O QUINZE-teatro
O QUINZE-teatro
O QUINZE-teatro
Chico Bento
entra em cena logo em seguida.
Chico B.: Compadre, vim fazer um negócio, umas reses que eu queria vender.
Chico B.: Inhor sim. A Dona Marocas já mandou soltar o gado... Hoje mesmo abri as porteiras...
A seca tá braba.
Vicente: Oxente, um gado bom daqueles! Aquela velha é doida! Eu que não abandono meus
cabras numa desgraça dessas! Enquanto houver juazeiro e mandacaru em pé e água no açude,
trato do que é meu!
Vicente abaixa a cabeça pensativo. Depois subitamente fugindo a idéia que o preocupava:
Chico: Um boiote, uma vaca solteira e um garrote. Tem mais a minha roupa de couro e está
em bom estado compadre!
Chico: Pelas reses...Me dê quarenta mil réis, por cabeça...É o mesmo que lhe dar dado!
Chico: Se o compadre quiser fazer uma troca... Me dava um animal de carga e uma volta em
dinheiro. Me dê um cavalo!
Vicente: É... Aliás eu nem devia andar comprando gado agora...mas vamos ao curral pra você
ver os animais que eu tenho.
Entra em cena Cordulina, com uma bacia. Cordulina está lavando roupa e Chico Bento entra
Chico B.: A gente tem que ir embora. Dona Maroca já mandou soltar o gado!
Cordulina: Mas Chico, eu tenho tanta pena de deixar a minha barraquinha! Onde é que a gente
vai viver nesse mundão de meu Deus?
Chico B: Em todo pé de pau há um galho mode a gente armar a tipóia. E com umas noites
limpas assim, dá até vontade de se dormir no tempo.
Chico B.: Agora eu vou até a cidade vê se eu arrumo as passagens pra fortaleza, pra gente
seguir pro Amazonas.
Conceição: Lá vem mãe Nácia com briga! Não é domingo? Estou descansando.
Inácia: E esses livros prestam pra moça ler, Conceição? No meu tempo, moça só lia romance
que o padre mandava...
Inácia: E pra que uma moça precisa saber disso? Você quer ser doutora pra escrever livros?
Conceição: Qual o que mãe Nácia, leio pra aprender, pra me documentar...
Conceição: Pedi uma licença de um mês, pra ver se mãe Nácia se desengana do inverno e vai
comigo.
Vicente: Eu vou ficar aqui até essa seca passar, não vou deixar os meus animais morrerem.
Conceição: Mas você é cabeça dura hein Cente. Vai ficar sozinho nessa degradação?
D. Inácia: Pois é meu filho, nós estamos partindo amanhã bem cedo. Espero que você fique
bem. Agora me dão licença que eu vou terminar de arrumar as minhas coisas.
Conceição: Talvez você possa nos visitar, passar alguns dias lá com a gente.
Vicente: Quem pode! Só se eu deixasse aqui tudo morrendo... Não sei se posso nem ver vocês
assim de carreira!
D. Inácia: Conceição, minha filha, me ajude a achar aquele álbum de fotos do seu avô.
Vicente: Bem... Eu vou dar uma olhada no gado. Depois nós conversamos.
Na sala estão: Cordulina costurando uma roupa com Duquinha no colo, Josias brincando no
chão e Mocinha varrendo a sala.
Cordulina: Mocinha! Vê se tu dá um pirão de peixe pra esse menino que anda em tempo de
me comer os peitos!
Mocinha pega o menino do colo de Cordulina e sai de cena. Em seguida entra Chico
Chico B.: Diaba do couto duro como o cão! Pior que alazão da fazenda!
Cordulina: Mas Chico, pra que é que você toma quando vai no Quixadá? Toda vez que vem é
desse jeito!
Chico B.: Besteira mulher! ...Tomei nada! A vontade que eu tinha era de tá bebinho mesmo pra
esquecer de tudo quanto é desgraça.
Conceição: Oxente mãe Nácia, ainda chorando? Os olhos não cansaram da despedida, da visita
a tia Idalina?
Inácia: deixar tudo assim, morrendo de fome e seca! Fazia 25 anos que eu não saía do
logradouro, a não ser para o Quixadá!
Conceição: Adeus Cente! Diga as meninas que eu escrevo assim que chegar. Dê um abraço
bem grande em tia Idalina.
Conceição: A gente vai ficar te esperando caso você resolva aparecer. Adeus!
Chico Bento e sua família entram em cena. Estão próximos de uma pequena cidade.
Cordulina: Come um pouco dessa rapadura com farinha que é só o que nós tem pra comer!
Josias sai devagar, vai para um cantinho onde encontra um pé de mandioca e come.
Cordulina: Como é que nois faz com essas crianças? A rapadura e a farinha tão acabando. E
agora homem?
Cordulina: Vai dormir diabo! Parece que tá espritado! Soca um quarto de rapadura no bucho e
ainda fala em fome! Vai dormir!
Mocinha: Fui no castro! Tem lá uma mulher que carece de uma moça mode ajudar na cozinha
e vender na Estação.
Mocinha: Assim... Quem não tem pai nem mãe como eu... Todo mundo é estranho!
Chico B.: Se é melhor pra você Mocinha... Então fica! Qualquer dia desses a gente se cruza
nesse mundão de meu Deus.
Mocinha: Adeus!
Cordulina: De quê?
Chico Bento se desespera enquanto Josias morre aos poucos. Minutos se passam e algum
tempo depois...
Cordulina se desespera.
Cordulina: Meu Senhor, meu Deus, o que eu fiz pra merecer isso? Por que levou meu filhinho
Senhor?
Cordulina passa alguns segundos chorando sobre o corpo de seu filho. Silêncio nesse
momento.
Chico B.: Vamos seguir nosso caminho, é o que nos resta e que Deus cuide de nosso filhinho lá
no céu.
Começa com chico e a família andando, quando Cordulina para com Duquinha.
Cordulina: Chico, eu não posso mais... acho até que vou morrer. Tá me dando aquela zoeira na
cabeça!
Chico: Arrume um canto pra descansar então, que eu e Pedro vamos arrumar o que comer.
Cordulina e Duquinha saem de cena. Pedro vai procurar comida e volta trazendo a cabra.
Chico: Se não tem ninguém por perto, então o dono deve ter soltado no mundo...
Chico pega a cabra das mãos dele e pega um facão, quando Pedro interrompe.
Chico: Meu senhor, pelo amor de deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho pelo
menos que dê pra um caldo pra mulher mais os meninos! Foi por eles que eu roubei! Já caíram
com a fome!
Ele tenta pegar a cabra de Chico, mas Chico se defende com a faca. Depois Chico joga a cabra
pra ele, e se ajoelha no chão envergonhado. Pedro vai até ele.
Coronel: Bando de cachorro! Deviam estar na cadeia! (Ele fala enquanto sai)
Cordulina: Chico! Chico, quem era aquele homem? O que foi que aconteceu?
D. Inácia: Você Vicente! Por aqui meu filho? O que te traz aqui?
Vicente: Vim por causa de uma partilha de caroço que eu encomendei para o gado.
Vicente: Tudo na mesma... A casa fechada como vocês deixaram, o açude secando...
Inácia: está na escola, isto é, a esta hora deve estar no campo de concentração. Ela faz parte
do grupo de senhoras que distribuem comida e roupa pros mais pobres.
Vicente: Pois é. Estou de passagem pela cidade, e você como está? Vejo que mais bonita.
Vicente: Contar o que? História de seca? Dizem que um negro, lá pras bandas da Morada
Nova, matou um menino, salgou e ficou comendo os pedaços aos poucos.
Vicente: Obrigado!
D. Inácia: Desculpe Vicente mas eu estou de saída, tenho que levar umas doações para uns
pobres flagelados. Adeus Vicente. Mande lembranças para todos lá em Quixadá.
Conceição: Eu vou te acompanhar até a estação! Tenho que voltar ao trabalho. Vamos?
9° Ato ( Em Fortaleza)
Entram em cena Chico Bento, Cordulina e Duquinha. Todos admirados com a cidade grande.
Chico B.: Vamos procurar o tal abrigo dos retirantes que aquela mulher falou pra gente.
Chico B.: Ah! Comadre Conceição! A senhora por aqui! Cheguei hoje, agorinha...
Conceição: E você comadre? Como vai? Tão fraquinha hein? Vocês tão magros demais.
Chico B.: O que tanta miséria não faz! Só Deus sabe o que a gente passou nesse sertão.
Conceição: Imagino compadre! É retirante que não acaba mais. E esse é meu afilhado? O
Manoel?
Conceição: Misericórdia comadre! Eu imagino o que vocês estão sentindo nesse momento!
Mas vocês estão pensando em ir pra onde?
Conceição: Eu trabalho lá! Mas faço questão que vocês fiquem na minha casa. Vamos.
E todos vão para a casa de Conceição. Chegando, eles sentam e ela arruma alguma coisa pra
eles comerem. Depois entra Dona Inácia toda feliz.
Chico: minha comadre, quando eu saí do meu canto era determinado a embarcar para o
Norte, trabalhar no Amazonas... Mas depois da morte do Josias, a mulher desanimou, com
medo de perder o que nos resta... eu queria que a senhora desse uns conselhos pra ela, e que
arranjasse umas passagenzinhas...
Conceição: Isso não compadre! A comadre tem certa razão, além da viagem, como vão fazer
com tanta doença? Diz que até no Maranhão, tem família inteira que morre de sezão.
Chico: Então que é que se há de fazer? A senhora bem está vendo que eu não posso ficar aqui,
nesta desgraça...
Conceição: ...Por que vocês não vão pra São Paulo? Dizem que lá é muito bom, trabalho por
toda parte, clima sadio...
Chico: Eu já tenho ouvido contar muita coisa boa do São Paulo, terra rica, de café, cheia de
marinheiro...
Conceição: Eu vou ajudar vocês! Eu compro as passagens. Agora, eu só queria pedir um favor.
Cordulina: É, a gente não tem condição de criar o bichinho... o que diz, Chico?
Chico: O menino tá em boas mãos com a comadre, ele ia sofrer mais se ficasse com a gente.
Cordulina: Nossa senhora lhe proteja! E tenha caridade com o pobre do meu filhinho!
Conceição: Então está bem! Vamos pra estação que eu vou comprar logo as passagens de
vocês. Agora é seguir em frente que Deus tem uma vida nova para todos!