Jogo Do Bullying

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INTERACÇÕES NO. 13, PP.

275-288 (2009)

O JOGO DRAMÁTICO NA PREVENÇÃO DO BULLYING –


ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE INTERVENÇÃO DA APAV

Natália Cardoso
Escola Superior de Educação de Coimbra do Instituto Politécnico de Coimbra
Gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra
[email protected]
[email protected]

Resumo

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), como organização que apoia


vítimas de crime, promove também projectos e acções de sensibilização, com vista à
prevenção dos riscos de vitimização e atenuação dos seus efeitos, dando uma particular
atenção aos crimes sobre as pessoas (violência doméstica, maus tratos a crianças e
idosos, abuso sexual, ofensas à integridade física).

Há já alguns anos que o fenómeno da violência na escola, e em particular o bullying,


nos preocupa, sendo cada vez mais frequente a nossa colaboração neste contexto, no
sentido de assegurarmos dinâmicas de intervenção que versam esta temática.

Tendo em conta a bibliografia produzida sobre o tema e a nossa experiência na


realização de acções de sensibilização em escolas, acreditamos que a prevenção do
bullying, em contexto escolar, através do treino de competências, poderá diminuir a
prevalência de comportamentos de risco, na idade adulta, nomeadamente nas relações
interpessoais e de intimidade.

Este artigo identificará algumas das experiências da APAV na dinamização de


acções de sensibilização e prevenção do bullying em escolas, com um enfoque específico
na prevenção através do jogo dramático.

Palavras-chave: APAV; Bullying; Prevenção; Jogo dramático; Teatro fórum;


Competências sociais; Escolas.

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Abstract

The Portuguese Association for Victim Support (APAV), as an organization that


supports victims of crime, also promotes projects and raises awareness in order to avoid
the risk of victimization and diminish its effects, giving particular attention to crimes against
persons (domestic violence, child abuse and elderly abuse, physical injuries).

Our concern about the phenomenon of school violence, particularly bullying, has
increased in the last few years and the work that we developed in this context is especially
frequent in order to ensure a dynamic intervention.

Bearing in mind the known bibliography on the subject and also our experience in
carrying out awareness raising campaigns in schools, we believe that the prevention of
bullying in schools, through the training of skills, may reduce the prevalence of risk
behaviors in adulthood, particularly in interpersonal and intimacy relationships.

This article will identify some of APAV’s experiences in leading awareness and
prevention sessions of bullying in schools, with a specific focus on prevention through
dramatic play.

Keywords: APAV; Bullying; Prevention; Dramatic play; Forum theatre; Social skills;
Schools.

Introdução

“Como as guerras começam na mente dos homens, é


na mente dos homens que a defesa da paz deve ser
construída”. (Constituição da UNESCO, 1945)

Toda a violência se caracteriza pelo abuso de poder, seja de um ou mais indivíduos


sobre outro ou outros, seja de um conjunto organizado de indivíduos (constituídos em
comunidades, países) sobre outro conjunto organizado de indivíduos (originando as
guerras).

A violência esteve e está sempre presente no dia-a-dia dos seres humanos; mas,

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talvez, nunca, como nos dias de hoje, tenhamos sido capazes de estar tão conscientes da
violência no quotidiano e das suas consequências, de perceber como esta é sublimada e
potenciada, através da sua permanência nos meios de comunicação social e de
entretenimento (Internet, cinema, TV, jogos, etc).

Num sistema complexo de acções e reacções em que vivemos, onde tudo se inter-
relaciona, compete-nos reflectir sobre o nosso papel de cidadãos, sobre como poderemos
agir de forma diferente e criativa, perante um cenário que nos parece empurrar para
responder à violência, com (ainda) mais violência. A prevenção da violência, atacando a
sua raiz desde cedo, promovendo uma cultura de paz e não-violência, parece-nos ser
uma acção tão importante como necessária.

Caracterização e Consequências do Bullying

O bullying é, hoje em dia, um tipo de violência muito comum nas escolas. Pode ser
definido como “o abuso de poder directo e vitimação (persistente e prolongada no tempo)
de um aluno ou de um grupo de alunos sobre outro aluno, mais vulnerável (mais novo,
mais fraco, menos auto-confiante) e que assume o papel de vítima.” (Amado, 2005,
p.310). Distingue-se da agressão reactiva, praticada em resposta a uma provocação
social (Dodge & Coie, 1987, citado em Formosinho & Simões, 2001).

As primeiras pesquisas sobre o fenómeno do bullying surgiram nos anos 70, nos
países escandinavos, salientando-se as pesquisas de Olweus, que, para além da análise
do comportamento, fornecem instrumentos para o seu diagnóstico (Formosinho & Simões,
2001).

A agressão caracteriza-se pela intencionalidade de magoar alguém, de forma


explícita e directa, implicando violência física, roubo, destruição de pertences e insultos,
mas também pode assumir formas mais subtis, que vão da maledicência até à rejeição
social ou ao ostracismo (Bjorkvist, Lagerspetz & Kaukiainenm 1992; Crick & Grotpeter,
1995; Wolke & Stanford, 1999; citados em Formosinho & Simões, 2001).

Segundo João Amado (2005), que classifica os actos de violência contra os pares
em jogo rude, comportamento associal e pequena violência, bullying e, por fim, o acto
delinquente, as consequências mais gravosas dos actos de violência dos alunos contra os
pares começam a manifestar-se a partir do nível do bullying.

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O bullying é referido como estando na base de depressões e dificuldades de


inserção social futuras da vítima, quando adulta, bem como parece existir uma maior
incidência de delinquência nos jovens com historial de bullying na escola (Amado, 2005).

Podem ser identificadas várias consequências do bullying nas crianças vítimas, quer
ao nível da saúde, com sintomas físicos (dores de cabeça, garganta, barriga) e
psicossomáticos (irritabilidade, nervosismo, cansaço, falta de apetite, insónias) quer ao
nível do bem-estar psicológico, através de sentimentos de solidão, tristeza, infelicidade,
baixo auto-conceito, elevados níveis de depressão, ansiedade e maior risco de suicídio.

Verifica-se que as crianças e jovens vítimas de bullying são, por norma, mais
isoladas socialmente, passam muito tempo sozinhas na escola, têm baixos níveis de
popularidade e dificuldade em fazer amigos e, consequentemente, podem desenvolver
elevados níveis de evitamento à escola e sentimentos de insegurança (Seixas, 2005;
Pereira, 2002; Ramirez, 2001).

Num estudo levado a cabo por Beatriz Pereira et al (2004), relativamente ao bullying
nas escolas portuguesas, verificou-se um nível elevado de registos de vítimas, com cerca
de 20% das crianças referindo que tinham sido vítimas, pelo menos 3 vezes, no ano em
que decorreu o estudo, no mesmo sentido, cerca de 16% das crianças admitiu ter
agredido outros, pelo menos 3 vezes, durante o mesmo ano.

Apesar dos factores de risco não serem uma inevitabilidade (Smith & Sharp, citado
em Almeida, 1995), a falta de competências sociais e de assertividade das crianças
vítimas pode ser superada através do treino de competências assertivas, capacitando-as
para lidar melhor com as situações de agressão, directa ou indirecta. (Smith, 1991, citado
em Almeida, 1995).

Segundo Formosinho e Simões (2001), as medidas de combate ao bullying devem


também incluir a redefinição da política organizacional da escola, enunciando “regras
democráticas e normas explícitas, que consagrem o princípio do respeito pelos direitos de
cada indivíduo” (p. 75).

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Intervenções Preventivas do Bullying: As Possibilidades do Jogo Dramático

A adopção de uma cultura de paz e não-violência não se limita à prevenção dos


conflitos entre povos. De acordo com a Organização das Nações Unidas, na Declaração e
Programa de Acção para uma Cultura de Paz, esta é definida por “um conjunto de
valores, atitudes, comportamentos e formas de vida, que rejeitam a violência e previnem
os conflitos, através do confronto das suas causas, na raiz, para resolver os problemas,
através do diálogo e negociação entre indivíduos, grupos e nações” (Unesco, 1998;
Unesco, 1999).

A prevenção através da educação para uma cultura de paz e não-violência significa,


antes de mais, “mediar, criar pontes que tentem evitar o aparecimento de problemas e
dificuldades, através da sua prévia identificação e da rápida intervenção, ensinando
capacidades e competências aos alunos, no sentido de melhorar as suas relações
interpessoais.” (González-Pérez & Pozo, 2007, p. 7).

Considerando que a violência também é um comportamento aprendido, então


acreditamos que também pode ser desaprendido (School-based Violence Prevention
Programs, s.d.) e, neste sentido, a escola apresenta-se como um campo de trabalho
privilegiado para os programas de prevenção, onde as aprendizagens de respeito pelo
outro, assertividade, resolução pacífica de conflitos, as estratégias de auto-controlo
emocional, resistência à frustração e pressão dos pares e a consciencialização sobre a
igualdade de género podem ser não só aprendidas, mas também experimentadas e
solidificadas, através do diálogo e confronto de ideias, do treino de competências e da
observação participante, permitindo que os indivíduos possam escolher alternativas não
violentas.

A literatura indica que a melhoria do clima escolar, o desenvolvimento da auto-


estima e programas de alfabetização/literacia emocional, bem como o ensino de
estratégias de resolução de conflitos são âmbitos de intervenção a ter em conta em
qualquer programa de prevenção ou educação para a não-violência, em contexto escolar
(González-Pérez & Pozo, 2007).

É neste sentido que o jogo dramático e o teatro nos aparecem como uma importante
ferramenta educativa a explorar, nomeadamente quando se pretende não só
consciencializar para um determinado padrão de comportamentos, mas também

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promover a alteração desse padrão, através do treino que o jogo propicia e potencia.

Segundo Richard Courtney (1980), a imaginação, como aspecto distintivo dos


seres humanos, caracteriza-se, também, por ser essencialmente dramática, sendo que a
capacidade para imaginar se inicia logo no primeiro ano de idade, quando a criança
desenvolve o humor e faz as primeiras brincadeiras de “faz-de-conta”. Esta identificação
com o outro, através da imitação, é a qualidade básica do processo dramático e permite-
nos, em adultos, saber como nos colocar no lugar do outro e imaginar as possibilidades
inerentes a essa situação, desenvolvendo-se, assim, o processo de empatia, fundamental
para alicerçar todas as relações humanas.

Através dos jogos dramáticos, a criança e o adolescente adquirem o domínio da


comunicação com o outro: habituam-se a ver e a serem vistos, a ouvir e a responder, a
compreender e a serem compreendido e alcançam uma relação com a realidade e com os
outros (Courtney, 1980).

Também, neste sentido, Ingrid Koudela (1984) resume que “aprender por meio da
experiência significa o estabelecimento de um relacionamento entre o antes e o depois,
entre aquilo que fizemos com as coisas e aquilo que sofremos como consequência. Fazer
torna-se experimentar” (p. 31).

As experiências de educação através do teatro são tão antigas como o próprio


teatro, mas, contemporaneamente, podemos afirmar que o teatro como ferramenta de
intervenção social, surge, ou começa a ser mais amplamente usado, no início do Séc. XX.
O teatro e a arte na educação foram claramente defendidos pelos pedagogos da Escola
Nova. Experiências de teatro popular e comunitário são também desenvolvidas nos
Estados Unidos, nomeadamente nos anos 50 e 60, mas é principalmente na América
Latina, no Brasil, com o Teatro do Oprimido, criado por Augusto Boal, que o teatro como
ferramenta de intervenção, consciencialização social e meio para o desenvolvimento
cultural de uma determinada comunidade, ganha força e se multiplica por todo o mundo.

Augusto Boal (Rio de Janeiro 1931 – 2009), seguidor de Paulo Freire, que propunha
uma pedagogia elaborada pelos oprimidos e não para os oprimidos, cria, na década de
1960, o Teatro do Oprimido, uma prática teatral revolucionária, que, como modelo e
prática cénico-pedagógica, se destina à mobilização do público e comporta características
de militância política. Deste modo, chega às formas de “Teatro Invisível” e “Teatro Fórum”,

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onde uma cena curta que contém uma situação de opressão é apresentada para, de
seguida, o actor que desempenha o papel de “oprimido” ser substituído por um voluntário
do público, o qual, através de improvisação, vai contribuir com soluções válidas, que
contornem ou destruam a força opressora.

Depois do seu exílio na Europa, Boal verificou que, nos países europeus, a
opressão é mais subtil, pelo que desenvolveu o “Teatro Imagem” e o modelo do “Arco-íris
do Desejo”, onde se focam os aspectos mais subjectivos e interpessoais da sociedade,
como os preconceitos raciais, a opressão e violência de género, etc.

No workshop tradicional do Teatro do Oprimido (T.O.) podemos observar três tipos


de actividade: 1) informação de base sobre o T.O. e exercícios de “aquecimento”
orientados pelo facilitador (curinga); 2) jogos, normalmente interacções físicas, criadas
para desafiar o participante a tornar-se mais activamente envolvido com os outros e a
desenvolver relações de confiança, numa atmosfera lúdica; 3) exercícios estruturados
formulados de acordo com uma área particular do T.O., como o “Teatro Imagem” ou
“Teatro Fórum”. A partir daqui, o participante é convidado a imaginar novas possibilidades
e soluções, participando activamente nelas (Boal, 2005).

De acordo com pesquisas realizadas, nomeadamente através da Internet, foi


possível identificar vários projectos de prevenção da violência dirigidos a um público
jovem, usando o teatro e a arte como instrumentos pedagógicos, em países como os
Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido, Brasil, entre outros.

Destacamos a investigação desenvolvida na Austrália por John O’Toole e Bruce


Burton (2002), promovida pela Griffith University, em Brisbane e pela IDEA (International
Drama/Theatre and Education Association). Os autores, ao longo de vários anos,
promoveram, em diversas escolas secundárias, rurais e urbanas, da Austrália, um
programa que combina as técnicas do teatro e da educação de pares, envolvendo toda a
escola, com o objectivo de ajudar os alunos a explorar as causas do conflito e a
desenvolver estratégias para a prevenção e mediação de conflitos em meio escolar.

As intervenções preventivas baseadas nas artes são associadas a vários resultados


pró-sociais, tais como: o aumento do bem-estar social, o aumento da motivação e
aprendizagem, o alargamento do desenvolvimento individual e comunitário e a redução da
agressão, violência e crime (MacArthur & Law, 1996, citado em Kisiel et al., 2006).

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Ainda neste estudo, os autores notam que, de acordo com investigações sobre
educação experimental, as técnicas baseadas no teatro representam um método de
ensino alternativo, que integra várias modalidades para a aprendizagem, permitindo a
aquisição de conhecimentos e competências, bem como oportunidades para as praticar e
aplicar e ampliar a informação aprendida. (Helmeke & Pronty, 2001; Kevelighar, Duffy &
Walker, 1998; citado em Kisiel et al., 2006).

A Experiência da APAV: Acções de Sensibilização e Prevenção

A APAV tem vindo a introduzir a prevenção de comportamentos de risco nas suas


actividades regulares, através das inúmeras acções de sensibilização que se
desenvolvem em escolas, a pedido de alunos ou professores, a partir das temáticas da
violência doméstica, violência no namoro, violência escolar, maus tratos a crianças e
jovens.

No Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra (GAV-Coimbra), temos dado, nos


últimos anos, uma particular atenção à prevenção do bullying. A nossa colaboração com
as escolas em acções de sensibilização deu-nos ânimo para levar a cabo pequenos
projectos de prevenção, inseridos nos estágios académicos de alunos de Ciências da
Educação, Educação, Serviço Social e Psicologia.

Estes projectos foram desenvolvidos tendo em conta a necessidade de sensibilizar


e falar com os jovens sobre estas temáticas. Pretendeu-se, desta forma, iniciar uma
intervenção preventiva que tivesse como ponto de partida o treino de competências
pessoais, sociais, emocionais e relacionais. Entre 2003 e 2008, decorreram cinco
projectos de estágio com intervenção em contexto escolar, tendo sido abordados os
temas dos maus-tratos infantis, violência escolar e bullying e, ainda, um projecto de
intervenção da comunidade universitária sobre a violência no namoro (cf. Centro de
Documentação e Informação da APAV).

A experiência adquirida com estes projectos desenvolvidos pelos alunos estagiários


e o feedback positivo que encontrámos nas escolas, quer com os alunos, quer com os
outros profissionais (professores, psicólogos), entusiasmou-nos e incutiu-nos o desejo de
pôr em acção projectos mais ambiciosos e duradouros, que, no entanto, carecem de uma
dedicação maior do que a disponibilizada pelos estagiários e, por conseguinte, de

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recursos humanos e materiais apenas alcançáveis com financiamento adequado.

Paralelamente a estes projectos, experimentámos introduzir o jogo dramático e


algumas estratégias do Teatro do Oprimido nas metodologias usadas para a dinamização
das acções de sensibilização/ prevenção solicitadas pelas escolas. Assim, em 2008, a
pedido da Associação Amato Lusitano – Associação de Desenvolvimento de Castelo
Branco, no âmbito do Projecto Semear para (es)colher – Progride II, fomos convidados a
desenvolver uma série de acções de prevenção do bullying e da violência no namoro,
tendo o teatro social como ferramenta privilegiada. Tivemos, desta forma, oportunidade de
experimentar o que, teoricamente e do contacto com outros projectos, nacionais e
internacionais, sabíamos dar resultados. Foram desenvolvidas 7 Acções de
sensibilização/prevenção, 5 sobre o bullying, uma dirigida à prevenção de dependências e
outra sobre a violência no namoro. Cada acção teve a duração de 90 minutos e foi
dinamizada com jovens do 7º ao 12º ano de escolaridade e, ainda, com um grupo de
jovens de um lar de acolhimento.

A estrutura base desta acção de sensibilização/prevenção incluiu: 1) jogos de


activação corporal; 2) debate acerca da problemática (bullying ou violência no namoro) a
partir de vinhetas de banda desenhada e notícias de jornais; 3) “teatro imagem”: a partir
de ideias chave surgidas do debate (v.g características da vítima e ofensor, tipologia das
agressões), é proposto aos alunos que criem, com os seus corpos, uma imagem, em
estátua, que represente uma situação de agressão; discutem-se, depois, alternativas de
resolução do conflito, que podem ou não incluir a intervenção de terceiros; propõem-se
novas imagens partindo das alternativas geradas em discussão, bem como a criação de
imagens de transição entre a situação de conflito e a resolução desejada; 4) discute-se a
viabilidade das soluções encontradas e procuram-se novas ideias.

O objectivo deste tipo de acção é consciencializar os alunos para as problemáticas,


ajudá-los a pensar activamente em alternativas viáveis de resolução dos conflitos de
forma não violenta e não tanto apresentar uma única possibilidade de resolver o conflito.

Esta experiência constituiu, para nós, o primeiro teste deste modelo de acção de
sensibilização e a recepção bastante positiva, por parte da maioria dos alunos, incentivou-
nos a usar esta metodologia de trabalho em situações futuras. A hora e meia
disponibilizada para cada sessão foi, efectivamente, muito pouco tempo para permitir uma

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melhor exploração e reflexão sobre as problemáticas, bem como para a adaptação das
metodologias às necessidades e especificidades de cada grupo de alunos. Verificámos
que as nossas propostas tiveram uma adesão mais rápida e eficaz em grupos/turma que
estavam já sensibilizados para a temática do bullying, pelo facto de a terem trabalhado,
na escola, com os professores, funcionando a nossa intervenção como o culminar das
restantes actividades, incitando a uma reflexão pela acção.

O recurso às técnicas do teatro social para a sensibilização de pequenos grupos de


jovens continuou a ser usado por nós e, já em 2009, tivemos oportunidade de dinamizar
acções de sensibilização sobre o bullying, em Viseu e Coimbra, com alunos do ensino
secundário. Apesar das faixas etárias destes alunos indiciarem um menor risco de
ocorrência de comportamentos de bullying, verificámos que todos identificaram situações
sucedidas, com eles, ou com colegas, enquanto mais novos, mas também situações que
se passam no presente. Discutimos, então, com estes alunos mais velhos, o papel das
“testemunhas” de bullying, com intuito de criar reflexão sobre algumas acções concretas
possíveis de encetar na escola, para evitar que situações de bullying surjam ou se
repitam, enfatizando o papel que os alunos de níveis de ensino mais avançados podem
ter junto dos mais novos.

Outra experiência que não podemos deixar de referir, embora o objectivo primordial
não tenha sido a prevenção do bullying, foi a nossa colaboração com a Comissão de
Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Arganil, através da dinamização de um Curso
de Prevenção e Educação para os Afectos - Desenvolvimento de competências
relacionais e emocionais. O curso foi dinamizado com dois grupos de jovens alunos,
referenciados na CPCJ, em duas escolas diferentes e consistiu em quatro sessões, de 90
minutos, com cada grupo, no decorrer das quais, através de dinâmicas de grupo, jogo
dramático e teatro imagem, trabalhámos aspectos como, auto-estima e auto-conceito,
imagem corporal, identificação e expressão de emoções, empatia, competências de
comunicação e de resolução de conflitos.

O contacto com os jovens durante um período mais longo permitiu uma maior
proximidade destes com a equipa da APAV e com os psicólogos e professores envolvidos
no projecto. A relação e dinâmica de grupo alcançadas foram muito positivas e geraram
resultados observáveis ao longo das sessões, que nos foram transmitidos pelos
professores e psicólogos que acompanharam o programa, nomeadamente, uma maior

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coesão do grupo, respeito pelo outro e suas diferenças, melhoria da auto-estima e


expressão de emoções e reflexão sobre resolução pacífica de conflitos.

Conclusões

A prevenção de comportamentos violentos começa quando nos dedicamos a


encontrar e atacar as causas que motivam o seu desenvolvimento. Acreditamos que
muitos dos comportamentos violentos são aprendidos através da observação e repetição
de modelos e consolidados através de padrões sócio-culturais que desvalorizam
determinados actos de violência e até os consideram normais. É o que sucede, por
exemplo, com a violência contra as mulheres, mas, também, em certa medida, com o
bullying. Não é invulgar ouvir progenitores ou responsáveis legais de crianças vítimas ou
agressoras de bullying, bem como professores e outros profissionais ligados à educação,
afirmar que é desta forma que as crianças se fazem “homens” e aprendem a defender-se
numa sociedade hostil e competitiva, onde reina a lei do mais forte. Ignoram,
desvalorizam ou recusam conhecer, porém, as intensas feridas emocionais que a
violência e o bullying podem deixar numa criança ou jovem, o que poderá, em alguns
casos, levar ao desenvolvimento de comportamentos de risco (delinquência, violência nas
relações de intimidade, suicídio, comportamentos aditivos).

Além das necessária intervenção junto de crianças vítimas e agressoras de bullying,


no sentido de evitar a continuidade e agravamento das agressões, importa encetar
medidas de prevenção que visem reduzir a incidência de comportamentos de risco,
promovendo a reflexão e aprendizagem acerca de métodos de resolução de conflitos não
violentos, e, desta forma, tentar evitar as consequências que estas situações podem ter
na vida da vítima e do agressor, quer no momento em que ocorre a situação de bullying,
quer no futuro.
O esforço de prevenção deve envolver, como é defendido por vários autores, toda a
comunidade escolar, sendo necessário o envolvimento de professores e todos os agentes
educativos presentes na escola, mas também os pais e responsáveis legais das crianças,
bem como outras estruturas presentes na comunidade (Instituições Particulares de
Solidariedade Social, Autarquias, Centros de Saúde, Polícia de Segurança Pública -
Escola Segura, etc.). As intervenções preventivas podem originar uma modificação da
própria cultura organizacional da escola, como motor de confiança, respeito mútuo e

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segurança para todos, alicerçando-se em princípios de justiça e defesa clara dos valores
democráticos.

É já comummente aceite que os projectos de competências pessoais, sociais,


emocionais e relacionais trazem benefícios quando introduzidos e aplicados desde os
primeiros graus de ensino, propiciando aos alunos modelos alternativos de resolução de
conflitos e ferramentas que lhes permitam um crescimento e desenvolvimento saudáveis.
Também as disciplinas relacionadas com a arte e desporto, como geradores de libertação
emocional, reforço da auto-estima, desenvolvimento da criatividade, empatia,
conhecimento de si e do outro, são uma mais-valia para a prevenção de comportamentos
de risco, sendo sobejamente conhecidos os resultados que este tipo de intervenções
pode obter.

A experiência de intervenção junto de vítimas de crime e o conhecimento profundo


das problemáticas relacionadas com a violência conferem à APAV um papel privilegiado
no que concerne à sensibilização relativamente ao bullying e à prevenção de
comportamentos de risco associados à violência.

Actualmente a APAV encontra-se a desenvolver o Projecto APAV4D – prevenção


integrada em contexto escolar, que resulta da tradução e adaptação de um programa
desenvolvido no Canadá, pela equipa do Dr. David Wolfe, e que está integrado num
programa mais amplo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (financiado no âmbito
do Programa Operacional de Potencial Humano, Eixo 7 Igualdade de Género, Tipologia
de Intervenção 7.3 Apoio Técnico e Financeiro às ONG). Consiste num programa
curricular, para o 9º ano de escolaridade, de prevenção integrada e universal de
comportamentos de risco e promoção de comportamentos saudáveis, cujo objectivo é
reduzir o risco e não apenas eliminar comportamentos. A versão adaptada deste
curriculum é composta por 28 sessões (mais sete do que a versão original) e mais uma
unidade do que a versão original — (1) Relacionamentos Saudáveis, (2) Crescimento e
sexualidade saudáveis, (3) Consumo e abuso de substâncias e (4) Igualdade de Género
— que nas suas actividades dinâmicas procuram definir não apenas os comportamentos
a evitar mas, fundamentalmente, orientar os jovens para comportamentos saudáveis,
assegurando os meios para que estes possam ser colocados em prática, sobretudo
através da aprendizagem e treino de competências de comunicação, de resolução de
conflitos e de tomada de decisão. As dimensões centrais desta intervenção, são, como o

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próprio nome do programa o indica, quatro: violência no namoro e entre pares,


comportamentos sexuais, consumo de substâncias e questões de género.

Cremos que o futuro passa pela dinamização de projectos desta natureza, com
metodologias inovadoras que respondam às necessidades e especificidades dos jovens e
das problemáticas que se visam prevenir. Estes projectos devem surgir na escola e para a
escola e podem envolver entidades exteriores à escola, como a APAV. Porém, o seu
sucesso só será completo se for possível contar com o esforço, interesse e abertura de
toda a comunidade educativa, com vista a um objectivo comum: uma escola sem
violência, crianças e jovens mais saudáveis.

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Unesco (1999). “Declaration and Program of Action on a Culture of Peace”,
A/RES/53/243. Consultado em 26-11-2009 em www.unesco.org

http://www.eses.pt/interaccoes

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