Antologia Mario Andrade
Antologia Mario Andrade
Antologia Mario Andrade
Sanseverino 2011/1
Eu insulto o burguês-funesto!
Lady Macabeth feita de névoa fina,
O indigesto feijão com
Pura neblina da manhã!
toucinho, dono das tradições!
Mulher que és minha madrasta e minha mãe!
Fora os que algarismam os
Trituração ascencional dos meus sentidos!
amanhãs!
Riscos de aeroplano entre Mogi e Paris!
Olha a vida dos nossos
Pura neblina da manhã!
setembros!
Gosto dos teus desejos de crime turco Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
E das tuas ambições retorcidas como roubos! Mas à chuva dos rosais
Amo-te de pesadelos taciturnos, o êxtase fará sempre Sol!
Materialização da Canaã do meu Poe...
Never more! Morte à gordura!
Morte às adiposidades
Emílio de Menezes insultou a memória de meu Poe... cerebrais!
Oh! Incendiária dos meus aléns sonoros! Morte ao burguês-mensal!
Tu és o meu gato preto! Ao burguês-cinema! Ao
Tu me esmagaste nas paredes do meu sonho! burguês-tiburi!
Este sonho medonho! Padaria Suíssa! Morte viva ao
Adriano!
E serás sempre, morrente chama esgalga, "— Ai, filha, que te darei pelos
Meio fidalga, meio barregã, teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!" Brasil...
Mastigado na gostosura quente
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
do amendoim...
Oh! purée de batatas morais!
Falado numa língua curumim
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
De palavras incertas num
Ódio aos temperamentos regulares!
remeleixo melado melancólico...
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Saem lentas frescas
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
trituradas pelos meus dentes
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
bons...
sempiternamente as mesmices convencionais!
Molham meus beiços que dão
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
beijos alastrados
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
E depois murmuram sem
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
malícia as rezas bem nascidas...
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos, Brasil amado não porque seja a
cheirando religião e que não crê em Deus! minha pátria,
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Pátria é acaso de migrações e
Ódio fundamento, sem perdão! do pão-nosso onde Deus der...
Fora! Fu! Fora o bom burguês!... Brasil que eu amo porque é o
ritmo do meu braço
aventuroso,
CLÂ DO JABOTI (1927)
O gosto dos meus descansos,
O POETA COME AMENDOIM
O balanço das minhas cantigas
A Carlos Drummond de Andrade amores e danças.
Noites pesadas de cheiros e calores amontoados... Brasil que eu sou porque é a
Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil minha expressão muito
Andou marcando de moreno os brasileiros. engraçada,
Porque é o meu sentimento
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer... pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos... dinheiro, de comer e de
dormir.
Silêncio! O Imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre’m-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu... Remate dos Males
(1930)
Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente ainda não sabia se governar... EU SOU TREZENTOS
Progredir, progredimos um tiquinho (7/VI/1929)
Que progresso também é uma fatalidade...
Eu sou trezentos, sou
Será o que Nosso Senhor quiser!...
trezentos-e-cincoenta,
Estou com desejos de desastres...
As sensações renascem de si
mesmas sem repouso,
Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh
Se encostando na cangerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido
Tenho desejos de gemer e de morrer.
caiçaras! Ver sopa de caruru;
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
A vida é mesmo um buraco,
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios; Bobo é quem não é tatu!
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou um escritor difícil,
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo... Porém culpa de quem é!...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa, Todo difícil é fácil,
E então minha alma servirá de abrigo.
Abasta a gente saber.
Que entra luz nesta escurez. Mas não sabe o que é guariba?