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Interação social no espaço urbano: encontros ou confrontos?

Titulo
Cohen Egler, Tamara Tania - Autor/a Autor(es)
Repensando la experiencia urbana de América Latina: cuestiones, conceptos y En:
valores
Buenos Aires Lugar
CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Editorial/Editor
2000 Fecha
Colección
Sociologia Urbana; Ciudades; Temas
Capítulo de Libro Tipo de documento
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/gt/20100930071528/11egler.pdf URL
Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 2.0 Genérica Licencia
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Parte IV
Ação social na cidade:
“experienciação” do tecido urbao
Interação social no espaço urbano:
encontros ou confrontos?
c Tamara Tania Cohen Egler *

E
m poucas palavras, a reflexão que procuro trazer apóia-se na constatação
de que, no presente, o espaço, como objeto de estudos, é sobretudo um
conjunto de idéias que conduzem à compreensão de diferentes formas de
produção, representação e apropriação da materialidade. Espaço é uma categoria
abstrata que se constitui em ferramenta teórica, permitindo-nos observar e
analisar a concretude do processo social.
Para participar do desafio representado pela compreensão do espaço, o
estudo proposto tem por objetivo refletir sobre a importância do pensamento na
produção e na apropriação das formas físicas e aparentes das cidades. Pensar é
associar idéias que permitem a construção de um objeto, idéias que permitem a
compreensão do mundo. É nesse movimento de pensar e agir, apreendido por
Hannah Arendt (1993, 1994), que se constrói o conhecimento sobre os objetos e
que são formados valores que movem a ação social. Tal movimento é composto
de dois elementos, um cognitivo, articulado prioritariamente à produção do
espaço, outro configurado por sentimentos, vinculado, sobretudo, à apropriação
do espaço.

* Arquiteta, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Doutora em Ciências Humanas pela
Universidade de São Paulo. Proferssora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisadora CNPq. Editora do Prêmio Möbius na América Latina
(multimídia).

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

Ao pensar esse movimento em nossas cidades, surge o desafio analítico


relativo ao desvendar das formas sociais do pensar e agir, articuladas a idéias
socialmente compartilhadas. Para o enfrentamento desse desafio, é necessário dar
a conhecer elementos invisíveis que estão associados à história das cidades,
plasmados em suas formas físico- territoriais. Nesse ato, é indispensável
preservar a compreensão de que a cultura é a alma, a inteligência, que conduz a
ação dos homens na produção do espaço em suas formas físicas e sociais e em
seus movimentos de apropriação da materialidade.

Idéias e espaço
O pensamento nos permite iluminar a realidade para agir sobre ela e
transformá-la. Podemos pensar o espaço como um processo que, em sua
totalidade, se apresenta como um rosa. Em cada momento histórico, encontramos
uma compreensão predominante do processo espacial, constituindo-se em uma
descoberta a decomposição analítica possível da sua totalidade, em que cada
camada de pétalas representa uma parcela de conhecimento sobre o espaço.
Na metáfora da rosa, os elementos que formam o pensar, em cada camada de
pétalas, correspondem a orientações analíticas que conduzem à compreensão de
faces da totalidade, sempre inacessível e infinita. Pensar o espaço é, portanto,
compreender, a cada momento, as formas que realizam seus elementos
constitutivos, onde a história do pensamento avança na tarefa de precisar a natureza
dos conceitos que iluminam a compreensão (Arendt, 1993; Santos, 1996).
As camadas especializadas de conhecimento são, portanto, orientações que
conduzem à compreensão possível de um objeto complexo. Essas camadas não
são excludentes. Ao contrário, em cada momento histórico, existem formas em
disputa, mas também complementares, de perceber, conceber e interagir. A
importância das idéias, em articulação ou confronto, está diretamente associada à
capacidade de produzir e transformar a vida urbana. Assim, a cada período,
emerge um conjunto de idéias que estrutura e apóia ações transformadoras.
O pensar antecede o agir. Essa relação pode ser lida em diferentes escalas, no
indivíduo, na família, na comunidade, na cidade. Em cada escala, são construídas
relações que conduzem à especificidade da formação dos seres sociais que
compõem a totalidade histórica. Estamos, portanto, diante, mais uma vez, de dois
processos: um primeiro, de natureza espacial, compreendido em suas diferentes
escalas, e um segundo, temporal, compreendido nos diferentes momentos
históricos, transformadores de idéias e ações.
Isso quer dizer que cada relação espaço-temporal corresponde a uma
diferente forma de pensar, compreender e transformar a vida urbana. Interessa
reconhecer, portanto, os movimentos históricos que conduzem e alimentam a

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nossa própria compreensão da experiência urbana. Compreender o espaço é


observar, de início, as suas formas físicas e aparentes. A arquitetura, como a arte
de criar o ambiente construído, e a geografia, que tem por objeto de estudo as
formas físicas da terra e a sua ocupação pelos grupos humanos, são as disciplinas
que se dedicam à tarefa de decompor, analiticamente, as determinações físicas e
materiais das formas aparentes, da paisagem.
Na observação da materialidade, a economia avança no sentido de desvendar
as formas de produção do espaço. Compreender o papel do homem como agente
responsável pela formação do ambiente construído impõe o reconhecimento das
formas de organização dos processos de trabalho, dos meios e instrumentos da
produção do espaço.
Na complexidade do fato espacial, as formas aparentes são insuficientes para
compor o quadro permanente dos processos de apropriação, que fundamentam os
usos do espaço. O processo de produção em si carece de elementos analíticos que
permitam apreender a complexidade das relações sociais, contidas na relação,
aparentemente singela, do indivíduo com o espaço urbano. Trata-se de indagar a
respeito das múltiplas relações sociais contidas nesta última relação, cuja
complexidade permanece em geral oculta.
Estamos diante de processos relacionados aos usos imediatos do espaço que,
na sua forma mais geral, podem ser apreendidos através da análise da divisão
social do espaço, da localização das diferentes classes sociais no espaço urbano.
Mais do que essa relação imediata sociedade-espaço, a nossa indagação volta-se
para os processos em que se manifestam as relações de apropriação das condições
de vida concentradas na cidade. Na sua concepção mais clássica, a apropriação
está associada ao lugar que as diferentes classes sociais ocupam no processo de
produção. Nessa concepção, o espaço também é lido como uma mercadoria,
apropriada a partir dos diferentes rendimentos de indivíduos e famílias.
Entretanto, mais do que um processo que decorre direta e exclusivamente dos
rendimentos econômicos, a relação social no espaço responde por uma complexa
teia de instâncias, associadas a formas particulares, historicamente variáveis, de
dominação. Certamente as relações de dominação econômicas são as mais
aparentes e claramente perceptíveis. Para nós, interessa, porém, observar as
formas de dominação que se realizam, de maneira difusa e genérica, nas relações
espaço-temporais vividas na cidade e que correspondem à dominação
especificamente simbólica.
Pelas das relações espaço-temporais se realizam fluxos imateriais, expressivos
de como se observa, compreende e interage. Tais relações manifestam-se através
de trocas seletivas e hierarquizantes. É por essa razão que é relevante refletir sobre
processos que, comandados pela subjetividade dos sujeitos, compõem a totalidade
do universo analítico indicado pelo conceito de espaço.

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

Milton Santos, em sua proposta teórico-analítica do espaço, mostra-nos como


podemos elencar conceitos / processos articulados a objetos, fluxos e ações. Essa
proposta ilumina o objeto espaço e abre caminhos analíticos amplos. O espaço é
constituído pela totalidade das ações dos homens, produtoras de objetos que são
trocados através de fluxos. A infinidade de objetos resulta de diferentes
procedimentos técnicos produtores da materialidade. Esses fluxos também são de
duas naturezas: a primeira, material, e a segunda, simbólica.
Estar no espaço, e ser através do espaço, é inscrever-se em um fluxo
ininterrupto de trocas com elementos componentes da materialidade. É a prática
social que realiza, portanto, a totalidade do processo espacial. A decomposição
dessa totalidade nos permite a abstração dos seus elementos constitutivos,
estimulando a proposição de conceitos.
As ações de troca se realizam através de fluxos, constituindo o meio técnico-
simbólico que constrói o espaço urbano. Quando, por exemplo, se manifesta uma
relação de exclusão, as formas materiais são o referente imediato, como
demonstra a ocupação do espaço periférico de uma cidade, ali onde estão
rompidas ou reduzidas as relações de troca com o centro das atividades. Estar
excluído, e ser excluído, é ocupar um espaço à parte, onde a interação é impedida
ou reduzida.
A troca é uma ação social cuja análise orienta a compreensão do espaço. A
relação social, em sua primeira estruturação, é exatamente uma ação de troca,
com a materialidade e intersubjetiva. Podemos pensar, assim, que a produção dos
objetos pode ser lida como relações de troca, configuradoras do processo
espacial. Assim, a produção capitalista ancorada em uma forma de organização
que se realiza pela relação capital - trabalho pode ser entendida, também, pela
troca desigual e preservadora da desigualdade, na qual o salário expresso em
dinheiro plasma os elementos de permanência dessa relação, construindo o
contexto que a reproduz.
Os homens constroem os objetos através do dispêndio de sua força física e
criativa e recebem em troca um salário. A desigualdade entre força despendida e
salário revela a relação de dominação. É por essa razão que Baudrillard (1999)
indica a impossibilidade de mensurar as relações econômicas, considerada a
importância e a complexidade dos seus elementos simbólicos. Mais claramente,
a economia pretende dar conta das relações de produção através da quantificação
das trocas que se realizam entre os homens na produção de mercadorias, o que
exige a introdução de equivalentes. Na formulação do autor citado, a
possibilidade do equivalente não existe; sendo, portanto, a quantificação da
relação social de troca uma ilusão.
Para avançar na compreensão dessa relação, podemos refletir sobre as
diferentes instâncias da relação de troca, iluminadas pela análise espacial. O

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espaço é esse objeto reflexivo que resulta de ações que (re)produzem objetos e
expressam (des)afetos. Entender como se realizam as trocas de objetos e emoções
entre os homens pode nos conduzir ao entendimento da natureza das relações
espaciais, ao mesmo tempo em que a compreensão dessas relações é
indispensável à compreensão da realidade social.

A cidade como lugar do encontro


Neste estudo, preocupa-nos a reflexão da natureza da relação espacial que faz
da cidade um lugar do encontro. Encontrar é trocar, envolvendo a experiência do
estar junto em um mesmo lugar. Quando se trata de relações afetivas, dizer que
foi um encontro inesperado é expressar o acaso que reuniu, em um mesmo lugar,
duas pessoas com capacidade de troca entre si.
Podemos pensar em outras escalas, por exemplo, na família. É possível
observar como se manifesta o encontro dos seus membros, instaurando relações
sociais que são espaço-temporais. Na microescala da casa, a sala é o lugar do
encontro da família; ali onde se dispõe de um mobiliário próprio à função do
permanecer. Estar, ficar e encontrar são processos da vida cotidiana que
reproduzem valores e atualizam a materialidade.
Nos edifícios, também podemos observar espaços de encontro. Na Faculdade
de Arquitetura da Universidade de São Paulo, no projeto do professor Vilanova
Artigas, a concepção espacial traduz o anseio por um espaço que permita,
simultaneamente, deslocamentos e encontros. Os planos constitutivos do edifício,
ligados por larga rampa, fazem do percurso um lugar de encontro, onde são
trocadas idéias e construídos conhecimentos.
Assim, projetar e construir um espaço físico é prever um conjunto de ações
plasmadas em processos espaciais. Prever e projetar o espaço do encontro é
perceber para além das funções imediatas do objeto, de natureza sociopolítica ou
econômica. Por exemplo, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, desenhada a partir de uma espinha dorsal, os corredores
interligam, apenas, um conjunto de salas de aula. Nesse espaço, só há abrigo para
uma certa concepção de trabalho e ensino, sendo os corredores lugares reservados
ao deslocamento, por onde as pessoas passam e não permanecem. Não existe
nenhum lugar para o encontro, portanto.
Em Brasília, a concepção espacial remete a fluxos entre objetos. Gosto de
pensar Brasília como a cidade dos objetos – edifícios e automóveis. Essa
percepção corresponde aos comentários correntes de que, em Brasília, não
existem esquinas, impedindo ou criando obstáculos ao estar (e ser) na cidade. A
concepção espacial valoriza, apenas, as formas materiais. Brasília é a cidade
industrial por excelência, ainda que a indústria esteja ausente. Trata-se do produto

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

de uma forma de pensar, de um desenho que pressupõe a igualdade


homogeneizante, a padronização; sendo os objetos materiais considerados os
elementos centrais do processo espacial. Nessa concepção de cidade, a vida
urbana é configurada como um conjunto de objetos, móveis e imóveis.
Entretanto, o espaço é o resultado e a condição da totalidade das relações
sociais, devendo ser criados os projetos que abriguem esse acontecer ininterrupto.
Para tanto, é preciso observar, conhecer e viver o espaço social, indo além do
espaço físico, dos objetos móveis e imóveis. O espaço é uma totalidade social
plena, onde são trocados (em direção à preservação ou à mudança) objetos,
idéias, intenções e afetos.
A praça é, historicamente, o lugar reservado ao encontro, o grande espaço
dedicado ao estar na cidade. A praça da cidade é a sala do apartamento,
mudando-se as escalas de observação e análise. São tradicionais as praças que
reúnem comunidades, nas quais são procuradas referências para a ação social e se
encontram as tribos urbanas. As comunidades urbanas, sempre cambiantes, se
reconhecem e escolhem o seu lugar de permanência na cidade. Para cada canto,
para cada “pedaço”, um grupo – que terá ou não o seu direito de estar (e ser)
legitimado e reconhecido. A identidade, construída pelo reconhecimento das
próprias representações e das do outro, possui referentes nos diferentes lugares da
cidade.
Praias, esquinas, clubes, igrejas, centros culturais e organizações políticas se
constituem em lugares onde acontece o encontro de indivíduos. As formas de
encontro, permitidas a cada período, podem ser lidas ao longo do processo
histórico e estão associadas ao conjunto de idéias que fazem o espírito do lugar.
Podemos refletir, assim, os processos espaciais também como manifestações
culturais que produzem objetos e sentimentos / ações dirigidos ao encontro.
A cultura é a inteligência viva e vivenciada. Esse movimento analítico
conduz à compreensão de desafios contemporâneos condensados nos espaços
urbanos. Podemos dizer que existe, para cada sociedade e a cada momento, um
conjunto determinado de condições de compreender, sentir e agir nas
oportunidades oferecidas pelo espaço, ao mesmo tempo em que o espaço, em
sentido pleno, expressa as formas de apropriação dessas condições.
Um exemplo poderia ser oferecido pela sociabilidade instaurada no metrô de
Paris, e sorrio quando me lembro de um ônibus no Rio de Janeiro. A cultura da
vida cotidiana certamente é profundamente distinta nessas duas cidades, o que
transparece nas relações espaço-temporais. Nenhum gesto, sorriso, palavra que
promova a quebra de barreiras sociais, no primeiro caso, sendo assim retido o
exercício da fala que poderia, ou não, conduzir ao encontro.
A interação social aparece, portanto, nessa orientação analítica, como
resultado de um conjunto de idéias e condições físicas (e simbólicas),

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possibilitando e expressando encontros e ou confrontos, ambos expressivos de


representações sociais. A interação social envolve, portanto, uma ação que
resulta de uma relação e que, ao mesmo tempo, configura a natureza desta.
Estamos pensando, assim, em um espaço que pode ser percebido pela ação social.
Este é um espaço simultaneamente exterior e interior aos indivíduos, sendo
constituído pela articulação de elementos que compõem a compreensão possível
da ação do outro. O espaço, nessa concepção, é configurado (e configurador) de
trocas entre os membros de um coletivo instável. O gesto, a expressão, a fala
constituem uma totalidade analítica tecida por sentimentos, emoções e
percepções.
É nessa totalidade, composta de objetos e ações, que vamos encontrar
processos de criação, produção e reprodução que desenham os contornos da
inteligência coletiva. O conjunto desses elementos produz (e expressa)
sentimentos que podem ser socialmente apreendidos, inclusive através da
apropriação social do espaço.
Refletir o espaço urbano da sociedade industrial foi, sobretudo, observar
analiticamente o espaço de construção de uma sociedade ancorada nos processos
de organização e realização da produção material. Foi possível, assim, analisar o
espaço em suas múltiplas determinações produtivas a partir da fábrica, da
organização do trabalho, e dos processos materiais correlatos e decorrentes da
acumulação capitalista em todas as suas formas e dimensões: singularidade
produtiva, complexidade da produção ampliada, voracidade capitalista nas
formas de apropriação da natureza. Foram realizadas inúmeras interpretações do
processo espacial à luz das formas de produção da materialidade.
Emergem, hoje, novas necessidades analíticas. Assim, quando procuramos
entender os elementos contidos nos espaços de troca, posicionamo-nos em um
patamar que antecede (e envolve) a ação produtiva. Esse patamar incorpora idéias
coletivas, compostas por conhecimento técnico e sentimentos. Desse patamar,
resultam percepções condutoras de diferentes formas de ação, sendo gerados
encontros e confrontos que constituem a vida urbana.
Além de lugar da produção material, a cidade é um conjunto de
representações que permitem (ou impedem) ações. Assim pensada, a cidade
industrial pode ser compreendida, prioritariamente, pelas trocas econômicas e
intelectuais que configuram as necessidades coletivas associadas ao estar (e ser)
na cidade. A “desindustrialização”, observada nos grandes centros urbanos,
instaura um novo período em que a ação adquire novas dimensões, abrindo a
percepção da troca para outras instâncias do espaço.

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

Cultura da exclusão
A exclusão é a experiência que se opõe à interação. Interagir é fazer junto;
excluir é eliminar a oportunidade da troca, é impedir a participação. Na cidade, o
processo de exclusão deve ser lido como aquele que expulsa segmentos da
população das possibilidades do encontro. O estudo do processo de exclusão na
cidade industrial, e particularmente na América Latina, esteve dedicado à análise
do processo de produção do espaço urbano.
A cidade informal, ilegal, constitui um dos objetos mais relevantes dos
estudos dirigidos à compreensão do processo de produção da cidade capitalista.
Nesses estudos, encontramos explicações vinculadas à desigualdade da renda, à
estrutura de salários, às formas de inserção no mercado de trabalho, aos
rendimentos fundiários. Tais estudos privilegiaram elementos do processo
espacial resultantes da produção material, quer seja em um olhar analítico que
valoriza os elementos da produção de mercadorias em geral, quer seja em uma
orientação que acentua a produção do marco construído.
Porém, foram raros os estudos que valorizaram as formas culturais da
exclusão social, cuja compreensão depende da análise das representações que
conduzem (e reproduzem) a ação social que elimina a interação. Na história,
encontramos idéias e ideários que legitimaram a ação social excludente,
configuradora das cidades brasileiras. Da senzala aos mocambos e favelas,
tivemos o acompanhamento e a presença de representações sociais que
orientaram e sedimentaram a formação do espaço da exclusão. Aos trabalhadores
não cabia estar (e ser) no centro dos acontecimentos – o mocambo ao fundo da
Casa Grande, a favela fora da cidade ou o mais escondida possível. Formas
espaciais distintas que revelam as formas sociais assumidas historicamente pela
exclusão social, como idéia e sentimento.
Interagir é fazer junto; excluir é eliminar do espaço de ação coletiva.
Podemos observar dimensões da vida cotidiana através desses conteúdos
orientadores de relações espaço-temporais. A exclusão decorre de relações sociais
culturalmente orientadas que hierarquizam classes, segmentos e grupos sociais,
externalizando os dominados do centro dos acontecimentos, das arenas de
decisão.
Podemos ir além e mostrar como a exclusão tem sua origem no conjunto de
idéias que dominam formas de pensar e de produzir a materialidade. O espaço é
o cenário onde as relações de exclusão são apresentadas e representadas. Quando
Sônia Ferraz (1999) faz a análise dessas relações, desvenda os caminhos
invisíveis que tornam claros os processos simbólicos da exclusão social, que vão
além da localização do cortiço ou da favela na estrutura urbana.
Os processos de exclusão podem ser reconhecidos em diferentes escalas do
social: da relação institucional à familiar e afetiva. O movimento dos homens

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Tamara Tania Cohen Egler

pode ser percebido nos múltiplos processos de inclusão e exclusão social,


manifestos nos diferentes espaço - tempos do processo social e estruturados em
sentimentos e objetos.
Os objetos expressam necessidades. Assim, além do seu valor de troca, temos
memória e símbolos, manifestos na consciência coletiva e que têm, portanto,
significados socialmente reconhecidos. Essa é uma forma de analisar os objetos,
posicionada para além de suas determinações materiais, valorizando sua
importância no campo simbólico.
O simbólico é a expressão de relações espaço-temporais que envolvem
sentimento e emoção. Quando Ferraz (op cit) analisa essas relações, esclarece
como o processo de exclusão social dos favelados da cidade do Rio de Janeiro
está ancorado na difusão, pela imprensa, de um ideário de exclusão dos
habitantes das favelas dos direitos de cidadania. O estudo realizado por essa
autora demonstra, através da análise do discurso, a propagação de idéias nas quais
as favelas são sistematicamente representadas como comunidades violentas, que
devem ser excluídas do convívio social. Trata-se, pois, de estímulos a
sentimentos que conduzem a ações de eliminação dessas comunidades dos
espaços de troca, da interação social. Não se trata apenas de um lugar no urbano,
mas de uma relação social prioritariamente conduzida pela idéia da exclusão.
Na complexidade do fato espacial, coexistem idéias, objetos, ações e
sentimentos que determinam lugares materiais e simbólicos, que (re)produzem a
interação e a exclusão. Estando diante, por exemplo, de uma instituição de
produção do conhecimento, também podemos observar processos e
procedimentos de inclusão, apropriação e exclusão. Para analisar essas relações,
Couto (1999) propôs o estudo da apropriação do trabalho intelectual e da
expropriação dos produtores. Sua análise demonstra processos de exclusão,
apreendidos no reconhecimento dos pares – para os verdadeiros produtores do
conhecimento, a usurpação do reconhecimento. Essas são relações sociais
perversas, espaço-temporais, associadas à usurpação do processo criativo.
O nazismo é a exclusão pela industrialização da morte. Para realizar um
processo de exclusão de uma nação de homens, a ideologia nazista conduziu ao
extermínio e ao assassinato em massa. Para tanto, foi necessário, por um lado,
fragilizar essa nação através de um conjunto de leis excludentes, que definiam
espaços de estar (de ser), formas de conviver e de casar, processos de trabalhar e
de sobreviver, ancorados em um ininterrupto movimento de exclusão social. E,
por outro lado, difundir a idéia de que a nação de homens judeus era formada por
seres inferiores, que deveriam ser eliminados. Na história da humanidade, foi
possível instaurar uma ideologia justificadora da indústria da morte, excluindo
uma nação inteira do direito à vida (Rabinovitch, 2000).

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

Na análise das relações afetivas, Giddens (1993) trabalha com o conceito de


compartilhamento, como espaço dividido, demonstrando que compartilhar é
partilhar com, é dividir o produto igualmente. Esta analise expressa a sabedoria
do autor ao valorizar o precioso universo da relação afetiva, demonstrando como
os casais podem ser analisados a partir da diferença na forma de partilhar a vida
– os que compartilham e os que não compartilham. Compartilhar no casamento é
pensar, criar, falar e agir junto no mesmo lugar e numa mesma direção. Trata-se
de construir o espaço do mútuo, no qual a fala antecipa a decisão e expressa o
compartilhamento na ação.
Nas diferentes escalas do social, podemos identificar os mesmos processos
de exclusão e interação. Excluir é impedir que o outro participe da ação. Interagir
é permitir e realizar a ação coletiva, o que pode ser compreendido nas dimensões
singulares e coletivas do processo social.

Interação e encontro no urbano


Estar no mesmo lugar e agir positivamente face ao outro significa participar
de um espaço de interação. No urbano, os espaços de interação podem ser
observados nas múltiplas manifestações do estar (e ser) na cidade. Para formular
a análise, podemos pensar que encontrar é estar junto, trocar objetos e afetos de
forma igualitária. Dessa forma, o espaço urbano pode se compreendido como um
lugar onde se criam espaços de encontro e de desencontro. Os espaços urbanos
são historicamente determinados e podemos pensar como neles se manifestam
diferentes escalas do agir. Por exemplo, na sala da casa, no bar da esquina, na
igreja, na praia, acontecem encontros e confrontos que articulam diferentes
espaços públicos e privados, de forma mais ou menos transitória.
Podemos também pensar que existem cidades onde o encontro faz parte, mais
intensa, da vida cotidiana. Na cidade do Rio de Janeiro, podemos observar como,
na recente política de desenho urbano, foram valorizados espaços públicos
dedicados ao encontro, como o tratamento das orlas e da lagoa Rodrigo de
Freitas. Espaços abertos da cidade que foram tratados como lugares do encontro.
Estas são formas aparentes cuja apropriação social precisa ser analisada.
Quando Milton Santos (1996) analisa as formas de viver o cotidiano das
classes populares, observa como, nos bairros populares, o movimento das pessoas
é mais intenso, as casas mais próximas e as interações mais espontâneas.
Certamente o encontro é uma forma de ação social que faz o estar junto. Nos
bairros populares, estar junto é uma prática social expressiva (e construtora) de
qualidades do cotidiano.
As festas como o Carnaval ou o Reveillon, na cidade do Rio de Janeiro,
promovem encontros e constituem um espírito de comemoração coletiva que

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traça contornos da cultura do lugar. As cidades vivem e convivem, assim, em sua


própria identidade, orientando a ação social. Afinal, o espaço social resulta da (e
permite a) troca entre seres sociais. Na vida cotidiana, o encontro se manifesta
de diferentes maneiras, pressupondo a inclusão, no agir coletivo, de segmentos da
população urbana. Incluir é fazer participar de um mesmo processo; o que, por
vezes, apenas acontece por ocasião das grandes festas quando barreiras físicas e
sociais são quebradas.
O sol, a praia e o mar fazem do Rio de Janeiro um lugar idealmente do
encontro, manifesto na cultura do corpo, na música e na dança. As festas de rua ,
como os blocos de carnaval, são práticas urbanas populares transferidas para os
bairros de classe média. Como percebe Carlos Lessa (1999), no Rio de Janeiro,
em alguns períodos, a elite subiu o morro e alcançou os bairros populares. Esse
autor observa, portanto, uma possibilidade de inversão, quando registra que
foram as elites, no que concerne ao encontro, que se apropriaram de práticas
populares.
Encontrar e festejar são elementos de um mesmo processo de apropriação
social do espaço. Significa, em sua essência, ser potencialmente incluído,
participar de forma igualitária de um evento. O encontro está associado ao
acontecimento, que se constitui em uma forma de refazer o cotidiano, de
reinventar e de reviver, interrompendo, ainda que por pouco tempo, a reprodução
da exclusão. Trata-se de momento de renovação da vida. Todos gostam de viver
um novo encontro, que promete alterações e uma nova cotidianeidade. Os
encontros afetivos têm essa virtualidade, propondo novas formas de vivência e
outros companheiros para a vida cotidiana. O exercício da felicidade muitas
vezes é composto dessa expectativa, trazendo a promessa da mudança e da
transformação. Ou como Vinícius dizia: “a vida é a arte do encontro, embora haja
tantos desencontros pela vida.”.

Interação e confronto no espaço urbano


Confrontar é colocar em oposição. Trata-se de relações espaço-temporais que
expõem contrários e contradições, através de múltiplas formas de dominação que
impõem representações sociais que não fazem parte, necessariamente, do
pensamento coletivo. Trata-se muitas vezes de obrigar a escolha de uma
alternativa de ação que não corresponde à construção da vontade social. Assim, o
confronto de idéias freqüentemente se limita, na verdade, a ser um exercício que
visa a legitimar a eliminação do opositor.
No espaço de interação, o confronto pode ser conduzido, apenas, para que
ocorra a dominação de uma das partes, quando estão sendo decididos os rumos
da ação coletiva. Confrontar, menos que um saudável exercício democrático,

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

pode, portanto, ser apenas um mecanismo estrategicamente utilizado para fazer


valer um conjunto de idéias que, efetivamente, não são compartilhadas. Assim,
em vez do diálogo das diferenças, tem-se o resultado de que a escolha de uma das
partes antecede (e prepara) a eliminação da outra. Trata-se, portanto, de uma
disputada dirigida à ocupação da totalidade do espaço social.
Dominar é estabelecer o domínio sobre a ação do outro, pela manipulação e
racionalização de processos coletivos. O confronto tem por objetivo, com
freqüência, transformar em ação uma idéia que não é compartilhada, o que é
completamente distinto do protesto que resulta da indignação e do sentimento de
injustiça. No espaço da interação, quando a troca é possível, porém não realizada,
o confronto é o exercício da violência, configurando um processo dirigido à
dominação através do discurso, da representação e da ação.
Na história das idéias, encontramos formulações nas quais o confronto é
compreendido como uma necessidade irrecusável, cuja satisfação conduziria à
transformação social. A alteração das relações de dominação é lida como
resultado da força política e das relações de oposição que podem alterar as formas
da dominação social, apreendidas prioritariamente nas relações econômicas.
Essas formulações deixaram ocultas numerosas outras relações de dominação em
que as mesmas táticas e estratégias podem ter efeitos completamente invertidos.
Assim, durante muitos anos, o pensamento social valorizou, quase
exclusivamente, a idéia do confronto como um caminho para a emancipação,
sem que outras possibilidades fossem examinadas.
Confrontar, entretanto, é uma ação social com resultados complexos,
podendo gerar o reforço da dominação. Dominar é exercer o poder de forma a
que a outra parte seja completamente subordinada a uma ação que não lhe é
própria. Implica a perda da liberdade de ação (Arendt, 1994) para alguns, o que
conduz ao sofrimento, imobilizando a face criativa da ação social e obrigando o
outro a ocupar um lugar que não lhe é próprio. Dominar é congelar as relações
espaço-temporais, imobilizando o percurso e impondo uma vontade que não
resulta em compreensão e aceitação.
Trata-se, portanto, de opressão. Eu pergunto: será possível oprimir para
emancipar? Estar aprisionado é perder o domínio, as relações espaço-temporais.
No livro e CD ROM Valetes em slow motion, Kiko Goifman (1998) apresenta as
condições do encarceramento. Nesse estudo, o prisioneiro surge como um
indivíduo que é impedido de viver o acontecer no espaço, que se realiza no
tempo. A imagem mais forte dessa análise surge quando um dos depoentes relata
que, para passar o tempo, fere o dedo e observa o gotejar do sangue. Estar
aprisionado é perder a liberdade de ação no espaço e tempo.
O confronto pode ser lido em diferentes objetos e ações: no espaço urbano,
no institucional, no familiar e no afetivo. Em todo movimento cotidiano,

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Tamara Tania Cohen Egler

podemos ver, ler e sentir as relações de confronto. Todos os dias, em numerosas


situações, o confronto predomina nas idéias, representações e ações. Na cidade,
confrontamos cotidianamente com todos aqueles que têm objetivos diferentes dos
nossos, em todos os domínios: na luta pelo trabalho, pela informação, pela cultura
e na esfera da política. As diferenças de idéias e de desejo manifestam-se
diariamente na forma do confronto e do exercício da dominação.
Para dar conta dessas diferenças, onde cada cabeça é uma sentença, vamos
reconhecer processos e procedimentos que estabelecem as condições para o
exercício da dominação. Primeiramente, cabe observar que, nas situações em que
não é possível obter o consenso, o confronto aparece, de imediato, como uma
relação positiva, catalisadora de energias sociais.
A idéia predominante de democracia é exatamente essa, a escolha de uma
idéia ou ação que seja observada pela maioria. O confronto de idéias e projetos
emerge, então, como a forma legítima de tratamento das diferentes vontades que
conformam o coletivo. A igualdade é compreendida, nessa concepção, como
resultado do confronto, que garantiria a defesa do desejo da maioria.
Coerentemente com essa orientação analítica, o urbano foi compreendido
pela teoria dos movimentos sociais como o lugar da luta pelo espaço. O confronto
passa então a ser apreendido como único destino da luta legítima, conduzindo à
transformação das formas desiguais de acesso aos bens coletivos. A cidade é
compreendida, quase exclusivamente, como o lugar da luta e do confronto, onde
a conquista dependerá da capacidade de impor desígnios condutores da ação
social. Foram esses fundamentos que orientaram as formas de organização da
sociedade na esfera da política, reunindo a força coletiva necessária ao confronto
com o Estado, no sentido de garantir investimentos públicos em beneficio dos
excluídos.
Nessa formulação, existe uma dinâmica da ação que realiza o percurso da
vivência cotidiana para a denúncia dos processos de exclusão. Trata-se,
fundamentalmente, de uma relação de oposição que demanda um certo tipo de
ação para a transformação das condições de exclusão do acontecer urbano.

Transformação do espaço: encontros ou confrontos?


A política urbana foi compreendida, assim, como a capacidade de estabelecer
estratégias de ação dirigidas à superação da desigualdade no acesso ao bem-estar.
A história da política urbana, no nosso país, atesta essa compreensão. Para cada
momento histórico, são valorizados diferentes agentes e necessidades nesse
sempre evocado, e adiado exercício da transformação.
O que muda em cada período histórico é a estratégia de ação e o agente
transformador. Para o planejamento tecnocrático, a capacidade de transformação

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

é de natureza técnica, cabendo ao especialista identificar processos e hierarquizar


ações para o alcance de determinadas metas preestabelecidas nos planos.
A falácia dessa compreensão conduziu à transformação do agente. O técnico
é afastado de suas responsabilidades, abrindo-se o caminho para novas formas de
organização política da sociedade. A transformação das condições de vida no
urbano passa a ser compreendida como resultado de ações de confronto com
outros setores da sociedade na luta por investimentos públicos.
Nas duas formulações, entretanto, o objetivo enunciado é o mesmo. Trata-se
de transformar em realidade um ideário que aposta na transformação das formas
materiais – serviços e equipamentos de consumo individual e coletivo, objetos
móveis e imóveis, correspondentes à totalidade do viver na cidade. Formas
materiais que resultam de processos de produção específicos decorrentes do
investimento capitalista público ou privado.
Penso, entretanto, ser indispensável considerar, para além desses projetos, a
estrutura simbólica responsável pela reprodução organizada da exclusão. A
exclusão é uma representação social que conduz um grupo a eliminar outro do
convívio familiar, institucional e urbano. É, portanto, um sentimento que
perpassa os processos de compreensão do espaço e de sua apropriação. O mais
grave não é a falta de espaço, mas os sentimentos que conduzem à reprodução da
exclusão, através de barreiras, inclusive invisíveis, ao uso igualitário dos bens
urbanos. Essa condição pode ser claramente lida na cidade do Rio de Janeiro.
Penso, por exemplo, nas formas de apropriação do patrimônio cultural ou
ambiental: quem vai ao Centro Cultural do Banco do Brasil? Quem chega à praia
de Ipanema?
A exclusão é conformada por condições materiais e representações sociais
que movem sentimentos, percepções e símbolos, expressos também no gesto, na
fala, no olhar. São esses gestos, falas e olhares que (re)produzem a exclusão,
impossibilitando sua superação. Um dos movimentos de resistência mais
importantes à experiência da exclusão foi o “Black is beautiful”. O negro é
bonito, é lindo. Essa afirmação restaura a possibilidade do amor por si próprio,
trazendo toda a beleza da condição negra e afirmando a identidade através de um
discurso socialmente apropriado. A condição negra na sociedade americana de
hoje certamente também resulta da construção da identidade beautiful do negro
americano. O fundamento dessa resistência é de natureza simbólica, sendo
associado à valorização do corpo e da cultura. Esse é um movimento social pela
inclusão, contra a exclusão do apartheid , do colocar à parte nos Estados Unidos.
Esse é um movimento que visa, também, a transformar representações
sociais, fazendo valer o ame-se a si próprio para ser amado. Tal condução da ação
altera a compreensão da exclusão, transpondo, ao excluído, elementos e
responsabilidades pela ação. Encontrar a si mesmo, para confrontar

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Tamara Tania Cohen Egler

positivamente o outro, é um movimento que também se realiza no campo das


representações sociais, de natureza psicocultural, podendo fazer avançar o
processo de transformação social e possibilitar a transformação do confronto em
encontro. O encontro com os iguais e a interação com os diferentes são condições
de superação de representações sociais responsáveis pela reprodução da exclusão
no espaço urbano.
As relações espaço-temporais têm uma relevante dimensão cotidiana, que
não pode ser menosprezada (Léfèbvre, 1978; Certeau,1994). Assim, é preciso
constituir um espaço-tempo de interação que permita a troca e a identificação e
não, apenas, o confronto. O encontro pode permitir a constituição desse lugar-
tempo, partilhado pelos iguais.
A constituição de lugares libertários de interação depende do entretecer das
diferentes idéias que formam o coletivo e que podem conduzir à elevação da
condição de vida de todos. O espaço de interação é como um tecido que se forma
pela ação dos múltiplos agentes; cada um tece um fio, no sentido de realizar um
conjunto de idéias condutoras da ação em benefício da apropriação coletiva dos
múltiplos processos e espaços de vida, no cotidiano das cidades. Estes são
desafios postos, inclusive, pela crise da cidade industrial.

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Repensando a experiência urbana da América Latina: questões, conceitos e valores

Bibliografia
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Dumará).
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produção, conhecimento e reconhecimento. Tese de Doutorado (Rio de
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Santos, Milton 1996 A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção
(São Paulo: Hucitec).
Santos, Milton 1994 Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-
científico-informacional, (São Paulo, Hucitec).

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