O Santo e A Porca

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CENA 1: O pano abre na casa de Eurico Árabe, conhecido como Euricão

engole-cobra

Caroba: Foi o patrão dele disse: “Pinhão, você sele o cavalo e vá na minha frente
procurar Euricão”

Euricão: Euricão não! Meu nome é Eurico.

Caroba: Isso, Seu Eudoro Vicente disse: “Sele o cavalo e vá procurar Euriques”

Euricão: EURICO!

Caroba: “Vá procurar Euríquio...”

Euricão: Chame de Euricão mesmo.

Caroba: “Vá procurar Euricão Engole-Cobra...”

Euricão: Engole-Cobra é a mãe!

Que quererá Eudoro Vicente comigo?

Pinhão: Acho que é dinheiro emprestado

Euricão: E que ideia é essa de que tenho dinheiro? Você andou espalhando isso
Caroba miserável?

Caroba: Eeeeeeeeu? Eu não!

Euricão: Ai meu Deus com essa carestia! Ai a crise, ai a Carestia! Tudo que se
compra está pela hora da morte!

Caroba: Mas por Deus, o que é que o senhor compra? Só falta matar a gente de
fome!

Pinhão: Pelo menos leia a carta!

Euricão: Eu? Deus me livre de ler essa maldita! Santo Antônio, que me proteja, ai a
crise ai a carestia.

Entra Margarida com Dodó Vicente.

Margarida: Papai, papai, o que foi?

Euricão: Ai minha filha, são os ladrões!

Margarida: Ladrão? Pega ladrão, pega ladrão!!!

Euricão: Xiu, não grite assim ou vão pensar que temos o que roubar, e vêm roubar. Ai
a crise ai a carestia!

Margarida: Desembucha, por que tanto escândalo?


Pinhão: Seu pai está assim por uma carta que nem leu! O Senhor meu patrão que
mandou.

Caroba: Deixe de ser frouxo, leia logo a carta!

Euricão: Não leio, essa maldita, deve ser dinheiro emprestado.

Margarida: Me dê aqui, eu leio.

Margarida lê a carta em silêncio por alguns estantes

Euricão: Desembucha!

Margarida: A carta diz que ele vem te visitar, papai.

Euricão: Só isso?

Margarida: Não entendi direito, mas ele disse que vem lhe privar do seu maior
tesouro.

Euricão: Ladrão! Maldito! Miserável!

Eurico sai de cena rapidamente e vai até o cômodo que está sua amada
porca de madeira

Euricão: Você está a salvo minha porquinha amada, mas não posso me descuidar
nem por um minuto, senão... Ai Santo Antônio, proteja meu tesouro, só confio no
senhor.

Na sala, todos continuam sem entender o desespero de Euricão

Pinhão: Eu achava que o maior tesouro de um homem era sua filha. Eu não quis
adiantar o assunto, mas meu patrão quer vossa mão em casamento Margarida.

Margarida: Ai não! Isso não, e agora, o que será de nosso amor, Dodó?

Dodó: Fale baixo meu amor, ou vão descobrir o nosso segredo. Também não sei, mas
não posso deixar isso acontecer. Logo com meu pai.

Pinhão: Seu pai ainda não sabe que você abandonou os estudos?

Dodó: Não, meu amor por Margarida impediu que eu saísse de perto dela. E agora,
vai cair tudo por terra.

Caroba entra em passos miúdos

Caroba: Me desculpem a intromissão. Não pude deixar de ouvir a conversa de vocês.


Acho que posso ajudar no problema de vocês.

Dodó e Margarida falam ao mesmo tempo: Como??????


Caroba: Seu Eudoro não vem atrás de um noivado?

Dodó e Margarida falam ao mesmo tempo: Vem

Caroba: Só precisamos noivá-lo com sua tia Benona.

Margarida: Mas você sabe que eles já foram noivos, isso não vai dar certo.

Caroba: Eram outros tempos, após a viuvez o homem se torna outra pessoa.

Margarida: Mas como faremos isso?

Caroba: Deixe tudo comigo, mas em troca, preciso de algum incentivo...

Dodó: Tava demorando... Te dou o dinheiro da pensão que recebo de meu pai esse
mês.

Caroba: Combinado, aguardem minhas instruções.

Todos saem de cena e Caroba vai até o encontro de Eurico, que está junto
de sua amada porca de madeira e sua imagem de Santo Antônio.

Euricão: O que pode querer este homem comigo?

Caroba: Calma seu Erico, o homem enviuvou tem algum tempo, não é?

Euricão: É

Caroba: E dona Benona não passou o São João lá na fazenda dele, não é?

Euricão: É

Caroba: Então, um homem rico como ele, só pode querer uma coisa do senhor, um
casamento. E isso pode ser ótimo para você, ter um cunhado rico e ainda terá uma
boca a menos para alimentar.

Euricão: E eu não tenho dinheiro nem pra bancar esse jantar de noivado, quem dirá
arcar com os gastos deste casório.

Caroba: É só você pedir 20 contos pra ele, como quer impressionar, não irá te negar
este favor.

Euricão: Se esse noivado não deu certo a primeira vez, como dará certo agora?

Caroba: Eles foram noivos muito tempo atrás, isso já são águas passadas.

Euricão: E se ele não der os 20 contos?

Caroba: Deixe isso comigo, eu trato de amaciar ele parra o senhor. Mas em troca
você me dá uma parte dos 20 contos.

Euricão: Eu nem ganhei meu dinheirinho e já querem me roubar! Ai a crise, aí a


carestia.

Os dois saem de cena


A cena muda e Seu Eudoro Vicente chega na casa de Eurico Árabe

BENONA — Eurico, Eudoro Vicente está lá fora e quer falar com você

EURICÃO — Benona, minha irmã, eu sei que ele está lá fora, mas não quero falar
com ele.

BENONA — Mas Eurico, nós lhe devemos certas atenções.

EURICÃO — Você, que foi noiva dele. Eu, não!

BENONA — Isso são coisas passadas.

EURICÃO — Passadas para você, mas o prejuízo foi meu. Esperava que Eudoro, com
todo aquele dinheiro, se tornasse meu cunhado. Era uma boca a menos e um
patrimônio a mais. E o peste me traiu. Agora, parece que ouviu dizer que eu tenho um
tesouro. E vem louco atrás dele. Mas ele está muito enganado. Santo Antônio há de
proteger minha pobreza e minha devoção.

CAROBA — Dona Benona, espere um instante. Quero lhe dizer um negócio, em


caráter confidencial. BENONA — Que é, Caroba?

CAROBA — Pinhão está desconfiado de que Seu Eudoro vem pedir a senhora em
casamento.

BENONA — Caroba!

CAROBA — É verdade, Dona Benona! A senhora não foi noiva dele?

BENONA — Fui, mas briguei por uma besteira e ele se casou com outra.

CAROBA — Mas o fato é que está viúvo e arrependido! Ele mandou dizer a Seu
Euricão que vinha privá-lo de seu tesouro e Pinhão acha que só pode ser a senhora.

BENONA — É possível?

CAROBA — A senhora mesmo vai ver, daqui a pouco. Mas parece que ele está meio
envergonhado, depois de tanto tempo. É natural, mas é preciso ajudá-lo.

BENONA— (Faceira.) Ele está acanhado porque quer, porque eu nunca o esqueci.

CAROBA — Foi nada?!

BENONA — E então?

CAROBA — Pois eu vou ajudar Seu Eudoro a sair do acanhamento. A senhora me


deixe só com ele que eu vou me certificar.

BENONA — Ai, Caroba, estou tão confusa! Foi tudo tão de repente! E assim, de
surpresa, sem me dizer nada! Mas Eudoro sempre foi meio doidinho!
CAROBA — É casamento na certa! A senhora saia e deixe tudo comigo!

BENONA — Pois está certo. Fique, fale com ele e que Santo Antônio nos proteja.

Entra EUDORO VICENTE. BENONA lança-lhe um olhar provocante e terno.

BENONA — Eudoro, meu irmão vem já. Com licença, malvado! (Sai.) EUDORO — Que
foi que houve aqui, meu Deus, para Benona me olhar assim. Que coisa esquisita!
CAROBA — Ah, e o senhor ainda não soube de nada não?

EUDORO — Não, o que foi que houve?

CAROBA — O que houve, Seu Eudoro, foi que o povo daqui está desconfiado de que o
senhor veio noivar.

EUDORO — E por que estão pensando nisso?

CAROBA — O senhor mandou dizer na carta que ia roubar o tesouro de Seu Euricão e
todo mundo está pensando que isso quer dizer "casar com Dona Margarida".

EUDORO — Pois estão pensando certo, Caroba. Desde que Dodó saiu de casa para
estudar, estou me sentindo muito só. Simpatizei com a filha de Euricão e resolvi pedi-
la, apesar da diferença de idade.

CAROBA — O senhor está parecendo meio encabulado de pedir.

EUDORO — É verdade, Caroba. Não sei como vou começar. Minha idade não permite
mais certas coisas que agradam às moças, de modo que...

CAROBA — Então deixe comigo. Seu Euricão é louco pela filha. Não gosta nem de
falar em casamento para ela, com medo de perdê-la. O senhor agrade o velho, seja
delicado, diga que ele vai bem de saúde e de negócios, fale em Santo Antônio, que é
a devoção dele, e deixe o resto comigo.

CAROBA — Então eu vou chamá-lo. Seu Euricão! Seu Euricão! Seu Euricão Engole-
Cobra!

EURICÃO — (Entrando.) Engole-Cobra é a mãe. Bom dia, Eudoro Vicente.

EUDORO — Bom dia, Eurico Arábe. Santo Antônio o guarde, Santo Antônio o proteja a
você e a toda a sua família.

EURICÃO — (À parte, a CAROBA.) Se não for dinheiro emprestado, eu estufe! Que


Santo Antônio também o proteja, Eudoro Vicente.

EUDORO — Então sempre em saúde e prosperidade, hein?

EURICÃO — É dinheiro, não tem pra onde! Prosperidade, eu? Você sim, pode dizer
que vai bem com todas aquelas fazendas!

EUDORO — Que é que adianta a terra, Eurico? Vem a seca e morre tudo. A felicidade
é que tenho amigos e são eles que me valem nas horas de aperto.

EURICÃO — (É dinheiro emprestado, não tem pra onde!)

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