Cunha e Cintra 2017 Pronomes Relativos e Interrogativos

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356 NOVA G R A M Á T I C A DO P O R T U G U Ê S C O N T E M P O R Â N E O

b) de “semelhante”:
Celso Cunha e Lindley Cintra,
Nova Gramática do Português Contemporâneo.
7 ed. Rio de Janeiro,
HouveLexikon, 2017.
tudo quanto se faz em tais ocasiões.
(Machado de Assis, OC, II, 197.)

A causa verdadeira de tal medo, não a sabia dizer.


(M. Torga, CM, 151.)

Tal situação contundia-a fortemente, e fazia diminuir aquele vigor e


energia com que a conhecemos.
(A. Assis Júnior, SM, 198.)

2. Mesmo e próprio são d e m o n s t r a t iv o s q u a n d o tê m o s e n tid o d e “e x a to ”,


“id ê n tic o ”, “e m p esso a” :

Eu não posso viver muito tempo na mesma casa, na mesma rua, no


mesmo sítio.
(Luandino Vieira, JV, 62.)

— Foi a própria Carmélia quem me fez o convite.


(C. dos Anjos, DR, 161.)

3. Semelhante serv e d e d e m o n s t r a t iv o d e id e n tid ad e:

O Lucas reparou nisso e doeu-se intimamente de semelhante des-


cuido.
(M. Torga, CM, 84.)

Tudo o que disse foi, sem dúvida, convencional, e nem a jovem Aurora
podia deixar de recorrer às fórmulas que se usam em semelhantes
conjunturas.
(C. dos Anjos, DR, 284.)

PRONOMES RELATIVOS

São assim chamados porque se referem, de regra geral, a um termo anterior


O ANTECEDENTE.

FORMAS DOS PRONOMES RELATIVOS

Os pr o n o m e s r e l a t iv o s apresentam:
PR ONOMES

a) f o rm a s variáveis e fo rm as in variáveis:

V a r iá v eis

In v a r iá v eis
M a $c u u n o IF e m in in o

o qual os quais a qual as quais que


cujo cujos cuja cujas quem
quanto quantos — quantas onde

b ) fo rm a s sim p les: que, quem, cujo, quanto e onde; e fo rm a co m p o s ta : o qual

O bservação:
Antecedido das preposições a e de, o pronome onde com elas se aglutina, pro-
duzindo as formas aonde e donde.

NATUREZA DO ANTECEDENTE

O ANTECEDENTE d o PRONOME RELATIVO p o d e Ser:


a) u m s u b s t a n t iv o :

Deem-me as cigarras que eu ouvi menino.


(M. Bandeira, PP, 1,387.)

b ) u m pr o n o m e :

Não serás tu que o vês assim?


(A. Sérgio, D, 31.)

c) u m a d j e t iv o :

As opiniões têm como as frutas o seu tempo de madureza em que se


tornam doces de azedas ou adstringentes que dantes eram.
(Marquês de Maricá, M, 166.)

d ) u m a d v é r b io :

Lá, por onde se perde a fantasia


No sonho da beleza; lá, aonde
A noite tem mais luz que o nosso dia...
(A. de Quental, SC, 61.)
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e) u m a o r a ç ã o (d e regra re s u m id a p e lo d e m o n s tra tiv o o):

Só a feb re a u m e n ta u m p o u c o , o que n ã o a d m ira rá n in g u é m .


(A. Nobre, Cl, 145-6.)

“Acomodar-se-iam num sítio pequeno,


o que parecia difícil a Fabiano,
criado solto no mato.”
(G. Ramos, V 5,172.)

FUNÇÃO SINTÁTICA DOS PRONOMES RELATIVOS

Os pr o n o m e s r e l a t iv o s assumem um duplo papel no período com represen-


tarem um determinado antecedente e servirem de elo subordinante da oração
que iniciam. Por isso, ao contrário das conjunções, que são meros conectivos,
e não exercem nenhuma função interna nas orações por elas introduzidas,
estes pronomes desempenham sempre uma função sintática nas orações a que
pertencem. Podem ser:

1. Su ie it o :

Quero ver do alto o horizonte,


Que foge se m p re d e m im .
(O. Mariano, TVP, II, 434.)

[que = sujeito de foge].

2. O bj et o d ir e t o :

— Já não se lembra da picardia que me fez?


(A. Ribeiro, M, 67.)

[que = objeto direto de fez].

3. O b j e t o in d ir e t o :

Eu aguardava com uma ansiedade medonha esta cheia de que tanto


se falava.
(J. Lins do Rego, ME, 58.)

[de que = objeto indireto de se falava].


PR ONOMES 359

4. P r e d ic a t iv o :

Não conheço quem fui no que hoje sou.


(F. Pessoa, OP, 91.)

[quem e que = predicativos do sujeito eu, oculto].

5. A d j u n t o a d n o m in a l :

Há pessoas cuja aversão e desprezo honram mais que os seus louvores


e amizade.
(Marquês de Maricá, M, 223.)

[cuja = adjunto adnominal de aversão e desprezo, mas em concordância


apenas com o primeiro substantivo, o mais próximo].

6. C o m pl e m e n t o n o m in a l :

Lembrava-me de que deixara toda a minha vida ao acaso e que não


pusera ao estudo e ao trabalho com a força de que era capaz.
(Lima Barreto, REIC, 287.)

\de que = complemento nominal de capaz].

7. A d iu n t o a d v e r b ia l :

Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde


eu morava.
(M. Quintana, P, 92.)

[onde = adjunto adverbial de morava].

8. A g e n t e d a pa s s iv a :

— Sim, sua adorável pupila, a quem amo, a quem idolatro e por quem
sou correspondido com igual ardor!
(A. Azevedo)

[por quem = agente da passiva do verbo conesponder].

Observação:
Note-se que o r e l a t iv o cujo funciona sempre como adjunto adnominal; e o
relativo onde, apenas como adjunto adverbial.
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PRONOMES RELATIVOS SEM ANTECEDENTE

1. Os p r o n o m e s r e l a t i v o s quem e onde podem ser empregados sem antecedente


em frases como as seguintes:

Quem tem amor, e tem calma,


tem calma... Não tem amor...
(A. Tavares, PC, 81.)

Passeias onde não ando,


Andas sem eu te encontrar.
(F. Pessoa, QGP, n.° 47.)

Denominam-se, então, r e l a t i v o s in d e f in id o s .

2. Nestes casos de emprego absoluto dos r e l a t i v o s , muitos gramáticos admitem


a existência de um antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise,
quem em aquele que, e onde em no lugar em que. Assim, os exemplos citados
se interpretariam:

Aquele que tem amor...


Passeias no lugar em que não ando...

3. O antecedente do r e l a t iv o quanto{s) costuma ser omitido:

Hoje penso quanto faço.


(F. Pessoa, OP, 92.)

Saibam quantos este meu verso virem


Que te amo...
(O. de Andrade, PR, 167.)

VALORES E EMPREGOS DOS RELATIVOS

Que

1. Que é o r e l a t i v o básico. Usa-se com referência a pessoa ou coisa, no singular


ou no plural, e pode iniciar orações a d iet iv a s r e s t r it iv a s e e x p l ic a t iv a s :

— Não diz nada que se aproveite, esse rapaz!


(A. Bessa Luís, QR, 134.)
PR ONOMES

O ministro, que acabava de jantar, fumava calado e pacífico.


(Machado de Assis, OC, 1,638.)

2. O a n te c e d e n te d o r e l a t iv o p o d e s e r o s e n t id o d e u m a e x p re s s ã o o u o r a ç ã o
a n te rio r:

E seu cabelo em cachos, cachos d’uvas,


E negro como a capa das viúvas...
(À maneira o trará das virgens de Belém
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
(A. Nobre, S, 39.)

Neste caso, o que vem geralmente antecedido do demonstrativo o ou da


palavra coisa ou equivalente, que resumem a expressão ou oração a que o
r e l a t iv o se refere:

Vendia cautelas, o que requer muito cálculo, muito olho e muita porfia.
(J. de Araújo Correia, FX, 54.)

Achou-se mais prudente que eu me safasse pelos fundos do prédio, o


que fiz tão depressa quanto pude.
(C. dos Anjos, MS, 328.)

Ela então consentiu que eu erguesse seu rosto, gesto que não me
haviam autorizado.
(N. Pinon, CP, 65.)

3. Por vezes, o antecedente do que não vem expresso:

Esta palavra doeu-me muito, e não achei logo que lhe replicasse.
(Machado de Assis, OC, 1,826.)

A uma pergunta assim, a rapariga nem sabia que responder.


(M.Torga, NCM, 184.)

Q u a l, o q u a l

1. Nas orações a d j e t iv a s e x pl ic a t iv a s , o pronome que, com antecedente subs-


tantivo, pode ser substituído por o qual (a qual, os quais, as quais):

Sei que estou plagiando nosso famoso cronista, o qual, certa vez, deu-
lhe na telha fazer essa comunicação ao jornal e aos leitores.
(C. Drummond de Andrade, CB, 57.)
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Durante o seu domínio, todavia, acentua-se a evolução do latim vul-


gar, falado na península, o qual vinha de há muito diversificando-se
em dialetos vários.
(J. Cortesão, FDFP, 42.)

Clareava: uma luz baça, em neblina, através da qual apareciam serra-


nias distantes e o mar liso, esbranquiçado, luzindo a trechos.
(Coelho Netto, OS, 1 ,173.)

2. Esta substituição pode ser um recurso de estilo, isto é, pode ser aconselhada
pela clareza, pela eufonia, pelo ritmo do enunciado. Mas há casos em que a
língua exige o emprego da forma o qual.
Precisando melhor:
a) o r e l a t iv o que e m p re g a -s e , p r e f e r e n te m e n te , d e p o is d a s p r e p o s iç õ e s m o -
n o s silá b ic a s a, com, de, em e por:

A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.
(E Pessoa, QGP, n.° 21.)

As artes com que o bacharel flautista vingou insinuar-se na estima de


D. Maria I e Pedro III, não as sei eu.
(C. Castelo Branco, OS, 1,322.)

Indicou-lhe um hotel, de que a viúva tomou nota num caderninho.


(C. Drummond de Andrade, CA, 137.)

Havia ocasiões em que me revoltava.


(L. Jardim, MPM, 96.)

A maneira por que ele falava é que era apaixonada, dolorosa, como-
vente.
(Machado de Assis, OC, II, 112.)

b) as demais preposições simples, essenciais ou acidentais, bem como as locu-


ções prepositivas, constroem-se obrigatória ou predominantemente com o
pronome o qual:

Tinha vindo para se libertar do abismo sobre o qual sua negra alma
vivia debruçada.
(M. Torga, NCM, 49.)
PR ONOMES 363

Uma visita de dez minutos apenas, durante os quais D. Benedita disse


quatro palavras no princípio:
— Vamos para o Norte.
(Machado de Assis, OC, II, 316.)

“O livro tinha numa página a figura de um bicho corcunda ao lado do


qual, em letras graúdas, destacava-se esta palavra: ESTÔMAGO.”
(G. Amado, HMI, 42.)

Timbrava em manter em casa uma autoridade áspera, perante a qual


todos os seus tinham de se curvar passivamente.
(R. M. E de Andrade, V, 9.)

c) o qual é também a forma usada como partitivo após certos indefinidos,


numerais e superlativos:

O Luís, que cuidava da horta de cima, era pai de uns sete ou oito,
alguns dos quais já principiavam a ajudá-lo.
(R. M. F. de Andrade, V , 135.)

Cinco cadeiras das quais uma de braços no centro do semicírculo.


(Costa Andrade, NVNT, 13.)

Os filhos, quatro crianças, a mais velha das quais teria oito anos,
rodeavam-no aos gritos.
(Artur Azevedo, CFM, 5.)

3. Qual, q u a n d o r e p e t i d o s i m e tr i c a m e n t e , é in d e f in id o , e e q u i v a le a um...
outro:

— Imagine uma cachoeira de ideias e imagens, qual mais original,


qual mais bela, às vezes extravagante, às vezes sublime.
(Machado de Assis, OC, II, 326.)

Um carrega quatro grandes tábuas ao ombro; outro grimpa, com risco


de vida, a precária torre do enguiçado elevador; qual bate o martelo;
qual despeja nas formas o cimento, qual mira a planta, qual usa a pá,
qual serra (o bárbaro) os galhos de uma jovem mangueira, qual ajusta,
neste momento, um pedaço de madeira na serra circular.
(R. Braga, CCE, 249.)
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Q uem

1. Na língua contemporânea, quem só se emprega com referência a pessoa ou


a alguma coisa personificada:

Feliz é quem tiver netos


De quem tu sejas avó!
(F. Pessoa, QGP, n.° 118.)

A mim quem converteu foi o sofrimento.


(Coelho Neto, OS, 1, 105.)

2. Como simples r e l a t iv o , isto é, com referência a um antecedente explícito,


quem equivale a “o qual” e vem sempre antecedido de preposição:

A senhora a quem cumprimentara era a esposa do tenente-coronel


Veiga.
(Machado de Assis, OC, II, 172.)

Nada como o mexe-mexe caseiro da mulher de quem se gosta — José


de Arimateia imaginava.
(M. Palmério, CB, 25.)

Advirta-se, porém, que a língua moderna substitui por sem o (a) qual a dis-
sonante combinação sem quem, de emprego corrente no português antigo e
médio.

3. Repetido, em fórmulas alternadas, quem corresponde ao in d e f i n i d o um...


outro. Esta construção, que não era rara no português médio (cf. Camões.
Lusíadas, I, 92; IV, 5), só aparece, modernamente, em autores de expressão
artificial:

Quem no Rostro pasmando se extasia;


Quem pelo cúneo aos redobrados vivas
Da plebe e dos patrícios embasbaca;
Outro em sangue de irmãos folga ensopar-se...
(Odorico Mendes, VB, 125.)

C u jo

Cujo é, a um tempo, r e l a t iv o e po s s e s s iv o , equivalente pelo sentido a do qual,


de quem, de que. Emprega-se apenas como pronome adjetivo e concorda com a
coisa possuída em gênero e número:
PR ONOMES

Convento cTáguas do Mar, ó verde Convento,


Cuja Abadessa secular é a Lua
E cujo Padre-capelão é o Vento
(A. Nobre, S, 28.)

Herculano é para mim, nas letras, depois de Camões, a figura em


cujo espírito e em cuja obra sinto com plenitude o gênio heroico de
Portugal.
(G. Amado, TL, 36.)

Q u a n to

Quanto, como simples relativo, tem por antecedente os pronomes indefini-


dos tudo, todos (ou todas), que podem ser omitidos. Daí o seu valor também
indefinido:

Em tudo quanto olhei fiquei em parte.


(F. Pessoa, OP, 231.)

Soprava dum lado, do outro, e tudo quanto foi de garrancho e folha


seca se juntou num canto só.
(L. Jardim, BA, 115.)

Entre quantos te rodeiam,


Tu não enxergas teus pais.
(Gonçalves Dias, PCP, 385.)

O nde

1. Como desempenha normalmente a íunção de adjunto adverbial (= o lugar


em que, no qual), onde costuma ser considerado por alguns gramáticos
ADVÉRBIO RELATIVO:

Sob o mar sem borrasca, onde enfim se descansa.


(A. Nobre, S, 90.)

Ainda não sei mesmo onde vou buscar as flores.


(Luandino Vieira, NM, 29.)

O mundo ia pouco além do quarteirão de poucas casas e largos


terrenos devolutos, onde o lixo subia, onde o capim crescia, onde
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catávamos melões de São Caetano, onde os pirilampos surgiam aos


milhares ao cair da tarde, onde o orvalho brilhava como pedras pre-
ciosas nas belas manhãs de inverno.
(Marques Rebelo, SMAP, 33.)

2. Embora a ponderável razão de maior clareza idiomática justifique o contraste


que a disciplina gramatical procura estabelecer, na língua culta contemporâ-
nea, entre onde(= o lugar em que) e aonde (= o lugar a que), cumpre ressaltar
que esta distinção, praticamente anulada na linguagem coloquial, já não era
rigorosa nos clássicos.9
Não é, pois, de estranhar o emprego de uma forma por outra em passos
como os seguintes:

Vela ao entrares no porto


Aonde o gigante está!
(Fagundes Varela, VA, 76.)

Não perceberam ainda onde quero chegar.


(Alves Redol, BC, 47.)

Nem mesmo a concorrência de ambas as formas num só enunciado:

Mas aonde te vais agora,


Onde vais, esposo meu ? 10
(Machado de Assis, OC, III, 109.)

Ela quem é, meu coração? Responde!


Nada me dizes. Onde mora? Aonde?
(Teixeira de Pascoaes, OC, III, 14.)

PRONOMES INTERROGATIVOS

1. Chamam-se in t e r r o g a t iv o s o s pronomes que, quem, qual e quanto, empre-


gados para formular uma pergunta direta ou indireta:

‘J Sobre o emprego indiscriminado de onde e aonde, consulte-se a abundante exemplificação


coligida pelo professor Aurélio Buarque de Holanda, inserta em sua edição dos Contos
gauchescos e lendas do sul, de Simões Lopes Neto, 5.“ ed., Porto Alegre, Globo, 1957,
p. 79-82.
1,1 Na edição de 1902 das Poesias completas (Rio de Janeiro - Paris, Garnier, p. 207) lê-se vás
em ambos os versos.
PR ONOMES

Que trabalho estão fazendo?


Diga-me que trabalho estão fazendo.

Quem disse tal coisa?


Ignoramos quem disse tal coisa.

Qual dos livros preferes?


Não sei qual dos livros preferes.

Quantos passageiros desembarcaram?


Pergunte quantos passageiros desembarcaram.

2. Os pr o n o m e s in t e r r o g a t iv o s estão estreitamente ligados aos pronomes inde-


finidos. Em uns e outros a significação é indeterminada, embora, no caso dos
interrogativos, a resposta, em geral, venha esclarecer o que foi perguntado.

FLEXÃO DOS INTERROGATIVOS

Os que e quem são invariáveis. Qual flexiona-se em número


in t e r r o g a t iv o s

{qual, quais); quanto, em gênero e em número ( quanto, quanta, quantos, quantas).

VALOR E EMPREGO DOS INTERROGATIVOS

Que

1. O in t e r r o g a t iv o que pode ser:


a) pronome substantivo, quando significa “que coisa”:

Que tenciona fazer quando sair daqui?


(A. Abelaira, TM, 8 6 .)

Mas não sei que disse a estrela...


(A. Tavares, PC, 9.)

b) pronome adjetivo, quando significa “que espécie de”, e neste caso refere-se a
pessoas ou a coisas:

Que mal me havia de fazer?


(M. Torga, NCM, 47.)

Não sei que vento mau turvou de todo o lago.


(A. de Guimaraens, OC> 56.)
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2. Para dar maior ênfase à pergunta, em lugar de que pronome substantivo,


usa-se o que:

O mundo? O que é o mundo, ó meu amor?


(E Espanca, S, 90.)

Não sei o que o trouxe aqui.


(C. de Oliveira, AC, 17.)

3. Tanto uma como outra forma pode ser reforçada por é que:

— Que é que o senhor está fazendo? gritou-lhe.


(C. Lispector, ME, 313.)

O que é que eu vejo, nestas tardes tristes?


(Teixeira de Pascoaes, OC, III, 24.)

Observação:
Nenhuma razão assiste aos que condenam a anteposição do o ao que interroga-
tivo, como exaustivamente mostraram Heráclito Graça, em Factos da linguagem. Rio
de Janeiro. Livraria de Viúva Azevedo, 1904, p. 367-383; e Said Ali, em Dificuldades
da língua portuguesa. 5.“ ed. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1957, p. 12-20; e Gramática
histórica da língua portuguesa. 3.11ed. São Paulo, Melhoramentos, 1964, p. 112-114.

Quem

1. O in t e r r o g a t i v o quem é p r o n o m e s u b s t a n ti v o e re f e re -s e a p e n a s a p e ss o a s
o u a a lg o p e rs o n i fic a d o :

Quem n ã o a c a n ta ? Quem? Quem n ã o a c a n ta e sen te ?


(J. de Lima, OC, 1,212.)

Perguntei ao doutor quem era a velha.


(J. de Araújo Correia, FX, 56.)

Mas a Ideia quem é? Quem foi que a viu,


Jamais, a essa encoberta peregrina?
(A. de Quental, SC, 59.)

2. Em orações com o verbo ser, pode servir de predicativo a um sujeito no


plural:
PR ONOMES

Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?


(A. de Quental, SC, 92.)

Sabem, acaso, os vultos, quem vão sendo?


(C. Meireles, OP, 320.)

Q ual

1. O in t e r r o g a t i v o qual tem valor seletivo e pode referir-se tanto a pessoas


como a coisas. Usa-se geralmente como pronome adjetivo, mas nem sempre
com o substantivo contíguo. Nas perguntas feitas com o verbo ser, costuma-
-se empregar o verbo depois de qual:

— Qual é o hotel, em que rua fica?


(U. Tavares Rodrigues, NR, 76.)

Padre Manuel perguntou ao escudeiro do comendador qual era a


situação de D. Ana Vaz.
(C. Castelo Branco, OS, II, 247.)

2. A ideia seletiva pode ser reforçada pelo emprego da expressão qual dos (das
ou de), anteposta a substantivo ou a pronome no plural, bem como a nu -
meral:

Qual dos senhores é pai dum menino que está de cócoras no jardim
há mais de meia hora?
(A. M. Machado, JT, 51.)

Qual deles tinha coragem para começar?


(F. Namora, TJ, 293.)

— Então, moça? qual foi dos nove?


(C. Castelo Branco, BP, 25.)

Q u a n to

O in t e r r o g a t i v o quanto é um quantitativo indefinido. Refere-se a pessoas e a


coisas e usa-se quer como pronome substantivo, quer como pronome adjetivo:

— Quanto devo?
(G. Ramos, A, 167.)
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Quantas sementes lhe dás tu?


(R Namora, TJ, 158.)

EMPREGO EXCLAMATIVO DOS INTERROGATIVOS

Estes pronomes são também frequentemente usados nas exclamações, que


não passam muitas vezes de interrogações impregnadas de admiração. Confor-
me a curva tonal e o contexto, podem assumir então os mais variados matizes
afetivos.
Comparem-se as frases seguintes:

Que inocência! Que aurora! Que alegria!


(Teixeira de Pascoaes, OC, III, 140.)

— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante.


(C. Lispector, LF, 58.)

— Coitada!... quem diria... quem imaginaria que acabaria assim!?...


(A. de Assis Júnior, SM, 52.)

Quem me dera ser homem!


(B. Santareno, TPM, 101.)

Quais feitios, qual vida!


(M. Torga, CM, 50.)

— E Sigefredo tem esperneado muito?


— Qual nada! Anda no mundo da lua.
(C. dos Anjos M, 295.)

Quanto sonho a nascer já desfeito!


(F. Espanca, S, 81.)

Ai, quanto veludo e seda,


e quantos finos brocados!
(C. Meireles, OP, 669.)

PRONOMES INDEFINIDOS

Chamam-se in d e f in i d o s o s pronomes que se aplicam à 3.a pessoa gramatical,


quando considerada de um modo vago e indeterminado.

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