gravado para os
próximos anos: nós(eu) comemoramos, nós(eu) registramos, nós(eu)
temos história da região e da família e nós(eu) nos identificamos
com o passado neste presente.

289
Durante as atividades do projeto do Cinquentenário –
“Resgatar o passado de lutas para valorizar a liberdade do presente”
–, sem precisar problematizar o sentido e o uso do termo “resgatar”,
pois se trata de uma referência de opinião pública corriqueira, muito
frequente no circuito jornalístico e em espaços oficiais de Cultura
de municípios e de órgãos de Estado, quando tratam de projetos de
produção histórico-cultural sobre o passado, a exemplo dos pioneiros,
persiste uma visão na perspectiva do senso comum. Para os 50 Anos,
foram promovidos vários eventos e, com a mobilização social, o
interesse criado para a continuação dos estudos e a produção de
materiais sobre a Revolta¸ nos anos seguintes, inclusive, foram
realizados Encontros Sobre a Revolta dos Posseiros de 1957. Na
divulgação das edições desses encontros foram produzidos cartazes
com imagens que indicam o uso diferenciado da Foto Oficial da
Revolta dos Posseiros, símbolo do cinquentenário. Para os casos da
1ª e da 2ª edição, uma ocorrida em Francisco Beltrão e a outra em
Pato Branco, há duas versões da imagem da mesma foto oficial, do
fotógrafo Osvaldo Jansen – 1957, o que denota a permanência de
diferenças e particularidades nas histórias locais, afinal, trata-se da
história dos homens e mulheres, de indivíduos, de grupos sociais,
de instituições e de coletivos e coletividades que têm a condição
ontológica do ser social, da diversidade, do comum, do compartilhado
e da singularidade (cf. ARENDT, 1998).
Entretanto, essas mesmas diferenças representam visões
e versões distintas sobre o passado que instiga, pois o movimento
do cinquentenário também foi um momento de construção de uma
unidade e consenso sobre o passado comum ao Sudoeste. O passado
desarmado e o passado também com armas é o que mais denota as
diferentes formas de representar, para o público atual, o que foi a
Revolta de 1957. Sobre o I Encontro Sobre a Revolta dos Posseiros 2009
– “A luta que traçou a história do Sudoeste Paranaense”, realizado em
Francisco Beltrão, no dia 8 de outubro de 2009, 52 anos depois, na
produção do cartaz de divulgação, a espingarda 16, que José Santolin
segurava no ombro direito, ficou sem o cano, repetindo a imagem
produzida na Logomarca dos 50 Anos. O desarmamento do passado
passou a ser reificado em outros espaços e atividades relacionadas à
continuidade do movimento do cinquentenário. Assim, o que foi uma
criação para os 50 Anos, passou a ser uma nova repetição. O passado

290
ficou sem a mira (sem grilagem a combater), tal como a imagem da
Logomarca oficial do 50º aniversário em Francisco Beltrão.

IMAGEM 9: Cartaz do I Encontro Sobre a Revolta dos Posseiros – 2009

Data do evento: 08 de outubro de 2009. Obs.: Outros materiais de divulgação da 1ª Edição incluem
imagens de atividades e eventos realizados no Auditório do Câmpus da UNIOESTE, de Francisco
Beltrão.

Com o recorte da foto/imagem e a seleção das figuras de Olí-


vio Giusti (com a Bandeira do Brasil) e de José Santolin (embaixo da
bandeira e sem a parte de mira/cano da espingarda), a Bandeira do
Brasil passou a ter maior realce no cartaz e, possivelmente, na agenda
de discussão sobre o passado. Com o uso das novas imagens e cores, na
logomarca e no monumento do Jubileu de Ouro, a bandeira nacional
ganha força visual e irmana todos, seja no passado ou no presente.
O prospecto do II Encontro Sobre a Revolta dos Posseiros
de 1957 – A luta que traçou a história do sudoeste do Paraná,
realizado em Pato Branco, no dia 8 de outubro de 2010, 53 anos
depois, traz a foto oficial do projeto do Cinquentenário. Mesmo
com o recorte visual para o cartaz, a imagem da fotografia de
Osvaldo Jansen (1957) foi mantida conforme a original, sem o
desarmamento do passado, além de terem sido inseridas outras
imagens de fotografias de época com cenas dos levantados do chão

291
em armas e do cotidiano do Sudoeste nos anos de 1950 (jagunço
armado, segunda foto superior).

IMAGEM 10: Cartaz do II Encontro Sobre a Revolta dos Posseiros – 2010.


Data do evento: 08 de outubro de 2010

Local do Evento: Auditório da UTFPR, Pato Branco/PR.

Essas diferenças também podem ser percebidas nas


formas de registrar o passado, de selecionar e construir/produzir
lugares de memórias, em forma de monumentos e homenagens.
Em Pato Branco, semelhante a todos os municípios do Sudoeste,
o movimento do cinquentenário mobilizou diversas agências,
obviamente com o destaque ao Município, e agentes públicos,
entidades da sociedade civil organizada, clubes de serviços
e instituições de ensino e pesquisa (escolas da rede pública
estadual e Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR),
publicações de pesquisadores e narradores da história local. Desde
1993, o Projeto Conhecer para Amar foi criado e desenvolvido com
o objetivo de produzir e divulgar materiais de caráter didático-
pedagógico, para fomentar o conhecimento (saberes e ensino),
para criar a vontade de amar (consciência e cultura). Do subprojeto,
Resgate Histórico de Pato Branco, o volume 2 da série Retorno, de
Sittilo Voltolini (2003), a narração teve como tema Pato Branco na
Revolta dos Posseiros de 1957, publicada para marcar a passagem
dos 40 Anos da revolta (1957-1997).

292
Ao tratar da revolta dos posseiros, Elvino Vorpagel referiu-
se ao Monumento do Cinquentenário construído em Pato Branco,
como registro dos 50 Anos, 9 de outubro de 1957 – 9 de outubro de
2007, o 50º aniversário completado na data em que houve a ocupação
da cidade, no levante contra as companhias e o lupionismo.

Monumento localizado defronte à Prefeitura de Pato Branco,


erigido por ocasião dos 50 anos da Revolta em 2007. A
Revolta dos Posseiros de 1957 constitui forte elemento de
identidade regional do sudoeste do Paraná e foi incorporado à
memória sócio-cultural dos municípios atingidos, através das
comemorações oficiais, nos monumentos e nas publicações
relativas ao conflito. A escultura identifica o colono-posseiro
que teve papel importante na Revolta de 1957: a foice e o revólver
representam as armas que o posseiro empunhou para garantir
a posse e a titulação da terra (VORPAGEL, 2008a, p. 12).

FOTO 18: Monumento dos 50 Anos da Revolta dos Posseiros – Pato Branco

Fonte: Edvino Vorpagel (In: VORPAGEL, 2008a, p. 12).


Obs.: Em Dois Vizinhos também foi construído um monumento no formato de escultura, estátuas
de 4 pessoas: 2 homens, 1 mulher e 1 criança (no lado esquerdo as 3 pessoas representam uma
família de colonos/posseiros: criança, mãe e pai).

293
Ao mesmo tempo em que não cabe forjar uniformidades às
práticas sociais em temporalidade e lugares sociais diferentes e diver-
sos, tampouco convém a fragmentação do micro-olhar, isolado, pois
a singularidade não nega as aproximações e nem a cultura existe no
âmbito do que é individualizado/privado (individualista), mas com
os indivíduos, em sua integridade e integralidade como ser social.
A obra da arte para o registro do 50º aniversário
construída em Pato Branco tem seus elementos próprios de
simbologia e representação do passado. A linguagem da escultura
em monumento¸ patrimonializado no espaço público do centro da
cidade, em frente à prefeitura municipal, sagra esse ente federado
e esse corpo institucional do Estado, bem como seus agentes/
representantes como os herdeiros e porta-vozes da representação
política e governamental. A forma da imagem circular, do corpo em
três dimensões na escultura, reduz o efeito da dupla face, mesmo com
a corporeidade facial e com a exceção da posição da placa inaugural.
Ao observador e público-alvo, porém, o lugar principal para ver e
conhecer a obra de arte-monumento, é o de ficar em frente, no face-
a-face, olho-no-olho, habitual a quem não tem nada para esconder
e à disposição, diz-posição, para mostrar. A confecção da obra tem,
justamente, a finalidade de mostrar, portanto, que forma e conteúdo
expressam o que se quer dizer e representar. Ao mesmo tempo, para
uma reflexão crítica, é preciso considerar que silêncios, ausências
ou esquecimentos têm relação com a posição sobre o presente e o
passado, com a ontologia da história, com o saber social e com a
historiografia (CHESNEAUX, 1995).
Na escultura da arte na obra, o monumento preserva as
ferramentas e os instrumentos de luta que os levantados do chão
em armas utilizaram naquele 9 de outubro de 1957, no movimento
de 2007. Vorpagel, porém, em sua exposição, vinculou a titulação
da terra aos atos de 1957. Considerando o enfoque que Iria Gomes
(1986) propôs ao movimento de 1957, bem como os desdobramentos
que envolveram a criação, o plano de trabalho e as ações do Getsop, a
homogeneização do levante de 1957 com a regularização e titulação
da propriedade da terra pode atualizar a versão que referenda o
Getsop como o agente apaziguador dos conflitos de terra que havia no
Sudoeste durante o período entre o outubro de 1957 e o 1962/janeiro
de 1974, e seu derivativo na Ditadura: tranquilidade e prosperidade.

294
Com relação às figuras do cenário construído na escultura-
monumento – a tora de uma ex-árvore, no chão (base na qual
o esculpido, com o pé esquerdo, avança na luta para derrotar a
grilagem, em 1957, e garantir seu futuro no Sudoeste; para o tempo
presente, em 2007, o monumento, aos 50 anos e o 50º aniversário
são a base circular na relação presente/passado), o machado,
a foice, o revólver e com as mangas arregaçadas, a pessoa, na
obra, independentemente do lugar da cena criada para o lugar de
memória –, tem conteúdo agrário, de quem lutou para viver na e da
terra, usou suas ferramentas de trabalho para defender e conquistar
pertencimento. Os levantados do chão em armas, em multidão e na
rua, venceram a especulação da terra. Na grandeza do passado, no
presente, porém, a comemoração afirma a “identidade à história
local e da região”.
Outra produção e referência elaborada a partir do projeto
Resgatar o passado é de autoria de Ivo Thomazoni (vide sua trajetória
na Rádio Colmeia, no levante de outubro de 1957, ex-prefeito de
Pato Branco e ex-deputado estadual UDN/Arena). Já aposentado
e narrador da epopeia (único caso de luta dos de baixo vitoriosa),
escreveu uma cartilha do movimento do cinquentenário para
“resgatar” a Revolta dos Posseiros de 1957. De primeira mão, da
história e da memória de um dos principais líderes, porta-vozes
e continuadores do movimento de 1957 e na luta seguinte, pela
regularização da terra no Sudoeste, a escrita está voltada ao público-
alvo do cinquentenário, ao 50º aniversário e aos anais da história
(em 2007 para o futuro), num texto com linguagem acessível, com
uso de fonte cartográfica e de imagens históricas (fotografias de
época), com relatos dos principais temas, personagens e fatos. A
Revolta dos Posseiros foi sintetizada e o documento adquiriu status
institucional e historiográfico (abordagem sobre a história)236. Na
última página da cartilha, constam informações de identificação do
Projeto Cinquentenário da Revolta dos Posseiros 1957 – 2007, Resgatar
o Passado, e a biografia de Ivo Thomazoni.

236. Com grande tiragem e reedição, as cartilhas integraram o Projeto “Resgatar o Passado de Lutas, para Valorizar a Liberdade
do Presente”, e foram financiadas pelas entidades apoiadoras: Governador do Estado – Roberto Requião; Secretária de
Estado da Cultura – Vera Maria Haj Mussi Augusto; Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (AMSOP) –
Élson Munaretto; 14º Regional de Cultura – Jair Dilceu Weich; - Prefeitura Municipal de Pato Branco – Roberto Viganó;
Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer – Solange Amadori de Oliveira; Departamento de Cultura
– Cirene Vanzella Miotto; e, Resgate Histórico – Sittilo Voltolini (In: THOMAZONI, 2007, p. 30).

295
Ivo Thomazoni nasceu em 22 de setembro de 1931, na cidade de
Joaçaba SC.
Em 1957, era locutor da Rádio Colmeia e através dos microfones
conclamou o povo para a praça. Nesta época começou a sua
vitoriosa trajetória política. Foi prefeito de Pato Branco de 14
de dezembro de 1960 a 14 de dezembro de 1964 e deputado
estadual por 4 mandatos.
Neste ano de 2007 Ivo Thomazoni e Porto Alegre percorreram
os municípios que integravam o mapa da Gleba Missões,
principalmente na região fronteira, Francisco Beltrão, Dois
Vizinhos e Pato Branco, participando das comemorações do
Cinquentenário da Revolta dos Posseiros.
Uma história de luta, de sofrimento e heroísmo que produziu um
fenômeno raro na história do Brasil: Trata-se do único levante
armado de colonos que foi vitorioso (In: THOMAZONI, 2007, p. 30).

IMAGEM 11: Capa da cartilha de Ivo Thomazoni

Vide selo histórico às publicações oficiais do projeto Resgatar o Passado. Na versão da foto
oficializada incluída na capa também foi tirado somente o cano da espingarda 16 que José
Santolin tem sobre o ombro direito.
Fonte: THOMAZONI, [2007] - Capa. Reprodução digital realizada pelo autor.

296
No texto histórico sobre a Revolta dos Posseiros, Ivo
Thomazoni apresentou os casos que mais marcaram as ações e
reações realizadas pelas companhias Citla, Comercial e Apucarana
(violências e expropriações, jagunços) e uma breve contextualização
do litígio (Citla & grupo Lupion) para tratar da grilagem. Também se
referiu aos casos mais recorrentes das ações e reações dos colonos e
dos levantes ocorridos em Pato Branco, Francisco Beltrão e na faixa
de fronteira. Para os casos mais agudos de violências praticadas por
jagunços a mando e a soldo dos diretores das empresas imobiliárias,
esta cartilha reforça os fatos e personagens já conhecidos e
referendados na memória social, nos lugares de memórias,
nos monumentos, nas edições comemorativas de passagem de
calendário, nas agências e agentes do poder público local, em
instituições e entidades da sociedade civil e na produção acadêmica
e de estudiosos do tema.
Trata-se de um registro, no/do tempo presente, de alguém
que quis escrever para a vida e para a História no cinquentenário,
ancorado na sua vida – a partir da posição e da condição que teve
e tinha, até aquele momento –, da relação construída nos meios
profissionais, institucionais e de representatividade à revolta de
1957 e ao novo momento dos 50 anos depois. Nas indicações desses
casos, já citados anteriormente, Thomazoni (2007) inovou em alguns
casos, recriou uma narrativa. Do Verê, a citação do assassinato
de Pedro José da Silva, “o Pedrinho Barbeiro”, foi finalizada com a
indicação do executor e do mandante: “... no Verê, em 21 de maio
de 1957, executado pelo jagunço João Pé-de-Chumbo, a mando
de Lino Marchetti, gerente da Comercial, em Francisco Beltrão”
(THOMAZONI, 2007, p. 15).
Para o caso de agosto, que resultou na morte do Tigrinho
(ex-expedicionário da FEB) e do Guilherme Oenning [Hennig, para
Ruy Wachowicz (1985)], “os dois heróis”, Ivo referiu-se “A Batalha do
Verê” (THOMAZONI, 2007, p. 16). Sobre os desdobramentos de Capa-
nema, o autor denominou-os de “A ‘Lição de Casa’ da Fronteira” e de
“Tocaia do Km 17”, com as informações das 7 mortes: “5 posseiros e
os dois empregados da colonizadora” (THOMAZONI, 2007, p. 12-13), e
inovou ao rebatizar do farrapo Pedro Santin, ao tratá-lo como “guer-
rilheiro da fronteira” (THOMAZONI, 2007, p. 11). Sobre as ações de

297
Porto Alegre e de Pedro Carbonera, durante o levante de Pato Branco,
na região de atuação da Comercial (distritos de Verê e Dois Vizinhos),
com inclusão de fotografia, Thomazoni reforçou os dados corretos.

Tomado por fotógrafo de jornal do Rio de Janeiro, o flagrante


estampa o momento em que Porto Alegre (esquerda) e
Carbonera (direita) dão voz de prisão a um jagunço da
Comercial (centro), no Baixo Verê, na propriedade de Luiz
Paggi, cidadão simpático à colonizadora Comercial. Por
equivoco, a foto percorreu o mundo, através da revista Life,
como sendo o registro da prisão do facínora Maringá, sendo a
confusão desfeita pelo próprio Porto Alegre, em depoimento
prestado sobre as incursões levadas a efeito pelo grupo, no Verê
e Dois Vizinhos, para o expurgo de jagunços e empregados da
colonizadora (THOMAZONI, 2007, p. 23).

FOTO 19: Fotografia de Porto Alegre e Carbonera prendendo jagunço da


Comercial no Verê (outubro/1957)

Fonte: Ivo Thomazoni (2007, p. 23).

Com relação às fotografias, Ivo Thomazoni tratou de um


assunto não muito frequente dos conflitos que houve entre colonos
e posseiros contra as colonizadoras (Citla, Comercial e Apucarana),
inclusive fazendo o uso de fotografias de época, com um título
chamativo: Coisa só pra homem? Na própria resposta à questão,
Thomazoni deu asas a sua imaginação e, conhecendo outros casos
históricos no país e no Ocidente, viajou em sua narração, já calejado
de tanto “testemunhar” e relembrar o passado no Sudoeste, por
sua trajetória de vida, de liderança e de homem público durante
estes mais de 50 anos. Na condição de narrador renomado, no

298
texto, misturam-se a reinvenção, a atualização, a reelaboração da
memória viva, a grandiosidade do momento e o propósito da obra,
numa escrita valorativa do passado.

Nas fotos que registram passagens do conflito colonizadoras/


posseiros, Só HOMENS! Não é acaso! O perigo de enfrentamento
armado pairava no ar. Também em Pato Branco, no episódio
Sindrome do Jagunço, foi assim. Por orientação dos líderes,
mulheres e crianças, bem guardadas em casa, quando não, fora
da área de perigo.
Um só grupo de mulheres em serviço de retaguarda à linha de
frente, à espera dos jagunços em Pato Branco, na propalada
invasão pelos pistoleiros das colonizadoras. Chefiadas pela
parteira Olívia Worlickek, um grupo delas improvisou local
para receber os possíveis feridos e guardar os mortos, caso
ocorresse o embate em Pato Branco.
É ... o posseiro não contou, na sua defesa, com nenhuma
JOANA DARK, nem ANITA GARIBALDI!... Mas foram milhares as
‘SANTAS TERESINHAS DO MENINO JESUS’ que, no recôndito do
lar, em contínuas e ardentes súplicas, aos altos Céus canalizam
força divina para a resistência e a tenacidade no campo de
batalha, na defesa da posse do sagrado chão, na busca de paz
para a sociedade sudoestina (THOMAZONI, 2007, p. 26).

Sobre esse tema atualizado por Ivo Thomazoni, acerca da


participação das mulheres, em estudos produzidos no contexto da
passagem dos 50 anos da revolta; de estudos de caso do movimento
popular de luta pela terra gestada durante a década de 1950, de
abordagens de novas/velhas fontes, contextualizadas no período
do cinquentenário e de pesquisas sobre o próprio movimento do
50º aniversário – os 50 Anos, houve um avanço significativo no
debate e nas novas abordagens de sujeitos, fontes e problemas, com
revisitação aos “clássicos” – Othon Mäder (discursos), Osvaldo Jansen
(fotografias de época), Hermógenes Lazier, Ruy Wachowicz, Iria
Gomes, Rubens da Silva Martins e Sittilo Voltolini, de forma crítica
ou reiterativa das abordagens e de construção de fontes orais.
Entre esses novos estudos e pesquisadores, afora as pes-
quisas de cunho acadêmico Stricto Sensu, há referências a outros
sujeitos, fontes, objetos, temas e problemas: as mulheres, de Elir
Battisti(2006); a indicação de determinados silenciamentos e a so-
breposição do pioneirismo sulista à vida cabocla, de Aruanã Passos
(2011); a relação com o Contestado, de Maria Annibelli (2009); a (re)
construção dos “heróis”, da apologia indicada por Neri Bocchese
(2006); as intermediações e mediações de lideranças e seletividade

299
aos “heróis” apontadas por Ronaldo Zatta e Leomar Rippel (2013);
as coberturas jornalísticas e das fontes de imagens, de Éverly Pe-
goraro (2008b e 2008c); os novos monumentos e lugares de memó-
rias, de Edvino Vorpagel (2008a e 2008b); e, o retorno aos discursos
de Othon Mäder, de Roberto Pocai Filho (2013)237 . As pesquisas aca-
dêmicas de Éverly Pegoraro (2008a), Silvia Amâncio (2009) e Anita
Silva (2010) também ganharam destaque pelas fontes e leituras.
Para citar um dos estudos anteriores à comemoração
dos 50º aniversário que abordam a participação das mulheres,
Elir Battisti (2006) retomou fontes já publicadas para dar voz
e vez às experiências de mulheres que vivenciaram e forjaram
resistências, lutas e enfrentamentos contra as práticas de grilagem
das companhias e suas camarilhas de jagunços e agentes da polícia
lupionista, nos idos de 1950/1957, e nos movimentos contemporâneos
de luta pela terra, dos sem terra em acampamentos e assentamentos.
Ao ampliar os sujeitos reais, Battisti ampliou as noções dos espaços
e atos cotidianos e públicos do fazer e do fazer-se no movimento.
Parte da citação do autor que segue, abaixo, é formada pelo relato
da Diversina Topanotti, retirado de artigo publicado em 1997, bem
anterior aos 50 anos, ou melhor, no período dos 40 anos, mas fora do
círculo da oficialidade.

A mulher camponesa, tanto na revolta de 1957 como nas


mobilizações da década de 80, demonstrou coragem descomunal
tanto na defesa de ‘seu’ território (posse, ocupação) quanto na
defesa de sua família e ‘comunidade’. Foi assim que, em 1957,
ela enfrentou os jagunços para proteger os filhos e a propriedade
enquanto o ‘seu homem’ estava escondido no mato para não
assinar ‘confissão de dívida’ às companhias colonizadoras.
Na época em que os jagunços circulavam pelas propriedades
à procura dos homens para forçá-los a assinar a ‘confissão de
dívida’, alertados, os mesmos refugiavam-se no mato, cabendo
à mulher todas as atividades agrícolas, da educação dos
filhos à plantação; do cuidado dos animais à defesa corajosa
da propriedade, que era feita individual ou coletivamente,
dependendo o local: ‘Bem, os homens se escondiam tudo [...]
porque tinham medo dos jagunços que vinham mata e as mulher
tinham que enfrentá porque tinham os filhos; não podia deixa
eles leva os filho. [...] Eu enfrentava eles, eu não tinha medo’
(BATTISTI, 2006, p. 85; parte em itálico: Diversina Topanotti
apud BATTISTI, 2006 – nota 37, p. 89).
237. O autor localizou um exemplar da cartilha dos discursos de Othon Mäder (1958), fato que o motivou a aprofundar
o assunto numa monografia de Especialização. Pocai Filho, porém, confundiu a data da publicação do material de
campanha de Othon Mäder nas eleições de 1958, como sendo a data dos pronunciamentos dos discursos na tribuna do
Senado. As separatas dos discursos realizados nos dias 6 e 9 de dezembro de 1957 foram publicadas no ano seguinte,
reproduzindo o material dos Anais do Senado.

300
Para dar voz e vez às mulheres, com suas histórias e
memórias, vidas e trabalhos, cotidianos e valores, tematização de
gênero e da condição humana, não é preciso revolucionar o passado,
nem reinventar uma nova tradição ou narração.
Na trajetória da ocupação e posse, nos conflitos e projetos
já conhecidos na memória social sobre o movimento de 1957 – na
mesma dimensão que Iria Gomes publicizou em sua obra de 1986,
os relatos que envolveram reviravoltas na vida de Elvira da Silva,
viúva de Pedrinho Barbeiro; a coragem de Paula Preilepper, viúva
de Tigrinho, que enfrentou sozinha e na condição de mulher, ja-
gunços e policiais; o assassinato da esposa de João Saldanha; ou
a reação de Manoela Pécoits diante do Chefe de Polícia, Pinheiro
Júnior –, podemos não somente ampliar o horizonte do olhar so-
bre a história e para a multiplicidade dos sujeitos, mas, à moda
tradicional (da História tradicional), correr o risco de criar “hero-
ínas” (novas Joanas D’Arc ou Anitas) com os mesmos conteúdos e
sentidos da tradição oficializada.
Não foi e não é por falta de fontes e de visibilidade da
multiplicidade de sujeitos, inclusas as mulheres, em documentos
de época, que a participação delas permaneceu em segundo plano
ou como atoras coadjuvantes nos cenários e atos da vida cotidiana
e dos conflitos no meio rural e nas cidades.
Para demonstrar cabalmente esse apontamento, basta
utilizar duas das autorias mais citadas, visitadas, pisadas e
repisadas por autores “clássicos” ou mesmo de lutadores e
elaboradores de fontes nos atos e momentos da concretude das
práxis. Uma foi o próprio Osvaldo Jansen que fez fotojornalismo,
in loco no Sudoeste para os jornais “O Estado do Paraná / Tribuna
do Paraná” (cf. KRÜGER, 2004), que Éverly Pegoraro (2008c)
recolocou em cena, cenários e atos. Outra autoria de época foi o
próprio Othon Mäder.
Dentre seus registros fotográficos e instantâneos do
enquadramento e do dispositivo da máquina fotográfica, foi
divulgada e preservada uma foto onde figuram não somente mais de
uma mulher, mas mulheres levantadas do chão com armas238.
238. No encarte de 16 páginas que Nivaldo Krüger (2004) inseriu no livro contendo matérias publicadas nos jornais O
Estado do Paraná / Tribuna do Paraná – A revolta dos colonos repercute na imprensa­–, consta um recorte da foto
de Osvaldo Jansen, que flagrou duas mulheres empunhando revólver (Foto 20 deste ensaio), publicada no jornal O

301
FOTO 20: Mulheres Levantadas do Chão com armas

Fotografia: Osvaldo Jansen - 19957.


Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de Francisco Beltrão (In: PEGORARO, 2008c, p. 98).

A fonte mais clássica, produzida e divulgada por um dos


combatentes (ao seu modo e lugar) mais aguerridos da grilagem,
um dos oposicionistas mais contundentes ao lupionismo, principal
denunciador da maior negociata da República, que utilizou um dos
lugares mais expostos aos holofotes da mídia da época, na Tribuna do
Senado Federal, parte integrante do poder público da União, Othon
Mäder registrou inúmeras vezes a participação das mulheres na
luta pela terra e por justiça social pelos motivos e fatos de violações
dos direitos humanos, de violências e abusos contra as mulheres e
apelando à própria moral e simbologia cristã.
A construção da tragédia em forma e formato do discurso,
ou da força da oratória e da sutileza da língua afiada, tão presente
naquela arena dos salões do poder governamental da União, não
eram álibis vazios e abstratos utilizados para a comoção de corações,
de mentes e de votos, mas descrições de cenários reais vividos
por homens e mulheres, colonos e colonas, posseiros e posseiras,
adulto(a)s e crianças que necessitavam labutar, cuidar, proteger e
defender a terra de trabalho, a moradia e os familiares. Para além
disso, em meio à grilagem e suas violências, as mulheres (meninas,
Estado do Paraná (Ano VII, nº 1.868, de 14 de outubro de 1957) / Tribuna do Paraná (Ano I, nº 297, de 14 de outubro
de 1957).

302
moças, filhas, esposas, mães e viúvas) eram triplamente agredidas
ou vítimas de violências.
Uma, por serem mulheres trabalhadoras rurais/urbanas
agricultoras/posseiras, tal como os homens. Outra, por terem que
defender seus filhos, suas casas e alimentos enfrentando, sozinhas
no lar, os jagunços. Por serem mulheres, correriam o risco de sofrer
agressões físicas e abusos sexuais (BATTISTI, 2006, p. 89). Para
essas situações, os discursos de Othon Mäder e os relatos de muitos
líderes herdeiros citam vastíssimos casos de violações, violências,
agressões, abusos sexuais, sevícias e assassinatos de meninas,
moças, esposas e mães. O caso João Saldanha ou das 3 crianças do
Verê apenas servem de exemplo dos muitos casos ocorridos. Essas
ocorrências que também representavam problemas da exposição
pública e moral, certamente fizeram e ainda fazem com que traumas
e silêncios sejam caminhos e defesas ao caráter e à consciência. Por
outro lado, para os agentes das violências contra as mulheres, essa
condição feminina e de gênero era utilizada intencionalmente para
autoafirmação deles enquanto homens e jagunços, além da força
de coação que as ameaças desse tipo de grilagem tinham sobre os
colonos e posseiros.
A terceira forma de violência praticada contra as mulheres,
além de elas estarem expostas aos riscos das violências e violações
de cunho sexual ou de gênero, era o fato de terem que dar conta de si
e dos filhos, ou dos ferimentos de familiares, quando não, de prover
a família na condição de viúvas da grilagem, ou de terem que viver e
conviver com a perda de familiar (esposo, parentes, filhos ou filhas),
de vizinhos, compadres e amigos.
Essas perdas representavam muito mais do que a perda do
lote/área de terra. Destes conflitos também não haveria um segundo
momento, tampouco uma regularização ou legalização. Menos,
ainda, uma pacificação ou desarmamento. No chão da história, o
sangue do parto não é o mesmo sangue da morte. Para isso, a justiça
dos homens, a regulação da Justiça poderia sentenciar os criminosos,
porém não houve nenhum registro de algum ato dessa natureza
que tivesse sido submetido à Justiça e seus responsáveis punidos. A
“anistia” prescreveu tudo no ano seguinte ao levante.
No entanto, da resistência também houve ação. Realizar a
justiça com as próprias mãos, pois a Justiça do Estado era consorte

303
da grilagem, ou se retirar da área de conflito, passando as fronteiras
na divisa com a Argentina, cruzar o Rio Chopim ou o Rio Iguaçu em
busca de novas terras ou retornar aos locais de origens. Da Revolta
de 1957, o valor da luta pela terra foi relatado e narrado pelos que
ficaram na região, todavia, aos que buscaram outros rumos, numa
época em que as fronteiras agrícolas eram significativas e acessíveis
em regiões não tão distantes, retirar-se do local e do foco do conflito
foi uma decisão em favor da vida e defesa contra aquelas violências.
Viver em outros lotes/áreas também era buscar trabalho na terra e
construir legado aos filhos e filhas. O Brasil era maior! Ou melhor, no
Brasil havia muito mais terra. Na região do Sudoeste novo do Paraná,
não! Muito menos ainda na bandeira nacional!
O debate histórico-historiográfico acerca dos novos temas,
sujeitos, abordagens, problemas, fontes e linguagens requer muita
acuidade e distanciamento do uso de simplificações e de jargões
em moda. Dentre os meandros da produção de imagens e seu uso
enquanto fonte, as fotografias não são retratos ou espelhos que
refletem, por si só, os conteúdos e formas de um momento histórico-
social. Também não são meras ilustrações de um real registrado
instantaneamente por uma lente, ou um gesto de quem opera o
equipamento fotográfico e os materiais num laboratório de revelação
de negativos e fotografias. Peter Burke (2004) já sinalizou que, para
uma análise dessas fontes, para além dos recursos tecnológicos
e suas inovações, a captura da imagem de um ato/cena vem a ser
somente uma das abordagens necessárias, porém as autorias
(fotógrafo e fotografados) e os cenários têm grande relevância
à análise documental dessa linguagem, de seus sujeitos-autores
(fotógrafo, fotografados e cenários) e de suas intensões. Junto a isso,
a história da fotografia, como já citado em relação à abordagem
da fotografia oficializada – as 3 fotografias de uma cena produzida
por Osvaldo Jansen –, vem a ser outra perspectiva nessa oficina e
instrumentalização para a leitura desse tipo de fonte.
Ao tratar de novos sujeitos e de silenciamentos em relação
à participação das mulheres na luta pela terra, durante a revolta
de 1957, Elir Battisti (2006) avançou em relação às abordagens
tradicionais e aos silenciamentos. Praticamente, há um anonimato
completo em relação à nominação de mulheres, com exceção de
Manoela Pécoits, muito citada por Ruy Wachowicz (1985), que usava

304
cotidianamente dois revólveres com coldre na cintura e acompanhava
seu esposo, Walter Pécoits, no fervor da ocupação da cidade de
Francisco Beltrão – a possível Joana D´Arc que Ivo Thomazoni (2007)
poderia imaginar como “heroína” –, praticamente não há outras
figuras/personalidades de mulheres citadas nominalmente. Raras
exceções, como os casos de viúvas – Elvira da Silva (esposa e viúva do
Pedrinho Barbeiro), Paula Preilipper (esposa e viúva do Tigrinho) e da
esposa de João Saldanha –, a condição destes atos de tragédia é que
lhes colocaram em cena e no cenário da luta contra as companhias
imobiliárias e seus jagunços. Seus nomes surgiram de tragédias.
Enquanto vítimas das violências, predominantemente, mulheres e
crianças figuram como inocentes. Também serviram na construção
retórica de Othon Mäder – em meio aos enfrentamentos político-
partidários, nos espaços institucionais do Estado e na imprensa –,
como força simbólica moral e cristã para denunciar as violências,
injustiças e ilegalidades praticadas pelo bloco Citla/Apucarana/
Comercial-Lupion-PSD-governo do Estado do Paraná.
Com relação ao registro fotográfico de mulheres com armas
em punho, durante a ocupação das cidades, a fotografia produzida
por Osvaldo Jansen, foto 20, possivelmente a imagem mais divulgada
e conhecida que representa as mulheres durante o outubro de 1957,
em Francisco Beltrão, merece um olhar acurado, especialmente em
termos do enquadramento que Jansen fez da e para a cena, bem
como da presença de 6 (seis) pessoas fotografadas em duas imagens
produzidas do mesmo ambiente/cena da multidão.
Maria Aparecida Tives Palma (2014, p. 118), ao tratar da
ocupação da cidade de Beltrão, incluiu 2 fotografias produzidas
por Osvaldo Jansen que registraram a participação popular, onde
pode ser visualizada a presença de mulheres e crianças da cena e
enquadramento da foto 20. A princípio, pela sequência das cenas,
além do enquadramento (distância e aproximação da lente/foco
e da posição do fotógrafo), é possível perceber o arranjo e a pose
produzida para a segunda imagem (Foto 20).
A posição e a gestualidade das 2 mulheres empunhando
revólveres, se vistas somente pela foto 20, tanto pelos leitores dos
jornais O Estado do Paraná / Tribuna do Paraná, das edições de
outubro de 1957, quanto por quaisquer outros interessados, à época,
ou nos dias atuais, podem ser interpretadas como mulheres com

305
armas na rua e, neste caso, não como mulheres levantadas do chão,
participante sem armas ou como participantes expectadoras ao lado
da rua, conforme a foto 21.
O movimento realizado por Osvaldo Jansen e pelas 6 (seis)
pessoas destacadas, que estão nas duas imagens, permite perceber
a produção e intencionalidade da segunda fotografia (Foto 20),
fundamentalmente nos aspectos do enquadramento, foco, pose,
armas, mulheres, crianças e multidão.
Além da pequena variação do lugar onde as pessoas estão (na
rua ou ao lado da rua), algumas armas mudam de mão e os gestos dão
novos sentidos a ação das pessoas na rua, especialmente para o caso
das 2 mulheres destacadas na segunda imagem (reprodução da foto
20, identificação com os números 1 e 2). Pelo vestuário dessas mulheres
(vestido longo com cinto) não há peças apropriadas para portar revólver.

FOTO 21: Público participante do Levante de 10 de Outubro de 1957, em


Francisco Beltrão – Mulheres Levantadas do Chão sem armas

Fotografia: Osvaldo Jansen -1957, Francisco Beltrão.


Fonte: In PALMA, Maria Aparecida Tives (2014, p. 118), livro 1957 Colonos x jagunços: a revolta do
sudoeste do Paraná.

306
Nesse sentido, a segunda imagem isolada fortalece a
intencionalidade de registrar uma fotografia com mulheres
empunhando armas. Além disso, os aspectos do vestuário e das
fisionomias, perceptíveis nas fotos 21 e 20, dão indícios de serem
mulheres que residiam no espaço urbano de Francisco Beltrão, não de
mulheres agricultoras/colonas. Obviamente que o foco do tema não
diz respeito às duas imagens de fotografias, contendo ou não, cenas
onde mulheres na rua portavam ou mostravam armas em punho,
até porque o enquadramento da foto 21 registra a presença de um
número maior de mulheres, mães e crianças na rua, fortalecendo
suas práxis no outubro de 1957.
A aproximação dessas duas imagens amplia a visão sobre a
leitura dessas fontes e das suas autorias, Osvaldo Jansen e as pessoas
fotografadas. Permite romper silenciamentos e ampliar a noção dos
sujeitos envolvidos na luta pela terra, mas, tendo em mãos as duas
imagens, já não é mais aceitável abstraí-las das intencionalidades
e dos usos ou abusos praticados no chão da história, da produção
historiográfica e demais linguagens em meio ao saber social, das
disputas pela história e sobre o passado, como observou Jean-Jacques
Chesneaux (1995). As armas eram e são somente instrumentos, a
práxis era e é dos fazedores da história, sejam mulheres, homens,
idosos e crianças, colonos ou posseiros.
A ampliação dos sujeitos e das fontes que tratam da história
das mulheres e o debate sobre as relações de gêneros, enquanto
prática social que havia no contexto da revolta de 1957 no Sudoeste do
Paraná, requerem novos estudos, mas também estão condicionados
aos efeitos do tempo, das memórias, das revisitações, das ausências,
das novas comemorações, dos lugares de memórias e do acesso às
fontes e aos sujeitos sociais.
O último documento selecionado para a análise da produ-
ção de resultados que o Movimento do Cinquentenário atualizou
para 2007, em meio às comemorações, é a peça teatral A Revolta dos
Posseiros - Sudoeste do Paraná, 1957, de autoria de Ivo A. Pegoraro
(2007). Tratou-se da segunda peça desse tipo de linguagem que Pe-
goraro criou sobre aquilo que representava sua paixão por Beltrão e
o Sudoeste. Do último dia de Marrecas ao dia do aniversário dos 50º
Anos da Revolta, os eventos de passagens da história e de calendário

307
eram significativos para inspirar seus ensaios na arte figurada da
apresentação e representação cênica do passado em atos, cenários,
personagens, figurinos e roteiros. Além do texto, a produção da peça
teatral (desde a direção, à confecção do palco e dos atores cênicos), a
dramaturgia e a receptividade do público espectador, essa forma de
linguagem teve interatividade para o registro da passagem dos 50
anos. A personalização da identidade criadora do Sudoeste no teatro
diversificou a reapresentação do seu mito fundador (cf. CHAUÍ, 2007).
Na arte cênica, as cenas também ensinam, com toda
a intensidade didático-pedagógica do lúdico, da comunicação
na corporeidade dos atores, dos figurinos, da oratória, da
descontração, da alegria, do sorriso, da dor, da tristeza e da
esperança que os artistas conjugavam nos papéis dos personagens
e os espectadores observavam239.
Na festa do teatro ao 50º aniversário, o presente e o pas-
sado (objeto dos 2 Atos) integram as comemorações. As leituras e
revisões do texto inicial realizadas por Hermógenes Lazier, Tânia
Maria Penso Ghedin, Badger Vicari e José Antônio Rezzardi (vide
nota 176) avalizaram a interação da arte cênica com o projeto res-
gatar do cinquentenário.
Nessa nova fonte e linguagem aparecem os aspectos mais
significativos da memorialização, no presente e aos presentes/es-
pectadores (autor, elenco e plateias – foi apresentada gratuitamente
a mais de 20 mil alunos e à comunidade/população), de um passa-
do abstraído, desarmado e pacificado, mesmo com a abundância de
cenas e personagens usando armas e as referenciações de conflitos
armados ocorridos no passado dramatizados em palco, ou das ações
de segurança que as juntas deliberativas, as comissões executivas e
as lideranças havia previstas, enquanto prevenção às possibilidades
de derramamento de sangue durante os levantes e as ocupações das
cidades, incluídas no roteiro e falas de personagens, como advertên-
cia para que ninguém cometesse besteira e fosse garantido que o le-
vante seria feito em armas, mas pacificamente (cf. de modo inverso,
o Capítulo 5 e o item 3.5).

239. Personagens nominados: Santolin, Zé Matador, Paulo da Cango, Manoela Pécoits, Elvira (viúva do Pedrinho Barbeiro),
Dr. Walter, Grando, Coletti, Bastião, Traiano, Marchetti, Deorides, Dr. Bastos, Pé-de-Chumbo, Roberto e Guerino.
Personagens não nominados: Colono, Colono 2, Colono 3, Policial, Mulher, Homem da Carne, Locutor, Homem da
Rádio e Narrador da fala de Othon Mäder (PEGORARO, 2007).

308
Para o tempo presente (história e sujeitos), na construção
cênica da arte da peça teatral sobre o passado, também estão
contextualizados (na perspectiva do reflexo da imagem do hoje no
passado e vice-versa) alguns temas, como: das formas e meios das
lutas sociais; de violências e assuntos da lei; dos marcos regulatórios
dos direitos dos cidadãos, das corporações da sociedade civil e do
Estado; do ordenamento social institucional e representativos; da
democracia e da liberdade (resgatar o passado de lutas para valorizar
a liberdade do presente); e das cores da bandeira do Brasil.
Dentre os confrontos e contrapontos que Rubens da Silva
Martins (1986) ou o senador Gaspar Velloso fizeram em oposição
aos discursos de Othon Mäder, acerca das violências, violações
dos direitos humanos e da violência na/da fronteira, bem como os
problemas atuais, entre a história e esta linguagem, a não violência
estava, a priori, acertada.
Na pedagogia das cenas que ensinam (brincando e
ensinando, rindo e aprendendo), o texto da peça teatral (PEGORARO,
2007) e nas encenações, há 3 recorrências sobre bebidas alcóolicas
e controle da violência ou de violências: – 1º Ato (1) no ambiente da
cena e personagens figurantes: “Uns têm foice e facões. E [um] um
litro de pinga” (2007, p. 4); – 1º Ato (2), final da fala de [Traiano]240:
“... Nada de pinga nem vinho. Prá ninguém ficar bêbado e sair
brigando entre companheiros. Essa é a ordem” / Aquele do litro de
pinga esconde o litro embaixo da camisa. (2007, p. 7); – 1º Ato (6),
na fala de “Santolin”: “Por isso que o movimento de hoje é para ser
sem violência, e sem bebida de álcool” (2007, p. 15). Esta foi uma das
“lições de casa” que, no passado cênico, deu uma nova versão sobre a
Revolta de 1957 e para o tempo presente.
Um segundo tema recorrente no texto/encenação do
Teatro – A Revolta dos Posseiros –, já citado na terceira passagem
sobre bebidas alcóolicas, é a versão pacífica do levante de 1957:
não teve mortes (graças à inteligência dos líderes, cf. Lazier [1980,
1998]). Mesmo que, em tese, a versão do teatro é para Francisco
Beltrão, no conjunto das produções para os 50 Anos, o Jubileu de
Ouro241 – a Logomarca dos 50 Anos, o Monumento em Homenagem
240. As indicações dos personagens estão entre colchetes [Traiano].
241. Como a força da própria matriz cultural e cerimonial de comemoração de Jubileu de Ouro do ato original da aliança do
matrimônio ou de um fato/evento digno de merecimento (versões sobre o nascimento), renovado num ritual dourado,
o caráter e o conteúdo do júbilo é festivo, comemorativo e de compartilhamento entre os próximos. Na religião cristã

309
aos Posseiros de Beltrão e a cartilha de Ivo Thomazoni (2007) –, esses
materiais, documentos, referências e fontes possuem elementos do
desarmamento do passado¸ da legalização da terra e das “lições de
casa” a todo o Sudoeste.
Bem antes do cinquentenário, no monumento ao Getsop a
regularização e escrituração da terra já haviam sido referendadas
como realização da agência/Estado. Os dirigentes do grupo misto
registraram o papel e a missão cumprida à paz social, tranquilidade
e prosperidade no Sudoeste do Paraná. Nas memórias dos herdeiros
representantes da/na continuação da luta até a conquista da
meta maior e nos relatos sobre os fatos e acontecimentos dos dias
dos levantes e ocupações das cidades, incluídas nos estudos de
Hermógenes Lazier e de Ruy Wachowicz, o foco da ação pacífica, sem
violência e mortes, foram constitutivas para as abordagens que os
autores apresentaram em suas obras e fontes orais. Exceto o caso da
Fronteira, em Santo Antônio do Sudoeste, onde houve rusgas e troca
de chumbos, no núcleo central do levante Beltrão e Pato Branco, para
estes autores não houve derramamento de sangue. Nesse aspecto, o
teatro reproduz essa visão construída e aceita.
A vitória nos atos dos levantados do chão em armas de ou-
tubro de 1957 foi conquistada sem a necessidade da ação/reação nas
formas dos casos de agosto no Verê (Tigrinho e Oenning) ou do setem-
bro dos farrapos na fronteira (da Tocaia do Km 17, do Lajeado Gran-
de), pois a força da multidão na rua foi suficiente para conquistarem
as cidades e, com esta soberania do poder popular, destituíram as
autoridades lupionistas, expulsaram os gerentes-diretores e jagun-
ços dos escritórios e das terras no Sudoeste. Com isto, libertaram a
população local e da região das práticas de grilagem e violências que
a Citla, Comercial e Apucarana realizavam até a data desses levan-
tes. Mesmo com a negociação acordada com os porta-vozes do gover-
no de Lupion e o retorno de autoridades lupionistas, a especulação
imobiliária dessas empresas de capitalistas com as terras das glebas
Missões e parte da Chopim, à custa das rendas de colonos e posseiros,
foi eliminada, assim como as violências e expropriações realizadas
e em suas religiosidades teológicas e bíblicas (internas às instituições das igrejas e laicizações/leigos ou construções
populares), nascimento e crucificação, calvário/martírio e oferendas abrangem vida e morte, início e fim, alfa e
ômega; Antigo e Novo Testamentos (testemunhos), com suas exegeses na história. O sentido das rememorações dos
mártires e da simbologia da comunhão é a de manter na memória viva e atual – para não esquecer, (re)lembrar e (re)
constituir muitos aspectos das marcações de calendários e comemorações de passagens, de cunho religioso, laico, civil,
institucional e mesmo republicano – o ato original, porém ritualizado, representado.

310
a soldo pelos jagunços e sob os olhos, a conivência ou a participação
de agentes representativos daquele governo. Esse novo contexto de
segurança nas terras de trabalho, ainda no governo Lupion, foi man-
tido pelo respaldo da derrota da grilagem, independentemente da
permanência dos assuntos e pendências jurídicas dos litígios sobre a
real competência ou direito de propriedade que a União, o Estado do
Paraná e as companhias mantinham.
A vitória do levante, sem necessidade dos enfrentamentos
diretos com armas de fogo, a exceção de Santo Antônio do Sudoeste,
não era uma estratégia, a priori, certa, mesmo que tenha sido
planejada. A rendição da milícia privada das companhias, de seus
aliados e diretores locais, diante da mesma força da multidão, foi
decisiva para a eliminação daquela grilagem, assim como do próprio
recuo do governo Lupion.
O tema da pacificação do levante, a segunda “lição de casa”
presente na cartilha de Ivo Thomazoni (2007), está alicerçada numa
visão sobre os casos emblemáticos de violência que ocorreram desde
maio, ao dia 9 de outubro de 1957, que marcaram a memória social
e passaram a servir de base para a construção do “heroísmo” de
algumas vitórias e outras derrotas. A dramaticidade desses fatos foi
demarcada pelos registros de época destas violências, pelos jornais,
fotojornalismo e discursos de apoiadores à causa dos homens da
terra e opositores do bloco Citla/lupionismo. À época, não faltavam
grilagens de terra no país e em outras regiões no Paraná (agenciadas
pelo governo Lupion).
Os casos de resistência armada e enfrentamentos diretos
no Verê/Alto Verê e na Fronteira (Lajeado Grande, Capanema e
Santo Antônio), seja pelas mortes de colonos e apoiadores (a exemplo
de Pedrinho Barbeiro), ou pelas reações dos colonos ou posseiros
(Tigrinho e Oenning), ou ainda pelas formas de reação e defesa que
os colonos-farrapos e posseiros-farrapos passaram a realizar entre
junho e setembro de 1957 (dos planos e estratégias “arquitetadas”
pelo grupo de Pedro Santin), da milícia dos colonos e posseiros na
fronteira, que resultou na tragédia da Tocaia do Km 17 e no caso
João Saldanha/Manuel Paraguay, pelas reações da Comercial e da
Apucarana com bando de jagunços (os facínoras Maringá, Chapéu de
Couro, João Pé-de-chumbo, Quarenta e Quatro, Antônio Borges, etc.)

311
passaram a ser “lições de casa”, numa reconstrução do passado que
valoriza a originalidade da vitória dos Levantes de Outubro de 1957,
obtida sem derramamento de sangue e de forma pacífica.
Para essa reconstrução, a visão retrospectiva realizada
no pós-levante, seja pelos anônimos nas multidões, mas, em gran-
de medida, pelos continuadores da luta até a obtenção da meta
maior, é constitutiva da própria identidade da região e do povo do
Sudoeste. A construção dos “heróis” da luta e dos líderes dos le-
vantes – com destaque ao núcleo dos apoiadores ligados às Rádios
Colmeia, de Pato Branco e de Francisco Beltrão, das lideranças
oposicionistas ao governo de Moysés Lupion e ao PSD, dos partidos
da UDN (Othon Mäder, Edu Publitz, Ivo Thomazoni e Luiz Prolo)
e do PTB (ex-vereador Pedrinho Barbeiro, Walter Pécoits, Antônio
Anibelli, Ricieli Cella e Antônio de Paiva Cantelmo), em lugares de
representação no Estado – em cargos no executivo (municípios) e
no legislativo (Câmaras de Vereadores e Assembleia Legislativa do
Paraná) –, ou representantes e porta-vozes do movimento de 1957,
deram homogeneidade e lógica ao passado e às suas trajetórias.
Os próprios relatos concedidos para as pesquisas sobre a história
da região e do movimento, realizados a partir da década de 1970
(Lazier, Wachowicz e Gomes), passaram a ser considerados como
versão oficial, pois seus autores/entrevistados tinham sido líde-
res e representantes nas novas esferas e lugares de lutas.
No texto da peça do Teatro, há várias menções das “lições
de casa” e dos acertos do levante pacífico de outubro, que tratam
das tragédias. Na mira dessas lições, o papel dos farrapos ocupa a
centralidade, para o passado e para o presente, e os mártires estão
relacionados às ações de extrema violência, à pedagogia do medo e
dos abusos que grileiros e jagunços praticavam, ou a erros nas ações
isoladas ou mal planejadas por principiantes ou farrapos.
Do caso Pedrinho Barbeiro, o mártir, no texto e no palco, duas
passagens de personagens tratam da tragédia: 1º Ato (5).

[Colono]: “... O Pedrinho começou a reunir assinaturas e


dinheiro pra viajar pro Rio de Janeiro. Ele queria saber do
presidente Juscelino o que é que nós, colonos, que estamos aqui
há tantos anos criando nossas famílias, devemos fazer. E o que
aconteceu? Mataram o Pedrinho”.

312
[Paulo da Cango]: “Foi uma morte covarde. Ele estava em casa,
chegaram dois jagunços, perguntaram se ele queria vender a
casa e não deram tempo pra resposta, atiraram a sangue frio.
E foram embora, como se nada tivesse acontecido. Quem foi?
Jagunços das companhias. Dá pra aceitar uma morte dessas?”
(PEGORARO, 2007,p. 15)

O caso Tigrinho e Oenning, também fez parte do texto,


encenado no 1º Ato (5):

[Bastião]: “Olha, foi coisa de arrepiar. Até hoje tem colonos


assustado. Se ouvir um tiro, foge pro mato. Do trauma que ficou
daquele dia, 2 de agosto. Um dia frio. E que tiroteio, sô. Os colonos
saíram da Barra do Verê e foram juntando companheiros pelo
Alto Alegre e a Barra do Santana. Mas quando chegaram no Verê
pra botar fogo no escritório da maldita companhia Comercial,
foram recebidos a tiro de winchester. A maioria fugiu, mas
dois morreram. O Guilherme Oening, do Santana, e o Leopoldo
Preiliper, o Tigrinho, da Barra do Verê, onde ainda mora a viúva
dele, dona Paula Preilliper, mulher muito corajosa” (PEGORARO,
2007, p. 14).

No núcleo duro da valorização da forma e da maneira


pacífica do Levante de 10 de outubro de 1957, de Francisco Beltrão,
o tema dos farrapos foi relacionado às lições da fronteira, no 1º Ato
(5), na última fala ao personagem [Colono]: – “E aquela tocaia perto
de Santo Antônio, no quilometro 17, dia 14 de setembro? Conta como
foi” (PEGORARO, 2007, p. 15). Na cena seguinte no diálogo da peça/
teatro, a conversa dos personagens qualifica os “erros” daquelas
“lições de casa”: 1º Ato (6).

– Olha, ali morreu também gente nossa. O farrapo Pedro Santin


era o líder dos colonos, Eles combinaram de matar os jagunços
que iam passar numa camionete da companhia Apucarana.
Mas na estrada os jagunços foram dando carona também pros
colonos.
-Olha o perigo.
- Resultado: do tiroteio, sete ficaram mortos. Dois eram jagunços
e cinco eram colonos que nem nós.
- Que coisa mal organizada?
- Um colono que estava na tocaia ajudou a matar seu próprio
pai.
- Que barbaridade!
- Que tragédia!
[Santolin]: - Vejam, quando os colonos decidiram combater a
violência com a violência, se deram mal.
- É, perdemos gente no Verê e em Santo Antônio.
[Santolin]: - Por isso que o movimento de hoje é pra ser sem
violência, e sem bebida de álcool.
Um deles volta a esconder a garrafa (PEGORARO, 2007, p. 15).

313
O exemplo dos farrapos, na pedagogia do encenar e ensinar
reúne Pedro Santin e João Saldanha a um “destino geral”. Ainda no
1º Ato (6), dois personagens encenam e resumem esta “lição para a
vida” num diálogo: “- Quem lidera o movimento na fronteira é um
tal de Pedro Santin, ele é dos farrapos do Rio Grande, tá sabendo?”
/ [resposta] – “Tô. Mas eu não queria estar no couro dele. Ele matou
e quem mata, vocês sabem, quem com ferro fere, com ferro será
ferido” (PEGORARO, 2007, p. 16).
Se, na peça, a lição está colocada para os revoltados do
levante e não para os grileiros e jagunços, o problema está no tipo de
liderança, para o presente, o “quem com ferro fere, com ferro será
ferido”, serve de “lição geral” à visão sobre o passado e no tempo
presente para o público presente a cada encenação. Antes de o enredo
passar para o caso de João Saldanha, também um farrapo, a “moral
geral” percorre passado e presente: – “É quem mata, se complica.” / –
“Mesmo que seja um jagunço?” / – “Sempre incomoda. Você falou certo,
quem com ferro fere, com ferro será ferido” (PEGORARO, 2007, p. 16).
O tipo social do farrapo, foragido da lei, a versão/
denominação sulista aos gaúchos foragidos no Sudoeste, tanto
está presente nos relatos de entrevistas produzidas na década de
1970/1980, referente à particularidade dos conflitos agrários na
faixa de fronteira, como já está reiterado e reificado na memória
social e na historiografia das obras publicadas no contexto das
Bodas de Prata de Francisco Beltrão e num período de crise da
Ditadura, quanto repetida nos estudos mais recentes, do movimento
do cinquentenário, reafirmando qual o tipo ideal de liderança no
primeiro momento da Revolta de 1957, e quem foram os líderes do
levante e seus herdeiros e continuadores. Na tela do palco, a lição
também era apresentada e presenciada pela plateia que interagia
com a arte cênica: via e apreendia, pelo exemplo da “lição de casa e
para a casa”, na vida real. No 1º Ato (6), a síntese Santin/Saldanha
dos “farrapos” encerra essa relação liderança/resultado/lição:

– Vejam o que aconteceu com o João Saldanha. Ele tinha morte


nas costas. Se deu mal. O Santin vai pro mesmo rumo. Já
mataram o cunhado dele. Vive foragido. Ainda bem que de nós
aqui ninguém matou.
– Só o Zé Matador.
Zé Matador dá um pulo.

314
[Zé Matador]: – Eu não matei ninguém.
– Ué, tava falando que já matou oito jagunços. Matou ou não
matou?
[Zé Matador]: – É, eu atirei de longe. A minha 16 tinha rolamento
no lugar de chumbo. Fazia um rombo a cada tiro. Mas ninguém
sabe que fui eu que atirei (PEGORARO, 2007, p. 16-17).

No 1º Ato(4) da peça teatral também há uma narrativa


do personagem“Paulo da Cango”, que relata a história dos litígios
e do início da atuação da Citla. No 50º aniversário da Revolta dos
Posseiros, Ivo Pegoraro incluiu no texto e para a encenação, uma
referência ao “pioneiro” Júlio Assis Cavalheiro, antes da cena
da derrubada do obelisco (vide Fotos 5 e 8): [Paulo da Cango]:
–“[...] Enquanto tinha só a Citla, com o seu Júlio Assis cuidando
do escritório, estava tudo calmo. [...]” (PEGORARO, 2007, p. 12).
Entre a história e as abordagens já construídas sobre essa relação
pioneirismo/Júlio Assis/Citla, esse registro do e ao cinquentenário,
na realidade, reifica o que já estava constituído, acrescentando a
atualização e abstraindo a imagem do pioneiro em relação ao
problema da grilagem. Com isso, redime o erro do acerto de contas
com o passado e suas simbologias, também nisso, pacificando o
passado e ajustando as peças para o presente (passado-futuro).
No 2º Ato a narrativa, na criação da arte dramatúrgica,
figurativamente correspondente às ações da direção do levante e dos
levantados do chão em armas, após a ocupação vitoriosa da cidade; o
tipo idealizado do líder/representante e porta-voz aparece nas falas
e encenações de personagens centrais na peça do teatro e na tela do
palco do passado.
Na reabertura das cortinas para o 2º Ato, o cenário do palco
é o centro da cidade de Beltrão, na esquina da Av. Júlio Assis, onde
ficava o prédio Soranso e a Rádio Colmeia. Na cena das fotografias
históricas, fotos 3 e 4, e a de Osvaldo Jansen (Foto 12), reunindo as
marcas do projeto Resgatar o Passado (Logomarca Oficial dos 50
Anos, fotode Osvaldo Jansen/Selo Publicitário e Monumento do 50º
aniversário), a peça encena com um grupo de colonos, que, portando
a Bandeira do Brasil (em cores), entoam o segundo e o primeiro
refrão do Hino Nacional242.

242. “Se o penhor dessa igualdade / Conseguimos conquistar com braço forte, / Em teu seio, ó liberdade, / Desafia o nosso
peito a própria morte! // Ó Pátria amada, / Idolatrada, / Salve Salve!” (Hino Nacional).

315
No 2º Ato constam 5 passagens do personagem Dr. Walter,
que trata da logística do controle da violência e da forma e estratégia
pacífica do levante de 10 de outubro de 1957. Considerando a
criação e a relação entre as várias pontas da teia, na tessitura da
(re)construção, das (co)memorações e das novas linguagens sobre a
história do passado e suas (re)visões, mesmo pinçando as cenas do
texto ou da encenação (aos espectadores), os elementos da pacificação
do passado nessa escrita, reatualiza o que já estava cristalizado na
memória oficializada da identidade da região e dos herdeiros/porta-
vozes. No 50º aniversário, porém, esse reforço ganha, nessa arte,
maior publicização para a opinião pública. Mesmo sendo um teatro
festivo e justamente por isso, a aproximação do personagem com
sua inspiração no passado, ocupa, praticamente, todas as cenas e o
cenário do 2º Ato.

2º Ato (9[continuação do 1º Ato])


[Após abertura do cenário]
[O grupo para de cantar o Hino Nacional e com a Bandeira do
Brasil]
[Dr. Walter]: [...] Mas vamos evitar todo tipo de violência.
Aqui estão as nossas lideranças que vocês devem ouvir. [...]
(PEGORARO, 2007, p. 20).

[Dr. Walter]: [...] Agora, atenção, vocês devem permanecer


firmes aqui na praça. Tudo vai dar certo, mas ninguém pode
fazer besteira. Obedeçam as nossas ordens ( 2007, p. 21)243.

[2º Ato (10) - (após a negociação com Breda e Marchetti)]


[Dr. Walter]: [...] Vocês continuem todos aqui de prontidão, nós
vamos vencer sem necessidade de matar, eles já se entregaram.
Estamos só aguardamos uma ordem de Curitiba pra levar
embora essa jagunçada (PEGORARO, 2007, p. 23)

[2º Ato (11) - (após a saída do escritório da Comercial)]


[Dr. Walter]: – Meus amigos, as promissórias que vocês não
queriam assinar, agora estão nas nossas mãos, vi arquivos
e gavetas cheios aí dentro. Se vocês querem pegar de volta as
promissórias peguem, são de vocês, mas sem violência. Fica
combinado que podem fazer o que quiserem, menos matar e
roubar (2007, p. 25).

[2º Ato(13)]-(após a retirada dos jagunços e homens das


companhias)
[Dr. Walter]: – Minha gente, eles foram embora. Os jagunços
e todos os homens das companhias. Os contratos que vocês
assinaram estão aí pisados na rua, não tem mais nenhum valor.
Vejam as armas que eles tinham. E vejam as nossas. Mas nós
243. No final do 2º Ato (9), os personagens reunidos na praça voltam a entoar as últimas 3 estrofes do Hino Nacional: “Ó
Pátria amada, / Idolatrada, / Salve! Salve! // Brasil, de amor eterno seja símbolo / O lábaro que ostendas estrelado, / E
diga o verde-louro dessa flamula / Paz no futuro e glória no passado // Mas, se ergues da justiça a clava forte, / Verás
que um filho teu não foge à luta, / Nem tem, quem te adora, a própria morte. // Terra adorada, / Entre outras mil, / És tu,
Brasil, / Ó Pátria amada! / Dos filhos deste solo és mãe gentil / Pátria amada, / Brasil!” (Hino Nacional).

316
vencemos. Os pequenos venceram os grandes. Isso é muito raro
acontecer na história da humanidade. E sem derramamento de
sangue. [...] (PEGORARO, 2007, p. 27-28).

Além do show do espetáculo e da representação das origens


dessa edição do jubileu, a pacificação do movimento e dos acertos
com o passado, para reunir a base do pioneirismo com a revolta de
1957, as duas matrizes da formação do Sudoeste e, em particular, da
Vila Marrecas e Francisco Beltrão, o teatro homenageia a própria
“tradição” do primeiro momento do movimento, segundo Iria
Gomes, com o desfecho do segundo momento: no primeiro, a vitória
“pacífica dos levantes/1957”; no segundo, a regularização e a paz
social com a titulação da propriedade dos lotes, a “legalização das
terras”, conforme o registro na placa inaugural do Monumento 1957-
2007. Todavia, no personagem Dr. Walter, o desfecho final do ato,
no papel e na encenação, adquiriu uma força futurista ao Sudoeste,
aos líderes continuadores e à humanidade, valorizando o passado
que foi revisitado a partir das ideias já estabelecidas: “Os pequenos
venceram os grandes. Isso é muito raro acontecer na história da
humanidade. E sem derramamento de sangue”. A forma certa da
organização do povo e os líderes certos foram ouvidos e, portanto,
continuariam a ser a voz e a vez daqueles que desocuparam as cidades
e voltaram tranquilos para suas casas, para trabalharem sem o medo
e a insegurança de suas posses, pois os grileiros e jagunços já não
estavam mais no palco e no cenário do Sudoeste.
Por tratar-se do 50º aniversário de Outubro de 1957, sua
relação com o Getsop – agência e agentes ainda não nascidos para
a meta final, a peça teatral termina com a última participação do
narrador da história durante a encenação. Também com a força da
voz da história, a voz da consciência e da sabedoria, de quem foi o
ator/autor ausente no palco, terminado o nascimento, vem o batismo
e a indicação da unidade presente/passado, história/narração e
linguagem para a marcação da passagem: a Revolta dos Posseiros.
Para essa unidade, entre o outubro/1957 e a meta maior, foi utilizado
o salto no tempo, até janeiro de 1974, antes do fechamento das
cortinas e do FIM. Dado o nascimento, realizado com a expulsão dos
grileiros e o desmonte da grilagem, com o auxílio das parteiras da
história e os sucessos da via pacífica, restava o registro, a certidão de

317
nascimento, já simbolizada no Memorial ao Getsop: a regulação e a
área titulada com nome e aval do Estado.

Até janeiro de 1974, quando teve sua atuação encerrada, o


Getsop emitiu 56.917 títulos de propriedade, trazendo paz ao
Sudoeste do Paraná. A revolta foi denominada dos Posseiros, e
não apenas dos Colonos, porque daqueles 56.917 títulos emitidos
pelo Getsop, 32.256, ou 57% foram para lotes rurais, e 24.661,
ou 43% para lotes urbanos. Quanto às companhias de terra e
seus jagunços, nunca mais apareceram no Sudoeste do Paraná
(PEGORARO, 2007, p. 28-29, grifo nosso).

Firmadas as lideranças (os não farrapos) e garantido o le-


vante pacífico, nas comemorações do 50º aniversário do movimento
do cinquentenário, também entrou, à baila, o debate sobre o nome
para o aniversariante. Com o salto temporal de outubro/1957 a ja-
neiro de 1974, quando foi concluído e assinado o Relatório Final do
Getsop (1962/1974), os dados gerais e sua quantificação cartográfica
por zoneamento econômico-ocupacional e demográfico, entre os lo-
tes rurais e os lotes urbanos, o nome Revolta dos Posseiros foi con-
siderado – conforme o próprio projeto Resgatar o passado de lutas,
para valorizar a liberdade do presente, oficializado no novo movimen-
to de comemorações –, como sendo o mais abrangente e comum a to-
dos, na genealogia do Sudoeste. O tom do “resgate” foi harmonizado
para envolver todos os habitantes do Sudoeste (antigas áreas da gle-
ba Missões e parte de gleba Chopim), todavia, o elemento conclusi-
vo foi “resgatado” com base nos resultados de 1974 (17 anos depois),
pois foi a luta no passado que garantiu a paz social e a prosperidade.
Em 2007, essa era a força e a criatividade que as comemorações de
passagens possibilitaram, pois acrescentaram um novo numerador
para contar a idade a quem estava aniversariando ou ao o que esta-
vam comemorando. Foi possível atualizar a narração, com as experi-
ências de vida e de memórias de quem contava e do que já havia sido
contado. Entretanto, a quantificação tem seus limites nas contas e
nos números, pois estes são lógicos e de fácil dedução matemática.
No tempo presente dos 50 anos, porém, a valorização da
liberdade conquistada pelas lutas no passado, recolocou outras
indagações: se a conquista foi dos colonos ou dos posseiros (?); se o

318
Outubro de 1957 foi o começo de um novo tempo ou período de lutas
e de conflitos de terras no Sudoeste (?); se a liberdade de hoje tem
solidez pela atuação do Getsop e dos representantes porta-vozes e
herdeiros do Outubro de 1957 (?) (cf. Anexo 3, sobre as representações
político-institucionais de lideranças de Francisco Beltrão); ou, ainda,
se nas Comemorações dos 50 Anos, a valorização das lutas no passado
diz respeito à legalização jurídica das terras e se isso representaria a
liberdade no presente (?).
Propriedade jurídica e a liberdade de propriedade, da livre
iniciativa, foram os embustes do jogo de chicanas que a Citla tão
bem fez para fazer-se de proprietária legal das posses alheias; foram
utilizadas para validar a grilagem de terra nos papéis e na prática,
com uso da força bruta privada e a aquiescência governamental, as
milícias privadas e o consórcio lupionista dentro e fora do Estado, no
governo do Paraná.
No Movimento do Cinquentenário, há mais de três décadas
do que Iria Gomes considerou o fechamento histórico do Movimento
dos Posseiros de 1957, a produção de novas linguagens e materiais de
referência sobre os 50 Anos de outubro de 1957, construído a partir
do projeto “Resgatar o Passado”, como a Logomarca, os Monumentos
e lugares de memórias, o texto da Peça Teatral, A Revolta dos Posseiros
e suas encenações, as Cartilhas, o Selo oficial das publicações do Jubi-
leu de Ouro e as oficinas com as fotografias de Osvaldo Jansen deram
novo caráter aos aspectos já construídos sobre as lutas pela terra que
houve no Sudoeste do Paraná. O problema das práticas de grilagem
e da permanência da força lupionista no pós-levante foram redese-
nhadas, pois a pacificação das resistências e dos levantes, a regula-
ção dos títulos de terra na versão da legalização da propriedade, nas
bases do direito positivo e nas institucionalizações jurídicas, que rei-
na absoluta nos tempos atuais, deram novas cores à cartografia das
lutas agrárias no passado e para o presente. Na perspectiva do Movi-
mento do Cinquentenário, no século XXI, já não existiam mais proble-
mas de litígios e de regularidade da propriedade da terra no Sudoeste.
A centralidade da imagem da Bandeira do Brasil¸ em 1957
e em 2007, num período de mais de duas décadas da transição

319
lenta, gradual e segura da Ditadura à democracia representativa,
a atualização das cores na imagem oficial da comemoração ao 50º
aniversário, também estava em sintonia com a representação nos
lugares institucionais da vontade democrática eleitoral, a exemplo
do papel que os principais herdeiros porta-vozes tiveram – construído
a partir dos relatos de memórias, histórias de vida, participação em
eventos, comemorações, monumentalização da originalidade do
levante pacífico, produção de memória social e da identidade social
da região e do passado –, no pós-Outubro de 1957. Essa meta maior
e central foi reatualizada nas imagens/linguagens sobre o passado
para o tempo presente, referendando a visão sobre a importância da
forma da representação da democracia numa República, do perfil e
da conduta dos líderes, das estratégias de lutas e da participação da
multidão na história.
Nesse sentido, a própria trajetória dos continuadores e
da importância que foi dada às tarefas da meta maior para, enfim,
concluir o Movimento de 1957, somados aos longos anos percorridos
entre outubro/1957 a janeiro/1974, aos novos agentes e agências
(Getsop/União/Estado do Paraná), durante os anos de silêncio e
silenciamento da questão agrária, no novo regime de governo, da
Ditadura, das novas metas para a agricultura e ao homem do campo
(milagre econômico e empresa rural, do Estatuto da Terra de 1964),
o distanciamento e a abstração da história, surgidos nas narrações
e nas homenagens (lugares de memórias, monumentos), em textos
e contextos diversos, passou a ser conteúdo da identidade, na forma
de “tradição”, e ligação entre o presente e o passado: de OlhO no
passado com Um pé no presente e o Outro no futuro.
No contexto das comemorações da passagem do Jubileu
de Ouro, o enfoque na normalização da vida e na estabilidade
do marco regulatório (legalização das terras), garantidos pelas
lutas dos posseiros no passado (a cartografia agrária do Sudoeste
estava concluída), o foco do movimento do cinquentenário para a
denominação, dos posseiros, voltou-se para confirmar a tradição,
abrangendo toda a sociedade em 2007, seja a residente no meio
urbano ou no meio rural. Com os dados da titulação do Getsop, de

320
1974, sendo todos posseiros na ocupação dos lotes e áreas, nesses
ambientes socioeconômicos, esse nome dava unidade ao campo e
à cidade, em 1957 (na ocupação das cidades), em 1974 (pelos 56.917
títulos fornecidos pelo Getsop, 32.256 eram ao meio rural e 24.661
ao meio urbano) e em 2007, pois todos estariam envolvidos com as
comemorações, sejam os moradores nos espaços urbanos quanto nos
rurais. Reunindo várias gerações, o momento era de congraçamentos
entre os herdeiros de 1957 (ainda vivos), os representantes herdeiros
da regularização e da tranquilidade, os representantes atuais, os
organizadores do projeto Resgatar o Passado e a nova geração. Sendo
todos originários de posseiros, os participantes rememoraram,
narraram histórias de vida¸ apreenderam e aprenderam a valorizar
o passado pelas vozes, lugares de memórias e linguagens do 50º
aniversário. Com júbilo, o Sudoeste tinha um lugar ao sol (na aliança
dourada, nas artes e nas obras), bem representado, especialmente,
na Logomarca e no Monumento ao 50º aniversário do dia 10/10/1957
em Beltrão, justamente na Praça Dr. Eduardo Suplicy, lugar público
que reúne os monumentos de homenagens e comemorações, com
seu cenário e suas cenas (centro patrimonial dos momentos do
passado). Enfim, a síntese da ópera, do Sudoeste para o Mundo e para
a Humanidade: “Os pequenos venceram os grandes. Isso é muito
raro acontecer na história da humanidade. E sem derramamento de
sangue. [...]” (PEGORARO, 2007, p.27-28).

321
CAPÍTULO VII
O PASSADO EM DEBATE & DEBATES SOBRE O PASSADO
No ano de 2007, durante o Movimento do Cinquentenário,
Hermógenes Lazier recolocou o tema da definição do nome do
Movimento de 1957. Em três artigos publicados no Jornal de Beltrão,
entre maio e junho daquele ano, Lazier expôs parte dos debates que
já tinham ocorrido em 1997, quando da passagem dos 40 anos da
Revolta de 1957. Também polemizou a versão divulgada na matéria
sobre a 22ª Romaria da Terra do Paraná, publicada no Jornal de
Beltrão, no dia 11 de maio de 2007, pela Ação Católica da Diocese
de Palmas/Francisco Beltrão (co-promotora da edição da Romaria),
assinada pelo coordenador Pe. Geremias Steinmetz, referindo-se ao
evento ecumênico e popular da romaria que seria realizada no dia
19/08/2007, em Francisco Beltrão, para registrar a passagem dos
50 anos de luta pela terra: “em outubro deste ano comemora-se o
cinquentenário da Revolta dos Colonos” (In: LAZIER, 18/05/2007a, p.
2 – arquivo on line). Anita Silva (2010, p. 40) citou essa discussão que
Lazier fez em 2007, porém é preciso avançar na análise, pois alguns
argumentos indicados por Anita somente “arranharam na praia,
tipo caranguejo”, sem aprofundar o problema.
Primeiramente, os argumentos incluídos na peça teatral,
narrada pelo contador do enredo, já registrada nos estudos
anteriores de Hermógenes Lazier (1980; 1998) ou mesmo no da Iria
Zanoni Gomes (1986), indicam que o termo Posseiros corresponderia
ao universo das titulações realizadas pelo Getsop: “56.917 títulos
emitidos pelo Getsop, 32.256, ou 57% foram para lotes rurais, e 24.661,
ou 43% para lotes urbanos” (PEGORARO, 2007, p. 28-29). Esse nome
“certo” já circulava nos meios acadêmicos – 1957: a revolta dos
posseiros (GOMES, 1986) –, na memória social e na “tradição da
identidade à região e ao Homem sudoestino” (cf. LAZIER, 1980; 1998).
Antes mesmo da 22ª Romaria da Terra, das encenações do
teatro A Revolta dos Posseiros – Sudoeste do Paraná, 1957 (a revisão
do texto de Ivo Pegoraro que Hermógenes Lazier fez foi realizada
em junho/2007), das inaugurações dos monumentos, Lazier havia
publicizado seus argumentos na nova edição do debate, no Jornal
de Beltrão, na perspectiva do Movimento do Cinquentenário, do
qual participava com o devido destaque e reconhecimento junto à
opinião pública e aos organizadores, além do circuito intelectual e
institucional do projeto Resgate do Passado (concluído, divulgado e
iniciado exatamente um ano antes do 10 de outubro de 2007):
Em todo o Sudoeste do Paraná está acontecendo atividades
comemorativas dos 50 anos da vitória dos posseiros. Prevalece
ainda uma dicotomia:  o que aconteceu em 1957 foi uma revolta
de posseiros ou de colonos?
A resposta, parece simples, mas não é. Ela tem significado im-
portante. Colonos e posseiros não são a mesma coisa. Posseiros
eram todos os moradores da região – os que habitavam o perí-
metro urbano e, também, a zona rural. Colonos, no caso do Su-
doeste, é apenas uma parte de um todo – os posseiros. A união do
campo e da cidade foi fator importante na vitória do movimen-
to. Convém lembrar que dos 56.917 lotes dos posseiros, regula-
rizados pelo Getsop, 32.256 eram rurais e 24.661 eram urbanos.
Em 1997, nas comemorações dos 40 anos da revolta, essa
dicotomia ficou evidente: alguns estudiosos do tema
publicaram um opúsculo intitulado ‘A Revolta dos Colonos’,
e a Revista Gente do Sul, de outubro de 1997, publicou uma
entrevista minha com o título ‘A Revolta dos Posseiros’ (LAZIER,
18/05/2007a, p. 1-2)244.

A nosso ver, o uso de dados quantitativos também não


contribui para garantia do nome certo, ou vice-versa, além disso,
os dados conclusivos do Getsop de 1974 não correspondem à
demografia nem à cartografia agrária do Sudoeste do período de
1951-/outubro de 1957. A mobilização do campo e da cidade em 1957
era obvia, porém cabe indagar por que os dados numéricos foram
indicados como argumento para reunir todos os posseiros do meio
rural e os posseiros do meio urbano (?). No próprio artigo, Lazier foi
afirmativo em sua negação, “1957: Revolta de posseiros, e não de
colonos (1)”. No texto do primeiro artigo, o autor expôs a validade
do termo “posseiro”, pois correspondia à totalidade da região
Sudoeste: “Colonos, no caso do Sudoeste, é apenas uma parte de um
todo – os posseiros” (LAZIER, 2007, 18/5/2007a, p. 1). Ficou evidente
que Lazier teve a preocupação de afirmar que o nome de batismo do
Movimento de 1957, deveria abranger todos os moradores da região,
seja do meio rural como do urbano, tanto para a década de 1950
quanto para o período de 1974 e, fundamentalmente, para afirmar
a mobilização, participação e identificação de todos os sudoestinos
ao Movimento do Cinquentenário.
Iria Gomes (1986) já havia abordado que o Movimento de
1957, teve dois momentos, sendo resultado de uma organização
e mobilização que foi sendo construída durante as lutas sociais,
contextualizando o período até outubro de 1957 (p. 9 a 112) e para
244. Na entrevista que a Revista Gente do Sul realizou com Walter Alberto Pécoits, em 1994, o título foi: A Revolta dos
Colonos (cf. PÉCOITS, 1994).

326
o período seguinte, do pós-outubro/1957 a janeiro/1974, citou os
atos jurídicos de criação do Getsop e do grupo misto, conforme
cada governante, e conforme os resultados da regularização da
propriedade da terra, utilizando 2 ½ páginas do livro (p. 112-115).
Ruy Wachowicz (1985) também dedicou ao “grilo” Missões e ao
levante dos posseiros 104 páginas (p. 177-281). Já para o período
do pós-outubro/1957, nem bem utilizou 9 páginas (p. 281-289),
ainda por cima, gastando tinta e celulose com um tema abstrato (a
ausência do PCB e dos comunistas no levante agrário do Sudoeste, já
que estiveram no conflito de Porecatu e, à época, entre as esquerdas
engajadas)245. Pela atenção que Iria Gomes e Wachowicz tiveram
em suas pesquisas e no texto final das obras, acerca do Getsop,
há uma contrariedade, pois os dados finais da regularização do
Getsop foram pinçados para determinar a finalização da agenda da
agência e do Movimento. Praticamente há um salto temporal e a
ausência de sujeitos sociais, exceto daquela agência, e dos líderes
continuadores utilizados como principal fonte oral, pelos dois
autores. Porém, o aspecto de selecionarem os dados quantitativos
e manterem o aspecto da regularização (condição jurídica) como
ponto central para o tema do “segundo momento”, conforme Iria
Gomes246, ou da meta maior, conforme Wachowicz247 citou a partir
das memórias de Walter Pécoits, o termo posseiro é abrangente ao
meio urbano e rural, mesmo que sua matriz esteja relacionada aos
litígios (quem é o dono da terra por escritura da terra, grilada ou
legal). Diferentemente desses autores e dessas referências, quando
Lazier voltou a utilizar os dados do Getsop para tratar do “todo” e da
“parte”, o fez para 2007.
Os dados da regularização dos títulos de propriedades que
o Getsop apresentou durante o período de 1963 a janeiro de 1974
(cf. LAZIER, 1980, p. 24; 1998, p. 74) foram representativos das ações

245. Para uma leitura da revolta camponesa de Porecatu, confira o livro o Levante dos posseiros, de Angelo Priori (2011).
Considerando que a rebelião de Porecatu foi derrotada somente no ano de 1951, os conflitos entre posseiros/colonos
contra grileiros/jagunços/milícias do Estado do Paraná faziam parte da efervescência da questão agrária, dos conflitos
de terra, das expropriações e apropriações ilegais ou legalizadas que havia no Paraná, bem como das disputas político-
partidárias que girava em torno de Moysés Lupion e Bento Munhoz da Rocha. Um estudo comparativo entre as ações
dos governos do Paraná (agências e agentes) para o caso de Porecatu e a pedagogia da repressão, com o caso do
Sudoeste ainda está por ser realizado.
246. A autora definiu o movimento como Revolta dos Posseiros e este debate não estava presente à época da pesquisa e
publicação do livro, porém os termos colonos (agricultores) e posseiros são indicados distintamente para tratar dos
vários sujeitos sociais que viviam no Sudoeste e participaram da revolta de 1957.
247. O autor tratou da revolta como Levante dos Posseiros. O debate sobre a denominação não está presente em sua obra
e, pelo visto, não era tema nem problema à época em que publicou o livro.

327
dos agentes e das agências que interagiram na região Sudoeste
somente durante o “segundo momento” que Iria Gomes periodizou,
tratando-se de resultados do pós-outubro de 1957. O estudo mais
intensivo sobre o Getsop também foi realizado por Lazier (1998),
que o considerou como um caso de reforma agrária, reunindo e
condensando a experiência anterior da Cango, a luta dos posseiros
contra os grileiros e jagunços, vitoriosa no outubro de 1957, e a
continuidade no pós-1957, com os líderes herdeiros do levante de
1957 e a criação do Getsop, nos governos de Jango e Ney Braga. No
capítulo “O GETSOP e a Reforma Agrária”, Hermógenes indicou a
perspectiva da continuação de luta após a vitória de outubro/1957:
“Após a expulsão dos grileiros e jagunços, a luta continuou para
transformar os posseiros em proprietários. Essa bandeira de luta
uniu todo o Sudoeste” (LAZIER, 1998, p. 69).
Se a base dos argumentos está nos números, então é preciso
diferenciar melhor os dois momentos da luta pela terra, pois o que
foi realizado entre 1951 e 1957, desde o primeiro abaixo-assinado dos
moradores do povoado de Rio Marrecas até outubro de 1957, tem um
sentido; quanto aos fatos entre os dias 9 e 15 daquele mês, o outubro de
1957, quando a multidão dos levantados do chão em armas derrotou
o bloco social e governamental da grilagem da gleba Missões e parte
da gleba Chopim; do período entre fins de outubro/1957 ao contexto
de 1960-1962, até fins de 1973 e 28 de janeiro de 1974, quando foi
assinado o Relatório Final do Getsop.
Se o resultado do Getsop foi e é o fiel da balança, por
representar a conclusão dos trabalhos em infraestrutura, logística,
assistência rural e titulação de propriedades dos lotes urbanos e
rurais, os dados do encerramento dizem respeito a uma quantificação
da cartografia fundiária em janeiro de 1974, portanto, quase 17 anos
depois. Além do que, para o coronel Luiz Barbosa Wolf, o Getsop
trouxe tranquilidade e prosperidade ao Sudoeste, regularizando
as propriedades e acabando com os conflitos que havia durante
o período posterior a 1957 até 1963, quando iniciou a entrega dos
títulos de propriedades.
Se Albino de Oliveira, autor da Décima, em sua linguagem
poética acertou nas datas em anos, na 3ª estrofe da rima, a
comparação não passa desapercebida: “A [Há] oito anos atrás era /

328
terra desabitada / com o povo de outros Estados / foi logo colonizada”.
O período de 1949 a 1957, portanto, de apenas 8 anos, correspondeu
a um movimento de reocupação dessa área de fronteira agrícola, até
então não integrada ao mercado nacional.
Noutra linguagem da arte, na letra da música “Ladrão de
Terra” – de autoria de Moacyr dos Santos e Teddy Vieira; interpretação
de Jacó e Jacozinho –, na razão dos colonos posseiros, a rendição
da grilagem e a garantia dos direitos de posse só foram possíveis
pela grande diferença que havia entre as espingardas, revólveres,
foices e fações nas mãos da multidão na rua, em comparação com
as “metraladoras” em mãos de poucos, dos quais, todos em punho
a soldo. Como relembrou José Santolin: “a espingarda venceu a
metraladora” (In: TVSINAL, 2009).
Pelas fontes (documentais, fotografias e relatos orais)
pesquisadas e pelas abordagens de Iria Gomes e Ruy Wachowicz, a
grande maioria da multidão que ocupou as cidades era de colonos
posseiros. De 1951 a outubro de 1957, como também citou Iria Gomes,
a territorialização (ocupação, produção e moradia) no Sudoeste
tinha um contexto completamente diferente ao que havia em
janeiro de 1974. Nesse sentido, utilizar os resultados da matemática,
em formato quantitativo e estatístico de porcentagem (%), não
basta para decidir o conteúdo dos nomes dos sujeitos sociais e do
movimento de luta pela terra.
A ênfase na regularização e escrituração dos lotes e áreas,
urbanas e rurais, também não foi o Demiurgo da paz social, da
tranquilidade e da prosperidade, o que não nega o plano de ação
do Getsop e dos interesses da população do Sudoeste em terem a
garantia de pertencimento e segurança jurídica da terra/lote para
o legado aos filhos. Das reações extremadas de fazer valer o direito
de posse e de resistências contra as violências e expropriações, num
tempo e lugar onde os agentes da lei eram comparsas da grilagem,
gerou, principalmnete na faixa de fronteira, uma repercusão
estadual, nacional e internacional, ao ponto de o governo federal,
de JK e do ministro da Guerra, general Lott, ultimar o governo de
Moysés Lupion para dar solução negociada com os levantados do
chão, sob o risco de o conflito se agravar ainda mais, ao ponto de as

329
forças federais terem que intervir diretamente no Sudoeste e no
governo do Estado do Paraná.
A perspectiva de Hermógenes Lazier, ao tratar da unidade
entre campo e cidade, a importância maior do todo e não da parte –
“ainda existem aqueles que confundem uma parte – os colonos – com
o todo – os posseiros” (LAZIER, 18/5/2007a, p. 2), está fundamentada
em seus estudos anteriores, porém foi revisitada para o Movimento
do Cinquentenário, justamente para reificar a tradição (origem)
comum a toda a população do Sudoeste, seja no pós-1962/1974,
quando o Getsop e os representantes porta-vozes ocuparam a cena
e o cenário, quanto pela importância de construir, novamente, um
movimento unificado e unificador no e para o 50º aniversário. Assim,
se no passado de outubro de 1957, mesmo com os dados de 1974, o
todo eram os “posseiros”, e não os “colonos”, a comemoração do 50º
Aniversário também deveria ser representativa do todo do Sudoeste
no período da passagem de calendário. O cinquentenário só seria
coroado de dourado se adquirisse adesão social e afinidade para o
conjunto da população e instituições que projetaram as festividades
para 2007. O debate sobre a denominação – seja aquela da época
dos 40 Anos ou o mais recente, dos 50 Anos –, não tem por objeto
o movimento na história, mas, sim, qual deveria ser o nome certo
para comprometer e envolver todos na memória e na identidade da
região. Trata-se, em grande medida, de uma reificação e reinvenção
de uma identidade à região, ao júbilo e às comemorações.
Nesse mesmo debate sobre “posseiros” ou “colonos”,
também está implícita e explícita a preferência para o aspecto jurídico
da garantia do direito à terra. Se a Revolta de 1957 foi concluída e
finalizada em 1974 – quando o Getsop encerrou suas atividades e
cumpriu plenamente sua missão, com exceção de 3 ou 4 casos de
disputas das delimitações de divisas de lotes entre vizinhos que
permaneciam na Justiça, pois regularizou as terras da gleba Missões
e parte de Chopim, escriturando e entregando a documentação em
papel passado e registrado em cartório/Getsop –, o perfil urbano e
rural também perde força, pois o objeto passa a ser o status do direito
e não os “colonos” e “posseiros”, ou de “colonos” (parte) versus de
“posseiros” (todo); ou “rural” (da maioria um pouco acima da simples,
dos 57%) versus “urbano” (da minoria qualificada, dos 43%).

330
Tiago Arcanjo Orben (2014) problematizou os termos
“colonos” e “posseiros” numa perspectiva que muitos, simplesmente,
desconsideram. O problema da “posse” não era um assunto de
litígio jurídico, nem assunto do “direito positivo” que somente
os advogados, administradores públicos e os juristas entendiam.
Não era a “insegurança” do direito de posse que causava medo e
intranquilidade aos colonos e mesmo citadinos, mas os negócios com
a terra que o bloco da grilagem Citla/Lupion praticava, contando
com a impunidade da lei, o que tornava a vida, o trabalho e o futuro
incerto àqueles que, sozinhos, não tinham condição para enfrentar
a artilharia dos grileiros e jagunços. A defesa da vida e do direito
de posse (permanecer na terra/lote) foi o que gestou a vontade e
as ações de resistência, ou seja, o movimento defendia a terra de
trabalho e o ambiente rural, pois os trabalhadores e as trabalhadoras
eram, na grande maioria, colonos agricultores que, há não muitos
anos, tinham migrado para a região. Nesse caminho, Tiago Orben
recuperou o tema da questão agrária e da posse conquistada e
defendida contra a grilagem.

Considero que as interpretações em relação à Revolta foram


o que constituiu essa diferenciação de um movimento
de reivindicações do campo e da cidade, em especial nas
efemérides comemorativas. Ser colono ou ter o movimento
como de colonos traz para o movimento o que se reivindicava –
a terra – e não o aspecto jurídico da questão, ou seja, o posseiro
(TIAGO, 2014, p. 64).

Assim, se o tema jurídico for mantido na perspectiva


construída em torno dos resultados do Getsop, o Estado e os luga-
res institucionais da regulação, da legislação e do registro na lei,
permanecem como sujeitos sociais e lugares centrais da história,
tal como o mural frontal do Monumento em Homenagem ao Get-
sop, construído em 1972, para abarcar todas as lutas e regularizar
a fonte dos conflitos: a incerteza da posse e a ausência do docu-
mento lavrado e registrado. Assim, a terra enquanto propriedade
titulada foi geradora da paz social, da tranquilidade, da prospe-
ridade e da liberdade na propriedade, ou a partir dela, do título
registrado da propriedade, em relação ao seu domínio jurídico
líquido e certo.

331
Como a homenagem dos 50 Anos (em monumento) foi cons-
truída para registrar a “legalização” das terras no Sudoeste, esse
passado correspondia bem mais ao período do segundo momento
proposto por Iria Gomes, do que o que foi o primeiro momento do
Movimento de 1957. Assim, realmente o início da contagem de ca-
lendário foi o 9, o 10, o 12 ou o 13 de outubro de 1957, dependendo da
cidade e município, e nos mesmos dias do mês do ano de 2007, have-
ria as Bodas de Ouro do nascimento, o júbilo dourado do aniversário.
Depois do outubro de 1957, quando os “colonos” já podiam
voltar para casa, em suas terras de trabalho e moradia, com
tranquilidade e segurança, pois a grilagem havia sido derrotada e a
ordem pública reestabelecida no “espírito do acordo” estabelecido
entre as lideranças e o staff da Chefia de Polícia do Paraná, com o aval
do governador pressionado, Moysés Lupion, a luta seria continuada
até alcançarem a meta maior. Por reconstrução das memórias
e relembranças relatadas num período posterior ao próprio
28/01/1974, quando o Getsop já tinha finalizado a regularização das
posses aos agricultores e aos moradores das cidades, essa visão sobre
o passado foi consolidada a partir dos relatos dos líderes herdeiros e
porta-vozes continuadores da causa (meta maior), e das experiências
que tiveram durante o período da regularização e titulação jurídica
até o registro dos relatos.
Num segundo artigo do tema 1957: Revolta de posseiros, e
não de colonos (3), Hermógenes Lazier apresentou uma argumenta-
ção construtiva sobre a crescente mobilização e pressão social que a
população do Sudoeste realizava nas resistências e ofensivas à grila-
gem do bloco Citla/Comercial/Apucarana e grupo Lupion. Tratando
de uma síntese, no formato de texto jornalístico, publicado no Jornal
de Beltrão, sua citação é necessária para um diálogo a ser estabelecido
entre o debate sobre o passado e suas repercussões para a imagem so-
bre o passado de 1957, no contexto do movimento do cinquentenário.

Os principais acontecimentos ocorridos no Sudoeste entre 1951


– documento “A quem interessar possa” – e 1961, quando da
desapropriação da Gleba Missões e parte da Gleba Chopim, tem
como pano de fundo a região “sub-judici”, “área de fronteira”
e todos seus habitantes eram posseiros, tanto na área urbana
como rural.
Os atritos entre posseiros e grileiros, principalmente no ano de
1957, tiveram grande repercussão, tanto na imprensa como no

332
parlamento. O que aconteceu em setembro de 1957 em Santo
Antônio e Capanema foi mais grave, e por ser área de fronteira
e, portanto, de segurança nacional, levou o governo federal a
dar um ultimato a Moisés Lupion: apaziguar a região ou haveria
intervenção federal no Paraná.
Os acontecimentos posteriores revelam que Lupion recuou para
não perder o governo: retirou o apoio do governo do Estado às
empresas grileiras e seus jagunços. Isso em setembro.
É possível, portanto, afirmar que a concentração de posseiros
dia 9 de outubro de 1957 em Pato Branco, dia 10 em Francisco
Beltrão e dia 13 em Santo Antônio, foi mais uma festa para
consolidação da vitória. Tanto é verdade que não houve resistência
dos jagunços e nenhum tiro foi disparado.
O que aconteceu no Sudoeste revela que quando o campo e a
cidade se unem em uma luta a vitória acontece.
O recuo do governo Lupion em setembro pode ser constatado
nas entrevistas dos coronéis Alcebíades Rodrigues da Costa (da
Polícia do Estado) e Henrique Dias (do Exército), no livro “1957 -
A Revolta dos Posseiros”, de Iria Zanoni Gomes, e na entrevista
do advogado João Abs Cru, no livro “Entre jagunços e posseiros”,
de Rubens S. Martins.
Todos os fatos revelam que o que aconteceu no Sudoeste foi uma
revolta de posseiros, e não de colonos (LAZIER, 01/06/2007b, p.
1-2, arquivo on line, grifo nosso).

A nova abordagem que Lazier apresentou, retoma a leitura


apresentada na obra em homenagem aos 25 Anos de Francisco
Beltrão, ao tratar dos litígios e da grilagem que houve nas glebas
Missões e parte da Chopim, bem como dos registros de fontes de
época que incluiu, em anexo ao livro Análise histórica da posse da
terra. Porém, seu enfoque sobre a acentuação do tensionamento
entre colonos posseiros em armas em ação x companhias (Citla
e Apucarana) – cf. “No fio da navalha: demarcações de violências”
–, ocorridos na faixa de fronteira, durante o mês de setembro de
1957, redefine a importância das formas de organização e reação
realizadas em Capanema e Santo Antônio do Sudoeste entre agosto
e setembro de 1957, inclusive a dos farrapos, para fazer valer a razão
dos mais pobres, o direito de posse¸ dos colonos, apoiadores urbanos
e colonos farrapos. Na contramão do que foi encenado ou atualizado
na logomarca oficial, na tonalização da bandeira nacional e na arte
cênica, o “desarmamento” e a “pacificação” do passado no presente
– de OlhOs e de pés no aqui e agora –, além das multidões em armas
nas ruas das cidades terem feito o papel/personagem da parteira
na história, por simbologia, é preciso acrescentar que as dores das
contrações e o trabalho de parto teve outros momentos e outras
formas de resistências para derrotar, no chão da história, àquela

333
grilagem, rompendo com o poder da aliança de especulação da terra,
e os capitalistas e seus consortes.
Ao tratar de um novo cenário aos dias de outubro de 1957,
Lazier, amenizou o papel e a própria força da multidão nas ruas,
ocupando as cidades e destituindo autoridades e autoritários
(grileiros e jagunços). O caráter de festividade atribuído à
“concentração de colonos e posseiros dia 9 de outubro de 1957 em
Pato Branco, dia 10 em Francisco Beltrão e dia 13 em Santo Antônio,
foi mais uma festa para consolidação da vitória”, fortalecia o
caráter da pacificação do passado e do papel central dos líderes
negociadores. Nessa perspectiva, os farrapos, por serem “foras da lei
e fugitivos que estavam em conflito com a lei”, agiram a contrapelo
da ordem da grilagem, no nível da razão que a realidade exigia,
porém, permaneceram afastados e longe do Estado e dos lugares da
lei. Todavia, não somente em Santo Antônio os conflitos de outubro
tiveram suas arestas, demonstrando que o “rei” ainda não queria
entregar os “anéis” para manter-se no trono. Da mesma forma que
em Pato Branco, Francisco Beltrão e Dois Vizinhos, a multidão na
rua não dissimulou um “xeque-mate”, jogou a grilagem na rua, no
lixo da história, acertando suas contas com o passado (ocupando
os escritórios e quebrando placas das companhias imobiliárias,
expulsando diretores e jagunços da grilagem, depondo autoridades
aliadas à grilagem, eliminando contratos e promissórias forjadas
e derrubando o obelisco financiado pela Citla em Beltrão). Em se
mantendo a revisão de Hermógenes sobre o “setembro de 1957 na
Fronteira”, faz-se necessário ver com outros olhos as “lições de casa
da fronteira” propostas por Ivo Thomazoni (2007), bem como cenas e
cenários da peça e da dramaturgia do cinquentenário.
Num terceiro artigo, também publicado no Jornal de
Beltrão, Hermógenes Lazier tratou de outra polêmica relacionada à
história e aos ofícios do historiador e dos pesquisadores. Para o caso
do cinquentenário, o movimento do “resgate do passado de lutas”
reproduziu o que já havia sido reconstruído e cristalizado no âmbito
da tradição do Sudoeste do Paraná. A centralidade do Outubro de 1957
nos levantes e a própria condição de Pato Branco e Francisco Beltrão
serem os municípios maiores, em 1957 e em 2007, de ali estarem
os escritórios das companhias Citla e Comercial e das relações que

334
estas tinham com a Apucarana (que atuou na faixa de fronteira),
mas também pelo fato de as principais lideranças do movimento
de outubro de 1957 serem desses municípios, tanto esses líderes
continuadores (Ivo Thomazoni, Walter Pécoits, Porto Alegre, Edu
Potiguara Publitz) centralizaram a representatividade no período
seguinte e foram seus porta-vozes herdeiros, quanto à imagem dos
farrapos foi mantida como as “lições de casa da fronteira”.
Durante a agenda do projeto do Cinquentenário, no
texto do artigo Revolta de 1957, debate necessário, Lazier deu voz
às diferenças que havia entre os municípios atuais do Sudoeste.
Também expôs que o próprio Projeto Resgate do Passado de Lutas
replicava essas diferenças a partir do acervo documental e da força
que a historiografia já tinha consolidado, bem como do cabedal
já construído e edificado em monumentos, e em investimentos
destinados ao Cinquentenário em cada município, guardadas as
proporções, nas comemorações do 50º Aniversário.

O Jornal de Beltrão do dia 24 de maio noticiou uma reunião


realizada na Câmara de Vereadores de Santo Antônio do
Sudoeste, onde, entre outros, participaram do debate Ivo
Thomazoni, Porto Alegre e o historiador e escritor do município
Ilmar Antônio Auth. Um tema polêmico foi levantado por Ilmar,
quando afirmou: “Santo Antônio do Sudoeste, Capanema,
Perola d’Oeste e outros municípios aqui da fronteira estão
se sentindo fora da história ou momentaneamente isolados
pelo que é apresentado pela imprensa regional, centralizando
Francisco Beltrão e Pato Branco, parece que menosprezando
os fatos ocorridos por aqui”. E acrescentou: “Estamos sendo
deixados de lado. Nós e toda a fronteira. A história não pode
ser mudada por causa de muitos que pedem carona no barco de
exibicionismo e da política”.
O próprio Ivo Tomazoni, que teve papel destacado em Pato
Branco, afirmou: “Parece que os historiadores se detiveram
mais na briga entre patobranquenses e Francisco Beltrão. As
diferenças dos dois municípios, trazendo para si quem teve a
iniciativa. Acho que acabaram alijando a fronteira da história”
(LAZIER, 15/6/2007c, p. 1-2 - arquivo on line).

Nas comemorações da passagem das Bodas de Ouro, a


necessidade da criação de uma imagem para toda a região envolvida
nos conflitos de 1957, perderia eficácia, enquanto identidade
comum, se as diferenças indicadas pelo Ilmar Auth persistissem. Ao
mesmo tempo, não há dúvidas de que as cidades de Francisco Beltrão
e Pato Branco tornaram-se os centros de referência na história, na

335
representação política para a região Sudoeste (cf. Anexo 3, para o caso
de Beltrão) e também eram núcleos de construção da memória sobre
o único movimento social, onde “os pequenos venceram os grandes”
e não teve “derramamento de sangue”(PEGORARO, 2007, p. 28).
O Movimento Comemorativo do Jubileu de Ouro, lançado
oficialmente no dia 10/10/2006, um ano antes do douramento,
também teve maior expressão em Francisco Beltrão e Pato Branco,
porém, pelas figuras criadas para registrar o 50º aniversário, nessa
reedição dos eventos de passagem de calendário, em Beltrão, o
“desarmamento do passado” e a “pacificação dos levantes de outubro
de 1957” também representaram uma ampliação dessa tradição para
toda a região do Sudoeste, ao mesmo tempo em que fortaleciam a
centralização em Beltrão/Pato Branco.
Passados mais alguns anos, após 2007, a geração do Outubro
de 1957, em vida, certamente diminuirá e a relação entre história e
saber social ou opinião pública sobre o passado da revolta de 1957,
tenderá a ser história contada a partir dos próprios registros de
homenagens e da tradição pela tradição já acumulada. Na edição das
Bodas de Ouro o volume documental e suas visões sobre o passado
passaram a ser objeto de pesquisa e referência incorporada na
memória social das gerações atuais.
Em meio ao debate (já que Hermógenes Lazier não fugia da
raia), ainda na polêmica sobre o nome certo ao movimento, os lugares
sociais dos debatedores permanece como uma das referências para
o entendimento das nominações, porém, outros aspectos da revolta
de 1957 tornaram-se “consenso” e deram base e força simbólica
aos agentes e agências, no tempo presente, e nas relações que
estabeleciam com os sentidos dados ao passado248.
248. Sobre a nominação, Hermógens Lazier também citou o entendimento que um dos membros da Assesoar tinha em
relação ao movimento de 1957: “A respeito do título da Revolta – se dos posseiros ou de colonos –, o agrônomo e
sociólogo da Assesoar Christophe de Lannoy escreveu artigo no Jornal de Beltrão no dia 29 de maio, afirmando: ‘Penso
que fazemos bem ao nos referirmos a Revolta de 1957, como sendo de colonos e/ou camponeses. Ainda mais que foi,
ao que se sabe, uma das raras revoltas camponesas vitoriosas’” (LAZIER, 15/6/2007c, p. 2 - arquivo on line).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1994 a 2002, o governo federal criou o Banco da Terra,
influenciado pelas diretrizes do Banco Mundial e os interesses de grupos neoliberais, da crescente bancada ruralista e
do setor do agrobusiness, com linha de crédito para financiar a compra de terra pelo mercado. A novidade passou a ser
propagandeada como sendo uma política agrária voltada para a solução, pelo mercado imobiliário, ao acesso à terra e
medida em contraposição ao Movimento Sem Terra.
Os estudos de João Bosco Feres (1990) e da Assesoar (1997) indicaram os novos problemas da terra e das novas
formas de organização e luta pela reforma agrária, inclusive dos latifúndios improdutivos que havia no Sudoeste e da
consistência do questionamento sobre sua regularidade jurídica, do ponto de vista do histórico dominial. Neste sentido,
considerar que a Revolta de 1957 terminou em outubro de 1957 ou em janeiro de 1974, com a regularização e a entrega
dos 56.917 títulos de propriedade (lotes rurais e lotes urbanos) também contribui para que o passado seja mantido dis-
tante ou nos quadros e requadros de monumentos e homenagens. O “desarmamento do passado” e o fortalecimento do

336
As lutas pela terra dos recém-chegados colonos sulistas
que, para permaneceram com a terra, tiveram que derrotar um
grande empreendimento imobiliário de especulação da terra, serve
como exemplo de uma luta vitoriosa contra a grilagem de terra e do
próprio aparato do governo do Estado.
Entre o modo de vida dos antigos posseiros e o “direito
de posse” (comprado ou garantido pelo cultivo permanente e a
moradia habitual em terras devolutas), praticado por colonos e
moradores das áreas urbanas no Sudoeste, nos tempos da Cango
ou de migrações espontâneas, havia muitas diferenças e poucas
semelhanças. O termo posseiro, utilizado para designar a Revolta
de 1957, ou o Movimento de 1957, tem sua origem na história dos
litígios de terra que houve nas glebas Missões e parte da Chopim, nos
projetos governamentais de colonização da faixa de fronteira, nessa
frente agrícola, bem como das disputas e conflitos que passaram a
ocorrer no Sudoeste a partir da instalação de Citla (1950/51), e da
Comercial e da Apucarana, no início do segundo governo de Moysés
Lupion no Paraná.
A situação da posse da terra, grosso modo, não era
problema tão grave como foi construído a partir da atuação
do Getsop, até porque o parcelamento das terras, na forma de
transmissão de pais para filhos, durante muitos anos depois,
continuava sendo realizada por meio de cessão de uso e não de
escrituração parcelada à nova geração, por partilha de herança.
Nesse aspecto, valeria a pena avançar na pesquisa sobre essas
práticas no período de estabelecimento dos migrantes colonos,
durante os anos de 1950 até o início das escriturações que o Getsop
realizou, ou mesmo em seu período final.

caráter pacífico dos levantes de outubro de 1957, ou mesmo da revisão das intensidades dos confrontos, ou ainda sobre
o papel dos farrapos no passado, têm relação com a perspectiva do ordenamento e do controle das lutas dos sem terras.
A visão de liberdade na propriedade da terra e sua legalização, idealizada no projeto Resgate do Passado de Lutas
para Valorizar a Liberdade no Presente, além de representar algo para o passado, não tem proximidade com a visão da
emancipação e da liberdade na terra construída pelo MST: “ocupar, resistir e produzir”.
Nesse aspecto, a centralidade da Bandeira do Brasil, criada para o monumento dos 50 Anos, edificado na Av, Júlio Assis
Cavalheiro não tem como projeto de democracia e de cidadania os sentidos dados pelo MST, que também utiliza, com
muita força, esse símbolo nacional e de direito social ao pertencimento nas lutas pela reforma agrária. Na organização
e formação da pedagogia da terra, em acampamentos e assentamentos, nas marchas para as cidades, nas místicas de
cultivo da memória das lutas e da utopia, em atos públicos e espaços governamentais de pressão e intermediação e na
ampliação das bases de apoio popular, a Bandeira do Brasil representa o sonho de uma nova ordem social e política à
nação. Na melodia da música, o cantar educando, criado por Zé Pinto, na letra “Ordem e Progresso”, esta simbologia
adquire caráter popular: “Este é o nosso país / esta é a nossa bandeira/ é por amor a esta Pátria-Brasil, que a gente segue
em fileira / [...] A ordem é ninguém passar fome / Progresso é o povo feliz / A Reforma Agrária é a volta / do agricultor
à raiz” (In: PINTO, Zé. Arte em Movimento – Faixa 19).

337
Somente com a “modernização da agricultura” e o financia-
mento da produção agrícola, fomentados durante a Ditadura, é que a
hipoteca da terra passou a ser requisito para a segurança dos bancos
e não dos agricultores, forjando uma mudança nos significados éti-
cos e morais atribuídos à terra de trabalho (o acesso a um lote/área
de terra e seu legado à nova geração), nas finalidades da produção e
da vida no meio rural.
Considerando que a atuação do Getsop coincidiu com o pe-
ríodo da modernização, da regularização fundiária e da legalização
do título de propriedade no Sudoeste, na relação entre propriedade
e paz social, propriedade e prosperidade e propriedade e liberdade, o
termo “posseiro” foi utilizado pelos pesquisadores, e, na voz corren-
te, como referência geral a todos os que não tinham registro legal e,
portanto, estavam sujeitados à grilagem das companhias. Também
elas e seus “corretores”, jagunços, não garantiam documentação
comprobatória de todos os negócios de compra a venda que reali-
zavam, inclusive por meio de atos ilegais, pois utilizavam papel de
cigarro ou de embrulho para “documentar informalmente” os negó-
cios, para além das violências, das coações, das coerções e do preço
especulativo que estabeleciam. Nesse sentido, a situação de posseiro
não gerava problemas para o trabalho e para a moradia na terra; ao
contrário, eram o cultivo permanente e a moradia habitual que sus-
tentavam o direito de posse e o direito dos posseiros. A vitória contra
a grilagem é que uniu a população nas áreas onde as três compa-
nhias atuavam e garantiu a permanência, na terra, para uma, duas
ou três gerações, caracterizando a cartografia fundiária pela predo-
minância da agricultura familiar, do ponto de vista socioeconômico
e demográfico nas áreas de abrangência daquelas glebas.
Com relação ao direito de posse, a experiência de luta pela
terra, ocorrida durante os anos de 1950, também cabe uma última
reflexão. A condição de posse garante o direito de ocupação da terra.
Pela abordagem de Joe Foweraker, a posse e posterior garantia
de direito, conforme regulação agrária imperial, dependia da
comprovação da cultura efetiva e da moradia habitual. Essa tinha
sido a prática dos antigos posseiros e caboclos249 e não dos posseiros
colonos e moradores em áreas urbanas que havia nas áreas de litígio.
249. Conforme Joe Foweraker, com o fim do Império, “pela Constituição de 1891, a propriedade legal e o controle
político das terras devolutas passaram aos estados, e daí para as oligarquias locais de proprietários de terras”
(FOWERAKER, 1982, p. 123).

338
A grilagem que a Citla, a Comercial e a Apucarana passaram
a realizar no Sudoeste, somente foi possível, em vista dos interesses
que o grupo Citla/Lupion e o governo de Moysés Lupion também
tinham nos negócios iniciais do projeto celulose e, posteriormente,
com as vendas de terras e exploração/extração de madeira. Ambas
as relações, das empresas imobiliárias de terras junto ao governador
Lupion, quanto dele, Moysés Lupion, no cargo de governador e tendo
o controle do aparato governamental, em relação aos negócios de
vendas irregulares de terras no Paraná, constituíam as redes de
poder e de impunidades aos grileiros e jagunços. Nessa dupla relação,
dentro e fora do Estado, pode-se afirmar que havia dois lugares
de grilagem: - um na região do Sudoeste, onde as 3 companhias
faziam os negócios com a especulação de terras; - outro no corpo
institucional do governo do Estado do Paraná, que dava acesso a
vários espaços institucionais que asseguravam a grilagem, o uso do
aparato estatal da ordem (Polícia e Judiciário na esfera estadual) a
favor das companhias e garantindo a impunidade.
Enquanto que a grilagem da terra, praticada pelo grupo
Citla/Comercial/Apucarana, consorciado com o lupionismo, foi
derrotada em outubro de 1957, as autoridades locais vinculadas
ao PSD e ao lupionismo tiveram que submeter-se à negociação
estabelecida com os representantes do movimento social. A
ocupação das cidades, transformada num cenário da multidão em
armas, garantiu a eliminação daquela grilagem próxima dos colonos
e posseiros. Todavia, até 1960, o lupionismo manteve àquelas
práticas de grilagem dentro do governo do Paraná, fato esse que
impossibilitou qualquer avanço em termos de garantias dos direitos
de posse à grande maioria da população do Sudoeste. Somente com a
mudança no governo do Paraná e no país é que as questões jurídicas
do litígio e da grilagem anterior passaram a serem negociadas e
encaminhadas com o grupo misto do Getsop.
O enfoque acentuado na atuação reguladora e legal
do Getsop ofusca as conquistas populares obtidas em 1957,
transformando o passado em algo distante e desconexo da regulação
e da legalização, na perspectiva do presidente da agência, o coronel
Luiz Barbosa Wolf. Esta mudança de foco teve influência na própria
Ditadura, que estabeleceu um novo controle social e outro projeto

339
agrário e agrícola, na ordem na terra, além de ser avessa às lutas
pela reforma agrária das ligas camponesas e de movimentos sociais
de cunho popular.
A força da multidão, nas ruas, simbolizou o aprendizado
mais significativo da defesa do direito de posse contra a grilagem
da terra, seja pela derrubada da ordem, quanto pela capacidade
de subverter os papéis entre os colonos posseiros e os grileiros e
seu aparato estatal e paramilitar. A desocupação das cidades pelos
colonos foi mediada pelas lideranças e aceita pela multidão, a partir
da segurança de que aquela grilagem tinha sido varrida da região.
O acerto de contas com o passado teve seus momentos de
explosão da vontade popular, porém na pacificação do passado,
novamente, a representação volta para os lugares do governo e das
autoridades do Estado.
Simbolicamente, a luta pela terra contribui para a reflexão
de que, em relação ao corpo do Estado, só existe direito de posse,
mesmo em se tratando da democracia representativa eleitoral, pois
o domínio, o chão social desse tipo de grilagem da coisa pública, só é
mantido, a exemplo do lupionismo, com o uso da força de dentro do
Estado, ou sob a conivência e consórcio, ou com o convencimento dos
cidadãos de que a representação eleitoral é moeda de comércio/troca
de favores de ordem privada e pessoal, entre os “coronéis”, donos da
terra, e seus curais eleitorais. Bem mais do que a tranquilidade e a
prosperidade da terra escriturada – a regularização fundiária que o
Getsop executou para trazer paz social num ambiente de conflitos e
disputas que havia no período do pós-outubro de 1957 no Sudoeste
–, da representação dos heróis-herdeiros e dos novos atores do
Grupo Misto, entendida como outras lutas em outros lugares fora da
terra. Tratando-se do período anterior, de 1951 a outubro de 1957, a
grilagem da terra das companhias imobiliárias não estava separada,
ou melhor, somente era possível, pois fazia parte da grilagem da/na
coisa pública.
Quanto às unidades duais – tranquilidade e prosperidade;
regularização e paz social do Monumento ao Getsop; ou do resgate
das lutas do passado pela propriedade regularizada enquanto
sinônimo de liberdade no presente –, é preciso evitar simplificações
e a centralização do/no jurídico, tanto em relação aos litígios e seus

340
meandros judiciais (o sub-judici), sob o risco de dar centralidade ao
Estado e de circunscrever a propriedade enquanto princípio filosófico
e político liberal (visão de mundo) e economicista (propriedade
e liberdade de iniciativa no mercado). Além disso, os principais
interessados nos litígios e nos meandros, álibis e brechas da lei eram
os grileiros que agiam dentro e fora do Estado, justamente para
garantir a grilagem. O problema agrário que resultou na revolta de
1957 no Sudoeste era a grilagem da terra e não a posse
O resgate do passado enfoca a conquista da liberdade no
presente. Enquanto dimensão da práxis social, a liberdade não for-
ma uma dupla face com a propriedade, mas, sim¸ com a igualdade
(lugar social da política e da isonomia na res pública). Esses são os
nomes das irmãs siamesas na política e na coisa pública: igualdade e
liberdade. A ruptura dessa umbilicalidade destrói justamente a base
da isonomia – a condição de igualdade entre os cidadãos e a capaci-
dade de transformação social – e restringe a representação ao direi-
to particular/privado da posse, de ocupação sem cultivo permanen-
te da coisa pública e sem moradia habitual das garantias dos direitos.
Todavia, a única forma de garantir a ocupação, de ter direito de uso,
permanece com a base antiga do direito de Uti Possidetis, do povoa-
mento e ocupação in loco, com uso continuado: cultivo permanente
e moradia habitual. A vida e o trabalho na terra, de terra de trabalho
e não de terra de negócio ou de negócios com a terra.

341
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jan-jun/2013. p. 43-68.

353
anexos
ANEXO 1 : MAPA 4 - MAPA DAS GLEBAS DO INIC NO PARANÁ

Fonte: Instituto Nacional de Imigração e Colonizaçao – Carta Parcial do Estado do Paraná com a
localização das Glebas pertencentes ao INIC – IN: WESTPHALEN, Cecília Maria. História documental
do Paraná: primórdios da colonização moderna da região de Itaipu. Curitiba/PR: SBPH-Pr, 1987. p.
LXXXIX. Legendas: 1 – Missões, 2 – Santa Maria, 3 - Silva Jardim, 4 – Andradas, 5 – Chopim e 6 –
Chopinzinho.
ANEXO 2 - A: DÉCIMA

(Cópia digitalizada: 2 páginas com a numeração dos versos por coluna sequencial entre as folhas,
obtida com o Claudino Dengo)

358
359
Anexo 2 - B: TRANSCRIÇÃO TEXTUAL DA VERSÃO FOTOCOPIADA DO
DOCUMENTO DE REFERÊNCIA
-1- - 11 - - 21 -
Vou fazer uma décima Aqueles que não podiam Cara de lobos famintos
que todos vão escutar começavam a se desculpar gente traiçoeira
fundou-se uma cidade mas obrigavam de tal forma fazendo banditismo
no Oeste do Paraná. que não podiam se escapar. estas terras carniceiras.

-2- - 12 - - 22 -
Naquelas matas a dentro A resposta de algum colono O que viram fazer esta gente
no meio do sertão hoje não tenho dinheiro cá na terra do sertão
surgiu uma cidade mas chegavam a tirar fazer os banditismos
chamada Francisco Beltrão. o porquinho do chiqueiro. mandados pelo Lupião.

-3- - 13 - - 23 -
A oito anos atrás Os contratos das Companhias Ele quis tirar a terra
era terra desabitada por certo não eram valiosos do patrimônio
com o povo de outros Estados muitos se obrigavam fazer este traidor do Estado
foi logo colonizada. porque os chefes eram teimosos. assassino de colono.

-4- - 14 - - 24 -
O povo dos outros Estados A teima destes homens Pegaram homens a força
são gente de boa vontade era coisa desvalida coisa que dava em tristeza
vieram arrombando as matas muitos fizeram contrato os judiavam de tal forma
e iniciando uma cidade. para garantir a própria vida. e lhe tiravam a natureza.
- 15 -
-5- - 25 -
Entraram na colônia
As estradas daquele tempo pegando gente a força O Lupião assalta bancos
eram feitas a facão matavam homens e surravam acompanhado de sua camarilha
dentro de pouco tempo mulheres ele não veio no Oeste
se formou Francisco Beltrão. e não respeitavam as moças. mas mandou sua esquadrilha.

-6- - 16 - - 26 -
Francisco Beltrão não era nome Encontravam um colono É o único culpado
mais sim era Marrecas caminhando pela estrada de todos os acontecimentos
com a boa vontade do povo tocavam para diante como parte de bom homem
formou-se a cidade as pressas. dando borrachadas. fazendo atos sangrentos.

-7- - 17 - - 27 -
Os seguintes municípios Os cangaceiros do Norte Ele queria vender as terras
no redor de Francisco Beltrão entraram na região num preço demasiado
Pato Branco e Capanema fazendo banditismo pelo sangue que correu
Santo Antonio e Barracão. como no tempo de Lampeão. ele foi o maior culpado.

-8- - 18 - - 28 -
O povo destes municípios Chegaram a pegar uma mulher Quem deu o voto a Lupião
trabalhavam noite e dia com uma criança na mão hoje se acha arrependido
nunca imaginavam lhe cortaram um peito fora pelo seu próprio candidato
que se metessem as Companhias. com um taio de facão. ele se acha ofendido.

-9- - 19 - - 29 -
A primeira foi a Citla Se achando aquela gente Aquele que não queria comprar
A segunda Comercial naquela situação era logo maltratado
uma ajuda a outra não adiantava pedir justiça pelas mãos dos cangaceiros
e as duas porém o mal. pela parte de Lupião. era muito castigado.

- 10 - - 20 - - 30 -
Começaram a obrigar colonos Uma menina de catorze anos Os pobres dos colonos
para os contratos fazer filha de gente estimada são gente de muita paciência
até aqueles pobrezinhos três dos cangaceiros os bandidos cangaceiros
que não tinham o que comer. a deixaram desonrada. os judiavam com violência.

360
Anexo 2 - B: TRANSCRIÇÃO TEXTUAL DA VERSÃO FOTOCOPIADA DO
DOCUMENTO DE REFERÊNCIA

- 31 - - 41 - - 51 -
Os jagunços cangaceiros Estas duas Companhias Os colonos reunidos
em altas horas da noite faziam grandes abusos no dia dezesseis
pulavam nos colonos e também tinha a polícia entraram em Capanema
os enchiam de açoites. acompanhando os jagunços. porque tocou a sua vez.

- 32 - - 42 - - 52 -
A alegria do colono Sr. Pinheiro Junior Eles se colocaram
é só ir à Igreja sendo chefe de Polícia para defender as consequências
um pedacinho de terra boa veiu conferir os fatos não são gente de briga
é só o que ele deseja. aumentando sua malícia. mas perderam a paciência.

- 33 - - 43 - - 53 -
Os colonos não descansam O Sr. Pinheiro Junior Bem se sabe que o colono
trabalham noite e dia quando falava só mentia não é gente para brigar
deramando seu suor desprezava a colônia porque vinha a jagunçada
criando sua família. e protegia as Companhias. tiveram de se aprontar.

- 34 - - 44 - - 54 -
Quando foi mês de abril Vou contar uma história Os jagunços estavam prontos
no Distrito de Verê lá da costa da Argentina no Rio Claro e Santo Antônio
mataram Pedro José da Silva a Companhia Apucarana armados até os dentes
vereador do PTB. querendo fazer faxina. os colegas do demônio.

- 35 - - 45 - - 55 -
Estava fazendo uma lista Quando foi em setembro Capanema interrompida
para entregar a Juscelino os colonos não aguentaram por três ou quatro dias
foi morto pelos bandidos contra os jagunços estando ela guarnecida
mas não era seu destino. um combate eles travaram. para não entrar a Companhia.

- 36 - - 46 - - 56 -
No mesmo mês de junho No dia cinco de setembro Estava tudo no mesmo grito
os colonos na boa fé deu-se uma grande cena de Capanema a Barracão
se encontraram com os jagunços atacaram Apucarana sendo tudo interrompido
no distrito de Verê. no município de Capanema. até o campo de aviação.

- 37 - - 47 - - 57 -
Naquele triste encontro Deu-se um conflito O Sr. Pinheiro Junior
se acharam com os bandidos no dia quatorze de setembro e o coronel Henrique Dias
diversos ficaram mortos dentro de uma camionete chegaram em Santo Antônio
e outros ficaram feridos. morreram sete membros. ajudando as Companhias.

- 38 - - 48 - - 58 -
O advogado Putiguara Aqueles sete homens Saíram os jagunços se
e homem de direito cinco eram Companheiros colocaram em Francisco Beltrão
foi procurado por colonos viajando na camionete eles também conheceram
para defender seus direitos. como passageiros. que era serviço sem patrão.
- 39 - - 49 - - 59 -
Percorreu a zona toda Aqueles sete homens Foram corridos das fronteiras
colhendo procurações que viajavam naquele dia tomando direção
e deixou de trabalhar cinco eram da Colônia continuando sua tarefa
por causa das perseguições. e só dois da Companhia. no município de Francisco Beltrão.
- 40 - - 50 - - 60 -
Ele trabalhava bem Escondidos atrás de um toco No dia nove de outubro
mas não teve sorte deram cinquenta e oito disparos em Pato Branco se alevantaram
ele obrigou-se a desistir mataram sete homens Marecas vendo aquilo
por ser perseguido de morte. que viajavam num carro. também quietos não ficaram.

361
Anexo 2 - B: TRANSCRIÇÃO TEXTUAL DA VERSÃO FOTOCOPIADA DO
DOCUMENTO DE REFERÊNCIA
- 61 - - 71 - - 81 -
Ainda no mesmo dia Quando ele vinha vindo Estavam vivendo bem
se formou a comissão escoltado de soldados cuidando de suas casinhas
convidando os colonos atravessando a cidade hoje muitas são viúvas
para defender Francisco Beltrão. no meio de quatro mil armados. e crianças orfãnzinhas.

- 62 - - 72 - - 82 -
Ainda na mesma noite Chegou na frente dele Pegavam o que queriam
estava a cidade guarnecida um moço de 15 anos não reparavam origem
por homens paesanos que em seguida o calçou vejam quantas moças por
da colônia resolvida. com sua arma de dois canos. culpa deles não são mais virgem.

- 63 - - 73 - - 83 -
Quando foi no dia dez Ainda foi em Curitiba Pegavam mulher e moças
estavam todos reunidos mentindo que não viu nada e assim iam judiando
dentro da cidade e que ele só tinha visto atavam o marido
para tocar os bandidos. três ou quatro mulher armada. e quem ficasse olhando.

- 64 - - 74 - - 84 -
As entradas da cidade No dia 22 de outubro Nunca vi contar na história
estavam todas guarnecidas tudo estava terminado que se desse um caso destes
os jagunços ficaram dentro chegaram os oficiais dos colonos pegar nas armas
pedindo que lhe deixassem a vida. com a força de soldados. para defender seus interesses.

- 65 - - 75 - - 85 -
A vida não lhe deixavam Quando o povo viu aquilo Snr. Moisés Lupião
se não fosse o militar que chegaram de repente isto eu nunca pensei
que deram um jeitinho quando foi umas horas da noite tu sendo Governador
para eles se escapar. na cidade não tinha mais gente. que trabalhasse contra a lei.

- 66 - - 76 - - 86 -
Na hora da invasão Logo eles explicaram Quando tu eras candidato
os jagunços se apuraram que vieram manter ordem tu fizestes muitas propostas
no campo de aviação eles não eram cangaceiros agora que o povo precisa
eles se entrincheiraram. para vir fazer desordem. tu só sabe virar as costas.

- 67 - - 77 - - 87 -
Logo o exército subiu a serra Por sorte os colonos Tu és governador
e foram às trincheiras estão todos trabalhando de origem estrangeira
deixaram desarmados Companhias não tem mais tu não trabalha pela lei
de suas armas guerreiras. esta tudo melhorando. mas sim pelo dinheiro.

- 68 - - 78 - - 88 -
Na fuga das Companhias Os jagunços foram embora Na lei tu não pensas
tiveram grande sorte que era nossos inimigos para ti tudo é besteira
foram os soldados farda verde vamos todos labora tu só pensas em dinheiro
que lhe defenderam a morte. para colher o nosso trigo. para encher a tua carteira.

- 69 - - 79 - - 89 -
Os colonos foram humildes Mas ainda as Companhias Tu faz tuas bandalheiras
que os deixaram escapar querem cobrar os prejuízos depois vai ao estrangeiro
se o povo fosse vingativo mas não contam com as mulheres se a coisa aqui vai mal
só podiam era matar. que ficaram sem maridos. que se aguente os brasileiros.

- 70 - - 80 - - 90 -
Chegando o Chefe da Polícia Ainda elas estão chorando Isto tudo que eu vi
embarcado no avião pelos maridos que perderam já esta escrito na revista
foi logo recebido mas eles não se importam todo mundo esta dizendo
no campo de aviação. com os crimes que cometeram. que teu regime é comunista.

362
Anexo 2 - B: TRANSCRIÇÃO TEXTUAL DA VERSÃO FOTOCOPIADA DO
DOCUMENTO DE REFERÊNCIA

- 91 - - 95 - - 99 -
A proposta que tu fez Tinha aqui um agrimensor Vou terminar a décima
era para melhorar as terras era doutor de engenharia não sei mais o que contar
o resultado da proposta fazia compras no comércio tudo isso aconteceu
acabou em pé de guerra. depois alegava que não devia. no Oeste do Paraná.

- 92 - - 96 - - 100 -
Vou lhe dar uma saudação Quando o credor ia cobrar Quem escreveu esta décima
e lhe fico muito obrigado a resposta dinheiro não tem é morador lá das fronteiras
se quiser vencer o teu tempo quando foi no fim da conta se querem saber o meu nome
trate de endireitar o Estado. fugiu e não pagou ninguém. sou Albino de Oliveira.

- 93 - - 97 - FIM.
Cuide bem do teu povo Ia cobrar na Companhia
tenha um pouco de capricho respondiam não devem nada Fonte: DENGO, Claudino;
que os filhos do Paraná um culpava o outro DENGO, Fiorina Cagnini
são gente e não são bichos. com parte combinada. (esposa); DENGO; Claudinéia
(filha) Entrevista realizada no
- 94 - - 98 - dia 11/08/2011, na residência
Quando nós pedimos justiça Se tudo isso aconteceu da família, na cidade de Verê/
nunca fomos atendidos foi por causa da política PR. / Entrevistadores: Paulo
tu só dava crédito aquela na revista vem tudo certo José Koling, Tiago Arcanjo
turma de bandidos. alguém diz que é só crítica. Orben e Francieli Pinheiro/.

363
ANEXO 3: Relação dos Prefeitos, Deputados Estaduais e Federais
eleitos e com domicílio eleitoral em Francisco Beltrão

RELAÇÃO DOS PREFEITOS:

- Ricieri Cella, PTB (52-53)


- Rubens da Silva Martins, PSD (53 a 56)
- Ângelo Camilotti, PSD, candidato único (56 a 60)
- Walter Alberto Pécoits, PTB (60 a 63)
- Euclides Girolamo Scalco, PTB (63 a 64)
- Antônio de Paiva Cantelmo, PTB e MDB (65 a 68 e 73 a 76)
- Deni Lineu Schwartz, Arena, candidato único (69 a 72)
- João Batista de Arruda, Arena e PFL (77 a 82 e 93 a 96)
- Guiomar Jesus Lopes, PMDB (83 a 88 e 97 a 2000)
- Nelson Meurer, PDS (89 a 92)
- Vilmar Cordasso, PP (2001 a 2008)
- Wilmar Reichembach, PSDB (2009 a 2012)
- Antônio Cantelmo Neto, PMDB (2013 a 2016)

RELAÇÃO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS:

- Walter Alberto Pécoits, pelo PTB, em 1962.


- Aryzone Mendes de Araújo, pela Arena, em 1970.
- Deni Schwartz, pelo MDB e PMDB, em 1974, 1978 e 1982
- Túlio Zanchet, pela Arena, em 1978
- Haroldo Ferreira, pelo PMDB, em 1986
- João Arruda, pelo PFL, em 1986 e 1990
- Luciana Rafagnin, pelo PT, em 1998*, 2002, 2006 e 2010
- Ademar Traiano, pelo PRN, PTB e PSDB, em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010

RELAÇÃO DOS DEPUTADOS FEDERAIS:

- Euclides Girolomo Scalco, pelo PMDB, em 1978, 1982 e 1986


- Nelson Meurer, pelo PP, em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010
- Deni Lineu Schwartz, pelo PMDB, em 1990
- Assis do Couto, pelo PT, em 2006 e 2010

364
LIDERANÇAS POLÍTICAS:
(Também assumiram outros cargos)

- Walter Alberto Pécoits: Principal líder da Revolta dos Posseiros em


1957, foi prefeito de 61 a 63, deputado estadual de 63 a 64 (esteve entre os
cassados pela Revolução, perdendo os direitos políticos de 64 a 74), depois foi
secretário de Estado, no governo de José Richa (83-86).

- Deni Lineu Schwartz: Chegou no município como chefe do Getsop, em


1963, prefeito de 69 a 72, foi deputado estadual de 74 a 82, deputado federal
em 93 e 94, secretário dos Transportes de 83 a 86 (governo de José Richa),
secretário dos Transportes de 95 a 96 e secretário da Agricultura em 2002
(governo de Jaime Lerner), ministro do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, o MDU (do presidente José Sarney de 86 a 87), e diretor de assuntos
institucionais da Copel (de 96 a 2002).

- Euclides Girolomo Scalco: Prefeito de 63 a 64, foi suplente de senador de


74 a 82, deputado federal de 78 a 90, candidato a vice-governador em 1990
(na chapa de José Richa) e presidente da Itaipu Binacional e ministro do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002).

Fonte: Município de Francisco Beltrão. Disponível no Site: http://franciscobeltrao.


pr.gov.br/o-municipio/historia/

365
RELAÇÃO DAS SIGLAS
ABRA: Associação Brasileira de Reforma Agrária
AI-1: Ato Institucional nº 1
AMSOP: Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná
APUCARANA: Colonizadora Apucarana Ltda.
ARENA: Aliança Nacional Renovadora
ASSESOAR: Associação de Estudos, Orientação e Assistência
Rural
BRAVIACO: Companhia Brasileira de Viação e Comércio
CANGO: Colônia Agrícola Nacional “General Osório”
CANTUQUIRIGUAÇU: Território do Cantuquiriguaçu – Paraná (Unidade
Administrativa)
CEBs: Comunidades Eclesiais de Base
CEDLA: Centro de Estudos e Documentação Latino-
Americano (Bélgica)
CEFET-Pato Branco: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná –
Pato Branco
CEFSPRG: Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande
CEM: Centro de Estudos Migratórios
CLITA: Clevelândia Industrial e Territorial Ltda.
COMERCIAL: Comercial e Agrícola Paraná Ltda.
COPEL: Companhia Paranaense de Energia
CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
CPT: Comissão Pastoral da Terra
CRABI: Comissão Regional dos Atingidos por Barragens do
Rio Iguaçu
CSN: Conselho de Segurança Nacional
DGTC: Departamento de Geografia, Terras e Colonização
DOPS/PR: Delegacia de Ordem Política e Social - Paraná
DTC: Divisão de Terras e Colonização
ELETROSUL: Centrais Elétricas Brasileiras S.A (empresa
subsidiária da região Sul do Brasil: RS, SC, PR e MS)
FACIBEL: Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão

366
FACIMAR: Faculdade de Ciências Humanas de Marechal
Cândido Rondon
FUNDEPAR: Fundação de Desenvolvimento Educacional do
Paraná
FUNPAR: Fundação da Universidade Federal do Paraná para
o Desenvolvimento da Ciên-cia, da Tecnologia e da
Cultura
GETSOP: Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do
Paraná
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRA: Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
IECLB: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
IHU: Instituto Humanitas Unisinos
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INDA: Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário
INIC: Instituto Nacional de Imigração e Colonização
INPS: Instituto Nacional de Previdência Social
IPARDES: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico
e Social
IPASE: Instituto de Pensões e Assistência dos Servidores do
Estado
I-PNRA: I Plano Nacional de Reforma Agrária
JK: Juscelino Kubitschek
MASTERS: Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra do
Sudoeste do Paraná
MASTRO: Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra do
Oeste do Paraná
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE: Núcleo Regional de Educação (vinculado a SEED/PR)
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PCdoB: Partido Comunista do Brasil (cisão do PCB, 1962)
PDC: Partido Democrata Cristão
PDE: Programa de Desenvolvimento da Educação
PDT: Partido Democrático Trabalhista
PFL: Partido da Frente Liberal

367
PL: Partido Libertador
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP: Partido Progressista
PPS: Partido Popular Socialista
PR: Paraná
PR: Partido Republicano
PRP: Partido de Representação Popular
PRT: Partido Republicano Trabalhista
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrático
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
PSP: Partido Social Progressista
PST: Partido Social Trabalhista
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PTN: Partido Trabalhista Nacional
RJ: Rio de Janeiro (Estado; cidade capital do Estado)
RS: Rio Grande do Sul
SC: Santa Catarina
SEED/PR: Secretaria de Estado da Educação - Paraná
SEIPN: Superintendência das Empresas Incorporadas ao
Patrimônio Nacional
SEIPU: Superintendência das Empresas Incorporadas ao
Patrimônio da União
SP: São Paulo
STF: Supremo Tribunal Federal
STR: Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
SUPRA: Superintendência de Reforma Agrária
TER/PR: Tribunal Regional Eleitoral – Paraná
TFR: Tribunal Federal de Recursos
UDN: União Democrática Nacional
UDR: União Democrática Ruralista (UDR)
UFPR: Universidade Federal do Paraná
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

368
UNIOESTE: Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNISINOS: Universidade do Vale do Rio dos Sinos
URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USP: Universidade de São Paulo
UTFPR: Universidade Tecnológica Federal do Paraná

369
Formato: 160mm x 230mm
Tipologia: Bebas Neue; Bernard MT; Bitter; Calibri, Cataneo BT.

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