Tese SalvacaoPerdicaoSexualidade

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA


INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA - IEMCI
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
E MATEMÁTICAS – PPGECM

LUCIANE DE ASSUNÇÃO RODRIGUES

ENTRE SALVAÇÃO E PERDIÇÃO: a sexualidade do “bom cristão”!

BELÉM – PA
2019
LUCIANE DE ASSUNÇÃO RODRIGUES

ENTRE SALVAÇÃO E PERDIÇÃO: a sexualidade do “bom cristão”!

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação em Ciências e Matemáticas (PPGECM),
do Instituto de Educação Matemática e Científica da
Universidade Federal do Pará (UFPA), como
exigência à obtenção do título de Doutor em
Educação em Ciências e Matemática.
Autora: Luciane de Assunção Rodrigues.
Orientadora: Profª. Dra. Sílvia Nogueira Chaves.
Curso: Doutorado em Educação em Ciências e
Matemática.
Área de Concentração: Educação em Ciências
Linha de Pesquisa: Cultura e Subjetividade na
Educação em Ciências

BELÉM – PA
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará
Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

R696e Rodrigues, Luciane de Assunção


ENTRE SALVAÇÃO E PERDIÇÃO: a sexualidade do “bom
cristão”! / Luciane de Assunção Rodrigues. — 2019.
124 f. : il. color.

Orientador(a): Prof. Dr. Sílvia Nogueira Chaves


Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemáticas, Instituto de Educação Matemática e Científica,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2019.

1. Sexualidade. 2. Corpo. 3. Escola Confessional. 4.


Subjetividade e Resistências. 5. Poder Pastoral. I. Título.

CDD 370
Às minhas filhas amadas Isabelle, Isadora
e Isabela, pelas resistências e liberdades
que ensaiamos na vida!
AGRADECIMENTOS

“Acho que invento a felicidade para compor todas as coisas e não


haver preocupações desnecessárias. E inventar algo bom é melhor
do que aceitarmos como definitiva uma qualquer realidade má. A
felicidade também é estarmos preocupados só com aquilo que é
importante. O importante é desenvolvermos coisas boas, das de
pensar, sentir ou fazer” (Valter Hugo Mãe).

Gratidão a cada um que, com seu toque único, tornou essa jornada mais leve e feliz!

Aos meus pais Lucival e Fátima, pela presença constante e por me apoiarem em tudo que
faço! O amor de vocês, os abraços e os carinhos me deram a segurança que eu precisava nos
momentos mais difíceis da minha vida! Meu amor por vocês é eterno!!!

Aos meus irmãos de longe (Luciléia e Rogério) e de perto (Regiane)! Em tudo que faço tenho
a lembrança de vocês! Obrigada pelo incentivo durante minha trajetória acadêmica! Amo
vocês!!!

As minhas filhas: Isabelle, Isadora e Isabela!

-“Mãe, quem foi que me ensinou a nunca desistir de nada!? A senhora vai
conseguir!”(Isabelle)

-“Mãe, quando vamos ao cinema assistir um filme!?”(Isadora)

-“Mãe, falta muito pra terminar sua tese pra gente viajar!?” (Isabela)

Filhas amadas do meu coração, abdicamos de muitas coisas nesse período de leitura e escrita
da tese! O que ensinei a vocês recebi como lição do retorno quando mais precisava ouvir
palavras de força e incentivo para prosseguir essa pesquisa! Juntas inventamos a felicidade
para superar os dias sombrios e difíceis! Sem vocês eu jamais teria conseguido concluir essa
etapa tão importante de nossas vidas! Amores infinitos e eternos!!! Vocês são os paraísos da
minha vida!

À minha família de Macapá/AP, “Família Nascimento”! Aos meus tios, tias, primos e
primas, por sempre compartilharem a felicidade pelas minhas conquistas! Amo vocês
eternamente!
Aos amigos da turma do doutorado (2015), em especial Angélica Araújo, Kaled Khidir,
Edilena Corrêa e Roseli Araújo, com quem dividi - de diferentes modos - a “Dor da Tese”!
Gratidão por Deus ter me presenteado com pessoas tão maravilhosas!

Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Subjetividade


(GEPECS), cujas discussões e sugestões contribuíram significativamente para elaboração
dessa pesquisa, em especial a Joana (Jô), pelo apoio, pelo carinho e pelas palavras de
incentivo durante essa trajetória acadêmica! Obrigada de coração! A Mônica, pela amizade
sincera e pelas conversas que estreitaram nossos laços! Obrigada por me aceitar como eu sou!
A Danielle Dias (Dani) - minha conterrânea-, pelas trocas de experiências durante o percurso
dessa pesquisa, dividindo sentimentos de angústias e alegrias pelos insights durante a escrita
das nossas respectivas teses.

Às queridas amigas France Fraiha e Inês Trevisan (amigas com que o mestrado me
presenteou)! Obrigada pelo carinho, pelas trocas de experiências de vida e acadêmicas e pela
felicidade que compartilham nesse momento comigo! Vocês são muito especiais na minha
vida!

À querida Sílvia Chaves, minha orientadora e amiga, pela parceria de ideias, sensibilidade que
deram vida a essa tese e por sempre apostar no meu potencial de criação e invenção! Obrigada
por me desafiar e me ensinar a superar meus limites!

À banca examinadora, Profª. Dra. Ana Cristina Pimentel, Prof. Dr. Carlos Aldemir, Prof. Dr.
Marlécio Maknamara e Profª. Dra. Marlucy Paraíso, que - com suas valiosas sugestões -
contribuíram significativamente na conclusão dessa pesquisa.

Há inspirações que transcendem essa tese e que cruzaram meu caminho nesse percurso em
que a vida me reservou surpresas e lições que me marcaram como ser humano!

A Deus pela força que me deu para prosseguir esse trabalho quando a dor dilacerava minha
alma e eu não continha as lágrimas!

E para quem me conhece muito bem, sabe que…

“Estou sempre apressada. Sou muito mexida. Um dia quero uma


coisa, no outro quero tudo. Sofro de um problema de sossego. Não
sei o que é estar sossegada. Mais tarde corrijo”. Valter Hugo Mãe.
RESUMO

Que subjetividades são fabricadas a partir dos discursos sobre sexualidade? Quais são as
condições de existência dos discursos que fazem proliferar dada sexualidade? Tais questões
emergiram e fabricaram a tessitura dessa pesquisa, cujas linhas do tesão e transgressão são os
fios condutores das tramas que compõem a sexualidade do “bom cristão”. Para dar
visibilidade à sexualidade que transita em uma Escola Confessional - numa dinâmica
inventiva -, foram criados personagens que movimentam a análise dos materiais empíricos
selecionados para compor o corpus da pesquisa. Inspirados e matizados pelo pensamento de
Michel Foucault e com os sentidos aguçados, esses materiais falam e descrevem o que viram,
ouviram, sentiram nos espaços de uma Escola Confessional. Com personalidades distintas,
tais personagens são proficientes em fazer aparecer os processos de subjetivação do dito “bom
cristão”, seja ele docente ou discente, bem como as peripécias vividas no interior de um
espaço em que a sexualidade se situa entre a obediência e a transgressão. Dentre os
personagens, a Escola Esquizofrênica inicia a discussão com seus desvarios, alternando
momentos de lucidez e de alucinação, sem que se consiga perceber quando está em um ou
outro estado! Nesse contexto, a escola esquizofrênica decide colocar os demais personagens
no seu divã - em modos de confissão. Assim, cada personagem conta como foi
atravessado/afetado pela sexualidade ali circulante, mobilizando a questão central desta
investigação: Como opera o dispositivo da sexualidade numa Escola Confessional? Com base
na análise das confissões sustenta-se a seguinte tese: A produção da subjetividade do “bom
cristão” está vinculada ao controle e à gestão da sexualidade. A sexualidade, por sua vez,
abre trilhas de possibilidades de invenção e criação de novas formas de viver! É assim que os
personagens que habitam a Escola Confessional ousaram criar o espaço do “entre”, no meio.
Resistiram, inventaram e viveram a sexualidade rompendo a inércia e a paralisia de
permanecer na posição de “bom cristão”! Ao invés de ensaiarem modos de obediência em
relação às normas regulatórias estabelecidas para se viver nessa escola confessional, optaram
por viver a sexualidade em modos de resistências. O entre está onde tudo escapa, é a
transgressão de uma sexualidade que não foi formatada, suspira por liberdade em uma vida
que experimenta.

Palavras-Chave: Corpo. Sexualidade. Escola Confessional. Subjetividade. Poder Pastoral.


Resistências.
ABSTRACT

What are the subjectivities constructed in discourses about sexuality? What are the existing
conditions from discourses that proliferate this sexuality? Such questions emerged and
constructed the basis of this research, whose tension and transgression lines are the
connecting threads that integrate a drama related to the sexuality of the "good christian". To
exposure the sexuality in the confessional schools, we focus on a dynamic inventive character
that moves the analysis of empirical materials selected to integrate the corpus of this research.
Inspired and nuanced with the keen senses by Michel Foucault's thought, these materials
speak and describe what they had seen, heard and felt in a Confessional School spaces. Based
on distinct personalities, these characters are proficient in demonstrates the processes of
subjectivation of the "good christian", being it a teacher or student, as well as the incidents
lived within a space in which the sexuality is situated between the obedience and
transgression. Among the characters, the Schizophrenic School begins a discussion with its
madness, alternating between lucidity moments and hallucination, without being able to
perceive when it is in another mode. In this context, the schizophrenic school decides to put
the other characters on their divan, especially in confession way. Therefore, each character
tells how it was crossed/affected by the sexuality that used to circulate there. It mobilizes a
central question on this investigation, which is: How works the sexuality device in a
Confessional School? We support the following idea based on the confessions analysis: The
production of subjectivity on the "good christian” is tied to the control and management of
sexuality. On this line, sexuality opens up possibilities paths for an invention and creation to
live new ways. This is how the characters who inhabit the Confessional School dared to create
a space "in between" on the middle. Furthermore, they resisted, invented and lived their
sexuality, thus breaking the inertia and paralysis to remaining on "good christian" position.
They chose to live their sexuality in a resistance way, instead of rehearsing obedience to the
regulatory norms established on this Confessional School. Then, between is where everything
escapes, in which sexuality transgression has not been formatted, sighing for freedom in life
that experiences.

Keywords: Body. Sexuality. Confessional School. Subjectivity. Pastoral Power. Resistance.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 13

I – ENTRE TESE, TESÃO E PAIXÃO: a sexualidade do “bom cristão” no divã da


escola confessional!................................................................................................................................. 17

II- ENTRE LUZ, CÂMERA E T: sob o olhar da perversão! .................................................... 33


III – ENTRE PROTEÇÃO E SANTIFICAÇÃO: o que diz a estética do “bom cristão”!? .. 39

IV – ENTRE CÂNTICOS, ORAÇÕES, JILÓ E ZÍPER: o namoro do “bom cristão”! ....... 51

V- ENTRE PECADO, SANTIFICAÇÃO E SALVAÇÃO: (me)ditando sobre a vida do


“bom cristão”! ......................................................................................................................................... 66

VI – ENTRE PORTAS E ESPELHOS: confissões do “bom cristão”! ...................................... 73

VII- ENTRE DOCÊNCIA E (IN)DECÊNCIA: “avaliando” as confissões do “bom


cristão”!..................................................................................................................................................... 76

VIII – ENTRE EXCLUSÃO E RESISTÊNCIAS: com a voz a discência! ............................... 83

IX- ENTRE PÁGINAS E ORIENTAÇÕES, TABUS E PRESCRIÇÕES: a sexualidade


do “bom cristão”! ................................................................................................................................... 94

X - ENTRE INTERDIÇÃO E INDIGNAÇÃO: imagens interditadas de uma prova


indignada!............................................................................................................................................... 100

XI – ENTRE AVERSÃO E INVERSÃO: a (des)invenção do slogan do “bom cristão”! .... 104

XII- ENTRE TRAMAS E TRAMOIAS: confissões de um currículo maquiavélico! ........... 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 121


“Só o cristianismo, com seu
fundamental ressentimento contra
a vida, fez da sexualidade algo
impuro: jogou imundície no
começo, no pressuposto de nossa
vida...”.
Nietzsche
13

APRESENTAÇÃO

Amor é um livro Amor sem sexo,


Sexo é esporte É amizade
Sexo é escolha Sexo sem amor,
Amor é sorte É vontade

Amor é pensamento, teorema Amor é um


Amor é novela Sexo é dois
Sexo é cinema Sexo antes,
Amor depois
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa Sexo vem dos outros,
Sexo é poesia E vai embora
Amor vem de nós,
O amor nos torna patéticos E demora
Sexo é uma selva de epiléticos
Amor é cristão
Amor é cristão Sexo é pagão
Sexo é pagão Amor é latifúndio
Amor é latifúndio Sexo é invasão
Sexo é invasão Amor é divino
Amor é divino Sexo é animal
Sexo é animal Amor é bossa nova
Amor é bossa nova Sexo é carnaval
Sexo é carnaval
Amor é isso,
Amor é para sempre Sexo é aquilo
Sexo também E coisa e tal.
Sexo é do bom... E tal e coisa.
Amor é do bem...
Ah, o amor...
Hum, o sexo...
14

Amor é Cristão, Sexo é pagão1!? Essa tese traz à tona a problematização da


sexualidade em um espaço cristão! Sexo e sexualidade2 estão imbricados numa trama tecida
pelos discursos, cuja reverberação dá a tônica dessa pesquisa.

O que somos!? Quem somos!? Essas questões passam pelo sexo-história, sexo-
significação e pelo sexo-discurso (FOUCAULT, 2007a). O que somos passa pela história da
sexualidade que nos atravessa, nos impulsiona, nos arrebata e nos põe sob a regência do
desejo e do prazer. Essa tese nasceu de inquietações que têm como mote central a
sexualidade! Para falar sobre esse tema tão caro em nossos dias, dei vozes a personagens que
habitam o espaço de uma Escola Confessional! Para isso, busquei inspirações em Mia Couto,
Manoel de Barros, Fernando Pessoa, Ítalo Calvino, “Noites do Sertão (Corpo de Baile)”, de
Guimarães Rosa, “Confissões” de Santo Agostinho, “Sexo na cabeça” de Luís Fernando
Veríssimo, “Histórias Íntimas”, de Mary Del Priore e leituras ditas marginais, tais como
crônicas de Nelson Rodrigues, além de filmes, como: “Ninfomaníaca”, “Pecados íntimos”,
“50 tons de cinza”, “A Arte de Amar” e músicas de Raul Seixas “Metamorfose ambulante”,
“Amor e Sexo” de Rita Lee, a qual utilizei para introduzir essa apresentação, dentre outras.

Essa quimera de livros, filmes e músicas matizaram essa tese, salpicada de um sabor
afrodisíaco à sexualidade pulsante que está nos espaços de educação também, porque a vida
invade a escola e a escola invade a vida! A escola invade a vida com suas doutrinações, seus
dogmas, suas crenças e a vida invade a escola, inventando modos de viver, cuja obediência é
a condição de existência do “bom cristão”, que no ensaio das resistências e transgressões,
vive sua sexualidade em múltiplas dimensões!

Aqui a história da sexualidade será feita sob o viés da história dos discursos
(FOUCAULT, 2007a). É sobre esses discursos que os personagens inventados - nessa tese -
veem, falam, exprimem suas confissões, criam mecanismos de fuga e vivem a sexualidade
com liberdade/libertinagem, cada um ocupando sua posição de sujeito, imprimindo seu modo
de ver, sentir, ouvir, isto é, o modo de capturar as sensações dos corpos de cristãos que
transitam em uma escola confessional, deixando marcas, experimentando sensações, por

1 Trecho da música “Amor e Sexo”, de composição de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo
Jabor, lançada em 2003 e interpretada por Rita Lee.
2 Sexo refere-se ao aspecto biológico e distinções anatômicas entre homens e mulheres, enquanto que
a sexualidade está relacionada ao comportamento, ao modo de viver os prazeres, ou seja, “é um lugar
de processos ocultos por mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma palavra
obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar” (FOUCAULT, 2007a, p. 78).
15

vezes reiterando dogmas, noutras ensaiando transgressões! Esses personagens fazem aparecer
os materiais empíricos analisados nessa tese, tais como: práticas de filmagem do ambiente
escolar por meio de câmeras, livros direcionados à formação docente, livros didáticos
voltados ao público discente, avaliações aplicadas na escola, manual do educando, docentes,
discentes, ambientes e atividades escolares, tais como banheiros, palestras na capela, enfim,
todos os espaços em que a sexualidade comparece serão objetos de análise e olhares
capturados. Espreitar as conversas, os discursos pronunciados, os discursos imagéticos como
objeto do qual se deseja falar sob múltiplas formas, ancorando nossas ideias na perspectiva
foucaultiana, no sentido de tratar a sexualidade na sociedade contemporânea não sob o viés da
repressão, mas buscando as razões pelas quais a sexualidade é permanentemente suscitada
(FOUCAULT, 2007a).

Para problematizar a fabricação do “bom cristão”, cada personagem desenvolve uma


narrativa na qual expressa seu ponto de vista. É assim que a escola esquizofrênica inicia a
trama, alternando momentos de lucidez e de alucinação, em crises esquizofrênicas que
causam intensa perturbação, desconfiando que é vítima de uma conspiração diabólica
arquitetada pelos personagens que compõem o seu cenário educacional. Tais personagens são
convidados a debruçarem-se sobre o divã da escola confessional e - em tom de confissão -
contam sobre a sexualidade que transborda em cada canto desse lugar. Para iniciar as
confissões, o divã é ocupado pela câmera tarada, seguido pelo corpo luxurioso, a capela
casta que se metamorfoseou de convertida a pervertida, a meditação incansável em formatar
o “bom cristão”, o banheiro puritano e recatado que em tudo vê pecado, a docência
hipócrita, a discência com resistências, o livro didático despeitado, a prova indignada que
luta contra a interdição, o slogan que tem aversão a si mesmo e decide fazer a (des)invenção
do slogan do “bom cristão” e o currículo maquiavélico que inventou estratégias para a
fabricação e condução do “bom cristão” no caminho da salvação. Todos esses personagens -
incitados e excitados - contam sobre as peripécias sexuais do “bom cristão” no divã da escola
confessional!

E, para finalizar, convido Fernando Pessoa (2015, p. 347, grifo meu) para me
emprestar suas belas palavras ao dizer:

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o


gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer
pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança
menina ao colo delas. São frases sem sentindo, decorrendo mórbidas, numa fluidez
16

de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem,


tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens,
trêmulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas,
onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Você está convidado a ocupar o lugar de voyeur da Escola Confessional e - com


muito tesão - ler as histórias que engendraram a fabricação do “bom cristão”! Desejo que a
leitura seja prazerosa e que as palavras façam festas, assim como dançaram e saltitaram das
minhas ideias à tela do computador e agora povoam as páginas dessa tese.
17

I – ENTRE TESE, TESÃO E PAIXÃO: a sexualidade do “bom cristão” no divã da


escola confessional!

“Os mestres zen se esforçam sempre por


introduzir desafinações nas afinações
dos seus discípulos. Ouvidos que ouvem
tudo afinado devem estar estragados. É
preciso ouvir as desafinações do
mundo!”
Rubem Alves3

“Menino veste azul, menina veste rosa!?”, “Mamadeira de Piroca(erótica)!?”, “Sexo


na Hora Certa!?”, “Kit Gay!?”, “Retirada de ilustrações de órgãos genitais da Caderneta de
Vacinação de Adolescentes!?”, “Censura na Escola!?”, dentre outros. Diante desse
bombardeio em que a sexualidade é - incessantemente - colocada na arena para ser degustada
pelos leões defensores da moral e dos bons costumes, entrei em choque de realidade e fui
abduzida pela perplexidade com os fatos que proliferam nesses novos tempos (ou serão velhos
tempos!?) em que há tanta profusão de sexualidade em todos os lugares!!! Vozes bizarras que
ecoam trazendo consigo inquietações, angústias, perseguições, frustrações, proibições, mas
também incitações profundas que me colocaram em suspensão diante de tantas alucinações
que vejo nesses tempos tão estranhos que vivenciamos na sociedade brasileira. Será um
retorno às cavernas da moralização ou um “desabrochar” de novos rumos da sexualidade, em
que a obediência cede lugar à resistência!?

As alucinações foram - tacitamente - tomando conta de mim, invadindo meus


espaços, prostituindo meus pensamentos, confundindo minha posição de sujeito, invertendo
minha tradição, pervertendo meus costumes, transformando dogmas, adulterando minha
religião! Vi-me invadida pela igreja, cercada por um bando de fanáticos cristãos que subiram
no pedestal da moralização, ditando regras, impondo censuras, retirando termos como
“gênero”4 da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Enquanto lá fora o circo pega fogo

3 Essa epígrafe é um convite feito por Rubem Alves no livro “Ostra feliz não faz pérola (2014, p.130).

4 O termo Gênero estava presente na primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento
que define os parâmetros que norteiam a educação nas escolas de educação infantil ao ensino fundamental em
todo o Brasil. Nessa versão inicial, foi estabelecido como um dos objetos do conhecimento “corpo, gênero e
sexualidade nas tradições religiosas”, sendo definido que as escolas deveriam “discutir as distintas concepções
de gênero e sexualidade, segundo diferentes tradições religiosas e filosofias de vida”. Entretanto, após discussões
feitas pelos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), no texto homologado houve a supressão do
termo “gênero”. Sobre esse tema, ler o texto “Fazer do caos uma estrela dançarina no currículo: invenção política
18

nas discussões sobre sexualidade, aqui dentro dos meus muros a situação está caótica! Ouço
vozes, tenho crises esquizofrênicas crônicas que me causam (des)orientação e
(in)subordinação em relação ao modelo cristão que tenho obrigação de ser. Sou uma igreja
disfarçada de escola ou uma escola camuflada de igreja!? Desejei ser uma escola “Normal”,
mas fui nomeada como Escola Confessional5 ou seria Escola “Anormal”!? Afinal, nem sei
mais quem sou!

A alcunha que me deram foi “Agência de Salvação”, isto é, como escola


confessional, seria um tentáculo da igreja, um mecanismo de agenciamento da vida, de
controle e transmissão das doutrinas e costumes da instituição eclesiástica a que estou
vinculada e a quem devo obediência irrestrita quanto ao cumprimento de regras e normas
dispostas por essa entidade mantenedora, da qual sou parte integrante e atuante no que tange à
salvação das almas. Contudo, tenho a sensação de que há uma trama diabólica para acabar
com minha reputação como agência de salvação das almas perdidas nesse mundo em que a
perversão da sexualidade tem sido o foco central da discussão. Quem está arquitetando contra
mim!? Como estão tecendo a trama para desvirtuar minha tarefa? Minha imaginação tomou
rumos diversos e escrutinou cada cantinho tão meu, tão familiar e - ao mesmo tempo - tão
estranho, tentando identificar que ressonâncias e dissonâncias havia nas vozes que ecoavam
dentro de mim! Deixei-me abduzir e ouvir as desafinações do meu mundo!

Como instância reguladora e sob a égide do cristianismo, ensaio modos de controle


das condutas, a partir de um código moral estabelecido como condição de
regimento/regulação da vida. A estratégia de controle assenta-se no modo de governar o
outro, no controle da ilicitude, na busca incessante da moralidade, entendida como a forma de
obediência a costumes, determinada a partir da tradição, que ordena o que é útil. A
moralidade é tanto menor quando a vida é menos regida pela tradição (NIETZSCHE, 2004,

com gênero e sexualidade em tempos do slogan ‘Ideologia de Gênero’” de autoria de Marlucy Alves Paraíso
(2018).

5 Escolas confessionais são instituições que estão vinculadas a uma instituição religiosa e difundem, além dos
conhecimentos sistemáticos de cada disciplina, sua visão filosófica relacionada à perspectiva religiosa. A
problematização da sexualidade - propósito principal dessa tese - tem como palco uma escola confessional que
pertence a uma rede de ensino privada, que existe há 120 anos com unidades espalhadas em diversos países. Essa
escola tem um contingente de 1380 alunos, com turmas de Maternal II ao 3º ano do Ensino Médio e cerca de
apenas 20% pertencem à religião professada pela instituição. Os demais alunos são de outras religiões. Do
contingente total de alunos, aproximadamente 50% é do sexo masculino e 50% e do sexo feminino. Para essa
pesquisa, consideramos os alunos de 6ºano ao 3º ano do Ensino Médio, na faixa etária de 10 a 17 anos,
perfazendo um total de 880 alunos.
19

aforismo 9). Porém, em meu cenário a vida é dirigida por um indubitável tradicionalismo,
herança da instituição eclesiástica, a qual estou diretamente vinculada.

Na tentativa de desvendar o complô diabólico contra mim, fiz a convocação do


elenco de personagens que circulam no meu interior, cuja missão é governar 6 a vida em suas
múltiplas dimensões, de acordo com um código moral que é a bússola do gerenciamento de
corpos docentes e discentes que transitam no meu interior. Desse modo, cada personagem
sentou no meu divã e em tom de confissão relatou o que viu, ouviu ou sentiu sobre
sexualidade em meus interstícios. Essas confissões me dirão quem está tramando um complô
contra mim! Desconfianças são muitas diante da confusão de vozes que me causam
perturbação intensa! Essas vozes serão fruto da imaginação ou de fato há uma conspiração
sendo tramada nos meus bastidores!?

Eis que é chegada a hora de ouvir os relatos/confissões de cada personagem que


compõem meu elenco. Debruçados sobre meu divã, concordaram em falar sobre a sexualidade
que proliferou em seus respectivos espaços de atuação; a Câmera, Manual do Educando, o
Corpo, a Capela, a Meditação, o Banheiro, a Docência, a Discência, o Livro Didático, a
Prova, o Slogan e, por fim, o Currículo. Para todos esses personagens, lancei uma questão
central de análise: Como opera o dispositivo da sexualidade7 na escola confessional!? A
partir de tal questão cada um foi tecendo sua narrativa de acordo com a sua ótica! Como é
possível depreender nas confissões resumidas a seguir:

- Câmera: ah, meu bem... me poupe! Nada escapa ao meu olhar! Registro todos os
flashes e movimentos do “bom cristão”! Se quiser passar a mão e tiver excitação, vou capturar
todas as sensações dos corpos ávidos de tesão! Sou a câmera tarada que dá o zoom e filma os
corpos excitados que dão um show de sexualidade em meio ao ambiente tão vigiado da sala
de aula! Adoro o que vejo! Sexualidade abundante, excitante e transbordante!

6 O sentido de “governar” que irei adotar nessa tese refere-se aos significados de ordem moral, ou seja,
“conduzir alguém” ou “governar as almas”, sendo que a essa última arte de governar daremos mais ênfase na
análise dos discursos que circulam na escola confessional, já que sua missão e filosofia estão estritamente ligadas
ao exercício do poder pastoral.

7 O dispositivo da sexualidade é tratado - nesta tese - na esteira foucaultiana (2007a). A sexualidade é tratada
como dispositivo, ou seja, é uma rede de relações em torno da qual se criam enunciados, discursos, regras de
conduta moral etc. O dispositivo materializa, fabrica, multiplica, movimenta e tem o poder de inventar coisas.
Essa é a proposta de investigação doutoral nessa tese.
20

- Manual: dizem que sou chato, porque sou eu quem dito as normas regulatórias que
controlam os corpos docentes e discentes na escola confessional. Quando o assunto é
sexualidade, tenho que relembrar os códigos disciplinares que regem a conduta do “bom
cristão”! Me inventaram com a função de controlar e frear o comportamento inadequado do
“bom cristão”! Minha missão é manter a ordem e decência nessa instituição!

- Corpo: Sem joias, maquiagens e adereços não me sinto nada atraente! Aí vem a
dona estética me mostrar que é tão importante me adornar! Não adianta nada me esconder
atrás de um jaleco que me deixa disforme e sem atrativos! O jaleco cria um ar de mistério e só
incita ainda mais a sexualidade do tal “bom cristão”! Porque ao “bom cristão” é dito que, para
alcançar a salvação, deve me colocar em processo de mortificação!? Passei a ser motivo de
curiosidade, porque querem ver minhas curvas que o jaleco insiste em não mostrar com seu
tecido largo e solto, que me deixa sem forma, feio e desengonçado. Fico até engraçado,
parecendo mais um balão inflado!!!(hihihi) Nesse espaço de controle eclesiástico, sou tratado
como “assexuado”(hahaha), isto é, cuja sexualidade precisa ser mortificada, a partir do uso de
vestuário recatado, privado de adereços, maquiagens e joias que me ponham em evidência e
despertem o desejo e a cobiça, pois o dito “bom cristão” é aquele que cultiva a simplicidade e
modéstia no seu porte e conduta cristã e isso implica não valorizar a moda! Que ilusão,
acreditar que não vou chamar atenção!? Sempre dou um jeitinho quando quero aparecer! É
minha forma de resistência às amarras do poder! Depois de tanto problematizar, fico a me
perguntar: se a alma é o que interessa à salvação, por que tanto investimento sobre mim, o
corpo do “bom cristão”!?

- Capela: Sinto-me num antro de perdição! Uma escola que antes me usava para falar
das coisas sagradas, agora só quer falar em roupas rasgadas! Sim! De tanto dizer “não abaixe
a roupa!”, “não levante a roupa!”, “não desabotoe!” e “não abra o zíper!”, um aluno da plateia
bradou: “Então, rasgue a roupa!”. Que situação!? Onde foi parar a santidade do “bom
cristão”!?

- Meditação: as mãos que me escrevem falam tanto de santificação, purificação,


depravação, que de tanto fazer a regulação da sexualidade do “bom cristão”, mais incitam e
acendem a vontade de viver a carnalidade e se render à promiscuidade! Minhas linhas são
21

tecidas de luxúria, um dos sete pecados capitais, mas por que ao invés de santificar e purificar,
provoco ainda mais os desejos carnais!?

- Banheiro: Estou horrorizado com tanta promiscuidade! Escrevem nas minhas portas
todo tipo de (in)decências! Essa escola tá uma verdadeira Babilônia! Até convite para
encontros homossexuais (meu Deus!). Onde já se viu!? Em uma escola confessional há
normas regulatórias para seguir e alcançar a salvação e eles escrevem que são “fora da lei”!?
Esse “bom cristão” está é no caminho da perdição!

- Docência: Há tempos não me enquadro no corpo docente dessa escola. Sinto-me


(a)normal!? Tenho a impressão que sou mais uma espiã infiltrada nessa escola, porque tudo
que vejo sobre sexualidade me causa incômodo e inquietação! Danço conforme a música, mas
já não caibo nas regras que não aceito e nem obrigo meus alunos a cumprirem. Docência rima
com resistência! Esse é meu segredo! Mas enquanto estiver nessa instituição, serei a voz da
denúncia e não entrarei em estado de conformação. Meu estado é de pura ebulição diante do
controle do corpo docente dessa instituição. De questionários à proibição de usar o que
queremos, é muita intromissão na vida particular do “bom cristão”. A hipocrisia é minha
válvula de escape e me dá possibilidades de criação de um mundo em que a liberdade de
expressão seja o silêncio transfigurado em atitudes de discordâncias ante os ditames da
instituição.

- Discência: Que história é essa de debate sobre Homofobia, quando se enfatizou


mais a heterossexualidade!? Como a exclusão cedeu lugar à frustração!? A sensação é estar
vivendo numa ditadura, porque somos obrigados - pelo Sr. Manual do Educando - a nos
(in)conformar com as regras e normas que nos impõem! Masturbação causa deformação!?Isso
é abominação!? Quantas fantasias sexuais, dúvidas e inquietações emergem na adolescência e,
ao invés de termos as dúvidas esclarecidas, nossas aulas de Ensino Religioso são espaços
proficientes para a instauração de sessões terroristas de aconselhamentos e proibições,
enfatizando as consequências terríveis do pecado! Enquanto a trama é tecida em torno da
obediência, vamos ensaiando resistências, as quais são tecidas na linha da transgressão do
código moral imposto ao “bom cristão”!

- Livro Didático: Sou um livro fantástico! Não me troco por nenhum outro livro de
Ciências! Em minhas páginas a sexualidade é salpicada de moralidade! Faço a linha
22

conservadora e falo mesmo sobre o casamento monogâmico e heterossexual, virgindade e


castidade, tabus e prescrições que não podem faltar na minha lista de recomendação sobre
como ser um “bom cristão”! Sou um exemplo de exaltação e fidelidade aos princípios
cristãos! Não preciso mudar meu estilo para ser aceito por outras escolas, eu me basto!

- Prova: Tantos elementos interessantes para análise em mim, mas só o que


conseguem visualizar são obscenidades! Tudo remete à sexualidade, até um gesto com o dedo
indicador é indício de indecência!? A nádega não pode aparecer!!! Entre ocultações,
interdições e concessões, como uma das etapas do processo de avaliação, mostro minha
profunda indignação!

- Slogan: Meu “grito de guerra” passou por intensas metamorfoses e sofreu inversão!
Minhas frases de efeito remetem à formação do “bom cristão”! Porém, experimentei o
processo de (des)invenção e a criação de novas/outras formas de resistências, escapando das
ideias formatadas em que me engessaram! Durante muito tempo minha marca registrada era a
moralidade, mas eu a deixei em algum lugar pelos caminhos tortuosos por onde andei,
assumindo outro fio condutor de minhas ideias, agora matizadas pelo tom da rebeldia,
aversão e rejeição ao que um dia batizaram de “Slogan do bom cristão”!

- Currículo: Inventei todas as formas inimagináveis para que se alcançasse o objetivo


de fabricação e salvação do bom cristão. Selecionei, destaquei e privilegiei todos os elementos
necessários para conseguirmos tal façanha, mas tenho sérias desconfianças sobre quem dentre
nós é o “judas” que está a tramar essa conspiração diabólica contra nós. Mais adiante
esclareço melhor esses fatos, quando passarmos às confissões de todos na íntegra.

Diante de tais confissões, passo a admitir a possibilidade de que a realidade se


metamorfoseou em ficção e que a ficção seja a minha realidade. Que confusão criei diante
dos personagens que transitavam em cada espaço meu!? Escutava, atentamente, suas vozes!
Será que esses personagens existem ou são frutos da minha criação/imaginação!? Como
fantasmas que habitam lugares sombrios, tais personagens (in)conformados bradavam sobre a
sexualidade! Das alucinações que vi/ouvi/senti nas crises esquizofrênicas crônicas, a
reverberação dos discursos eclesiásticos ecoando em meus espaços me causou extrema
confusão! Por que uns concordam com o modelo de ensino de cunho religioso e outros
ensaiam transgressões, burlam regras e assumem um papel de resistência às normas
23

regulatórias que são impostas em minha posição de escola confessional? Como se dá a


emergência dessas transgressões? Como essa conspiração silenciosa foi tramada por esses
personagens cuja invenção é fruto da minha imaginação!? Tenho certeza que toda essa
desconfiança tem fundamento e vou provar a vocês as minhas verdades, ainda mais depois do
que o currículo confessou! Ou serão as minhas mentiras!? Não posso esquecer que tenho uma
missão que é a salvação! Mas vejo que dentro de mim há muitas vozes, umas convergem para
manter o padrão de “bom cristão”, outras querem experimentar o sabor da perdição!
Vejo coisas e ouço vozes, serão alucinações!? Sempre me vi como um espaço em
que a liberdade transita! Passei a ouvir em tom de desafinação as fórmulas, os já fatigados
conceitos, as teorias que não cabem dentro de vidas e decidi dar uma virada no meu modo de
olhar, de ouvir, de sentir o mundo a minha volta! Sim, vivi a metanoia8 ou conversão, mas
uma metanoia em modo de rebelião, haja vista que me vi assumindo a função de tentáculo da
instituição eclesiástica que me (re)inventou ao me metamorfosear em um espaço de pasto9, de
doutrinação como alimento espiritual às ovelhas(discentes). Mas, passei a estranhar essa
posição que assumi, porque fui formatada de um modo que a diversidade não cabe dentro de
mim! Mas vou elucidar o modo como se engendrou a metanoia que me arrebatou e me
colocou em modos de suspeição e me fez ouvir sons tão familiares, tão afinados em outros
tons e desafinações, tão sedutores que me possibilitaram ver e ouvir de outros modos os sons
do mundo! Essa conversão me encorajou a saltar das pontes em direção ao desconhecido!
(CORAZZA, 2007). Saltar das pontes foi outra alucinação que tive! (hahahahaha)

Sou considerada uma instituição disciplinar ou instituição de sequestro10, tais como


a prisão, os hospitais, fábricas etc. Emergindo como uma instituição pedagógica de controle,
cujo enquadramento possibilita a correção dos indivíduos, assumo uma das atribuições da

8 Foucault (2014, p.164) afirma que metanoia “[...]é uma dimensão constante na vida do cristão. Ela é não
apenas uma ruptura, mas um estado. É um estado de ruptura pelo qual você se desprende do seu passado, das
suas faltas do mundo para se voltar para a luz, a verdade e o outro mundo”.

9 A analogia da escola como pasto, refere-se ao sentido figurado de pasto como doutrina/ensino. É essa
conotação que proponho, considerando a instituição eclesiástica como aprisco e a escola confessional como
pasto. Desse modo, o aprisco é o seio da igreja, onde as ovelhas estão abrigadas e a escola confessional foi
inventada com a missão de ser uma extensão da igreja, onde as ovelhas (alunos) também encontram o alimento,
que é a Palavra de Deus! Esse alimento é oferecido pela escola confessional, dentre outros, na figura do
professor, que assume a posição de pastor!

10 Esse termo é utilizado por Michel Foucault (2002), em referência às instituições médicas (hospitais), às
instituições pedagógicas (escola), às instituições penais (prisões) e às instituições industriais (fábricas), que são
instituições responsáveis por curar, ensinar, corrigir e produzir mão-de-obra em função de uma normalização
disciplinar, que confere punição aos desviantes e recompensa o comportamento que esteja de acordo com as
normas estabelecidas.
24

justiça, isto é, a correção dos desviantes ou infratores. Como instituição de sequestro, tenho a
função de controlar o tempo dos indivíduos, seus corpos, inclusive sua sexualidade! Minha
missão é a todo custo salvar a alma do “bom cristão” do caminho da perdição! Mas, ao invés
de sequestrar esses sujeitos, eu é que ando tão sequestrada pela minha imaginação que ao
deambular pelos corredores fico a espreitar as paredes, as portas que - em modos de confissão
- querem dizer o que sabem sobre o complô que estão armando contra mim! Nessa paranoia
em que me encontro, eis que uma frase me chama atenção: “Jesus Cristo é o Senhor!” escrita
no extintor de incêndio e vejo que até ele já se converteu (kkkkkk). Espero que como um
“bom extintor convertido” ele seja usado para apagar o fogo da sexualidade e do tesão do
“bom cristão” que está me incendiando e me causando tanta alucinação! (hahahaha).

Mas vejo que agora surtei de vez! Além da minha função que é divulgar, produzir e
promover a circulação do conhecimento, ainda tenho que sequestrar os alunos todos os dias
durante horas seguidas, a fim de que se convertam em “bons cristãos”, tal como o extintor de
incêndio! Com esse extintor, sei que posso contar na árdua missão de salvar! E, ainda, como
instituição de sequestro, tenho a finalidade de fixar os indivíduos a um aparelho de
25

transmissão do saber e normalização e/ou correção das condutas dos homens (FOUCAULT,
2002). Nessa rede, são estabelecidas relações de poder de disciplinar os corpos, adestrar o
pensamento e criar indivíduos que tenham ações condizentes com as regras11 de convivência
em sociedade. O controle da existência é uma das funções das instituições de sequestro, da
qual faço parte. É muita normalização da conduta do “bom cristão”! (hahahaha)

Controlar, formar, valorizar o corpo do indivíduo12!? (FOUCAULT, 2002, p. 119).


Essas palavras causaram um efeito avassalador em mim! Na posição de escola confessional
lembrei de muitas estratégias que são criadas para disciplinar os discentes e também os
docentes em suas múltiplas dimensões, tais como as semanas de oração, as palestras nas
capelas, as leituras das meditações, os livros didáticos, os questionários aplicados aos
docentes, dentre outros. Os sons que tocavam antes tinham reverberação e ressoavam com
uma linda canção em que a harmonia e afinação eram suaves aos ouvidos! Mas o
acontecimento que me fez estranhar os sons, provocando uma desafinação, que cedeu lugar à
inquietação, à desestabilização, à confusão, foram as ressonâncias e dissonâncias dos
discursos em que a sexualidade se tornou o centro das atenções! Mas, por que nos últimos
anos houve exacerbação em tratar dessa temática!? Diante desses discursos, interessei-me em
saber: O que dizem os “corpos” sobre a sexualidade em uma sala de aula de uma Escola
Confessional? Que discursos sobre sexualidade circulam e quais seus efeitos de poder?
Que subjetividades são fabricadas a partir dos discursos sobre sexualidade? Quais são as
condições de existência dos discursos que fazem proliferar dada sexualidade? Essas e outras
questões nortearam as investigações sobre a sexualidade que transita em meus espaços!

Nesse viés, há que se entender que se minhas colegas laicas têm suas restrições e
imposições - como escola confessional - a mim são acrescidas condutas morais oriundas da
instituição eclesiástica a que sou filiada. Essas normas fabricam indivíduos nos moldes
determinados pela instituição eclesiástica. Isso está me causando pânico, porque sinto que
estão a tramar e me impedindo de exercer minha missão de salvar! Quero esclarecer que em
meus espaços as regras em relação à sexualidade são mais explícitas em relação àquelas já

11 A palavra regra significa norma, prescrição, modelo. É o conjunto de princípios que perfazem os estatutos de
uma ordem religiosa. Nesta tese, por vezes, utilizaremos os sinônimos norma, normativa ou normas
regulatórias referindo-se à regra.

12 “Mas, se analisarmos de perto as razões pelas quais toda a existência dos indivíduos se encontra controlada
por estas instituições, vemos que se trata, no fundo, não somente de apropriação, de extração da quantidade
máxima de tempo, mas, também, de controlar, de formar, de valorizar, segundo um determinado sistema, o
corpo do indivíduo”. (FOUCAULT, 2002, p.119, grifos meus)
26

conhecidas em escolas não confessionais ou laicas. Às já conhecidas regras, somam-se tantas


outras que se estabelecem a partir de relações de poder que têm como alvo não somente os
alunos, mas, sobretudo, o professor que é posto sob vigilância, uma vez que a forma de atuar
em sala de aula envolve não somente os conteúdos e a forma de apresentá-los, mas também
seu traje, sua conduta, cuidados com sua aparência e também sua vida pessoal, envolvendo até
seus relacionamentos que, via de regra, não podem escapar ao que é estabelecido pelas
normas da instituição escolar que se confundem com as regras da instituição eclesiástica e
vice-versa. Um controle eclesiástico da vida sob diversas dimensões! Sexualidade é fonte de
prazer, mas também de angústia e desassossego13! Eu que o diga diante das alucinações que
vejo/ouço dos meus portões para dentro e para fora também! (hahahaha). É muita vida lutando
para ser vivida e experimentada em múltiplas dimensões.

O dispositivo da sexualidade14 - que circula em meu interior- emerge de múltiplas


formas, a partir de técnicas estratégicas/ insidiosas que proliferam e compõem práticas
discursivas e não discursivas que não se inscrevem no campo da sujeição, mas que ganham
força nos mecanismos de incitação que fabricam processos de subjetivação dos corpos e dos
desejos, enredando os sujeitos e fabricando modos de ser e viver nesses espaços. A
sexualidade entra numa trama, na qual os modos como ela é tecida, costurada, remendada
dizem mais sobre os poderes que tais discursos engendram e seus efeitos do que sobre o modo
de inculcação do ideário eclesiástico que se pretende enfatizar nos eventos realizados.

Em meus espaços, os princípios normativos acerca da sexualidade têm caráter


iminentemente moral15. Esses princípios morais impregnam a maneira como lidamos com ela.

13 O tema sexualidade é “[...] fortemente “atravessado” por escolhas morais e religiosas, o tratamento da
sexualidade nas salas de aula geralmente mobiliza uma série de dualismos: saudável/doentio, normal/anormal
(ou desviante), heterossexual/homossexual, próprio/impróprio, benéfico/nocivo, etc.” (LOURO, 2007a, p.133,
grifo meu).

14 A palavra “sexualidade” surgiu no início do século XIX e faz parte de campos de conhecimentos diversos
(biologia, medicina, psicologia, pedagogia etc.), também à emergência de regras e normas que se apoiam em
instituições médicas, religiosas, jurídicas e pedagógicas. Além disso, esse termo tem relação com o modo pelo
qual os indivíduos dão sentido e valor à sua conduta.
15
No livro “História da Sexualidade 2- O uso dos prazeres”, Foucault faz referência à ética sexual na Grécia
antiga e define moral como “um conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por
intermédio de aparelhos prescritivos diversos, que podem ser a família, as instituições educativas, as igrejas,
etc.” (FOCAULT, 2007b, p.26, grifos meus). Reiterando tal conceito, a moral também é [...] o comportamento
real dos indivíduos em relação às regras e valores que lhes são propostos: designa-se, assim, a maneira pela qual
eles se submetem mais ou menos completamente a um princípio de conduta; pela qual eles se obedecem ou
resistem a uma interdição ou a uma prescrição; pela qual respeitam ou negligenciam um conjunto de valores
(FOUCAULT, 2007b, p. 26). Esse autor faz exaustiva problematização moral dos prazeres em referência à ética
na Grécia antiga, tendo como objetivo principal analisar as regras de conduta na cultura grega. Foucault (2007 b)
27

Como escola confessional, compareço enquanto instituição educativa, que dissemina os


valores morais a partir dos discursos, valores morais que circulam e ganham status de
verdade! O corpo é superfície de inscrição dos acontecimentos (FOUCAULT, 2008 a). Sobre
o corpo e a sexualidade incidem as normalizações disciplinares, pois o corpo é objeto de
controle e a sexualidade está ligada a um processo de normalização desse corpo, a partir da
proliferação de campanhas sobre higiene, prevenção de doenças, aplicação de vacinas,
campanhas de alimentação e nutrição para evitar a obesidade, dentre outros. Entretanto, nos
últimos anos a ênfase é sobre o corpo e a sexualidade!

Em tempos de combate ao slogan “Ideologia de Gênero”, vejo que se nas escolas


não confessionais há proibição e até mesmo exclusão/omissão da temática gênero, identidade
de gênero ou orientação sexual dos currículos escolares, a discussão em meus espaços é
regida pelas orientações propostas pela instituição eclesiástica - a que estou vinculada - que vê
essa temática como uma erva daninha, isto é, uma ameaça à moral e bons costumes da família
dita tradicional! Como erva daninha, aqui também a chamada “Ideologia de Gênero” não é
vista com bons olhos! Aqui é lugar de reafirmação da distinção entre os gêneros masculino e
feminino, estabelecidos por Deus na criação e para isso faz-se aliança até com a Ciência - a
Biologia - para corroborar unicamente a existência de dois gêneros; masculino e feminino.
Esses discursos sobre a “Ideologia de Gênero” são amplamente disseminados no seio da
igreja, mas como sou um tentáculo dela, eles invadem meus espaços e encontram substrato
para proliferar uma sexualidade dita conservadora, carregada de verdades, salpicada de
moralidade.

Mas não é o que tenho observado diante das confissões que ouvi em meu divã! Como
a sexualidade pode ser considerada conservadora, se os hormônios de meninos e meninas
estão desejando ardentemente extravasar e estão extravasando em meus espaços!? Até que

propõe como fio condutor de sua análise a seguinte questão: Por que - entre os gregos - a sexualidade foi
problematizada no campo da moral? Ele mesmo responde essa questão inicial, afirmando que “o
comportamento sexual é constituído como domínio de prática moral, no pensamento grego, sob a forma de
aphrodisia, de atos de prazer que se referem a um campo agonístico de forças difíceis de serem dominadas; elas
exigem, para tomar a forma de uma conduta racional e moralmente admissível, o funcionamento de uma
estratégia da medida e do momento, da quantidade e da oportunidade”. (FOUCAULT, 2007b, p.218, grifo meu).
Para Foucault (2007b), não há uma moral capaz de regular todas as relações, isto é, não existe uma moral
universal, mas há fabricação de uma moral no sentido singular, práticas individualizantes, que incidem na
constituição de um sujeito ético, como observado nas práticas na Grécia antiga. De maneira análoga às regras
morais na Grécia clássica, emerge o cristianismo, cujo acontecimento inaugura novas técnicas de governo dos
homens, a partir de normas regulatórias que trazem em seu bojo uma moral - a moral cristã - que incide,
principalmente, sobre a sexualidade, estabelecendo assim uma moral sexual.
28

ponto a sexualidade que, transita, movimenta, faz piruetas em meus espaços, pode ser
considerada conservadora!? Não é o que vejo/ouço ou será fruto das minhas tantas
alucinações!? Prefiro acreditar que, se a “verdade” existe, podemos aceitar suas regras com
submissão ou temos a opção de instaurar a perversão, invenção e mutação dessas verdades!
Faço minha a segunda opção, porque as verdades nos solidificam nas certezas, “Mas só na
perda da certeza, no permanente questionamento da certeza, na distância irônica da certeza,
está a possibilidade do devir” (LARROSA, 2010, p. 181).

Em meus espaços as verdades são fabricadas tendo como molde a moralização da


sexualidade! É essa moral cristã que determina o que deve e o que não deve ser dito, dita as
normas de comportamento na instituição eclesiástica filtrando - a partir dos dogmas da
religião - o que é permitido dos meus portões para dentro, pois fui criada com a missão de
ratificar os discursos dessa instituição religiosa. A ênfase na conduta moral que implica na
constituição de si - como sujeito moral - fabrica modos de subjetivação e produção de uma
ascética ou ascese16 (FOUCAULT, 2007b). Então, qual a ascese cristã que circula nos meus
muros? Seria a ascese o mecanismo que assegura a mortificação dos instintos e paixões
carnais? Atividades pedagógicas desenvolvidas em meus espaços, tais como: leituras de
meditações para os jovens e adolescentes, semanas de oração, orações diárias no primeiro
horário de aula de cada turno, capelanias com palestras, cujos conteúdos balizam os
princípios, regras e normas regulatórias impregnadas das verdades veiculados pela igreja em
relação à sexualidade. Todos esses eventos pedagógicos seriam estratégias de exercício
espiritual que visam a coibir as sensações corporais, fortalecendo o espírito com o objetivo de
mortificação dos “desejos carnais”!?

Como escola confessional, sou um lugar privilegiado para a educação moral dos
jovens (BESLEY, 2008). As atividades que ocorrem em meus espaços proliferam discursos e
relações de poder no que tange à sexualidade, pois tudo é pretexto para tratar dessa temática.
Porém, essas relações não são baseadas na coerção, dominação e repressão, mas sim na
relação dócil e insidiosa por meio do exercício de um poder que Foucault denominou de
Governamentalidade, isto é, “[...] objeto de estudo das maneiras de governar” (CASTRO,

16 Garcia (2002, p.173), afirma que “o cuidado dos outros exige um trabalho de perscrutação e de controle sobre
os próprios pensamentos e instintos, num ambiente cuidadosamente preparado para facilitar esse trabalho de
ascese, de autoexame e autocorreção, que exige a renúncia de si e o alçar-se a um estilo de pensamento e
existência moral superiores. A pedagogia institui um trabalho sobre a consciência que visa a reforma e uma
espécie de cura dos indivíduos”.
29

2009, p. 190). A noção de governamentalidade17 traz junto a si as artes de governar que


abrangem o governo de si (ética) e o governo dos outros.

Como instância reguladora e sob a égide do cristianismo, ensaio modos de controle


das condutas, a partir de um código moral estabelecido como condição de
regimento/regulação da vida. A estratégia de controle assenta-se no modo de governar o
outro, no controle da ilicitude, na busca incessante da moralidade, entendida como a forma de
obediência a costumes, determinada a partir da tradição, que ordena o que é útil. A
moralidade é tanto menor quando a vida é menos regida pela tradição (NIETZSCHE, 2004,
aforismo 9). Contudo, em meu cenário a vida é dirigida por um indubitável tradicionalismo,
herança da instituição eclesiástica, que me mantém e na qual não consigo mais me enquadrar!
(GRRR!) Acho que a loucura está me dominando mesmo!

A simbiose religião/educação - característica marcante no sistema educacional


brasileiro - culminou com a minha invenção, que se deu no berço de uma suposta necessidade
de se criar um ambiente em que os filhos de pais cristãos pudessem viver a atmosfera da
igreja na escola, isto é, fui arquitetada como extensão ou um tentáculo da igreja, porém
agregando aos conteúdos disciplinares a visão cristã e a cultura religiosa fortemente presente
no contexto educacional e social. Como tentáculo da igreja e para ocupar a posição de escola
confessional, passei por transmutações que me metamorfosearam em um lugar de exercício do
poder pastoral e de instauração de regras eclesiásticas e normativas disciplinares. Já não basta
somente a doutrinação no ambiente eclesial!? Por que a religião tem que adentrar e proliferar
nos meus interstícios!? Por que não posso ser como as outras escolas ditas não confessionais!?
A ideia de estar presa a uma instituição eclesiástica me causa pânico! Porque não tenho poder
de decisão, pois tudo dentro de mim gira em torno da salvação!

Para piorar minha crise esquizofrênica, a igreja/cristianismo inventou um modo de


governamentalidade, cuja função é manter unido, coeso, o rebanho para conduzi-lo à
salvação. Para isso, é necessário normalizar, controlar, vigiar e são necessárias técnicas de si,
para em confronto com as normas, se (re)criar. O que rege a relação pastor - rebanho é a
obediência! Esse é o legado do cristianismo! Nessa perspectiva, todas as coisas serão

17 O sentido de “governar” que adoto nesta tese refere-se aos significados de ordem moral, ou seja, “conduzir
alguém” ou “governar as almas”, sendo esta última arte de governar a que daremos mais ênfase na análise dos
discursos que circulam na escola confessional, já que sua missão e filosofia estão estritamente ligadas ao
exercício do poder pastoral.
30

analisadas do ponto de vista de uma moral e de uma ética que normaliza, sanciona, julga,
condena e obriga à manifestação de uma verdade que está vinculada diretamente ao exercício
do poder. Não uma verdade dogmática, uma verdade alicerçada em crenças do cristianismo,
mas um regime de verdade definido pela obrigação de manifestar as verdades secretas por
atos que supostamente têm efeito libertador, como o ato de confissão (FOUCAULT, 2014).
Por isso, convoquei os personagens para comparecerem em meu divã e em modos de
confissão contar o que viram/ouviram/sentiram sobre a sexualidade do “bom cristão”!

Tais discussões sobre sexualidade me invadem sem pedir licença! Impregnadas de


valores morais, de regras de conduta, de normas regulatórias, encontram ambiente propício
para a disseminação de verdades bíblicas que delimitam a fronteira entre o certo e o errado, o
lícito e o ilícito, o permitido e o proibido no trato com a sexualidade humana. O dispositivo da
sexualidade comparece sob a forma de práticas discursivas e não discursivas que possibilitam
a fabricação do “bom cristão” e para dar visibilidade a essas práticas - em tom de
episódios/confissões18 - e com os sentidos aguçados para capturar tudo o que circula em cada
canto meu onde a sexualidade é pulverizada, vou dar voz aos personagens que entram na
composição do cenário pedagógico. Eles - reclinados no divã - contarão sobre as alucinações
que me aterrorizam! Tais personagens têm personalidades próprias e são proficientes em
mostrar as estratégias e mecanismos de incitação! Cada um narra - sob sua perspectiva - o que
viu, ouviu, sentiu, sobre a sexualidade em meus espaços. As reverberações dos discursos ditos
pelos personagens sobre as experiências que tiveram em meus meandros ressoam com
desafinações em relação ao que se espera do “bom cristão” docente e discente, sujeito
inventado nos discursos proferidos por eles.

Meu olhar desconfiado focaliza as minúcias dos discursos que trazem em seu bojo,
um modelo de sexualidade nos moldes dos discursos presentes na igreja e que têm meu
espaço como terreno fértil para a proliferação de tais relações de poder em que evidenciamos
a relação do pastor - docente e da ovelha - discente, isto é, a configuração do poder pastoral.
Enfim, interessa-nos saber os canais que possibilitam a profusão da sexualidade em meu
cenário. Esse é o primeiro passo que nos permitirá tecer o desenho e dar visibilidade ao que é

18 Como Manoel de Barros (2016), propomos a (des)invenção de objetos, isto é, um novo olhar sobre o que nos
é tão familiar. Em tom de confissão e incitação, queremos saber “mais” sobre como é tecido o “bom cristão”
nas malhas do poder, tendo a sexualidade como foco central. “É esse ‘mais’ que é preciso fazer aparecer e que é
preciso descrever” (FOUCAULT, 2012.p. 60)
31

fabricado/inventado a partir do dispositivo da sexualidade no interior de escolas vinculadas -


como eu - a instituições eclesiásticas.

Para desvendar essa conspiração - diabolicamente arquitetada contra mim -


mergulhei esquizofrenicamente no pensamento foucaultiano, pois ele me dá condições de
possibilidade para entender sobre as relações de poder que nos enredam numa trama em que
somos produzidos enquanto sujeitos, isto é, essas relações criam formas de ser e viver e
culminam na fabricação de um sujeito ético, tal como diz Besley (2008, p.77), “(...) a maneira
pela qual os indivíduos se relacionam com obrigações e regras morais e o tipo de pessoa que
se busca ser ao se comportar eticamente”. Desse ponto de vista de constituição de um sujeito
ético, provém a seguinte tese: A produção da subjetividade do “bom cristão” está vinculada
ao controle e à gestão da sexualidade.
Essa tese é a causa das minhas crises esquizofrênicas! Mas, não será mais uma dentre
as tantas alucinações que me arrebataram da realidade e me levaram à alucinação!? Estou
enlouquecendo de pensar que sou ludibriada dentro dos meus muros!? Como estou perdendo
o controle da situação sobre a vida do “bom cristão”!? Há incitação à sexualidade!? Há
resistências!? Uma profusão de vozes vindas do banheiro, dos corredores, da rampa, escadas,
das salas de aula, das câmeras, dos livros, dos cadernos, jalecos circulando sem corpos, corpos
docentes e discentes a desfilar sua nudez, luxúria e sexualidade, provas a sair das salas com
imagens obscenas pelos meus corredores, meditações saltitando com aventais a cozinhar e
receitas mirabolantes a ensinar, o slogan a ecoar seus gritos de guerra, uma miscelânea
aterrorizante em confidência me diz que estou uma verdadeira “Babel”19!!! Quero provas de
tudo o que - supostamente - está sucedendo em cada espaço meu, quero ouvir as confissões na
íntegra e com riquezas de detalhes.

Então, que se abram meus portões! Convido-os a ativar os sentidos20 e espreitar as


minúcias e enredados nessas tramas, problematizemos a ordem desses discursos, de tal modo

19 O termo “Babel” faz alusão a uma conhecida história bíblica narrada no livro de Gênesis11: 1-9 (ARA,
2008). O termo Babel tem origem hebraica e significa “confusão”. Utilizo essa expressão para expressar o que a
personagem “Escola” está enfrentando, isto é, uma confusão de ideias, pensamentos, alucinações visuais e
auditivas diante dos discursos sobre sexualidade que circulam nesse espaço de educação. Tais discursos serão
evidenciados nos próximos capítulos pelos personagens que compõem esta tese.

20 Louro (2007 a, p.59) afirma que “os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver, ouvir,
sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos implicados na concepção, na organização e no fazer
cotidiano escolar. O olhar precisa esquadrinhar as paredes, percorrer os corredores e salas, deter-se nas pessoas,
nos seus gestos, suas roupas; é preciso perceber os sons, as falas, as sinetas e os silêncios”. Nesta pesquisa,
nossos sentidos são aguçados para problematizar as minúcias sobre o corpo e a sexualidade capturados em cada
recôndito da Escola Confessional.
32

que nossos olhares sejam fustigados a olhar com desconfiança, fissurando nossas certezas,
abrindo caminhos de possibilidades de ensaiar novas trilhas e que nossos ouvidos capturem as
desafinações dos sons do mundo com a vontade de criar outros espaços e inventar outras
formas de ouvir as ressonâncias/ dissonâncias da docência e discência, tais que sejam tão
pulsantes e nos despertem tanta excitação e tesão quanto é a incitação à sexualidade dentro de
mim!
33

II- ENTRE LUZ, CÂMERA E T: sob o olhar da perversão!

Todos os velhos monstros da moral são unânimes nisso: “il fault


tuer les passion” [é preciso matar as paixões]. A mais célebre
formulação disso está no Novo Testamento, naquele Sermão da
Montanha em que, diga-se de passagem, as coisas não são
observadas do alto. Lá se diz, por exemplo, referindo-se à
sexualidade: “se teu olho te escandaliza, arranca-o de ti”;
felizmente, nenhum cristão age conforme esse preceito. Aniquilar as
paixões e os desejos apenas para evitar sua estupidez e as
desagradáveis consequências de sua estupidez, isso nos parece, hoje,
apenas uma forma aguda de estupidez (NIETZSCHE, 2017)21.

Minha presença nem sempre é percebida! Sou discreta, mas, aviso logo: nada escapa
ao meu olhar panóptico22! Entre quatro paredes pode tudo, tudo mesmo!? Quieta e
silenciosamente do alto de um quadro branco, começo a espreitar os movimentos de corpos!
Corpos!? Sim, isso mesmo! CORPOS uniformizados, (in)disciplinados, loucos para entrar no
jogo da sedução! Naquele dia, durante a atividade em grupo na aula de Biologia, em uma
turma do 9º ano, não acreditei no que via! Corpos de cristãos em situação de pura luxúria23!?
É a filha do pastor!? Verdade!? Não acredito no que vejo!? Desfoquei, ajustei o foco, focalizei
e me certifiquei que eram eles! Excitei! Continuei a olhar fixamente e dei um zoom para ver o
escrutínio de cada movimento. Eis que vejo as mãos de um rapaz deslizando, avidamente,

21 NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos ou como se filosofa com o martelo. Tradução, notas e
posfácio Paulo César de Souza – 1ª Edição – São Paulo: Companhia de Bolso, 2017.

22 Panóptico é um termo usado do conceito de Foucault sobre o dispositivo panóptico, que “funciona como uma
espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia em capacidade de
penetração no comportamento dos homens”. (FOUCAULT, 2008b, p. 169). O panóptico é um dispositivo de
vigilância proposto por Jeremy Bentham, cujo mecanismo arquitetural tem como princípio uma construção em
anel na periferia e no centro uma torre, dentro da qual havia um vigilante que olhava tudo através de persianas,
sem ser visto por ninguém. Esse mecanismo era utilizado para a vigilância dos corpos em prisões, manicômios,
escolas e fábricas). Panoptismo é o estado de observação total do comportamento do indivíduo que não sabe
quando e como está sendo vigiado. O dispositivo panóptico “é uma maneira de fazer funcionar as relações de
poder” (Idem, p. 171). Analogamente a esse olhar panóptico que tudo vê, estão as câmeras localizadas em vários
pontos da Escola Confessional, inclusive na sala de aula.

23 A luxúria é concebida como amor aos prazeres carnais e comportamento sexual promíscuo. É considerada
pelo cristianismo como um dos sete pecados capitais e, de acordo com a Bíblia em Apocalipse 22: 15 (ARA,
2008), os lascivos ou que praticam imoralidades sexuais, não entrarão no reino dos céus. Também na carta de
Paulo aos Colossenses (3:5), ele afirma o seguinte: “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição,
impureza, paixão lasciva, desejo maligno...” Portanto, de acordo com os rituais do cristianismo, a luxúria ou
lasciva deve ser combatida, porque implica em alimentar as paixões e desejos sexuais em detrimento do
fortalecimento do espírito. O significado de lascivo refere-se à prática de atos libidinosos e, portanto, inscreve-se
no código ou regimento escolar estabelecido pela escola confessional e infringida por Ricardo e Paula. Como
vemos, tais códigos têm como referência o que está proposto no sagrado livro dos cristãos, a Bíblia.
34

pelo interior do moletom (peça do uniforme) de uma moça de pele alva, olhos azuis e cabelos
lisos e loiros que, de tão longos, esparramavam-se sobre os ombros do rapaz e, enquanto
permaneciam sentados, os braços musculosos envolviam o corpo da moça.

Dei meu zoom e vi que suas mãos acariciavam os seios dela. Ele estava tão excitado
e não escondera seu pênis em ereção, visível até mesmo no traje discreto do uniforme escolar.
E os dois, abstraídos do ambiente da sala de aula, trocavam carícias, enquanto a aula
transcorria. Sentia uma explosão de hormônios e as faíscas tomando conta daquele casal! Tive
vontade de gritar: não parem! Estou a ponto de me masturbar só de fixar minhas lentes em
vocês! (hihihihi, lembrei que não possuo os instrumentos para isso!). E, como se atendessem
ao meu pedido, prosseguiram ao ritual que, por vezes, antecede à relação sexual, as tais
preliminares. As tais preliminares eram seguidas por meus atentos olhares. Queria “ouvir” os
gemidos de prazer, mas meu sentido mais aguçado era a VISÃO! E que visão! Meu zoom
parecia um raio X, conseguia ver além do uniforme escolar. Vi que os corpos cavernosos
dilataram suas artérias intumescidas de sangue, evidenciando que o pênis de Ricardo era GG
(Grande e Grosso)! Mal se acomodava naquela calça de malha do uniforme.
Comecei a imaginar fantasias sexuais com Ricardo e Paula. Triângulo amoroso!?
Pode ser. Mas meu papel seria de mera espectadora, porém, minha vantagem é que eu poderia
registrar os melhores ângulos. O momento da penetração, o vai e vem dos corpos em
movimento, as expressões deles no momento dos orgasmos! Fala sério!? Já estou tão
empolgada que até esqueci que minha missão aqui era dar visibilidade aos comportamentos
desviantes! Mas, confesso que não sou convertida! Sou pervertida! Então vou mostrar o
escrutínio da vida cuja pulsação, vibração, sensação e sedução são ignoradas (ou reprimidas?)
na sala de aula de uma escola confessional. Entretanto, quanto mais se propaga a repressão à
sexualidade, mais há incitação em falar, em discutir, em mostrar as múltiplas possibilidades
de vivê-la. Tenho o desejo de que meus espectadores estejam atentos, como eu, para que seus
olhares sejam educados a capturar os ângulos que possibilitam a (des)montagem da
imagem/reputação de um “bom cristão”, no que tange à sexualidade, pois a escola
confessional é a instituição em que há produção excessiva de discursos que fabricam verdades
sobre o sexo (FOUCAULT, 2007a).
Em outro ângulo de miragem, olhei atentamente a atitude – supostamente -
permissiva da professora que circulava pela sala e observava o comportamento de Paula e
Ricardo. Ela parecia gostar do que via também, afinal não é todo dia que se vê uma cena
“erótica” em uma sala de aula, ainda mais dentro de uma escola confessional (uau!!!).
35

Apreciou tanto que deixou a coisa rolar solta (risos). Mas qual é a dessa professora!? Numa
escola confessional, não é esse o papel dela? Tal comportamento por parte da professora seria
considerado uma “conivência” com a situação em questão. A reação esperada da docente era
que ela agisse de acordo com o poder pastoral, pois a posição do pastor na igreja é matizada
pela figura do professor na escola, cuja tarefa também é conduzir as ovelhas (alunos) à
salvação. Portanto, ao papel já conferido aos professores, que é o ato de compartilhar o
conhecimento com seus alunos, ao professor da escola confessional soma-se à atribuição de
pastorear seus alunos e propiciar a condução do rebanho ao aprisco com a segurança de
evitar, a todo custo, a contaminação moral. Purificação da alma com vistas à salvação. Eis a
tônica do cristianismo e a primeira consequência do poder pastoral: a salvação obrigatória
(LEME, 2012, p.31). Além disso, a docente aprendera - durante as reuniões de planejamento
na escola - sobre a missão da escola confessional (MENSLIN, 2015, p.115), que “a figura do
professor é fundamental para o processo de inculcação de um ideário educacional
confessional”.
Comecei a ficar incomodada, pois a professora olhava para mim como se quisesse
me cobrir para que minhas lentes não filmassem aquela situação inusitada. Porque, além de
registrar toda a dinâmica da sala de aula, denunciava a, suposta, passividade dela diante do
cenário envolvendo o casal de alunos. Então, fitei nos olhos dela e vi que preferia que eu não
estivesse ali, porque eu era a prova da transgressão do casal de alunos enamorados e dela
também!!! (psiu). Era a lente bisbilhoteira e fofoqueira (hi, hi, hi)! Era a louca panóptica que
iria entregar tudo! Dar visibilidade a todas as verdades que são inventadas e fabricam a
conduta do “bom cristão”. Mas onde estão os “bons cristãos”!? Que linhas do cristianismo
teceram a conduta desses corpos que vivem a sexualidade dita pervertida!? Enquanto viajo
em meus pensamentos, eis que alguém abre a porta da sala. Lá vem o careta do senhor
Manual do Educando, que saco! O que ele veio fazer aqui? Logo agora que os olhos de Paula
estavam revirando, enquanto Ricardo usava toda a sedução de suas mãos!?
O senhor Manual do Educando24, entregue e assinado pelos responsáveis no ato da
matrícula, abre-se e aponta para o que está assinalado em uma de suas páginas no item
número 84 (2017, p.36), que denuncia a infração cometida por Paula e Ricardo, considerada

24 O Manual do Educando é um documento entregue aos alunos no momento da matrícula na escola. Além do
código disciplinar, que rege a conduta dos discentes nessa escola confessional, em tal manual constam
informações acerca da organização da rede educacional confessional, a missão, visão e os valores, bem como a
linha pedagógica, metodológica e fundamentos básicos da educação confessional nessa escola. Os princípios e
metodologias educacionais, objetivos, currículo, regimento interno e sistema de avaliação e os livros didáticos e
paradidáticos utilizados em cada série também são informações presentes nesse documento.
36

falta grave e passível de advertência ou ocorrência disciplinar grave, porque são práticas tidas
como ação viciosa, libidinosa ou qualquer ato de imoralidade. Apontar regras, regular
comportamentos, essa era a função do senhor Manual do Educando, sempre que algum aluno
praticava alguma atitude “imprópria” às normas regulatórias da escola confessional, lá entrava
ele em cena, com o propósito de relembrar o que os pais dos alunos tomavam ciência no ato
da matrícula.
Os corpos de Paula e Ricardo suspiram, inspiram e transpiram sexualidade! Eles
burlam as normativas dos códigos da escola confessional, vivem a experiência, exalam o odor
dos hormônios, deixando fluir – sem medo, sem culpa, sem dor - a manifestação dos seus
corpos, do desejo e prazer, de uma sexualidade que - sob a ótica do cristianismo - insiste em
perpetrar os corpos dos cristãos.
Os pais de Paula foram até a escola, pois ela e Ricardo assinaram advertência!
Ordenaram que eu mostrasse as imagens do flagrante! Fiquei em pânico diante da posição do
pai – pastor! Tentei deletar! Mas, não tenho livre arbítrio! Não tenho domínio próprio sobre o
que faço. Sou regida – constantemente - pelo poder pastoral! É esse poder que seleciona,
registra e corrige minhas falhas! Sou artefato manobrado por esse poder! Eis que abrem as
imagens que capturei e, pouco a pouco, a fisionomia do pastor se sobrepõe a do pai, que
acima de tudo começa a observar, atentamente, o comportamento da ovelha, mas parece não
crer no que vê. Sua filha na posição de ovelha desgarrada que fugiu do aprisco do poder
pastoral!
Ah, se eu pudesse filmar o erotismo que vejo desfilando - em forma de corpos - pelos
espaços da escola! Quanta vida colocada no formol dos prazeres!? Quanta vontade de viver
formatada de acordo com normas regulatórias que tentam cercear e, ao mesmo tempo, incitam
o desejo e o prazer de viver a sexualidade. Mas, vou continuar ajustando meu foco, dando
zoom, fazendo o raio x daquilo que seleciono para dar visibilidade. Quem sabe outros ditos
“bons cristãos” caem nas malhas da minha visão!?
Certa vez, uma colega de trabalho me relatou que foi instalada para trabalhar na sala
da psicóloga. Confessou que era tudo monótono por lá! A psicóloga ia até as salas de aula e
observava os alunos. Quando chegava na sala dela, sentava e registrava o que havia observado
naquele dia. De vez em quando, levava os alunos e ali conversava com eles, solicitava o
preenchimento de fichas para entregar aos professores. Tudo parecia muito tranquilo. Até o
marido dela a visitava no trabalho vez por outra e rolava um beijo e uns abraços calorosos!
Eles estavam recém-casados e haviam chegado de São Paulo poucos dias antes de começarem
as aulas. Ele trabalhava no setor de comunicação da rádio vinculada à instituição eclesiástica e
37

ela na escola confessional, também vinculada à igreja. Estavam em lua de mel e, como boa
câmera, minha colega capturava os mínimos detalhes daqueles corpos! Entretanto, uma coisa
chamava atenção: quando a psicóloga estava com o marido, ela era tímida e agia com
modéstia e pudor.
Dia após dia ficava tentando visualizar algo interessante naquela sala. Mas eis que
suas lentes capturaram umas visitas de um professor de física que passaram a se tornar cada
vez mais frequentes! Com esse tal professor de física, ela deixara a volúpia e sensualidade
extravasarem pelos seus poros. Ufaaaaaa... A psicóloga toda “certinha” no uniforme de
terninho e saia longa, tal como “boa cristã”, recatada, comportada, toda trabalhada no discurso
de que psicólogo não é médico de doido! Mas, pelo que minha colega observou nos últimos
dias, a psicóloga pirou pelo tal professor que começou a frequentar sua sala, após o término
das aulas, no finalzinho da tarde. Como boa captadora de imagens, minha colega disse que viu
que ele sempre trazia as provas de física para a psicóloga analisar. Será que o professor
“bonitão” queria explicar o princípio da impenetrabilidade da matéria? Ou seja, como dois
corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço? Ou como ocorre a força de atração entre
os corpos? (hahahaha)
Naquele cubículo de sala, acredito que o físico quisera explicar a lei da gravitação
universal de Newton, que trata sobre a atração entre os corpos. Como imãs, aqueles corpos
eram atraídos um pelo outro e o clima começou a esquentar, os encontros - cada vez mais
frequentes- eram regados a carícias, beijos prolongados e abraços de amantes que não
extravasavam sentimentos, porém trocavam olhares em público! Que “boa cristã” safadinha
essa psicóloga, hein!? Ela saiu da posição de “boa cristã” cheia de pudor e ocupou a posição
de amante do tal professor! (kkkkkk). De recatada a tarada, não conseguia mais esconder o
desejo e a atração pelo professor que lhe despertou tanto tesão! Várias imagens foram
capturadas pelas minhas colegas de trabalho, instaladas nos diversos ambientes da escola.
Mas as câmeras nem desconfiavam de nada! Quem sabia de tudo era minha câmera
confidente que estava ali dentro daquela sala e percebia todos os movimentos dos corpos que,
na tentativa de se esconderem, caíam nas lentes da perversão! Esse escândalo, ela não teve
como não registrar, afinal, nós câmeras da escola confessional padecemos de um mal, o
taradismo visual, isto é, adoramos capturar as imagens que causam excitação no olhar!
Mas um dia, a casa caiu! A direção da escola recebeu uma denúncia sobre a provável
traição da psicóloga com o professor e chamaram-na para comparecer à sala da direção.
Fiquei doida para saber o que houve ali! O que todas as câmeras queriam saber sobre a tal
reunião da psicóloga com o professor e a direção da escola nos foi dito em uma das sessões de
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terapia pela câmera instalada na sala do diretor. Isso mesmo, ficamos sabendo de tudo que
ocorreu, na sala da direção, na reunião da ACP (Associação das Câmeras Pervertidas)! (kkkk)
Sim, fazemos terapia, porque é muita imagem de “bom cristão” nas malhas da tentação! A
terapia é o meio que encontramos na tentativa de doutrinar nosso olhar a fim de filtrar
somente as imagens que convém captar, mas cada vez que vemos o “bom cristão” cedendo à
carnalidade e caindo em tentação, não conseguimos nos conter e lá vamos nós registrar e
atiçar os sentidos de quem pensa que nosso olhar é santo e puro e que só vamos registrar o
que é conveniente mostrar! Ledo engano, caríssimos! Nada escapa as nossas lentes atentas,
fofoqueiras e interesseiras, prontas a bisbilhotar e divulgar todo o movimento dos corpos que
circulam na escola confessional.
Após a saída da psicóloga para a reunião com a direção, alguém entrou na sala e
começou a mexer no sistema de monitoramento das imagens que haviam sido registradas pela
câmera instalada naquela sala. Não queria fazer a delação da psicóloga em estado de queda e
tentação! Descobriu que ela sequer sabia que estava sob vigilância, pois a câmera (in)discreta
tinha localização privilegiada! Via tudo que acontecia, já que foi instalada em direção à mesa
dela e capturava até quem estava à porta da sala. Depois desse episódio em que foi torturada
para mostrar o que havia acontecido na sala da psicologia, passou mal e precisou de meses de
muita terapia a fim de entender que o que viu entre o casal de amantes - toda a luxúria e
sensualidade de corpos - não era fruto da imaginação!
De fato, entre o Céu e a Terra existe muito mais do que nossas lentes possam
visualizar! Quem diria que ali onde todos pensavam que havia uma “boa cristã” havia uma
mulher, filha de pastor também (quanta ironia!), como Paula, aluna flagrada com
“comportamento inadequado” em sala de aula por outra câmera de nossa associação. A
conclusão do processo de delação resultou na exposição das imagens que culminaram com a
demissão da psicóloga e do professor! Que horror! Isso me fez lembrar do tempo da
inquisição, em que não havia perdão para os que caíam em tentação! Imagine para o “bom
cristão”!? Essa é a recomendação: andar na linha e em conformidade com o que dita a
instituição, se não quiser ser o próximo a cair na ordem taradamente discursiva da nossa
visão!
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III – ENTRE PROTEÇÃO E SANTIFICAÇÃO: o que diz a estética do “bom cristão”!?

Depressa, como num jogo febril, tirou o vestido, vestiu as calças


escuras, tão justas, que lhe realçavam as formas. Não o sweater
cinzento, mas uma blusa, a que mais se abrisse, mais mostrasse.
Nem tomou fôlego. Calçava os sapatos de pelica vermelha, bem
esses, que tinham salto altíssimo e deixavam à vista a ponta- do –pé,
os dedos, as unhas coloridas de esmalte, como fruta ou flor. Daí, à
penteadeira, se exagerou. Mais – assim a boca mais larga, para
escândalo! Com o ruge e o batom, e o rímel, o lápis– o risco que
alongava os olhos. (Guimarães Rosa)25

Posso ser A NORMA

A REGRA

A repressão e ao mesmo tempo

A incitação a falar do corpo

Que é produto da subjetivação

De um corpo que é explosão discursiva

Da sexualidade que se diz reprimida

Mas que é difundida

Nas malhas do poder

De dizer e fazer aparecer

As relações de poder

Posso ser um dos símbolos da Ciência para dar status a quem me usa

Posso ser de qualquer cor

Sirvo para dar proteção

Ou visibilidade a muitas coisas

Dentre elas, o corpo

25 Trecho retirado do livro Noites do sertão (Corpo de Baile) de João Guimarães Rosa intitulado 11ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 158.
40

Objeto de desejo, das paixões, dos prazeres,

Curvas salientes que se mostram

Sensualidade que destila volúpia

Capa que transpira seriedade

E, muitas vezes, santidade,

Mas deseja ardentemente

A vontade de verdade

De uma verdade travestida

Que quer ser dita

Pelas palavras

Pelas coisas

Na fronteira entre o desejo e o poder

Está a contingência da minha existência

Quem seria o super-herói ou a super-heroína que me usaria como capa protetora?

É como um sacerdote/sacerdotisa ou um(a) cientista?

Que discursos se inscrevem sobre mim?

Que discursos dou visibilidade?

Que poder imponentemente exerço sobre quem me usa?

Que sujeitos são tecidos em meio às relações de poder que dou visibilidade?

Que marcas de poder estão tatuadas em mim?

Que verdades são produzidas pela minha existência?

Que corpo é fabricado na tessitura das minhas linhas que se encontram e desencontram num emaranhado de
fios condutores do poder?

E... Que docência sou capaz de fabricar?

Docência aprisionada por uma capa

Docência que não tem sexo


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Docência travestida de pudor

Que me usa para escapar

Mesmo que, transitoriamente, das amarras do poder

A profissão já se diz: sacerdócio deve ser

Porque para ser PROFESSOR não basta ter apenas a formação

Tem que ter MISSÃO

Tem que ser pastor

E guiar o rebanho para onde for

Eis a sina do professor confessional

Usar-me como disfarce para camuflar-se e empreender o esforço

De agir conforme as regras e normas regulatórias

De uma moral que subjuga e dita o que deve ou não deve ser

Por que me fizeram calar?

Isso me incitou a falar!

Falar de uma sexualidade proibida

Falar de uma luxúria desmedida

Falar da posição que ocupo enquanto “capa protetora”

Sou a instância do poder

Dizem que minha missão é proteger o corpo

Discurso idílico que traz em seu bojo

O desejo e a vontade de poder

De dizer que não sirvo para proteger

Sirvo para exercer sobre o corpo

Uma relação de poder

De nunca dizer

O que o corpo é
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Como ele é

A superfície de inscrição

De tudo o que acontece

E nessa suspeita proteção

Quem me dará atenção?

Sou alvo da observação, objeto panóptico

Pois as marcas que deixo

Não são nada além de um corpo informe, sem curvas, sem beleza

De um corpo cuja sexualidade incitei a dizer

Que sente desejo, que sente vontade

De poder, de saber

Que tem sua sexualidade marcada pelo devir

Em busca de novos/outros caminhos

De novas histórias

De resistências

Da “vida” de um tecido que um dia se metamorfoseou em um JALECO!26

Nesses tempos em que sou muito valorizado, há quem gaste para me manter, desde
uma alimentação saudável, praticas de exercícios físicos, uso de cosméticos, maquiagem e
adereços etc. Ando associado à beleza, mas também sou superfície de inscrição dos
acontecimentos (FOUCAULT, 2008a). Como tatuagem, o poder deixa suas marcas sobre
mim. Sou campo de múltiplas possibilidades. Posso emergir em múltiplas versões que me
modelam/modificam, desde uma cirurgia plástica que pode me tornar mais belo, atraente e
sedutor até o uso de roupas, maquiagens e adereços, que inspiram sensualidade e, portanto,
têm a ver com a sexualidade. Sob esse prisma, o “bom cristão” é convocado a evitar a luxúria

26 Esse texto intitulado “Monólogo do Jaleco: Vestes da Resistência!”, de minha autoria, foi publicado no
livro Formação, ciência e arte: (autobiografia, arte e ciência na docência)/Sílvia Nogueira Chaves, Maria dos
Remédios de Brito(organizadoras). São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
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e cultivar a simplicidade em toda a sua maneira de viver. Então, o “bom cristão” é advertido a
me guardar a sete chaves! Por que não posso ser tratado com ostentação!? Quanto menos eu
aparecer, melhor será para o “bom cristão” se proteger!? Mas, proteger de que ou de quem?
Proteger do pecado, do desejo, do prazer, da sedução? Porém, se sou cultuado em
determinados lugares, na escola confessional, a governamentalidade age sobre mim, com
extremo controle e disciplina, governando as almas e ditando a maneira de ser do “bom
cristão”.

Minha nudez - mesmo que discreta - não passa despercebida aos olhares, causando
incômodo na escola confessional, porque nesse ambiente - que é a extensão da igreja -
difundiu-se, com bases bíblicas27, que me adornar não é mais importante do que cultivar uma
vida balizada na simplicidade. Contudo, se uns renunciam ao zelo e ao cuidado com a
aparência, outros não abrem mão e me ataviam com joias, esmaltes de cores vibrantes,
maquiagens que realçam a beleza e uma roupa que marca minha silhueta. Tudo para me
embelezar e me tornar mais atraente e cobiçado! Ah, como gosto de ser embelezado e
admirado!

Mas na escola confessional, sou motivo de intensa preocupação (ou seria


especulação?). Soube que até nas reuniões de planejamento docente (vejam na foto abaixo),
sou um dos itens da discussão (que horror!) Tantas coisas interessantes para tratar acerca do
processo ensino aprendizagem, mas a mim é reservado um momento de sagrada dedicação,
no qual vestuário e maquiagem são motivos de advertência e repreensão! Por que não
valorizar o corpo do “bom cristão”? Como, então, deve vestir-se e maquiar-se um “bom
cristão”!

27 Tais ordenanças acerca da vida cristã exemplar ser balizada pela simplicidade são difundidas nos púlpitos das
igrejas. A base bíblica encontra-se na primeira carta de Pedro 3: 3-5(ARA,2008), que diz o seguinte: “3 Não seja
o adorno da esposa o que é exterior, como o frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; 4 seja,
porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de
grande valor diante de Deus. 5 Pois foi assim também que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres
que esperavam em Deus...”(grifo meu). Desse modo, se na igreja usa-se o livro sagrado, a Bíblia, na escola
confessional, o porte e conduta cristã são reatualizados sob a ótica do código disciplinar que rege o corpo e a
sexualidade do “bom cristão” discente - especialmente o corpo feminino - no espaço educacional confessional.
44

É assim que dona Estética – por quem tenho tanta paixão - deixa de ser o centro da
atenção! Mas é ela quem cuida de mim, me perfuma, embeleza, rejuvenesce e me torna
sedutor! Não consigo viver sem dona Estética. Eu e ela temos que andar juntos! Até podemos,
mas em outro lugar, porque aqui na escola confessional, temos que fingir que não nos
conhecemos. Maquiagem!? Nunca usei! Esmalte!? Nunca vi! Roupa justa e transparente!?
Isso não me pertence! (hahahaha). Parece até piada mesmo, mas em tempos nos quais sou
alvo de cuidados diversos, tempos em que a indústria da beleza investe em mim e o universo
fitness conspira a meu favor, tenho que ser discreto e o mais simplório possível. Até em livros
– endereçados ao público docente da escola confessional - sou citado e, por que não dizer
reverenciado? Vejam como falam tanto de mim!

Quando o professor demonstra que a estética é mais importante em sua vida do


que sua relação com Deus. Quando o professor é reconhecido e lembrado por sua
aparência e não por aquilo que faz ou transmite em sala de aula. Quando os alunos
começam a imitá-lo na maneira e na forma de se vestir e se portar, e usa o
exemplo de tal professor para justificar o que está fazendo, afinal de contas “o
professor fulano usa, porque eu não posso usar?”. Quando a referência está
baseada apenas na aparência do professor e não naquilo que ele intenciona
ensinar.

A educação confessional espera que seus professores não usem roupas que
exponham partes de seu corpo, ao ponto de os alunos ficarem olhando com
curiosidade e até pensamentos impróprios. Lembre-se, eles estão em fase juvenil e
pré-adolescência, onde tudo é intenso e abrasivo, cheio de energia e imaginação.

A educação confessional espera que seus professores se portem adequadamente, o


que significa que a postura corporal no andar, sentar, pode dizer muito para os
alunos, cuidar na maneira como nos apresentamos é decoroso e saudável.

Também se espera que a maquiagem seja utilizada de forma equilibrada não


chamando a atenção mais do que a beleza natural da pessoa. Algumas pessoas
acham que a maquiagem a tornará mais bonita, pode até ajudar, mas não será a
intensidade que a tornará mais bela, por isso, tenha o equilíbrio e a decência cristã.
Quando falo maquiagem, incluo aqui a questão da pintura facial e das unhas. Hoje
tem sido um desafio tratar desse assunto, tanto na igreja quanto no ambiente
escolar. Pois o equilíbrio é uma das questões mais difíceis de chegar a uma
conclusão. Por isso, não tome como base apenas a sua posição, a sabedoria está no
45

consenso e não na opinião de uma só pessoa. (MENSLIN, 2013, p. 79-80, grifos


meus).

Vejam quantos holofotes sobre mim! Credo! A exigência e cuidado comigo também
afeta a docência, cuja vestimenta, pintura de unhas, maquiagem, cabelo etc. é um capítulo à
parte na incansável saga do poder pastoral em me disciplinar, haja vista que o uso de joias,
maquiagem, unhas com esmalte vermelho, roxo ou preto, roupa justa e transparente são
elementos estéticos que me metamorfoseiam, tornando-me tão atraente e sedutor, que corro o
risco de chamar mais atenção do que o ofício do professor! A ação modelar ou a exigência em
ser modelo de professor em consonância com as regras de vestuário e maquiagem é uma
estratégia de subjetivação do “bom cristão”.

Nos alunos que tanto gostam de se “adornar”, entre brincos, piercings, cordões,
pulseiras, me torno mais atraente ao olhar! E agora o poder pastoral difundiu a ideia de que é
melhor não usar esses adereços, com a justificativa de manter-me em segurança28, cultivando
a simplicidade em detrimento da vaidade! É assim que dona Estética é desprezada!? Não dá
para entender o Cristianismo! É dito para homens e mulheres cristãos, que a santificação e
purificação estão acima do cuidado comigo! Mas é justamente sobre mim que, tanto a
santificação como a purificação, encontram seus lugares de manifestação! Ironia do destino
ou sou ao mesmo tempo lugar de obediência e transgressão!? Lugar de sossego e
inquietação!? Lugar de inscrição da vida, mas também da morte!? Porque ao “bom cristão” é
dito que, para alcançar a salvação, deve me colocar em processo de mortificação! É no formol
que sou colocado, então!? Não! Não me conformo e não me enformo! Lembro que “a lei é
feita para ser transgredida” (FOUCAULT, 2014)

Desse modo, se há uma forma de o docente ser um “bom cristão”, também há


prescrição para o discente ocupar essa posição! Os códigos disciplinares que constam no
senhor Manual do Educando também trazem as regras que me colocam num modo de
sujeição em que minha presença é motivo de indignação. Tais regras descritas a seguir,
colocam-me em posição de submissão, frente aos dogmas da religião:

28 A justificativa dada pelo pastor capelão é que joias são itens visados pelos ladrões. Desse modo, a proibição
de seu uso é para manter a segurança dos alunos e evitar situações de assaltos no entorno da escola. Entretanto,
sabe-se que a instituição eclesiástica vinculada à escola e vice-versa, trata do uso de joias sob o viés da
ostentação e, portanto, na igreja, tal uso é motivo de controvérsias e a argumentação é que o cristão deve ter
simplicidade em sua vestimenta e uso de adornos. Sobre isso, há também um livro difundido pela igreja
intitulado “O uso de joias na Bíblia”, de um autor cristão, Ángel Manuel Rodriguez (2005).
46

Item 27- Trajar-se dentro dos moldes de vestir-se adotado pela instituição, em casos
em que não for exigido o uniforme, sendo vedado o uso de vestidos ou blusas de
alcinhas, mini blusas, minissaias, roupas transparentes ou calças compridas
demasiadamente apertadas;

Item 58- Usar piercings, joias, bijuterias, correntes ou afins no pescoço, braço,
tornozelo, etc., que caracterizam joias e/ou bijuteria, sob pena de recolhimento
destes e devolução somente aos pais, assim como usar cabelos compridos para o
sexo masculino e pinturas (esmaltes de cores fortes, maquiagem, pinturas exóticas
ou cortes extravagantes nos cabelos) para ambos os sexos, além de tatuagens, trajes
inadequados dentro da instituição, ou fora dela quando em atividade de saída
oficial.

Tantas maneiras de me tornar mais bonito! O jeito é assinar o senhor Manual e


depois se fingir de “normal”! (hihihi). Mas como ser “normal” indo na contramão de tudo o
que o mundo trata sobre beleza e estética que me transformam e me tornam mais encantador!?
Por que, em se tratando do “bom cristão”, tenho que permanecer em modo de ocultação!?

Certo dia, uma aluna chegou à escola com piercings, brincos, colar e maquiagem.
Que beleza de menina toda adornada! Ela foi intimada pela coordenação disciplinar a retirar
os adereços, ao que prontamente, retrucou: “Não tiro, não senhor! Minha orelha pode
inflamar”. Encaminhada à direção escolar, teve logo que se retratar diante da recusa em não
atender às exigências prescritas pela instituição. A diretora lhe passou um sermão e solicitou a
retirada de tudo que não condizia com o código disciplinar em questão. A aluna saiu
indignada e foi assistir às aulas daquela manhã com orelhas e nariz todos “enfeitados” com
esparadrapo! Assemelhei-me às múmias, de tanto pedaço de esparadrapo espalhado pelo
rosto, principalmente nariz e orelhas. Nesse episódio, vejo que é na sujeição como
procedimento de individualização que atua o pastorado sobre a estética do “bom cristão”.

Roupas ditas provocantes, transparentes, curtas e, supostamente, insinuantes, além de


joias, maquiagens, esmaltes de cores fortes, cabelos com cores vibrantes! Tudo isso fabrica
uma estética e determina modos de ser e de viver, que fogem aos padrões ditos permitidos ao
“bom cristão”!? Por que essa preocupação excessiva comigo? Se não posso pintar as unhas
com cores fortes do tipo29 “vermelho proibido”, “roxo místico”, “nunca fui santa”, vou pintar

29 Alusão aos tipos de esmaltes de cores vibrantes como vermelhos e roxos. Os dois primeiros esmaltes são da
linha de esmaltes Colorama, cujos nomes são bem sugestivos ao comportamento dito inadequado ao “bom
cristão”. Os dois últimos esmaltes são da linha Risqué. O “Nunca Fui Santa” remete ao discurso de que o
vermelho é a cor do pecado e o “Vermelho Proibido” reafirma a ideia da proibição em relação à estética do “bom
cristão”.
47

de cores nudes do tipo “linda, leve e nude” e outros. Se o vermelho é proibido e não posso ser
“santa” ao menos posso ser “linda e leve” (hahahahaha).

Além de não ser considerado relevante na escola confessional, ainda criaram mais
um acessório que serve de proteção à roupa do professor! É o tal do jaleco. Olhem como o
descrevem

[...] Um professor da rede confessional, não usa roupas que precisam ser cobertas
pelo jaleco, pois sem o mesmo, as marcas e curvas do corpo ficam tão salientes que
parece que a pessoa está com o corpo pintado e não coberto por um tecido. [...]
Aproveito para frisar que o jaleco é, além de uma proteção à roupa do professor,
uma identificação da função e da instituição. (MENSLIN, 2013, p. 82, grifos meus).

Será que o jaleco sabe que na escola confessional sua função é a proteção? Acho que
não, porque outro dia conversei com o meu jaleco e ele confessou desconfiar que, ao ser
instituído como vestimenta de uso obrigatório, sua missão era me esconder e não proteger,
como queriam nos convencer! Esse jaleco de besta não tem nada, viu!? Sabe bem que foi
colocado sobre mim para esconder minhas gostosuras! (hahaha).

Contei para o jaleco que ele existe há muito tempo na história sob múltiplas versões e
que os discursos que o criaram se multiplicam e têm sua dispersão em instâncias discursivas e
campos de saber e poder distintos, tais como o sacerdócio jesuítico, a ciência e a escola
confessional e têm suas ressonâncias no discurso religioso, no discurso cientifico e no
discurso pedagógico. Foi assim que presumimos o nascimento dessa vestimenta que assume
múltiplas posições, mas sobre o corpo do “bom cristão” é cravada uma cruz que é a
mortificação! O jaleco nasce com o discurso de dar proteção, mas sua missão vai além de
uma identificação. É a ocultação da silhueta do “bom cristão”! O jaleco é o artefato discursivo
que compõe a estética do “bom cristão”!
É assim que o Jaleco veste a docência, entrando na composição da estética do “bom
cristão”!

Na ciência é um artefato que confere status de autoridade. Quem veste o jaleco tem a
voz dita autorizada a falar sobre ciência, sobre o discurso – supostamente- verdadeiro, porque
é “cientificamente comprovado”. É ícone do laboratório de ciências/biologia/química, mas
também circula em hospitais, farmácias e é símbolo na área da saúde.
48

O jaleco assemelha-se às vestes sacerdotais, vestindo o corpo do sacerdote em meio


aos discursos de abnegação dos desejos e prazeres carnais e à exaltação à santidade e à
pureza. Como uma túnica que cobre um corpo, não evidenciando suas formas, emergiu como
fonte de inspiração em um lugar em que o uso de roupas transparentes, que ressaltam minhas
marcas e curvas necessitavam de uma proteção (MENSLIN, 2013). Proteção contra o quê?
Proteção do corpo e da sexualidade do “bom cristão”? Nesse viés - ao ser ocultado pelo
jaleco -, transformei-me em corpo asséptico ou imune aos germes da luxúria – um dos sete
pecados capitais.

O poder pastoral - que atua na escola confessional - dentre suas múltiplas invenções,
instituiu o jaleco como vestimenta de uso obrigatório. Ele foi criado nas malhas do poder
pastoral com a missão de me dar proteção! Um investimento massivo sobre mim e a
sensualidade que transpira pelos poros, possibilitando a problematização da sexualidade
docente. Certa vez, uma professora - ao manifestar sua inquietação por estar sem essa
vestimenta – afirmou que, estar sem o jaleco, era como estar sem roupa. Sentia-se “nua”! Que
poder o jaleco criou!? Ele passou a ser considerado a “primeira pele” do professor, vestindo,
cobrindo sua nudez.

Qual é minha relação com sexualidade, docência e decência? Simplesmente ao “bom


cristão” é dito que preciso ser escondido, ocultado, pois a exposição de minhas partes poderia
incitar “pensamentos impróprios” ou libidinosos em discentes e, por que não dizer também
em outros docentes!? Aí entra o jaleco em questão! Ele se tornou meu parceiro, porque me
ajuda na árdua tarefa de ocultação! Mas, será que o jaleco me tornou (in)visível? Se a missão
do jaleco seria me esconder, tomando o meu lugar e assumindo a primeira pele do cristão, por
que então ele desperta tanto a imaginação de discentes e docentes sobre como sou? Passei a
ser motivo de curiosidade, porque querem ver minhas curvas que o jaleco insiste em não
mostrar com seu tecido largo e solto, que me deixa sem forma, feio e desengonçado. Fico até
engraçado, parecendo mais um balão inflado!!! (hihihi)

Outro dia, quando vestia o jaleco, trocamos algumas ideias e, depois de tanta
problematização sobre a obrigatoriedade do seu uso, chegamos à conclusão de que o que ele
tenta não deixar aparecer, denuncia a marca da sexualidade docente e pulsante na sala de aula,
isto é, mesmo tentando me apagar, o que vemos é que essa vestimenta desperta o olhar e me
põe em evidência sobre o que tanto se deseja ocultar!
49

Frente à sexualidade pulsante, (des)estabilizei, incitei, provoquei, inventei e me


(trans)formei em um corpo santo, puro, assexuado, mas que transpira sexualidade! Sou
desejado, desejante, excitante, envolvente, atraente que, ao tempo em que resiste ser
governado, expõe sua sensualidade, vivacidade, sexualidade. Estou vivo e quero que as
vibrações e sensações que estão sobre mim sejam capazes de aguçar o olhar de quem me vê!
Por que não tenho o direito de decidir usar ou não o jaleco!?

Quando sou vestido pelo jaleco, sinto o peso da exaltação à santidade e pureza sobre
mim. Ouço a ressonância das vozes dos discursos inquietantes e cambiantes que trazem a
sexualidade docente como objeto de desejo e prazer. Sinto-me sob a égide das relações do
poder pastoral, que instituem, enquadram e legitimam normas regulatórias dos
comportamentos e disciplinamento, criando, inventando e legitimando uma docência decente
e moralizante que se inscreve sobre minha discreta silhueta. Sou instrumento de exercício do
poder sobre a sexualidade do “bom cristão”. As práticas de adestramento da sexualidade
produzem marcas em minha superfície, pois minha nudez não se inscreve na ordem discursiva
eclesiástica da escola confessional.

Dona estética é minha aliada e sempre recorro a ela quando preciso de dicas
preciosas, quando quero me transformar e me tornar mais atraente e sedutor! Porém na escola
confessional, tanto discentes como docentes não podem exagerar na minha apresentação no
que concerne ao vestuário (uso do jaleco pelo professor e uniformes por parte dos alunos), uso
de adereços, maquiagem, pintura de unhas e outros. A simplicidade é o ponto de equilíbrio
entre mim e a sexualidade. É assim que sou inscrito em uma trama discursiva em que as
relações de poder produzem, fabricam, docilizam, criam e inventam formas de ser discente e
docente no interior de instituições que ditam regras de conduta que me controlam, de forma
minuciosa e insidiosa, cerceando a manifestação de dona estética e seus atributos sobre mim,
mas ainda assim, quando estou desfilando nos corredores do ambiente escolar - pulverizando
a sexualidade - quer seja usando uma vestimenta mais provocante sob a ótica do pudor e -
mesmo usando o jaleco - evitando o uso de adereços, esmalte e maquiagem que valorizem, me
embelezem e me adornem, mas que são proibidos na escola confessional, pois incitam a
vaidade e a sensualidade, atributos contrários ao “bom cristão”, que tem que viver a
simplicidade e modéstia em toda sua maneira de viver. Como dona estética e seus apetrechos
(em sua maioria) são caros, o “bom cristão” economiza comigo e não gasta nenhum tostão!
Que sina é essa a do “bom cristão”!?
50

Nesse espaço de controle eclesiástico, sou tratado como “assexuado”(hahaha), isto é,


cuja sexualidade precisa ser mortificada, a partir do uso de vestuário recatado, sem o uso de
adereços, maquiagens e joias que me valorizem e despertem o desejo e a cobiça, pois o “bom
cristão” é aquele que cultiva o equilíbrio no seu porte e conduta cristã e isso implica estar
fora da moda! Que ilusão, acreditar que não vou chamar atenção!? Sempre dou um jeitinho
quando quero aparecer! É minha forma de resistência às amarras do poder!

No caso do “bom cristão” docente, as prescrições referem-se também à sua


vestimenta. É recomendado vestir-se bem, porém, sem ostentação. Mas, o que é, já, vestir-se
sem ostentação? Esse povo inventa cada moda! (hahahaha) É possível determinar um
“padrão equilibrado” no campo da estética? Há um padrão de vestimenta do “bom cristão”
docente na escola confessional adventista? Por que, em se tratando do “bom cristão” docente,
eu passei ser o alvo dos mecanismos do poder pastoral? O que a Estética diz sobre a
sexualidade do “bom cristão” docente?

Depois de tanto problematizar, fico a me perguntar: se a alma é o que interessa à


salvação, por que tanto investimento sobre mim, o corpo do “bom cristão”!? É o que
observamos nas religiões, de um modo geral, um investimento massivo sobre o corpo. No
Islamismo, as mulheres muçulmanas usam Burca, uma vestimenta que cobre todo o corpo
com uma rede na área dos olhos. No cristianismo, as mulheres cristãs têm uma maneira
recatada de trajar-se e, hoje em dia, há um mercado consumidor voltado para essa tendência
em ser “Bela e Recatada”! (hahahaha) Há um investimento na moda dita “Evangélica” para
atrair pessoas de diversas denominações que buscam a simplicidade e beleza no trato com a
vestimenta. Portanto, as religiões almejam a salvação da alma do “bom cristão”, mas essa
salvação implica em operações sobre o corpo, pois ele é a encruzilhada no caminho da
perdição ou da salvação.
51

IV – ENTRE CÂNTICOS, ORAÇÕES, JILÓ E ZÍPER: o namoro do “bom cristão”!

“Tem horas, vou contar a você: fico pensando que eu


não presto – que o diabo me tenta... Porque acho que
tudo o que tem, de melhor, é o que a gente não deve de
fazer, o que é preciso se aproveitar escondido, bem
escondido...” (Guimarães Rosa)

De acordo com meu significado


no dicionário, estou vinculada ao culto
religioso. Na escola confessional, minha
importância é notável! Até horário
especial para minha realização - entre uma
aula e outra nas segundas-feiras - foi
instituído pelo pastor-capelão com o
objetivo de difundir os dogmas da
religião. Sou um dos tentáculos da igreja
infiltrado na escola! Quando fui projetada
no horário escolar, era regada a cânticos, orações e palestras sobre histórias bíblicas com uma
abordagem associada à atualidade. Bons tempos aqueles em que falavam mais da Bíblia e de
suas parábolas! Até mencionaram a parábola do trigo e do joio na imagem acima, mas a
tônica é a sexualidade: “Um pouco de tempo passado a semear joio, produzirá uma colheita
que lhe fará amarga a vida inteira”. Parece até praga! (hahahaha). Ah, como tenho saudades
desses tempos que não voltam mais! Porém, o tempo passou e a modernidade, assim como as
mudanças na sociedade, tais como: liberdade sexual, o aumento na incidência da AIDS,
gravidez na adolescência - dentre outros problemas de ordem moral - mudaram meu foco, que
passou a ser assuntos referentes à sexualidade. Me transformei em um antro de perdição!
Porque agora só me usam para tratar da sexualidade do “bom cristão”! 30

Até na semana de oração com o tema “(In)conformados”, falou-se sobre estar


(in)conformado com as coisas desse mundo, inclusive o “pecado” da imoralidade sexual.
Mas, com essa semana de oração me identifiquei, porque ando meio (in)conformada com os

30 As imagens colocadas nesse capítulo foram veiculadas durante as palestras proferidas e tiradas em foto pela
autora, que as utiliza como material empírico desta pesquisa.
52

rumos que tomei! De tanto ouvir falar em sexo me viciei e agora fico esperando,
ansiosamente, pelo próximo tema da palestra que será tratado no tempo que a mim é
destinado.

As palestras cada vez mais calientes, começaram - pouco a pouco – a criar um clima
de tensão e excitação entre docentes e discentes. Até o pastor - capelão ficava com um ar de
admiração! Deixei de ser o espaço para tratar da Bíblia e suas histórias e passei a ser o
momento destinado às palestras sobre namoro, sexo e outras coisas mais que são usadas para
doutrinação! Mas, como de santa e pura - que só tratava de assuntos que, balizados na Bíblia,
tinham relação com a purificação - passei a ser vista como perdição!? Então, me indaguei:
Com quantas capelas se fabrica o “bom cristão”!?

Durante esses momentos em que me usavam para falar sobre sexualidade, aprendi
muitas coisas, como por exemplo, que há regras para se amar! Sim, ao “bom cristão” é
prescrito que ande de mãos dadas com a santificação! Confiram nos slides a seguir, dá
vontade até de rir de tanto ver como é sonhado o comportamento do cristão em relação ao
namoro:
53

Tudo começa com o olhar e vejam na imagem anterior que usando todos os sentidos
do corpo, degrau a degrau, a culminância é a relação sexual! E o pastor - capelão mostrou (a
seguir) onde posso tocar, então? Peitos, bundas e órgãos genitais - nessas partes - não se pode
tocar jamais!
54

Até definição de namoro pude aprender! (hahaha) Mas, essa definição está repleta de
moralização! Como assim, restringir o tipo de relacionamento somente a pessoas do sexo
oposto? Isso não é discriminação? Ou seria outra prescrição à conduta do “bom cristão”!?

E, ainda, quando for dialogar, algumas perguntas devem-se evitar! “Você gosta de
jiló?” Essa pergunta deve ser evitada! Mas tanta coisa para falar sobre namoro e eu aqui
prestando atenção nessa prescrição!? Foi cômico ouvir dizer o que pode ou não. Afinal, com
quantas regras se faz o namoro do “bom cristão”!?
55

Por que a conversa prescrita é endereçada ao sexo oposto? Que tipo de sexualidade é
a tônica dos discursos sobre o “namoro cristão”? Os enunciados que ditam “As Regras do
Amor” excluem a homossexualidade? Em que lugar está a diversidade nas relações amorosas
tão difundida na sociedade moderna? Essas questões emergiram da quimera de ideias nefastas
que me atormentaram após essa palestra.

Outra vez, presenciei um médico ginecologista falar e o “terror” começou a


proliferar! Falando mais sobre as consequências da precipitação no namoro - uma delas a
gestação - a recomendação era quatro coisas NÃO fazer NUNCA! Dá uma conferida aí!

Entre risos e gracejos, um aluno na plateia gritou: “Então, posso a roupa rasgar?” Ao
que prontamente, o palestrante - que também era cristão - respondeu sem titubear: “A roupa
você NÃO pode NUNCA rasgar!”

Dessas palestras, fica a lição desses momentos em que há subjetivação do “bom


cristão” no caminho da salvação: de tanto se falar em sexualidade, nasce a vontade alucinante
e lancinante do pecado!
56

Foucault (2007a) tinha razão, pois não vejo aqui repressão e sim constante incitação
e produção de discursos sobre sexualidade! Ela se tornou assunto privilegiado a se falar,
enquanto à Bíblia e suas histórias foi reservado outro lugar.

É assim que aprendi a relação entre capelas, jiló, zíper e as regras do namoro
cristão!

Por várias vezes, fico a me questionar: Como inventam tantas formas de falar sobre o
namoro do “bom cristão”!? Até que dia desses, na igreja, vi o anúncio dessa palestra
endereçada ao público jovem e adulto. Confiram os temas aí!

Com o tema “Felizes para sempre”, o convite constava em seu verso os subtemas de
cada sábado! Amizade, namoro, noivado, casamento e, por fim, o divórcio! Daí entendi a
reverberação dos discursos sobre a sexualidade do “bom cristão” na escola confessional! É na
igreja que eles são idealizados e têm suas ressonâncias na escola confessional, em meus
espaços de doutrinação!

Na igreja tais discursos são esculpidos na arte da moralização, tratando a sexualidade


sob a lente da heteronormatividade31. Os subtemas mostram a cadência nas etapas desde a

31 Heterormatividade é uma expressão que vem do grego “Hetero” que quer dizer “diferente” e norma,
“esquadro” em latim. Esse termo - cunhado por Michael Warner em 1991 - é usado na sociedade para designar
os relacionamentos entre pessoas de sexos diferentes. É considerado o comportamento sexual padrão em
detrimento da marginalização do comportamento dito desviante, como é o caso da homossexualidade. Sobre
57

amizade até o namoro, noivado e casamento. Divórcio não é uma etapa que se espera do “bom
cristão”! Para evitá-lo, tem até receita para uma vida feliz!? Uma boa dose de sabedoria e tudo
está resolvido!? Essa receita depende da quantidade dos ingredientes e da habilidade de quem
faz! (Hahahahaha)

Com a ressonâncias dos discursos eclesiásticos na escola confessional, em uma das


palestras, o tema foi “Identidade de Gênero”! Daí, imaginam o que rolou!? Os meninos
sentados de um lado do auditório e as meninas do outro lado. A palestrante foi logo dizendo:
“Na minha época, existiam dois gêneros: masculino e feminino”. E logo perguntou ao
auditório lotado de alunos: “Existem mais de dois gêneros!? O que vocês acham, meninos e
meninas!?(em tom bem taxativo!) Quem não concorda que existe só homem e mulher!?” O
silêncio na plateia foi sepulcral! E a palestrante continuou mostrando a diferença entre
transgênero e cisgênero. E indagou os alunos: “Mas o que a Bíblia diz sobre isso? Existe
outro sexo, além do que os que Deus criou?” Nesse momento, uma aluna levantou-se e foi ao
microfone dar seu depoimento: “Sou Maria, tenho 15 anos sou menina, feminina e gosto de
menino!” A plateia vibrou com o que Maria falou. Mas, estava incomodada com aquela
situação de doutrinação, pois agora nem quero me enquadrar em nenhum gênero, não quero
ocupar nenhuma posição!

currículo e práticas escolares, Louro (2007b, p.43-44) enfatiza que “[…] É consenso que a instituição escolar
tem obrigação de nortear suas ações por um padrão: haveria apenas um modo adequado, legítimo, normal de
masculinidade e de feminilidade e uma única forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade;
afastar-se desse padrão significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico”. A homossexualidade, por
sua vez, “torna-se definida como um desvio da sexualidade dominante, hegemônica” (SILVA, 2007, p. 106).
58

E a palestrante continuou dizendo que viveu em uma época em que todos sabiam
quem era homem ou mulher! Mas, nos dias atuais, advertiu aos alunos que eles são
bombardeados pela mídia em relação à identidade de gênero, isto é, “Você não nasce homem
ou mulher, você pode decidir isso durante a sua vida!” e exclamou: “Absurdo, isso! Vocês são
colocados na parede para decidir algo que já está definido desde que você nasceu! Não sou
homofóbica!” Essa última negação me causou tamanha estranheza. Como pode uma pessoa
esbravejar, discordando de um tema tão polêmico e afirmar que não é discriminação!?

Quando ela reiterou que “Ter uma opinião formada não é ser homofóbica”, lembrei
da letra de uma música que ouvi esses dias:

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante32

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre

Tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

E continuou a palestra, criticando o fato de que no mundo atual não existem mais
formadores de opinião, que tudo é relativo! E disparou a pergunta: “Quem costuma ler a
Bíblia aqui? Em seguida, leu um trecho do livro de Jeremias 29: 11 33 que diz: “Eu é que sei
que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz e não de mal,
para vos dar o fim que desejais”. E completou: “Os planos que Deus tem para você não são
os planos que o mundo tem! Se você está em dúvida sobre sua identidade de gênero, procure
um pastor! Mas tem gente que diz que se conversar com o pastor, ele vai dizer que você vai
para o inferno!” (pior que é verdade! hahahahaha). E ainda reforçou: “Tem gente que quer
experimentar para decidir que gênero quer assumir, mas não precisa experimentar! Não
experimente!”.

32 Essa música é de autoria do cantor e compositor Raul Seixas e o ano de divulgação foi o de 1973, no álbum
krig-Ha, Bandolo.

33 Citação da Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no
Brasil. 2 ed. Barueri- SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008, p. 1038.
59

Finalizando, a palestrante passou um vídeo em que várias crianças falam sobre a


Ideologia de Gênero e afirmam que foram criadas por Deus como meninos e meninas e que,
quando perguntarem, o que você pensa sobre isso, responda contra a ideologia de gênero: “O
meu Deus nunca erra!”. Essa frase foi repetida inúmeras vezes no vídeo, como uma
mensagem, cujo discurso e suas ressonâncias miravam a mente, a conduta e o comportamento
do “bom cristão!” Essa palestra reforçou o ciclo de doutrinações, sendo mais uma peça nesse
intrigante, confuso, cambiante e complexo quebra-cabeça da sexualidade do “bom cristão”!
Em tempos de retorno à moralização, a ideologia de gênero entrou no discurso da
sexualidade conservadora do “bom cristão”! Ser contrário ou não, não é questão de “opinião
formada” ou “homofobia”, é questão de ser “bom cristão” ou “boa cristã” com convicção,
afinal, depois de tanta repetição, o que entendi é que posso ser a capele, capelx ou capel@34
que eu quiser, sem a imposição do masculino e feminino!

O ano letivo de 2018 estava chegando ao fim! Já me sentia de “férias”, quando fui
surpreendida com outra palestra sobre NA-MO-RO!(Meu pai do céu!) De novo!? Nem eu
mais aguentava ouvir falar em namoro! (kkkkkkk) Mas, fiquei atenta para a palestra! Dessa
vez, convidaram uma advogada para palestrar!? O que será que vai rolar!? Olhos atentos e
ouvidos aguçados! Meninas e meninos prestando bastante atenção e a pergunta que aparece na
tela é:

E se ainda não entendeu o que o namoro é, basta conferir sua definição!

34 Faço aqui um trocadilho sobre o novo tipo de escrita que é muito restrita ao mundo virtual ou redes sociais na
linha do identitarismo de gênero, a fim de neutralizar a linguagem sexista do masculino e feminino.
60

“Se você vir uma garota usando shortinho curto e dançando funk, o que você vai
querer fazer!?” Indagou a advogada! E continuou a alertar: “Por isso, ninguém pode sair por
aí mostrando o corpo, beijando todo mundo!” Daí surgiu a pergunta que não quer calar: Com
que idade pode namorar? Vi o semblante de decepção de muitos discentes cristãos! “Tenho
que esperar até 15 anos completar!?” Muitos alunos presentes naquele primeiro momento,
cuja faixa etária era de 10 a 14 anos, esperavam que fosse a hora em que o corpo libera os
hormônios, indiciando o início de uma nova fase na vida do(da) jovem!

Mas a vida do “bom cristão” é tão regulada que até o seu namoro tem data marcada!
(hehehehe). Conversar sobre sexualidade com os pais!? Jamais! Esse psiquiatra infantil
(mencionado no slide) fez uma viagem! Porque os pais também querem evitar a todo custo
comentar sobre sexualidade com os filhos! Não conversam e não admitem que seus filhos
sejam ensinados acerca desse assunto na escola, alegando doutrinação por parte do corpo
61

docente! Isso chega a ser indecente! Não querem falar, querem silenciar! A alegação é a
sexualização ou erotização infantil. Mas aqui na escola confessional, peca-se por exacerbação
e não por omissão da discussão sobre a sexualidade do “bom cristão”! Tenho propriedade
para falar, pois o que já vi e ouvi esses últimos anos dá para escrever uma tese! (hahahaha)
Realidade ou ficção!? Prefiro acreditar que querem me usar para inventar a sexualidade do
“bom cristão”!

O cômico da palestra estava por vir! (kkkkk) Uma foto do século passado e o
discurso de como era o namoro no tempo dos nossos avós! O casal sentado lado a lado - em
local público - sob o olhar atento de um observador a cada toque de mão, essa era única
concessão! Vigilância total do casal! Os alunos não se contiveram e o riso foi geral! É só ver
a felicidade estampada no rosto do casal! (hehehehe).

E o alerta veio em seguida: “Hoje está tudo liberado!? Claro que NÃO!” Bradou a
palestrante advogada! E se persistir querendo namorar antes de ter maturidade, espera que já
mostro a você as consequências de uma vida sem regras, sem limites e sem vigilância! Uma
orgia total essa sociedade do século XXI. Tanta modernidade só fomentou a emergência de
uma sexualidade salpicada de libertinagem (a-do-rei!). É isso que está nos discursos sobre
como é o namoro nos tempos atuais!? Olha aí!
62

Mas, não dá nem para pensar em diversão, porque vêm à tona as consequências do
pecado sobre a vida do “bom cristão”! Gravidez na adolescência!? Isso é resultado de tanta
saliência! (hihihi)

A sexualidade é tratada sob o ponto de vista das consequências de doenças


sexualmente transmissíveis a uma gravidez indesejada. A palestrante advogada dá alguns
conselhos para as meninas:
63

Por que a mulher está na mira dos discursos sobre sexualidade? Será o estigma de
“Eva”, a pecadora que caiu em tentação e levou o “fruto proibido” para degustação do marido
“Adão”, recaindo sobre a mulher a tentação da vida do “bom cristão”!? Até na vida virtual
querem interferir! Controlar o que os discentes postam nas redes sociais é demais!

E vejam que o alerta dessa vez foi feito aos meninos também! Síndrome de “Don
Juan”35 pode ser uma boa sacada com as meninas na hora da cantada! Usando e abusando da
arte da sedução, elas não resistirão cair em tentação! (Uau!)

Confesso que até esse momento estava desconfiada! Por que será que dessa vez
convidaram uma palestrante advogada!? Ahhhhh, nos discursos a seguir, entendi o porquê de
uma pessoa com formação na área de Direito! Lá vêm as regras para namorar! E agora
trouxe até a constituição para legitimar o namoro do “bom cristão”! (É o apocalipse!)

35 Síndrome de “Don Juan” ou “Don Juanismo” é um transtorno caracterizado pela compulsão na arte da
sedução, intimidade sexual sem envolvimento emocional. Os relacionamentos íntimos são pouco duradouros e
têm como alvo pessoas proibidas ou difíceis de serem conquistadas. Quando “Don Juan” percebe que o parceiro
(a) está apaixonado, ele perde o interesse e a atração. (Fonte: Wikipédia)
64

E, como de costume, eis algumas atitudes que é bom o cristão evitar! Evitem!
Evitem! Evitem!
65

A sexualidade do “bom cristão” é marcada por um relógio que controla o tempo, os


dias, as horas, minutos e segundos! Mas que também entra no discurso sobre a regulação do
comportamento e da conduta, determinando o modo de vestir, agir ou onde namorar e o que
evitar!? Enfim, toda a vida do “bom cristão” é regida, meticulosamente, pelas regras
propostas pela instituição! O relógio é símbolo do discurso de que tudo deve ocorrer no tempo
certo, isto é, está tudo sob o mais absoluto controle!
66

V- ENTRE PECADO, SANTIFICAÇÃO E SALVAÇÃO: (me)ditando sobre a vida do


“bom cristão”!

“Não tenho mecanismos para santo.”

(Manoel de Barros)36

Ano após ano sou escrita por diferentes mãos! A única coisa em comum entre essas
mãos é que elas pertencem a ditos “bons cristãos”! Sou tecida pelo poder pastoral que dita
em minhas linhas as regras que regulam a vida do “bom cristão”. Tenho a missão de ser lida
todos os dias no primeiro horário de aula, seguida do momento de oração. Minha escritura é
tecida a partir de relatos envolvendo uma temática central. É assim que no ano de 2017, meu
título era: Siga o Mestre. Dentro desse tema central, como não esperar que textos sobre
pecado, sexualidade, imoralidade não fizessem parte da coletânea de textos, cuja
obrigatoriedade é conduzir à santidade, desviando o “bom cristão” do caminho da perdição?

Eis alguns trechos que carrego em minhas inúmeras páginas, uma para cada dia do ano.
Por que há tanta obsessão em relacionar temas bíblicos à sexualidade do “bom cristão”? Nos
últimos anos, pareço mais um manual de promiscuidade e depravação do que uma extensão
da Bíblia. Começo com textos bíblicos, porém o desenrolar de minha narrativa é complexo e,
por vezes, deixo docentes e discentes atemorizados e perplexos. Como nos excertos
mencionados abaixo:

O título dessa meditação do excerto abaixo é: “Namoro ou amizade?”

[...] o namoro cristão pode ser visto como o momento para conhecer o outro e
avaliar a possibilidade de compartilhar para sempre a vida. A amizade nos expõe e
vulnerabiliza ao revelar virtudes e defeitos reais. Portanto, um namoro que valorize
a amizade produz os dados necessários para a tomada de decisão sobre a evolução
ou não da relação até o casamento.

Namoros movidos prioritariamente pela atração física tendem a ser mais suscetíveis
à impureza sexual. Eletrizada pelos hormônios, a paixão impede que um juízo
adequado seja formado. Cegados na carnalidade, casais de namorados deixam de
perceber incompatibilidade no relacionamento e características negativas dos
futuros cônjuges. A intimidade física tira o tempo para conversas profundas e
derruba o discernimento. Para piorar, em muitos casos, o constrangimento pela
culpa de ter avançado o sinal da intimidade sexual leva muitos jovens a se
apressarem para o casamento, sem a devida reflexão. Em geral, os resultados são
negativos.

36 Barros, 2016.
67

Embora a Bíblia não fale nada sobre namoro, é possível perceber em suas páginas
que Deus espera que seus filhos aproveitem essa fase para estabelecer amizades
puras e úteis tendo em vista o casamento. Para jovens cristãos, namoro é sinônimo
de amizade. (OLIVEIRA, 2017, p.275. grifos meus)

De outra meditação, com o título “O verdadeiro romantismo”, também enfatizando o


namoro e casamento, extraímos os seguintes excertos: (OLIVEIRA, 2017, p.276)

[...] O jovem cristão precisa analisar as características marcantes do


comportamento do pretendente, as quais podem ser reveladoras do caráter, e não
deve permitir que as emoções amorosas anuviem sua compreensão da realidade,
impedindo-o de perceber o que todo mundo está vendo, em especial os pais.

Os jovens que desejam fazer o certo em relação a namoro, noivado e casamento


devem se perguntar: “Essa união me ajudará a alcançar o Céu? Aumentará meu
amor a Deus? E ampliará minha esfera de utilidade nesta vida? Se essas reflexões
não apresentarem nada em contrário, então prossiga no temor a Deus (Só Para
Jovens, p. 87, grifos meus.)

Com o título “Retrato falado”, a meditação abaixo também enfatiza o namoro e


casamento. Daí extraímos o excerto:

Corrupção, exibicionismo, depravação sexual, pedofilia, aborto, terrorismo e muito


mais. Monte o quebra-cabeça e você verá a terrível face da iniquidade. Esse
horroroso retrato está estampado todos os dias nos meios de comunicação e reflete
a degradação moral da sociedade atual. (OLIVEIRA, 2017, p. 297. grifos meus)

Tratando sobre a pureza, a meditação a seguir é intitulada “Higiene Espiritual”:

Desde a queda de nosso primeiros pais, o mundo se tornou um lugar contaminado


com o pecado. Em realidade, todo ser humano já nasce infectado com a doença
pecaminosa que, sem o tratamento divino, resulta em morte eterna.

Com o coração sujo, as pessoas vivem manifestando os graves sintomas de sua


infecção. Altamente contagiosos, orgulho, inveja, ódio, maldade e violência são
lançados diariamente na atmosfera da vida, causando toda sorte de problemas para
as pessoas.

[...] Nesse caso, contra a contaminação do pecado. Em contato com a Bíblia, as


impurezas mais profundas da alma são retiradas, deixando o coração limpo e
saudável, pronto para funcionar do jeito que Deus planejou.
68

Algumas pessoas podem imaginar que são muito pecadoras e que sua situação não
tem solução. Em resposta a isso, a revelação divina diz: “Ninguém é tão pecador
que não possa encontrar força, pureza e justiça em Jesus, que por ele morreu. Ele
anela livrar os pecadores de suas vestes manchadas e poluídas pelo pecado, e vestir
neles as vestes brancas da justiça. Ele insiste para que vivam, e não morram (idem,
p. 314).

Com ênfase na guerra contra o pecado, a meditação de 10 de maio (AMORIM, 2018,


p. 136, grifos meus) com o tema: “Gladiadores de Deus”. Olhem essa guerra que o “bom
cristão” tem que enfrentar:

No império romano, os imperadores tinham uma necessidade urgente de manter a


ordem e ganhar a confiança das pessoas. O objetivo era garantir a manutenção do
poder. [...] Em geral, esses guerreiros eram prisioneiros de guerra e escravos que
eram colocados nas arenas romanas para lutarem até a morte. Às vezes, os
gladiadores também lutavam com animais selvagens, como leões e tigres.

O provérbio de hoje sugere que também temos uma luta a travar. Essa batalha não
é contra gladiadores ou animais selvagens, mas contra o pecado. Alguns cristãos
interpretam de maneira equivocada a graça de Cristo e acham que não precisam
fazer esforço contra as tendências ruins. Para sermos salvos, dependemos
exclusivamente dos esforços de Cristo, mas a luta diária contra o pecado precisa
ser encarada pela fé, por cada um de nós.

Segundo o sábio Salomão, o filho de Deus deve fazer duas coisas. A primeira delas
é evitar pensar no pecado. Para isso, é preciso ocupar a mente com coisas boas. A
segunda ação é evitar andar no caminho da tentação. Essas atitudes, embora
pareçam simples, necessitam de um empenho por parte do cristão, pois elas vão
contra a nossa natureza pecaminosa.

A nossa natureza está corrompida, e cada um de nós carrega em si tendências


ruins contra as quais teremos que lutar é até a volta de Jesus. Alguns carregam, por
exemplo, a tendência para a violência, outros para a impureza sexual, etc.

Que discursos sobre sexualidade estão presentes em minhas linhas? Qual é a


“receita” discursiva para se fabricar a sexualidade do “bom cristão”? Por que o corpo é
sempre alvo de assepsia espiritual? Tais discursos estão recheados de prescrições morais,
relacionando a impureza ao corpo, à sexualidade como algo pernicioso, colocando regras para
se viver o namoro, prescrições sobre o que se deve evitar, tais como pensar no pecado e
andar no caminho da tentação!? Essas são as lutas diárias que o “bom cristão” tem que
enfrentar se quiser ao céu chegar!

Todos esses temas trabalhados em minhas páginas têm em comum a direção da vida
a partir de um gerenciamento que atravessa a dimensão do corpo e penetra na alma do sujeito
69

do discurso, o qual é subjetivado a cultivar uma vida casta, pura e santa, exercendo domínio
e lutando como um bravo gladiador contra os prazeres carnais, sendo orientado a partir de
relações do poder pastoral a desenvolver uma conduta balizada pelos preceitos morais. Sobre
o pecado, tão amplamente associado à sexualidade, pois quando se fala em impureza sexual,
carnalidade, depravação moral, o resultado de toda essa matemática, que tem o corpo como
alvo das relações de poder, é o pecado. Pecado é invenção e um dos mecanismos de poder
utilizados para direcionar a sexualidade, haja vista que suas consequências são, via de regra,
ditas devastadoras da conduta humana, culminando com a morte espiritual. Sobre isso,
Nietzsche (2004) em seu aforismo 53, exclama: “Oh, quanta supérflua crueldade e tortura
animal teve origem nas religiões que inventaram o pecado! E nos homens que quiseram, com
isso, ter a mais alta fruição do seu poder!”

Entretanto, como vimos nos excertos das linhas do poder que me compõem, há
salvação para as almas impuras, corrompidas pela depravação sexual e moral. Nada está
perdido! É nesse cenário de redenção da alma humana que emerge uma nova mecânica de
poder imanente à sexualidade, cuja ação, penetração e controle é sobre o corpo individual e
social, subjetivando o “bom cristão” no caminho da salvação. A salvação está indexada à
presença de um condutor, que é o pastor, cuja missão é tomar a vida da ovelha e o cuidado de
sua alma em múltiplas dimensões. O pastor pode ser considerado um mestre, na medida em
que ele ensina a verdade da escritura, da moral e dos mandamentos da igreja.

Em se tratando da luta travada entre os desejos carnais e os desejos espirituais, não


seriam as paixões carnais feras bravias, inventadas pelos homens, as quais necessitam de
domesticação? Os desejos e paixões carnais são os monstros de que nos fala Mia Couto
(2012, p. 170) “Essas feras são agora os meus monstros privados, a minha mais dileta criação.
Nunca mais deixarão de ser meus, nunca mais deixarão de passear pelas minhas noites.
Porque, afinal, sou eu o seu domesticado prisioneiro”.

Os modos de viver a sexualidade nos enunciados que tecem minhas linhas mostram
como esses discursos aprisionam em um sistema de domesticação, tentando amansar a “fera”
dos desejos sexuais que estão dentro de nós, cujas tentativas de escape desse aprisionamento,
de resistência às regras, são vistas e tidas como formas de transgressão, porque o sexo inspira
liberdade, o sexo (sexualidade) escapa, cria mecanismos de resistência e foge às normas.

As mãos cristãs que escrevem minhas linhas dão ênfase aos sentidos do corpo!
Visão, tato, paladar, olfato e audição, todos os sentidos são janelas que entorpecem a alma,
70

pois são eles que aguçam os prazeres carnais, são os “monstros” que alimentamos (no sentido
de nutrir esses desejos carnais) e que crescem dentro de nós, transformando-se em sentidos
imorais. A regulação dos sentidos do corpo, a partir das leituras de minhas páginas, seria uma
das estratégias do poder pastoral em adestrar o corpo do “bom cristão”? Desse modo, a moral
seria desembaraçar-se do engano dos sentidos (NIETZSCHE, 2017, p. 20).

Das meditações do ano de 2018, com o título “Meditações diárias: um dia


inesquecível”, extraí algumas leituras que também são proficientes na formatação do “bom
cristão”! Com o tema “Liberdade de Escolha” (TIMM, 2018, p. 287, grifo meu) em minhas
linhas foram escritas as seguintes palavras:

Como você reagiria ao descobrir que Deus o criou intencionalmente para se


perder? Essa pergunta rude está muito ligada à posição do reformador francês
João Calvino (1509-1564) e de seus seguidores. Calvino chegou a declarar:
“Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus pelo qual houve por bem
determinar o que acerca de cada homem quis que acontecesse. Pois Ele não quis
criar a todos em igual condição; ao contrário, preordenou a uns a vida eterna; a
outros, a condenação eterna. Portanto, como cada um foi criado para um ou outro
desses dois destinos, assim dizemos que um foi predestinado ou para a vida, ou para
a morte” (Institutas 3.21.5)

[...] Em Mais perto de Deus, Perto de Deus, Aiden W. Tozer declara: “Certas coisas
foram decretadas pelo livre-arbítrio de Deus, e uma delas é a lei da escolha e suas
consequências. Deus decretou que todo aquele que voluntariamente se entrega a
Seu filho Jesus Cristo na obediência da fé receberá a vida eterna e se tornará filho
de Deus. Decretou também que aqueles que amam as trevas continuam na rebeldia
contra a suprema autoridade do Céu permanecerão em estado de alienação
espiritual e sofrerão a morte eterna”. Logo, não existe nenhum decreto arbitrário
da parte de Deus elegendo alguns para salvação e outros para a perdição. Cada
um é moralmente responsável pelo próprio destino!

Em tempos de tanta moralização, até o destino carrega essa missão! Ser salvo ou
perdido!? Moralizado ou não!? O destino do “bom cristão” está sob a rédea da moralização,
ela é descrita na meditação como a bússola que deve direcionar a conduta do “bom cristão”!
Mas, será que o “bom cristão” tem liberdade de decisão!? Será que impor consequências não
gera uma confusão à liberdade de escolha do “bom cristão”!? Por que “consequência” dá um
tom (des)afinado de que se desviar o caminho ou pegar “atalhos” tem como resultado final a
perdição!? Ahhhh, essa tal liberdade de escolha! No fim das contas, a “escolha” já tem
caminho e destino certo. O “bom cristão” faz o que convém à religião!
71

Certo dia, ao ser lida no início da primeira aula daquela manhã, ao ver o tema: “Não
pule etapas” (AMORIM, 2018, p. 332, grifos meus). Vamos à receita do cuscuz, cujo
ingrediente principal é a sexualidade do “bom cristão”!

Para preparar um bom cuscuz é preciso seguir três etapas muito importantes.
Primeiro deve-se molhar a farinha de milho e colocar sal a gosto. Em seguida,
deixar a massa descansar por alguns minutos e depois colocar em uma cuscuzeira
ao fogo e esperar até cozinhar. Se qualquer uma dessas etapas for pulada, o
alimento não ficará pronto como deveria ser.

Nossa vida pode ser comparada ao preparo de uma receita na cozinha. Se


pularmos etapas importantes, nunca conseguiremos saborear a existência como
poderíamos. É preciso viver todas as fases da vida com o coração aberto para
aproveitarmos cada uma delas e crescermos com o que elas têm para nos ensinar.

O provérbio de hoje faz um contraste entre alguém que respeita o processo de


conquista diária e outro que é apressado e atropelas as etapas. O respeito ao
processo é a diferença fundamental entre o sucesso e o fracasso.

Alguns pulam etapas essenciais e prejudicam o desenvolvimento. Há quem deixe de


vivenciar plenamente a fase de estudos com namoros precoces; outros pulam a
etapa do namoro e se aventuram na intimidade própria do casamento.

[...]O Céu tem bênçãos reservadas para cada fase de nossa vida. Crianças, jovens,
adultos e idosos devem experimentar a vida abundante, mas isso só acontecerá se
fizermos a nossa parte. Se você quer ter uma vida plenamente feliz, viva cada fase
com paixão e mantenha-se disposto a deixar Deus guiá-lo em tudo.

Mas, o que cuscuz tem a ver com sexualidade!? Isso é o que chamo de “começar na
cozinha e terminar na cama”! (hahahahaha). Minha imaginação nunca diria que essa
meditação começaria com uma receita de cuscuz e terminaria com sexualidade! Essa receita
de cuscuz me deu até indigestão! (hehehehe) Como pode tudo ser transformado em pretexto
para tratar da sexualidade do “bom cristão”!? Lembrei em quantas “receitas” não fiz
exatamente como na prescrição, pulei etapas, mas, no final, senti o sabor da transgressão!

E, para finalizar, umas das minhas últimas meditações do ano de 2018 (TIMM, 2018,
p. 279, grifos meus) tinha o tema: “Estilo de vida cristão”. Essa meditação com seu discurso -
sem rodeios - explicou como é a vida do “bom cristão”! Para isso, trouxe a opinião do líder
Hindu Mahatma Gandhi (1869-1948) sobre o “Estilo de vida cristão!

[...]Gandhi afirmava crer na “Verdade fundamental de todas as grandes religiões


do mundo” e nutria admiração especial por Jesus Cristo e Seus ensinos. Entretanto,
Gandhi percebia um forte contraste de estilo de vida entre Cristo e os cristãos. O
grande líder hindu declarou: “Em minha compreensão, a mensagem de Jesus se
encontra no Sermão do Monte, livre de adulterações e considerada como um
todo.[...] Aquilo que se passa no cristianismo é uma negação do Sermão do
72

Monte. Gosto do seu Cristo, mas não de seus cristãos. Como eles são diferentes de
Cristo!”

É lamentável que muitos professos cristãos não tentem imitar a Cristo, nem ter um
estilo de vida cristão. Alguns têm consciência da própria fraqueza e chegam a
alertar: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço!” [...] Podemos ter as
melhores intenções, mesmo assim, porém, as pessoas avaliam quem somos - e o
poder transformador de nossa religião – por nosso modo de vestir, por aquilo que
comemos e bebemos, por nossa família e comportamento social.

Há um Estilo de Vida “Padrão”!? Há apenas uma forma de viver em que - via de


regra- todos os cristãos irão caber!? Por que cada um não pode inventar seu próprio modo de
vida!? Sobre os ombros do “bom cristão” está o peso de ser semelhante a Cristo! Isso envolve
toda a maneira de viver, quer seja na estética, alimentação ou seu comportamento em
sociedade. O cristianismo é a religião que fabricou modos de ser “bom cristão”, cuja vida tem
que ser matizada pelos ensinamentos de Cristo, cujo estilo de “perfeição” é “perseguido”
pelos cristãos!

Em minhas 365 páginas - uma para cada dia do ano - a sexualidade é me(ditada),
regulamentada, agenciada a ponto de a ênfase ser dada nas consequências desastrosas que
têm como fim da linha a morte eterna. O apocalipse da sexualidade! Tantos temas bíblicos
para tratar, mas em minhas linhas só querem direcionar os textos para o pecado, sexualidade,
perdição e morte a quem não assume a posição de “bom cristão”. Fico irada com quem me
escreve! Não tenho liberdade de expressão! Que ódio tenho desse regime ditatorial que me
usa para dizer como docentes e discentes devem ser! Trágico destino de um sujeito cristão que
deseja viver sua sexualidade sem intervenção! Utopia! O poder se exerce através da
sexualidade (Foucault, 2007 a). Ela é efeito e instrumento de seus agenciamentos. Anda de
mãos dadas com a regulamentação da vida do “bom cristão”!
73

VI – ENTRE PORTAS E ESPELHOS: confissões do “bom cristão”!

“[...]Por isso as devassidões contrárias à natureza,


sempre e em toda parte se devem detestar e punir,
como o foram os pecados de Sodoma”. Santo
Agostinho37

O que eu vi das vidas que atravessavam minhas portas? Vi vidas que passavam por
mim...vidas que me impressionaram com seus depoimentos! Vidas que não queriam aceitar as
normas regulatórias da escola confessional e escreviam com vontade de escapar da prisão em
que se diziam confinadas! Mas logo aqui, elas vêm destilar todo os seus ressentimentos!?
Senti-me um confessionário, porque em minhas portas elas escreviam o que queriam. Em
minhas portas de vidro fico a espreitar. O que tanto elas querem confessar? O que tanto
rabiscam sem cessar?

Em minhas portas, convites e encontros são marcados! Meu pai do céu! Estou
horrorizado com tanta promiscuidade! E vejam, quanta liberdade de expressão! É aqui/assim
que se confessa o “bom cristão”!?

“Cadê as lésbicas da escola?” Como assim!? Fico admirado e assustado, porque


nunca pensei que em um ambiente como a escola confessional - uma extensão da igreja -

37 Citação do livro “Confissões” de Santo Agostinho (2015, p. 74).


74

houvesse tanta apologia à homossexualidade!? É também nas minhas portas que a


homossexualidade comparece! Nos riscos e rabiscos, a vida dá saltos e sobressaltos que a
libertam da suposta prisão em que vive o “bom cristão”!

Leio em uma das portas escrito em letras em destaque: “TEM MUITA PUTA
AQUI”. Não acredito no que leio! Como, em um espaço em que é pregada a mortificação,
santificação e salvação, vidas escapam e vivem em modos de perversão/perdição!? É na
liberdade de minhas portas que a sexualidade encontra espaço!? Por que esses alunos não
seguem as orientações para viver em santidade e ser um “bom cristão”!? Por que dão
preferência à transgressão ao invés de exercitar a obediência que é a exigência e o que se
espera de um “bom cristão”!?

Certo dia, vi um grupo de meninas escrevendo e rindo, então, fui olhar o que estava
circulado. Essa expressão me causou muita indignação: “Sou fora da Lei!”. Dos discursos
que li esse me causou admiração em ver que o maior desejo do “bom cristão” é experimentar
o sabor da perdição! Vão todos para o inferno queimar nas labaredas do pecado!
75

Viver sem regras, sem lei ou “fora da lei”, só seria possível se não houvesse regras
que indiciassem a regulação dos corpos, porque o que não é regulado não possui lei
(Foucault, 2007 a). Diante do que leio nas escritas em minhas portas - quando todos saem fico
a analisar -, o “bom cristão” encontra a possibilidade de deixar extravasar - nas portas do
banheiro - sua sexualidade!

Certa vez, conversando com o banheiro masculino, o qual fora construído em sentido
oposto ao meu para evitar o contato entre meninos e meninas, ele afirmou que, em suas
portas, não havia nada escrito, porque os meninos não gostam de deixar rastros, são mais
discretos e preferem o corpo a corpo. Portanto, não tinha “nada a declarar”! Ele, como
defensor dos meninos, optou pela abstenção em relação ao que viu sobre a conduta do “bom
cristão”! (hahahaha)
76

VII- ENTRE DOCÊNCIA E (IN)DECÊNCIA: “avaliando” as confissões do “bom


cristão”!

“Sou pervertido pelas castidades? Santificado pelas imundícias?”

Manoel de Barros38

Na escola confessional, ora sou ovelha, ora sou pastora. Meu papel é fundamental
nesse cenário em que exerço o poder pastoral e sou alvo desse poder. Minha reação é, por
vezes, colocada em xeque. Mas danço ao som da música e me desloco em diferentes posições,
isto é, ora submissa, pastora, discípula, ora assumo a posição de transgressão do padrão de
conduta do “bom cristão”! Visto o figurino de acordo com a personagem/sujeito em que irei
atuar, mas os conflitos põem em evidência uma identidade com que não mais me identifico.
Entro em parafusos e não me solidifico, ao contrário, faço como diz Larrosa (2010), deixo
aberto o espaço líquido da metamorfose agir e outras/novas docências produzir!

De olhos sempre atentos, presto muita atenção, nos discursos que ditam a conduta do
“bom cristão”! E sigo as orientações descritas nos enunciados a seguir sobre os valores que
permanecem (MENSLIN, 2015, p. 116-119) e descrevem as características e valores
associados – estritamente - ao cristianismo. Tais orientações ditam prescrições de como deve
ser a conduta do “bom cristão” professor no tocante ao seu modo de viver e desenvolver sua
prática docente, com o objetivo de alcançar os propósitos da educação confessional que,
dentre outros, é a salvação das almas.

Desse modo, o professor cristão deve ser/ter: “Imitador de Jesus” (I COR11:1 ARA);
“Reconhecedor dos atributos divinos(onisciência, onipresença e onipotência) e manter
comunhão com Deus, mediante oração e estudo da Bíblia Sagrada”; “Relacionamento
interpessoal positivo (bom relacionamento entre professor e aluno), ressaltando a humildade
no trato com o outro”; “Cuidado com a saúde física e mental e, nesse caso, obedecer às leis da
saúde que Deus revelou”; “Equilíbrio emocional(domínio próprio)”; “Profissionalismo e
aperfeiçoamento constantes”; “Aceitação dos limites e possibilidades do aluno (ter o olhar de
Jesus sobre cada ser humano, vendo nele infinitas possibilidades)”; e “Uso de linguagem
adequada(acessível ao aluno e coerente com os princípios filosóficos da escola).

38 Barros (2016, p. 19)


77

Nesse sentido, questões emergem quando vejo esses discursos na escola


confessional: Como a docência pode ser avaliada pela via da espiritualidade e santidade do
“bom cristão”? Como é possível mensurar a vida espiritual docente? Por que, acima dos
conhecimentos da disciplina a ser ministrada, o docente cristão ainda tem que ter uma vida
decente? O que a decência tem a ver com a docência? Como a docência é governada? E
ainda, a docência é uma forma de governar o outro? A lista extensa de exigências nos
enunciados do que deve ser/ter e o peso da moral sobre o corpo é lancinante! Ser um “bom
cristão” docente exige muito da gente! Uns docentes obedientes seguem as orientações com
extremo diletantismo, entretanto, outros optam por viver uma vida disfarçada, recatada,
ocupando posições divergentes, a partir de atos de rebelião que nada têm a ver com a conduta
que se espera do docente cristão! Mas que atos de rebelião pode manifestar um “bom
professor cristão”?

Um dia, ao abrir minha caixa de e-mails, me deparei com a seguinte mensagem:

A mensagem solicitava o preenchimento de um questionário no âmbito do Programa


de Avaliação da Educação Básica da Escola Confessional. Mas, me perguntei: Por que
discrição, sigilo e anonimato em troca de sinceridade nas respostas para preencher uma
78

pesquisa, cujo objetivo era a avaliação da Educação Básica? A suspeita do que estava por vir
me fez supor uma avaliação que ia além da didática docente e aprendizagem discente; essa
avaliação ultrapassava a dimensão da sala de aula, dos muros da escola e invadia a
privacidade do sujeito docente, perscrutando sua/minha vida, suas/minhas crenças,
suas/minhas verdades, trazendo à tona um modo de viver que se espera estar em consonância
com os dogmas e preceitos da religião a que - por livre e espontânea “pressão” - está
vinculado o “bom professor cristão”.
Comecei a ler e a marcar - com a sinceridade que se espera do “bom cristão” - cada
item a ser respondido. Cada questão aumentava a convicção de que estou longe de ser um
“bom cristão”! Mas, se o inferno está cheio de boas intenções, minhas opções soariam mais
verdadeiras se marcasse exatamente o esperado de um cristão, cuja obediência aos preceitos
da religião é a exigência do poder pastoral, que rege a conduta de forma minuciosa e
individual das ovelhas docentes. Eis o questionário39 de avaliação das confissões do “bom
cristão” docente:

Qual é a sua religião?

○ Adventista do Sétimo Dia

○ Católica

○ Evangélica

○ Espírita

○ Outra

○ Nenhuma

39 Optou-se por fazer a tabela a partir da imagem retirada do questionário realizado online para fins de melhor
compreensão por parte do leitor. As imagens são mantidas porque elas também carregam discursos que são
analisados foucaultianamente.
79

Quantas vezes você se envolveu nas atividades abaixo?

Cerca de Mais de Diariamente


Menos de
uma vez uma vez ou mais de
Nunca uma vez
por por uma vez por
por mês
semana semana dia

1. Leitura da Bíblia. ○ ○ ○ ○ ○
2. Momentos de devoção pessoal. ○ ○ ○ ○ ○
3. Culto matutino ou vespertino
com membros de minha família. ○ ○ ○ ○ ○
4. Momentos de oração pessoal
(sem ser nas refeições). ○ ○ ○ ○ ○
5. Leitura de livros religiosos. ○ ○ ○ ○ ○
80

*Indique o quanto você concorda ou discorda com as crenças listadas

Não Concordo
Discordo
Discordo Tenho Concordo fortement
Fortemente
certeza e

1. Creio em um Deus pessoal que busca um


relacionamento com os seres humanos. ○ ○ ○ ○ ○
2. A salvação vem somente por meio de Cristo. ○ ○ ○ ○ ○
3. A alma é uma parte espiritual, independente
do corpo,
que continua viva depois da morte.
○ ○ ○ ○ ○
4. Acredito que Deus criou o mundo em exatos
seis
dias de 24 horas, em um passado relativamente ○ ○ ○ ○ ○
recente.
5. Deus deseja que eu cuide do meu corpo
evitando o
álcool, as drogas e o tabaco.
○ ○ ○ ○ ○
6. O cumprimento da profecia e os eventos no
mundo indicam que a volta de Cristo está muito,
muito próxima.
○ ○ ○ ○ ○
7. O verdadeiro sábado é o sétimo dia da
semana. ○ ○ ○ ○ ○
8. Acredito que Deus criou o universo. ○ ○ ○ ○ ○
81

9. A Bíblia ensina que a relação sexual deveria


acontecer exclusivamente para o casamento. ○ ○ ○ ○ ○
10. A Bíblia ensina que o casamento é a união
entre um homem e uma mulher. ○ ○ ○ ○ ○

As lentes que repousavam sobre o questionário me reportaram à vigilância constante


sobre a docência. Estou sob a visibilidade dos óculos do poder, lentes que estão a espreitar o
que faço ou deixo de fazer, exercendo o domínio sobre o que devo ou não responder! Marquei
o que – supostamente - concordei, mas o foco na docência chegou ao ponto extremo nos itens
8 e 9, cujo tom de indagação configura-se na invasão velada à sexualidade do “bom docente
cristão”. Se casei virgem ou não, isso não interessa à instituição! Se sou docente (in) decente,
isso não interfere na minha docência! Se sou hetero ou homossexual, isso nada tem a ver com
82

(a)normal, tem a ver com a forma de viver a sexualidade longe dos padrões impostos pela
sociedade.
Respondi o que as lentes do poder queriam ler e ouvir! Mas minha vida na escola
confessional está longe de ser o que esperam de mim. Selecionei meditações, tirei fotos das
capelas, anotei conversas, espreitei banheiros, guardei comunicados que traziam em suas
palavras prescrições à sexualidade do “bom cristão”! Essas resistências ocorrem em meio às
malhas do poder, porque onde há poder, há resistência (FOUCAULT, 2007 a). A resistência
é imanente ao poder! Minha resistência é silenciosa e recatada como deve ser a conduta
daqueles que se encontram nas malhas do poder, mas vicejo o dia em que o devir me desloque
para outras/novas formas de viver a docência e a sexualidade com mais prazer e poder de
dizer as minhas verdades!

Depois de ler o Manual do Educador (SUÁREZ, 2017), vi que padeço de uma


“esquizofrenia cognitiva”, isto é, uma tentativa de isolar o que penso na igreja do que penso
na academia. O que esperam de mim é que - como “bom cristão” - faça uma perfeita
integração entre fé (crenças cristãs) e ensino. Ao “bom docente cristão”, cabe promover a
harmonia e integração entre o que acredita e ensina e isso deve estar em consonância com a
filosofia cristã da escola confessional. A dissonância gera confusão e o resultado é que

[...]mais cedo ou mais tarde, um dos campos vai fazer afirmações que se sobrepõem
ou mesmo discordem um do outro, e nessa situação um dos campos ou os dois vão
exigir o comprometimento total às suas “verdades” e, portanto, o abandono de um
deles. (SUÁREZ,2017, p. 119)

Docência hipócrita!? Posso ser. Escolho minhas verdades e os caminhos a seguir!


Podem até fazer uma avaliação para dar um diagnóstico sobre o modelo de “bom docente
cristão”! Esquizofrênica ou normal, não tenho perfil a me enquadrar!
Em qualquer escola, seja laica ou confessional, a docência comparece e imprime seu
modo de ser e de viver. Se (in)decente não importa, o importante é ser/viver do modo que
quiser, resistir/fugir e ser capturado por novas redes de poder que incomodem, inquietem e
nos permitam viver trans(formações) tais que transbordem em novas configurações e
experiências na docência, andando por desvios e não na linha reta das estradas (seguindo
normas regulatórias e as placas que indicam o caminho), pois são nos desvios que
encontramos as melhores surpresas! (BARROS, 2016 a).
83

VIII – ENTRE EXCLUSÃO E RESISTÊNCIAS: com a voz a discência!

“Para que a vida seja um espetáculo bom de assistir: então deve ser bem
representado: para isto, entretanto, são necessários bons atores. Eles representam
a si mesmos e se inventam”. Nietzsche40

Era um dia de capela e fomos convidados a nos dirigir ao auditório. Já tínhamos


respondido a enquetes sobre possíveis temas a serem abordados. Quando colocaram no telão o
tema da discussão: Homofobia! Muitos de nós vibramos, porque eram reivindicações antigas
que havíamos solicitado sobre um tema tão atual e pertinente à nossa geração. A professora de
Biologia, muito curiosa em saber dos rumos do debate, perguntou aos alunos como havia sido
na capela sobre um tema tão polêmico! Eu (Vitório) e minha amiga Mara escrevemos nossas
cartas à professora: relatei sobre o teor do debate, bem como os acontecimentos naquele dia
fatídico em que anunciaram um tema, todavia, não foi como esperávamos. Mara, por sua vez,
preferiu - até porque sentiu isso na pele - escrever sobre a impressão que ela tem a respeito da
postura da escola confessional diante de situações que vivenciamos no dia a dia da dinâmica
escolar e que nos afetam diretamente! Vamos às cartas - confissões!

(Confissões de um “bom cristão” em modo de exclusão! )

Belém, 22 de Setembro de 2017.

Sobre o debate acerca da HOMOFOBIA!

Estava lá a professora de sociologia, o professor de filosofia e de história, a de


português e o de religião para debater com os alunos. A professora de redação estava
atuando como mediadora. Tinha também três alunos do ensino médio e os três poderiam
debater.
A professora de redação perguntou se alguém gostaria de fazer alguma pergunta
aos professores, não necessariamente sobre a homofobia. O debate começou com uma
pergunta do Vinícius do 9º ano para os professores de história/sociologia/filosofia:
“Professora, a senhora considera que o machismo é algo histórico, que acontece há muitos
séculos?” A professora respondeu que sim, o machismo é algo histórico. Nós vivemos em
uma sociedade patriarcal, na qual mulheres são consideradas inferiores desde sempre.
Antigamente (e até nos dias de hoje, porém com menos intensidade) a imagem de uma

40 Citação do livro “Assim falou Zaratustra” de Friedrich Nietzsche (2012, p. 144).


84

família feita por um homem e uma mulher era muito forte, sendo o homem como o “dono
da casa, chefe da família” e a mulher como a “dona de casa, mãe dos filhos”. Isso contribui
diretamente para o machismo, pois até algumas décadas atrás as mulheres mal tinham o
direito de votar. Hoje muita coisa mudou, porém ainda há muito o que mudar também.
Enfim, essa pergunta do Vinícius foi muito importante para um começo de debate
sobre homofobia, pois com a homofobia acontece da mesma forma. A imagem considerada
“comum/normal” de família é constituída de um homem e uma mulher, e não duas pessoas
do mesmo sexo. Há também o contexto da 2ª guerra mundial, por exemplo. A homofobia já
era bem forte na época, tanto que Hitler queria matar todos os homossexuais (um dos
grupos perseguidos pelo regime nazista). Isso reflete muito nos dias de hoje, onde ainda
vemos diversas noticias de homossexuais mortos e torturados.
Há também o motivo religioso, e pensando nisso fiz uma pergunta para o professor
de religião: “O senhor acredita que a religião interfere diretamente na homofobia!?” O
professor respondeu que Deus é amor e que na bíblia diz que é errado um casal
homossexual. Mas, Deus aceita todos nós do jeito que somos, seja homossexual ou não.
O ponto é que não foi essa a minha pergunta . Eu queria que ele respondesse se ele
concorda ou não que a religião interfere na homofobia. No meu ponto de vista, interfere
diretamente. Muitos usam a bíblia como desculpa para julgar, agredir (seja de forma física,
sexual ou psicológica) pessoas do meio LGBT. Seja dizendo que é errado, que é pecado,
que vão todos para o inferno, etc.
O debate foi muito ligado a religião. Esse foi um ponto negativo, pois nós estávamos
falando de algo social, de uma coisa que vale para todos nós, sejamos nós cristãos ou não.
Homofobia é crime e vai muito além de uma opinião, seja religiosa ou não. Além de que o
Brasil é um país laico, então se eu tenho uma religião e a mesma condena determinada coisa,
eu devo levar isso para mim. Ninguém pode impor uma “verdade absoluta” ou religião para
ninguém. Esse foi o maior erro do debate: falar demais sobre o religioso e esquecer o lado
social.
O debate ficou um bom tempo nisso, todos discutindo sobre fatores religiosos. Até
que uma das alunas do ensino médio levantou a seguinte questão: “Se um homossexual sofre
algum tipo de agressão, é considerado homofobia. Mas até que ponto é homofobia? A partir
de qual agressão é homofobia?
E outro aluno do ensino médio fortaleceu o que ela havia dito e acrescentou algo
como: “Até que ponto é considerado homofobia e não um crime qualquer? Se um
homossexual sofre agressão é homofobia , mas se um heterossexual sofre alguma agressão é
o quê? E a conversa levou esse rumo: “Heterofobia”. Eu falei algo sobre não existir
heterofobia, pois a diferença entre os crimes está na causa. Hetero não sofre preconceito por
ser hetero. Um menino questionou sobre existir homofobia para heteros e foi aplaudido. Isso
só fortalece a ideia de que a nossa sociedade ainda é extremamente homofóbica e eu vou
explicar cada coisa dessas pra senhora, professora.
O debate foi basicamente isso, questões religiosas e heterofobia. Falaram sobre
existir a “cura gay” e chegaram à conclusão de que deve existir, mas não ser obrigatório.
“Não sabemos se homossexualidade é uma doença ou transtorno, mas devemos respeitar e
não deve ser obrigatório, mas deve haver o tratamento para aqueles que quiserem”, os
professores disseram!
85

O debate foi concluído com o professor de religião dizendo que nós devemos
respeitar todos e DEUS é amor. A questão é... ok, mas e o resto? E as medidas que podem ser
tomadas para o fim da homofobia? O que pode ser feito?Não houve, de fato, uma conclusão
do debate.
(Sem falar nos termos “homossexualismo”, “escolha sexual”, “opção sexual”, etc.)
Agora sobre minha opinião a respeito...
Homossexualidade é algo que todos deveriam saber que não é uma escolha. Da
mesma forma que heterossexual não escolhe sentir atração pelo sexo oposto, homossexual
não escolhe sentir atração pelo mesmo sexo. É simples.
Tem quem diga que homossexualidade é escolha no sentido de “estar na moda”.
Não. Definitivamente, não. Homossexualidade é algo que existe desde que os seres humanos
existem(na verdade antes mesmo disso, pois algumas espécies de animais do mesmo sexo se
relacionam entre si.).
“Não é algo natural de acordo com a Bíblia”.
Não importa. A minha religião não diz respeito a ninguém, além de mim. Se a minha
religião acha certo ou errado, isso só importa pra mim. Há diversas religiões, cristãs ou não,
e isso deve ser levado em consideração. Não deve existir uma verdade absoluta, já que todos
acreditam em coisas diferentes. Somos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, não tem como
querer que todos pensem da mesma forma, isso é ignorância.
“Não é algo natural de acordo com a biologia”.
Se essa ideia fosse, de fato, levada em consideração, o mundo não teria evoluído
nem metade do que evoluiu. Várias e várias curas para doenças não são naturais. Diversos
tratamentos estéticos não são naturais. Será que esse é realmente o problema? Será que ser
homossexual é errado porque vai contra a biologia?
Sobre reprodução: sexo não se resume a isso. Sexo não é feito apenas para
reproduzir, tanto em relações homossexuais quanto heterossexuais. Outra coisa: ser
homossexual não é sinônimo de ser estéril. Homossexuais podem ter filhos, seja por
inseminação, barriga de aluguel, adoção... e olha só! Não são formas 100% naturais. Mas
isso não é um problema, é? Casais heterossexuais também fazem essas coisas acima. Mas
tudo bem. Ninguém fala nada, ninguém reclama. Ou seja... essa não é a questão principal.
Heterofobia... esse assunto chega a ser engraçado. Não existe heterofobia pelo simples fato
de :
-Hetero não é expulso de casa por ser hetero;
-Hetero não é morto por ser hetero;
-Hetero não escuta diariamente que ele está errado por ser hetero;
-Hetero não é discriminado por ser hetero;
-Hetero não é forçado a fazer sexo com mulheres para aprender a ser homem; e nem com
homens para aprender a ser mulher;
-Hetero não perde o emprego por ser hetero;
-Hetero não se sente excluído por ver poucos ou nenhum casal hetero na TV,cinema, etc.

Enfim, isso é algo histórico. Infelizmente a nossa sociedade vive numa espécie de
pirâmide onde um grupo específico está no topo. Infelizmente não temos igualdade de
direitos.
86

“Deus é amor” ok, eu concordo. Mas e quem não acredita em Deus?


“Vivemos numa sociedade onde cristãos amam o próximo”. Onde está esse amor?
Onde está o amor ao próximo? O amor que eu vejo está sendo taxado como doença.
Finalizando, todo crime é crime, isso é fato. Acontece que é bizarro colocar todos os
crimes na mesma categoria, no mesmo nível. Um homicídio contra uma mulher, contra um
homossexual, contra um negro, enfim, contra uma minoria...Isso é histórico. É muito mais do
que um crime...É cultura.
Para acabar com o crime nós precisamos acabar com a causa desse crime. Hetero
não morre por ser hetero, mas homossexual/bissexual/transexual morre por ser exatamente
quem eles são. Isso não pode ser ignorado.
E o colégio nos diz “ame o próximo”, mas que na prática é “ame o próximo, a não
ser que o próximo seja diferente de você”!
Todo crime deve ter uma consequência, isso é óbvio. Mas isso não significa que todo
crime deve ser avaliado de forma igualitária, pelo simples fato de que as condições das
vítimas são diferentes. Pode não ser tão visível para vocês professores, e até mesmo para
alguns alunos (os quais não necessariamente promovem algum tipo de exclusão, mas que se
encaixam no “padrão de aluno da escola confessional”), mas que infelizmente a realidade da
nossa escola é bem diferente da forma que a descrevem... (Grifos meus)

(Confissões de uma “boa cristã” em modos de resistências!)

Belém, 05 de outubro de 2017

O mesmo colégio que diz que devemos ter respeito com o próximo, é o colégio que
trata alguém de forma diferente pela religião ou uso de joias, por exemplo. Enfim... sobre
joias:
Respeito e empatia. Esses dois pontos são a base de tudo. Ou deveriam ser.
É nosso dever, como aluno e como cidadão, respeitar a escola e suas crenças. É
nossa obrigação respeitar e se colocar no lugar do outro. Não só no ambiente escolar, mas a
partir do momento que vivemos em sociedade , devemos respeitar o próximo.
Não me sinto respeitada nessa escola confessional. Não só eu, vejo que muitas
outras pessoas se sentem da mesma forma, seja por qual for o motivo.
Não cabe a mim julgar ninguém e muito menos uma religião, mas penso que cada
um deve adotar sua religião para si. Há séculos os portugueses vieram “converter” os
indígenas do nosso país ao catolicismo...Hoje nós vimos onde isso foi parar.
Entendo que a escola é confessional, mas não acredito que seja correto que
nós(alunos) não tenhamos o direito de nos expressar como somos e adotar a religião que
seguimos. Sabe, é cansativo.
É cansativo e até frustrante não poder usar um cordão com algo que simboliza
determinada religião (como uma cruz, por exemplo). Não sou católica, mas já presenciei
cenas em que alunos católicos foram proibidos de usar um cordão com uma cruz. Não faço
parte da umbanda, mas já vi uma aluna não poder usar determinada joia que representava
sua religião (que não é cristã, mas merece o mesmo respeito).
87

Sou cristã e acredito que Deus nos ama independente de tudo. Acredito que Deus
não vai me amar menos ou mais porque eu uso brinco.
Pode parecer besteira, mas me senti extremamente bem quando furei o meu nariz.
Eu queria isso há muito tempo, e quando furei eu senti que finalmente eu estava sendo quem
eu sou. Imagine, você tem cabelos loiros, imagine que você tem que usar uma touca todos os
dias, repito, todos os dias. E isso tudo porque o seu cabelo é loiro. Isso tudo porque o
ambiente que você frequenta não acha que é certo ter cabelos loiros. Sabe, se eles não acham
certo eles não precisam usar. Mas proibir outras pessoas de ser quem elas são? Será que
isso garante um lugar no céu?
Eu imagino que você se sentiria, no mínimo, desconfortável nessa situação. Porque é
o seu estilo, é o que você gosta, é quem você é. Eu me sinto exatamente assim em ter que
usar um esparadrapo no rosto todos os dias. Me sinto em uma ditadura, entende? Onde não
posso me expressar, não posso ser quem eu sou. E isso porque eu uso uma joia.
É desconfortável. Meu professor de religião perguntou se eu havia machucado o
nariz e eu disse que havia furado. Ele começou a dizer coisas como “Você é tão bonita sem
isso”, “Por que não tira? Isso é tão feio!”, “Você viu minha palestra sobre o uso de
piercings e essas joias?” Eu entendo que ele não acha bonito e não gosta, e ele tem total
direito de se expressar a respeito. Mas ele diz isso com o objetivo de me fazer parar de usar,
e isso não vai acontecer. Eu gosto, eu me sinto bem e eu realmente não me importo com o
que ele pensa a respeito. É algo que ele pode levar pra vida dele, mas não para a minha. A
escola não deveria impor regras que reprimem a identidade de seus alunos. Isso é péssimo.
“Nós apenas queremos o bem de vocês”, eles dizem. Acontece que por trás de um
sorriso nem sempre há felicidade. Por trás de regras como aquelas nem sempre há um
“aluno direito”. Por trás de uma joia nem sempre há um delinquente. E por trás de uma
escola cristã nem sempre há respeito. Empatia. Amor. Não quero dizer especificamente o
colégio cristão, mas especialmente o colégio cristão, sabe... não é só sobre os colégios
cristãos...isso acontece em vários colégios...sempre falam que tem que ter respeito, empatia e
tal, mas muitas vezes esses colégios não se importam realmente com o que está acontecendo
com os alunos...ou se tipo assim tá tudo bem entre eles... em uma aula a professora disse
nunca ter visto nenhuma atitude de bullying na escola! Eu segurei o riso, porque o que mais
tem são atitudes de bullying nessa escola, não só lá, mas em todas as escolas...é muito difícil
não ter atitudes assim em locais onde tem muitos jovens. Mas acho que por ser cristão, por
seguir coisas que estão escritas na Bíblia que eles acabam excluindo algumas pessoas,
alguns grupos...
Sou cristã, inclusive, mas o que quero dizer é que a escola tem a fama de ter muito
respeito, que lá é ótimo em relação ao respeito...só que isso nem sempre é verdade! Coisas
sérias aconteciam lá, mas eles escondem, não divulgam...mas o que eu critico em relação aos
colégios cristãos e que eles pregam muito o amor, mas na prática isso fica muito em falta!
Pode parecer que eu odeio a escola confessional, mas não odeio não, ok? Só tenho algumas
críticas mesmo, mas fazer o que, né? Tem que guardar pra gente... (grifos meus)
88

Essas cartas dizem sobre como nós alunos! Saímos frustrados dessa discussão sobre
Homofobia! Mas o que poderíamos esperar de uma escola, cujas crenças estão vinculadas à
instituição eclesiástica que defende a visão heteronormativa acerca da relação sexual!? Diante
da ditadura da imposição sobre o padrão de sexualidade a ser seguido pelo “bom cristão”, a
missão é nos enquadrar nesse modelo de família e de relacionamentos, mas, diante da
exclusão, nossa insistência é a resistência! Nossas resistências consistem em abraçar as
diferenças e respeitar quem tem a opinião contrária à ideia do “bom discente cristão”!
Na escola - lugar em que passamos boa parte de nossas vidas - a vida pulsa em um
ritmo tão frenético que, por vezes, perdemos o controle sobre nossos desejos, nossa
sexualidade! Ela transborda pelos corredores, na sala de aula, nos banheiros... Em todo o lugar
é lugar para extravasar nossas resistências! As fileiras em que tentam nos enquadrar, o
mapeamento que nos é imposto, todas essas tentativas de nos moldar e disciplinar, concorrem
para possibilitar que a vida encontre linhas de fuga e potências nos permitam (re)criar outras
formas de viver nossa sexualidade em um lugar onde somos desafiados a subverter as normas
regulatórias e sair fora de tudo que queira nos formatar! Até a “Foda” saiu fora do
mapeamento! Recusou-se a ser enquadrada! (hahahaha) Ela já é um discurso de transgressão
quando se trata da linguagem que é permitida ao “bom cristão”!
89

E, por falar em transgressão, dona prova indignada41 foi obrigada a esconder o gesto
obsceno, o cotoco! Tiraram o cotoco da prova, mas desenharam em tamanho ampliado aí na
carteira!(kkkkkk)

Tantos outros comportamentos denunciavam nossas formas de resistências! Nossos


poros transpiravam volúpia! Era (im)possível impedir que as sensações, os desejos e a
carnalidade não se manifestassem em qualquer ambiente da escola!? Por isso, temos muitas
histórias para contar sobre nossas condutas ditas fora do “padrão” do modelo de “bom
cristão”! Vejam mais umas dessas histórias a seguir!

Era a semana que antecedia o aniversário do Clube de Desbravadores42 e os alunos


cristãos estavam de uniforme escolar com o lenço amarelo que identifica o clube sobre o
pescoço. A professora entrou na sala e uma aluna com o caderno na mão mostrava o desenho
para as colegas em tom de gracejo. Foi então que a professora perguntou o que havia de tão
interessante naquele caderno. Ao que a aluna prontamente lhe mostrou:

41
Ver episódio no capítulo sobre a prova indignada com suas imagens interditadas.

42 O Clube de Desbravadores é um departamento da Igreja a que a escola confessional é vinculada, que trabalha
com a educação cultural, social e religiosa das crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 15 anos.
90

- Professora, olha o que o Mário desenhou no meu caderno!? Que horror! Que feio para um
desbravador fazendo isso! Acho que esse pênis tão pequenininho fez na medida do pênis dele!
hahahahahaha...

Quando olhei para o Mário, vi que ele tirava e dobrava o lenço de desbravador, cabisbaixo e
envergonhado de não agir de acordo com o que se espera de um “bom cristão” discente.
Sentou-se na sua carteira e baixou a cabeça em modo de decepção consigo mesmo. Olhem o
desenho que causou toda essa tensão! (hahahahaha)

-Mário, venha comigo até a coordenação, disse a docência hipócrita! Você sabe que a
escola não permite esse tipo de comportamento. Você assinou no início do ano um documento
em que não é aceito tal atitude em nosso ambiente escolar - o Manual do Educando - e de
acordo com o item número 28, que diz: “Usar de seriedade nos seus questionamentos e
relacionamentos com colegas e demais pessoas da Unidade Escolar, abstendo-se de contato
físico ou insinuação, exceto os de cumprimento respeitoso e formal”, seu comportamento é
inadequado.

A professora, olhando para o rabisco do órgão genital, colocou a mão na boca,


querendo esconder o riso. Afinal, não é todo dia que se vê um desbravador - que via de regra
teria a “obrigação moral” de se comportar como exemplo de “bom cristão” disciplinado -
“desbravando” seu próprio corpo em desenhos, cuja exposição “depravada” no caderno da
colega, causou indignação, vergonha, além de chacotas e piadas que remetiam a um tipo de
bullying, ao dizerem que ele desenhara seu próprio pênis.

Ao retornar da coordenação, a professora conversou e disse que Mário assinou


advertência pelo comportamento obsceno que se exteriorizou na forma de um desenho do
91

órgão genital masculino no caderno da colega, que nervosa ficou, pois não conseguia parar de
rir ao olhar a imagem que tanto impacto causou! (hahahahaha)

Mário viveu a experiência de dar lugar a resistências43! Resistências que,


silenciosamente, se apresentam no cenário da sala de aula. Resistências que são oposição à
obediência44! Se sou “ovelha negra”, no rebanho do meu pastor, ele deixará as noventa e nove
esperando e irá atrás da rebelde que se desgarrou!? Não creio que farei falta no aprisco onde
estão as ovelhas obedientes, porque até no céu houve rebelião e qual foi a recompensa do
“anjo mau”? De tanto incitar a rebelião, seu destino foi a expulsão!45 Mas, por que se descarta
quem é contrário à opinião? A diversidade e respeito têm lugar onde a obediência cede espaço
a resistências!?

Um dia, na aula de Ensino Religioso no 8º ano, a professora - toda tecida na linha da


decência e do pudor - tocou o terror para nos intimidar a respeito do “pecado” da
masturbação e fez uma citação de um livro escrito há dois séculos atrás que deixou a turma
toda em estado de agitação sobre o trecho a seguir:

Sinto-me alarmada com aquelas crianças que pelo vício solitário estão se
arruinando...ouvi numerosas queixas de dor de cabeça, catarro, tontura,
nervosismo, dor nos ombros e do lado, perda de apetite, dor nas costas e
membros...e não percebestes ter havido uma deficiência na saúde mental de vossos
filhos? A indulgência secreta[masturbação] é, em muitos casos, a única causa real
das numerosas queixas da juventude. A condição do mundo é alarmante. Por toda
parte que olhemos vemos imbecilidade, nanismo, membros aleijados, cabeças mal
formadas e deformidade de toda descrição. . . Hábitos corrompidos estão dissipando
sua energia, e trazendo-lhes enfermidades repugnantes e complicadas. . . As
crianças que praticam a autoindulgência [masturbação]... devem pagar a
penalidade. [...] Prosseguindo a prática desde os 15 anos ou mais, a natureza
protestará... e far-los-á pagar elevado preço...por numerosas dores no organismo, e
várias doenças, tais como: indisposição de fígado e pulmões, nevralgias,
reumatismo, problemas da espinha, doenças renais e tumores cancerosos... com
frequência ocorre súbita avaria da constituição, e a morte vem como
resultado.[...] "As mulheres possuem menos força vital do que o sexo oposto…
O resultado do auto-abuso nelas é visto em várias doenças, tais como catarro,
tontura, dor de cabeça, perda de memória e visão, grande fraqueza nas costas e
cadeiras, dores na espinha e, com freqüência, queda da cabeça para trás… A
mente é amiúde inteiramente arruinada e uma condição doentia prevalece… Estas
são práticas tão suicidas quanto apontar uma pistola para o próprio peito… Entre

43 Resistências no plural e que “não podem existir a não ser no campo estratégico das relações de poder”
(FOUCAULT, 2007a).

44 Foucault (2010, p. 249) afirma que “não há relações de poder sem resistências; que estas são tão mais
reais e eficazes quanto mais se formem ali mesmo onde se exercem as relações de poder”.

45 Sobre a expulsão do anjo mau do céu ver passagens bíblicas nos livros de Ezequiel 28:12-18 e Isaías
14: 12-14 (ARA).
92

os jovens o capital vital e o cérebro são tão severamente sobrecarregados em tenra


idade que há deficiência e grande esgotamento, o que deixa o organismo exposto a
doenças de vários tipos. Mas a mais comum dessas é a tuberculose" (WHITE, 1864,
p.11,13,14, 17, grifos meus).46

No mesmo instante, liguei atônito para meu pai que é médico e perguntei: “Pai, pelo
amor de Deus, masturbação faz mal!?” Ao que meu pai prontamente respondeu: “Não faz.
Não há nenhuma comprovação científica de que temos conhecimento confirmando algum mal
à saúde trazido pela masturbação”. Ufa! Senti certo alívio, porque precisava ter um respaldo
da ciência e meu pai era o discurso científico que me acalmara naquele instante de terror na
sala de aula. Do jeito que a professora enfatizou que a escritora norte-americana afirmava que
a criança deveria ser punida com castigo físico - ficar amarrada, ser surrada - se fosse flagrada
se masturbando, pois essa era a causa de imbecilidades, nanismo, membros aleijados, cabeças
mal formadas e deformidade de toda descrição, consequência de hábitos corrompidos que
dissiparam suas energias, causando-lhes enfermidades repugnantes e complicadas, como a
tuberculose! As crianças que praticavam autoindulgência (masturbação) eram passíveis de
punição. E para fechar com “chave de ouro”, a professora disse que a masturbação feminina é
a mesma coisa que apontar uma pistola para a cabeça! Concluí, depois dessa sessão terrorista,
que a masturbação leva à morte! Misericórdia!

A professora de Ensino Religioso ainda usou o texto bíblico que fala sobre o
Onanismo47 relacionando-o à masturbação, enfatizando o viés bíblico como sinônimo de
pecado e transgressão das leis, culminando com a morte do transgressor, no caso, Onã.

46 Com intenção de advertir os cristãos da época, Ellen G. White publicou em 1864 conselhos relacionados à
masturbação num folheto sob o título An Appeal to Mothers: The Great Cause of the Physical, Mental, and
Moral Ruin of Children of Our Time , cuja tradução é: “Um Apelo às Mães: A Grande Causa da Ruína Física,
Mental e Moral de Nossa Época”.
Esse folheto hoje não está mais disponível por estar em desacordo com o pensamento científico sobre a
masturbação em nossos dias.

47 Onanismo é sinônimo de masturbação. No livro de Gênesis 38:9(ARA) trata sobre o Onanismo, referente a
Onã, cujo irmão morrera e, pelas leis da época, ele deveria coabitar com a viúva de seu irmão para que
nascessem descendentes. Entretanto, Onã não obedeceu a ordem e ao ter relações sexuais com a mulher de seu
irmão, lançava o sêmen na terra, porque não queria deixar descendentes de seu irmão. Morreu em decorrência da
desobediência. Por isso, a professora de religião disse que o Onanismo é associado à masturbação, por ser uma
prática egoísta e solitária, que é considerado “desperdício moral”, pois prejudica a reprodução. A autora Mary
del Priore em seu livro “Histórias íntimas” ( 2011, p.98-99) trata sobre o onanismo, destacando em sua versão
histórica que na segunda metade do século XIX - justamente o período da citação da escritora Ellen White(1864)
- havia toda uma preocupação médica em relação à masturbação, que antes era considerado pecado e agora era
tratada como patologia. O onanista é uma das figuras apresentadas por Foucault como representação do anormal
na sociedade disciplinar (2007 a, p. 49 e 115).
93

Depois daquela aula, sentimos a necessidade de ouvir outras versões dessa história que não
nos convenceu! Quando vimos a professora de ciências no corredor, abordamo-la sobre esse
tema, perguntamos o que ela pensava, qual era a visão da ciência sobre a masturbação. Já
tinha a visão do meu pai que era médico, mas me importava saber sobre a visão da professora
que era nossa/outra “porta voz da Ciência”. Ela nos tranquilizou e nos mostrou que,
cientificamente, não havia respaldo para tantas patologias em decorrência da masturbação. Ela
desmistificou as lendas em torno da masturbação! Tive a impressão que a professora de
ciências não concordara com a visão catastrófica da professora de religião acerca da
masturbação! Preferi ficar com o discurso científico em detrimento do discurso religioso, pois
a ciência não tinha evidências sobre tais malefícios ao organismo oriundos da prática da
masturbação e isso amenizara o incômodo (gerado em mim e em meus colegas de classe) do
discurso - em tom apocalíptico - acerca da masturbação! (Ufa!).

Mas a dúvida nos inquietava! O que fazer em relação à masturbação!? Então, mesmo
não acreditando na versão religiosa que associa a masturbação ao pecado e às suas terríveis
consequências, discutimos eu e meus colegas de turma, inclusive as meninas, que as palavras
da professora de religião ressoavam em nossas mentes em um tom de abominação! E quando
perguntamos a ela o que fazer!? A resposta foi que precisamos exercitar - diariamente - a
mortificação da carne, que é a renúncia das coisas do mundo! Isso só nos deixou mais tristes e
amedrontados! Mas, será mesmo que tocar nosso corpo é pecado!?

E o “bom cristão discente” segue em modos de resistências, inventando sua própria


moral, colocando o desejo como condutor de sua vontade, exercitando a transgressão
solitária, experimentando seu corpo, sua sexualidade, seu prazer!
94

IX- ENTRE PÁGINAS E ORIENTAÇÕES, TABUS E PRESCRIÇÕES: a sexualidade


do “bom cristão”!

“[...]As torpezas luxuriosas, contrárias aos costumes humanos, devem-se repelir”.


Santo Agostinho48

Até hoje não consigo me conformar,


lendo e relendo minhas inúmeras páginas,
tentando entender o porquê de tanta rejeição por
parte do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD)49. Fico pesquisando em outros livros e
vejo o quanto sou bom demais, pois além dos
conteúdos de ciências, concedo à ciência um
espaço de difusão, bem como a história e ainda
proporciono formação completa, pois meu diferencial é que sou um livro que faz a
contextualização do ensino de ciências à perspectiva cristã! Isso não vejo em livros de
coleções de outras editoras que, ao contrário do que faço, não abordam uma visão cristã e não
compreendem a ciência à luz da palavra de Deus. Sou um livro fantástico! (hehehehehe)

Minha proposta pedagógica está de acordo com a visão cristã que perpassa todo o
ideário da escola confessional. Sou escrito por professores da instituição e usado como fonte
de consulta de conteúdos ministrados por eles. Quando vejo representantes de outras editoras,
trazendo seus livros para divulgação, fico tão feliz com a coordenação pedagógica que afirma
que sou tão bom, tão completo, que não entram outros livros didáticos na escola confessional
que possam concorrer comigo! Sou imbatível! (hahahahaha). Concordo que faço algumas
restrições em relação à sexualidade do “bom cristão”, mas deixo conselhos preciosos - e os
pais até concordam comigo - para que os jovens tenham cuidado com seu corpo. Duvido que

48 Citação extraída do livro “Confissões” de Santo Agostinho (2015, p.75).

49 O PNLD é o Programa Nacional do Livro Didático, programa proposto pelo Ministério da Educação. Tais
livros não são incluídos no Guia de Livros Didáticos (PNLD-Programa Nacional do Livro Didático) em que são
estabelecidos critérios para a inclusão de coleções de livros das editoras nacionais que, posteriormente, são
selecionados pelos professores das escolas públicas do Brasil e distribuídos pelo Ministério da Educação e
Cultura (MEC).
95

outros livros deem tanta ênfase à sexualidade como faço, especialmente no capítulo destinado
à reprodução. Dá uma olhada aí na forma como trato a sexualidade50:

Os adolescentes se acham maduros e experientes, mas ao mesmo tempo, ninguém


parece confiar em suas decisões. Em situações assim, o ideal é se aconselhar com
pessoas mais experientes e centradas. É preciso muito cuidado, pois, alguns
“revoltados” podem ter conselhos distorcidos e sugerir drogas, sexo irresponsável,
pornografia ou outros meios destrutivos na tentativa de fugir do problema. A
questão não é fugir, mas buscar auxílio para uma solução racional. (LEAL, 2012, p.
211-212, grifo meu)

Aparentemente, a única função do clitóris é proporcionar prazer à mulher ao ter


relações sexuais com o esposo. Quando a mulher se excita, o clitóris se enche de
sangue, possibilitando o orgasmo. (p. 216. grifo meu)

Virgindade é muito mais que a preservação do hímen. É uma atitude, um princípio,


uma decisão pessoal e inviolável de que o homem ou mulher se guardarão para se
entregar unicamente àquele ou àquela que escolheram para se casar. (p. 216.
grifos meus)

Os impulsos sexuais são uma parte normal de cada pessoa. Não é preciso nenhuma
força especial para ceder a esses desejos, mas é preciso coragem e força de
vontade para mantê-los sob controle. (p. 220, grifos meus)

A partir da puberdade, a masturbação passa a ser associada a fantasias sexuais


imaginárias ou fantasias acompanhadas por material erótico. Alguns especialistas
defendem a prática da masturbação por não existirem provas conclusivas sobre
algum prejuízo físico, enquanto outros apontam problemas de ordem emocional e
psicológica. (p.221, grifos meus)

Sobre o propósito da sexualidade humana, ainda destaco três aspectos que são:

 Complemento - O homem e a mulher foram criados


com o propósito de se completarem, e isso inclui a
sexualidade de ambos. Os corpos de homens e mulheres
foram feitos de forma anatômica, para que juntos possam
encontrar satisfação física, segurança emocional e identidade
psicológica numa relação a dois. A masturbação excluí o
benefício do complemento de dar e receber satisfação. Na
masturbação, não existe a preocupação com o outro. (p. 221,
grifos meus.)

50
Tais excertos sobre sexualidade são extraídos do livro de ciências do 8º ano.
96

 Reprodução - Outro propósito para o sexo é a


reprodução. E não pode haver reprodução com apenas um
indivíduo. É somente através de um relacionamento a dois –
homem e mulher – que se torna possível cumprir esse
propósito. A masturbação impossibilita a realização conjunta
de produzir descendentes. (p.222)

 Companheirismo – A masturbação não favorece o


relacionamento maduro e responsável, pois o indivíduo se
contenta com seu prazer solitário. (p.222)

E ainda destaco os possíveis problemas da masturbação: (p.222. Grifo meu)

Dificuldade de relacionamento:
 Sexual – O indivíduo que aprendeu a se preocupar unicamente com seu
próprio prazer, quando se envolver em um relacionamento sexual terá dificuldade
em conter suas reações em favor das necessidades do(a) companheiro(a). Esse é um
fator de grande insatisfação em muitos relacionamentos conjugais.
 Emocional – Alguns usam a masturbação como meio de aliviar as tensões e
angústias ou para compensar frustrações e insatisfações que não sabem como
resolver. É uma máscara que esconde seus reais problemas e impede a pessoa de
procurar outros meios para resolvê-los.
 Social – Pode ser um meio, para compensar a timidez e a dificuldade de se
aproximar do sexo oposto. Dessa forma, o indivíduo isola-se na prática da
masturbação em vez de sair, namorar e se arriscar num relacionamento sadio.

Masculinidade é sinônimo de autocontrole. Um jovem de bons princípios é capaz de


controlar sua força física e seus impulsos. [...] Controle também é necessário em
outras áreas: controle do apetite, controle emocional, controle nas atividades
acadêmicas e também controle dos estímulos sexuais.

Uma pessoa começa a ter autocontrole, primeiramente, disciplinando suas ideias e


pensamentos. É normal os rapazes sonharem com as meninas e vice-versa. Mas se
a pessoa começar a se isolar e fugir das atividades de grupo, essas ideias podem
ocupar grande parte de seu tempo e se tornar nocivas. [...] É importante evitar
quadros, leituras e filmes que estimulem e provoquem excitação. Eles podem
estimular a pessoa a pensar e fazer coisas que não faria em outra situação. Uma vez
que uma pessoa tenha tido acesso a esses materiais, é quase impossível ter
condições de se controlar. Devemos encher nossa mente com coisas boas,
verdadeiras, dignas, corretas e decentes. (p.222-223. Grifo meu)
97

E ainda dou dicas sobre a primeira vez! (p. 223, grifos meus)

O verdadeiro prazer sexual é o resultado de um relacionamento a dois, tão íntimo,


tão amigo, tão carinhoso e responsável que não haveria outra maneira mais
sublime e desprendida de expressá-lo, a não ser na entrega pessoal de ambos.

Esperar o momento certo para se entregar um ao outro envolve maturidade,


responsabilidade e compromisso – um compromisso de fidelidade e continuidade.
Por isso, o momento certo é após o casamento.

Não é preciso se preocupar com o desempenho na primeira vez. Isso deve ocorrer
naturalmente, sem necessidade de “treino” anterior. Aliás, quanto mais
inexperientes ambos forem, mais interessante será a descoberta. Tudo ocorrerá sem
culpa ou temor de ser descobertos ou de uma gravidez indesejada.

Preocupe-se em desenvolver um relacionamento responsável e em se preservar,


aguardando o momento e a pessoa que merecerá receber seu carinho e intimidade
não apenas por algumas horas, ou dias, mas em um duradouro casamento.

No item sobre reprodução e saúde, na parte que trata sobre doenças sexualmente
transmissíveis: (p. 228, grifo meu)

Pode-se pegar AIDS já na primeira relação sexual. A melhor prevenção continua


sendo um relacionamento sexual monogâmico, dentro do casamento.

Ahhh... Como sou tudo de bom! Às vezes fico pensando que é melhor não ter me
misturado aos livros de outras editoras! Há uma dissimetria entre mim e os demais livros
didáticos! O pastor-capelão sempre diz que o “bom cristão” não se mistura com as coisas do
mundo! Como um livro didático escrito por cristãos, tenho que ser diferente e não me importo
de ter sido execrado do PNLD. Não mesmo! Porque para que eu entrasse na seleção dos livros
nacionais, a condição seria elidir os discursos salpicados de moralidade que criei sobre a
sexualidade e que trouxe para mostrar como são os conselhos cristãos que registrei em minhas
páginas aos alunos da instituição. Dou ênfase à heterossexualidade e faço isso utilizando não
somente o texto escrito, mas o texto imagético também serve de instrumento para ratificar
meus discursos sobre o casamento monogâmico e heterossexual51. Por isso, faço uso

51 Esses enunciados são modelos do comportamento sexual decente, tal como diz Foucault (2006, p. 97, grifos
meus: “A monogamia, a fidelidade e a procriação figuram entre as principais, e talvez as únicas justificativas do
ato sexual – um ato que, mesmo nessas condições, permanece intrinsecamente impuro”. Os discursos sejam
textuais ou imagéticos reportam para esse tipo de sexualidade, cujo destino é a reprodução ou perpetuação da
espécie.
98

exacerbado de imagens de casais desde os mais jovens até os mais idosos, afinal isso reforça o
conservadorismo que percorre minhas linhas acerca da sexualidade.
Isso nenhum outro livro tem coragem de publicar! Mas, confesso que tenho que lidar
com esse ponto nevrálgico, ou seja, a sexualidade conservadora e moralizada que defendo é
meu diferencial, enquanto os demais livros didáticos gostam de apimentar a relação, tratando
da relação sexual como algo que possa ocorrer fora do casamento ou no namoro, sem a
pretensão de seguir as ordenanças bíblicas, cujas recomendações apontam para as relações
sexuais, exclusivamente, no casamento. Faço isso com maestria e ainda mostro,
insidiosamente, em meus discursos sobre a virgindade e as doenças sexualmente
transmissíveis, que a melhor prevenção ao “bom cristão” é evitar ter relação sexual!
Masturbação!? Está fora de cogitação! Sexo é destinado à reprodução! O que pode fazer,
então, o “bom cristão”!? Já disse e insisto: “É melhor prevenir do que remediar!” Por isso, é
melhor se controlar e não deixar extravasar para não engravidar e nenhuma DST pegar! Limar
a sexualidade a tal ponto que ela não tenha domínio sobre o corpo e os sentidos do “bom
cristão”! Virgindade e castidade, requisitos que não podem faltar a quem quer se purificar e
evitar a promiscuidade!
Até no livro do 6º ano, cuja tônica é o estudo do planeta Terra - ar, água e solo do
planeta -, ou seja, nada a ver com sexualidade, fiquei pensando como poderia inserir uma
pergunta no conteúdo sobre “Ar e saúde”, tratando sobre o beijo e a transmissão de doenças.
Queria um pretexto para começar a falar de sexualidade aos alunos ainda crianças, por volta
dos 10 anos de idade. Daí emergiu a ideia de criar uma atmosfera imersa em sexualidade.
Olhem como ficou interessante a pergunta - e já sugiro a resposta no livro do professor - no
contexto das doenças transmitidas pelo ar:
99

Os alunos do 6º ano indagavam sobre essa questão! (hehehehe) Até porque nessa
idade (cerca de 10-11 anos) eles ainda não namoram ou “ficam”, mas é bom já irem se
adaptando com esses termos e também com assuntos relacionados à sexualidade. Essa
pergunta é uma espécie de processo de iniciação à sexualidade do “bom cristão”. Faço
questão de criar certa atmosfera de moralização que é para eles já pensarem mil vezes antes
de ficarem beijando várias pessoas ao mesmo tempo. Tadinhos(hahahaha), percebi o quanto
ficaram aterrorizados com essa ideia de transmissão de doenças a partir do beijo! Até a
professora não gostou disso, mas foi “obrigada” a falar, porque os meninos e meninas
estavam ávidos por entender o que era a tal “moda do ficar”! A professora pormenorizou essa
questão e disse que nem sempre se contrai doenças simplesmente por beijar outra pessoa.
Direcionou a discussão para o aspecto da imunização do organismo. Essa professora é
estranha! Ao invés de corroborar com o que digo, entra sempre em contestação, quando se
trata da moralização do “bom cristão”! Nem parece uma “boa docente cristã”!
Por todas essas questões (Só por isso!) fui excluído da seleção dos livros didáticos!
Mas prefiro minha posição de excluído do que abrir mão dos conselhos que estão em mim
inscritos! Esses conselhos são bons, porque não são dados, são vendidos! São discursos que
inventam o “bom cristão” em conformidade com a sexualidade difundida na religião! Meus
conselhos têm na Bíblia sua inspiração! Ela é a bússola que direciona a produção da coleção
dos livros da instituição! Livros que são um primor de exaltação, fidelidade aos princípios
cristãos e à boa conduta sexual do “bom cristão”! Num mundo em que os livros estão
disputando destaque e emancipação, cá estou eu, realizando meu papel e à disposição das
escolas que decidirem me contratar, mas não vou mudar para caber no espaço medíocre de
livros que fazem apologia e incitação à sexualidade precoce, regada à luxúria, volúpia (que
horror!) Despeitado, eu!? Lógico que não! O que não consigo entender é que diante de tantas
qualidades e do meu diferencial, por que não fui selecionado como livro didático de ciências
pelo PNLD para o ensino fundamental em outra escola confessional e não confessional?
100

X - ENTRE INTERDIÇÃO E INDIGNAÇÃO: imagens interditadas de uma prova


indignada!

“O que há pouco era permitido, já não o é agora. Certas coisas que


antes eram lícitas e até prescritas, agora são justamente proibidas e
castigadas”. Santo Agostinho52

Há quem diga que tenho certa autonomia para selecionar as questões que irão avaliar
os conteúdos ministrados em sala pelo professor! Autonomia!? Liberdade!? Na escola
confessional, nunca soube o significado dessas expressões! Cheguei a acreditar que era livre
para a elaboração das questões acerca dos aspectos importantes que devem entrar na
composição do processo de avaliação! (CARVALHO, 2011). Agora entendo que ser livre
implica em sofrer o exercício do poder! (FOUCAULT, 1995). Não escapo aos olhares atentos
da revisão feita pela coordenação que - via de regra - sugere a interdição de imagens que
suscitem outra conotação!

Certa vez, vivenciei uma situação inusitada! Era a avaliação do 8º ano, envolvendo
conteúdos sobre sexualidade, hormônios e reprodução. Para ilustrar a questão, utilizei uma
charge que trata sobre a penetração de um espermatozoide no óvulo - processo de fecundação.
Ao ser questionada pela coordenadora pedagógica sobre o gesto “obsceno”(cotoco) 53 feito
pelo espermatozoide - o que nem eu havia observado -, argumentei para que tal charge não
fosse retirada da avaliação, pois era justamente esse gesto que dava sentido à charge, visto que
havia uma multidão de espermatozoides ao redor do óvulo, reivindicando a entrada na
célula(óvulo), enquanto que o espermatozoide “espertalhão”, que conseguiu tal façanha, faz o
gesto justamente para indicar que ali ninguém mais entra! Isso serve para mostrar que a
fecundação consiste na penetração de um espermatozoide por óvulo. Depois de tanta
insistência, consegui! (ufa), mas com a condição de colocar uma tarja - de censura - em cima

52 Citação do livro “Confissões” de Santo Agostinho (2015, p.73).

53 Sobre esse gesto dito obsceno, uma reportagem na revista superinteressante de abril de 2011 com o título
“Por que levantar o dedo do meio é considerado ofensa?”, explica que devido a uma tradição cultural que data
da pré-história, um grupo de antropólogos defende que o gesto tem sua origem entre os primatas que, como
forma de intimidação dos seus inimigos, mostravam o pênis ereto. O gesto de levantar o dedo do meio é uma
variação dessa estratégia agressiva desse grupo de primatas. Para saber mais: https://super.abril.com.br/mundo-
estranho/por-que-levantar-o-dedo-do-meio-e-considerado-ofensa/ acesso em 11/11/2018.
101

do gesto do espermatozoide com o “dedo”! Anos mais tarde, a mesma imagem foi usada por
uma instituição de ensino superior do Estado do Pará em seu vestibular. Aí me questionei: o
que adiantou retirar a imagem, se muitos de nossos alunos viram-na - na íntegra - na prova do
vestibular!? Santa hipocrisia! Eis a imagem antes e depois da censura:

ANTES DEPOIS

Essa situação me fez analisar o quanto a escola pode ou não restringir a visão de
mundo do aluno. Colocá-lo numa “redoma de vidro” para impedir seu contato com as coisas
ditas mundanas. Quanto poder ela carrega no sentido de mostrar apenas um lado da moeda!?
Quanta vida pulsa dentro da escola? A vida que é tão valorizada e ao mesmo tempo
desrespeitada e depreciada, porque apenas o normal, permitido, não proibido, pode se
manifestar. A vida que invade a escola e dentro dela não pode ser vivida em sua vitalidade e
multiplicidade! É sobre essa vida que quero tratar, não somente a vida “empalhada” e
“fossilizada” dos livros de Ciências e Biologia, mas a vida humana limitada e cerceada pelas
relações de poder, que produzem, fabricam, docilizam, criam e inventam formas de ser
docente e discente no interior de instituições que ditam regras e normas regulatórias, mas que
têm como produtividade formas de resistências contra o que está estabelecido e deve ser
seguido. É na resistência que se cria, é ela que inventa outras formas de viver e ser docente e
discente em meio às imposições das instituições confessionais, no que tange à sexualidade.

Em outra prova também do 8º ano, coloquei uma imagem do sistema reprodutor


feminino e masculino. Imagine! A coordenadora, ao avaliar-me, sugeriu que fosse retirada a
imagem alusiva ao sistema reprodutor feminino. Mas, “por quê”!? Indaguei, ao que ela
respondeu que os pais poderiam ficar impressionados com a imagem tão agressiva do ponto
de vista visual. Isso me pareceu até cômico! Não me segurei e perguntei: Mas se fosse a
102

imagem de uma mulher de pernas fechadas seria impossível observar as estruturas indicadas!
(hahahahahaha). Talvez de pernas fechadas fosse menos agressivo - visualmente falando - não
é mesmo, senhora coordenadora!? (aff) A imagem do sistema reprodutor masculino foi
liberada - sem interdições – mas acho que foi menos agressiva, porque o pênis na imagem não
está em ereção (hahahahaha). Após esses episódios, tive vontade de me rasgar em pedacinhos
de tanta raiva!

Como já havia passado pelas situações anteriores de interdição, fui obrigada a “limar”
uma imagem que havia colocado mais por questão de identificação dos tipos possíveis de
relação sexual. No caso da imagem a seguir, seria o sexo oral! (hahahaha) Isso nem passou
pelo olhar de vigilância e interdição por parte da coordenação! (Aff) Tenho certeza de que, se
a coordenadora entendesse o discurso imagético/ biológico, o resultado final da minha
avaliação seria novamente a interdição!
103

São tantas situações que já passei nessa escola confessional que, às vezes, me
surpreendo lembrando de episódios cômicos! (hahahahahaha). Como o que ocorreu em uma
avaliação do 6º ano, cuja questão versava sobre o “Princípio de Arquimedes”, ao tratar sobre
conteúdos acerca da densidade da água e a flutuação dos corpos, empuxo e outros. Pesquisei
diversas imagens para ilustrar o texto da questão. Só encontrava imagens de desenhos de
Arquimedes saindo pelado da banheira! Nudez total! Nem pensar uma imagem dessas! A
coordenadora teria uma síncope! Aff!

Depois de tanto pesquisar imagens, encontrei uma figura com uma pequena tarja preta
que cobria o órgão genital de Arquimedes. Perfeito! Agora posso inserir essa figura junto ao
texto! Finalizei a avaliação e entreguei à coordenação, convicta de que estava tudo
enquadrado dentro da moral e bons costumes! Imagem cheia de recato e pudor, como é a
exigência da coordenação! Entretanto, recebi uma notificação extrajudicial! (ohhhhhh!) Na
notificação que recebi constava a observação de que, apesar da imagem estar com uma tarja
que cobria o órgão genital de Arquimedes, deveria levar em consideração que as nádegas dele
estavam em evidência! (era só o que faltava!) Se quisesse permanecer com a figura, a
condição seria a colocação de uma tarja maior para ocultar totalmente as partes íntimas do
personagem (aff!)

*História em Quadrinhos da Descoberta do Princípio de Arquimedes.

ANTES DEPOIS

Eureka! Eureka! Descobri que tanta ocultação gera curiosidade e incitação! Coloquei
a tarja maior, porém os alunos olhavam a imagem e riam, porque sabiam o que estava
ocultado pela grande tarja preta! Assim mesmo, preferi resistir e deixar a imagem que escolhi!
Se não posso ser livre para selecionar o que quero avaliar, ao menos faço as concessões e
aceito - mesmo que com profunda indignação - as orientações da coordenação!
104

XI – ENTRE AVERSÃO E INVERSÃO: a (des)invenção do slogan do “bom cristão”!

“Tenho escutado tantas versões que já não acredito em mais nada”.


Mia Couto54

No dicionário, sou um termo proveniente do inglês, que significa “grito de guerra”,


isto é, uma palavra ou frase curta de fácil memorização, que é usada para fins publicitários em
propagandas comerciais, políticas, religiosas, dentre outros. Na escola confessional - a cada
ano – emerjo com uma nova roupagem! Minhas frases de efeito são a reverberação dos
discursos filosóficos da escola confessional. Entretanto - nos últimos anos - ando em estado
de aversão às frases que me identificam e comecei a caminhar pela trilha da transgressão!
Tudo começou quando contemplei minha imagem no espelho: invertida! Inversão, é isso!
Então, vamos à (des)invenção do slogan do “bom cristão”!?
A invenção do “bom cristão” segue uma cadência de uma trama tecida na linha da
pudicícia em que a austeridade é o fio condutor, matizado pelos discursos que circulam,
ganham força e proliferam a partir de slogans e da música-tema da escola confessional que,
juntamente com o arsenal de controle dos passos e do caminho a seguir são algumas das
ferramentas que, insidiosamente, corroboram na invenção do “bom cristão”, quer seja
docente, quer seja discente, como podemos depreender a partir da letra da música cantada
pelos docentes e discentes, nas programações promovidas pela instituição, tal como descrita a
seguir:

O mundo está tão diferente de pouco


Tempo atrás
Valores caindo por terra
Novas formas de pensar
Parece não ter mais limites
A crise moral é crescente
Procuramos no deserto um oásis
Protetor
Mas existe um lugar que podemos
Confiar

54 Citação extraída do livro “Venenos de Deus, remédios do Diabo” de Mia Couto (2008, p. 173).
105

Que vai muito além do ensino


Vai além da educação

Escola confessional
Um oásis neste mundo
Educando com respeito
Ensinando com amor
Princípios são mantidos
Valores preservados
Demonstrando para o mundo
Que vai muito além do ensino
Salvação de vida
Esta é nossa missão

Primeiro, o mundo não está diferente! É o mesmo de séculos atrás. As formas de


pensar estão obsoletas e retrógradas. Estão nos impondo limites! É o retorno às cavernas da
moralização! Mas, as leis, as normas regulatórias são feitas para serem transgredidas! E a
liberdade implica em transgressão das leis! (FOUCAULT, 2014) Ansiamos por um paraíso
em que a liberdade seja nossa bússola! A liberdade que é tão preciosa a quem a perdeu! Não
há respeito e amor, se não aceitamos quem pensa diferente de nós! Princípios e valores!? Por
que cada um não pode criar os seus!? Por que precisamos seguir os princípios e valores que
nos ensinaram!?

Por que tanta insistência em viver fora ou à margem do contexto de um mundo que
caminha rumo à diversidade? Se tudo muda, o tempo passa, por que retroceder? Os ditos
“moderninhos” são uma ameaça à cristalização dos bons costumes. O mundanismo é como
erva daninha, precisa ser dissipada, arrancada pela raiz. Os valores eternos e imutáveis devem
reger a vida do “bom cristão”.

Ano/2018
106

Ano/ 2017

“Os tempos mudam, mas


permanecemos nos séculos
passados!”

Como uma onda55


Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia

Tudo passa

Tudo sempre passará

A vida vem em ondas

Como um mar

Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente

Viu há um segundo

Tudo muda o tempo todo

No mundo

Não adianta fugir

Nem mentir

55 Essa música é do cantor Lulu Santos, cuja composição é de Lulu Santos e Nelson Motta, lançada em 1983
pela gravadora WEA no álbum “O Ritmo do Momento”.
107

Pra si mesmo agora

Há tanta vida lá fora

Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar

“Tudo muda o tempo todo no mundo”, já dizia o poeta! E que valores permanecem?
Os que têm relação com a sexualidade: sexo após o casamento, apologia à virgindade,
monogamia, heterossexualidade, nada de sodomia, luxúria e promiscuidade! É a moral que
direciona nossas atitudes!? Então, o que é um ser humano sem os princípios da lei e da moral?
Não quero respostas! Prefiro as perguntas, elas instigam, produzem, fabricam, inventam e nos
fazem lembrar que “Há tanta vida lá fora”! (hahahahahaha).

Ano/2016

Em tempos de combate à “doutrinação”, os discursos que aqui circulam têm a face


moralista da sociedade atual. Pais ávidos pela moralização na educação de seus filhos!
Querem que a escola confessional imponha limites aos seus filhos! Interessante é que as
famílias estão transferindo essa função à escola. Pais que tiram os filhos de escolas não
confessionais e os matriculam numa escola confessional, chegam logo apontando para mim -
mesmo de forma lacônica, sou o que eles querem ouvir - dizendo: “É esse diferencial que eu
almejo na educação do meu filho!” Por isso, no cerne da discussão em torno de “Por que
escolhi a escola confessional?” está a preocupação com a formação do “bom cristão”!
108

Ano/2015

Muito além de conteúdos das disciplinas, o que se deseja é a fabricação de sujeitos


ditos “bons cristãos”. A escola confessional, ao se preocupar com a educação integral, exerce
o que Weber (2004) nomeia de regulamentação religiosa da vida, de tal modo que a religião
torna-se a bússola da conduta dos sujeitos, pois são discursos insidiosos que penetram nos
corpos, possibilitando a regulação do modo de viver, de vestir, de agir, de falar, enfim, toda a
vida e o comportamento são alvos do controle e do poder, ou seja, um controle eclesiástico da
vida nos mínimos detalhes! As peças que são usadas na linha de montagem do “bom cristão”
mostram a dissimetria entre cada uma delas! O “bom cristão” docente ou discente recusa o
encaixe de peças de forma simétrica, fato que possibilita a emergência e criação de formas de
resistências, de trilhas de fuga contra as normas regulatórias da escola confessional.

A escola confessional ao empreender esforços para a formação integral do educando,


com ênfase para o desenvolvimento das capacidades morais, espirituais e princípios ético-
cristãos, cujas regras e normas que balizam tais princípios - tanto para professores quanto
para alunos – têm como alvo a salvação das almas, a partir de um processo de renúncia de si,
que se dá na fronteira56 entre os prazeres carnais e as práticas espirituais.

56 Fronteira pode ser aqui entendida como (...) lugar de relação, região de encontro, cruzamento e confronto. Ela
separa e, ao mesmo tempo, põe em contato culturas e grupos. Zona de policiamento é também zona de
transgressão e subversão. O ilícito circula ao longo da fronteira. Ali os enfrentamentos costumam ser constante,
não apenas e tão somente através da luta ou do conflito cruento, mas também sob a forma da crítica, do
contraste, da paródia (LOURO, 2004, p. 19-20). Os desejos carnais e as práticas espirituais estão em zonas de
109

Ano/2014

Até o controle do futuro do “bom cristão” está em nossas mãos! (hahahaha) Porque
sua vida é governada, inclusive seus desejos íntimos, seu namoro, seu casamento, sua
profissão, enfim, a conduta é dirigida e a vida é regulada sob múltiplas dimensões!

conflitos, de confrontos e de transgressão, que se configura na ruptura das regras e submissão às paixões da
carne.
110

XII- ENTRE TRAMAS E TRAMOIAS: confissões de um currículo maquiavélico!

“Chego ao fim. Todo fim é um início. Mas não este final. Este é o
desfecho de tudo, o desbabar dos últimos céus”. Mia Couto57

É evidente que sou controlador e excêntrico! (hahahahaha) Como faço parte de uma
escola confessional, meu objetivo é formar “bons cristãos”! Para tanto, articulei tudo,
minuciosamente! Desde o número de aulas de ensino religioso (03 a 04 aulas semanais) 58, as
câmeras nas salas, o jaleco para uso obrigatório do docente, as capelas semanais, as
meditações lidas todos os dias e, em 2019, ainda inventei o ano bíblico para coroar esse
momento de intensa imersão na Bíblia! Os banheiros em corredores opostos para que meninos
e meninas não corram o risco de se encontrar nesse espaço, a aplicação dos questionários, a
fim de mensurar o nível de espiritualidade dos docentes que estão atuando na escola
confessional, classe bíblica com os alunos não protestantes, os livros de ciências recheados de
tabus e prescrições sobre sexualidade, a análise das provas pela coordenação com o intuito de
evitar imagens com gestos obscenos e o slogan!? O que dizer de um slogan que sintetiza tudo
o que tenho como objetivos!? Sem contar com as semanas de oração! Uma em cada
semestre!!! São muitos mecanismos que investi para a consecução dos meus objetivos!
Construí uma “cerca elétrica” em torno da escola confessional! Me (re)inventei de todas as
múltiplas formas possíveis para garantir que minha missão fosse alcançada, isto é, a salvação
das almas! Mas, nem tudo saiu como arquitetado por mim! Onde foi que eu errei!? (GRRR!)

Selecionei, privilegiei e destaquei59 o que interessava à escola confessional para


alcançar sua missão, isto é, o desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais, sociais,
morais e espirituais dos educandos, cuja finalidade é preparar para a eternidade! Investi em
técnicas e mecanismos que pudessem santificar o corpo do “bom cristão”, possibilitando o
acesso a meditações com conteúdos que promovessem a mortificação dos desejos carnais e
santificação do corpo com vistas à salvação da alma! Trabalhei arduamente para que essa

57
Citação extraída do livro “A Confissão da Leoa” de Mia Couto (2012, p.241).

58 O número de aulas de ensino religioso é igual ao número de aulas das disciplinas acadêmicas do currículo,
como Ciências e Biologia, História, Geografia e outras. É quase o número de aulas das disciplinas ditas
obrigatórias, como Português e Matemática.

59 Todas essas estratégias são operações de poder, pois o currículo é uma questão de poder! (SILVA, 2007).
111

escola não se transformasse num antro de perdição! Mas estou furioso (GRRR!), porque tudo
o que fiz com objetivos meticulosamente traçados, arquitetados, planejados e introduzidos na
rotina da escola, escapou! Mas como!?

Não bastaram as três/quatro aulas semanais60 de Ensino Religioso, em que o professor


trabalhava os livros paradidáticos sobre as histórias bíblicas, colocando os alunos em contato
direto com ensinamentos sagrados sobre o sexo após o casamento, virgindade, santificação
do corpo, dentre outros temas. Nada disso foi suficiente para evitar atitudes de rebelião. O
ano bíblico também foi pensado para somar com a meditação e todos os demais processos de
subjetivação dos corpos de discentes e docentes! Aos docentes cabia participar dos cultos
todas as manhãs – antes do início das aulas de cada dia -, a fim de serem fortalecidos
espiritualmente para lidarem com os discentes em seus dilemas próprios da fase da
adolescência! Aos docentes, foi proposto também um jejum coletivo! Isso mesmo! Jejum
coletivo em um dia da semana a fim de santificar o corpo para salvar outras almas, os
discentes! Mortificação do corpo docente: esse era o objetivo do jejum convocado pelo pastor
capelão, cujo trabalho é árduo na santificação do corpo do “bom cristão”! Por isso, como as
tentações na fase da adolescência são inúmeras, propus a instalação de câmeras como
mecanismos de vigilância para capturar o dia a dia da escola! Transformei o colégio em um
verdadeiro “Big Brother”61!!! Olhos mecânicos foram espalhados por todos os cantos, salas de
aulas, corredores, quadras de esporte, dentre outros.

Mas, não esqueci o “corpo docente”! O jaleco foi outra maravilhosa e engenhosa
invenção da minha mente maquiavélica! (hahahahaha). Vamos concordar que é necessário
ocultar o corpo e as curvas dos “corpos docentes” que desfilam pelos corredores da escola.
Nos últimos anos, observei atentamente que a docência andava meio sensualizada com suas
roupas curtas, coladas ao corpo e decotadas. Além disso, vez por outra era vista maquiada e
adornada! Mas isso nunca fora permitido na escola confessional. Daí dei um jeitinho de
acabar com esse “Festival de Luxúria”! Encapei o “corpo docente”! Transformei-o em algo
pouco atrativo com a simplicidade pregada para o corpo cristão! (sim senhor!) Unhas
pintadas!? Maquiagem!? Isso não pertence ao docente cristão! Se quiser permanecer ao

60 O número de aulas de ensino religioso é equivalente ao das disciplinas obrigatórias do currículo, tais como
Língua Portuguesa e Matemática.

61 O termo “Big Brother” faz alusão a um programa televisivo (Reality Show) em que os competidores são
confinados em uma casa cenográfica, sendo vigiados por câmeras 24 horas por dia, sem nenhum contato com o
mundo externo. Em todos os lugares da casa estão espalhadas câmeras, inclusive no banheiro.
112

quadro docente, tem que se enquadrar nas regras propostas nessa instituição! Tem que
exercer a docência com decência! (ora essa!). Mas essa docência é esquisita! Não inspira
confiança! Em modos de resistências, começou a agir com hipocrisia diante das imposições
das regras e invenção de um corpo recatado, mortificado, santificado! O questionário foi um
artifício que criei a fim de perscrutar a vida docente, mas não esperava que ele fosse
respondido com tanta hipocrisia! (que absurdo!) Como pode uma docência da qual se espera
viver com (in)decência ser a protagonista na arte da demonização das normas regulatórias
que visam à santificação do corpo do “bom cristão”!? Quando vejo a docência hipócrita, fico
aterrorizado a me questionar: como meus planos não se concretizaram!? (GRRR!)

Outra ideia magnífica que consegui inserir - de forma majestosa - foi o tempo
destinado especificamente às capelas dentro do horário escolar. Essa estratégia tinha tudo
para dar certo! Investi massivamente em palestras cujo foco era a sexualidade do “bom
cristão”! Namoro, Ideologia de Gênero, heterormatividade, virgindade, castidade,
casamento! Tudo tem seu tempo! Mas até a capela que era casta se indignou com tanta
imoralidade que registrou!? Se metamorfoseou em um tempo destinado à mortificação do
corpo do “bom discente cristão”! Em tempos de moralização da conduta, assertivamente
inventei os momentos de capela, mas nunca imaginei que ao invés de reprimir tudo aquilo
fosse capaz incitar a sexualidade, transformando aquele espaço numa potência de perdição
para a conduta do “bom cristão”! A capela foi arquitetada para ser uma “aula de
doutrinação” - tanto de discentes como de docentes - entretanto, se metamorfoseou em um
espaço de estimulação da sexualidade do “bom cristão”, pois a própria capela - de tanto ouvir
falar de sexualidade - não se identifica mais com os valores que se espera no comportamento
do “bom cristão”! Não sabe se é capel@, capele ou capelx! Entrei em pânico ao diagnosticar
que até meus aliados na missão da salvação, optaram pelo caminho da perdição! Onde foi
que eu errei!? (Valha-me Deus!)

As meditações são outros instrumentos de propagação dos valores, condutas e


normalização do corpo do “bom cristão”! Lidas todos os dias são mecanismos proficientes em
adestrar a mente e o comportamento, tanto de quem ouve (discentes) como de quem lê
(docentes)! Para coroar com êxito esse momento, ainda introduzi no ano em curso um livreto
contendo ano bíblico com trechos que são lidos todos os dias, trazendo uma aplicação diária
do versículo bíblico para a vida do “bom cristão”! É “injeção de Bíblia na veia” todo dia
(kkkkkk) como um poderoso antídoto contra o veneno do pecado da imoralidade e
depravação que assolam nossa sociedade. As meditações são tão insidiosas que até receitas
113

de comida foram metamorfoseadas em manuais de boa conduta da sexualidade do “bom


cristão”!? Tudo era (pre)texto para direcionar o “bom cristão” no caminho da salvação!

Quem diria que o banheiro feminino se transformaria num verdadeiro confessionário!?


Tanta sexualidade extravasando pelos poros femininos! Banheiros feminino e masculino
projetados em corredores opostos, mesmo assim o recato e o pudor não foram a regra e sim a
exceção!? Como, diante de tanto controle e vigilância, houve tantas confissões em modos de
resistências às normas regulatórias da escola confessional!? Até um casal de alunos fora
flagrado aos beijos no banheiro feminino!? Quase chamei o extintor de incêndio “convertido”
para apagar o “fogo” desses adolescentes, ávidos de tesão, loucos para experimentar a
libertinagem, pois anseiam viver sem lei ou fora da lei! Há rejeição ao enquadramento nas
normas regulatórias da escola confessional. Aqui se lê e se sente o quanto a liberdade é objeto
de desejo e ambição! A vida escapa pelas portas e espelhos! Como num passe de mágica,
todo o esforço em burilar e santificar o corpo do “bom cristão” sai pelos ralos da perdição!
Onde foi que eu errei! (GRRR!)

O que dizer de uma docência disfarçadamente infiltrada na escola, mas que responde
ao questionário aplicado com hipocrisia e sarcasmo!? Um questionário que tem a vontade de
verdade e o desejo de saber sobre a sexualidade do “bom docente cristão”, sobre suas horas a
meditar e santificar o seu corpo da imoralidade e devassidão. Esse questionário é o
termômetro que inventei para verificar o nível espiritual da docência, a fim de garantir que o
docente esteja preparado espiritualmente para cuidar de suas ovelhas, os discentes. Além
disso, a docência anda tão hipócrita que não tem medo de burlar as regras sobre o uso de
adereços e maquiagem, de esquecer o uso obrigatório do “jaleco”, mostrando suas curvas,
bundas, seios e tudo mais! Nunca imaginei que a docência, minha maior aliada na salvação
dos discentes fosse me decepcionar tanto a ponto de se tornar uma ovelha negra no rebanho!
Uma docência que transpira (in)decência! Uma docência que só quer saber de viver sua
sexualidade livre das amarras do poder! Não entendo como não atentei para a docência
hipócrita que inventei e mais uma vez me pergunto: onde foi que eu errei!? (GRRR!)

Com a discência também não teve aulas de Ensino Religioso, capela, semana de
oração e nem meditação ou ano bíblico que desse jeito! Até o som da campa da escola é
diferente! Ele marca a troca de horários e o intervalo. Para isso é selecionada uma música
tocada na igreja e quando vejo e ouço os discentes saírem cantando nos corredores da escola,
chego à conclusão que estamos alcançando nossa missão. Entretanto, parece que todo
114

investimento feito foi em vão sobre o corpo discente na tentativa de transformá-lo em um


“bom cristão”! Muitas ovelhas resistiram, desgarraram e fugiram do pasto (escola) por não
aceitar as normas regulatórias da instituição. Discentes que estão com sexo na cabeça!
Querendo viver sua sexualidade com liberdade! Os pais os colocam nessa escola confessional,
porque aceitam os limites que criei a fim de doutriná-los no caminho da salvação! Eles
apreciam minhas estratégias, entretanto seus “filhinhos rebeldes” as contestam o tempo todo,
por exemplo, questionando a quantidade de aulas de ensino religioso em que o professor
emite sua opinião (usando a Bíblia e livros cristãos) acerca da masturbação, virgindade,
determinando o momento certo para ter relações sexuais, dentre outros. Com isso, o discente
manifesta comportamento inadequado durante as capelas, não presta atenção à leitura da
meditação, usa a rampa de acesso (entrada e saída) da escola para os encontros amorosos
dentre outros comportamentos que não se espera de um “bom cristão”! E por falar na rampa
da perdição, há uma curva e os alunos descobriram a ausência de câmeras nesse ponto
(preciso corrigir essa falha no sistema!). E nessa “curva” muitos se perderam nas “curvas”
de seus corpos!!! Vejo que as resistências estão a todo vapor e fico a me indagar: Se todas as
estratégias são para livrá-los da perdição, como não deram certo meus incessantes
investimentos sobre o corpo discente a fim de torná-lo um “bom cristão”, apto à salvação!?
Onde foi que eu errei!? (GRRR!)

Os livros estão presentes em qualquer escola, mas nossos livros não trazem os
conteúdos aleatoriamente. Eles foram sistematicamente elaborados para conter as informações
necessárias à doutrinação do “bom cristão”. Em se tratando dos livros de ciências, nossa
marca registrada em relação aos valores e normas de conduta e ao cuidado com o corpo não
poderiam ser colocados em segundo plano! Não! Nossos livros têm o DNA62 da nossa
instituição! Carregam em suas linhas todo o desejo que temos em ensinar, doutrinar, adestrar
e conduzir nossos alunos no caminho da salvação. Esses livros são referência em nossa
instituição, pois trazem o modelo e padrão de como deve ser o comportamento em relação à
sexualidade – nosso ponto chave - sempre apontando as consequências de atitudes que estão
em dissonância com o que se espera de um “bom cristão”! É evidente a discriminação com
um livro que traz em seu bojo muito além de conteúdos: traz a moralização do corpo do “bom

62 O DNA significa Ácido Desoxirribonucleico, molécula orgânica que contém a informação genética de cada
ser vivo. Utilizo essa expressão própria das ciências biológicas para ratificar que o livro de ciências produzido
pela instituição eclesiástica da qual a escola faz parte, carrega os dogmas da religião, tanto em relação à
sexualidade quanto em relação às teorias sobre a origem da vida, dando ênfase às crenças professadas pela igreja
em detrimento do saber científico.
115

cristão”! Até onde o conteúdo não tem a ver com a sexualidade, dei um jeitinho de inserir à
força ideias acerca do cuidado com o corpo, indo às vias da patologização para provar as
consequências até de um simples beijo! Um terror aos adolescentes com a sexualidade em
processo de ebulição!!! (hahahahaha)

A interdição de qualquer material em dissonância com as regras da escola confessional


- igreja - também foi uma tomada de decisão que gerou indignação em docentes quanto às
imagens das provas e demais materiais distribuídos aos alunos. Foi exaustivo analisar cada
prova para interditar imagens, músicas ou expressões, cujo conteúdo incitasse a sexualidade
ou até mesmo pensamentos obscenos nas mentes férteis da garotada da escola! A filtragem
das informações contidas em imagens e demais formas de expressão que não condiziam com
os ditames da instituição foi a estratégia utilizada para evitar a todo custo que nossa filosofia
fosse manchada com a ideia de sexualização precoce de nossas crianças! Aqui não admitimos
a erotização infantil, por isso tudo é minuciosamente revisado antes de chegar às mãos de
nossos adolescentes em processo de formação! Mas, os alunos estão tão à flor da pele que
basta falar em “cabeça do fosfolipídio”63 ou em “excitação do neurônio” para que eles
comecem a se olhar e rir, remetendo tais ideias à sexualidade! Imagine uma imagem que
contenha expressões ou relação direta com pornografias ou imoralidades!? Nossa intenção é
evitar a todo custo a veiculação de imagens ou expressões que causem embaraço e desvirtuem
a concentração dos nossos discentes! Por isso todo cuidado é pouco diante do que uma
imagem pode suscitar no discente que queremos salvar!

Dentre tantas invenções que criei a fim de evitar que o “bom cristão” desviasse para o
caminho da perdição, o slogan foi o mecanismo de maior persuasão! Frases curtas que eram
colocadas em todos os materiais veiculados na instituição, desde os materiais da matrícula até
os comunicados enviados aos pais, no cabeçalho de provas e em todos os avisos que
circulavam pela escola. A abrangência desses slogans era tão grande que ficava gravado na
memória de docentes e discentes! Uma espécie de lavagem cerebral! (hahahaha) Apostamos
na repetição como forma de inculcação acerca do slogan do “bom cristão”! Ainda assim o
slogan - que sintetiza todas as táticas arquitetadas astuciosamente - passou por intenso

63 Fosfolipídio é uma molécula orgânica do grupo dos lipídios, cuja estrutura é formada por uma “cabeça” polar
constituída pelo elemento químico fósforo e uma “cauda” apolar que representa a porção lipídica. A expressão
“cabeça” sempre é motivo de risadas entre os alunos (especialmente os meninos), porque remete à cabeça do
pênis, que é conhecida como glande.
116

processo de metamorfose e reinvenção, emergindo com ideias heréticas que não coadunam
com nosso projeto de salvação da alma do “bom cristão”! Onde foi que eu errei!? (GRRR!)

Todas as táticas e tecnologias de controle que foram inventadas para que a escola
confessional alcançasse seu objetivo maior que é a salvação das almas passam pelo corpo e a
sexualidade! Tudo o que fiz tinha como alvo o corpo, porque é sobre ele que estão os
estigmas dos acontecimentos, é dele que nascem os desejos, os erros e os conflitos64
(Foucault, 2008 a). A sexualidade65, por sua vez, abre caminhos de possibilidades de invenção
e criação de novas formas de viver! Percebi isso nos artefatos que foram criados para colocar
em ação meu plano de salvação! Cada um - a sua maneira - entrou em modos de resistências e
burlou as normativas disciplinares impostas por mim em todo o cenário da escola! Sobre o
corpo e a sexualidade, lembrei do trecho de uma música66 que resume o porquê desse
investimento em todas as nuances que o corpo mostrou em cada artefato inventado! Onde foi
que eu errei!? (GRRR!)

Seu corpo é fruto proibido


É a chave de todo pecado e da libido
E prum garoto introvertido como eu
É a pura perdição

A mortificação da carne é condição sine qua non para fugir do caminho da perdição e
alcançar a salvação. A mortificação da carne como obediência interiorizada é a terceira

64 Ver o livro Microfísica do Poder (FOUCAULT, 2008a, p. 22).

65 “Os prazeres físicos, ou os prazeres da carne, são sempre a bebida, a comida e o sexo”. (FOUCAULT, 2004,
p. 264, grifos meus). Daí a sexualidade ser o foco dessa pesquisa, pois ela é um dos prazeres físicos, mas não
podemos limitar o prazer físico ao prazer sexual, porque o corpo é “uma fonte possível de uma multiplicidade de
prazeres” (idem). Entretanto, nessa pesquisa consideramos o corpo e a sexualidade como táticas de controle do
poder e também como possibilidades de resistências, haja vista a análise de todo o arcabouço empírico que
compõem essa tese. Para Foucault (2006, p.70-71, grifos meus), “o cristianismo encontrou um meio para
instaurar um tipo de poder que controlava os indivíduos através de sua sexualidade, concebida como alguma
coisa da qual era preciso desconfiar, alguma coisa que sempre introduzia no indivíduo possibilidades de
tentação e queda”. A sexualidade é a raiz de todos os pecados do corpo. Ela é o espinho na carne do cristão: ou
conduz à perdição ou se mortificada, conduz à salvação!

66 Essa música tem como título “Olhar 43” e foi gravada pela banda de rock brasileira RPM, no álbum
Revolução Por Minuto, em maio de 1985. Composição de Paulo Ricardo e Luiz Schiavon © Warner/Chappell
Music, Inc, Universal Music Publishing Group.
117

consequência do poder pastoral (LEME, 2012). É necessário morrer, morrer para os prazeres
deste mundo, morrer para as tentações, morrer para a luxúria, enfim, matar o “eu”. A
realização de um desejo, significa a “libertação” da carne e, nesse caso, o espírito seria
enfraquecido e a carne fortalecida. Os apetites carnais, sexuais, estes não podem ser saciados,
pois ferem as regras estabelecidas pelo domínio próprio. O domínio próprio seria, então, o
moderador da vontade própria. A concessão aos instintos seria a vitória da carne sobre o
espírito. A prudência e o domínio próprio seriam o caminho para a elevação do espírito a um
patamar que atingisse o nível de alcançar a salvação, razão/fim da missão do poder pastoral.
Por isso, todas as estratégias que inventei tinham como objetivo a mortificação da
carne/corpo e a fortificação do espírito a fim de possibilitar um estado de submissão e
obediência às regras propostas na escola confessional. As semanas de oração, os jejuns, as
capelas, as leituras das meditações são mecanismos que apostei para garantir o
enfraquecimento da carne e suas paixões. Mas o resultado não foi como o esperado! Ao invés
de ensaiarem modos de obediência em relação às normas regulatórias estabelecidas para se
viver nessa escola confessional, o que vi foram atitudes de rebelião em modos de
resistências67!

Mesmo criando uma espécie de “cerca elétrica” em torno da escola confessional,


houve a emergência de múltiplos currículos que em disputa concorriam pela subjetivação de
diferentes sujeitos. Falhei quando não valorizei os múltiplos currículos que estão a disputar o
espaço da subjetivação e fabricação dos sujeitos! São os currículos das redes sociais, da
televisão, são os currículos de cada família aí representada, são os currículos dos grupos de
amigos, cuja tendência é seguir um modelo. O currículo do “bom cristão” é mais um dentre
tantos currículos no cardápio da vida!

67 Em Michel Foucault (1970 , p. 268), esse autor afirma que “se não há resistência, não há relação de poder.
Porque tudo seria simplesmente uma questão de obediência”.
118

DEPOIS DO BATER DA CAMPA...

...E a vida continua na dinâmica da Escola Confessional! Toca a música que marca o
fim das aulas! É hora de ir embora e os alunos saem das salas, invadem os corredores
cantando a música da igreja-escola ou da escola-igreja!?

Onde me mandares ir eu sigo


Tudo o que o Senhor disser repito
Já não vivo eu, sou inteiramente Teu

Se não for o Teu querer eu nego


Cada plano em Tuas mãos entrego
Já não vivo eu, sou inteiramente Teu

E nada vai me afastar, estou seguro em tuas mãos Jesus

E eu sou teu
Não sou de mais ninguém
O Teu amor me alcançou
E devolveu o meu valor
Eu volto a dizer sou Teu
E pra sempre assim serei

Onde me mandares ir eu sigo


Tudo o que o Senhor disser repito
Já não vivo eu, sou inteiramente Teu

Se não for o Teu querer eu nego


Cada plano em Tuas mãos entrego
Já não vivo eu, sou inteiramente Teu

E nada vai me afastar, estou seguro em tuas mãos Jesus

Não sou de mais ninguém


O Teu amor me alcançou
E devolveu o meu valor
Eu volto a dizer sou Teu
E pra sempre assim serei

Onde me mandares ir
Tudo o que o Senhor disser
Já não vivo eu, sou inteiramente Teu

O que é a vida senão uma eterna (re)criação!? O que seria da vida se tudo seguisse um
só caminho!? Se tudo fosse regido pela obediência!? O que seria da vida se tudo tivesse um
destino traçado e saísse tal qual o planejado!? A vida é potência criadora, inventiva! A
119

liberdade é criação/invenção de novas/outras formas de escapar, resistir às sujeições! A


transgressão é a possibilidade de se aventurar por outros/novos caminhos, onde haja profusão
de possibilidades de ousarmos ser de outras maneiras.

A conspiração diabólica partiu da mente de um “bom cristão”! Esse complô que a


escola esquizofrênica suspeitou é a própria resistência à subjetivação do sujeito que é instado
a ocupar a posição de “bom cristão”! A docência foi uma das mentes criadoras que capturou
todo esse plano de fuga das regras e normas disciplinares e com ela outros também escaparam
e se reinventaram. Mesmo criando uma espécie de “cerca elétrica” em torno da escola
confessional, ela foi e continuará sendo atravessada por múltiplos currículos que em disputa
concorrem pela subjetivação de diferentes sujeitos.

A sexualidade é criação/invenção! É potência! Entre as ditas salvação e perdição


cabem muitos caminhos! Os personagens que habitam a Escola Confessional ousaram ficar no
“entre”, no meio, porque acreditavam ser mais produtivo! Resistiram, criaram, inventaram e
viveram a sexualidade, cuja invenção/criação rompe a inércia e a paralisia de permanecer na
posição de “bom cristão”!

O convite é não nos determos nem em um lugar e nem no outro! No entre é onde há a
insurgência e emergência de múltiplas possibilidades! É no entre que a vida pulsa e a
invenção/criação invadem a imaginação! O entre é a rampa onde os corpos trocam carícias, o
entre é o zoom da câmera que captura até a alma, o entre é a roupa que não se pode abrir, mas
se pode rasgar, o entre é a porta do banheiro que se metamorfoseia em confessionário, o entre
é a resposta hipócrita de uma docência que nega a decência, o entre é a discência que não se
curva diante das regras, mas exala o odor das resistências, o entre está nos discursos
recheados de moralização de um livro que insiste em andar na contramão de um mundo que
caminha para a diversidade. O entre está na interdição das imagens de uma prova que assim
mesmo insiste em continuar acreditando que dias melhores virão! O entre é o slogan que cria
aversão a si mesmo e experimenta viver em modos de inversão. Isso é criativo! O entre está
onde tudo escapa, é a transgressão velada de um corpo e uma sexualidade que não querem
formatação, mas querem ser livres para escolher ficar entre o caminho da salvação ou
perdição! Foi o “entre” que escapou de todas as tramas e tramoias inventadas pelo currículo!
Sua mira esteve apontada para o caminho da salvação, mas não esperava ser surpreendido
com os vãos do “entre”! Parecia tudo (im)perfeito, sem falhas e que tudo fosse sair de acordo
com o planejado! O currículo controlador tentou forjar a identidade do “bom cristão” e nesse
120

processo perdeu-se a si próprio! Tornou-se um currículo sem identidade! Tanta confusão que
passou por períodos de intensa (des)identificação. As crises o fizeram entender que quanto
maior a intensificação do controle do corpo e da sexualidade, tanto mais rotas de fuga são
criadas. Esse é o equívoco de quem supõe deter o poder, acreditar que ele é fixo e que suas
estratégias são tão eficazes ao ponto de gerar sempre obediência. Ledo engano, as
resistências68 estão no entre e são os efeitos mais produtivos nas relações de poder, cuja
visibilidade se dá em modos de subversão e transgressão.

68 Foucault (2008 a, p. 241, grifos meus) afirma que “para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder.
tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele”. As estratégias do currículo da escola confessional são um
primor de criação para a salvação do “bom cristão”, mas as invenções de cada personagem ao esboçar
resistências em direção ao caminho da perdição ou ficar nos “entres” são mecanismos tão produtivos quanto as
relações de poder!
121

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