Forma de Prestação de Serviço Público
Forma de Prestação de Serviço Público
Forma de Prestação de Serviço Público
TOMO 2
DIREITO ADMINISTRATIVO E
CONSTITUCIONAL
COORDENAÇÃO DO TOMO 2
Vidal Serrano Nunes Júnior
Maurício Zockun
Carolina Zancaner Zockun
André Luiz Freire
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
DIRETOR
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
Pedro Paulo Teixeira Manus
DE SÃO PAULO
DIRETOR ADJUNTO
FACULDADE DE DIREITO Vidal Serrano Nunes Júnior
CONSELHO EDITORIAL
1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
INTRODUÇÃO
SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2
1. O serviço público como atividade prestacional ...................................................... 3
2. Prestação indireta e legalidade ................................................................................ 6
3. A prestação de serviços públicos pela Administração Pública Indireta .................. 8
4. A prestação de serviços públicos pela iniciativa privada ...................................... 14
5. Advertência final ................................................................................................... 24
2
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Referências ..................................................................................................................... 25
A boa lógica manda que antes de cogitar sobre os modos de sua prestação
(objeto imediato dessas considerações), se tenha em mente o que vem a ser serviço
público. Logo, ainda que evidentemente sem a menor pretensão de profundidade, cumpre
dar algum lastro ao conceito de serviço público.1 O fio orientador da exposição, dentre os
vários vértices possíveis, será aquele que se refere ao modo de prestação dessas
atividades. Assim, deixar-se-ão de lado as discussões teóricas relativas ao conceito para
indicar sua feição essencial no que se refere às maneiras pelas quais essa atividade pode
ser disponibilizada em favor da sociedade.
E o ponto de partida para tanto é indicar a natureza prestacional dos serviços
públicos. Em uma enunciação tradicional em nossa doutrina: “Serviço público é toda
atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos
administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de
direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições
especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como
próprios no sistema normativo”.2
Como se nota de pronto, serviço público diz respeito à faceta prestacional do
Estado, caracterizando-se por ser uma técnica jurídica que vincula o Estado à prestação
de comodidades diretamente à coletividade.3 Nessa perspectiva, o serviço público se
caracteriza como uma obrigação que o ordenamento jurídico impõe ao Estado de
assegurar certas prestações à coletividade, exigindo um especial compromisso da ordem
jurídica com sua disponibilização à sociedade. Com isto, resolvem-se dois problemas
1
Para uma exposição detalhada acerca da evolução do conceito e ainda das controvérsias acerca da sua
definição, consulte-se MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias,
pp. 139-173
2
Idem, p. 1
3
O serviço público não é a única manifestação prestacional da Administração, que pode se valer de vias
indiretas, tais quais as previstas na atividade de fomento. Todavia, o serviço público se caracteriza por
imputar um dever de gerar a oferta efetiva de certas atividades em prol da coletividade, o que lhe aparta de
outras manifestações prestacionais.
3
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4
GONÇALVES, Pedro. A concessão de serviços públicos (uma aplicação da técnica concessória), p. 32.
5
Sobre o tema da perda de clareza da divisão público/privada no direito administrativo, consulte-se
GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O exercício da função administrativa e o direito privado. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-26032012-111633/pt-br.php>.
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sujeições que se coloca ao agir estatal (derivados da ideia de função), assim como permite
o apelo a recursos de autoridade.
Nessa linha, percebe-se que o serviço público é um título jurídico que cria um
dever para o Estado, que se caracteriza pela necessidade de implementar as medidas úteis
para desenvolver, concretamente, materialidades em prol da sociedade. Logo, mais do
que uma competência a permitir que o Estado atue, as normas que instituem serviços
públicos demandam a atuação do Estado, sendo a sua omissão juridicamente censurável.
É dizer, os serviços públicos só existem em sendo considerados concretamente; isto é,
levando em consideração o modo pelo qual efetivamente são ofertados à coletividade.
Contudo, a experiência registra que raramente essa atividade é desempenhada
diretamente pela Administração Direta, sendo usual sua atribuição a outras pessoas
jurídicas, sejam integrantes da Administração, sejam particulares. As contingências
associadas à gestão da atividade, usualmente, conduzem, mercê da necessidade de
especialização, à delegação dessas atividades para a centros dotados de autonomia, cuja
missão institucional é desempenhar essas atividades em nome e por conta do Estado.
Assim, nada obstante o Estado titularize a competência de responder pelos serviços
públicos, fato é que raramente isso é feito de modo direto.
Alinhadas as coisas, a grande questão que se coloca ao se chegar a esse ponto
da discussão é: como deve o Estado se desincumbir dessa responsabilidade? Deve ele agir
diretamente, na medida em que o serviço público é uma atividade inerente à própria
tecitura da soberania? Ou, em vista do elemento econômico subjacente ao fato de se ter
uma atividade, admite-se o recurso à gestão privada?
Com efeito, a resposta à questão não é una. Isso porque há diferentes
configurações acerca dos serviços públicos. Há atividades que por decisão constitucional
devem ser necessariamente prestadas diretamente pelo Estado, como ocorre com o
serviço postal (art. 21, X da CF). Há outras atividades que devem ser prestadas pelo
Estado, mas admite-se, todavia, a iniciativa privada em paralelo aos serviços estatais. É o
que acontece com a saúde e a educação (arts. 197 e 206, III da CF, respectivamente). Há
ainda atividades públicas que devem necessariamente ser exploradas por particulares,
como acontece com o serviço notarial (art. 226 da CF). E há diversas outras atividades,
que podem ser prestadas diretamente ou ainda delegadas à iniciativa privada (que
constituem a generalidade dos casos).
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Há, portanto, diferentes situações, cada qual portadora de uma lógica própria.
Enfim, a pretensão de achar uma explicação unívoca e abstrata se faz com tamanha
distância da realidade que perde qualquer valor operacional. Desse modo, o recorte aqui
apresentado foca-se em abordar os serviços públicos que não estão sujeitos a um
tratamento juridicamente peculiar. Cuidam-se das atividades que se enquadram na
dinâmica do art. 175 da Constituição, que estipula que compete ao Estado prestar serviços
públicos, sendo eles passíveis, contudo, de delegação.
Considerando a variedade de possibilidades, é necessário delimitar o tema. O
presente verbete estudará os modos de prestação a partir da seguinte clivagem: prestação
das atividades por pessoas administrativas, ou seja, sob execução controlada pelo Estado
e prestação por particulares, em que um sujeito privado se torna veículo de concretização
de interesses públicos.6 Parece ser este o corte mais relevante para colocar a claro as
diferenças de regime jurídico, que são o objeto de análise imediata do jurista.
6
Segue-se aqui a proposta de Pedro Gonçalves que analisa o tema sob os “modos de gestão pública” e
“modos de gestão privada” [A concessão de serviços públicos (uma aplicação da técnica concessória), pp.
38-39]. Ressalva-se, contudo, que o autor trata na gestão a delegação para empresas controladas pelo
Estado, no que não o acompanhamos na presente exposição, pois deu-se ênfase ao elemento orgânico
subjacente à Administração indireta.
6
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7
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e administração indireta, p. 03.
8
Apenas por hipótese mesmo que se crie um novo serviço público se imputando ele diretamente a pessoa
integrante da Administração Indireta, ainda assim isso seria uma atribuição de responsabilidade à pessoa
política a que a pessoa que recebeu a delegação está vinculada, pois a Administração indireta não tem
existência autônoma, ela sempre será uma projeção do Estado em si considerado, um instrumento para a
consecução de fins públicos.
7
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9
Registra-se aqui a opinião de Marçal Justen Filho para quem há três modalidades de transferência de
gestão de atividade. Ainda que o autor faça menção à concessão a rationale pode ser expandida para a
generalidade das situações. Segundo o autor há a concessão propriamente dita, em que um particular alheio
à estrutura da Administração assume a gestão da atividade por sua conta e risco. Há ainda a concessão
imprópria, em que se transfere a atividade para criatura administrativa. Nesses casos não se cria uma
oposição de interesses entre a Administração direta e o concessionário, eis que integrados na estrutura do
Estado. Por fim, há a concessão convênio em que a atividade é organizada articulando interesse de diversas
pessoas jurídicas. (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviços públicos, p. 125).
10
Para uma resenha desse fenômeno de perda dos fundamentos originais do direito administrativo em face
de mutações sociais e econômicas, consulte-se BOURJOL, Maurice. Droit administratif, pp. 43-53.
8
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Registra-se, contudo, que uma tendência verificada nas relações administrativas é dotar os entes da
Administração indireta de maior autonomia. A par das Agências Reguladoras contarem com um reforço
institucional de sua autonomia frente ao Estado, atualmente o próprio setor empresarial do Estado veio a
ter sua autonomia reforçada como se vê na Lei 13.303/2016.
9
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Por outro lado, ao adotar essa técnica o Estado deve levar a efeito os
investimentos necessários para a prestação do serviço,12 assim como assumir o risco
correlato à exploração de uma atividade que muitas vezes tem natureza comercial ou
industrial (sujeitando-se, portanto, às vicissitudes de mercado).
Assim, a intenção de manter uma atividade integrada no hemisfério público
implica a concentração nas mãos do Estado de todos os riscos inerentes à exploração,
além de atribuir a ele a necessidade de promover os investimentos correlatos à
disponibilização dos serviços (ainda que o investimento possa ser recuperado por meio
da cobrança de taxas ou tarifas). Logo, a opção de gerir a atividade mediante estruturas
que se integram na Administração Pública não é neutra em termos concretos. Se, por um
lado, aumenta-se a efetividade da ação estatal, pois o executor do serviço se vincula à
Administração Direta, por outro, concentra-se o risco da atividade nas mãos do Estado.
Daí porque a técnica da atuação administrativa na prestação de serviços públicos
pressupõe a robustez orçamentária necessária a suportar essa iniciativa.
Outra decorrência desse modelo é que a articulação entre pessoas públicas não
é regida pela lógica negocial (da qual o contrato é a expressão mais evidente). Assim,
embora possa haver figuras símiles às concessões, como será detalhado abaixo, a relação
intra-administrativa não se explica a partir da lógica econômica, como ocorre quando a
exploração envolve particulares. A lógica negocial impõe, antes de mais nada, que haja
interesses jurídicos distintos que precisam ser remetidos a um programa comum, que se
materializa no contrato (ou num ato com conteúdo econômico, como a permissão), que
fixa os direitos, deveres e obrigações de parte à parte. Nestes casos, o contrato é o centro
de gravidade da relação entre as partes e outorga direitos subjetivos ao contratado, que
são plenamente oponíveis ao Estado.
Contudo, isso não se faz presente nos esquemas de relacionamento inter-
administrativos. A razão é evidente. A Administração Indireta constitui-se, pela via legal,
para servir à Administração Direta. Com efeito, as pessoas administrativas secundárias
existem como veículos de materialização de funções de interesse público. Nessa
12
A indicação de que o Estado deva promover os investimentos não equivale a afirmar que os serviços
prestados pelo Estado devam ser ofertados gratuitamente. O Estado pode cobrar dos usuários mediante
taxas ou tarifas pela utilização ou disponibilização dos serviços. Contudo, note-se que necessariamente
devem ser promovidos investimentos anteriores à cobrança, o que sempre traz a necessidade de o Estado
responder pela financiabilidade da atividade.
10
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perspectiva, os vínculos que se estipulam não são orientados com vistas a instituir uma
relação cuja base é negocial. O elemento central é a relação de colaboração entre as
figuras administrativas, que se organiza a partir de elementos distintos dos que estão
subjacentes a uma transferência de atividade para a iniciativa privada. Claro que podem
ser utilizados arranjos consensuais nesses casos, e usualmente o são. Contudo, eles são
mera projeção do vínculo de colaboração que é subjacente à relação entre a Administração
central e a periférica. Aliás, tanto isso é verdade que não se cogita de licitação para os
casos de transferência inter-administrativa, podendo inclusive ser feita diretamente por
lei.
O detalhe aqui é que nossa organização federativa impõe alguns temperamentos
a esse processo. O primeiro deles é que a pessoa política que é titular da atividade apenas
pode promover essa atribuição de serviços públicos a pessoas jurídicas a ela vinculadas.
Afinal, ninguém pode dispor daquilo que não é seu. Nos casos em que a atribuição direta
envolver pessoa políticas distintas, usualmente há um ato convenial que estipula as bases
dessa colaboração, ou, ainda, uma situação de fato que pressupõe a necessidade de
coordenação entre entes distintos da Federação. Com efeito, um interessante capítulo da
gestão pública dos serviços públicos é a organização entre diferentes entes
administrativos, que se instala pela via dos consórcios públicos que criam mecanismos de
colaboração entre distintas pessoas políticas (cf. Lei 11.107/2005). Nessa perspectiva,
além da atribuição dos serviços à própria administração, pode ser implementada em nível
multi-federativo. Nesses casos, há uma partilha das responsabilidades de execução e de
direção dos serviços entre mais de um integrante da Federação, criando-se um sistema
assemblear de deliberações.
Essa técnica é de extrema relevância, pois permite a articulação entre diferentes
instâncias administrativas, que em muitos casos é verdadeiramente fundamental para
atuação efetiva em favor da coletividade. Diversos serviços públicos têm de conviver, por
exemplo, com processos de conurbação, sendo necessário uma atuação articulada entre
diferentes integrantes da nossa Federação, notadamente no que se refere às regiões
metropolitanas. Outro ponto não desprezível desse processo é o dever que muitas vezes
se apresenta de um ente federativo suplementar a atividade de outro, dotado de menores
condições. Tendo em vista as desigualdades que marcam nossa Federação, fato é que
muitas vezes devem ser instituídos elementos de colaboração entre diferentes esferas
11
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13
Sobre os estranhamentos desse modelo, consulte-se DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na
Administração Pública, pp. 51-52. A autora chega a tratar a situação como sendo de duvidosa
constitucionalidade, assim como revela que este modelo conduziu a “certas contradições na Constituição”
(p. 51).
12
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impróprias”, como as chamou Marçal Justen Filho, em que não existe efetivamente uma
relação econômica privada entre um particular e o Estado a organizar as relações.14 Com
efeito, na prática a análise de situações envolvendo a prestação de serviços públicos por
meio de estatais exige uma análise específica de cada situação, fundada em cada uma das
hipóteses a ela subjacentes.
Assim, em suma, a transferência de atividades à Administração Indireta é uma
técnica que incrementa a efetividade da capacidade de o Estado ingerir sobre a atividade,
pois não se interpolam interesses privados entre a formulação política e a prestação do
serviço público. Em especial, os potenciais conflitos são adjudicados mediante técnicas
intra-administrativas. Contudo, e em contrapartida, a Administração não partilha os riscos
da exploração, ficando sujeita às vicissitudes derivadas de uma exploração que muitas
vezes envolve elementos de mercado (risco de inadimplência, de demanda,
obsolescência, etc.). Mais do que isso, nesses esquemas as atividades devem ser
financiadas com recursos públicos, sendo que a capacidade de investimento do Estado
impacta diretamente sobre a viabilidade fática desses modelos.
No plano da articulação entre os diferentes entes, o que se têm é que o vínculo
é de colaboração entre pessoas administrativas, não obedecendo a uma lógica econômica,
como se dá no caso de transferência para entes privados. Daí que a atribuição da atividade
pode se dar dispensando vias contratuais (embora possam se apelar a esquemas
consensuais para dar mais estabilidade ao vínculo).
Outro ponto de interesse dentro dessa lógica é, muitas vezes, prever que a
delegação da gestão de atividades públicas se dê considerando a articulação entre
diferentes esferas federativas. Não raro o efetivo atendimento dos interesses públicos
deve coadjuvar mais de um ente federativo, como ocorre, v.g. em regiões metropolitanas
ou quando há a necessidade de assistência a um ente federativo que necessita de auxílio.
Nessas hipóteses, é o consórcio público a técnica mais adequada para permitir essas
articulações federativas.
Já quanto às figuras da Administração Indireta usualmente encarregadas da
prestação de atividades qualificadas como serviços públicos, habitualmente esse encargo
recai sobre as estatais, que atuam em regime de direito privado. Isso implica uma
14
JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, pp. 117-129.
13
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15
Sobre o caso e a interpretação dada a ele, está a se utilizar da obra de LAMARQUE, Jean. Recherches
sur l’application du droit prive aux services publics administratifs, pp. 30-34.
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seria indiferente se a Administração agisse pela via contratual ou por meios de autoridade.
Nessa perspectiva, perceba-se que a atuação direta do Estado não é um elemento essencial
à ideia de serviço público. É perfeitamente possível haver serviços públicos, sem que o
Estado os preste diretamente.
Por outro lado, do ponto de vista doutrinário, o serviço público não se afirmou
como uma atividade desenvolvida pelo Estado, mas sim por ele garantida. Nesse sentido,
Duguit caracterizava o serviço público como: “toda atividade em que sua satisfação deva
estar regulamentada, assegurada e controlada pelos governantes, porque a satisfação
dessa atividade é indispensável a realização e ao desenvolvimento da interdependência
social e que ela é de tal natureza que ela não pode ser completamente garantida, senão
pela intervenção da força governante”.16 Do mesmo modo, Jèze, ao estipular as bases do
que hoje conhecemos como serviço público, não se inclinou a identificá-lo como
atividade prestada pela Administração. O referido autor anotou sobre o tema que “A
Administração não é encarregada sozinha da satisfação de objetivos de interesse geral.
De fato, apresenta-se com muita frequência que um particular, uma associação de
indivíduos consagre sua atuação à realização de certos serviços públicos”.17 Por outro
lado, o autor reconhecia o instituto da concessão como integrando os modos de prestação
possíveis em matéria de serviço público.18
Novamente, percebe-se que o elemento central para a caracterização de um
serviço público não está na prestação direta da atividade, mas sim na sua titularidade do
ponto de vista jurídico, que se convola no controle da atuação particular com vistas à
obtenção dos objetivos públicos assinalados. Aliás, tanto isso é verdade que a concessão
foi uma técnica comum no período da afirmação dos serviços públicos.
No que se refere à nossa doutrina, a orientação também é a mesma, qual seja,
permitir que a prestação da atividade se dê de modo indireto. Nesse sentido, manifestam-
se nossos juristas mais destacados, valendo a citação de Celso Antônio Bandeira de Mello
16
DUGUIT, León. Manuel de droit constitucional, p. 73. Mais adiante esclarece o autor que o que se exige
para que o serviço seja público é que ele seja organizado pelos governantes e que funcione sobre o seu
controle, o que não implica que a estrutura de prestação esteja sob a dependência imediata e direta dos
governos. Dentre os modos pelos quais pode haver essa divisão, se coloca segundo o autor a concessão (p.
77, tradução nossa).
17
JÈZE, Gaston. Les principes generaux du droit administratif, p. 36.
18
Idem, pp. 64-68. Interessante notar que Jèze já destacava a perda de importância da colaboração privada,
que vinha sendo reinserida na atuação direta. Assim, fala o autor no desprestígio da concessão, se
comparada com o passado.
15
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19
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias, pp. 153-154.
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Ressalvados os casos de indelegabilidade previstos na Constituição e ainda aquelas atividades que,
malgrado públicas, devem ser desempenhadas pela iniciativa privada. As presentes cogitações dizem
respeito a situação geral dos serviços públicos, destacando que há situações sui generis.
16
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17
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atividades públicas por ato próprio da Administração. É feita, ainda, de modo parcial,
pois nem todos os poderes são transferidos, mas sim os atinentes à gestão. A
Administração, juridicamente, sempre permanece com a possibilidade de definir as
condições de prestação da atividade.21
De todo modo, cumpre registrar que procedimentos de delegação não são
neutros do ponto de vista da gestão. A transferência para um agente privado de atividades
públicas interpola interesses privados na relação administrativa. E tais considerações
impactam no modo de gestão da atividade por parte do Estado. Em termos simples, o
particular tende a ser protegido no que se refere às suas expectativas patrimoniais. Nesse
modo, a direção da atividade por parte do Estado tem que conviver com a circunstância
de haver direitos legítimos dos particulares que deverão ser respeitados. E isso implica,
muitas vezes, a perda da capacidade de dirigir livremente a atividade, em vista dos efeitos
patrimoniais correlatos. As competências normativas abstratas, que preveem a direção
livre da atividade por parte do Estado, experimentam limites materiais, derivados do caso
concreto.
Muitas vezes, do ponto de vista material, os direitos do particular inviabilizam
a adoção de certas medidas, como se vê com especial clareza no caso da encampação, em
que o valor da indenização muitas vezes refreia a vontade política de retomar o serviço.
De todo modo, fato é que todos os processos de delegação de atividades públicas
se caracterizam pela circunstância de que a atividade permanece sendo pública, isto é,
afetada a uma especial responsabilidade do Estado em garantir o acesso a ela em termos
reputados socialmente adequados. Logo, sempre permanecerá uma reserva de atuação
em favor do Estado no que se refere às atividades delegadas, que autoriza a sua atuação
sobre o particular. Contudo, esse elemento é compatibilizado com a necessidade de se dar
autonomia empresarial ao particular, que explora o serviço como uma atividade orientada
a lhe gerar lucro. E quanto mais o lucro estiver afeito à gestão do particular, mais intensa
será a transferência de riscos levada a efeito do Estado para a iniciativa privada, que está
subjacente à concessão. Eis a essência da ideia de transferência da exploração “por conta
e risco”.
21
Para aprofundar o elemento parcial da transferência, consulte-se CAETANO, Marcello. Subsídios para
o estudo da teoria da concessão de serviços públicos. Estudos de direito administrativo, pp. 92-93.
18
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22
MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público, p. 26.
23
Com efeito, sem a vinculação da remuneração ao desempenho da atividade o que se tem é a mera
transferência da execução da atividade por meio de um processo ordinário de contratação administrativa. E
não a transferência da prestação da atividade, circunstância em que persiste a execução administrativa dos
serviços.
19
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24
Sobre o tema consulte-se: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões, pp. 121-132.
Especialmente, registra-se que se acompanha aqui o autor no que se refere a não mais examinar os conceitos
de translativo e constitutivo de modo apartado, sendo que ambos se integram nas concessões atuais.
25
Sobre o tema, JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, pp. 129-131.
20
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26
Sobre a diversidade de figuras e o caráter da norma constitucional consultar MONTEIRO, Vera.
Concessão, pp. 78-97.
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27
Sobre essas circunstâncias, aprofundar em MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de
serviço público, pp. 37-46.
28
Sobre o tema consulte-se a resenha de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
administrativo, pp. 776-787.
22
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29
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, pp. 840-849.
30
Sobre a responsabilidade do Estado na perspectiva dos danos causados na prestação dos serviços
consultar: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, pp. 774-776.
23
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5. ADVERTÊNCIA FINAL
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REFERENCIAS
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