Jogo Do Bullying
Jogo Do Bullying
Jogo Do Bullying
275-288 (2009)
Natália Cardoso
Escola Superior de Educação de Coimbra do Instituto Politécnico de Coimbra
Gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra
[email protected]
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Resumo
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Abstract
Our concern about the phenomenon of school violence, particularly bullying, has
increased in the last few years and the work that we developed in this context is especially
frequent in order to ensure a dynamic intervention.
Bearing in mind the known bibliography on the subject and also our experience in
carrying out awareness raising campaigns in schools, we believe that the prevention of
bullying in schools, through the training of skills, may reduce the prevalence of risk
behaviors in adulthood, particularly in interpersonal and intimacy relationships.
This article will identify some of APAV’s experiences in leading awareness and
prevention sessions of bullying in schools, with a specific focus on prevention through
dramatic play.
Keywords: APAV; Bullying; Prevention; Dramatic play; Forum theatre; Social skills;
Schools.
Introdução
A violência esteve e está sempre presente no dia-a-dia dos seres humanos; mas,
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talvez, nunca, como nos dias de hoje, tenhamos sido capazes de estar tão conscientes da
violência no quotidiano e das suas consequências, de perceber como esta é sublimada e
potenciada, através da sua permanência nos meios de comunicação social e de
entretenimento (Internet, cinema, TV, jogos, etc).
Num sistema complexo de acções e reacções em que vivemos, onde tudo se inter-
relaciona, compete-nos reflectir sobre o nosso papel de cidadãos, sobre como poderemos
agir de forma diferente e criativa, perante um cenário que nos parece empurrar para
responder à violência, com (ainda) mais violência. A prevenção da violência, atacando a
sua raiz desde cedo, promovendo uma cultura de paz e não-violência, parece-nos ser
uma acção tão importante como necessária.
O bullying é, hoje em dia, um tipo de violência muito comum nas escolas. Pode ser
definido como “o abuso de poder directo e vitimação (persistente e prolongada no tempo)
de um aluno ou de um grupo de alunos sobre outro aluno, mais vulnerável (mais novo,
mais fraco, menos auto-confiante) e que assume o papel de vítima.” (Amado, 2005,
p.310). Distingue-se da agressão reactiva, praticada em resposta a uma provocação
social (Dodge & Coie, 1987, citado em Formosinho & Simões, 2001).
As primeiras pesquisas sobre o fenómeno do bullying surgiram nos anos 70, nos
países escandinavos, salientando-se as pesquisas de Olweus, que, para além da análise
do comportamento, fornecem instrumentos para o seu diagnóstico (Formosinho & Simões,
2001).
Segundo João Amado (2005), que classifica os actos de violência contra os pares
em jogo rude, comportamento associal e pequena violência, bullying e, por fim, o acto
delinquente, as consequências mais gravosas dos actos de violência dos alunos contra os
pares começam a manifestar-se a partir do nível do bullying.
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Podem ser identificadas várias consequências do bullying nas crianças vítimas, quer
ao nível da saúde, com sintomas físicos (dores de cabeça, garganta, barriga) e
psicossomáticos (irritabilidade, nervosismo, cansaço, falta de apetite, insónias) quer ao
nível do bem-estar psicológico, através de sentimentos de solidão, tristeza, infelicidade,
baixo auto-conceito, elevados níveis de depressão, ansiedade e maior risco de suicídio.
Verifica-se que as crianças e jovens vítimas de bullying são, por norma, mais
isoladas socialmente, passam muito tempo sozinhas na escola, têm baixos níveis de
popularidade e dificuldade em fazer amigos e, consequentemente, podem desenvolver
elevados níveis de evitamento à escola e sentimentos de insegurança (Seixas, 2005;
Pereira, 2002; Ramirez, 2001).
Num estudo levado a cabo por Beatriz Pereira et al (2004), relativamente ao bullying
nas escolas portuguesas, verificou-se um nível elevado de registos de vítimas, com cerca
de 20% das crianças referindo que tinham sido vítimas, pelo menos 3 vezes, no ano em
que decorreu o estudo, no mesmo sentido, cerca de 16% das crianças admitiu ter
agredido outros, pelo menos 3 vezes, durante o mesmo ano.
Apesar dos factores de risco não serem uma inevitabilidade (Smith & Sharp, citado
em Almeida, 1995), a falta de competências sociais e de assertividade das crianças
vítimas pode ser superada através do treino de competências assertivas, capacitando-as
para lidar melhor com as situações de agressão, directa ou indirecta. (Smith, 1991, citado
em Almeida, 1995).
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É neste sentido que o jogo dramático e o teatro nos aparecem como uma importante
ferramenta educativa a explorar, nomeadamente quando se pretende não só
consciencializar para um determinado padrão de comportamentos, mas também
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promover a alteração desse padrão, através do treino que o jogo propicia e potencia.
Também, neste sentido, Ingrid Koudela (1984) resume que “aprender por meio da
experiência significa o estabelecimento de um relacionamento entre o antes e o depois,
entre aquilo que fizemos com as coisas e aquilo que sofremos como consequência. Fazer
torna-se experimentar” (p. 31).
Augusto Boal (Rio de Janeiro 1931 – 2009), seguidor de Paulo Freire, que propunha
uma pedagogia elaborada pelos oprimidos e não para os oprimidos, cria, na década de
1960, o Teatro do Oprimido, uma prática teatral revolucionária, que, como modelo e
prática cénico-pedagógica, se destina à mobilização do público e comporta características
de militância política. Deste modo, chega às formas de “Teatro Invisível” e “Teatro Fórum”,
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onde uma cena curta que contém uma situação de opressão é apresentada para, de
seguida, o actor que desempenha o papel de “oprimido” ser substituído por um voluntário
do público, o qual, através de improvisação, vai contribuir com soluções válidas, que
contornem ou destruam a força opressora.
Depois do seu exílio na Europa, Boal verificou que, nos países europeus, a
opressão é mais subtil, pelo que desenvolveu o “Teatro Imagem” e o modelo do “Arco-íris
do Desejo”, onde se focam os aspectos mais subjectivos e interpessoais da sociedade,
como os preconceitos raciais, a opressão e violência de género, etc.
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Ainda neste estudo, os autores notam que, de acordo com investigações sobre
educação experimental, as técnicas baseadas no teatro representam um método de
ensino alternativo, que integra várias modalidades para a aprendizagem, permitindo a
aquisição de conhecimentos e competências, bem como oportunidades para as praticar e
aplicar e ampliar a informação aprendida. (Helmeke & Pronty, 2001; Kevelighar, Duffy &
Walker, 1998; citado em Kisiel et al., 2006).
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Esta experiência constituiu, para nós, o primeiro teste deste modelo de acção de
sensibilização e a recepção bastante positiva, por parte da maioria dos alunos, incentivou-
nos a usar esta metodologia de trabalho em situações futuras. A hora e meia
disponibilizada para cada sessão foi, efectivamente, muito pouco tempo para permitir uma
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melhor exploração e reflexão sobre as problemáticas, bem como para a adaptação das
metodologias às necessidades e especificidades de cada grupo de alunos. Verificámos
que as nossas propostas tiveram uma adesão mais rápida e eficaz em grupos/turma que
estavam já sensibilizados para a temática do bullying, pelo facto de a terem trabalhado,
na escola, com os professores, funcionando a nossa intervenção como o culminar das
restantes actividades, incitando a uma reflexão pela acção.
Outra experiência que não podemos deixar de referir, embora o objectivo primordial
não tenha sido a prevenção do bullying, foi a nossa colaboração com a Comissão de
Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Arganil, através da dinamização de um Curso
de Prevenção e Educação para os Afectos - Desenvolvimento de competências
relacionais e emocionais. O curso foi dinamizado com dois grupos de jovens alunos,
referenciados na CPCJ, em duas escolas diferentes e consistiu em quatro sessões, de 90
minutos, com cada grupo, no decorrer das quais, através de dinâmicas de grupo, jogo
dramático e teatro imagem, trabalhámos aspectos como, auto-estima e auto-conceito,
imagem corporal, identificação e expressão de emoções, empatia, competências de
comunicação e de resolução de conflitos.
O contacto com os jovens durante um período mais longo permitiu uma maior
proximidade destes com a equipa da APAV e com os psicólogos e professores envolvidos
no projecto. A relação e dinâmica de grupo alcançadas foram muito positivas e geraram
resultados observáveis ao longo das sessões, que nos foram transmitidos pelos
professores e psicólogos que acompanharam o programa, nomeadamente, uma maior
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Conclusões
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segurança para todos, alicerçando-se em princípios de justiça e defesa clara dos valores
democráticos.
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Cremos que o futuro passa pela dinamização de projectos desta natureza, com
metodologias inovadoras que respondam às necessidades e especificidades dos jovens e
das problemáticas que se visam prevenir. Estes projectos devem surgir na escola e para a
escola e podem envolver entidades exteriores à escola, como a APAV. Porém, o seu
sucesso só será completo se for possível contar com o esforço, interesse e abertura de
toda a comunidade educativa, com vista a um objectivo comum: uma escola sem
violência, crianças e jovens mais saudáveis.
Referências Bibliográficas
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Pereira, B. O. (2002). Para uma escola sem violência, Estudo e prevenção das práticas
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ciência e a tecnologia, Ministério da Ciência e da Tecnologia.
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Portuguese schools, School Psychology International. Consultado em 21-11-2007
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Ramírez, F. C. (2001). Condutas agressivas na idade escolar. Amadora: McGraw Hill.
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