Ana Josefina Ferrari Final

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ANA JOSEFINA FERRARI

NOMES PRPRIOS E DESCRIO: UM ESTUDO DA DESCRIO E DO NOME PRPRIO A PARTIR DA ANLISE DAS DESCRIES PRESENTES NOS ANNCIOS DE FUGA DE ESCRAVOS PUBLICADOS NOS JORNAIS DE CAMPINAS ENTRE 1870 E 1876

Tese apresentada ao curso de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em Lingstica. Orientadora Prof. Dr. Mnica Graciela Zoppi- Fontana

UNICAMP Instituto de Estudos da Linguagem 2008

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp

Ferrari, Ana Josefina. F412n Nomes prprios de pessoa e descrio : estudo da descrio e do nome prprio a partir da anlise de anncios de fuga de escravos / Ana Josefina Ferrari. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008.

Orientador : Mnica Graciela Zoppi Fontana. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Nome prprio. 2. Descries. 3. Escravos. Semntica do acontecimento. 5. Anlise Discurso. I. Zoppi-Fontana, Mnica Graciela. Universidade Estadual de Campinas. Instituto Estudos da Linguagem. III. Ttulo. 4. do II. de

oe/iel

Ttulo em ingls: Proper Names of person and description: study of the description and the proper name from the analysis of runaway slaves announcement. Palavras-chaves em ingls (Keywords): Proper names; Descriptions; Slaves; Semantic of event; Discourse analysis. rea de concentrao: Lingstica. Titulao: Doutor em Lingstica. Banca examinadora: Profa. Dra. Mnica Graciela Zoppi Fontana (orientador), Profa. Dra. Maria Marta Garcia Negroni, Profa. Dra. Soeli Schreiber da Silva, Prof. Dr. Luiz Dias e Prof. Dr. Eduardo Guimares. Data da defesa: 22/02/2008. Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingstica.

AGRADECIMENTOS O momento no qual temos que agradecer um momento especial. Nesses minutos toda nossa vida passa pela frente de nossos olhos e nos lembramos de tudo. Rimos, choramos, nos emocionamos e ficamos com o corao nu. Lembramos daqueles que estiveram presentes diretamente relacionados ao texto que d forma tese e daqueles que indiretamente nos apoiaram sem ter conhecimento aprofundado sobre o tema mas que de alguma maneira estiveram al. um momento de grande emoo na qual se combinam gratides e saudades. Nesses anos de doutorado muitas pessoas me acompanharam nesse processo e gostaria de agradecer a todos os que de um modo ou outro caminharam comigo nesse percurso. Mnica Graciela Zoppi-Fontana, pela cuidadosa orientao, pelo apoio, por todos estes anos de trabalho nos que a rica discusso terica esteve presente nas nossas mesas de reunio. Pela amizade e dedicao. Professora Maria Marta Garcia Negroni pela orientao no meu estgio na Universidade de Buenos Aires. Pelo cuidado e dedicao com que leu meus textos e orientou minhas anlises. Por me fazer sentir em casa novamente no pais que deixei h 15 anos. Professora Claudia Castellanos Pfeiffer pelas valiosas sugestes no exame de qualficao da tese e no exame de qualificao em rea complementar. Ao Professor Jos Guillermo Miln- Ramos pelas inteligentes colocaes no exame de qualificao da tese que me levaram reflexo desde outros lugares. Ao Professor Pedro Souza pela leitura criteriosa do meu artigo no exame de qualificao em rea complementar. Professora Ana Zandwais, pelas leituras incisivas e ricas e as valiosas sugestes do texto de qualificao do exame de qualificao em rea complementar. Pelo dilogo e respeito. Por acreditar no meu trabalho. Aos profissionais da Biblioteca Nacional de Rio de Janeiro e do Centro de Pesquisa e Documentao Social Arquivo "Edgard Leuenroth, da Unicamp e da Biblioteca Nacional de Buenos Aires pelo auxilio na conformao do corpus de pesquisa. Aos colegas de East Lansing. Especialmente ao Professor Peter Beattie e a Lumumba do Centros de Estudos de Amrica Latina e Caribe. A Jualynne Dodson e Matheus e toda a equipe do African Atlantic Research Team. A Delores e Fred Rauscher pelas conversas em um ingls inventado, e pelo recebimento extraordinrio na MSU. Marie Jo Zetter por me ajudar na pesquisa bibliografia ao ponto de me encontrar a mim mesma. Por acreditar no meu trabalho bibliogrfico a partir de um olhar especializado. A Daniel pelo amor que me d todos os dias, nas leituras e discusses tericas, filosficas e de outros tipos. Por ser o lugar seguro onde posso tanto descansar quanto refletir sobre meus problemas tericos e no tericos. Pelo amor desses 18 anos. Por me ajudar a crescer e a chegar hoje onde estou. Sem seu apoio no poderia ter chegado aqui.

A Felipe e Emilia que crescem nas entrelinhas, que surgen dentre os discursos com uma vozinha meiga e companheira. Amores da minha vida. Aos meus irmos Pablo e Mariano, minhas cunhadas Gabi e Silvina e meus sobrinhos Nahuel, Axel, Camila, Lautaro, Facundo, Lucia por essa unio que me fortalece e me faz sentir minha famlia nesses anos de maturidade. A Martn, Maira e Sarita que sempre esto de um modo muito especial no meu corao me acompanhando. A minha me pelo incentivo de seguir em frente de no desistir e alcanar o meu objetivo. Pelo carinho. Aos meu pai. Sei que ele teria gostado de me ver chegar. Com muita saudade e a terrvel certeza de que j no o verei. Aos meus tios tia Carmen e Hctor e minha prima Julieta, pelo carinho, apoio, compreenso e cuidado que me dedicaram quando estive em Buenos Aires. Eternamente grata. Mnica e Be pelo carinho, apoio, amizade, fraternidade, companhia e aconchego nas horas de ansiedade. Pela maravilhosa amizade que me oferecem. Bea pelo carinho, a amizade e as conversas acaloradas sobre a AD e seu espao de insero em Buenos Aires. Pela profunda amizade que floresceu em to curto tempo e que continua viva. Valda por essa amizade virtual e no virtual. Pelos dilogos e as conversas com desabafos, projetos e risadas. Edna por me receber na sua casa quando viajava para Campinas. Por me ensinar com sua fora o valor da vida. Ester pelo apoio, carinho e compreenso. Por estar do meu lado decidida e forte em muitos momentos complicados da minha vida. Aos meus amigos de Sulamrica Fatima, Julia Miranda, Eladio, Vernica, Horacio, Inez, Guillermo, Manuel, Gabi, Pipi, Tota, Marcelo, Laura e todos os filhos destes. Aqueles que constituem minha histria, e formam parte da minha memria. Aos meus amigos de East Lansing Eraldo, Cleusa, Camila, Mariela, Silvia, Bruna, Paulo, Husnu, Leila, Sveta, Axel, Elena, Zaliha, Ashikin por compartilhar quatro meses maravilhosos e incrveis cheios de novas aventuras nessa louca viagem de aprender ingls e viver novos costumes e idias nos EUA. Dona Terezinha pelas oraes sinceras do outro lado da parede. CAPES pelo apoio financeiro na minha misso de estudos em Buenos Aires relacionada ao Projeto 016/04 do Programa de Centros Associados de Posgraduao Brasil-Argentina (CAPES/SPU). A todos aqueles que direta ou indiretamente me acompanharam nesta longa caminhada.

Nas palavras breves e estridentes que vo e que vm entre o poder e as existncias mais inessenciais, sem dvida a que estas ltimas encontram o nico momento que alguma vez lhes foi concedido; o que lhes d, para atravessarem o tempo, o pouco de fulgor, o breve claro que as traz at ns. Michel Foucault

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RESUMO

O tema da escravido no Brasil foi vastamente tratado nas reas de histria, antropologia e direito. Na rea de lingstica, os materiais que compem os arquivos sobre a escravido so analisados a partir de diferentes perspectivas. Na Semntica do Acontecimento isto vem ocorrendo h alguns anos. A presente tese de doutorado tem como corpus de anlise documentos relativos a esse momento histrico. Analisamos aqui anncios de fuga de escravos publicados nos jornais da cidade de Campinas entre 1870 e 1880. Partimos do pressuposto de que atravs da voz do dono que se forma uma imagem pblica e singular do escravo na sociedade campineira do sculo 19. O escravo, nesses anncios, falado, descrito e, o mais importante, constitudo como sujeito singular. Neles o dono, ao reclamar o escravo como propriedade, como objeto, o diz sujeito de sua prpria enunciao. Esse dizer ser evidenciado no arquivo em relao ao nome prprio e a descrio. Por este motivo, nesta tese procuramos identificar os diferentes processos discursivos que, relacionados ao nome prprio e a descrio, agem no nosso corpus, delimitando, teoricamente, essas categorias de modo particular. O quadro terico utilizado ser o da Semntica do Acontecimento em dilogo com a Anlise de Discurso francesa procurando construir um dispositivo de anlise prprio e que possibilite a reflexo sobre os fenmenos lingsticos encontrados.

Palavras Chave: Nomes Prprios, Descrio, Semntica do Acontecimento, Anlise do Discurso, Escravido.

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ABSTRACT

The issue of slavery in Brazil was widely addressed in the fields of history, anthropology and law. In the field of Linguistics the materials that make up the files on slavery are analyzed from different perspectives. In Semantic of the Event it has occurred for a few years. This doctoral dissertation analyzes a corpus of documents related to this historical moment. Here, we analyze the escape announcements of slaves published in newspapers in the city of Campinas between 1870 and 1880. We presuppose that it is the voice of the owner that creates a unique and public image of the slave in the Campinas society of the 19th century. In these announcements, the slave is described and, more importantly, is constituted as a unique subject. They are places where the owner claims the ownership of the slave, who is seen as a property, an object, a subject of his own statement. This will be evidenced in the file in relation to the first name and description. Therefore, this dissertation aims at identifying the different processes of discourse that, related to the first name and description, act in our corpus, defining theoretically these categories in a particular fashion. The theoretical framework underlying this research is the Semantics of the Event in dialogue with the French Analysis of Discourse in an attempt to build a device of analysis which will make it possible to reflect on the linguistic phenomena found.

Key words: Proper names, Description, Slaves, Semantic of event, Discourse Analysis

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SUMRIO
INTRODUO PARTE 1: Teoria 1.1Captulo I: O nome Prprio 1.1-1. Introduo 1.1-2. Das teorias filosficas do nome: Frege, Russell, Kripke e Wittgenstein. 1.1-3. Das descentralizaes do dobradia em Derrida e Foucault. nome: A
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1.1-4. O nome prprio para as semnticas: Pcheux, Kleiber e Guimares. 1.1-5. A questo do sujeito.

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1.1-6. Por uma teoria do nome prprio. 1.2Captulo II: Descrio 1.2-1. Introduo. 1.2-2. Um quadro da descrio. 1.2-3. O conceito de sobredeterminao 1.2-4. A determinao intradiscursiva. PARTE 2: Metodologia 2.1- A guisa de introduao: Da Singularizao e da Individualizao 2.2- Do Dispositivo analtico e do dispositivo terico 2.3- Do objeto de estudo da pesquisa 2.4- Do corpus na Anlise do Discurso 2.5- Das condies de produo 2.6 Da formao discursiva 2.7 Do interdiscurso

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PARTE 3: Anlise do Corpus 3.1 Introduo 3.2 O ponto de partida da anlise: a conceituao da fuga como resistncia 3.3- Fugido vs. Fujo 3.4- O nome prprio analisado 3.5- A Descrio sob a lente 3.5.1 Seqncias relacionadas a Discursividades da propriedade 3.5.2 Uso de termos relacionados objetivao: o caso de regular com a
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3.5.3 Sem defeito Bem feito 3.5.4 - Ladino fala bem 3.5.5 Crioulo 3.5.6 Fala bem, fala muito 3.5.7 - As discursividades relacionadas ao discurso da lei e disciplinarizao. 3.5.8 Discursividades relacionadas circulao dos escravos. 3.5.9 pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro 4.0 - CONCLUSO 5.0 - BIBLIOGRAFIA

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INTRODUO

No ano de 1995, matriculei-me na disciplina de Histria do Brasil. A disciplina era oferecida pelo Professor Doutor Amaral Lapa. No incio, aparentemente, era mais uma disciplina de histria, at que o professor comeou a mostrar o acervo do Centro de Memria da Universidade Estadual de Campinas. Entendi neste momento que o Professor Lapa, alm de Professor, era um garimpeiro da histria de Campinas e de suas fontes primrias. Ele procurava documentos que formavam parte da histria e os organizava no Centro de Memria. Foi ento que, da mo deste excelente Professor, descobri, li e vi, pela primeira vez, os anncios de fuga de escravos que at hoje analiso. No sei se fui contagiada por aquela paixo do meu mestre ou se me fascinaram os textos, o fato que desde aquele momento no consegui desgrudar os olhos deles. Foi assim que o trabalho de concluso da disciplina baseou-se na anlise desses anncios e, durante a minha graduao os organizei no meu projeto de mestrado para, a partir da Lingstica, poder trabalhar com eles. Que foi o que me levou ao trabalho continuo com esse corpus? Perguntei-me isso muitas vezes. Lendo o texto de Foucault A vida dos homens infames consegui entender alguns dos motivos. A escravido no Brasil foi e um tema recorrente dos estudos histricos e antropolgicos. Li vrios deles em todos estes anos, mas sempre intu que havia algo que no era contemplado neles. Uma fasca de liberdade, de profunda liberdade. Cada pequeno anncio conta uma histria que fala sobre o exerccio da liberdade e sobre como h algo no homem que no pode ser retirado, extrado ou seqestrado. Embora os corpos se encontrem amarrados, h algo que no possvel amarrar. Foi assim que me tornei uma garimpeira de gestos de liberdade, a partir da anlise desses anncios de escravos, a partir da memria.

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A escravido entra no cenrio da histria mundial juntamente com as primeiras civilizaes. Suas modalidades eram: escravido por guerras, escravido por dvidas e captura para comercializao. A primeira acontecia em momentos de lutas entre duas naes. Ao vencer uma delas, os vencidos eram tomados como escravos. A segunda modalidade era observada em situaes em que o devedor se tornava escravo do seu credor. O terceiro modo se baseava na priso e venda de pessoas. Esta ltima maneira pode ser observada, sobretudo, aps a descoberta da Amrica. Assim, pessoas que moravam em diferentes regies de frica eram capturadas e transportadas para vrios pases do continente com a finalidade de servirem como mo de obra para mltiplos servios. Pode-se dizer que um dos momentos mais cruis da histria o relacionado com esse trfico de escravos. Este movimento migratrio forado teve seu incio, no Brasil, no ano de 1500, aproximadamente, e desencadeou uma srie de problemas sociais que perduram at hoje. Por esse motivo, diferentes reas de conhecimento se dedicam ao estudo das suas causas e conseqncias. Por um lado, a histria, a sociologia, a antropologia e o direito so reas que, tradicionalmente, examinam os problemas relacionados quele perodo e quele problema. Por outro lado, na lingstica, se elaboram trabalhos em que a escravido aparece como pano de fundo. Assim, tomando como base fontes primrias de pesquisa tais como registros da poca, jornais e textos literrios, investiga-se, por exemplo, o crioulo. Lngua para uns e dialeto para outros, se produz, no Brasil, do contato entre o portugus, as lnguas africanas e as lnguas indgenas.1. Outros estudos realizados nessa direo so a respeito das

O crioulo tanto pode ser considerado um dialeto quanto um processo. Os processos de crioulizao so descritos como os processos pelo qual uma lngua, entra em contato com outra/s, dando lugar a uma terceira variedade. Esse produto considerado impuro por vrios lingistas. Porm, o sociolingista Fernando Tarallo, afirma que a estrutura da lngua portuguesa do Brasil est constituda por todos esses falares (portugueses, africanos tupis, dentre outros) e que no haveria um falar mais elevado ou prximo de um falar original, portugus. De todos os modos, pode-se afirmar que esse fenmeno deu-se em quase todas as colnias de Amrica. Sobretudo

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influncias das lnguas africanas no portugus do Brasil, tanto no que se refere s pronncias quanto a itens lexicais. Portanto, podemos afirmar que as reas da lingstica que mais se dedicaram ao estudo das marcas da escravido relacionadas a problemas lingsticos no Brasil foram a filologia, a sociolingstica e a Variao Lingstica2. H alguns anos outras reas da lingstica adotam como material de anlise esses documentos. Uma delas a Semntica, especificamente, a linha de pesquisa Semntica do Acontecimento. Alguns exemplos de anlise nesta linha interpretativa so: a dissertao de mestrado e a tese de doutorado de Neuza Benedita da Silva Zattar. O ttulo da dissertao de mestrado da autora Os sentidos de liberdade dos escravos na constituio do sujeito da enunciao sustentada pelo instrumento de alforria, defendida no ano de 2000, na Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Nesta dissertao, Zattar trabalha o processo enunciativo da mudana do escravo de objeto de direito para sujeito de direito, a partir da concesso das cartas de

naquelas que receberam contingentes de cativos africanos. Eles chegaram com suas lnguas e conviveram com lnguas da regio e com lnguas europias. Os motivos da formao desses crioulos so histricos e polticos e a sociolingstica estuda sua formao e composio.
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Alguns dos trabalhos que podem ser encontrados na rea de Lingstica, que analisam materiais do perodo da escravido no Brasil, so os de Maria Salete: A escravido nos sermes de Antnio Vieira - Uma anlise argumentativa (1999) e os de Tnia Alckmin. Esta ltima desenvolve seus trabalhos na rea de sociolingstica e, na atualidade, pesquisa o lugar que ocupa a representao da fala de negros escravos na produo literria brasileira do sculo XIX, tanto no teatro quanto na fico. Alguns dos seus trabalhos so: A fala como marca: escravos nos anncios de Gilberto Freire (2006), Portugus de negros e escravos: atitudes e preconceitos histricos (1998), Linguagem de escravos: em busca de registros histricos (1996), Linguagem de escravos: estudo de um caso de representao (1995). Tambm no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP podem ser encontradas dissertaes de mestrado como a de Edna dos Santos Oliveira titulada Da tradio escritura: a histria contada no Quilombo de Curia (2006) e a de Maria Laura Trindade Mayrink Sabinson: Da Tradio Oral escritura: A Histria Contada no Quilombo de Curia (2006). O livro organizado por Rosane Berlink e Marymarcia Guedes E os preos eram commodos publicado pela Editora Humanitas. Nele as autoras compilaram textos publicados na imprensa brasileira do Sc. XIX. Esse volume forma parte do corpus utilizado para o estudo diacrnico do portugus brasileiro na Universidade de So Paulo. A Profa. Helena Hathsue Nagamine Brando, tomando como base esse livro-corpus publicou o artigo O cotidiano em anncios de Jornais do sculo XIX que, em primeiro lugar, faz uma categorizao dos anncios encontrados e, depois, observar as mudanas que o gnero discursivo dos anncios sofreu atravs do tempo a partir de uma comparao com anncios de jornal atuais.

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alforria. J na sua Tese de doutorado O cidado liberto na constituio Imperial: o jogo enunciativo entre o legal e o real, defendida no ano de 2007, no mesmo Instituto, a autora procura analisar os processos de constituio de sentidos para o cidado liberto a partir da leitura de textos produzidos em debates polticos. Finalmente, a dissertao de mestrado A Voz do dono: uma anlise feita dos anncios de fuga de escravos publicados nos jornais de Campinas entre 1870 e 1880, da nossa autoria, outro exemplo. Nesse trabalho procuramos fazer uma anlise Semntico-Discursiva dos processos de designao que possibilitam a construo da referncia para o nome escravo. O nosso objetivo se sustentou na hiptese de que no discurso do senhor de escravos, publicado nos anncios de jornal, aparece uma imagem pblica individualizada e singular do escravo. Na materialidade desses anncios, processos de designao funcionam,

discursivamente, como dispositivo de enunciao que estrutura um espao de subjetivao onde o escravo constitudo como sujeito singular. O semanticista que elabora a teoria da Semntica do Acontecimento Eduardo Guimares e desenvolve seus trabalhos h quinze anos. Escreveu inmeros textos a respeito. Alguns livros e artigos do autor relevantes para nossa tese so: Texto e Argumentao (2002), Os Limites do Sentido (1995), Semntica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designao (2002), Histria da Semntica: sujeito, sentido e gramtica no Brasil (2004), Enunciao e poltica de lnguas na Brasil (2006), A marca do nome (2003), Designao e espao de enunciao: um escrito poltico quotidiano (2003), Estudos da significao no Brasil (2002). A Semntica do Acontecimento se nutre de duas vertentes tericas: da Semntica Enunciativa, principalmente como proposta por Oswald Ducrot, e da Anlise do Discurso proposta por Michel Pcheux. A partir desse dilogo se desenvolvem pesquisas que observam a construo enunciativa do sentido. Assim, se prope que por trs do proferir de uma sentena h uma histria de

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dizeres que a faz possvel. As palavras significam sobre a base de uma histria de enunciaes. A enunciao o funcionamento no qual sujeito e sentido se constituem. Quem enuncia o faz a partir de determinada posio. Essa posio a que o sujeito adota para seu dizer e a partir da qual se constitui. De tal modo, esta linha inscreve-se no campo das cincias humanas de maneira plena, sem se relacionar ora com a matemtica, como o faz a Semntica Formal, ora com a gramtica, como o faz a Semntica Lingstica. Ela dialoga com a Filosofia da linguagem, com a teoria dos atos de fala, com a Semntica Argumentativa, e com a Pragmtica3. A Semntica do Acontecimento, ao discutir com outras reas, enriquece a anlise dos diferentes processos enunciativos, permitindo pensar os fenmenos lingsticos e explic-los de modo exaustivo. Um exemplo a ser mencionado o estudo do nome prprio de pessoa. Nele, a Semntica do Acontecimento d um passo adiante em relao a outras linhas interpretativas. Ela consegue explicar desde o seu funcionamento morfossinttico at a relao com processos de subjetivao. Consideram-se ento, o lugar que o nome ocupa dentro da frase e as funes que desenvolve nela. Contempla-se, tambm, a relao que essa frase estabelece com outras em um texto e os sentidos que so produzidos. Finalmente, analisa-se a relao que se constri com a sociedade. Assim, comprova-se que o ato de nomear no isolado, mas est inscrito dentro de padres dos quais no possvel fugir. Nomear algum no simplesmente colocar uma etiqueta, dar um espao dentro de um coletivo, seja como filho em uma famlia, seja como integrante de um grupo ou congregao. Por esse motivo, Guimares afirma que o funcionamento do nome se d no processo social de subjetivao. Ou seja, passa a ser uma questo do sujeito. (GUIMARES, 2002 p.
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A semntica do Acontecimento considera na linha de filiao da Anlise do Discurso tal como praticada no Brasil e como aparece na obra de E. Orlandi (1983, 1990, 1992, 1996, 1999). J no que se refere Semntica Argumentativa filia-se seguinte srie de trabalhos e autores: Bral (1897), Bally (1932), Benveniste (1966, 1974), Ducrot (1972, 1973, 1984), Austin (1962), Grice (1957, 1967), Searle (1969).

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O autor chega nessas concluses relacionando o nome com uma histria de enunciaes. Dentre os exemplos utilizados pelo autor encontramos os de Maximino de Araujo Maciel, tambm chamado Maximino Maciel, e Antonio Cndido de Melo e Souza ou Antonio Cndido. Podemos dizer que essas nomeaes encontram-se relacionadas entre si porque elas mantm elementos comuns que sero renomeados a partir de outro lugar. De modo que os primeiros tornar-se-o os segundos por um trabalho enunciativo realizado sobre a enunciao anterior. Guimares toma como base de anlise acontecimentos nos que h uma unicidade na utilizao do nome prprio, ou seja, um nome = uma pessoa ou uma variao do nome = uma pessoa. Ele diz:
Neste percurso cotidiano do funcionamento dos nomes o processo de identificao estabelece uma relao muito particular entre o nome a que se chega e a pessoa. Assim o nome acaba por funcionar, a partir de uma histria de enunciaes, como um nome para a uma pessoa, cujo processo de construo esquecido. (GUIMARES, 2002 p. 38)

O trabalho de Guimares no s observar o funcionamento do nome prprio, mas tambm analisar sua relao com a referncia. O autor afirma que a capacidade referencial no o fundamento do nome e que a referncia resulta do sentido produzido no interior de um acontecimento enunciativo. Porm, Guimares circunscreve sua anlise ao tipo de casos acima mencionados. Ele no contempla o caso no qual dois nomes prprios, totalmente diferentes e que no reescrevam enunciaes anteriores, se relacionem com uma mesma pessoa como acontece em nosso corpus. O material de arquivo que ser analisado nesta pesquisa resulta do momento em que as prticas econmicas no Brasil estavam baseadas na escravido. Ele est composto por anncios de fuga de escravos recolhidos dos jornais publicados na cidade de Campinas entre os anos 1870 e 1880. A publicao desses pequenos textos estava relacionada com eventos muito

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especiais. Quando um escravo fugia da fazenda, o dono recorria a diversos recursos para recuper-lo. Considerando-o sua propriedade, enviava em primeiro lugar o capito do mato, servial que se encarregava tanto de cuidar da ordem na senzala quanto de ir busca dos chamados fugidos. Quando o proprietrio do escravo morava na cidade ou no tinha recursos suficientes e no tinha capito do mato para tal servio, ele recorria a policia, onde se lavrava um comunicado. Mas, quando o escravo no era recuperado atravs destes recursos, o dono recorria populao, especificamente ao jornal. Ele fazia pblica a fuga. Desse modo, outros mecanismos de controle eram acionados e outros protagonistas entravam na histria. Alguns deles eram os caadores de escravos. Pobres livres e escravos alforriados na procura de um sustento se dedicavam a essa atividade. O escravo era perseguido e caado. Os historiadores e antroplogos que trabalham sobre este tema dedicaram-se, amplamente, ao estudo dessas fugas. Por esse motivo, encontramos inmeros textos que contam a formao dos quilombos, a vida de escravos fugidos que viraram lderes na sua comunidade, estatsticas que dizem a incidncia das fugas, doenas que os escravos sofriam durante o cativeiro que podem ser lidas nas descries dos anncios, processos judiciais movidos pelos escravos contra seus donos, ascenses sociais de escravos que viraram Senhores, dentre tantos outros. No entanto, embora os textos sejam completos e repletos de dados, h elementos que no so observados. Tomando como principal corpus da nossa pesquisa os mesmos documentos que os historiadores, antroplogos, socilogos e lingistas utilizaram, encontramos funcionamentos que no foram anteriormente descritos. Quando lemos os anncios de fuga estamos participando de um momento no qual o escravo, desesperado, cansado e torturado, foge. O anncio de fuga deixa em evidncia um momento trgico da vida de uma pessoa que procura uma sada. Por outro lado, observamos nesse mesmo texto um reclamo, o reclamo do dono pela sua propriedade. Ele no s anuncia a fuga como persegue o fugido com todas suas ferramentas, com todo seu poder. Ele recorre

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policia, aos seus homens, posio de poder que ocupa na sociedade para recuper-lo. Justamente quando o dono grita pelo seu patrimnio acontece o inesperado. Esses anncios informavam o nome do fugitivo e descreviam suas caractersticas fsicas e pessoais. Em alguns casos, os que nos ocupam, mencionavam outro nome prprio: aquele que o escravo dava a si mesmo. A partir desse fenmeno, nos perguntamos pelo funcionamento desses atos de nomeao e procuramos uma sada terica para eles. Observamos que cada um deles tinha sua origem em lugares enunciativos diferentes; remetendo a uma mesma pessoa fsica, porm que no ocupava o mesmo lugar social. Por um lado, o dono reclamava seu escravo como objeto de sua propriedade. Por outro lado, o mesmo dono dizia que o escravo dava um nome a si mesmo, evidenciando um processo de subjetivao. Alm disso, na descrio do anncio podem ser observados tanto processos que do indcios de uma objetivao quanto de uma subjetivao. A partir dos primeiros, o escravo constitudo como objeto no discurso do dono. Os segundos dizem respeito s relaes do escravo consigo mesmo e com os outros membros da comunidade na qual vive. A fuga do escravo um gesto que se traduz em ato. Um ato que produz um acontecimento. Ele irrompe, ele acontece. Esse instante o que pode ser percebido no gesto da fuga, naquele instante no qual o escravo simplesmente foge, quebra uma estrutura. Aps esse efmero instante, o acontecimento ser reabsorvido por outras estruturas. A partir dele outros acontecimentos, como os enunciativos, sero provocados e produzidos. Um deles o anncio de fuga no jornal. O anncio de fuga, como acontecimento enunciativo, evidencia uma ruptura. No preciso momento no qual o dono reclama seu escravo, seu objeto, filtra-se o escravo sujeito. No preciso momento no qual o escravo foge com o ferro no pescoo e o pega nos ps e o capito do mato o persegue sem piedade e o

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dono faz uma demonstrao do seu poder, justamente ali, percebemos que h algo que no pode ser capturado e aprisionado. Nesse momento evidencia-se o lugar da falha. Podemos provar isso, a partir da anlise dos anncios de fuga atravs do dispositivo analtico que elaboramos na presente tese. A partir deste dispositivo especfico podemos observar que nas seqncias discursivas evidenciam-se outros acontecimentos enunciativos. com trs tipos de processos discursivos: ade objetivao, onde o escravo constitudo como objeto da Eles estaro relacionados

propriedade do dono que o reclama; bde individualizao, a partir da qual se coloca o escravo em

uma srie, seja na srie que o dono impe, seja em outra; csujeito. Portanto, a partir da proposta terica da Semntica do Acontecimento e da proposta terica da Anlise do Discurso, tomando como base nossa pesquisa anterior acima mencionada, propomos nos aprofundar no estudo do nome prprio de pessoa e da descrio. Esta proposta tem sua origem na necessidade de elaborar um dispositivo de anlise particular e especfico que d conta de explicar os fenmenos lingsticos que surgem em nosso corpus de pesquisa. No que se refere descrio, foi estudada tradicionalmente nas reas de Teoria Literria, Lingstica Textual, Semitica e Anlise do Discurso. Na Teoria Literria cabe mencionar o trabalho de Gerard Genette A fronteira do Relato de 1966. Nessa obra, o autor, tomando como base a diviso aristotlica de mimesis e digesis, filia-se aos estudos que separam a narrao da descrio e da dissertao. Ele afirma que a descrio subsidiria da narrativa por vocao. A funo que se lhe atribui a decorativa. A anlise que o autor faz a partir da de singularizao, ligada constituio do escravo como

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observao de textos fundamentalmente literrios e foi levada em considerao por muitos tericos como, por exemplo, Philip Hamon na rea da Semitica. Hamon analisa prticas discursivas literrias e no literrias,

demonstrando a necessidade de se aprofundar nos estudos da descrio. O autor reconhece que a descrio no somente encontrada na literatura, mas tambm est presente em todos os textos e momentos da vida. Descreve-se um amigo, uma situao, uma receita, um modo de fazer. Por esse motivo, no a considera marginal a outro tipo de textos. A partir desta posio possvel observar que a funo historicamente outorgada descrio, como a que resgata Genett, falha. Desse modo, no seu livro Introduccin al anlisis de lo descriptivo, Hamon (1991) prope uma semiologia do descritivo. O autor afirma que o estudo da descrio no pressupe forosamente um estudo que reafirme as diferenas j conhecidas em textos puros. Tambm no diz respeito confirmao de uma oposio paradigmtica com a narrao. Cito Hamon:
exige ms bien que se elabore un conjunto de proposiciones y de reglas que permita hacer ms refinado el anlisis de los enunciados, de todos los enunciados (literarios y no literarios) sean cuales sean. Por lo tanto sera til proponer, para evitar substantivisar y fijar categoras textuales definidas de manera demasiado masiva, que toda descripcin supone un sistema narrativo, por elptico y perturbado que sea, aunque solo sea porque la temporalidad y el orden de la lectura imponen a todo enunciado una orientacin y una dimensin transformacional implcita; y esto se da aun en el caso de ciertos textos con fuerte dominante potico donde las construcciones anagramticas, repetitivas y los paralelismos formales son el mayor principio de organizacin (textos limites: los poemas letristas, ciertos poetas surrealistas). Ms que la descripcin, habra que hablar entonces de lo descriptivo, y considerar de una vez mas lo descriptivo como una dominante construida por ciertos tipos particulares de textos. (HAMON, 1991 p. 101)

O autor no considera a descrio somente como tipo de texto, mas tambm pensa nos efeitos de texto que a dominam. Assim, surge a noo de descritivo, como funo do texto como um todo. Esse posicionamento nos ajudar 26

a pensar a descrio fora da dicotomia com a narrao e observar que nela no h somente pinturas. Portanto, na descrio podem-se observar, no nosso caso, processos de subjetivao do escravo. Reside nesse ponto a importncia da teoria proposta por Hamon para nossa pesquisa. Na Lingstica, na rea de Anlise de Discurso, Eni Orlandi (1989) fez uma caracterizao discursiva do modo de enunciao descritivo. Nela procurou observar os mecanismos de funcionamento da mesma. Assim, a autora observa que a descrio: 1- anuncia, 2- modula a representao de objetos simultneos e justapostos no espao, 3- rompe a relao com o tempo, 4- instaura uma nova temporalidade. A descrio um modo de enunciao no qual se constri uma relao do sujeito-locutor com seu(s) interlocutor (es). Ela define a posio que assume o locutor frente a seu prprio enunciado, a seu(s) interlocutor(es) e frente a situao. Ao deslocar a noo meramente textual e lev-la a uma dimenso discursiva, Orlandi avana, notavelmente, nos estudos da descrio. A partir do proposto pela autora podemos observar discursivamente os processos de subjetivao presentes na descrio. Assim sendo, afirmamos que a descrio do escravo no uma simples enumerao das propriedades que o fazem identificvel. A partir da enunciao descritiva estabelece-se uma relao de interlocuo entre o dono do escravo, que faz o anncio, e os possveis leitores do mesmo. A descrio, ento, na sua enunciao, compromete o interlocutor (ou leitor). De acordo com Orlandi, em um mesmo movimento ela aponta para algo que ser tanto revelado quanto ocultado no mesmo ato. As anlises de Orlandi, no texto que est sendo mencionado, apontam para o exame de procedimentos lingsticos relacionados indeterminao. Dessa forma, Orlandi analisa diferentes discursos, a saber: do professor, do biafria, da merendeira, do antroplogo, do vendedor do Mercado, visando observar a fala didtico-descritiva. Conclui que a descrio tem diferentes efeitos de sentido cuja produo depender dos lugares do saber de onde provenha a enunciao

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descritiva. Assim, se ela feita por um professor universitrio se configurar de modo diferente, na sua relao de interlocuo e na posio do seu enunciador, daquela que realizada por um agricultor. Para a anlise do nosso corpus resulta necessrio observar outros processos que no os da indeterminao. Precisamos observar os processos de singularizao, individualizao e objetivao presentes na descrio. Por esse motivo ser necessrio avanar nos estudos da mesma, elaborando um dispositivo analtico especfico que permita a anlise. Deste modo, achamos pertinente dividir a presente tese em trs partes. A Primeira Parte est composta por dois captulos. No Captulo 1: O nome Prprio, observaremos o tratamento dos diferentes autores que trabalham o problema do nome prprio nos estudos da linguagem. Visamos elaborar, a partir das teorias que sero expostas, um dispositivo de anlise especfico que subsidie nosso trabalho com as ocorrncias de nomes prprios nos anncios de fuga de escravos que constituem nosso corpus. Observamos que a mudana do nome prprio de uma pessoa encontra-se relacionada com diferentes posies de sujeito a partir das quais o nome proferido. Nelas o nome prprio, institucionalmente reconhecido, como aquele que aparece na documentao do Estado, somente mais uma das posies sujeito possveis e no a nica e principal. No Captulo II: A descrio, trabalharemos com as diferentes concepes de descrio existentes, iniciando com a Teoria Literria e continuando com a Semitica e a Anlise do Discurso. Nosso objetivo elaborar uma teoria da descrio que responda a alguns elementos que encontramos no nosso corpus. Partimos da hiptese de que nela evidencia-se que o escravo constitudo como sujeito singular da sociedade campineira entre os anos 1870 e 1880. Na Parte II desta tese exporemos as categorias principais que utilizaremos para a anlise do corpus, visando explicitar o modo como a mesma ser levada a cabo. Desse modo, as categorias de Singularizao e

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Individualizao sero trabalhadas assim como as de Dispositivo Terico e Analtico, Corpus, Formao Discursiva e Interdiscurso. Finalmente, na Parte III Anlise do Corpus, faremos a anlise dos anncios a partir das novas propostas tericas desenvolvidas nas Partes 1 e 2. Assim, observaremos desde a conceituao da fuga at as diferentes seqncias discursivas utilizadas nos textos. Procuramos nessa tese resolver alguns problemas que surgiram em relao a analise do nome prprio e da descrio presentes no corpus. A dificuldade encontrava-se na necessidade de adaptao de alguns conceitos proposta da Semntica do Acontecimento e da Anlise do discurso. Por este motivo, propomos o estudo do nome prprio e da descrio para ento, observar os processos lingsticos que, em relao ao nosso corpus de anlise, agem neles.

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PARTE 1: Teoria

Captulo I: O nome prprio

1.1.0- Introduo

No presente captulo realizaremos um percurso pelos principais trabalhos feitos sobre o nome prprio nos Estudos da Linguagem. Assim, transitaremos pelas teorias interpretativas propostas por Frege, Russell, Wittgenstein, Derrida, Foucault, Pcheux, Kleiber e Guimares. Pretendemos, a partir desse itinerrio, encontrar elementos que permitam elaborar um dispositivo de anlise apropriado e que explique os fenmenos lingsticos presentes no nosso corpus4. Alguns destes fenmenos se encontram relacionados com ocorrncia de dois nomes para um mesmo escravo, cada um deles, proveniente de lugares enunciativos diferentes. Nossa hiptese que cada um destes nomes enunciado a partir de lugares do interdiscurso diferentes e, portanto, cada um deles corresponde a uma posio de sujeito diferente. Em alguns casos, a nomeao provm da posio de sujeito do dono e, em outros, da posio de sujeito do escravo.

Como foi mencionado na introduo da tese, nosso corpus est composto por anncios de fuga de escravos, principalmente, publicados nos jornais da cidade de Campinas entre 1870 e 1880.

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1.1.1- Das teorias filosficas do nome: Frege, Russell, Kripke e Wittgenstein.

Si (como afirma el griego en el Cratilo) el nombre es arquetipo de la cosa, En las letras de rosa est la rosa, Y todo el Nilo en la palabra Nilo. .. Sediento de saber lo que Dios sabe, Juda Len se di a permutaciones de letras y a complejas variaciones y al fin pronunci el Nombre que es la Clave, la Puerta, el Eco, el Husped y el Palacio, sobre un mueco que con torpes manos labr, para ensearle los arcanos de las Letras, del Tiempo y del Espacio. J. L. Borges, El golen

De acordo com os estudos filosficos feitos a respeito do nome prprio, a funo que lhe foi atribuda desde seu surgimento como conceito especfico dentro da Filosofia, foi a de estar por objeto 5. Essa funo do nome no aleatria, ou seja, o rol de um nome no estar por qualquer objeto. Ele tem que
5

O termo estar por objeto introduzido por Brito (2003), trazido da Lgica e da Filosofia Analtica. Ele se refere funo de sujeito que o nome ocupa numa sentena. Desse modo, estar por um objeto estar no lugar daquilo a respeito do que se est falando, aquilo que ocupa a posio de sujeito numa frase que tem sujeito e predicado. No predicado, de acordo com a Filosofia Analtica, encontram-se os elementos que predicam a respeito do nome, aqueles que atribuem algo aos objetos pelos quais eles esto.

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ser capaz de capturar um objeto, singularmente determinado. Esse papel dos nomes foi interpretado de modo diverso por vrios filsofos. As teorias que explicam as funes do nome podem ser divididas em dois grandes tipos: as descritivistas, ou teorias clssicas da referncia dos nomes prprios, e as causais. As teorias dos nomes de tipo descritivistas afirmam a existncia de uma relao de igualdade entre o nome prprio e a descrio definida. A relao do nome com o objeto referido est mediada por uma descrio. Para as teorias do uso dos nomes essa relao, entre o nome e sua referncia, seria direta e imediata. Essa separao dos tipos de teorias feita por Brito (2003) no livro Nomes Prprios: Semntica e ontologia. Ele enquadra dentre os filsofos descritivistas aqueles que seguem as teorias de Frege, ou seja: o prprio Frege e tambm Russell, Strawson, Searle e, dentre os filsofos que desenvolvem teorias sobre o nome de tipo causal, fundamentalmente Kripke6. O motivo pelo qual Frege considerado integrante do grupo dos tericos descritivistas dos nomes prprios porque, para o autor, h uma conexo regular entre sinal7, sentido e referncia. Os sinais tanto podem ser nomes comuns quanto nomes prprios8. Os primeiros referem-se a classes de objetos e

O principal trabalho de Frege no qual se baseiam os tericos que formam parte dos descritivistas ber Sinn und Bedeutung publicado em 1892 e o principal trabalho que norteia os estudos das teorias de tipo causal Naming and necessity de S. Kripke do ano 1972.
7

Chamamos a ateno para o uso da terminologia: o termo Zeichen pode ser traduzido do alemo ao portugus tanto como sinal, signo, smbolo, marca, indcio e sintoma. As ltimas tradues brasileiras de Frege escolheram o termo sinal. J, nas tradues do espanhol encontraremos que a escolha dos tradutores foi signo. Ambos os termos, sinal e signo referem-se ao mesmo conceito em Frege: Zeichen. Porm, encontra-se o uso do termo signo por Zeichen em tradutores da obra de Frege tais como Paulo Alcoforado (1978), traduo utiizada por Ferreira Costa (1992).
8

Frege afirma: De lo que se ha dicho surge que por signo y nombre entiendo cualquier designacin que sea un nombre propio, cuya denotacin es, por lo tanto, un determinado objeto (entiendo esta palabra en su sentido ms amplio) y no un concepto o una relacin, temas de los que me ocupar en otro artculo. La designacin de un objeto particular puede, a su vez, estar formada por varias palabras u otros signos. En mrito a la brevedad, llamaremos nombres propios a tales designaciones. (FREGE, 1973 p. 5)

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aos segundos corresponde uma nica referncia, quando existe 9. Para um sinal h um sentido e uma referncia possveis10. Esse fato se d porque, para ele, a relao do sinal com o referente mediada pelo sentido que seu modo de apresentao11. A referncia tem um sinal ou vrios que a expressam e um sentido, estabelecendo o nexo entre eles e a referncia. Em outras palavras, o nome prprio (sinal) a estrela da manh e o nome prprio a estrela da tarde tm uma nica referncia: Vnus, e um sentido unindo-os referncia, ou seja, dois modos de apresentao. Para Frege, esse fenmeno ser um paradoxo do valor informativo12. Em termos lgicos, o paradoxo surge quando no se estabelece a relao a=a, seno a=b. Isso para Frege um problema.

Podemos dizer que, de acordo com a teoria de Frege, entende-se por nomes comuns, por exemplo: cadeira, mesa, copo, etc. Qualquer uma dessas palavras remete, tem por referncia vrios tipos de objetos, por exemplo, cadeiras de balano, cadeiras de madeira, cadeiras de praia ou mesa redonda, quadrada, retangular. Um conjunto de objetos estaria sob esse nome comum. J ao nome prprio corresponde somente uma referncia. Luiz Ignacio Lula da Silva tem uma nica referncia, h somente um Luiz Ignacio Lula da Silva. Mas Frege tambm fala de nomes que no tm referncia, como por exemplo o Unicornio, O rei da Frana, etc. A referncia desses nomes a classe zero ou nula.
10

Frege dir ao respeito: La conexin normal entre un signo, su sentido y su denotacin es de tal tipo que al signo corresponde un sentido determinado, y a este, a su vez, una denotacin determinada, mientras que a una denotacin dada (un objeto) no corresponde solamente un nico signo. (FREGE, 1973 p. 6)
11

Frege entende como sentido ou modo de apresentao no o modo como se apresenta para ns esse objeto, j que isso denominado pelo autor como imagem. Ele diz o seguinte: La denotacin de un nombre propio es el objeto mismo que designamos por medio de l; la imagen que tenemos en tal caso es totalmente subjetiva; entre ellos est el sentido que no es subjetivo como la imagen pero que, sin embargo, no es el objeto mismo. La siguiente analoga ayudar quiz a aclarar estas relaciones. Alguien observa la Luna a travs de un telescopio. Podramos comparar a la Luna misma con la denotacin; es el objeto de la observacin, aprehendido a travs de la imagen real proyectada por la lente del objetivo en el interior del telescopio, y por la imagen retiniana del observador. La primera es anloga al sentido y la ltima lo es a la imagen o experiencia de la que hablamos antes. La imagen ptica en el telescopio es unilateral pues depende del punto de vista del observador; pese a esto es objetiva en tanto que puede ser observada por distintas personas. Podran disponerse las cosas de tal modo que varias personas pudieran observarla simultneamente. Pero cada una tendra su propia imagen retiniana. Debido a la estructura diferente de los ojos de los observadores no podra siquiera una coincidencia real sera totalmente imposible. (FREGE, 1973 p. 8)
12

O paradoxo ao que Frege se refere o Paradoxo da Identidade. O paradoxo da Identidade ou do Valor informativo da sentena corresponde a esse fenmeno pelo qual a=b possa ter valor informativo. Nesses casos , para poder comprovar qual a denotao para uma frase procurar seu valor veritativo. Ele dir: Hemos visto que la denotacin de una oracin ha de buscarse toda

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O nico modo de driblar esse paradoxo informativo, de acordo com o autor, atravs de uma descrio do objeto que permita sua especificao e atravs do seu valor veritativo. Portanto, a referncia a um objeto somente ser possvel atravs de uma descrio. Assim, o valor veritativo dos enunciados

assertivos completos depende da existncia ou no daquilo sobre o qual se est predicando. Porm, afirmar que a referncia de uma sentena nem sempre seu valor veritativo. Outro problema se apresenta quando um enunciado contm em si outro enunciado. Nesse caso, como saber seu valor veritativo? Somente substituindo o enunciado componente e comprovando se o valor veritativo permanece. O mesmo acontece nos enunciados subordinados nos quais se utilizam as palavras na sua referncia usual. Frege afirma:
En el caso de nombres genuinos, como Aristteles, las opiniones pueden diferir en lo que atae al sentido. Por ejemplo, podra ser aceptado como tal el siguiente: el discpulo de Platn y el maestro de Alejandro Magno. Quien lo haga as adjudicar a la oracin Aristteles naci en Estagira un sentido diferente de quien considere que el sentido del nombre Aristteles es: el maestro de Alejandro Magno que naci en Estagira. En tanto la denotacin siga siendo la misma, estas variaciones del sentido pueden tolerarse, pero debern evitarse en la estructura terica de una ciencia demostrativa y no debern aparecer en un lenguaje perfecto. (FREGE, 1973 p. 5)

De acordo com Frege, este movimento acontece por dois motivos. O primeiro porque o defeito das lnguas naturais que muitas vezes no conseguem designar um objeto. A referncia depende da verdade do enunciado. O segundo motivo porque, para Frege, o nome e a descrio se encontram em relao de igualdade. Mas tambm Frege chega a essa concluso porque para
vez que est en juego la denotacin de sus componentes, y que ste es el caso cuando y solamente cuando nos preguntamos por el valor veritativo. (Frege. 1892:11 In Moro Simpson; 1973)

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ele a lngua deve informar certo estado de coisas verdadeiras, coisas que existam em um mundo exterior que comprovem o dito na frase. A lngua que pensa Frege uma lngua ideal e no uma lngua natural.13 Pelo elencado acima, a teoria de Frege resulta muito til para comearmos a refletir sobre nosso problema. Poderemos, a partir dela, afirmar que estamos frente a um paradoxo informativo. Este tipo de paradoxo leva, muitas vezes, a maus entendidos e um dos responsveis pela ambigidade das lnguas naturais. Porm, para pensarmos nosso problema, precisaremos caminhar mais um pouco, j que a teoria que Frege desenvolve somente aplicvel para lnguas cientficas, o que no nosso caso. No interior do grupo das teorias descritivistas dos nomes prprios, o autor Bertrand Russell prope fazer uma re-leitura do texto de Frege ber Sinn und Bedeutung. Ele inicialmente promulgar a separao do sentido e da referncia e introduzir a condio da existncia enquanto indispensvel para chegar ao sentido. Tambm deslocar o conceito de valor veritativo para coloc-lo em termos de verdade e falsidade das sentenas. Isso trar como conseqncia a necessidade da existncia fsica do referente. Assim sendo, deslocar o conceito de sentido, de ser o modo de apresentao da referncia a se aproximar ao significado do mesmo. Portanto, tomando como exemplo o sinal escravo, este deve ter uma referncia que possa ser corroborada no mundo. Desse modo, a frase ser verdadeira e ter valor informativo. Russell faz essas colocaes no seu artigo On Denoting de 1905. Nele tambm apresenta sua tese a respeito dos modos de aceder ao conhecimento. Assim, poderiam se reconhecer dois modos, a saber: 1. por acquaintance e 2. a respeito de (knowledge about)
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Frege estava preocupado, nas suas formulaes, na elaborao de uma lngua cientifica que informasse um estado de coisas verdadeiras. Ele pretendia pensar uma lngua cientifica sem paradoxos e sem ambigidades, no uma lngua natural sujeita a falhas e paradoxos.

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O modo de aceder ao conhecimento, ou se daria de modo direto (por acquaintance), ou seja, que as coisas se nos apresentariam (the things we have presentations of), ou atravs de frases denotativas que o modo mais comum de conhecer as coisas (knowledge about). O primeiro seria uma relao cognoscitiva especifica entre o sujeito e o objeto que pode ser pensada prxima intuio 14. Nesse texto, o autor apresenta, tambm, o principio da teoria do

denotar que consiste em: las frases denotativas no tienen significado alguno en s mismas, pero toda proposicin en cuya expresin verbal figuran tiene un significado. (RUSSELL, 1973 p. 31) Para Russell, so frases denotativas aquelas que podem ser diferenciadas por sua forma. Assim, ele distingue trs tipos, a saber: 1.ser denotativa e no denotar nada: O rei da Frana. 2.pode denotar um objeto definido: O escravo Jos. 3.pode denotar ambiguamente: Um escravo.

O autor considera que, antes dele, cometeram um erro nas anlises desse tipo de frases. Ele consiste em esquecer que as frases denotativas encontram-se dentro de proposies que, por sua vez, as contm. Prope, ento introduzir a categoria de funo proposicional do modo seguinte: C(x)= sempre verdadeira, onde (x) a varivel a qual total e essencialmente indeterminada. Desse modo, a proposio O atual rei da Frana careca seria formulada do seguinte modo: existe um rei tal que esse rei o rei da Frana e ele careca. Diferentemente de Frege, Russell prope que O rei da Frana careca no tem

14

Esse problema, s mencionado nesse artigo, ser elucidado e desenvolvido no artigo de 1910 Knowledge by Acquaintance and Knowledge by Description onde a separao entre um e outro modos de aceder ao saber ser feita de modo especfico.

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denotao e, portanto, uma frase falsa. Ela a respeito de nada e, consequentemente, carente de sentido15. Mas a verdade/falsidade do enunciado no no que se sustenta a afirmao de Russel que O rei da Frana careca uma frase sem sentido. O que ele coloca em jogo a relao entre sentido e denotao tentando resolver os paradoxos (puzzles), j que, de acordo com ele, uma teoria lgica que se preze deve ter a capacidade de resoluo dos mesmos. Desse modo, a proposta de Russell ser a seguinte:

Una frase denotativa es esencialmente una parte de una oracin, y no posee, al igual que la mayora de las palabras aisladas, una significacin (significance) propia. Si digo `Scott era un hombre ste es un enunciado de la forma x era un hombre que tiene Scott como sujeto. Pero si digo el autor de Waverley era un hombre ste no es un enunciado de la forma x era un hombre ni tiene el autor de Waverley como sujeto. (RUSSELL, 1973 pp. 4142)

Portanto, segundo o autor, a denotao ser a referncia daquilo que est sendo mencionado, ou seja Scott. Scott a frase denotativa que fala a respeito de Scott. Se Scott existe no mundo sensivelmente perceptvel, ento a frase denotativa Scott tem sentido, do contrrio dita frase no o ter .16.

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Porm, lembramos que o conceito de sentido em Frege colocado como modo de apresentao da referncia e para Russel sinonimo de significado. Observaremos que Russell une as noes de sentido e referncia que em Frege estavam separadas.
16

Isso se ope ao proposto por Frege j que, para ele, o sentido o modo de apresentao da referncia, ento se eu digo por exemplo: O rei da Frana ; dita frase ter sentido porm carecer de denotao j que no h reis na Frana separando, desse modo, o sentido e a denotao. As opinies de Russell sobre a teoria de Frege so contraditrias. Searle diz que: ...el argumento de Russell que pretende desarrollar la tesis de Frege desarrolla de hecho la negacin de esa tesis, pues el supuesto de Russell de que figurar en una proposicin es lo mismo que ser algo a lo cual la proposicin se refiere, establece una identidad de sentido y referencia, cuando el quid de la teora de Frege consiste en trazar una distincin entre sentido y referencia. (SEARLE, 1973 p. 55)

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No caso acima mencionado h uma relao entre um nome prprio e uma referncia, mas quando h dois nomes para uma mesma referncia, a teoria encontra um problema para resolver. Outra questo surge quando o nome prprio no tem referncia, como no caso de Unicrnio ou o quadrado redondo. Tomando o principio de figurao primria e secundria
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das frases denotativas, Russell

encontra uma resposta para o problema da contradio 18 e do status lgico das frases denotativas que no denotam nada. Uma figurao primria aquela que afirma a existncia de algum ou alguma coisa e so figuraes secundrias aquelas figuraes primrias ou frases denotativas que se encontram dentro duma proposio. Portanto, se a figurao primria de uma frase denotativa falsa, porque no possvel comprovar a existncia real da referncia no mundo, ento suas negaes so verdadeiras e elas sempre tero figurao secundria. Deste modo, Russell afirma:
Podemos ahora tratar satisfactoriamente todo el reino de las noentidades, tales como el cuadrado redondo, el nmero primo par distinto de 2, Apolo, Hamlet, etc. Todas stas son frases denotativas que no denotan nada...Si Apolo tiene figuracin primaria, la proposicin en la que figura de tal modo es falsa; si la figuracin es secundaria, la proposicin puede ser verdadera (RUSSELL, 1973 p. 45)

Assim sendo, tomando como base sua teoria da denotao, o autor afirma que no existem indivduos irreais porque eles no tm denotao. Isso

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O mesmo resulta muito semelhante ao proposto por Frege como Denotao direta e Denotao indireta. A Denotao indireta est relacionada a proposies modais e psicolgicas como Joo acredita que..., j que no pode ser, nesse tipo de sentenas, aplicado o princpio de sustituibilidade idnticos. Mas em oraes como O nmero dos planetas 9 tal principio se aplica e, portanto, a sentena tem denotao direta.
18

Lembremos que se entende por contradio tambm os paradoxos do valor informativo, ou seja, quando encontro uma relao a=b com valor informativo.

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leva-nos a pensar que a classe dos indivduos irreais nula porque no tem componentes. O deslocamento que faz Russell em relao a Frege lhe permite explicar as ambigidades nas lnguas. O problema que se apresentava a Russell e a Frege era a necessidade de uma linguagem que veiculasse informao e no fosse ambgua. Desse modo, Russell introduz uma noo necessria para sustentar sua teoria sobre a denotao: a condio de existncia. A denotao apresentada unida ao sentido. Se, para Frege, existiam proposies com sentido e sem denotao, para Russell s existem proposies com denotao e sentido. Se uma frase no tem denotao, no tem sentido e, portanto, falsa. Surge aqui outro ponto de deslocamento: o valor veritativo. Em Russell, o valor veritativo proposto em termos de Verdade e Falsidade da proposio e os testes realizados sobre a mesma so para verificar tal estatuto. Assim, prope-se o teste da negao da proposio para verificar se a mencionada frase uma figurao primria ou secundria. Se para Frege as descries definidas eram equivalentes aos nomes prprios, para Russell a descrio no igual a um nome prprio e, portanto, carece de significado independente. Isso implica que o significado e a denotao estejam unidos19. Retomamos neste ponto a diviso proposta por Brito (2003) entre tipos de teorias dos nomes prprios. Ele afirma a respeito das diferenas entre as teorias descritivista ou clssica e causal:
A diferena entre as duas teorias est em que na teoria clssica todo uso bem-sucedido de um nome precisa estar
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Moro Simpson (1964) afirma ao respeito: Esta situacin desconcertante (a de que a descrio significa algo diferente do nome) pone de relieve algo fundamental: los hechos no hablan por si mismos ni prueban nada: deben ser interpretados dentro del marco de alguna teora y slo entonces pueden constituir un elemento probatorio. Si se acepta la propuesta de identificar el significado con la denotacin, entonces el cambio del valor de verdad de la oracin referente a George IV prueba que el autor de Waverley no es un nombre propio (MORO SIMPSON, 1964 p. 140)

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necessariamente vinculado a uma descrio ou grupo de descries, mediante as quais o referente identificado. Com isso quero dizer que, para a teoria clssica, as descries definidas so o nico modo possvel de se fixar a referncia para nomes prprios, de sorte que o uso desses termos envolve, necessariamente, uma relao com as descries e a especificao inequvoca do referente. Para Kripke, ao contrrio, nomes se referem imediatamente a seus objetos. A diferena entre as duas posies est, por conseguinte, melhor na teoria estrita da referncia que cada uma defende, j que parece consenso entre elas que, num certo sentido de significado, (com perdo do trocadilho) uma teoria do significado para nomes prprios no faz sentido. (BRITO, 2003 p. 98)

Para a teoria causal, a relao entre nomes e referentes direta. Um elemento, que Kripke utiliza e que havia sido desconsiderado por Russell e Frege, se faz presente: o social. Ele entende este elemento como fundamental para a utilizao coerente e homognea do nome, ou seja, um uso bem sucedido. Observamos, portanto, que a lngua que est sendo tomada como referncia para a observao do funcionamento do nome a lngua natural. Assim, o autor dir:
Quando o nome passado de elo a elo, o receptor do nome tem, eu penso, de intencionar, quando ele o aprende, a us-lo com a mesma referncia com que o homem, de quem ele ouviu o nome, o usou. (Kripke, 1972:96, apud Brito, 2003 p. 105)

Observamos, ento, que a noo de uso e de receptor entra na histria dos estudos do nome prprio. Nesse sentido, Brito (2003) prope uma interpretao da teoria de Kripke. Ele afirmar o seguinte:
Uma condio necessria para o uso bem-sucedido de nomes prprios o domnio pelos participantes da instncia de comunicao, da funo semntica que os nomes prprios desempenham na linguagem, bem como das regras que disciplinam o desempenho desse papel. Nomes prprios so termos, cuja funo semntica referir o objeto do discurso, de tal sorte que o objeto seja representado no discurso independentemente de seus atributos peculiares. Nomes prprios no descrevem seus referentes, mas remetem a eles. Mas para que isso seja possvel, h regras e condies que tm de ser satisfeitas, sem o que os nomes prprios fracassam no

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desempenho de seu papel. Entre essas condies no est a de que nomes prprios sejam designadores rgidos, isto , que refiram seus portadores em todos os mundos possveis. (BRITO,

2003 p. 130)

Notamos que o autor, neste momento, re-pensa a funo dos nomes. Por um lado, ele prope que os nomes tm uma funo semntica e no somente lgica. Por outro lado, os nomes prprios, para Brito, no descrevem seus objetos apenas se remetem a eles. Um terceiro elemento mencionado nesse trecho: a noo de regra de uso dominada pelos participantes da instncia de comunicao. Essa noo, mencionada por Brito, pensada inicialmente por Wittgenstein. Wittgenstein interpreta o nome prprio a partir de uma teoria descritivista. Ele considerado um neo-descritivista e neste sentido sua obra prima Tractatus Logico-Philosophicus um dos grandes pilares do formalismo ingls. Em outra das suas obras, Investigaes Filosficas, expe uma nova interpretao a respeito do nome prprio. O filsofo inicia a reflexo sobre designao com Santo Agostinho e, a partir dali, faz diversos movimentos. Assim, na Investigao 15, a designao definida do seguinte modo:
A palavra designar talvez usada da maneira mais directa quando o smbolo que designa o objecto est em cima deste. Supe que as ferramentas que A utiliza na construo (o autor refere-se obra de alvenaria) tm certos smbolos. Quando A mostra ao servente um destes smbolos, este traz-lhe a ferramenta que tem o smbolo correspondente . (WITTGENSTEIN, 1985 p. 181)

Aquilo que designado pelo nome no um objeto comum. O objeto nomeado deve ter uma srie de condies. Wittgenstein dir:
Aquilo que designado pelos nomes da linguagem tem de ser indestrutvel, porque se tem que poder descrever o estado em que tudo o que destrutvel est destrudo. E nesta descrio ocorrero palavras; e o que a elas corresponde no pode pois ser

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destrutvel porque ento as palavras no teriam qualquer denotao. No devo serrar o ramo sobre o qual estou sentado. claro que se poderia objectar imediatamente que a prpria descrio se teria que exceptuar da destruio. Mas aquilo a que correspondem s palavras da descrio, e por isso no pode ser destrudo, se ela for verdadeira, o que d s palavras a sua denotao- sem o que elas no teriam qualquer sentido. Mas em certo sentido, este homem , o que de facto corresponde ao nome. Mas ele destrutvel; e o seu nome no perde o sentido quando o portador destrudo.-Aquilo que corresponde ao nome e sem o qual ele no teria qualquer sentido , por exemplo, um paradigma, que seja utilizado no jogo de linguagem em conexo com o nome. (WITTGENSTEIN, 1985 p. 219)

O autor dir, ento, que os nomes designam somente elementos da realidade, ou seja, aquilo que no pode ser destrudo, aquilo que permanece imutvel. Isso significaria que, ao pronunciarmos uma frase, exprimimos uma concepo completamente determinada, j que aquilo do que se fala existe na mente. No seria a experincia o que nos revelaria estes elementos da realidade. Seria a observao das partes simples, constituintes do objeto complexo. As partes simples que o compem permaneceriam imutveis enquanto o todo complexo se destruiria20. Com esses materiais construiramos a imagem da realidade. Ao falar de um objeto complexo, como por exemplo, solicitar uma cadeira, falaramos o nome do objeto completo e no os nomes dos constituintes simples. Assim, diramos: - Traga a cadeira; e no traga o encosto e o assento e os ps da cadeira. Se dissermos esta ltima orao provocaramos

estranhamento no nosso interlocutor. As relaes entre diferentes elementos se estabeleceriam atravs de jogos, jogos de linguagem. Eles consistiriam no seguinte:

20

Um objeto complexo pode ser uma casa, as partes simples que o compem podem ser tijolos, laje, etc. a destruio do objeto que Wittgenstein se refere a possibilidade desse objeto se desmontar em partes simples que no podem ser divididas. No possvel ter partes de um tijolo sem dizer que isso um pedao de tijolo. Um tijolo uma unidade simples. Mas uma parede est composta por tijolos, reboco, cimento, etc. Portanto a parede um elemento complexo que pode se dividir em partes simples constituintes.

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Do-se exemplos e deseja-se que sejam compreendidos em um certo sentido. Mas com esta expresso no quero eu dizer: tu deves ver o que comum a estes exemplos21, aquilo que eu por motivo qualquer- no consegui pr em palavras, mas sim que tu deves usar estes exemplos de uma maneira determinada. A exemplificao no aqui um meio indireto da explicao, falta de melhor. Porque tambm qualquer explicao geral pode ser mal compreendida. E assim, de facto, que jogamos o jogo. (Quero eu dizer, o jogo de linguagem com a palavra jogo) (WITTGENSTEIN, 1985 p. 232)

Quando Wittgenstein se refere ao que comum entre os exemplos fala do que se diz em relao a esses exemplos especficos, queles que esto sendo colocados em relao de comparao. Mas, ao se mostrar um objeto e ao mostrlo se diz o nome, ento forma-se uma imagem dele na conscincia. Essa imagem estar formada por todas aquelas coisas que tem em comum todas as formas dele e no uma nica forma determinada do mesmo. H, no entanto, diferentes modos de ver um mesmo objeto e formar a imagem deste. Mas quem v uma coisa de um modo, a utilizar desse modo ou de acordo com esta e aquela regra. Quem o v de outro modo far o mesmo. Isso no exclui a possibilidade de existir um padro geral do objeto em questo. Este padro padro de tudo o que relacionado de algum modo a esse nome e no padro do nome. Pode haver padro de verde, mas ele ser padro de tudo o que esverdeado e no de um nico modo de ser verde. O modo de ser verde depender da aplicao destes padres. As palavras tm, assim, uma famlia de sentidos e saber qual o uso dela no poder explicar o uso ou escolha dela em lugar de outra. Por outras palavras, saber o jogo no ser capaz de dizer como se d o jogo. Agora, quando fao analogias e observo com ateno como se d o jogo, isso j no um jogo. Encontramos no texto de Wittgenstein o seguinte exemplo explicativo:
Considera este exemplo: quando se diz Moiss nunca existiu, isto pode significar diversas cosas. Pode significar: os israelitas
21

O sublinhado nosso.

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no tiveram um comandante, quando se retiraram de Egipto ou: no existiu um homem que tivesse feito tudo o que a Bblia atribui a Moiss ou: etc. etc. Poder-se-ia dizer, de acordo com Russell, que o nome Moiss pode ser definido atravs das diversas descries. Por exemplo, como o homem que conduziu os israelitas atravs do deserto, o homem que viveu nessa poca e nesse lugar e a quem ento chamavam Moiss, o homem que em criana foi retirado do Nilo pela filha do Fara, etc. O sentido da proposio Moiss existiu, e analogamente a qualquer outra proposio que trate de Moiss, depende da definio adotada. E quando nos dizem N no existiu, perguntamos tambm: O que que queres dizer? Queres dizer que..., ou que..., etc.? (WITTGENSTEIN, 1985 p. 237)

Portanto, de acordo com Wittgenstein, quando eu fao uma afirmao acerca de Moiss estou em condies de substituir Moiss por uma dessas descries e poderei escolher uma dentre elas, ao me referir a Moiss. Para Wittgenstein o uso do nome se d sem um sentido fixo embora o nome seja prejudicado por isso. Desse modo, est se correndo o risco de fazer uso de uma palavra cujo sentido se desconhece e, portanto provavelmente, fala-se sem sentido. O deslocamento de Wittgenstein altamente considervel. O sentido no se encontra mais nem no modo de apresentao nem numa realidade transcendental que atravessa todos os nomes, a realidade se d atravs dos jogos de linguagem. O quadro redimensiona-se porque a linguagem j no ideal, nem sequer pretende-se que seja. Em Wittgenstein, a linguagem o uso corriqueiro dela e no existe idealmente. Ele preocupa-se por trabalhar com a linguagem em uso, no com a linguagem ideal. Nesse contexto, a referncia um jogo de linguagem, ela se d a partir de jogos de linguagem que tem regras, como todo jogo. As expresses fazem sentido para o autor, porque quem as diz pode se perguntar sobre as condies especiais em que se usa a expresso. Assim, o sentido no ser um anel de fumaa que acompanha a palavra. Podemos pensar que o sentido do nome se d nas condies especiais em que se usa esse nome.

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Wittgenstein nos aporta a nossa pesquisa, com argumentos pelos quais podemos comear a pensar que o nome no necessariamente nico, seu sentido pode estar relacionado com a condio de uso e, portanto, de acordo com cada uso ter um sentido. Assim nos deslocaramos da noo um nome=um sentido=um referente=um objeto no mundo. Se o nome tem sentidos diferentes podemos pensar em uma desrigidizao do mesmo, ou seja, em que ele j pode ser pensado como uma estrutura passvel de mudana. Mas h elementos fundamentais para nossa pesquisa que ainda no foram considerados: a histria, a sociedade e as relaes de poder. Esses pontos no so trabalhados por Wittgenstein, embora o olhar da sua proposta sob uma perspectiva discursiva possa dar lugar a pensar neles.

1.1.2- Das descentralizaes do nome: A dobradia em Derrida e Foucault

At o momento percorremos as idias que alguns tericos tiveram sobre o nome e os processos de denominao. Eles esto filiados, de acordo com Imbert, C., Zaslawsky, D., Jacques, F., Armengaud, F., Granger, G.G., Devaux, P. e Sebestik, J. no livro publicado pela Editorial Gradiva Filosofia Analtica, Filosofia Analtica22. Essas teorias, acima expostas, foram problematizadas por
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Pode-se afirmar que a Filosofia Analtica um modo de fazer Filosofia que pressupe um deslocamento conceitual em relao a outras linhas da Filosofia. Tal deslocamento observa-se no recurso ao realismo eliminando todo tipo de reflexo psicologista. Isto significa que os filsofos que participaram deste movimento declararam-se autnomos a toda crena e asseveravam que suas teorias eram independentes da teologia, da poltica e da psicologia. Eles filiaram-se a trs disciplinas: a lgica, cincia do mental; psicologia como cincia indutiva e finalmente ao reino dos objetos lgicos como conceitos, implicaes e verdades. O objeto desta nova filosofia realizar

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tericos que no concordavam com essas interpretaes. Assim sendo, a discusso com a Filosofia Analtica se estabelecer desde vrios flancos. Derrida um dos filsofos contemporneos que polemiza com um dos autores que se filiam a essa corrente filosfica. Ele dialogar com Austin, no artigo Assinatura acontecimento contexto, do livro Margens da Filosofia23. O debate versar sobre o nome, especificamente no que se refere a sua assinatura. Inicialmente, Derrida marca os deslocamentos que Austin faz em relao s teorias: 1.- da comunicao; 2.- da iterabilidade do signo e, 3.- da ausncia de interlocutor. Ele promulga que o filsofo ingls destruiu o conceito de comunicao como conceito puramente semitico, lingstico ou simblico para estend-lo. Dir que
O performativo uma comunicao que no se limita essencialmente a transportar um contedo semntico e vigiado por um aspecto da verdade (de desvelamento daquilo que no seu ser ou de adequao entre um enunciado judicativo e a prpria coisa) (DERRIDA, 1991 p. 27)

Entretanto, Derrida faz uma dura crtica aos pressupostos utilizados por Austin. Ele afirma que as anlises de Austin dependem sempre do valor de contexto e at de um contexto exaustivamente determinvel. Assim, criticar o conceito de linguagem ordinria que exclui todo uso parasitrio da linguagem, ou seja, aqueles usos que no so feitos seriamente. So exemplos desses os usos

anlises corretas de proposies vindas do senso comum compreendidas habitualmente na sua significao vulgar. Eles pretendiam fornecer anlises corretas de sentenas como isto uma mesa. Os filsofos que foram estudados at o momento nessa tese so considerados filsofos analticos. Austin, autor que ser discutido atravs de Derrida no presente ponto outro dos pensadores que levam em considerao os pontos que, de modo muito geral, elencamos nesse rodap. Para mais informaes sobre a Filosofia Analtica pode se recorrer ao livro Filosofia Analtica de Imbert, C., Zaslawsky, D., Jacques, F., Armengaud, F., Granger, G.G., Devaux, P. e Sebestik, J. publicado pela Editorial Gradiva. Outro texto introdutrio Filosofia Analtica de Claudio Ferreira publicado em 1992 pela Editora Tempo Brasileiro.
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O texto corresponde a uma conferncia proferida por Derrida no Congresso Internacional das Sociedades de Filosofia de Lngua Francesa realizado em Montreal em 1971 e traduzido lngua inglesa em 1977.

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realizados por um ator em cena ou por um poema. Vale dizer, aqueles usos que sejam feitos a modo de citao. Para ele, o filsofo analtico reivindica uma pureza relativa dos performativos que fere algumas espcies de iterao dentro de uma iterao geral24. Assim, ao propor uma linguagem ordinria e uma linguagem citada prope a existncia de marcas que diferenciam uma da outra. Seguindo este raciocnio, Derrida coloca em dvida a possibilidade de separar a linguagem em dois grupos. Afirma que seria preciso, se isso acontecesse, construir uma tipologia das formas de repetio diferencial. Porm, ela traria como conseqncia o deslocamento, para um segundo plano, da categoria de inteno e de diferentes marcas ou cadeias de marcas iterveis. Desse modo, no haveria j oposio entre enunciados/citaes e sim entre enunciados/eventos singulares originais. Por esse motivo, Derrida pergunta-se:
E, se se pretende que essa linguagem ordinria, ou a circunstncia ordinria da linguagem, exclui a citabilidade geral, isto , no significa que o ordinrio em questo, a coisa e noo, abrigam um artifcio, que o artifcio teleolgico da conscincia, da qual faltaria analisar as motivaes, a necessidade indestrutvel e os efeitos sistemticos? (DERRIDA, 1991 p. 33)

Desse modo, Derrida conclui que, seguindo este raciocnio, o conceito de contexto sofre a mesma incerteza do conceito de ordinrio. Portanto, afirma que existe uma especificidade relativa dos efeitos da conscincia, da palavra, de performativos, da linguagem ordinria, de presena e de evento discursivo. Esses efeitos pressupem aquilo que a eles se opem de modo dissimtrico como espao de sua possibilidade. Finalmente, Derrida analisa o papel da assinatura tal como a prope Austin, ou seja, como a marca escrita que indica o autor, aquele que fala. O argelino diz que a assinatura, vista desse modo, implica a no presena de quem assina e que ela
24

Austin lembra Frege s avessas. Pretende analisar uma linguagem que, a final de contas, no deixa de ser um construto ou um desejo do analista, desejo ou construto este que se observa num limite imposto no qual isto linguagem, isto no o .

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marca tambm e retm seu ter-sido presente num agora passado, que permanecer um agora futuro, logo, um agora geral, na forma transcendental da permanncia. Essa permanncia geral est de algum modo inscrita, presa na pontualidade presente, sempre evidente e sempre singular, da forma da assinatura. Nisso consiste a originalidade enigmtica e todas as rubricas. Para que a vinculao fonte se produza, preciso que seja guardada a singularidade absoluta de um acontecimento de assinatura e de uma forma de assinatura: a reprodutibilidade pura de um evento puro. (DERRIDA, 1991 p. 35)

Para Derrida, a pureza do acontecimento um anseio meramente formal. O evento puro em si no possvel. Para ele no aceitvel a reiterao da assinatura na sua mesmidade. Ponderar sua repetibilidade seria pensar em atos comunicativos puros, onde haveria uma transparncia ou imediatez das relaes sociais. Isso implicaria entend-la como somente um efeito que deve ser analisado como tal. Esse fato, para Derrida, est relacionado ao desenrolar histrico de uma escrita cujo sistema da palavra e da conscincia, do sentido e da presena da verdade formam parte. Por outras palavras, o que Derrida denomina logocentrismo. A escrita, para ele, se l e no d lugar, nesse processo, simples hermenutica dos enunciados nos que se encontrariam, velados, sentidos ocultos. A escrita, para ele, transcende a polissemia e atinge a disseminao no ato da sua leitura. Por esse motivo, a escrita no existe e a assinatura, como expresso escrita, tambm no existe. Que significa assinar, ento? A remisso a um ser nico no mundo?25 Para o autor, a assinatura, o nome, no significa porque no h escrita perene, h leitura, interpretao e nessa interpretao disseminao de sentidos

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A pergunta e a crtica foram lanadas por Derrida e respondidas por Searle em 1977 na Glyph, no segundo volume. O artigo, chamado Reiterating the differences: A reply to Derrida, foi resumido por Gerard Graff e publicado no livro Limited Inc a,b,c.... onde se encontram: o texto de Derrida Assinatura evento contexto, o resumo da rplica de Searle, j que este se recusou a ter republicado seu ensaio no livro, e a trplica de Derrida a este filsofo.

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j que a interpretao no nem uma, nem nica. A afirmao disso chega no livro Derrida escrito por Bennington e Derrida. Nele se afirma:
no existe nome prprio. Isso a que denominamos atravs do nome comum genrico de nome prprio deve de fato funcionar, ele tambm, em um sistema de diferenas: este ou aquele nome prprio de preferncia a um outro designa este ou aquele indivduo de preferncia a um outro e portanto se encontra marcado pelo trao desses outros, numa classificao (GL,99;155), ainda que seja de dois termos. J nos encontramos na escritura com os nomes prprios. (DERRIDA, et al., 1996 p. 80)

Derrida assevera que o nome prprio no existe. Por outras palavras, existe o nome, mas no existe o prprio. No h s um sujeito que se apropria, o sujeito sempre outro, no fixo. Por isso no h nome prprio de um sujeito, por que no h propriedade. Derrida diz que se houvesse nome prprio poderamos afirmar, tambm, a existncia de um vocativo absoluto no nome prprio que chame a um puro outro, um outro absoluto. Mas podemos afirmar isso? Na realidade, de acordo com ele, somente existiriam nomes imprprios. A questo do nome prprio traz consigo a questo da prpria linguagem. Ele deveria estabelecer uma passagem segura entre ela e o mundo e indicar, sem ambigidade, um indivduo nico no mundo. O nome deveria mostrar a transparncia da lngua na sua mais complexa articulao. Mas, ao invs de nos trazer isso, no ato de nomear, encontramos a impossibilidade dessa unidade da lngua tanto prometida. Por trs desse ato encontramos sempre o outro, sempre a diferena. Bennington (1991) diz: Veremos num instante: o nome prprio porta a morte de seu portador garantindo sua vida e garantindo-o de e sobre sua vida. (DERRIDA, et al., 1996 p. 81) E mais adiante diz:
Aceitemos que o nome tido por prprio j tenha sido arrastado para um sistema de diferenas, chamemos isto de escritura, se quiseres e, at mesmo, para antecipar que no perders a ocasio de fazer no que diz respeito metfora, aceitemos ainda que nome prprio e sentido prprio s se distinguem de modo secundrio apoiados na impropriedade ou na metaforicidade

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originrias. Mas o que faz com que digamos prprios os nomes ditos Prprios deve depender de um elemento ou momento de propriedade, ainda que curto, que esses nomes indicam ou comemoram de alguma maneira. (DERRIDA, et al., 1996 pp. 8182)

O nome trao de trao e carrega consigo, ao contrrio do que possa ser pensado, uma finitude. Se eu nomeio Joo e Joo Joo at depois da sua morte, o termo em si infinito, ele supera a prpria morte. Mas, o que traz Derrida a possibilidade de pensar o nome como a marca da prpria finitude de Joo e do sistema, da lngua. A lngua no infinita nem transparente, ela finita e opaca. A partir deste mesmo princpio, ele tambm trata dos diticos como o eu que no supera minha existncia (como proporia Husserl) seno que traz a marca da prpria finitude. Mas temos que tomar cuidado para que no se pense, ao formular isto, que estamos falando de um sujeito transcendental que diz eu ou diz Jos. exatamente o movimento contrrio ao realizado por Husserl quando prope um eu cogito.26

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Para Husserl, o mundo um fenmeno elevando uma pretenso de existncia. Os outros seres que me rodeiam, o mundo existente, so para mim dados da experincia sensvel. Enquanto experincia sensvel que possuo de seus corpos no um mundo existente seno apenas fenmeno de existncia. No h mais mundo objetivo seno um mundo que existe enquanto eu tenho experincia sensvel dele. Por conseqncia, esta universal desvalorizao, esta inibio, esta expulso de todas as atitudes que podemos tomar face ao mundo objectivo - e antes do mais atitudes relativas a : existncia, aparncia possvel, hipottica, provvel e outras, - ou ainda, como costume dizer: esta fenomenolgica, este colocar entre parntesis do mundo objectivo, no nos colocam face a um puro nada. Aquilo que, em compensao e por isso mesmo, se torna nosso, ou melhor, o que atravs disso se torna meu, a mim sujeito mediante, minha vida pura com o conjunto dos seus estados vividos puros e os seus objectos intencionais (reine Gemeintheiten), quer dizer, a universalidade dos fenmenos no sentido especial e alargado da fenomenologia. (HUSSERL, 19- p. 33) atravs da que me capto como eu puro. O mundo s vale para mim entanto tenho experincia dele, o percebo, rememoro, penso julgo sua existncia ou valor, desejo, ajo sobre ele, interajo com ele. Isto que toma Husserl corresponde ao cogito de Descartes. o mundo para mim apenas aquilo que existe e vale para a minha conscincia num tal cogito. (Husserl; 1931: 33)

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Outro autor que traz colocaes diferentes s da Filosofia analtica, e discute com ela, Michel Foucault. No seu texto O que um autor, trabalha o problema do nome prprio quando se inquire pela autoria. Afirma que o nome prprio, assim como o nome de autor no tem somente uma funo indicadora, eles so, em certa medida, equivalentes a uma descrio. Foucault diz em certa medida, porque ambos os nomes esto na realidade entre a descrio definida, por um lado, e a designao, pelo outro. Eles tm uma ligao com aquilo que nomeiam, porm, nem maneira da descrio, nem maneira da designao. uma ligao especfica. A ligao do nome de autor com o que nomeia e a do nome prprio com o indivduo nomeado. Percebe-se que para Foucault so dois funcionamentos diferentes. Ele afirma que
o nome de autor no transita, como o nome prprio, do interior de um discurso para o indivduo real e exterior que o produziu, mas que, de algum modo, bordeja os textos, recortando-os, delimitando-os, tornando-lhes manifesto o seu modo de ser ou, pelo menos caracterizando-lho. (FOUCAULT, 1992 pp. 45-46)

De acordo com esse trecho, o nome prprio circula do interior do discurso para um indivduo real e exterior que por sua vez o produz. Esse movimento elptico do nome prprio diferente do nome do autor que se mantm na esfera do discurso. O nome prprio define esse caminho em Foucault, um caminho que pode ser percorrido inmeras vezes, j que o nome circula no discurso e vai para fora dele. Esse fato no nega a possibilidade de que diferentes nomes produzidos no discurso circulem em diferentes discursos, alis, essa definio deixa espao

O mundo encontra em mim e extrai de mim seu sentido e validade. O sentido do mundo esta em mim, no ego puro. Mas eu posso atingir este nvel de reflexo s me abstendo de acreditar o mundo como existente e visando somente este mundo. Deste modo me encontro como ego puro. Por conseqncia, de facto, a existncia natural do mundo - do mundo acerca do qual eu posso falar - pressupe, como uma existncia em si anterior, a do ego puro e das suas cogitationes. (HUSSERL, 19- p. 34)

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para pensar melhor no nosso problema. Porm, Foucault no se detm na explicao do funcionamento do nome prprio, ele continua observando como trabalha o nome de autor.

***

Chegados neste ponto da pesquisa precisamos nos inquirir a respeito de problema que norteia todas as teorias expostas at o momento. Todos os autores revisados tm uma teoria que responde aos problemas que se colocam, porm que no conseguem explicar suficientemente o nosso problema. Em um primeiro momento podemos pensar que a concepo de lngua ou linguagem que cada um deles adota o motivo pelo qual no conseguimos encontrar uma teoria que explique nosso fenmeno. Partimos de um exemplo vindo de uma lngua natural, uma expresso corriqueira compreendida amplamente por aqueles que a lem. Nossa pergunta : que significa na sociedade escravagista campineira dos ltimos anos de 1800, o fato de que em um anncio de fuga o dono afirme que o escravo Damio diz-se chamar Alfredo? Podemos afirmar at o momento que: a- o nome no fixo uma estrutura nica e fixa; b- sua interpretao depende do contexto de uso (porm precisamos ter cuidado com o limite desse contexto). Faz-se necessrio, neste ponto, nos aprofundarmos nas cincias da Linguagem que trabalharam o nome prprio desde outras perspectivas.

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1.1.3- O nome prprio para as semnticas: Kleiber, Pcheux e Guimares.

No incio do presente captulo, afirmamos que a filosofia analtica definia a funo do nome como a de estar por um objeto. Durante os dois pontos anteriores observamos como essa funo referencial foi interpretada por autores relacionados com a Filosofia Analtica tanto seguindo suas posies tericas quanto discutindo com elas. Outra das reas dos estudos da linguagem que se dedicaram ao estudo do nome prprio, alm da Filosofia Analtica, foi a Semntica. Nela podemos diferenciar trs linhas de trabalho diferentes no que respeita ao nome prprio. Seguindo uma ordem cronolgica, podemos mencionar primeiramente a obra de Michel Pcheux, principal autor da Anlise do Discurso francesa. Ele considera que a Semntica um lugar que possibilita de modo singular a observao de funcionamentos lingsticos em discusso com a filosofia e as cincias das formaes sociais. Por esse motivo, escrever, em 1975, o livro titulado Les vrits de la Palice o qual foi traduzido ao portugus com o nome de Semntica e Discurso. Nele, o autor traar as linhas fundamentais de um modo de pensar a linguagem a partir de lugares pouco explorados at o momento da sua publicao. Dentro dessas reflexes e dilogos, encontra-se tratado o problema do nome prprio que retomaremos no presente ponto. Outra rea da Semntica que traz um tratamento aprofundado e minucioso do tema problema deste captulo a Pragmasemntica. Esse enfoque articulado por Georges Kleiber. O autor inicia sua reflexo sobre o nome prprio em 1981 com o livro Problmes de rfrence: descriptions dfinies et noms propres e continua seu trabalho em diferentes artigos. Ele prope a observao

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do nome prprio a partir de elementos sintticos, semnticos e pragmticos visando explicar vrios funcionamentos no contemplados pela gramtica tradicional nem pela lingstica geral. Em terceiro lugar, a Semntica do Acontecimento proposta por Eduardo Guimares no livro do mesmo nome, publicado em 2002, traz um novo olhar sobre o tema do presente captulo. Essa linha traz um dilogo entre as anlises semnticas do nome prprio, a teoria dos atos de fala e a Anlise do Discurso. A primeira aproximao que Michel Pcheux faz ao problema do nome prprio pode ser lida na seguinte citao do livro Semntica e Discurso onde diz o seguinte:
Concluiremos esta primeira aproximao do problema do prconstrudo destacando, como uma caracterstica essencial a separao fundamental entre o pensamento e o objeto de pensamento, com a pr-existncia deste ltimo, marcada pelo que chamamos uma discrepncia entre dois domnios de pensamento, de tal modo que o sujeito encontra um desses domnios como o impensado este que, necessariamente, pr-existe ao sujeito. o que Frege exprime ao dizer que um nome de objeto, um nome prprio, no pode absolutamente ser usado como um predicado gramatical. Em seguida veremos que essa separao , ao mesmo tempo, e paradoxalmente, o motor do processo pelo qual se pensa o objeto de pensamento, isto , o processo pelo qual o pensamento funciona segundo a modalidade do conceito: veremos a esse respeito, como a unicidade de existncia do objeto (designada pelo nome prprio) desaparece no nome comum, que a forma gramatical do conceito, fato caracterizado por Frege... (PCHEUX, 1997 p. 102)

A partir desse ponto, Pcheux interpreta que, para Frege a denotao de um nome prprio um objeto determinado, e a denotao de um predicado um conceito. (Pcheux; 1975:106) Afirma que o autor alemo antisubjetivista como uma estratgia para diferenciar modo de apresentao e criao do objeto. Por esse motivo, considera que os nomes prprios trabalhados por Frege (Kelsen,

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Berlim, Vnus) funcionam do mesmo modo que demonstrativos (isto/ aquele). Essa afirmao se fundamenta no fato de que, a condio do funcionamento, tanto do nome quanto do demonstrativo, a unicidade do objeto identificado. Assim, Pcheux pretende mostrar o que denomina idealismo militante de Frege, a partir do qual se pressupe a existncia de objetos nicos e a unicidade da referncia. De acordo com Pcheux, a Filosofia Analtica encontra um ponto cego nessas formulaes, um n que mostra o alcance, ou limite da proposta. Em Frege, de acordo com o autor, tal limite se observa, principalmente, nas suas exemplificaes. Ele afirma que expresses como a vontade do povo e Ulisses tem uma instabilidade referencial que seria a responsvel pelas apreciaes de cunho individual do analista. Isso teria sua origem, de acordo com Pcheux, em dois compartimentos tericos da ideologia burguesa que traz no seu bojo um idealismo militante. Por um lado, o compartimento terico localizado no realismo metafsico (mito da cincia universal) e pelo outro no empirismo lgico (uso generalizado da fico). Estes compartimentos tm como caracterstica principal o esquecimento do poltico sob duas formas que expe do seguinte modo:
O realismo metafsico corresponde fantasia burguesa da reabsoro da luta poltica no puro funcionamento do aparelho jurdico-poltico e caracteriza as condies nas quais a questo do poder do Estado no diretamente colocada, de tal modo que a burguesia pode, em aparncia, evitar a luta poltica e declarar-se apoltica tratando os problemas sob seu aspecto tcnico. A fico empirista (e o cinismo ctico que a acompanha) corresponde, ao contrrio, forma burguesa da prtica poltica, sempre que a mesma burguesia obrigada a fazer poltica manobrando, embaralhando as cartas, etc., isto , quando ela conduz a luta poltica sob a forma de um jogo. (PCHEUX, 1997 p. 121)

Assim sendo, Pcheux localiza uma serie de relaes, no que respeita ao nome prprio especificamente. As relaes da Lgica

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aporta(m) as modalidades de preenchimento dos lugares de argumentos de um enunciado enquanto condiciones do enunciado e as relacionadas Lingstica que incide(m) na articulao entre enunciados, sobre a passagem discursividade, ao engendramento do texto em dois modos de preenchimento dos lugares de argumento do predicado. (PCHEUX, 1997 p. 123)

Ao domnio da Lgica corresponde a noo de quantificador existencial enquanto que ao domnio da Lingstica corresponde o de nome prprio. Deve-se lembrar que o funcionamento no neutro ou indiferente em relao ideologia. Alm das relaes expostas, o nome prprio esta relacionado com um terceiro elemento que no pertence nem Lgica, nem Lingstica, seno que est relacionado ao que Pcheux denomina o domnio do pensvel. Ele se constitui no interior de duas relaes de discrepncia, a saber:
a. relao de discrepncia que toma a forma da exterioridade-anterioridade (pr-construdo) b. relao de discrepncia do retorno ao saber no pensamento que produz uma evocao sobre a qual se apia a tomada de posio do sujeito. (efeito de sustentao- evocao lateral)

(PCHEUX, 1997 p. 125)

O limite da Filosofia da Linguagem e da cincia lingstica em geral, atravessada pelo mito emprico subjetivista, encontra-se, para Pcheux, no tratamento da relao situao-propriedade. De acordo com esta, prope-se um sujeito concreto e individual em situao, apagando progressivamente sua relao com as estruturas scio-histricas. Esse apagamento o conduz, paulatinamente, noo de sujeito universal, abstrato, que pensa atravs de conceitos fixos e pr-estabelecidos. Prope-se um mundo dual, constitudo pelo mundo fsico por um lado e pelo mundo mental por outro. A partir desse quadro encontramos o tratamento tradicional do nome prprio como pertencente a um s sujeito (neutro) no mundo, tendo somente um nome e um referente. A cincia

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lingstica assim o trata cada vez que se enfrenta com ele. Mas, Pcheux aponta isso como um erro central que tem por sua vez duas faces:
de um lado , considerar as ideologias como idias e no como foras materiais e, de outro lado, em conceber que eles tm sua origem nos sujeitos, quando na verdade elas constituem os indivduos em sujeitos, para retomar a expresso de L. Althusser.

(PCHEUX, 1997 p. 129)

Por esse motivo Pcheux afirma que no h duas regies (uma lgica e outra no-lgica) como correspondendo a primeira cincia e a outra no. Existe somente uma regio, a ideologia em geral, com a qual no se rompe. Em outras palavras, no se corta o lao com uma ideologia para entrar em outra mas, o nexo termina com uma formao ideolgica. Esta est inscrita em uma ideologia (vista como plano superior), ou seja, inscrita, histrico-materialmente, no conjunto complexo das formaes ideolgicas de uma formao social dada. Nesse pano de fundo, a contradio tem um rol fundamental. No se articulam, na contradio, internos ou externos, h um real funcionando o qual se pretende apropriar. A tese de Pcheux :
O real existe, necessariamente, independentemente do pensamento e fora dele, mas o pensamento depende, necessariamente, do real, isto no existe fora do real. (PCHEUX, 1997 p. 255)

Na prtica de apropriao do real pelo pensamento, a contradio tem a funo de trabalhar sob a forma de diviso de dois funcionamentos (nocional ideolgico e conceptual-cientfico) que constituem a unidade complexa do processo da necessidade-real. A partir dessa tese Pcheux postula trs proposies relacionadas a ela:
Proposio 1: As modalidades histrico-materiais sob as quais a necessidade-real determina as formas contraditrias de existncia do pensamento so constitudas pelo conjunto complexo com dominante das formaes discursivas, ou interdiscurso, intrincado no conjunto das formaes ideolgicas que caracterizam uma

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formao social dada em um momento dado do desenvolvimento da luta de classes que a atravessa. (PCHEUX, 1997 p. 257) Proposio 2: Um efeito de sentido no preexiste formao discursiva na qual ele se constitui. A produo de sentido parte integrante da interpelao do indivduo em sujeito, na medida em que, entre outras determinaes, o sujeito produzido como causa de si na forma-sujeito do discurso, sob o efeito do interdiscurso. (PCHEUX, 1997 p. 261) Proposio 3: O funcionamento conceptual-experimental (cientfico) que, sob formas especficas em cada ramo da produo dos conhecimentos, materializa a necesidade-real como necessidade-pensada (e nesse sentido, torna localmente excludos o sentido e o sujeito) nunca existe em estado puro sob uma forma disjunta seu oposto nocional-ideolgico. Conseqentemente, a apropriao do real pelo pensamento no poderia consistir em uma dessubjetivao do sujeito, mas supe um trabalho de apropriao subjetiva na e sobre a forma-sujeito, isto , entre outras determinaes, na e sobre a forma-sujeito do discurso. (PCHEUX, 1997 p. 267)

No que se refere ao nome prprio, Pcheux dir, ao explicitar a segunda proposta, partindo de uma reflexo que tem sua origem na psicanlise lacaniana, que o significante representa o sujeito para27 um outro significante.
27

Em 1990, Denise Maldidier publicar um livro chamado Linquitude Du discours Nele encontram-se compilados textos clssicos de Pcheux, dentre eles um resumo do livro Les Vrits de la Palice publicado no mesmo ano que traz uma verso em processo do que ser o livro. Porm, j nesse artigo encontramos o seguinte trecho que esclarece o problema que estamos tratando e nos permite corregir a preposio utilizada na traduo ao portugus do livro realizada por Orlandi em 1997. O trecho diz o seguinte: Le rle de symptme que nous avons reconnu dans le fonctionnement dun certain type de mots desprit (o il y va finalement de lidentit dun sujet, dune chose ou dun vnement) legard de la question de linterpellation-identification idologique nous conduit poser, en liaision avec ce symptme, lexistence de ce nous appelons un procs du signifiant, dans linterpellationidentification. Expliquons-nous : il ne sagit pas ici dvoquer en gnral le rle de langage ni mme le pouvoir des mots en laissant incertaine la question de savoir sil sagit l du signe, qui dsigne quelque chose pour quelquun, comme le dit J. Lacan, ou bien sil sagit de sinificant, cest--dire de ce qui reprsente le sujet pour un autre signifiant (J. Lacan , toujours). Il est bien clair, en ce qui nous concerne, que cest la deuxime hypothse que est la bonne, porce que cest l quil est question du sujet comme procs ( de reprsentation) interieur au non-sujet que constitue le rseau des signifiants, au sens que lui donne J. Lacan : le sujet est pris dans ce rseau - noms communs et noms propres , effets de shifting constructions syntaxiques, etc. - de sorte quil en rsulte comme cause de soi , au sens spinoziste de lexpression. Et cest mme lexistence de cette contradiction (produire comme rsultat une cause de soi ) et

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(PCHEUX, 1997 p. 262) Esse posicionamento traz, para a teoria do discurso, duas conseqncias: A primeira relacionada com o primado do significante sobre o signo e o sentido e na segunda o significante toma parte na interpelaoidentificao do indivduo em sujeito. (PCHEUX, 1997 p. 264) Nessa perspectiva, o nome prprio surge como elemento importante. Pcheux afirma:
O significante toma parte na interpelao-identificao do indivduoem sujeito: um significante representa o sujeito por um outro significante, o que acarreta que o significante no representa nada para o sujeito, mas opera sobre osujeito fora de toda compreenso; o sujeito, se ele j pode parecer escravo da linguagem, o seria tanto mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar j est inscrito desde o seu nascimento quanto se assim o fosse sob a forma de seu nome prprio: o nome prprio no uma propriedade como os outros, e ele designa o sujeito sem represent-lo. Os lgicos, como vimos, freqntemente limitaram-se a constatar isso e a comentar, com base no tema da conveno o efeito de exterioridade do nonsens que a se manifestam. (PECHEUX, 1990 p. 264)

Percebemos nessa citao um elemento interessante mencionado anteriormente em relao posio de Derrida com o nome prprio. O nome prprio no prprio, no h propriedade nele, seno que ele designa o sujeito sem represent-lo. esse fato, o de designar o sujeito, que permite pensar que o nome prprio a edio prncipe do efeito de pr-construdo, j que o sujeito na linguagem na qual est inscrito desde antes do seu nascimento sob a forma do seu nome prprio, como veremos na citao a seguir:

son rle moteur legard du procs du signifiant dans linterpellation-identification, qui nous autorisent dire quil sagit bien l dun processus, dans la mesure o les objets qui sy manifestent se ddoublent, se disjoignent pour agir sur soi en tant quautre que soi. (PCHEUX, 1990 p. 222) A utilizao da preposio por na traduo produz um extranhamento j que, como vimos na citao, essa afirmao de Pcheux (reprsente le sujet pour un autre signifiant ) provm de Lacan e, por sua vez, esse terico afirma que um significante representa o sujeito para um outro significante no texto Subverso do sujeito e dialtica do desejo no inconsciente freudiano do ano 1960 publicado pela Zahar editores no Brasil em 1998 e traduzido ao portugus por Vera Ribeiro. Concluimos que a utilizao correta nessa citao ser, portanto PARA e no por como utilizado j que sua utilizao no faz sentido dentro de nenhuma das duas teorias.

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a imposio do nome prprio constitui a forma em edio prncipe do efeito de pr-construdo, que representa a modalidade discursiva da discrepncia pela qual o indivduo interpelado em sujeito de seu discurso (aquilo por meio do qual ele diz:Eu, fulano de tal) como sempre j sendo sujeito, isto , a modalidade discursiva sob cujo domnio ele produzido como causa de si, com seu mundo, seus objetos e seus sujeitos, mantendo a evidncia de seus sentidos? (PCHEUX, 1997 p. 264)

A expresso da interpelao do indivduo em sujeito se d pela identificao do indivduo com a formao discursiva que o domina, onde ele se encontra encravado na condio de sujeito. Essa identificao , de acordo com Pcheux, uma identificao imaginria no sentido de que tem uma mobilidade dada pelo ajustamento continuo e inacabado do sujeito consigo mesmo. O mesmo fato acontece a partir da relao que ele estabelece com os outros sujeitos que se constituem, cada um deles, como seu alterego. Essa identificao imaginria encontra-se relacionada ao esquecimento n 2 (o sujeito tem a iluso de ser causa de si sob a forma de primeira evidncia)- (Pcheux; 1975:266)28. A identificao imaginria depende, assim, da identidade e por esse motivo
... toca no simblico ao remeter ao nome prprio e lei (e o pacto e a dvida que da resultam para o sujeito esto realmente presentes no inconsciente sob a forma de um pensamento ou de um desejo). (PCHEUX, 1997 pp. 265-266)

Essas reflexes nos levam diretamente questo do sujeito, de sua constituio. Pensar que uma pessoa tem um nome, a partir do visto em Pcheux, j no mais simplesmente pensar que existe uma pessoa no mundo qual lhe foi atribudo um nome no momento do batizado simplesmente. Se pensarmos a
No se pode esquecer que na leitura que Pcheux faz de Lacan no que respeita questo do nome enfatiza sobretudo o aspecto processual (de representao como processo interior) Afirma na pgina 157 A questo do sujeito como processo (de representao) interior ao no sujeito constitudo pela rede de significantes, no sentido que lhe d J. Lacan: o sujeito preso nessa rede nomes comuns e nomes prprios, efeitos de shifting, construes sintticas, etc. de modo que o sujeito resulta dessa rede como causa de si no sentido espinosiano da expresso.
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partir de uma teoria materialista do discurso, como prope Pcheux, precisamos nos deslocar desse idealismo militante para poder pensar o funcionamento do mesmo e as determinaes dele. O modo como Pcheux trata o problema do nome prprio nos d lugar para pensar em varias possibilidades diferentes. O autor assevera que o indivduo ao dizer eu fulano de tal constitudo como sujeito de seu discurso sob a iluso de que ele produzido como causa de si, como sempre j sujeito nos permite pensar que ele pode tambm ser nomeado desde outros lugares. O autor trata tambm da nomeao por parte de outro que d o nome prprio a um indivduo. Esta nomeao a edio prncipe do efeito de pr-construdo. Tambm afirma que a identificao imaginria toca no simblico ao remeter ao nome prprio e lei. No entanto, Pcheux no trata de modo especfico o acontecimento pelo qual no somente se diz eu fulano de tal, seno que tambm se afirma ele diz eu fulano de tal, desde outro lugar. Este desdobramento especfico no trabalhado por Pcheux embora deixe elementos importantes, em diferentes partes de seu texto, que podem ser reunidos e alinhavados para poder pens-lo. Esse nosso problema, o qual tentaremos resolver ao longo deste captulo. Por outro lado, nos afastando da teoria materialista de Pcheux, podese afirmar que, na rea de Semntica Lingstica, especialmente, encontram-se duas posies bastante definidas. Encontram-se aquelas que afirmam que o nome prprio no analisvel e outras que retomam os estudos da Filosofia Analtica. Gary Prieur, em um artigo publicado na revista Langages N 92 de 1991, dedicada somente ao estudo do nome prprio, nos diz:
Pour rsumer, Il y a deux faons de concevoir lapproche smantique du Nom Propre. Dans un cas, on accorde au Nom Propre la proprit davoir du sens, mais cela conduit, bizarrement, effacer les barreurs entre noms propres et noms communs. Dans lautre cas, on reconnat la spcificit smantique du Nom Propre, et au nom de cette spcificit on le rejette lextrieur de la smantique, laissant la logique notamment le soin de rflchir sur le sens du nome propre quitte importer ensuite les thses de Mill (les noms propres dnotent et ne

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connotent pas) ou la thse de Kripke (les noms propres sont des dsignateurs rigides) qui, sil est vrai quelles concernent bien le sens des noms propres, ne sont pas des caractrisations linguistiques de ce sens. (GARY PRIEUR, 1991 p. 15)

O autor afirma que podem ser observadas duas teses tradicionais e opostas sobre o nome prprio. Por um lado a de Ullman e Lyons que afirmam que os nomes prprios no tem sentido e que esse fato os exclui da semntica. Por outro lado, Bral, no seu Essai de Smantique onde afirma que esto repletos de sentido. Para esse autor, a diferena entre os nomes comuns e os prprios de graduao. Contudo, aps esse semanticista encontramos diversas tentativas de explicao do funcionamento do nome prprio. A mais comum delas aquela na que subjaz a idia de que o nome prprio uma etiqueta que refere a um indivduo, ou seja, um funcionamento referencial ordinrio. Vejamos o exemplo Ele Joo. Nesse caso Joo um nome prprio que refere a uma pessoa, uma etiqueta para esse indivduo. Mas, nessa mesma frase, pode ser interpretado que como o nome prprio funciona como tema do discurso. A partir dessa nomeao falar-se- a respeito do referente mencionado: Joo. Por outro lado, um nome prprio em combinao com um determinante pode significar outra coisa que no uma relao referencial simples, como na frase:

Ele um Caxias.

Encontra-se aqui o nome acompanhado por um determinante o que faz pensar em que a relao estabelecida do nome com o referente no ser referencial, outros elementos esto aparecendo. Essa frase no pode ser

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interpretada como que esse indivduo tem o nome Caxias, o determinante um no o permite. Pode se entender que esse nome prprio denota: ou um agir

especifico da pessoa mencionada, ou que essa pessoa pertence a um determinado grupo, o grupo dos Caxias. De fato, o nome prprio aqui no tem funo referencial, o nome prprio fala a respeito de uma qualidade do indivduo a partir de uma meno de um nome prprio. Esses exemplos nos levam a pensar, ento, que a funo do nome no unicamente referencial. Outros empregos do nome prprio so enumerados por Kleiber no artigo Du nom propre nom modifi ou nom propre modifi: Le cas de la dtermination ds nomes propres par ladjectif dmonstratif. O autor comea afirmando que o problema dos nomes prprios em semntica versou sobre duas questes principais: 12A no modificao do nome prprio e, A modificao do nome prprio.

No primeiro grupo encontram-se expresses do tipo Ex. Joo corre pelo parque.

E no segundo grupo surgem expresses como

Ex. O segundo Wittgenstein pensa o problema da designao.

De acordo com Kleiber, para o primeiro grupo de questes foram ensaiados trs tipos de respostas para o funcionamento do nome: a) uma descrio do referente , seguindo a

proposta de Frege, Russell, Strawson, Searle. b) no tem sentido, ele um designador rgido, na

linha de Mill, Kripke, Rcanati;

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c)

um predicado de denominao, proposta por Problmes de rfrence:

Kleiber em 1981 no livro

descriptions dfinies et noms propres.

J para o segundo grupo ele observa cinco tipos de empregos diferentes do nome prprio, a saber: 1. 2. 3. 4. 5. denominativo fracional exemplar metafrico metonmico

Em todos esses casos, o nome prprio est acompanhado por um artigo, seja definido, seja indefinido ou por um adjetivo demonstrativo. A relevncia do estudo de Kleiber reside em trazer para a anlise o contexto do uso do nome e seu funcionamento semntico-pragmtico ou, como ele mesmo denomina, a partir da Pragma-semntica. Ele nos mostra atravs do texto os diferentes funcionamentos do nome prprio. O autor leva em considerao, nas suas anlises, a utilizao do nome por um locutor que tem uma intencionalidade e uma capacidade. A capacidade de usar o nome de uma ou outra maneira e a inteno do locutor que produzir um ou outro efeito de sentido. Assim, ele ter a inteno de marcar o aspecto, ora de distanciamento, ora de familiaridade ou afetividade, ao utilizar o nome acompanhado de um determinante ou no. Kleiber apela, nesse momento, s mximas conversacionais de Grice para poder elaborar a anlise. O que avana na anlise dos nomes prprios a partir de Kleiber a possibilidade de estudar o nome prprio uma situao de interlocuo especifica. Ser a partir da inteno do locutor que o nome ter sentido. O limite da proposta de Kleiber encontra-se nesse ponto tambm. Ao falar tratar da inteno de um locutor, trata do nome em situao. Como j Pcheux fez essa crtica, tratar do

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sujeito em situao apaga estruturas scio-histricas. Esse o limite de Kleiber, no tratar das situaes scio-histricas. Deslocado j da pragmtica29, Guimares (2000) afirma que, a designao estaria composta tanto pelo ato de nomear como pelo de referir30. Ela se encontrar movimentada sempre por cada referncia a cada momento. O processo de designao, ento, teria momentos diferentes, a saber: A. nomeao: na qual se enuncia a existncia de

algo lhe dando um nome e onde se estabelece a relao entre o nome e a coisa; B. referncia: enunciao de um objeto atravs de

um nome prprio. Este processo se funda na memria de enunciaes anteriores, por exemplo, a nomeao.

O autor prope a existncia de uma performatividade inicial. S graas a ela podem-se realizar outras enunciaes. H, pois, uma histria de

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Guimares procura, desde o campo da Semntica Histrica da Enunciao pensar o nome prprio a partir do acontecimento. A linha de pesquisa dentro dessa rea da Semntica denominase Semntica do Acontecimento. Ela traz um forte dialogo com a Anlise do Discurso francesa, especialmente com a obra de Michel Pcheux e a filiao terica da Semntica histrica da enunciao. Essa ltima l os seguintes autores: Bral (1897), Bally (1932), Benveniste (1966, 1974), Ducrot (1972, 1973, 1984), Austin (1962), Grice (1957, 1967), Searle (1969).
30

No ano 2002, Guimares publica o livro Semntica do Acontecimento. Nesse volume o autor afimra: Nomeao, designao, referncia, denotao, por exemplo, e palavras correlats, so muitas vezes usadas como sinnimas e s vezes como diferentes. Basta ver como denotao pode ser usada como sinnima ou no de designao e referncia (denotao). A nomeao o funcionamento semntico pelo qual algo recebe um nome (no vou discutir aqui o processo). A designao o que se poderia chamar de significao de um nome, mas no enquanto algo abstrato. Seria a significao enquanto algo prprio das relaes de linguagem, mas enquanto uma relao lingstica (simblica) remetida ao real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relao tomada na histria. neste sentido que no vou tomar o nome como uma palavra que classifica objetos, incluindo-os em certos conjuntos. Vou considerar, tal como considera Rancire (1992), que os nomes identificam objetos. Hiptese que me interessa fortemente tanto para os nomes comuns, como para os nomes prprios, como se ver. A referncia ser vista como a particularizao de algo na e pela enunciao. (Guimares, 2002 p. 9)

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enunciaes por trs de uma enunciao. Guimares interpreta e acrescenta referncia, postulada por Ducrot (aquilo que no o dizer), como:
A referncia , portanto, um efeito de sentido produzido pela inscrio do interdiscurso como espao de memria no acontecimento enunciativo31 (Guimares; 1995)

Nesse novo contexto elaborado para a referncia encontramos o nome prprio. Assim, o autor entender interdiscurso como a relao que estabelece um discurso com outros, interpretando discurso como efeito de sentido entre locutores. A referncia do nome se coloca, ento, no como o indivduo do qual se est falando seno como o referente que se forma a partir dos discursos que circulam a respeito do mesmo 32. A referncia no ser ento um objeto no mundo nem outro elemento, ela ser um efeito de sentido, produzido pelo trabalho de discursos que agem na construo de uma memria que d a possibilidade da nomeao. No seu captulo Nomes Prprios de pessoa do livro Semntica do Acontecimento, Guimares afirma o seguinte:
A capacidade referencial no assim o fundamento do funcionamento do nome prprio. A referncia resulta do sentido do
31

O conceito de acontecimento enunciativo cunhado por Guimares. O autor afirma que o acontecimento :diferena na sua prpria ordem. E o que caracteriza a diferena que o acontecimento no um fato no tempo. O que o caracteriza como diferena que o acontecimento temporaliza. Ou seja, ele no est num presente de um antes e de um depois no tempo. Ele instala uma temporalidade: essa sua diferena. De um lado abre em si uma latncia de futuro, sem a qual ele no um acontecimento de linguagem, sem a qual ele no significa, pois sem ela nada h a de projeo. O acontecimento tem como seu um depois incontornvel e prprio do dizer. Por outro lado este futuro prprio do presente do acontecimento funciona por uma memria que o faz significar. (GUIMARES, 2001 p. 95) Esse conceito encontra-se definido tambm em Guimares (1994, 1995, 2000, 2002, 2007)
32

Oswald Ducrot no artigo O referente toma como exemplo a senhora Flora. Ela uma personagem de uma pea de teatro de Luigi Pirandello. Nessa pea todas as personagens falam a respeito de uma Senhora Flora sem que esta tal senhora se manifeste sobre si mesma em momento algum. Ducrot observa, ento, a partir desse exemplo, que a referncia de Flora no ela seno o conjunto de dizeres a respeito dela que constroem o referente. Guimares retoma essa idia quando pensa sobre a referncia. Ns nos filiamos ao trabalho desse terico.

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nome constitudo por seu funcionamento enunciativo. Quando um nome prprio funciona, ele recorta um memorvel que enquanto passado prprio da temporalidade do acontecimento relaciona um nome a uma pessoa. No um sujeito que nomeia, ou refere, nem a expresso, mas o acontecimento, exatamente porque ele constitui seu prprio passado. Assim a unicidade do nome prprio de pessoa uma construo da disparidade que acompanha seu funcionamento. O que ele refere hoje o que uma nomeao passada (de um locutor-pai) nomeou. O que ele significa numa dada enunciao (com sua temporalidade) toda sua histria de nomeaes, renomeaes e referencias realizadas (com suas temporalidades prprias). (GUIMARES, 2002 p. 42)

Depreende-se daqui que se pode pensar em uma nomeao passada que se repete. A cada repetio funda-se uma nova relao entre nome e pessoa. O espao de enunciao do nome ter uma srie de significaes possveis. Guimares 2002 afirma ao respeito:
Este percurso social do nome, e ele no homogneo para todas as pessoas (que inclui a reformulao por um enunciador-coletivo ou genrico de uma enunciao de um locutor-pai), o que faz com que o nome funcione como se fosse uma unidade no construda que tem uma relao unvoca com algum objeto, a pessoa que o nomeia. Na medida em que o acontecimento em que fala um enunciador-coletivo ou genrico tem como passado a enunciao de um locutor-pai, a unicidade se representa como efeito da temporalidade do acontecimento. Esta memria coloca uma relao um pai/um filho/um nome. Ou seja, a unicidade um resultado da no unicidade de um nome para a mesma pessoa. porque a nomeao de uma pessoa no unvoca, ou seja, uma pessoa no tem no processo de sua vida social um nico nome, que o nome prprio de pessoa acaba por mostra-se como funcionando univocamente. o trabalho de uma enunciao segunda sobre a enunciao da paternidade pelo Estado que faz a relao de determinao entre o nome e o sobrenome. (GUIMARES, 2002 p. 39)

Essa relao de determinao, entre sobrenome e nome, forma parte do funcionamento morfossinttico do mesmo. De acordo com Guimares o nome prprio construdo por uma determinao do sobrenome sobre o nome e vice-

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versa33. Ele se constitui por relaes de determinao que especificam algo sobre o que se nomeia.34 (Guimares 2002) Assim, nomear dar identidade a um indivduo biolgico que, a partir do ato de nomeao e de seu registro cartorial, ser um indivduo para o Estado, um sujeito de direito. O nome outorgado por um enunciador que pode ser denominado enunciador-pai. Ele, ou aquele que ocupe seu lugar, ser quem fornea a nomeao primeira. Ela, de acordo com Guimares, se produz a partir de um agenciamento enunciativo especfico que consiste na escolha de um nome que pertence a um conjunto de nomes considerado memorvel, como prprio para sua poca. A nomeao, de tal modo, pode abranger lugares de dizer diferentes j que ela pode estar retomando diferentes enunciaes, a da moda, a da famlia, a da esttica, a da igreja, etc. Esse fato , para Guimares, comprobatrio de que nas nomeaes possvel que regies do interdiscurso se cruzem. Todavia, o nome primeiro, aquele dado do lugar do pai, alterado, em muitos casos, ao longo da vida social do indivduo. Ele pode se reduzir, como mostra o autor. Por exemplo, de ser Antnio Cndido de Melo e Souza passar a ser Antnio Cndido. Essa alterao re-atualiza a primeira enunciao rememorando-a. O autor dir que operam, no nome prprio de pessoa, dois processos ou direes, a saber:

33

A determinao do nome se da em mo dupla. Por um lado, o sobrenome determina o nome j que em, por exemplo, Joo da Silva: Joo pertence ao grupo dos da Silva. Nesse momento o sobrenome determina o nome. Mas Dentre os da Silva h um Joo: essa a determinao do nome sobre o sobrenome.
34

Nessa anlise do nome, o trabalho do autor versar sobre quatro aspectos especficos do nome. O primeiro o quando os pais lhe do nome a um filho. O segundo caso observado quando se usam, no ato anteriormente mencionado, determinado tipo de nome que, por exemplo, est na moda. Em terceiro lugar trabalhar sobre os processos nos quais uma pessoa, por exemplo, chamada Maximino de Arajo Maciel passa a ser chamada Maximino Maciel. Finalmente, o autor analisar o fenmeno pelo qual uma pessoa chamada Jao Rodriguez chamada em diferentes lugares como Joo ou como Rodriguez.

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a)

uma indvidualizao, onde o locutor-x35 enuncia

como um enunciador coletivo36 a enunciao inicial sem a determinao do sobrenome. b) uma relao de famlia que coloca esse indivduo

dentro de um conjunto. O locutorx enuncia como enunciador genrico e se desmonta a determinao do nome sobre o sobrenome.

Guimares afirma que h um funcionamento que se apresenta como caracterstico da denominao. Ele a necessidade de unicidade. Ela estaria relacionada ao que Pcheux denominou de logicamente estabilizado. Por outras palavras, quando em um lugar h duas pessoas que tem o mesmo nome e sobrenome, Joo da Silva, por exemplo, um ser chamado Joo e o outro Silva. Esse procedimento, diz o autor, censura a primeira enunciao e instaura uma nova a partir do lugar de um enunciador chefe e um enunciador corporativo. Nesse momento age-se como se no houvesse nenhuma memria de nomeaes anteriores e procura-se que somente exista um referente para o nome, evitando ambigidades ou falhas. Essa unicidade visa identificao, a interpelao do indivduo sem possibilidade de erro, equvoco. Ela possibilita tomar o portador do nome em cenas enunciativas especficas de acordo com uma distribuio dos papis de locutor-x e alocutrio.
35

Para poder definir o locutor x precisamos expor aqui, embora brevemente, como Guimares concebe a Cena enunciativa. A Cena enunciativa um espao especifico que apresenta a distribuio dos lugares de enunciao. Assim, quem assume a palavra, quem se coloca no lugar de que enuncia, ser o Locutor. Ele se apresenta como a fonte do dizer. Mas esse Locutor afetado por lugares sociais autorizados para esse dizer. Ele fala desde esse lugar social especifico: operrio, patro, presidente, cidado, etc.. A esse lugar social, Guimares o denominar locutor-x
36

O enunciador e o lugar individual de dizer do Locutor. Ele pode ser individual, coletivo e genrico. O enunciador individual aquele que se apresenta como quem esta por cima de todos independente da histria. O enunciador coletivo para Guimares: o lugar de dizer que tem como principal caracterstica ser a voz de todos em uma s voz. O enunciador genrico o que repete o dito pelo povo, aquele que diz como dizem todos.

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Concluindo, para Guimares, nomear um indivduo uma enunciao. O funcionamento que a define a determinao semntico-enunciativa j que ele se produz em um processo social de identificao social e de subjetivao. O lugar do locutor est apagado nesse processo e reside aqui o motivo pelo qual aparece como um processo referencial. O apagamento do locutor x se produz porque o Locutor no sabe que fala de uma posio de sujeito, posio esta ideolgica. Os memorveis, para Guimares, no so nicos nem estanques, e que isso se comprova com as diferentes formas de nomear a mesma pessoa. Porm, no caso do nosso anncio temos uma enunciao do nome evidenciada a partir do discurso do dono: Romo, e outra que circula nas enunciaes dos escravos: Matheus. Matheus e Romo se fundam em diferentes atos enunciativos. Mas no necessariamente uma se funda na outra. Esse funcionamento especfico no considerado por Guimares, embora a partir de alguns dos elementos por ele elencados nos permitam pensar neste fenmeno e possam vir constituir uma parte importante do nosso dispositivo para a anlise.

1.1.4.- A questo do sujeito

Chegamos ao final deste percurso e percebemos que a questo que se encontra por trs do problema do nome prprio a questo do sujeito. ZoppiFontana 2003 afirma que:
os processos de designao, ao fornecer os pontos de estabilizao referencial necessrios para a prtica enunciativa do sujeito na sua relao contraditria com o real que o afeta, se constituem como processos de subjetivao, no s em relao ao funcionamento dos nomes prprios37, mas tambm e
37

Guimares (2000; 2002) ao analisar os nomes prprios de pessoa reconhece neles um funcionamento referencial que atribui ao fato desses nomes participarem do processo social de

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fundamentalmente em relao a todas as construes (morfo)sintticas que referem a/predicam de o sujeito do discurso, participando na produo das imagens (entendidas como formaes imaginrias, conforme definidas em Pcheux, 1969) a partir das quais trabalhada a identidade na iluso da unidade subjetiva e, conseqentemente, afetando os mecanismos enunciativos de auto-referncia. (ZOPPI FONTANA; 2003 p.p. 265-266)

Deste modo, cada uma das concepes de nome prprio dos tericos trabalhados acima est atrelada a uma noo de sujeito especfica. Se pretendermos elaborar uma proposta a respeito do nome prprio precisamos, ento, estabelecer essa categoria. Por esse motivo, propomos observar o conceito de sujeito que a Anlise do Discurso foi elaborando ao longo da histria de seu desenvolvimento. Vimos que em Frege existe uma noo de sujeito nico e indivisvel sempre j-a. Em Russel o sujeito j no nico: por fora do seu trabalho ele divide-o em sujeitos reais e imaginrios. Kripke avana ao encontro de Wittgenstein e afirma que h jogos de linguagem nos quais essa subjetividade criada ou produzida em um contexto. Derrida desconstri a teoria do sujeito. Nele o nome prprio no existe porque no existe prprio, e o sujeito tambm no, como foi desenvolvido acima. A noo de sujeito, dentro da AD teve um forte desenvolvimento com o passar dos anos e com o percurso da teoria. Desse modo, de acordo com Indursky (2000), considerada em 1969 como um lugar determinado na estrutura

identificao do indivduo. Neste trabalho defendemos a tese, apresentada por Orlandi (1999), de que processos de identificao e processos de individuao, embora relacionados (por participarem, ambos, do funcionamento da figura da interpelao ideolgica que constitui o sujeito do discurso) no se confundem nem se sobrepem, o que nos permite ampliar a relao entre processos de designao e processos de subjetivao, para ai incluir alm dos nomes prprios (que trabalhariam principalmente no espao dos processos de individuao em relao s instncias religiosas e jurdico-administrativas do Estado), todas as construes (morfo)sintticas que referem a/predicam de o sujeito do discurso (formas que trabalham principalmente no espao da constituio do sentido pelos processos de identificao/interpelao ideolgica).

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social. Ela no meramente lingstica nem individual, desde o incio da teoria ela social. No ano 1969, Pcheux estar, fundamentalmente, preocupado em elaborar uma teoria do discurso. Nela a questo do sujeito surge, mas no como fundamental. Maldidier diz a esse respeito:
o livro inteiro sugere o que dito explicitamente nas ltimas pginas: uma teoria geral da produo dos efeitos de sentidos, que no ser nem o substituto de uma teoria da ideologia nem o de uma teoria geral dos efeitos de sentidos, que no ser nem um substituto de uma teoria de ideologia nem o de uma teoria do inconsciente, mas poder intervir no campo dessas teorias. (MALDIDIER, 2003 p. 21)

Esse ser um momento fundamental para a categoria de sujeito cunhada por Pcheux. Quando Pcheux comea a elaborar sua teoria do discurso (Anlise Automtica do Discurso) inicia sua construo com uma noo de discurso que se relaciona, em termos de igualdade, com uma noo de sujeito como sujeito individual. Uma noo de sujeito que provm da lingstica. De acordo com a anlise de Pcheux em AAD em 1969, Ullman, desde uma base epistemolgica idealista, prope a existncia de um sujeito livre que atualizaria a lngua atravs do seu uso, da fala, sendo esse um caminho para a liberdade humana. J Jakobson, partindo duma base mais prxima ao marxismo, prope a existncia de um sujeito que disporia de uma liberdade relativa e crescente que se daria no nvel da combinao das palavras e frases. Dita liberdade relativa seria crescente, embora assuma a existncia de enunciados estereotipados na lngua. De fato, em ambos os autores h uma entrada do sujeito falante, ausente em Saussure, como subjetividade em ato. O sujeito o mesmo que enuncia, est com ele em uma relao de igualdade. Pcheux, frente a essas propostas, aceita a idia da existncia de uma liberdade combinatria, s que ela se encontraria na lngua e no no sujeito. O

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sujeito estaria atravessado por outras problemticas, as que tentar observar ao longo de toda sua pesquisa. Por esse motivo, percebendo uma dificuldade fundamental, prope um deslocamento no topo conceitual onde sejam introduzidos conceitos exteriores regio lingstica atual. O problema, segundo o autor, radica na considerao de enunciados normais ou neutralizados como prope a gramtica gerativa. Se os sintagmas pertencem lngua, o exemplo dado por Saussure: a terra gira no poderia ter sido considerado como enunciado normal num perodo pr-copernicano, sendo considerado, nesse perodo, como enunciado anmalo. Portanto a idia de enunciados inscritos na lngua fica duvidosa. Qual a interioridade da lngua, s da lngua que esquece contextos de ordem cientfica ou histrica que so externos a ela? Surge, ento, um deslocamento proposto por Pcheux segundo o qual em oposio lngua no estaria a fala e sim o discurso38. Embora Saussure afirme que a Lngua uma Instituio, tira dela todo tipo de relao com o sociolgico que a dita proposio pressupe. Nesse ponto, Pcheux faz o deslocamento e continua aceitando o carter de Instituio da Lngua indo at suas ltimas conseqncias. Esse ser o ponto fundamental da Teoria do Discurso. O discurso, a partir desse autor, deve ser remetido s relaes de sentido, nas quais ele produzido. Desse modo, um discurso remete a outro discurso prvio que o constitui como matria prima 39. O orador experiencia o lugar do ouvinte quando imagina, pensa, antecipa o que o outro vai pensar sendo esse antecipar-se constitutivo de qualquer discurso, elaborando-se sobre
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Pcheux afirma: pode-se dizer que a normalidade local que controla a produo de um tipo de discurso dado concerne no somente natureza dos predicados que so atribudos a um sujeito mas tambm s transformaes que esses predicados sofrem no fio do discurso e que o conduzem a seu fim, nos dois sentidos da palavra. (PCHEUX, 2001 p. 74)
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o discurso se conjuga sempre sobre um discursivo prvio, ao qual ele atribui o papel de matriaprima, e o orador sabe que quando evoca tal acontecimento, que j foi objeto de discurso, ressuscita no esprito dos ouvintes o discurso no qual este acontecimento era alegado, com as deformaes que a situao presente introduz e da qual pode tirar partido. (PCHEUX, 2001 p. 77)

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ele as estratgias do discurso. Por esse motivo, o trabalho desenvolvido por Pcheux em AAD 1969 ser, como tambm afirma Maldidier, uma teoria geral da produo dos efeitos de sentido. Dita teoria no ter o propsito de substituir a teoria das ideologias ou a teoria do inconsciente, mas sim ter o interesse de intervir no campo de ambas. Por esse motivo, o conceito de sujeito resulta de extrema importncia. Faz-se necessrio um conceito de sujeito que permita o dialogo com os dois territrios e que no entre em conflito. Destarte, por um lado Pcheux afirmar que o indivduo se constitui em sujeito a partir de procedimentos simultneos. O indivduo interpelado pela ideologia se constitui como sujeito, sujeito a uma instituio40, e por outro lado dir que a presena do Outro, e esse outro configurado como Ideologia41, o que constitui os indivduos em sujeitos.
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Essa teoria do discurso trar elementos de diversas teorias discutidas na poca na Frana. Uma delas, que tem neste momento um peso significativo, a proposta na Arqueologia do Saber de Michel Foucault publicada em 1968. Desse modo, podemos acrescentar que a noo de sujeito de Pcheux (a que nos preocupa no momento), aproxima-se noo que Foucault prope de sujeito no inicio de seus trabalhos, como aquele sujeito a um a instituio social. Essa concepo fica clara no artigo Sujeito e Poder. Nele, Foucault nos traz uma reflexo sobre o sujeito que se l na seguinte citao: Esta forma de poder aplica-se vida cotidiana imediata que categoriza o indivduo, marca-o com sua prpria individualidade, liga-o sua prpria identidade, impe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros tm que reconhecer nele. uma forma de poder que faz dos indivduos sujeitos. H dois significados para a palavra sujeito: sujeito a algum pelo controle e dependncia, e preso sua prpria identidade por uma conscincia ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a. (FOUCAULT, 1995 p. 235)(o negritado nosso) O principal objetivo destas lutas atacar, no tanto tal ou tal instituio de poder ou grupo ou elite ou classe, mas, antes, uma tcnica, uma forma de poder. Esse poder exercido sobre sujeitos constitudos em relao com as instituies.
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Mas a categoria de sujeito sofrer ajustes no interior da AD. No ano 1970, Louis Althusser publica o artigo Ideologia e aparelhos ideolgicos do Estado (notas a uma pesquisa). Nesse texto Althusser afirma que: De esta secuencia extraemos luego el trmino central, decisivo, del que depende todo: la nocin de sujeto. Y enunciamos enseguida dos tesis conjuntas: 1) No hay prctica sino por y bajo una ideologa. 2) No hay ideologa sino por el sujeto y para los sujetos. Podemos pasar ahora a nuestra tesis central.

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A importncia da articulao deste sujeito est na tentativa de descentralizao da responsabilidade de uma pessoa especifica em relao produo de um discurso. No um ou outro que diz determinada coisa seno que h discursos que circulam e que so ditos pelos diferentes sujeitos. O discurso no produzido por um algum especifico, no h uma fonte com nome e sobrenome seno que h discursos que circulam, se atravessam e produzem sentido. Por esse motivo, o conceito de interdiscurso ser tambm fundamental na teoria. Desse modo, procurando elaborar uma teoria no subjetiva do discurso, Pcheux entra em dilogo franco com Althusser e com Lacan. Com o primeiro o far j na virada dos 70 e com Lacan em Semntica e Discurso, no 75. Do dilogo com Althuser ele trar o conceito de ideologia, como j afirmamos acima, como elemento importantssimo na constituio do sujeito. Como afirma Maldidier:
O artigo de Althusser marca todo o trabalho de Michel Pcheux na virada dos anos 70. ele que subentende o grande momento de Semntica e Discurso, assim como vai alimentar remorsos, quando chegar o tempo das desconstrues. Ento, Michel Pcheux rachou de alto a baixo, com suas elaboraes sobre o discurso, tudo o que fazia voltar ao sujeito individual como moeda soante. Ele props, em seu dispositivo de anlise automtica do discurso, um mtodo de leitura que faz explodir a unidade de um sujeito escritor-leitor. A questo do sujeito se coloca em seus textos como um lugar de crtica, como um tema obsessivo .

(MALDIDIER, 2003 pp. 33-34)

Procurando resolver o problema do sujeito, como afirmamos acima, ele entra em dilogo com Lacan. Considerado um estruturalista por alguns e um psestruturalista por outros, Lacan comea a elaborar o conceito de sujeito ao
La ideologa interpela a los indivduos como sujetos Esta tesis viene simplemente a explicitar nuestra ltima proposicin: la ideologa solo existe por el sujeto y para los sujetos. O sea: slo existe ideologa para los sujetos concretos y esta destinacin de la ideologa es posible solamente por el sujeto: es decir por la categora de sujeto y su funcionamiento. (ALTHUSSER, 1992 p. 29) Esse texto ser retomado por Pcheux para pensar a noo de sujeito na Anlise de Discurso.

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perceber que, a estrutura psquica em determinado momento cessa e, nesse momento, a subjetividade comea. O ano de 1975 o momento no qual encontramos, de acordo com Maldidier, a etapa mais apurada da teoria na qual a noo de sujeito em Pcheux sofre mais um ajuste, ela ganhar mais um trao. O sujeito, a partir desse momento, um sujeito social dotado de inconsciente. Isso pode ser observado no seu modo de constituio. Os indivduos constituem-se em sujeito a partir do Outro. Esse trao novo na teoria pode ser lido a partir de um dilogo explcito de Pcheux vai travar com Lacan, como j afirmamos. No livro Semntica e discurso em nota de rodap cita Lacan
(...)o sujeito s sujeito por ser assuejeitamento ao campo do Outro, o sujeito provm de seu assujeitamento sincrnico a esse campo do Outro(J. Lacan, O Seminrio-Livro II: Os quatro Conceitos,p.178) (PCHEUX, 1997 p. 183)( o negritado nosso)

E mais adiante tambm afirma, como mencionamos acima:


um significante representa o sujeito para42 um outro significante, o que acarreta que o significante no representa nada para o sujeito, mas opera sobre o sujeito fora de toda compreenso; o sujeito, se ele j pode parecer escravo da linguagem, o seria tanto mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar j est inscrito desde o seu nascimento quanto se assim o fosse sob a forma de seu nome prprio : o nome prprio no uma propriedade como os outros, e ele designa o sujeito sem represent-lo. (PCHEUX, 1997 p. 264)

Observamos nas duas citaes o dilogo cruzado de Pcheux com Foucault e Lacan. De Foucault traz a noo de assujeitamento a, e de Lacan o enfrentamento ao campo do outro que constitui o indivduo em sujeito. Mas no

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Tomamos a liberdade de corregir a traduo . A clebre citao de Lacan diz representa um significante para um outro significante . Se afirmasse que o significante representa um sujeito por outro significnte estaria-se afirmando uma relao de sustituio, o que no condiz com o que o autor desenvolve nessa parte do texto como mencionado acima.

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podemos esquecer-nos do dilogo estabelecido com Althusser. A partir dele entrar nessa constituio a noo de Ideologia. Assim, Pcheux afirma que os indivduos se constituem como sujeitos interpelados pela Ideologia. Desse modo, o conceito de sujeito em Semntica e Discurso, fica configurado do seguinte modo: o sujeito se da no processo de representao. Ele resulta do contato das condies ideolgicas da reproduo/transformao das relaes de produo na modalidade discursiva da discrepncia (a qual funciona por contradio). Por outras palavras, entre um sujeito sempre j ai e o que se est constituindo nesse ato. Este processo um processo significante de interpelao-identificao da Ideologia pelo qual um significante se torna significante para outro significante, ele se constitui como sujeito. Em outras palavras, se desdobra, se divide e age sobre si como outro de si. Nesse momento o sujeito se encontrar preso nessa rede de nomes comuns e nomes prprios, efeitos shiffting e construes sintticas. Agora, tanto os recalques quanto o assujeitamento ideolgico encontram-se intimamente relacionados, entrelaados, mas no fundidos na categoria. O sujeito, de fato, funciona no discurso, entendendo discurso como efeito de sentido entre interlocutores. A questo ganha outras nuances. No somente problemtica a escolha de uma noo de sujeito que permita a mobilidade necessria para a AD, seno que tem que ser observada a relao que esse sujeito estabelece com o discurso. Ele no o autor nem o criador do discurso, seno que essa relao estar inserida no interior de uma prtica poltica43 e em certo momento histrico.

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Filiamos-nos ao conceito de poltico elaborado por Guimares 2002 retomando Rancire que afirma que: O poltico, ou a poltica para mim caracterizado pela contradio de uma normatividade que estabelece (desigualmente) uma diviso do real e a afirmao de pertencimento dos que no esto includos. Deste modo o poltico um conflito entre uma diviso normativa e desigual do real e uma rediviso pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento. Mais importante ainda para mim que deste ponto de vista o poltico incontornvel porque o homem

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Mas os estudos de Pcheux se centraro na relao deste processo na lngua. Desse modo, para poder observar como esse processo se d no campo do discursivo, ele diz o seguinte:
A interpelao do indivduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificao (do sujeito) com a formao discursiva que o domina (isto na qual constitudo como sujeito): essa identificao, fundadora da unidade (imaginaria) do sujeito, apiase no fato de que os elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma, descrita mais acima, enquanto pr-construdo e processo de sustentao) que constituem, no discurso do sujeito, os traos daquilo que o determina, so re-inscritos no discurso do prprio sujeito. (PCHEUX, 1997 p. 163)

Essa noo de sujeito desenvolvida por Pcheux em 1975 ser revista no seu artigo s h causa daquilo que falha ou o inverno poltico francs: incio de uma retificao. Nesse texto, publicado em 1978, o autor revisa vrios pontos da proposta elaborada em 1975. Revisa fundamentalmente o conceito de sujeito por ele cunhado e prope alguns deslizamentos. Um deles sua relao com o conceito de assujeitamento lido em Foucault. Pcheux afirma que o

assujeitamento no se d sem resistncia como no h dominao sem resistncia. Desse modo, ele toma uma posio definidamente materialista que afirma: preciso ousar se revoltar e compreender o processo de resistnciarevolta-revoluo da luta ideolgica e poltica de classes. (Pcheux, 1997 p.302303) Mas, o autor afirma que para resistir necessrio evitar fazer com que a ideologia dominada seja um calco eterno da dominante, nem o auto-aprendizado pelo qual se descobre o engano ao qual foi submetida pela classe dominante, nem um saber exterior que pode romper o encanto da ideologia dominante.

fala. O homem est sempre a assumir a palavra, por mais que esta lhe esteja negada.(Guimares; 2002:16)

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Outro ponto de crtica estar relacionado com o fato de levar adiante a noo de um ego-sujeito-pleno em que nada falha. Esse precisamente um ponto de falha (valha a redundncia). Pcheux dira:
S h causa daquilo que falha ( J. Lacan). nesse ponto preciso que ao platonismo falta radicalmente o inconsciente, isto , a causa que determina o sujeito exatamente onde o efeito de interpelao o captura: o que falta essa causa, na medida em que ela se manifesta incessantemente e sob mil formas (o laspo, o ato falho, etc.) no prprio sujeito, pois os traos inconscientes do significante no so jamais apagados ou esquecidos, mas trabalham, sem se deslocar, na pulsao sentido/non sens do sujeito dividido. (PCHEUX, 1997 p. 300)

O sujeito, desse modo, um sujeito dividido. Por um lado ele tem a iluso de ser o autor e por outro ele se pensa a testemunha. Pcheux afirma que h uma relao entre sentido e non sens. Tomando como ponto de partida que o sentido, ele se produz no non sens. Assim observa que no non sens se produz o deslizamento do significante. Tal deslocamento no tem origem e deixa traos no sujeito-ego da forma sujeito ideolgica. O sentido produzido juntamente com o sujeito atravs da interpelao ideolgica. Esta, enquanto ritual, est sujeita a falhas (uma palavra por outra, um lapso, etc.). Considerando o afirmado, a constituio do no sujeito em sujeito se d pela identificao dele com uma formao discursiva. Por sua vez, a Formao discursiva, cunhada por Foucault e relida por Pcheux44, est em relao direta com a Formao ideolgica. De acordo com o texto de 1975, escrito em colaborao com Fuchs, o autor diz que toda Formao ideolgica encontra-se constituda por uma ou vrias formaes discursivas interligadas que determinam o que pode e deve ser dito dentro de uma conjuntura determinada. Por outro lado, a Formao Ideolgica definida por Courtine a partir de uma citao de Haroche. Nela, ele nos traz:

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Esses conceitos sero vistos em detalhe na Parte 2: Metodologia.

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On parlera de formation idologique pour caractriser un lment susceptible dintervenir comme une force confronte dautres forces dans la conjoncture idologique caractristique dune formation sociale un moment donn:chaque formation idologique constitue ainsi un ensemble complexe dattitudes et de reprsentations qui ne sont ni individuelles, ni universelles mais se rapportent plus ou moins directement des positions de classes en conflit les unes par rapport aux autres. (Haroche et coll.,71 p. 102 In Courtine; 1981p.34)

Neste ponto especfico, podemos pensar que essas relaes so relaes de poder, no nosso caso especfico h uma tentativa de exerccio de poder do dono sobre o corpo do escravo e a evidncia de que o escravo exerce o poder sobre o prprio corpo. Essas so foras em conflito na conjuntura ideolgica da sociedade escravagista brasileira entre 1870 e 1880, na cidade de Campinas. Assim sendo, nada garante que aquela formao discursiva que encontrada ao inicio da anlise persista at o fim, que ela no mude ou transmute nem que ser descoberta sua delimitao e sua individualizao. Elas no definiro, certeiramente, a medicina ou a economia nem, seguramente, introduziro cortes imprevistos. A Formao Discursiva encontra-se na linguagem. Ela o lugar da constituio do sentido e, por sua vez, dissimula sua relao com o interdiscurso intrincada nas Formaes ideolgicas atravs da transparncia do sentido. A Formao Discursiva veicula a Forma Sujeito do discurso. Chegamos, portanto, categoria de forma-sujeito do discurso. Quando um indivduo constitui-se como sujeito no o faz de modo anrquico nem alheio histria e sociedade, ele o faz a partir de uma relao de identificao 45 que
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Quando falamos de Relao de Identificao pensamos no afirmado por Zandwais(2005) quando trabalha o desdobramento do sujeito como efeito de diferentes tipos de relaes: desiguais, contraditrias e sobredeterminadas. Ela dir: o sujeito se descubra como efeito do complexo de relaes desiguais, contraditrias e sobredeterminadas que permeiam sua condio de sujeito interpelado, e, ao mesmo tempo, como enunciador, tornando-se sujeito de sua palavra. ...... as modalidades que relacionam os diferentes processos pelos quais passam as

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estabelece com uma formao discursiva, na qual ele se constituir como sujeito. A identificao do sujeito com a formao discursiva ser feita pelo vis da forma sujeito, o sujeito identificar-se- com a forma-sujeito, no com toda a formao discursiva. A relao do sujeito com a formao discursiva dar-se-ia atravs da forma-sujeito. Pela forma-sujeito, o sujeito do discurso (ego imaginrio) se identifica com a Formao Discursiva que o constitui. (PCHEUX, 1997 p. 167) Uma forma sujeito determinada por leis psico-lgicas do pensamento (Articulao: processo de sustentao que provm da linearizao ou sintagmatizao do discurso transverso no intradiscurso) e que por sua vez so determinadas materialmente na prpria estrutura do interdiscurso. A Forma sujeito tem a tendncia de absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso. Ela simula o interdiscurso no intradiscurso, como diz Pcheux. Na forma sujeito, portanto, pode ser observado o desdobramento do sujeito. Ele desdobra-se em Sujeito(universal) da ideologia e em sujeito do saber que ocupa o espao onde se coloca o sujeito do enunciado. Em uma Forma-sujeito encontramos diferentes Posies de sujeito. Indursky afirma, quando trabalha a categoria de Formao discursiva e a forma sujeito que a organiza, o seguinte:
estamos diante de um conjunto de diferentes posies de sujeito, que evidenciam diferentes formas de se relacionar com a ideologia e esse elenco de posies-sujeito que vai dar conta da formasujeito. (INDURSKY, 2000 p. 76)

A Posio de sujeito uma relao de identificao entre o sujeito enunciador e o sujeito do saber. Dita relao d-se em uma formulao e varia produzindo diferentes efeitos sujeito. Courtine (1981) diz a respeito da posio sujeito :

relaes de identificao dos indivduos com o Sujeito Universal (as ideologias) no so evidentes, nem diretamente apreensveis, enquanto formas de apropriao-reproduo-transformao de efeitos de pr-construidos que dominam os sentidos de seu dizer. (ZANDAWAIS, 2005)

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Nous concevons donc une position de sujet comme un rapport dtermin qui stablit dans une formulation entre un sujet nonciateur et le sujet du savoir dune FD donne. Ce rapport est un rapport didentification, dont les modalits varient, produisant diffrents effets-sujet dans le discours. la description des diffrentes positions de sujet lintrieur dune FD ET des effets qui y sont lis est le domaine de description de la forme-sujet. (COURTINE, 1981 p. 43)

As posies de sujeito no so fixas, nem nicas e nem definitivas. Quando um indivduo se constitui como sujeito no o faz uma vez e para sempre ficando preso nessa forma sujeito, ele constituir-se- como sujeito em diferentes momentos e situaes tomando diferentes posies de sujeito. As formulaes de Pcheux resultam fundamentais para poder observar a mobilidade no discurso de diferentes posies, para observar a fluidez do discurso atravs da histria como nosso caso.

1.1.5.- Por uma teoria do nome prprio

Observamos nesse captulo, o tratamento que deram os diferentes autores que trabalham o problema do nome prprio, nos estudos da linguagem. A partir desse estudo conclumos que o nome prprio no uma categoria fixa e imutvel. Observamos que h um ato de nomeao inicial mas que ele no perdura imutvel e puro atravs do tempo, ele muda de acordo com as diferentes situaes e momentos. Diferentes discursividades se relacionam com cada nomeao. No pensamos que a mudana do nome prprio de uma pessoa simplesmente uma mudana eventual ou acidental e sem sentido. O fato de ser nomeado Jos em um momento e Pepe no outro no responde a uma simples

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curiosidade de costumes. Essa mudana de nome evidencia uma mudana de posio. Ele est sendo nomeado ou se auto-nomeia a partir de diferentes posies que refletem diferentes prticas polticas. Observamos, na nossa anlise, que ela encontra-se relacionada com diferentes posies de sujeito a partir das quais o nome proferido. Nesse contexto, o nome prprio institucionalmente reconhecido pelo Estado evidencia somente mais uma das posies sujeito possveis, mas no a nica e principal. Afirmamos, a partir do elencado acima, que o nome prprio, ao ser uma categoria mvel, evidencia prticas polticas diferentes. Ele d indcios de diferentes posies de sujeito do discurso. Desse modo, podemos entender porque o dono do escravo reclama Romo que diz chamar-se Matheus. Romo o nome prprio que refere a uma determinada posio de sujeito especfica, a do escravo enquanto propriedade do dono que assim o nomeia. E Matheus diz respeito nomeao que o escravo faz de si enquanto domnio de si sobre si. Em outras palavras, o fato de uma mulher ser chamada de Me em casa pelos filhos, Rosa no trabalho pelos colegas e Rossi pela me na casa dos pais diz respeito a diferentes posies de sujeito que essa mulher assume e dita diferena evidenciase na lngua atravs do nome prprio. Cada uma delas ser diferente e refletir uma prtica social refletida na lngua de modo diferente. Ela poder corresponder mesma formao discursiva e inclusive mesma Forma-sujeito, porm a posio de sujeito ser diferente46. No caso de Romo e Matheus, por exemplo, elas correspondem a uma mesma Formao discursiva: a escravista, a mesma Forma-sujeito que a organiza e Posies de Sujeito contraditrias: a que o nomeia como propriedade e a que no. Propomos, portanto, considerar que o nome prprio de pessoa no uma categoria fixa, ele evidencia uma posio de sujeito. O ato de nomear uma pessoa um ato efmero, no permanente nem eterno. A Filosofia da Linguagem afirma
46

Foi apontado pelo Prof. Dr. Guillermo Miln que tambm podem ser considerados os nomes de guerra e os nomes dos Papas da Igreja nos quais se evidenciaria uma desafiliao e uma nova filiao.

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que o nome prprio igual a uma descrio definida. Supe-se, nessa afirmao, que o nome prprio de pessoa sempre o mesmo e no considere outros nomes ou nomeaes como vlidos ou plausveis de anlise. No somente consideramos os casos de outras nomeaes como marginais, mas como diferentes posies de sujeito que so adotadas em diferentes acontecimentos enunciativos. O nome em cada momento evidenciar o lugar que o sujeito ocupa em uma srie, nesse acontecimento enunciativo especfico. Estamos em posio de responder a pergunta de Pcheux:
a imposio do nome prprio constitui a forma em edio prncipe do efeito de pr-construdo, que representa a modalidade discursiva da discrepncia pela qual o indivduo interpelado em sujeito de seu discurso (aquilo por meio do qual ele diz:Eu, fulano de tal) como sempre j sendo sujeito, isto , a modalidade discursiva sob cujo domnio ele produzido como causa de si, com seu mundo, seus objetos e seus sujeitos, mantendo a evidncia de seus sentidos (PCHEUX, 1997 p. 264)

Acreditamos que a resposta positiva. Mas tambm pensamos que essa interpelao do indivduo em sujeito do seu discurso, dada pelo nome prprio, no corresponde eternamente a esse sujeito, ela dura enquanto evento, enquanto acontecimento na ordem da histria. Dizer que o nome precede a pessoa (afirmao comum na psicanlise de cunho lacaniano) escolhida pelo pai antes mesmo do filho nascer diz respeito a uma das determinaes a que esse indivduo estar exposto. Embora importante, ela no ser a nica determinao, embora seus traos fiquem no tempo no sero os nicos. Havero outras determinaes em outros acontecimentos enunciativos que o nomeiem.

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Captulo II : Descrio

1.2.0- Introduo

Para realizar a anlise do nosso corpus, diversas perspectivas da descrio foram observadas. Em geral, quase todas elas propunham a descrio como modo particular de organizao textual juntamente com a narrativa e a dissertao. Assim, as tcnicas de elaborao de textos descritivos, como tambm sua relao com a percepo, foram tomadas como dados constitutivos desse tipo de textos. (Ver Filinich 1995, Gramatic 1995, Castro 1988, Koch 1987). Nesse captulo observaremos as teorias da descrio propostas por Genette, Filinich, Hamon e Orlandi procurando nestas, elementos que contribuam para a anlise das descries presentes no nosso corpus. Partimos da hiptese que, nas descries dos anncios de fuga de escravos, constitui-se uma imagem singular do escravo. Este ser constitudo como sujeito de uma sociedade. Nosso trabalho visa observar os processos, que acontecem na descrio, relacionados com a constituio do escravo como sujeito. Em outras palavras, como essa constituio se materializa no texto do anncio.

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1.2.1- Um quadro da descrio

A descrio vem sendo trabalhada na Teoria Literria, na produo textual e na Lingstica Textual como suporte, como texto explicativo de uma narrao ou de um texto expositivo. Tambm se encontram estudos sobre a descrio que se referem especificamente a seus fenmenos lingsticos. A Semitica potica47 adota, a partir dos anos 60-70, a perspectiva de Genette (1966) e Barthes (1968) quando deve lidar com ela. O terico francs trata da descrio no texto Fronteras del relato. Nele, tenta responder pergunta: Porque existe o relato? Para tal faz um retorno aos princpios propostos por Aristteles na Potica onde o relato (digesis) um dos modos da imitao potica (mmesis). Genette conclui que, sendo a mmesis considerada uma imitao perfeita e a digesis um relato dos relatos, imitao imperfeita, s possvel se enfrentar com a segunda j que a primeira, por ser perfeita a coisa mesma. Partindo dessa impossibilidade, o autor diferencia, no seio mesmo da digesis, a narrao e a descrio. A primeira seria a representao de aes e a segunda a representao de objetos e personagens. A descrio aparece, nesse autor, com a funo de auxiliar do relato por vocao. Assim sendo, as funes da descrio, dentro desse contexto, sero basicamente duas: adecorativa, puramente esttica (refere-se a amplas, extensas e detalhadas:

descries

predominantemente encontradas nos textos barrocos);


47

A Semitica Potica dos anos 60 a 75 orientou seus estudos para os modos de organizao narrativa dos textos. Assim, por um lado encontram-se os trabalhos de Greimas, Genette, Todorov, Brmond . Alguns dos autores que retomam o trabalho de Genette e Barthes so: Jean-Michel Adam e Andr Petitjean (1989), Hamon (1991), Filinich (1990). Por outro lado, Jakobson, Levin, Ruwet e Geninasca pesquisaram a respeito dos modos de organizao dos textos baseados em princpios que frisavam o trabalho do significante. Eles procuravam definir formalmente o enunciado potico propriamente dito.

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b-

explicativa

simblica,

desenvolvida

fundamentalmente com Balzac (utiliza-se no relato como justificativa e revelao da natureza psicolgica das personagens).

A definio da Descrio dada por Genette, ser ento:


Se detiene sobre objetos y seres considerados en su simultaneidad y ...enfoca a los procesos mismos como espectculos, parece suspender el curso del tiempo y contribuye a instalar el relato en el espacio. (GENETTE, 1966 p. 201))

Deste modo, no haveria uma restituio temporal no relato como aconteceria na narrativa. Nela haveria uma representao de objetos simultneos e justapostos no espao sem noo de sucesso temporal. No mbito da Semitica, Filinich (1995), prope que a noo de descrio recobre uma srie de operaes premeditadas, artificiais, de segundo grau, realizadas sobre aquilo que se descreve. (Filinich; 1995:95) Durante muitos anos a autora dedicou-se ao estudo das descries no mbito da Semitica. Em 2003 publica, na Enciclopedia Semiolgica editada pela Universidade de Buenos Aires, o volume Descripcin. No mesmo ela prope uma Semitica do discurso descritivo. Para tanto, elabora uma proposta na qual define, em primeiro lugar, discurso. Ela parte de uma base benvenistiana que contempla a existncia de um enunciador que se apropria de um sistema de significao e o pe em funcionamento. Tomando essa base como ponto de partida, ela afirma:
El discurso, en el sentido que aqu se asume, ocupa-como lo propone Parret (1987)- un lugar intermedio entre el concepto de lengua, entendida como el conjunto de articulaciones del sistema, y el de habla, en tanto realizacin individual de la lengua por parte de los hablantes. Entre ambos extremos, uno que da cuenta del sistema abstracto y otro que registra las variaciones concretas e individuales del uso, puede ubicarse una zona intermedia, un lugar de trnsito (que va de la competencia abstracta a la ejecucin particular de un acto de habla), lugar que posee sus propias regularidades, sus estrategias, sus dimensiones. (FILINICH, 2003 p. 14)

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Assim sendo, o discurso configura-se, no interior desta proposta, como um nvel de anlise. Ele ser o espao no qual o sistema de significao est em funcionamento sustentado tanto por traos gerais quanto por traos especficos, do tipo discursivo que lhe correspondente. Em um segundo momento, Filinich define enunciado como aquilo que dito, informado, objeto do discurso, e, nesse sentido, enunciao como o processo no qual o eu interpela um tu. Tanto o enunciado quanto a enunciao, juntos, constituem o que ela denomina discurso. Por outro lado, no incio deste volume tambm estar definido o conceito de descritivo. O Descritivo diz respeito a um tipo especifico de organizao textual e de estratgias que possibilitam sua presena textualmente. Assim, a autora separa o estudo em duas partes. Uma relacionada com o enunciado descritivo e outra relacionada com a enunciao descritiva. O enunciado descritivo o dito e informado, objeto de discurso organizado de modo especfico. A enunciao descritiva o processo pelo qual o eu organiza seu enunciado atravs de estratgias que visam o reconhecimento de dito enunciado como descritivo e que est direcionado a um tu. Nesse contexto, a descrio ser definida como:
La descripcin dispone el material verbal basndose en el criterio de la simultaneidad temporal e instala en el discurso la presencia de un descriptor y un descriptario (en trminos de Hamon) (FILINICH, 2003 p. 16)

As categorias de descritor e descritrio dizem respeito ao esquema Jackobsoniano de receptor e produtor ou, em outras palavras, destinador e destinatrio. Ainda, para a autora, haver outro conceito importante nesse esquema, ele ser a simultaneidade temporal. Para ela, a descrio coloca seus termos de modo simultneo e prope os objetos como uma durao ou como um sistema no qual as transformaes j foram realizadas. A descrio faz do seu objeto um espetculo no qual o tempo est suspenso, mas no negado. A

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simultaneidade, para Filinich, d-se no nvel do enunciado e da enunciao, ou seja, por um lado entre os objetos descritos e, por outro, entre aquilo que percebido. Quem percebe tanto se observa como afetado. Esse mundo que se sente seria um mundo afetivo que se pe em movimento e do qual surge outra srie de significaes. Elas sero atribudas a um sujeito, o sujeito passional. Ele nasce a partir de um modo particular no ato descrito. Configura-se, desta maneira, a descrio como um ato composto por outros dois: um perceptivo e outro descritivo. Eles sero, ao mesmo tempo, separveis e complementares. O ato perceptivo corresponderia atividade perceptiva do sujeito, onde o mesmo se coloca como perceptor abstrato do mundo. Os processos relacionados, prprios da interao entre sujeito e objeto, so os seguintes: 1Deictizao do espao: focaliza-se a percepo sobre

determinada personagem que se assume como observador e, a partir da qual se tomar o ngulo da percepo (visual, auditiva e valorativa). 2Resemantizao do espao: so as sensaes do percebido,

visuais, auditivas ou tcteis, que provocam o observador que, por sua vez, as restitui ao mundo sensvel atravs de seus valores empticos. 3Reflexo sobre a prpria atividade perceptiva: aquisio de

um saber atravs da incorporao do desconhecido no contexto do conhecido.

Por outro lado, as operaes prprias da atividade descritiva so: 1Re-escrita de outros textos: partindo do pressuposto de que a

descrio em si mesma parte de um saber constitudo e ordenado de acordo com critrios estabelecidos e que demandam do leitor uma operao de reconhecimento.

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2-

Declinao de termos: termos como lua, sol, cu ou tarde

podem ser subsumidos sob o termo paisagem por uma utilizao da sindoque a partir da qual se realiza um desdobramento dos termos primeiros. Es propio de la descripcin realizar una equivalencia entre una denominacin y una expansin (Filinich, cf. Hamon 1981) 3Profuso de figuras: imagens que recriam uma imagem do

descrito atravs do uso de diversas figuras retricas, eptetos (ilusrias imagens, vago e vivo campo, tarde ntima, confusos prados), zeugmas (una msica molhada de folhas e de distncia), prosopopias (um farol se aproximava), enumeraes, etc.

Pode-se afirmar que, a atividade perceptiva finaliza no incio da atividade descritiva, observando-se um fazer pr-lingstico fundado nos sentidos e um fazer lingstico submetido s regras do discurso descritivo. O texto descritivo implica, geralmente, uma situao comunicativa desigual na qual um sujeito mais informado comunica um saber a quem est menos informado. (FILINICH, 1995 p. 100) Para a autora, a descrio superpe outra ordem quela que oferecida pelos sentidos, a ordem da linguagem. Ela o reino do descontnuo. Conforme esse ponto de vista, prope trs dimenses intrincadas agindo no ato da descrio: a pragmtica, a tmica e a passional. O sujeito nelas nico entretanto se encontra em diferentes esferas de atuao. Essas trs dimenses agem tanto no nvel da enunciao como no nvel do enunciado. Por isso, no que se refere ao enunciado: dimenso pragmtica corresponde a ao realizada pelos sujeitos no enunciado; cognoscitiva os lugares de saber desses sujeitos e passional os sentimentos dos mesmos. No nvel da enunciao estas dimenses correspondem,

sucessivamente, realizao material do enunciado, transmisso do saber, ou seja, s perspectivas e s relaes empticas ou paixes do sujeito passional. Para cada dimenso haver um sujeito especfico, um sujeito enunciativo que lhe

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corresponda:

sujeito

descritor,

sujeito

observador

sujeito

passional

respectivamente. Para finalizar, a autora afirma que a descrio se apresenta como una organizao semntico-sinttica superposta experincia sensvel. Ela

representa o desdobramento da atividade sensorial do sujeito. Filinich afirma:


Regresando ahora a lo que aqu nos ocupa, el discurso descriptivo, sostenemos que su presencia emerge a la superficie y se hace ms perceptible, no por efecto de ciertos rasgos de carcter lingstico (como podran ser la acumulacin de sustantivos y adjetivos, por otra parte, en efecto son seales del predominio de lo descriptivo pero no explican su aparicin) o por el tipo de referente que se hace objeto del discurso (personajes, paisajes) sino por efecto de un cambio en la posicin del enunciador, el cual para organizar la materia verbal, pone el acento sobre ciertas lgicas, la de la aprehensin y el descubrimiento (del mundo y de si mismo) y la del acontecimiento (en tanto afectacin del nimo de un sujeto) en detrimento de la lgica de la transformacin (sometida a un programa de accin).

(FILINICH, 2003 p. 30) Filinich retomar no seu trabalho as pesquisas de Hamon. Ele escrever uma Introduccin al Anlisis de lo Descriptivo. O autor apresenta a proposta de observar no somente a descrio, mas tambm, e sobretudo, o descritivo. Comenta, no primeiro captulo, que desde a Antigidade, a descrio parece no pertencer a um gnero particular. A utilizao desta sempre visava fins especficos. Dessa maneira, no Sculo XVIII, ela ser tributria de fins militares, a partir das descries geogrficas e histricas, ter propsitos enciclopdicos, etc. Na literatura, por exemplo, ela foi considerada como decorao subordinada a instncias textuais consideradas mais importantes como a narrativa. S com o noveau-roman a descrio deixar de ser somente um elemento do sistema decorativo para ser o motor gerador do texto e o meio de eliminar valores que se acreditavam. Hamon analisa prticas discursivas literrias e no literrias

demonstrando a necessidade de se aprofundar nos estudos da descrio.

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Reconhece que a descrio no somente encontrada na literatura, mas tambm est presente em todos os textos e momentos da vida. Descreve-se um amigo, uma situao, uma receita, um modo de fazer. Por esse motivo, no a considera marginal a outro tipo de textos. A partir desta posio possvel observar que a funo, historicamente outorgada descrio, como a que resgata Genette, falha. Hamon (1991) comentar que para o discurso normativo sobre a descrio:
Aparece siempre como lugar amenazante: el detalle intil (Boileau), lo azaroso y lo aleatorio (Valry), lo imprevisible de su aparicin, el exceso de lujo (Lamy), la proliferacin y la amplificacin infinita del lxico, el salto del lector, su aburrimiento, la heterogeneidad esttica, el exceso de erudicin, la intrusin del mundo del trabajo, etc. Hacen pensar que la descripcin sera quizs ese lugar del texto donde la potencia generativa del lenguaje se mostrara bajo su aspecto ms evidente y ms incontrolable. Lo que tal vez explicara por qu, permitido o restringido a ultranza (en los discursos persuasivo-conativos), expulsado de la potica (y reservado para lo didctico), marginado (el blasn del cuerpo; el catlogo rabelaisiano), subordinado a las instancias antropomorfas importantes de la narracin, reservado para los discursos aburridos (el discurso de la erudicin, de la ciencia), lo descriptivo parece tener una carta de ciudadana muy limitada en el seno del discurso sobre la literatura . (HAMON,

1991 p. 43) Hamon (1991) fala do modo de considerar a descrio como marginal a outros gneros como pode ser a narrao. Contudo, desde esse lugar nos provoca. O fato de ser o lugar ameaante onde certa produtividade da linguagem paira, nos d indcios de que nela em que a falha se faz evidente. Nela h a possibilidade de fuga dos sentidos. Aqui a alteridade ameaa a estabilidade dos sentidos.48 Um dos motivos do seu tratamento pode ser a possibilidade de aparecer um dizer outro que no aquele que deseja ser mostrado. Ela o ponto de fuga do texto.
48

Essas duas ltimas oraes retomam a reflexo de Orlandi (2001:13) quando fala a respeito das suas anlise de notas de rodap.

93

A descrio como re-escrita de outros textos, trabalhando com um saber institudo, situa-se no limiar do dito com o no dito. Em outras palavras, ela pe em relao o intradiscursivo e o interdiscursivo de maneira especfica. Ela compartilha com o leitor certo conhecimento comum. O trabalho com o conhecimento comum a respeito do descrito resulta, no nosso caso, altamente relevante. Por estes motivos, Hamon (1991) prope uma semiologia do descritivo. O autor afirma que o estudo da descrio no pressupe, forosamente, um estudo que reafirme as diferenas j conhecidas em textos puros. Tambm no diz respeito confirmao de uma oposio paradigmtica com a narrao. Cito Hamon:
exige ms bien que se elabore un conjunto de proposiciones y de reglas que permita hacer ms refinado el anlisis de los enunciados, de todos los enunciados (literarios y no literarios) sean cuales sean. Por lo tanto sera til proponer, para evitar sustantivizar y fijar categoras textuales definidas de manera demasiado masiva, que toda descripcin supone un sistema narrativo, por elptico y perturbado que sea, aunque solo sea porque la temporalidad y el orden de la lectura imponen a todo enunciado una orientacin y una dimensin transformacional implcita; y esto se da aun en el caso de ciertos textos con fuerte dominante potico donde las construcciones anagramticas, repetitivas y los paralelismos formales son el mayor principio de organizacin (textos limites: los poemas letristas, ciertos poetas surrealistas). Ms que la descripcin, habra que hablar entonces de lo descriptivo, y considerar de una vez, mas lo descriptivo como una dominante construida por ciertos tipos particulares de textos. (HAMON, 1991 p. 101)

O autor no toma a descrio somente como tipo de texto, ele pensa nos efeitos de texto que a dominam. Assim surge a noo de descritivo, como funo do texto como um todo. Esse posicionamento nos ajudar a pensar a descrio fora da dicotomia com a narrao e observar que nela no h somente pinturas. Conseqentemente, afirmamos que na descrio podem-se observar

94

processos de subjetivao do escravo. Reside nesse ponto a importncia da teoria proposta por Hamon para nossa pesquisa. Orlandi (1989), a partir de uma perspectiva discursiva, procura caracterizar o funcionamento discursivo da descrio. Ela parte de uma critica a diviso feita por Genette no texto que anteriormente citamos, ainda que se apie em uma das afirmaes do autor. Esse autor afirma que um dos funcionamentos discursivos da descrio consiste em:
se atarda sobre objetos e seres considerados em sua simultaneidade, visando os prprios processos como espetculos (instaurao do voyeurismo), parece suspender o curso do tempo para instalar a narrativa no espao. (ORLANDI, et al., 1989 p.

113)

Desta perspectiva, a autora afirma que a descrio de natureza contemplativa e no participativa, ela anuncia o acontecimento. A partir da descrio, instaura-se uma ordem funcional e temporal, dando a possibilidade de colocar a cena em qualquer tempo. A descrio se d como uma relao entre signo e lngua. Para a autora, a descrio no uma enumerao arbitrria de coisas no mundo, nela se constitui uma relao de interlocuo que se regula e se objetiva pela situao discursiva na qual se produz. A partir dessa asseverao podemos pensar que a descrio do escravo no somente a enumerao das propriedades que o fazem identificveis. Segundo o proposto, podemos observar discursivamente os processos de subjetivao presentes na descrio. A autora observa que a descrio: 1- anuncia, 2- modula a representao de objetos simultneos e justapostos no espao, 3- rompe a relao com o tempo, 4-instaura nova temporalidade. A descrio um modo de enunciao no qual se constri uma relao do sujeito-locutor com seu(s) interlocutor (es). Ela define a posio que assume o locutor frente a seu prprio enunciado, a seu(s) interlocutor(es) e frente situao. Ao deslocar a noo

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meramente textual e lev-la a uma dimenso discursiva, Orlandi avana notavelmente nos estudos da descrio. A partir da enunciao descritiva estabelece-se uma relao de interlocuo entre o dono do escravo, que faz o anncio, e os possveis leitores do mesmo. A descrio, ento, na sua enunciao, compromete o interlocutor (ou leitor). De acordo com Orlandi, em um mesmo movimento ela aponta para algo que ser tanto revelado quanto ocultado no mesmo ato. As anlises de Orlandi, no texto que est sendo mencionado, apontam para o exame de procedimentos lingsticos relacionados indeterminao. Dessa forma analisa diferentes discursos, a saber: do professor, do bia-fria, da merendeira, do antroplogo, do vendedor do Mercado, visando observar a fala didtico-descritiva. Conclui que a descrio tem diferentes efeitos de sentido cuja produo depender dos lugares do saber de onde provenha a enunciao descritiva. Assim, se ela feita por um professor universitrio se configurar de modo diferente, na sua relao de interlocuo e na posio do seu enunciador, que se realizada por um agricultor. Ela ter diferentes efeitos de sentido que sero construdos pelo enunciador. Para a anlise do nosso corpus resulta necessrio observar outros processos que no os da indeterminao. Precisamos observar os processos de singularizao, individualizao e objetivao presentes na descrio. Por esse motivo resulta necessrio avanar nos estudos da mesma, elaborando uma teoria que permita a anlise. No nosso caso particular, podemos atribuir descrio, alm desses, outros funcionamentos, dado o foco de nossa observao. Portanto, o funcionamento discursivo da descrio, no nosso caso particular, consiste na fixao das relaes de referncia, sendo que a referncia se fixa numa relao do enunciado com o acontecimento enunciativo e, atravs do acontecimento, com o interdiscurso.

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A descrio , pois, o lugar ameaante, o lugar da falha. Enquanto na narrativa ou na argumentao encontramos uma seqncia lgica de

acontecimentos narrados, na descrio h uma lista associativa. Os fatos acontecem em uma simultaneidade temporal semelhante do sono. Mas tambm ela um funcionamento discursivo no qual se constri um referente, no nosso caso, o referente escravo. Desta perspectiva, pode-se caracterizar a descrio como processo de referenciao que relaciona o interdiscurso e o intradiscurso de modo particular. No intradiscurso se constri o objeto de referncia, ele d os indcios do grau de determinao do objeto de referncia, ligado ao efeito de prconstrudo. O grau de saturao do nome est dado pelos adjetivos e predicaes fornecidas ao nome prprio, sendo que nele no se encontram a totalidade das informaes para saturar o referente. Nela, o processo discursivo 49 que prima o de sobredeterminao, a partir do qual se daro as relaes entre os elementos da descrio. Por esse motivo dedicar-nos-emos ao estudo da sobredeterminao no prximo ponto.

1.2.2- O conceito de sobredeterminao

O conceito de sobredeterminao chave dentro da Anlise do Discurso e fundamental para a nossa anlise. Ele foi inicialmente trabalhado pelo marxismo. Pretendemos, nesse ponto, fazer um seguimento do conceito desde suas origens at as re-formulaes feitas pela Anlise de Discurso francesa.

49

Courtine (1981) define Processo discursivo do seguinte modo ao qual nos filiamos: On peut designer par le terme de processu discursif le sistme ds rapports de substitution, paraphases, synonymes, etc. fonctionnant entre ds lments linguistiques (Pcheux, 75, p. 146), qui apparat comme la matrice de constitution du sens pour um sujet parlant linterieur dune FD. (COURTINE, 1981 p. 35)

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Mao Zedong, nas suas Cinco Tesis Filosficas de (1965), trata da contradio como conceito fundamental dentro da dialtica marxista. Assevera que graas contradio possvel o desenvolvimento das coisas. Para poder estud-lo necessrio observar seu funcionamento, seu movimento interno, assim como a interconexo e interao das coisas que a rodeiam. De acordo com Mao: todas las cosas entraan este carcter contradictorio; de ah su movimiento, su desarrollo. (Mao Zedong; 1965 p.27) De acordo com a dialtica materialista, as mudanas, tanto da natureza quanto sociais, devem-se ao desenvolvimento das contradies internas. Porquanto, pode-se pensar a mudana da sociedade como fruto do

desenvolvimento de suas contradies internas, que a impulsionam para a substituio de outro regime social. Assim sendo, para a dialtica materialista, as causas externas constituem a condio da mudana e as causas internas so as bases a partir da qual agem as primeiras. Por conseguinte, a contradio colocada como o centro, o eixo da dialtica materialista. Ela pode ser grande ou pequena, mas sempre ser determinada pela contradio fundamental ou influenciada por ela. Algumas contradies resolvem-se ao longo do processo, outras se acentuam e outras, simplesmente, se atenuam. Em relao a elas, Mao afirma:
En el proceso de desarrollo de una cosa compleja hay muchas contradicciones y, de ellas, una es necesariamente la principal cuya existencia y desarrollo determina o influye en la existencia y desarrollo de las dems. (ZEDONG, 1980 p. 52)

As outras contradies ficaro relegadas a uma posio secundria e subordinadas. A viso marxista de contradio nada tem a ver com uma viso hegeliana da mesma. De acordo com Althusser (1985), a viso hegeliana mstica-mistificada e mistificadora. Ele afirma:

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Para hablar claro, ello implica que estructuras fundamentales de la dialctica hegeliana tales como la negacin de la negacin, la identidad de los contrarios, la superacin, la transformacin de la cantidad en cualidad, la contradiccin, etc.....posean en Marx (en la medida en que vuelven a ser empleadas: cosa que no ocurre siempre) una estructura diferente de la que poseen en Hegel .

(ALTHUSSER, 1985 p. 75)

A partir dessa afirmao fica claro que o conceito de contradio, entendido por Mao e Althusser, ser o proposto por Engels e Lenin, e que Mao cita, no trecho seguinte:
Engels dijo: El movimiento mismo es una contradiccin. Lenin defini la ley de la unidad de los contrarios como el reconocimiento (descubrimiento) de las tendencias contradictorias, mutuamente excluyentes opuestas en todos los fenmenos y procesos de la naturaleza (incluso del espritu y de la sociedad )

(ZEDONG, 1980 p. 32)

Ela pode ser ilustrada com os seguintes exemplos: O + e o da matemtica; a ao e reao em mecnica; o + e o da eletricidade; a luta de classes nas cincias sociais. Althusser (1985) dir que a contradio inseparvel da estrutura da sociedade onde ela age, das condies formais da sua existncia e das instncias que ela governa. Alis, ela afetada pelas mesmas instncias que governa. , ao mesmo tempo, determinante e determinada. Poderamos dizer que sobredeterminada no seu princpio. A contradio no se encontra pura e simples ela sempre est relacionada a outros eventos, a outras contradies; a outras estruturas que, por sua vez, tem contradies. por esse motivo que Althusser afirma que sempre sobredeterminada. Ao ler Marx, Althusser chega concluso de que as mudanas sociais, as que lhe ocupam, no se do simplesmente por uma superao mgica e espontnea de um degrau anterior. As instncias sociais e histricas no so simplesmente superadas, h outros processos que agem no seu bojo. 99

O passado, que atravessa todo evento, no age simplesmente como uma sombra seno que ultrapassa essa noo, ele uma realidade estructurada terriblemente positiva y activa (op.cit. p. 95) Althusser diz:
A partir de un cierto nmero de realidades, que son justamente para Marx realidades, trtese de superestructuras, de ideologas, de tradiciones nacionales, ms an, de costumbres y del espritu del pueblo, etc. A partir de esta sobredeterminacin de toda contradiccin y de todo elemento constitutivo de una sociedad que hace: 1) que una revolucin en la estructura no modifica ipso facto en un relmpago (lo que se producira, sin embargo, si la determinacin econmica fuera la nica determinacin) las superestructuras existentes y, en particular las ideologas, ya que tienen como tales una consistencia suficiente para sobrevivir fuera del contexto inmediato de su vida, ms an, para recrear, secretar durante un tiempo, condiciones de existencia y sustitucin; 2) que la nueva sociedad salida de la revolucin puede, a la vez por las formas mismas de su nueva superestructura, o por circunstancias especficas (nacionales, internacionales), provocar, ella misma, la supervivencia, es decir, la reactivacin de los elementos antiguos. Esta reactivacin es inconcebible en una dialctica desprovista de sobredeterminacin. (ALTHUSSER, 1985 pp. 95-96)

Levando estes conceitos ao campo do discursivo e fazendo os deslocamentos necessrios, podemos pensar que os ditos, os discursos circulantes, formam a sustentao de outros discursos. Eles no surgem de modo espontneo e nem mgico. Discursos anteriores, assim como os presentes e os que viro, daro as condies de possibilidade de outros. Por conseguinte, encontra-se em relao de sobredeterminao com contradies que h entre eles e que tem com outros. A apario de elementos que se consideravam esquecidos ou superados dever-se-ia, ento, reativao de elementos prexistentes. Esses no sumiram nem desapareceram, seno ficaram relegados em outra relao de contradio e sobredeterminao que j no primaria. O acontecimento, no qual esses discursos vm tona, atualiza aqueles discursos e os articula com o passado, o presente e o futuro. Visto que j no viro em estado

100

puro, idnticos ao anteriormente dito, estabelecero outras relaes de contradio. Isso far com que no signifiquem do mesmo modo.

1.2.3-

A determinao intradiscursiva

Indusrky (1997) em A fala dos quartis e outras vozes far o estudo da sobredeterminao comeando com Freud, passando por Althusser e, finalmente, pensando-a no discurso. A autora trabalha o conceito relacionando-o especificamente teoria do discurso. Prope que as expresses nominais sofrem diferentes determinaes intradiscursivas, relacionadas em um segundo nvel de determinao. Ela constri a especificidade da referncia discursivamente. Dado que no fica sujeita aos elementos do discurso; ela trabalha com a disperso. A autora afirma que a saturao intradiscursiva corresponde compreenso e a interseqncial corresponde extenso. As relaes intradiscursivas participam de um processo discursivo novo, que se ope ao pr-construdo provocando uma ruptura semntica. Desse modo, temos novos sentidos em velhas palavras. Assim, Indursky sugere que a determinao interdiscursiva, na tentativa de saturar sentidos, se transforma no vestgio de discursos silenciados pelo sujeito de discurso. Estas determinaes evocam outros determinantes

recalcados justapondo-se ao modo de elipse discursiva. A saturao s se d atravs de relaes interdiscursivas. Ela a ltima face de determinao. Nessa medida, o termo saturado atravs dessas determinaes correlacionadas e sucessivas, atingindo a sobredeterminao discursiva dele. Por tal motivo, Indursky assevera que s completando um nvel de determinao pode-se aceder ao seguinte, porquanto que se passaria
ciclicamente do enunciado lingstico seqncia discursiva, da seqncia discursiva ao processo discursivo e do processo

101

discursivo ao interdiscurso. A cada novo ciclo, este movimento vai da no-saturao a saturao. Pode-se, pois, dizer que cada nvel, ao ser determinado, torna-se determinador de uma nova determinao, da sobrevindo um processo semntico sobredeterminado. (INDURSKY, 1997 p. 95)

A sobredeterminao discursiva decorre de prticas discursivas sociais mobilizadas por um sujeito de discurso interpelado pela ideologia. Ela provm de uma pluralidade de modos e nveis de saturao discursiva. (Indursky;1995) Esses processos apontam para um efeito de homogeneidade que serve de sustentao indeterminao. Observamos que a diferena entre inter e intradiscurso reside no grau de saturao que compete a cada um. Esse grau de saturao seria dado por elementos sintticos: adjetivos, advrbios, verbos, etc. Quando no intradiscurso encontramos adjetivos, como no caso da descrio, que saturam o sentido do referente, sinal de que h um deslocamento em curso no interdiscurso, acontecendo um maior grau de saturao no intradiscurso (deslocamento para dentro). Esse o caso dos anncios de fuga como veremos no captulo trs, na anlise dos adjetivos presentes nos anncios de fuga de escravos. Mas observemos o seguinte anncio de fuga:

102

Gazeta de Campinas, 8 de janeiro de 1876

50

saturao

intradiscursiva

fundamentalmente

realizada

por

processos de determinao. Ela est dada, de acordo com Henry (1990) por efeitos sintticos e semnticos que agem em conjunto. Por outro lado, Pcheux & Fuchs (1975) afirmam:
Diremos que os processos de enunciao consistem em uma srie de determinaes sucessivas51 pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco e que tem por caracterstica colocar o dito e em conseqncia rejeitar o no-dito. (PCHEUX, 1997

pp. 175-176)

Desse modo, os efeitos semnticos e sintticos no s agem conjuntamente, mas tambm de maneira sucessiva no processo de enunciao.

50

O anncio acima diz o seguinte: Fugio-Benedicto, preto, espigado, rosto pequeno e cabea tambm pequena, buo, falta de um dente na frente, (parte superior), corpo delgado, signal de um tiro na mamila esquerda, tem os dois dedos mnimos dos ps arrebitados para cima, costuma ter purgao em um ouvido, falla bem, ladino, bom cavalleiro, bom carreiro, crioulo desta cidade. muito facil de ser encontrado em casas de pretos forros, ou pessoas nessas circunstancias.Quem o prender e entregar nesta cidade a Antonio Firmino de Carvalho e Silva, ser gratificado com 200$000.
51

O negritado nosso.

103

De acordo com Ducrot, a funo referencial deve ser tomada como, uma funo global repartida por todo o enunciado. (DUCROT, 1980 p. 437) Desse modo, a determinao entendida, a partir das leituras acima realizadas, como processo de formao da referncia que age no enunciado de modo global, de acordo com Ducrot, e sucessivamente, retomando o afirmado por Pcheux. Guimares (2007) afirma que quando se pensa em determinao se consideram relaes semnticas entre sintagmas, especificamente no sintagma nominal. Mas essa idia, de acordo com o autor, restrita, j que a relao de determinao construda enunciativamente e, por esse motivo, recproca e no em um s sentido como o prope a Semntica Formal. A determinao, para este autor, uma relao fundamental para o sentido das expresses lingsticas. (GUIMARES, 2007 p. 3) As palavras significam de acordo com as relaes de determinao semntica que estabelecem no acontecimento enunciativo. Dela constitudo o Domnio Semntico de Determinao (doravante DSD) dos termos. O DSD caracteriza a designao da palavra, ou seja, a relao dela com outras palavras em um texto. A designao uma significao que tem como fim ltimo identificar coisas enquanto coisas significadas. Guimares afirma que:
Um DSD mostra como o funcionamento das palavras na enunciao constituem sentido (designao e referncia entre outras coisas). Ou seja, no se pensa uma lngua como organizada por campos especficos que no conjunto nos daria a prpria organizao do pensamento daqueles que falam uma lngua. O DSD , ao contrrio, a caracterizao de como, no acontecimento da enunciao uma lngua se movimenta ao funcionar. (GUIMARES, 2007 p. 15)

A articulao das consideraes acima elencadas nos leva a reconsiderar o papel do SN como um lugar privilegiado para a ocorrncia desse processo, no descartando o fato de que em outros sintagmas exista. Porm, no nosso caso particular, essas afirmaes nos do lugar a concluir que o processo de determinao das relaes de referncia comea no verbo e no no SN. Essa afirmao se baseia nas caractersticas sinttico-semnticas do verbo. Ele 104

organiza a estrutura da sentena. O verbo mais marcadamente presente no nosso corpus fugir. Verbo monoargumental pospe o sujeito. Entre o verbo e o SN, observamos Sintagmas Preposicionais (doravante S Prep.) que participam na individualizao do SN posposto. O verbo fugir, de acordo foi demonstrado em Ferrari (2006)
52

tem uma especificidade. Ele somente utilizado para escravos e

prisioneiros. Assim, ao iniciar o anncio com o verbo conjugado na terceira pessoa do singular: Fugiu, est indicando a que tipo de ser se referir o mesmo. Alm do verbo circulam na poca palavras como fugido, fujo, sempre se referindo a escravos. A meno do nome prprio resulta suficiente para a identificao ou individualizao do escravo, porm, precisa-se singularizar o referente para que ele seja diferente dos outros. Assim o escravo ser singularizado, determinado ao longo da descrio de modo global e sucessivo. Os adjetivos se sucedero produzindo a saturao da referncia, determinando a referncia de modo sucessivo. A determinao tomada, unicamente, desde a perspectiva do SN, no atinge a saturao intradiscursiva. Porm, se consideramos nosso enunciado de modo global e sucessivo observaremos que a saturao do enunciado comea no verbo que, por suas caractersticas sintticas, pospe o sujeito. Esse processo discursivo acontece por efeito de determinao histrica
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Semanticamente o verbo fugir, monoargumental, pospe o sujeito que toma o papel temtico de agente. O agente do verbo ter o trao + animado. Tomando o significado do verbo testemunhado nos verbetes dos dicionrios da poca, observamos que alm do trao animado se juntam ao verbo o trao +humano especificando, dentre os humanos, dois tipos s de agentes: escravos e prisioneiros. Por outro lado, em outros anncios classificados encontramos e verbo desaparecer. Analisamos em A Voz do dono que quem desaparece, quem no mais aparece, o faz de modo repentino, sbito, sem motivo. Por essa razo, que quem desaparece no vai para nenhum lugar, simplesmente deixa de realizar a ao de aparecer. Ele no se mostra mais presente em um lugar. No h motivo, no h destino. O lugar, onde no mais se mostra esse ser ou coisa, pode ser a sociedade ou aquele espao fsico que est ao alcance dos olhos ( vista). O modo como se realiza esse fato (j que ele est deslocado da categoria de ao) repentino e inopinado, sem motivo sem razo ou sem o uso da razo.

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(ideolgica) da lngua tal como realizada em enunciados no acontecimento enunciativo. A sobredeterminao atingida pelas determinaes, de acordo com as anlises feitas por Indursky, aponta para um processo de indeterminao. Esse processo no observado no nosso corpus. As determinaes apontam, especificamente, subjetivao, por outras palavras, apontam apario do escravo enquanto sujeito. Tal apario ser relevante, at indispensvel, para a instituio dele como sujeito de direito, sendo que at o momento ele s se constitua como objeto de direito. Tal processo, o de instituir o escravo como sujeito de direito, se dar a posteriori com a liberao dos escravos. Observamos, pois, como esses processos sinttico-semntico-

discursivos evidenciam um processo que est se forjando a nvel social. Evidenciam uma fase de transio poltico-econmico-social que ter seu ponto culminante na declarao da liberdade dos escravos. A particularidade dos nossos enunciados encontra-se no fato de que a propriedade (objeto - escravo) que se reclama est, ao mesmo tempo, sendo subjetivizada. O dono de escravos no reclama uma simples ferramenta porque ele mesmo, atravs da sua descrio, do seu anncio, est construindo o escravo como sujeito social que age nas e pelas estruturas sociais. O deslocamento em curso que se observa no interdiscurso mostrado pelo dito no intradiscurso. Est se evidenciando a posio do escravo dentro de um sistema social, o escravagista. Faz-se evidente que, embora o escravo seja reclamado como propriedade (objeto), ele um sujeito com caractersticas, particularidades e peculiaridades. Eis aqui a contradio. Pode-se observar que os discursos contraditrios que circulam no interdiscurso esto sofrendo uma modificao, est ocorrendo um deslocamento;

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aquele que considerado objeto de direito, propriedade, est sendo configurado como sujeito. Assim, o intradiscurso nos d os indcios do grau de saturao e evidencia, atravs de efeitos sintticos e semnticos, que h um deslocamento em curso no interdiscurso, uma mudana nas contradies primria e secundria que antes mencionamos. O processo de sobredeterminao dado pelos nveis de saturao no intradiscurso: fixao do referente, que se relaciona com o interdiscurso: discursos circulantes na sociedade. O produto de prticas discursivas mobilizadas por um sujeito interpelado pela ideologia (dono de escravos) visa um efeito pelo qual cada um dos escravos ser um indivduo diferente do outro, um indivduo singular. A ordem dos adjetivos presentes nas descries de nossos anncios no igual em todos os anncios. O que resulta significativo o fato de que a presena deles contribui para a determinao de uma imagem pblica singularizada do escravo. A fuga do escravo anunciada na primeira parte do anncio. Aps ter sido anunciada a fuga, o anncio continua com a meno do nome e depois com a descrio do escravo. Embora o nome prprio do escravo seja dito, assim como o do dono e o da fazenda, tambm mencionados, eles no so suficientes para localizar o escravo na cidade. No so suficientes para diferenci-lo dos outros seres que tambm so escravos. Existe, ento, a necessidade de descrever o escravo com o maior detalhe, para que ele seja reconhecido na sua particularidade. Neste momento reconhecemos o ato perceptivo da descrio que prope Filinich. Ele redundar no ato descritivo que ser a escrita da descrio com todos seus elementos. Nessa descrio surge o lugar da falha como nos assinalou Hamon ou, em outros termos, a evidncia de uma relao de contradio sobredeterminada. O escravo ser descrito no anncio e, atravs dessa descrio, ele aparecer como um ser singular, diferente de todos os outros, com marcas prprias. Dita diferena marcada tambm pela fala do escravo que chega at ns atravs da voz do dono, como poderemos observar na anlise. O mesmo

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dono de escravos, que anuncia e descreve o escravo, d as condies de possibilidade para que ele se constitua como sujeito na sociedade escravagista. Observamos, nos anncios de fuga, uma situao particular dentro da formao discursiva que os sustenta. A possibilidade de posteriores enunciaes sobre o escravo, sujeito de uma sociedade, surge. O fato histrico da abolio da escravido no ser uma inspirao, nem ser espontnea a superao da escravido. Ela no se modificar em um relmpago seno que outras estruturas agem para a supervivncia da mesma. Essas estruturas que esto agindo no momento da mudana do sistema escravagista podem ser observadas no texto das descries dos anncios de fuga. Evidencia-se, a partir dessas descries, um deslocamento no estatuto do escravo, antes considerado uma mera ferramenta de trabalho, um modo de acumulao do capital. Ele ser um sujeito que possui caractersticas individuais prprias e pertence a uma sociedade, estando articulado nela. Ser um sujeito singular. As descries evidenciam esse deslocamento, mas outros discursos sobre o escravo, como o discurso jurdico encontrado nos cdigos de postura 53, a lei do ventre livre, publicada nos jornais do ano 1871 ou os processos judiciais de escravos, tambm intervm no processo. Dessa maneira, no intradiscurso das descries dos anncios de fuga evidenciam-se os indcios do grau de saturao do referente no interdiscurso, dado pelo discurso da lei, dentre outros. No intradiscurso, no s encontraremos esses indcios, mas tambm um processo discursivo de singularizao. O processo de singularizao do escravo est ligado constituio do escravo como sujeito singular e pode ser observado, principalmente, na descrio que comporta,
53

Os cdigos de postura eram legislaes municipais que regulamentavam o quotidiano da cidade. Nessas produes encontramos enunciaes que indicam o como, o quando e onde o escravo deve circular na cidade. Ditas enunciaes nos do indcios do funcionamento de estruturas silenciadas: a resistncia continua do escravo. Para mais informaes verem Fuga e Resistncia de Ferrari, A. J. Publicado na revista da Ps-graduao em Lingstica da UFRGS.

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tambm, adjetivos. Eles vo constituindo a imagem do escravo enquanto imagem nica, diferente de todas as outras. Nesse espao, tambm se faz referncia s relaes que o escravo estabelece com outros indivduos. Diz-se a respeito de lugares por onde circula, a modos particulares de agir e de falar, a modos de se relacionar com a autoridade. A diferena da imagem de um escravo particular se daria pela combinatria especial de adjetivos, principalmente, sobredeterminados intra e interdiscursivamente e que no se repete em dois seres do mesmo modo 54. Indurky afirma que a sobredeterminao discursiva decorre de prticas discursivas sociais, mobilizadas por um sujeito de discurso interpelado pela ideologia e provm de uma pluralidade de modos e nveis de saturao discursiva. (Indursky; 1995) Estes processos apontam para um efeito de homogeneidade que serve de sustentao indeterminao, mas tambm apontam a um efeito de especificidade que ser a base de uma singularizao. Mas para podermos observar como agem essas estruturas no texto fazse necessrio a anlise das estruturas presentes nos anncios de fuga de escravos. Essa anlise ser feita na Parte 3, aps expormos nossa metodologia de trabalho.

54

possvel pensar tambm, a partir desses elementos mencionados acima, em mudar a denominao daqueles que viviam sob as condies da escravido de escravos para escravizados. Dito por outras palavras, sujeitos os quais, contra sua vontade, foram submetidos a um regime que procura homogeneiz-los para domin-los, mas, embora os esforos por parte do sistema, no consegue a submisso completa dos componentes dessa camada social.

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PARTE 2: Metodologia

2.1- A guisa de introduo: Da Singularizao e da Individualizao

Cabe, portanto, neste apartado, relacionar o desenvolvido na primeira parte deste trabalho com a metodologia de anlise que ser utilizada na terceira parte: Anlise do corpus. Nosso objetivo inicial do projeto de pesquisa era:
delimitar o funcionamento dos processos de individualizao e singularizao presentes nos anncios de fuga de escravos, publicados no jornal Gazeta de Campinas (1870-1880), atravs do estudo do nome prprio e da descrio de pessoas.

Conclumos que necessrio observar como se encaixa na metodologia de anlise, o desenvolvido na primeira parte desta tese a respeito do nome prprio e da descrio. Chegamos, no inicio deste trabalho, concluso parcial de que o nome prprio de pessoa no nico e nem fixo, referindo a uma pessoa no mundo, nem uma descrio definida. Ele diz respeito a uma posio de sujeito em determinado acontecimento enunciativo. Nele o sujeito se inscreve em uma posio de sujeito, relacionada a uma forma sujeito do discurso. A descrio, por outro lado, no ser, nesse quadro, uma simples pintura seno que ela ser um espao privilegiado de visibilidade de processos de singularizao. Na descrio observar-se- a relao entre intra e interdiscurso de

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modo privilegiado. Ela se configura como um lugar especial de observao da falha. Estamos trabalhando com a hiptese de que a formao discursiva escravagista heterognea. Essa heterogeneidade pode ser observada na descrio dos anncios de fuga. Nos nossos anncios, o nome do escravo no esta saturado. O fugitivo procurado pelo nome prprio, o qual no considerado como suficiente para saturar a referncia do indivduo mencionado. D-se ento o nome que ele se d a si mesmo, todavia o nome continua sem estar saturado. Descreve-se o escravo procurando a saturao, a particularizao e, nesse momento, surge a noo de que sempre h algo que foge nessa estrutura. O tempo todo h algo que falta, no se atinge e, no obstante se procura. Algo alm daquilo que reduz o escravo a sua condio. Propomos, portanto, observar em primeiro lugar, o que se entende nesta tese por singular e singularidade, e quais os processos que elas incluem. Depois, definir o que se entende neste mbito por individual e individualizao e quais os processos que a elas cabem. Rajagopalan (2000) nos diz que, afirmar que o singular o nico na sua espcie ; leva- nos para uma questo metafsica, ou seja, diz respeito ao que h. Por este motivo, a questo da singularidade foi sempre um tema muito relevante na filosofia comeando pelos pr-socrticos, como Tales de Mileto. O autor comea sua pesquisa sobre a singularidade na poca contempornea com Quine. De acordo com Rajagopalan, para Quine a singularidade localizar-se-ia na predicao das expresses nominais. Tal concluso se daria, segundo ele, como o resultado de pensar a lngua com a funo de informar. Por outras palavras, ela seria um conjunto de expresses nominais que podem ser predicadas. Essa herana de Quine vem, por sua vez, de Frege e Russell que j tinham pensado a lngua nesse sentido e que, portanto, tambm pensaram a singularidade no mesmo caminho dos nomes prprios. Na realidade, quase todos os filsofos da rea denominada Filosofia da Linguagem, Mill, Ziff, Kripke, por exemplo,

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concordam que o problema do nome se relaciona com a singularidade. Por isso, ele tem uma especificidade que exige sua anlise separadamente. Embora o tratamento seja separado, nem todos os autores

mencionados chegam mesma concluso. Nos filsofos supra citados (Mill, Kripke, Ziff) h uma idia de nome enquanto categoria fixa e vazia. Lembramos aqui o trabalho de Kripke, j mencionado no Captulo I da Parte I, no qual se afirma que os nomes so designadores rgidos. No muito longe desse caminho, Kaplan prope os nomes enquanto Dthat, ou seja, enquanto diticos, mais uma categoria vazia que se preenche no momento no qual se refere a uma coisa no mundo. Esse gesto que aponta, ser fundamental para a observao do singular de acordo com estas correntes. A partir desse percurso, Rajagopalan conclui que o singular o ponto nevrlgico da Filosofia da Linguagem, no qual todos os filsofos da linguagem chegam e sobre o qual todos ensaiaram elaborar teorias, mas sem conseguir chegar a um resultado consistente. O problema, acreditamos, reside em procurar a singularidade justamente relacionada ao nome prprio. Como afirma Rajagopalan:
Pensar a singularidade equivale a entrar na zona limtrofe do pensamento acerca da linguagem. Persistir em tal interrogao significa preparar o caminho para o prprio desmoronamento da teorizao, do esforo de imobilizar a linguagem dentro da camisa de fora de uma teoria totalizante. (RAJAGOPALAN, 2000 p. 83)

O singular no se encontra relacionado ao nome nem nomeao de algum. Rajagopalan prova isso no artigo acima citado. Por mais que se tente encaixar o singular dentro da linguagem ele no est nela, ele no gesto, na margem da lngua. Entende Rajagopalan (2000) que, o singular :

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aquilo que sempre resiste a todas as tentativas de teorizao, que sempre escapa e sobra, que, no entanto sempre volta para assombrar as teorias, como sinal de capitulao, contentam-se em confin-lo a um espao do alm. (RAJAGOPALAN, 2000 pp. 8384)

Portanto, se pensamos a singularidade a partir de uma teoria da linguagem que no seja totalizante, e a reflita histrica, ser possvel ponderar a singularidade como resto. Dito por outras palavras, se no se procura engessar a lngua dentro de um molde pr-estabelecido, encontrar a verdade das proposies, partir de uma idia de verdade absoluta, ento h espao para analisar que no todo se d na lngua. H um resto de sentido. possvel pensar assim a singularidade com Orlandi:
Assim, a singularidade no um efeito da vontade do sujeito, ela resulta do modo singular com que a ideologia o afeta. So essas as determinaes a que nos referimos quando falamos que a relao com o sentido mais indireta e mais determinada (pela histria, pela ideologia). (ORLANDI, 2001 p. 100)

Ao pensar em nosso corpus, a singularidade no se encontra no nome prprio de pessoa, ela, no nosso caso, poder ser observada na descrio. Nesse espao onde, h lugar para a falha, para a fuga dos sentidos: onde a alteridade ameaa a estabilidade dos sentidos, onde a histria trabalha seus equvocos, onde o discurso deriva para outros discursos possveis. (ORLANDI, 2001, p. 13) Quando na descrio do escravo encontramos sentenas a respeito de Romo como diz se chamar Matheus, percebemos que ali h algo alm da simples nomeao de Romo por Matheus. H algo que se encontra no nvel gestual, do simblico e que supera a palavra. Isso, para ns, singular. Se relacionarmos esse momento com um processo de subjetivao afirmamos que: aquele que est sendo falado na descrio se constitui como um sujeito singular. Mas a sua singularidade no residir nas caractersticas fsicas daquele que est 114

sendo descrito, no estar amarrada ao significado de um adjetivo, sua singularidade estar relacionada com esse gesto55 que leva o dono a dizer. O espao da singularidade o espao da deriva, e o processo que lingisticamente observamos relacionados a ele a adjetivao. No que se refere adjetivao necessrio dizer que entendemos que no tratamento dos adjetivos ou no processo de adjetivao no se considera uma mera predicao a respeito de um nome. Entendemos que o uso de adjetivos traz consigo a mobilizao de um pr-construdo, rememorao de enunciaes anteriores - exteriores. Atravs da adjetivao se faz evidente a idia de que: eu vejo esta coisa, que vejo o que vejo; ou seja, uma identificao perceptiva. Como afirma Pcheux (1975), tambm se faz evidente uma identificao inteligvel (sabe-se que esta coisa o X que..., que corresponde ao sabe-se o que se sabe) (PCHEUX, 1997, p. 101). Esse modo de interpretao adotado pela geografia, pela astronomia e pela histria, enquanto disciplinas. Elas foram, tradicionalmente, disciplinas descritivas. Podemos, assim, relacion-lo com a descrio dos anncios de fuga quando o dono descreve, diz que v o escravo e que sabe que o escravo X. Pcheux afirma a respeito destas duas iluses, que so produto do denominado efeito de pr-construdo. Cito Pcheux:
O efeito de pr-construdo aparece, assim, em sua forma mais pura, em que esto ligadas a colocao de uma existncia singular e a verdade universal que afeta as asseres que incidem sobre essa singularidade (PCHEUX, 1997, p. 136)

55

Esse gesto ao qual nos referimos aqui o da fuga. A fuga se constitui como gesto que provoca uma escrita. A fuga um gesto enquanto ato no nvel do simblico, que provoca uma escrita, a do anncio de fuga.

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Em relao ao conceito de individualizao continuamos afirmando o formulado em Ferrari (2006) que retoma, por sua vez, o trabalho de Michel Foucault em Vigiar e Punir e o texto de Poulantzas.
O escravo tem um nome prprio que o individualiza. Essa individualizao se d atravs de uma localizao (o lugar que ocupa numa srie dada, dentre outros, pelo nmero de matrcula) que o distribui e faz circular por um sistema de relaes (Foucault 1976). Poulantzas (1985) diz que o quadro material que induz a individualizao consiste na organizao do espao-tempo. Ele afirma que a individualizao um espao esquadrinhado, segmentarizado e celular onde cada parcela (indivduo) tem seu lugar, onde cada localizao corresponde a uma parcela (indivduo), mas que deve apresentar-se como homogneo e uniforme. (op.cit 72) (FERRARI, 2006, p. 108)

Assim, a individualizao ser entendida como particularizao, como o lugar que o sujeito ocupa numa srie, o lugar que lhe concedido e a partir do qual ser vigiado, controlado. o espao por excelncia outorgado, pela Igreja, pelo Estado, pelas instituies de controle. Ele se diferencia da singularidade no sentido em que, na individualidade, no h espao para a falha, quando a falha acontece na individualidade surge a singularidade, aquilo que no pode ser dito nem explicado, mas est ali, significa. A individualizao estaria, portanto, relacionada com o nome prprio, com o nmero de matrcula do escravo, com a localizao geogrfica da fazenda, com o nome do dono que reclama o escravo. Nessas instncias surgem os espaos que determinado indivduo ocupa na srie, os espaos nos quais controlado.

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2.2- Do Dispositivo analtico e do dispositivo terico

Orlandi (1999) prope que, para a anlise de um corpus, preciso montar um dispositivo. A montagem consiste em diferentes etapas sucessivas que comeam no texto, como unidade material e vo at a Formao ideolgica. Graficamente a explicita do seguinte modo:

1 Etapa: Passagem da Superfcie Lingstica Para o 2 Etapa Passagem do Objeto Discursivo Para o 3 Etapa (ORLANDI, 1999, p. 77) Processo Discursivo

Texto (Discurso) Formao Discursiva

Formao Ideolgica

De acordo com Orlandi (1999, 2001) para trabalhar em AD necessrio estabelecer um Dispositivo Analtico e um Dispositivo Terico para a anlise de um corpus escolhido. Esta autora entende por Dispositivo Terico aquele que d ao analista o mtodo a partir do qual ele pensar o corpus. O analista procura, a partir deste Dispositivo, compreender os gestos que o constituem. Desse modo, como o Dispositivo Terico, por um lado, uma construo do analista, uma parte da anlise responsabilidade exclusiva do analista. Por outro lado, a outra parte resulta do alcance da prpria teoria da Anlise do Discurso. Depende do analista, neste dispositivo, a formulao do problema que atravessar a anlise do corpus.

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Tomando como ponto de partida uma pergunta, o analista mobilizar alguns conceitos e outros simplesmente no sero utilizados. Justamente dessa seleo, desse corte de categorias utilizadas para a anlise, ser construdo o Dispositivo Analtico, por outras palavras, o Dispositivo especfico a ser utilizado na anlise em questo. Portanto, o Dispositivo Terico inclui o Dispositivo Analtico. A pergunta do analista perante seu corpus ser a que dar forma a esse constructo e as possibilidades de anlise que o corpus apresenta tambm contribuiro para tal. Desse modo, as concluses que o analista chega dependero em grande medida deste ltimo. Nesta perspectiva, afirmamos que o Dispositivo Terico utilizado de base nesta pesquisa o da AD francesa e da Semntica do Acontecimento. Ele sofre, em alguns pontos, alguns deslocamentos necessrios para a anlise do nosso corpus, os quais sero trabalhados ao longo desta Segunda Parte. Inicialmente, propomos um dilogo, na elaborao deste dispositivo, com o trabalho desenvolvido por Michel Foucault na Arqueologia do Saber. Por esse motivo, para poder analisar comeamos por tentar definir o que entendemos por nosso objeto de estudo.

2.3- Do objeto de estudo da pesquisa

Para poder estabelecer qual o objeto de estudo de uma pesquisa, necessrio converter, em um primeiro momento, o dado emprico em um objeto terico. Como nosso corpus de anlise est composto na sua maioria por anncios de fuga de escravos, acreditamos necessrio, primeiramente, converter o dado emprico de um anncio de fuga em um objeto terico. Isto implica pensar

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o significado da fuga do escravo no perodo estudado e, a partir dele, observar quais so os lugares possveis nessa sociedade para o anncio de fuga do escravo. Assim, definido nosso objeto terico, seu peso e significado no momento que est sendo estudado, definiremos as sries que podem ser tomadas para o estudo; como prope Foucault em Arqueologia do Saber. O procedimento se centra em
determinar que forma de relacin puede ser legtimamente descrita entre esas distintas series; qu sistema vertical son capaces de formar; cul es, de unas a otras, el juego de las correlaciones y de las dominaciones; qu efecto pueden tener los desfases, las temporalidades diferentes, las distintas remanescencias; en qu conjuntos distintos pueden figurar simultneamente ciertos elementos; en una palabra, no slo qu series sino qu series de series, o en otros trminos, qu cuadros es posible constituir... Una histria general desplegara, por el contrario, el espacio de una dispersin. (FOUCAULT, 1970, p. 16)

A conseqncia desse trabalho redunda em problemas metodolgicos, como por exemplo, a constituio de corpus, coerentes e homogneos abertos, fechados, finitos, indefinidos. Tambm a labor implica o estabelecimento dum principio de eleio. Por isso necessria a definio dos nveis de anlise e dos elementos pertinentes: acontecimentos, instituies, prticas, palavras

empregadas com suas regras de uso e campos semnticos que projetam a estrutura formal das proposies e os tipos de encadeamento. Finalmente, necessrio no esquecer a especificao dos nveis de anlise; a determinao de relaes (causais, lgicas, numricas, analgicas, entre significado e significante) que permitam caracterizar um conjunto. Todos os elementos anteriormente mencionados direcionam o trabalho para uma metodologia deslocada das tendncias tradicionais. Foucault tambm prope observar, por um lado, os modos de excluso e insero do objeto de estudo; e pelo outro o recorrido por certas noes atuais

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atravs da prpria histria da noo, do termo escolhido de modo especifico. Foucault prope, pois, observar: a) as superfcies primeiras de sua emergncia, ou seja
mostrar donde puede surgir para despus ser designadas y analizadas, esas diferencias individuales que, segn los grados de racionalizacin, los cdigos conceptuales y los tipos de teora de enfermedad, de enajenacin, de anomala, de demencia, de neurosis... Esas emergencias no son las mismas para distintas sociedades, en las distintas pocas y en las diferentes formas de discurso. (FOUCAULT, 1970, pp. 66-67)

De acordo com Foucault, no Sc. XIX na Frana, as formas discursivas que tratavam do louco, por exemplo, poderiam estar restritas famlia, ao meio de trabalho e social prximo, comunidade religiosa. Contudo, observa-se que o discurso jurdico o toma em relao criminalidade, relacionando-a a conduta criminal. (Pierre Rivire, por exemplo). Nesse umbral, nesse campo de descontinuidade, possvel dar ao louco o estatuto de objeto e torn-lo nominvel e descritvel. No caso do escravo, as formas discursivas esto espalhadas, misturadas em todos os aspectos da sociedade dos anos 70 do Sec. XIX. Embora o escravo ocupe um lugar marginal na sociedade, sua presena generalizada, como ser observado no primeiro ponto da terceira parte. Os escravos estaro no chafariz; na rua; na casa grande; na senzala ; nos campos; nas vilas, nos quilombos, nos capoeiras, nos processos judiciais exigindo seus direitos, nas rebelies; nos jornais; nos livros enfim, eles estaro em quase todos os lugares marginais e possveis. Mas eles nunca estaro em lugares de poder, nunca em governos; universidades ou escolas. Esses espaos so reservados para outros, a eles no lhes permitido e, em alguns momentos da histria, proibido. Mas, embora existam as proibies, eles surgem em lugares e em aes no permitidas. Desse modo, os discursos sobre o escravo circulam nos tribunais; nas leis; nos cdigos de postura, nos jornais, na literatura, nos dicionrios. O discurso do escravo um discurso mediado, sempre outro fala e diz o que o escravo diz, reproduz a fala do escravo, o escravo sempre ouvido atravs do 120

outro que diz dele, por ele, para ele. Esses discursos so o que tornam o escravo nominvel, descritvel. O que nos interessa observar como esse dizer se constitui e provoca efeitos de sentido. Continuando com os elementos a observar, em segundo lugar, Foucault prope que teriam que se descrever certas instncias de delimitao: a medicina, a justia, singularmente a justia penal, a autoridade religiosa e a crtica literria e a artstica. Achamos, portanto, que preciso analisar as grades de especificao que diferenciam uma escravido de outra, os tipos e modos de escravido. Foucault pretende na investigao feita em Histria da Loucura, por exemplo:
saber lo que ha hecho posible , y cmo esos descubrimientos han podido ser seguidos de otros que se han vuelto a ocupar de ellos, los han rectificado, modificado o eventualmente anulado.

(FOUCAULT, 1970, pp. 70-71)

De acordo com o autor, no seria apropriado nem prudente acusar a apario desses objetos a um modo determinado de ser da sociedade da poca. A formao do objeto surge no conjunto de relaes
establecidas entre instancias de emergencia, de delimitacin y de especificacin. Dirase, pues, que una formacin discursiva se define (al menos y cuanto a sus objetos) si se puede establecer semejante conjunto; si se puede mostrar cmo cualquier objeto del discurso en cuestin encuentra en l su lugar y su ley de aparicin; si se puede mostrar que es capaz de dar nacimiento simultnea o sucesivamente a objetos que se excluyen, sin que l mismo tenga que modificarse. (FOUCAULT, 1970, pp. 72-73)

Faz-se agora necessrio observar as diferentes seqncias que compem nosso corpus e relacionando-as com outras vindas de outros textos.

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2.4- Do corpus na Anlise do Discurso

Embora os autores acima citados proponham a elaborao de um dispositivo ou frmula para a anlise, Courtine (1981) afirma que j na composio do corpus estaramos iniciando a anlise. A anlise se daria nessa eleio do que Foucault chama series e que Courtine chama seqncias discursivas de um campo discursivo de referncia, entendendo campo discursivo de referncia como:
(quil sagisse dun type de discours, par exemple le discours politique; du discours relevant dune source particulire lintrieur du champ du discours politique, par exemple le discours politique produit par tel locuteur ou telle formation politique; du discours relevant dune source et dun moment historique dtermine, par exemple le discours politique produit par telle formation politique dans telle conjoncture, etc.) en imposant aux matriaux une srie successive de contraintes qui les homognisent. (COURTINE, 1981, p. 24)

escolha

dessas

seqncias

responder

aos

critrios

de

exaustividade, representatividade e homogeneidade. De acordo com o autor, o primeiro critrio diz respeito a no deixar de incluir seqncias, embora muitas vezes algumas delas perturbem o analista. O segundo diz respeito a no generalizao a partir de fatos testados uma nica vez e, portanto, de fatos pouco representativos daquilo que se pretende mostrar. Finalmente, o critrio de homogeneidade resulta o mais difcil de ser utilizado j que justamente o estudo dos contrastes discursivos no condiz com homogeneidades, pelo contrario, ele convive com a heterogeneidade e este ltimo critrio est intimamente ligado noo de coerncia discursiva.56

56

O terceiro critrio , segundo Courtine, o mais difcil de implementar. O autor afirma:

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Nossa posio filia-se ao afirmado por Zoppi-Fontana (2006):


Adotamos uma concepo dinmica de corpus que o considera em constante construo conforme o desenvolvimento da anlise e que possibilita descrever os regimes de enunciabilidade na sua disperso, tanto nas regularidades de funcionamento quanto nas rupturas provocadas pelo acontecimento. Desta maneira, procedemos anlise em sucessivos movimentos em espiral que entretecem processos de descrio e de interpretao que levam, por sua vez, a incorporar novos elementos ao corpus inicialmente constitudo e a reorganizar e recortar repetidamente o conjunto de materiais reunidos para estudo. O corpus responde, assim, aos objetivos de anlise e s perguntas formuladas em relao a uma questo, acompanhando na sua constituio os diversos momentos da pesquisa, razo pela qual podemos afirmar que a organizao e recorte dos materiais a serem analisados reflete o estado atual do processo de anlise e no um momento prvio a qualquer manipulao analtica. Conseqentemente, consideramos que o fechamento do corpus necessariamente provisrio e se d juntamente com a finalizao das anlises. (ZOPPI-FONTANA, 2006, pp. 95-96)

O conceito de corpus definido pela autora em 1998, 2005 e 2006. Ela se filia ao conceito cunhado por Pcheux em 1984 e 1983. O autor afirma que h dois momentos relacionados ao corpus :um de descrio e outro de interpretao. A relao que estabelece entre eles desigual. O primeiro abre espao para o segundo de maneira que, no trabalho, o corpus resulta de um processo que se d, simultaneamente, com o processo analtico. Esse leva em considerao a memria discursiva como principal princpio de legibilidade dos enunciados. (Zoppi-Fontana 2006)

propos du troisime prncipe, celui dhomognit, les auteurs remarquent quil sagit du << concept le plus difficile utiliser puisque ltude des contrastes discursifs exclut lhomognit>>. Nous nous efforcerons de montrer dans les pages qui concluent ce chapitre que si le concept dhomognit dun corpus discursif est effectivement difficile utiliser, cest au contraire parce que la constitution de corpus discursif en AD seffectue sous la condition dun postulat trs fort dhomognit ou de cohrence discursive, mme dans ls traitements contrastifs, et que ce postulat dhomognit constitue un obstacle une perspective telle que celle que nous tentons de dvelopper. (COURTINE, 1981, p. 25)

123

2.5- Das Condies de Produo

Precisamos, para iniciar o processo analtico, observar as Condies de Produo do corpus. De acordo com Pcheux (2001), cada discurso ter suas Condies de Produo nas quais se somam as relaes de interlocuo. Elas podem aparecer como interferncias de outros falantes, adversrios, como no caso do discurso poltico. Tais interferncias podem ser verbais ou gestuais 57. Surge a necessidade de definir os elementos estruturais que permitam pensar as Condies de Produo. Em primeiro lugar, Pcheux (2001) aclara que
os fenmenos lingsticos de dimenso superior frase podem efetivamente ser concebidos como um funcionamento mas com a condio de acrescentar imediatamente que este funcionamento no integralmente lingstico, no sentido atual desse termo e que podemos defini-lo seno em referncia ao mecanismo de colocao dos protagonistas e do objeto de discurso, mecanismo que chamamos condies de produo do discurso. (PCHEUX, 2001, p. 78)

Para poder fazer dita descrio, o autor parte da seguinte hiptese:


A um estado dado das condies de produo corresponde uma estrutura definida dos processos de produo do discurso a partir da lngua, o que significa que, se o estado das condies fixado, o conjunto dos discursos suscetveis de serem engendrados nessas condies manifesta invariantes semntico-retricas estveis no conjunto considerado e que so caractersticas do processo de produo colocado em jogo. Isto supe que impossvel analisar um discurso como um texto, isto , como uma
57

Aqui Pcheux define gesto como: (atos no nvel do simblico) mas podem transbordar para intervenes fsicas diretas. (PCHEUX, 2001, p. 78) 78)

124

seqncia lingstica fechada sobre si mesma, mas que necessrio referi-lo ao conjunto de discursos possveis a partir de um estado definido das condies de produo. (PCHEUX, 2001, p. 79)

Para a representao do processo de produo o autor parte do seguinte esquema elaborado inicialmente por Jackobson (1960)58 e re-escrito do seguinte modo: (L) D A____________________________B R Onde A: o destinador B: o destinatrio
58

O esquema original proposto por Jakobson em Lingstica e Potica o seguinte: CONTEXTO

REMETENTE

MENSAGEM

DESTINATRIO

..................................................... CONTACTO CDIGO (JAKOBSON, 1960, p. 123) O autor afirma que: A linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funes. Antes de discutir a funo potica, devemos definir-lhe o lugar, entre as outras funes da linguagem. Para se ter uma idia geral dessas funes, mister uma perspectiva sumria dos fatores constitutivos de todo processo lingstico, de todo ato de comunicao verbal.. O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou referente, em outra nomenclatura algo ambgua), apreensvel pelo destinatrio, e que seja verbal ou suscetvel de verbalizao; um CDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatrio (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTACTO, um canal fsico e uma conexo psicolgica entre o remetente e o destinatrio, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicao. (JAKOBSON, 1960, pp. 122-123)

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R: o referente (L): o cdigo lingstico comum a A e B. _____ : o contacto estabelecido entre A e B D : a seqncia verbal emitida por A em direo a B. O componente D, entendido como mensagem redefinido por Pcheux como discurso, efeito de sentidos entre A e B. A e B so re-definidos como: lugares determinados na estrutura de uma formao social. (patro e empregado, por exemplo). Com respeito a A e B, Pcheux levanta a hiptese de que esto representados nos processos discursivos em que se colocam em jogo. O que entra em funcionamento uma srie de Formaes Imaginrias, imagens que designam o lugar que cada um (A e B) se atribui e atribui ao outro alm da imagem do lugar prprio e do outro que eles se fazem. Nenhum processo discursivo estaria, ento, isento de ditas Formaes Imaginrias que so explicitadas por Pcheux do seguinte modo: 1- a Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em A (IA (A)) 2- a imagem do lugar de B para o sujeito colocado em A (Ia(B)) 3- a imagem do lugar de B para o sujeito colocado em B(IB(B)) 4- a Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B(IB (A))

O item R do esquema jackosoniano que implicava a noo de contexto ou situao, na qual se produz o discurso, re-definida como pertencente s Condies de Produo. Portanto o referente do discurso pertence ao mbito das Condies de Produo e se trata de um objeto imaginrio e no de uma realidade fsica. Todas essas imagens que A e B se fazem de si mesmo, do outro e do referente do discurso so diferentes instncias do Processo Discursivo. As diferentes Formaes Imaginarias so produto de Processos Discursivos anteriores que, por sua vez, decorrem de outras Condies de Produo. Elas

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do as condies de possibilidade para tomadas de posio implcitas que asseguram a possibilidades do Processo Discursivo em si. Porm, cabe destacar que Pcheux se ope tese fenomenolgica da apreenso perceptiva de si e do outro como condio pr-discursiva do discurso. Ele supe a percepo como sempre atravessada pelo j ouvido e o j dito atravs dos quais se constitui a substncia das Formaes Imaginrias enunciadas mobilizando, para essa formulao, os conceitos de pressuposio e implicao de Ducrot, que, segundo Pcheux (1969), colocam em jogo o mesmo gnero de hiptese (op.cit. p 86) Desse modo, podemos pensar na proposta de esquema de Filinich para a produo da descrio a partir de uma perspectiva discursiva. A autora afirma que no processo descritivo existiriam um descritor e um descritrio e, que nesse esquema de funcionamento, se produziria a descrio. Se, ao afirmado por Filinich acrescentamos o dito por Hamon, que a descrio o lugar da fuga, podemos pensar que nesse espao especifico, na descrio esto sendo mobilizados saberes que vem de outro lugar onde foram ditos e ouvidos. Os adjetivos presentes nas descries no so, portanto, uma simples palavra indicadora de uma propriedade que se remete a um uso literal do mesmo. O significado de cada um dos adjetivos utilizados est relacionado com Formaes Imaginrias que esto sendo enunciadas e mobilizam um saber que vem de outro lugar, de outros dizeres. Assim configurado, o processo descritivo, de acordo com o que estamos propondo na presente tese, responde ao jogo das Formaes imaginrias mais do que a um esquema de emissor (descritor) receptor (descritrio). A partir da considerao das Formaes imaginrias como constitutivas do processo possvel propor o agir de um Pr-construdo, relacionado com o processo de adjetivao presente nas descries dos anncios de fuga.

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2.6- Da Formao Discursiva

Outra categoria importante que ser mobilizada em nossas anlises ser a de Formao Discursiva. A categoria de Formao Discursiva tem sua origem na Arqueologia do Saber de Michel Foucault. A Arqueologia uma tentativa de dar coerncia metodolgica a trs trabalhos anteriores: Histria da loucura, O nascimento da clnica e As palavras e as coisas. Eles formam parte de uma empresa que consiste em medir as mutaes que se operam na histria. Nesta empresa, faz-se uma reviso dos mtodos, dos limites, dos temas e procura-se ressaltar como se formaro as sujeies antropolgicas. Foucault far uma anlise que reviste as teleologias e as totalizaes. Ele procurar formular os instrumentos que as investigaes utilizaram ou fabricaram. Elabora, ento, um mtodo de anlise que esteja puro de todo antropologismo. A antropologa, nesse marco, no s se inscreve no debate da estrutura mas tambm se inscreve en ese campo en el que se manifiestan, se entrelazan y se especifican las cuestiones sobre el ser humano, la conciencia, el orden y el sujeto. (FOUCAULT, 1970, pp. 26-27) Nesse trabalho, Foucault tratar das Regularidades Discursivas. Ele estudar os problemas tcnicos e tericos que a posta em jogo dos conceitos de descontinuidades, ruptura, umbral, limite e transformao colocam. Ele se prope examinar os conjuntos propostos pela histria com o objetivo de, uma vez suspensas as formas lineares dela, explorar o domnio que est constitudo por um conjunto de enunciados efetivos (falados e escritos), na sua disperso de acontecimentos e na instncia que lhe prpria a cada um. (FOUCAULT, 1970, p. 43) O projeto que se propor na Arqueologia elaborar um modo de fazer uma descrio pura dos acontecimentos discursivos. Assim, definir o conceito de acontecimento discursivo como:

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el campo siempre finito y actualmente limitado de las nicas secuencias lingsticas que han sido formuladas, las cuales pueden ser muy bien innumerables, pueden muy bien, por su masa, sobrepasar toda capacidad de registro, de memoria o de lectura, pero constituyen, no obstante, un conjunto finito....La descripcin de los acontecimientos del discurso plantea...: cmo es que ha aparecido tal enunciado y ningn otro en su lugar? (FOUCAULT, 1970, p. 44)

Essa pergunta o leva a desenhar o conceito de Formao Discursiva. Ele pretende descrever enunciados no campo do discurso e as relaes de que so susceptveis. Porm, Foucault reconhece duas sries de problemas ao trabalhar com o grupo de relaes entre enunciados, a saber: a utilizao indiscriminada de conceitos como enunciado, acontecimento e discurso; as relaes entre os enunciados que legitimamente podem ser descritas. Levanta, portanto, quatro hipteses de trabalho possveis, porm as quatro propostas so consideradas pelo autor um fracasso 59. Encontra Foucault, ao contrario de linearidades ou continuidades, sries com lacunas, entrecruzadas, jogos de diferenas, substituies,

transformaes, sries de disperses, sistemas de disperses.

59

Foucault (1970) prope as seguintes hipteses: 1-La unidad de los discursos sobre la locura no estara fundada sobre la existencia del objeto locura, o la constitucin de un horizonte nico de objetividad: sera el juego de las reglas que hacen posible durante un perodo determinado la aparicin de objetos, objetos recortados por medidas de discriminacin y de represin, objetos que se diferencian en la prctica cotidiana, en la jurisprudencia, en la casustica religiosa, en el diagnstico de los mdicos, objetos que se manifiestan en descripciones patolgicas, objetos que estn como cercados de cdigos o recetas de medicacin, de tratamiento, de cuidados. (FOUCAULT, 1970, p. 53) Prope, assim , formular a lei de repartio dos objetos baseada no jogo de regras que fazem possvel a apario de objetos. Essas regras sero:definir um grupo ou conjunto de relaes entre enunciados de acordo com a sua forma e seu tipo de encadeamento, ou seja pelo seu estilo,de acordo com o modo como se implicam e excluem. 1. separar por grupos de enunciados determinando o sistema dos conceitos permanentes ou coerentes que neles se encontram em jogo. Pela sua ocorrncia ou freqncia atrelada a uma coerncia. 2. agrupar os enunciados pela identidade e persistncia de temas.

3. 129

En el caso de que se pudiera describir, entre cierto nmero de enunciados, semejante sistema de dispersin, en el caso de que entre los objetos, los tipos de enunciacin, los conceptos, las elecciones temticas, se pudiera definir una regularidad (un orden, correlaciones, posiciones en funcionamientos, transformaciones) se dir, por convencin, que se trata de una formacin discursiva, evitando as palabras demasiado preadas de condiciones y de consecuencias, inadecuadas por lo dems para designar semejante dispersin como ciencia ,o ideologa, o teora, o dominio de objetividad. Se llamaran reglas de elementos de esa reparticin (objetos, modalidad de enunciacin, conceptos, elecciones temticas). Las reglas de formacin son condiciones de existencia (pero tambin de coexistencia, de conservacin, de modificacin y de desaparicin) en una reparticin discursiva determinada. (FOUCAULT, 1970, pp. 62-63)(O negritado nosso)

Vimos, portanto, que nesse texto de Foucault esto propostas algumas das categorias que sero retrabalhadas por Pcheux. Elas so alm das Formaes Discursivas, as categorias de corpus e de sujeito. No que respeita categoria de Formao Discursiva, Courtine (1981) diz a respeito:
Le terme de formation discursive (dornavant : FD), apparat en 1969 avec lArchologie du savoir, lextrieur du domaine de lAD, dans les travaux de M. Foucault, dans cette vaste et fconde interrogation sur les conditions, historiques et discursives, dans les quelles se constituent les systmes de savoir. Une interrogation qui seffectue lcart des chemins trop souvent emprunts, par des voies quon pu caractriser comme parallles (Lecourt, 72), mais qui nous paraissent plutt sapprocher indfiniment dobjets comme une pratique thorique au sens fort et qui, travers lArchologie et lOrdre du discours, apparat comme une pratique thorique au sens fort et qui mi-chemin entre lhistoire et la philosophie et parfois aussi tout prs de lAD, produit des explications extrmement fcondes quelle laisse en suspens, labri de la vrification exprimentale. Um travail qui saccomplit en Marge et se condamne ainsi au paradoxe de ne pouvoir parler qu la condition de ntre pas entendu. (COURTINE, 1981, p. 33)

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De acordo com Courtine (1981) a categoria de Formao Discursiva sofrer diversas re-interpretaes e elaboraes ao longo do desenvolvimento da teoria da Anlise do Discurso. O autor afirmar que as formaes discursivas encontram-se intimamente interligadas s Formaes Ideolgicas, porque as primeiras constituem as segundas. Em outras palavras, as Formaes ideolgicas podem estar compostas por uma ou varias Formaes Discursivas determinando o que pode e deve ser dito. Elas podero se distinguir entre si e um dos pontos de diferena so as condies de produo que cada uma delas ter. A principal diferena entre Formaes Ideolgicas e Formaes Discursivas que, as primeiras tm tanto um carter abrangente quanto um carter especfico, o que implica em posies de classe. Por esse motivo, por exemplo, um mesmo termo em cada Formao Ideolgica ter uma significao diferente. As Formaes Discursivas que constituem uma Formao Ideolgica esto ligadas entre si, porm no confundidas. Elas podem ser diferenciadas pela sua especificidade e podem ter, entre elas, relaes. As palavras, as seqncias recebem seu sentido da Formao Discursiva na qual so produzidas e que determina o que pode e deve ser dito. Alis, as Formaes Discursivas nem sempre so isolveis uma das outras, elas encontram-se em muitas oportunidades unidas, intimamente relacionadas entre si. Nesse caso, Courtine afirma:
Si une FD donne nest pas isolable des rapports dingalit, de contradiction ou de subordination qui signent as dpendance lgard du tout complexe dominante (Pcheux; 1975, p.146) des FD, intriqu dans le complexe de linstance idologique, et si lon nomme interdiscours le tout complexe dominante des FD, alors il faut admettre que ltude dun processus discursif au sein dune FD donne nest pas dissociable de ltude de la dtermination de ce processus discursif par son interdiscours. Ceci implique notamment que le dcalage entre deux FD, tel que la premire sert de matire premire reprsentationnelle (Fuchs et Pcheux, 75, p.13) la seconde, doit dautant plus ncessairement tre pris en compte en thorie comme en analyse

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du discours, que le propre de toute FD est de dissimuler, dans la transparence du sens qui sy forme, (.) le fait que a parle toujours avant, ailleurs, ou indpendamment Pcheux, 75, p. 147) cest--dire sous la dpendance de linterdiscours. (COURTINE, 1981, p. 35)

Chegamos, assim, a um dos problemas que se nos apresentam na pesquisa. Encontramos uma formao discursiva que nos traz outros dizeres. No corpus que estamos analisando encontramos seqncias nas que se diz que o escravo diz, fala e se nomeia. Esse , para nossa anlise, um ponto de dificuldade. Como analisar essas seqncias? Se nos filiamos a uma teoria que proponha a FD como fixa, ento a anlise ficar restrita a uma afirmao de um enunciado ectpico dentro de uma FD determinada. Mas, se considerarmos que elementos de outras FDs interferem na FD que est sendo estudada, ento podemos afirmar que o sistema de relaes de substituio, parfrases, sinnimos, etc. funciona entre os elementos lingsticos (processo discursivo). Em outras palavras, podemos pensar que a FD est, nesse momento especifico, sofrendo uma modificao. Essa modificao resulta de mudanas que acontecem ou esto em curso no interdiscurso. Isto nos leva, portanto, a este conceito na AD.

2.7- Do Interdiscurso

Chegamos ao ponto no qual precisamos relacionar os conceitos que intimamente relacionam o discurso com a memria. O conceito de interdiscurso um conceito fundamental nessa relao. A definio estrita de interdiscurso aquilo que se fala desde outro lugar independentemente. De modo que esta 132

categoria est relacionada com o que se entende por memria discursiva. Ela aquela memria de outras enunciaes de outros dizeres, de ditos em outros lugares e que lhe do a condio de possibilidade a aquilo que est sendo enunciado em determinado momento. Ela de acordo com Zoppi- Fontana (2005)
entendemos a memria discursiva como espao ideolgico estruturante/estruturado em que se realiza a interpretao, enquanto efeito necessrio da relao simblica estabelecida entre o sujeito e o real da lngua e da histria. Efeitos dessa memria se manifestam na linearidade do discurso atravs de diversos funcionamentos das formas lingsticas, que se constituem em ndices das filiaes histricas a partir das quais o sujeito produz interpretao (ZOPPI-FONTANA, 2004, p. 90)

A memria discursiva ; de acordo com Pcheux (1975); Courtine (1982); Orlandi (1996; 1999; 2001), Payer (1993; 1999), Zoppi (2004), o espao no qual se organizam as filiaes histricas. Elas constituem o que pode ser dito, propiciando os processos de identificao do sujeito a partir do qual ele enunciar certas coisas e outras no. Ela o produto da relao que se estabelece entre a lngua, sujeita falha, e a histria, exposta contradio constitutiva. Este contato no se materializa homogeneamente, ele se materializa de modo lacunar e equvoco. Muitos autores trouxeram tona este carter da memria. O escritor argentino Jorge Luis Borges diz que o esquecimento uma das formas da memria. Na anlise do Discurso se afirma que o esquecimento estrutura a memria. Zoppi-Fontana (2005) afirma
Memria, portanto, estruturada pelo esquecimento, que funciona por uma modalidade de repetio vertical, que ao mesmo tempo ausente e presente na srie de formulaes: ausente porque ela funciona sob o modo do desconhecimento, de um no-sabido, no-reconhecido, que se desloca, e presente em seu efeito de retorno, de j-dito, de efeito de pr-construdo, de recorrncia das formulaes, produzindo a estabilidade dos objetos do discurso. (ZOPPI-FONTANA, 2004, p. 90)

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Pensamos, pelo dito acima, que a memria Discursiva tece-se com fios de diferentes materiais, de diferentes modos e pesos. Esses fios so os discursos: pronunciados; gritados; aclamados; censurados, silenciados, no ditos, supostos, desejados. Essa trama forma uma superfcie na qual o sujeito se inscreve. A memria o que ressoa desde outro lugar, que retorna na forma do prconstrudo. Quando, por exemplo, utilizamos um adjetivo, estamos trazendo uma histria de enunciaes anteriores, de outros discursos nos quais ele foi utilizado e, quando um sujeito o enuncia em relao com outros sentidos traz tona, ditos em outros lugares. Se, por exemplo, digo que o escravo ladino estou trazendo enunciaes como: no se pode confiar em ladino, ladino esperto, o ladino convive com a casa grande e a senzala, etc... Portanto, esse, aparentemente simples, adjetivo traz uma rememorao de outras enunciaes ditas em outro lugar e que tem a ver com essa relao que se estabelece entre escravos e donos, senzala e casa grande. Ele traz consigo a memria de experincias passadas que so atualizadas na sua enunciao. A memria, sob a forma do interdiscurso (o que j foi dito em outro lugar), se relaciona com o que est sendo dito em certo momento, ou seja, h uma relao entre o interdiscurso e o intradiscurso ou, como diz Orlandi (1999) entre a constituio do sentido e sua formulao (ORLANDI, 1999, p. 32). Esquematicamente, retomando o afirmado por Courtine (1984) pode-se dizer que o interdiscurso representa o eixo vertical e o intradiscurso o horizontal e no encontro das linhas que dos dois eixos parte encontra-se o sentido. Como uma urdidura se tece o discurso. Existem linhas que sustentam as linhas que sero tecidas, passadas por entre elas. A urdidura sobe e desce de acordo com o desenho que se faz. A linha tecida trar a urdidura, em alguns momentos para a evidncia, mas de acordo com o tipo de tecido, a urdidura no ser visvel e o fio a cobrir, mas ela sempre estar sustentando o tecido.

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Metaforicamente, pode-se dizer que a urdidura o interdiscurso, suas linhas: os discursos e que aquilo que se diz, o intradiscurso o fio que por entre eles passa.

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PARTE 3: Anlise do Corpus

3.1-

Introduo

Propomos, nesse momento da nossa pesquisa, fazer uma anlise do corpus. Pretendemos aqui, observar como se do os funcionamentos

intralingsticos que contribuem para os processos de singularizao e individualizao do escravo e observar como eles se discursivizam. Para isso, inicialmente, observaremos as possibilidades, dentro das Condies de Produo do Corpus que estamos analisando, a significao da fuga do escravo na Sociedade Campineira e procuraremos observar como ela se constitui: no como simples rebeldia, como mais uma ocorrncia, mas como resistncia. Em segundo lugar analisaremos o caso da utilizao do particpio passado fugido em relao com fugitivo e fujo, presentes nas vinhetas dos anncios de fuga e no corpo do anncio. O lugar que ocupa o nome prprio nessa estrutura, visto a partir da proposta terica elaborada no primeiro captulo, ser analisado em terceiro lugar. Finalmente, em quarto lugar, partindo de um mapa das prticas discursivas presentes no nosso corpus, analisaremos as diferentes seqncias.

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3.2O ponto de partida da anlise: a conceituao da fuga como resistncia.

A nossa reflexo a respeito da fuga dos escravos tm incio no texto de Foucault chamado Sujeito e Poder. Nele, o autor afirma que:
Gostaria de sugerir outra forma de prosseguir em direo a uma nova economia das relaes de poder, que mais emprica, mais diretamente relacionada nossa situao presente, e que implica relaes mais estreitas entre a teoria e a prtica. Ela consiste em usar as formas de resistncia contra as diferentes formas de poder como um ponto de partida. Para usar outra metfora, ela consiste em usar esta resistncia como um catalisador qumico de modo a esclarecer as relaes de poder, localizar sua posio, descobrir seu ponto de aplicao e os mtodos utilizados. Mais do que analisar o poder do ponto de vista de sua racionalidade interna, ela consiste em analisar as relaes de poder atravs do antagonismo das estratgias. (M. FOUCAULT 1995, 234) (o negritado nosso)

Apoiados no que afirmado por Foucault, analisaremos a fugas dos escravos na cidade de Campinas entre 1870 e 1876, especificamente aquelas que foram publicadas no jornal Gazeta de Campinas 60. Inicialmente, buscamos definir, neste ponto, o conceito de resistncia que prope Foucault e com o qual trabalharemos para, em segundo lugar, poder verificar a fuga como resistncia e, seguidamente, observar como se articulam as relaes de poder e,

particularmente, observar o processo de subjetivao dos escravos em uma sociedade que os considerava, atravs do enunciado da lei, objetos de direito.

60

Dentre os jornais da cidade de Campinas, os mais importantes nessa poca eram: Gazeta de Campinas, Jornal de Campinas e Dirio de Campinas. Utilizaremos os anncios publicados na Gazeta de Campinas. Os motivos metodolgicos dessa escolha foram: a importncia do jornal na cidade a Gazeta de Campinas era um dos mais importantes jornais distribudos na cidade na poca- a maior quantidade de ocorrncias de anncios de fuga em comparao com os outros jornais - essa maior concentrao nos permite observar os diferentes modos de enunciar sobre o escravo, atravs de diferentes mecanismos discursivos.

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O problema que nos preocupa so os processos de subjetivao dos escravos. Conclumos em nossa dissertao de mestrado intitulada A voz do Dono61, de modo parcial, que o escravo era constitudo como sujeito no fim da sociedade colonial brasileira e que tal constituio podia ser observada nos anncios de fuga dos escravos. Queremos tecer uma hiptese de como esse processo de subjetivao se deu e como ele se discursiviza atravs da imprensa, por meio do anncio de fuga. Para isso, acreditamos necessrio mergulhar no estudo destes processos e para tal escolhemos alguns textos de Michel Foucault, para ento observar seu funcionamento e o arcabouo terico da AD de escola francesa. Os pressupostos que norteiam nosso trabalho resultam da reflexo sobre a escravido no Brasil e que se ope, em vrios momentos, s consideraes que tece a histria tradicional, ou o que Foucault chama de histria global62. De acordo com esta, o papel do escravo na histria do Brasil era extremamente passivo. O escravo era submetido a condies infra-humanas, a um regime econmico sem aparentemente reagir dita situao. Porm, quando recorremos s fontes primrias de pesquisa historiogrfica, nos encontramos com
61

FERRARI, A voz do dono, Dissertao mestrado IEL UNICAMP 2001. Essa dissertao foi publicada com auxilio FAPESP pela Editora Pontes em 2006.
62

Nas disciplinas da histria tem se utilizado os documentos, interrogando-os e se interrogando a respeito deles tentando ver o que queriam dizer ou se diziam a verdade, se eram ou no autnticos, em fim, tentou-se reconstruir a partir do que diziam um passado que emanava deles. Como diz Foucault: Reconstruir, a partir de lo que dicen esos documentos y a veces a medias palabras- el pasado del que emanan y que ahora ha quedado desvanecido muy detrs de ellos; el documento segua tratndose como el lenguaje de una voz reducida ahora al silencio: su frgil rastro, pero afortunadamente descifrable. (FOUCAULT 1970, 9) Porm, Foucault diz que o documento no uma matria inerte a partir da qual se reencontre um passado um feito um dito documento no aquele instrumento afortunado de uma histria que se reduz a simples memria, como considerada pela histria tradicional que se dedicava a memorizar os monumentos do passado para transform-los em documentos fazendo falar essas pegadas o que por elas mesmas no dizem. Hoje, o gesto outro, a histria tenta transformar os documentos em monumentos e que ali donde se tentava reconhecer por seu vazio o que tinha sido, surgem uma massa de elementos que preciso isolar, agrupar, fazer pertinentes, dispor em relaes, construir conjuntos. Foucault afirma QUE ESSE MODO ARQUEOLGICO DE FAZER HISTRIA O QUE EST SURGINDO AO SE FAZER UMA DESCRIO INTRSECA DO MONUMENTO.

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elementos que no deixam de provocar nossa reflexo. Eles so notcias, anncios, cdigos de postura, leis ou processos judiciais nos quais os escravos aparecem de um modo diferente ao sempre ensinado. Eles aparecem fugindo, reagindo, funcionando, se articulando socialmente, eles aparecem vivos e ativos. Os escravos das dcadas de 70 e 80 analisados, aparecem resistindo. Porm, no falamos de movimentos histricos, memorveis como o Quilombo de Zumbi63 ou Jabaquara64 ou dos capoeiras65, que eram movimentos de maiores dimenses e que ganhavam nuances de organizao. Falamos do quotidiano dos escravos, do seu dia a dia, daqueles pequenos momentos e gestos que se articulavam individualmente e que, solitariamente, eram publicados nos jornais. A histria global leu esses anncios durante anos e neles conseguiu ver as marcas dos chicotes, os ferros no pescoo, as correntes nos ps, as tatuagens no corpo, as faltas de dentes e as estatsticas. Porm, alm do sempre
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O quilombo do Zumbi foi uma das maiores agrupaes de escravos fugidos e que mais tempo permaneceu estruturado. Ele tem sua fundao em 1600 e permaneceu sessenta anos. Este quilombo chegou a ter aproximadamente 20.000 habitantes.
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O quilombo de Jabaquara surge na cidade de Santos a fins do Sec. XIX. Ele estava localizado prximo ao porto de Santos e nele conviviam tanto escravos fugitivos quantos imigrantes que, nessa poca chegavam ao Brasil em busca de uma nova vida. (PEREIRA TOLEDO MACHADO 2006) From Slave Revels to strikebreakers: The Quilombo of Jabaquara and the problem of Citizenship in Late-Nineteenth-Century Brazil. Ela afirma o seguinte: Although Jabaquara has often been described as an independent territory apart from the city, where a slave needed only to set foot in order to become free, local histrians of the abolition campaign have always asserted that the quilombo resulted from the active efforts of Santos abolitionists who endeavored to shelter the increasing number of runaway slaves seeking freedom in this Promised Land. Unlike other quilombos in the area such as Pai Felipes community, which had been established by runaway slaves themselves and which in the 1880s was precariously situated on lands in Vila Matias Jabaquara supposedly had been founded by young abolitionists on an uncultivated plot of land belonging to Benjamin Fontana, in order to shelter runaway slaves who, since the late 1870s, had been taking the road to freedom via Cubato, at the foot of the coastal escarpment. (PEREIRA TOLEDO MACHADO 2006, p.251)
65

Holloway (1989) define os capoeiras do seguinte modo: The gymnastic fighting still associated with the term in Brazil today, in the nineteenth century it was used to denote groups or gangs that police authorities in Rio de Janeiro considered a scourge of the city, an activity notorious among young male slaves and the free lower classes. (HOLLOWAY 1989, 637)e mais adiante no texto tambem nos diz : slaves, often interacting in the gangs with members of the free lower classes, could not be expected to develop their own independent mechanisms of solidarity and defense, outside of the patron-client cooptation so common in Brazilian social traditions. (HOLLOWAY 1989, p.648)

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lido podem ser observados outros elementos que nos levam a refletir sobre aquele modo de existncia. No esquecemos aqui o observado nos estudos tradicionais sobre escravido brasileira, muito pelo contrrio, lembramos os tratos que com eles se tinham e observamos a sua resposta nos jornais, nos cdigos de postura municipais, dentre outros documentos escritos e que perduram no tempo. Procuraremos, neste ponto, iniciar uma anlise das fugas dos escravos a partir desta perspectiva de Foucault. Porm, acredito necessrio fazer um pequeno resumo sobre a histria da escravido no Brasil, especificamente, em Campinas no perodo de 1870 a 1880, para logo poder analisar mais amplamente o processo. Encontramo-nos no Brasil do Sculo XIX, especificamente 1870. Ao contrrio dos pases europeus, o Brasil continua sob um regime econmico predominantemente feudal. Os cafezais so um dos principais modos de acumulao e movimento do capital. A mo de obra predominantemente escrava, embora colonos comecem a ser importados da Itlia com o objetivo de substituir, paulatinamente, os escravos, porm, ainda, no muito ostensivamente. Tambm h alguns assalariados, mas no em grande quantidade. Vadios, prostitutas, carroceiros, doceiras, escravos forros so tambm personagens desse quadro do Brasil colonial. Na cidade de Campinas, de acordo com os censos, a populao escrava do municpio tinha crescido significativamente desde 1779. Nesta data, havia somente 156 escravos na cidade, j em 1829, esse nmero cresceu para 4800 escravos. Aps a proibio do trfico africano de escravos em 1850, Lei Eusbio de Queiroz, o comrcio interno de escravos aumentou sendo uma das regies de maior captao de escravos do Oeste paulista. Em 1872, com o auge do caf, a populao de escravos em Campinas aumenta a 14 mil escravos. Esta fase durar at 1881, quando os fazendeiros, com os altos impostos sobre o trfico interno de escravos, voltaram-se mais ainda para a utilizao da mo de obra dos trabalhadores imigrantes. De modo que a cidade de Campinas no perodo compreendido entre 1870 e 1880, se constitui como um dos maiores 141

centros de concentrao de escravos no ltimo perodo deste regime econmico66. Os escravos no estavam somente nas fazendas, eles tambm estavam nas cidades, nas casas dos senhores, onde recebiam tratos diferentes, trabalhando de pedreiros ou marceneiros ou em outro oficio quando eram alugados. Estavam alforriados procurando um modo de sobreviver. Os escravos que moravam nas casas dos senhores usavam roupas de melhor qualidade que as roupas de algodo distribudas nas fazendas, no usavam ferro no pescoo. Os escravos, j nesse perodo, circulavam pela cidade e era habitual encontr-los no chafariz, no armazm, na estalagem, na rua e em vrios outros lugares que os homens livres freqentavam. Os escravos viviam em cativeiro sob o domnio, principalmente, do dono, o qual decidia sobre suas aes. Esse autorizava o escravo a circular e determinava por onde circular. A legislao aparecia como controladora e como regulamentadora das aes do escravo. Este no podia ir legalmente a qualquer lugar a qualquer hora. O dono o mandava executar certa ao, num momento dado e a legislao punia qualquer excesso. O escravo no tinha o poder de decidir nem como, nem quando circular na cidade. Por meio dessas restries, observamos como o processo de subjetivao do escravo (os seus processos de identificao) determinado pelo funcionamento de interdies espaciais, temporais e modais inscritas no discurso da lei. O escravo se constitui enquanto sujeito a partir de uma predicao de movimento (circular pela cidade) determinada por restries temporais, espaciais e modais. Porm, o escravo circulava pela cidade e dita circulao configurava-se como um risco. Uma noo dessa circulao dada pelos Cdigos de Posturas das cidades que regulamentavam o quotidiano da cidade e, nesses, o espao por onde os escravos deviam circular. Um exemplo disso pode ser observado no Cdigo de Postura da Cmara Municipal de Campinas do ano 1864 onde se

66

(SOARES DE MOURA 1998, p. p.35-37)

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estabeleciam o tempo, o espao e o modo como os escravos deviam circular na cidade:


Captulo 7 Art. 60 proibido aos escravos jogarem quaesquer jogo nas ruas, praas, estradas ou em cazas alheias sob a pena de 15$rs. de multa ou 10 aoites a escolha dos Senhores: as pessoas livres que jogarem com escravos ou prestarem suas cazas para isso tero a pena de 30$rs. e 8 dias de prisso. Captulo 9 Disposies Geraes Art. 67 Todo o escravo que for encontrado na rua depois do toque de recolhida, sem bilhete de seo senhor, ser preso, e no dia seguinte entregue a quem pertencer. Art. 68 Todos os donos de tabernas, botequins e armezens que concentrem ajuntamentos de escravos demorados mais tempo do que necessrio para comprarem ou venderem sero multados em 4$rs. E dois dias de prisso: os escravos sofrero 10 aoites e podero ser isemptos pelos senhores, pagando uma multa de 2$rs Art 69 O escravo fugido que for preso sem ordem de seo Senhor, este pagar a quem capturar 8$rs.Se for preso em quilombo sem resistncia 6$rs. E com resistncia 20$rs.

Podemos observar que os escravos, segundo esse cdigo que regula os costumes da cidade, no podiam circular pelas ruas sem o consentimento dos senhores fora dos horrios liberados, no podiam jogar, no podiam comprar bebidas alcolicas, no podiam permanecer em tabernas, armazns e botequins mais tempo do que o necessrio sob pena de punio dele e daquele homem livre com quem ele estiver. H um como, um quando e um onde, que delimitado pelo cdigo que diz sobre o escravo e que nos mostra os lugares, os modos e os momentos em que os escravos circulavam na cidade. Esse espao fsico no qual se movimenta o escravo limita os processos de identificao pelos quais ele se constitui em sujeito. Ele ser escravo, tambm, enquanto freqente os lugares que so permitidos e destinados para ele. Assim, o chafariz, a rua, as lojas, as

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casas so lugares onde o escravo est e escravo porque est nesses espaos e no em outros. Seria impossvel pensar um escravo desacompanhado, sentado na sala ou na sacada da casa, ou na casa de modas, ou ainda sentado no restaurante da cidade, esses lugares, esses espaos sero reservados para os donos de escravos e no para os escravos. Os espaos, os lugares em que se movimenta o escravo o significam. Como diz Zoppi-Fontana quando fala dos espaos da cidade: (...) permite ao sujeito se situar no mundo porque se situa no mundo das significaes, isto , se reconhece num lugar da memria discursiva. (ZOPPI-FONTANA 1997, p.1163). Assim, o espao pelo qual o escravo autorizado a se movimentar constitui parte da realidade com a qual se relaciona. Os espaos esto inseridos dentro de uma discursividade que permitir ao escravo se significar de certas maneiras e no de outras e, desse modo, funcionando como espaos de subjetivao. O sujeito se constitui na sua insero/identificao no espao da cidade delimitado pelo cruzamento de uma memria e um lugar do tecido urbano. (Zoppi-Fontana, 1997). Esse espao permitir ao escravo se significar como tal. Os regulamentos existiam para distribuir, entre outras coisas, os indivduos no espao. A tcnica usada para realizar esse fim consistia na distribuio dos indivduos dentro da cidade. Mostra-se o lugar na srie que os escravos devem ocupar dentro dela para poderem ser controlados. Foucault nos esclarece a esse respeito na sua obra Vigiar e Punir:
La disposicin en serie de las actividades sucesivas permite toda una fiscalizacin de la duracin por el poder: posibilidad de un control detallado y de una intervencin puntual (de diferenciacin, de correccin, de depuracin, de eliminacin) en cada momento del tiempo; posibilidad de caracterizar, y por lo tanto de utilizar a los indivduos segn el nivel que tienen en las series que recorren; posibilidad de acumular tiempo y la actividad de volver a encontrarlos ,totalizados, y utilizables en un resultado ltimo, que es la capacidad final de un indivduo. ....El poder se articula directamente sobre el tiempo; asegura su control y garantiza su uso. (M. FOUCAULT 1976, p. 164)

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Em Cdigos de Posturas de outras cidades tambm encontramos:


Cdigo de Postura de Araeguama, S.P. Art. 126- Todo inspector de quarteiro que em seus distritos consentir escravos fugidos, sem que d parte s autoridades ser multado em 4$rs.Cdigo de Postura de So Simo Art. 127- proibido alugar ou emprestar coisas ou dinheiro a escravos, sem autorizao dos senhores, multa de 10$000 ou prisao por 2 a 4 dias.

A vida pblica do escravo na cidade est deste modo, regulamentada. Aparece, atravs deles, um modo de arrumar, no mnimo, a ordem estabelecida na sociedade. Isso se d porque os regulamentos incluem no s o escravo, mas tambm todo aquele que com ele se relacione, ou seja, o restante da sociedade. Articulam-se dentro da cidade e em relao ao escravo uma srie de regulamentos que regem a vida da sociedade toda, a vida do inspetor de quarteiro, a vida dos comerciantes, a vida do dono da estalagem, do dono do escravo. Um sistema de vigilncia criado: o inspetor de quarteiro, que se ocupa de controlar a ordem nas ruas se ocupa, tambm, de cuidar a legal circulao do escravo. O sistema criado atravs dos mecanismos descritos nos cdigos e nos inspetores visa marcar o lugar que cada indivduo ocupa em seu emprazamento. O espao divide-se, no nosso caso, no por parcelas onde cada indivduo ocupa um espao como nas sociedades industriais da Frana do Sc. XVIII, estudadas por Foucault, mas por classes, espaos para as diferentes classes onde os escravos ocupam certos espaos e circulam em certos tempos ao contrrio dos outros integrantes da cidade/sociedade. Porm, o objetivo dessa partio que toma por objeto a referncia espacial, distribuio o mesmo:
Es preciso anular los efectos de las distribuciones indecisas, la desaparicin incontrolada de los indivduos, su circulacin difusa, su coagulacin inutilizable y peligrosa; tctica de antidesercin, de antivagabundeo, de antiaglomercin. Se trata de establecer las presencias y las ausencias, de saber dnde y cmo encontrar a los indivduos, instaurar las comunicaciones tiles, interrumpir las

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que no lo son, poder en cada instante vigilar la conducta de cada cual, apreciarla, sancionarla, medir las cualidades o los mritos. Procedimiento, pues para conocer, para dominar y para utilizar. La disciplina organiza un espacio analtico. (M. FOUCAULT 1976, p.147)

Assim, atravs dos Cdigos de Postura, instauram-se juridicamente processos de excluso e partio do escravo da/na vida pblica da cidade, processos que atingem (via punio) tambm queles atores sociais que venham por ventura se relacionar com eles. Todos so punidos por infringir as regras estipuladas pelos Cdigos de Postura que eram criados para regulamentar a distribuio da cidade em tempos e espaos. O escravo s pode se relacionar com os outros atravs do senhor ou de um homem livre. Sua relao com o restante da sociedade livre deve ser feita atravs de quem tem o estatuto dos homens livres, como pode ser observado no seguinte recorte:

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Gazeta de Campinas, 9 de maio de 1872

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Nesse anncio mencionam-se as cartas que o dono entregava ao escravo nas quais se dizia a ocupao ou fim ou motivo pelo qual ele circulava. Mas, de fato h alguma coisa funcionando em toda essa

regulamentao. Se o escravo tranqilamente circulasse pela cidade sem interagir com as outras camadas da sociedade como os pobres livres e os alforriados, e se ele no tivesse atitudes que provocassem ou colocassem em risco ou afrontassem o sistema socioeconmico estabelecido, no haveria necessidade de regulamentos. Se o escravo estivesse amarrado, acorrentado, imobilizado, no haveria necessidade de regulamentos institucionais que probam ou marquem o lugar de cada um.

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O anncio acima se transcreve assim:ESCRAVO FUGIDO-Fugiu no dia 15 do corrente, da fazenda do dr. Araujo, no Amparo, onde se achava a ttulo de venda, o creoulo Jos, com os signaes seguintes: pardo, cabellos grenhos e quase vermelhos, cara fina e alegre, muito prosa e ladino, de 14 annos de idade, baixo, e tem um p sahido mais para fora. Anda montado, em um burrinho pangar, velho, em um lombilho novo e anda com cartas dirigidas ao mesmo dr. Dizendo que est a seu servio. Quem o apreender e entregar a seu senhor Ildefonso Antonio de Moraes, ser gratificado, e protesta-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutar.

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De fato, os escravos tinham certa mobilidade na cidade. Os regulamentos surgem para evitar e controlar vrias situaes que se davam na cidade com certa freqncia e decorriam dessa mobilidade. Os escravos jogavam, bebiam, ficavam nas ruas, pediam dinheiro emprestado, interagiam, tinham relaes com os outros habitantes da cidade e tinham amigos. Eles entravam nas casas dos escravos forros e com eles conversavam, confabulavam, fugiam, resistiam. Os escravos fugiam dos donos como pode ser lido nos jornais onde era anunciada a fuga:
Gazeta de Campinas, 25 de outubro de 1874
68

68

O anncio se transcreve da seguinte maneira: 100$000RS-DE GRATIFICAO-D Jos de Barros Penteado, a quem capturar e entregar nesta cidade ao declarante, ou depositar em qualquer cada fora deste municpio, o seu escravo Mathias, de 22 annos de idade, mais ou menos, estatura regular, cor preta, tocado a fula, rosto comprido, bonita feio, com falta de dente, buo serrado, tendo um signal como corte no beio superios, bastante altivo, falla bem, crioulo da Bahia, cujo sotaque de falla ainda conserva, tem os ps bem direitos. Fugiu com ferro no pescoo e pega nos ps, e tem signaes muito frescos de castigo que soffreu em conseqncia de sentena do jri.-Campinas, 18 de Outubro de 1874

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Gazeta de Campinas, 9 de maio de 187269

Gazeta de Campinas, 15 de agosto de 187470

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A transcrio deste anncio : Na noite de 25 para 26 de Maro p.p., fugiu de casa de Diogo Antonio de Souza Castro, o escravo de nome Geraldo, pertencente ao espolio do finado sbdito portuguez Joo Baptista Pereira Camacho, cujo escravo tem os signaes seguintes: estatura regular, delgado de corpo, rosto comprido, com falta de dois dentes do lado esquerdo, com uma pequena cicatriz na fonte do lado esquerdo, falla bem, tem por todo o corpo signaes de chicotadas, e j foi surrado, tem signaes de ventosas no peito, ps compridos e bem feitos, na perna direita tem uma ferida. crioulo. Tem de idade de 26 a 28 annos. pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro. Este escravo foi arrecadado por esta agencia consular de Portugal, em Campinas. Quem o aprehender e trouxer em Campinas a esta agencia, ou delle der notcias certas ser bem gratificado.Campinas, 4 de Abril de 1872.O agente consular, Joaquim Candido Thevenar.
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A transcrio a seguinte:-RS 30:000 -Fugiu no dia 30 do mez de Julho Jos Maria da Costa Wilck, o escravo Joo, com os signaes seguintes: bem preto picado de bexigas, pouca barba no queixo, muito baixo e fino de corpo, idade 27 annos, crioulo. Fugiu com uma pega em um p, e tem signaes no pescoo de ferro. Acha-se matriculado na Collectoria desta cidade com o n. 2261 de ordem na matricula de n. 15 de ordem de relao. Protesta-se contra quem lhe der couto. Quem o pegar e entregar a seu senhor ou ao Sr. Francisco de Araujo Roso, receber a quantia acima.Campinas, 5 de Agosto de 1874.

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As fugas ora eram individuais, ora grupais. Os escravos fugiam das cidades e das fazendas e os motivos eram muitos, porm no nos deteremos neles e sim na observao do funcionamento dessa sociedade, especificamente, na relao entre donos e escravos. Mas podemos afirmar que a fuga em si um acontecimento singular que provoca uma escrita atravs da qual o escravo subjetivado. Alm das fugas encontramos outros acontecimentos que se davam como resistncia, como pode ser lido neste relatrio do Ministrio de justia.

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Nele podemos ler um conhecimento da lei e dos direitos por parte dos escravos. J em 1871 os escravos no somente conheciam seus direitos como tambm tentavam faz-los valer. De acordo com Foucault, para haver resistncia deve existir uma relao de poder e para existir uma relao de poder devem ambas as partes, serem livres. O autor afirma, reiteradas vezes, que nas sociedades feudais, especificamente na relao do escravo com o dono, no h relao de poder, embora exista um porm; como podemos ler na continuao,
No h relao de poder onde as determinaes esto saturadas a escravido no uma relao de poder, pois o homem est acorrentado (trata-se ento de uma relao fsica de coao) mas apenas quando ele pode se deslocar e, no limite, escapar. (M. FOUCAULT 1995, p.244) (o grifo nosso)

justamente neste ponto que nos detemos para pensar a fuga, para pensar a fuga como resistncia, como confronto e como exerccio de poder sobre si, por parte do escravo, e perdida do exerccio de poder sobre o outro, por parte do dono, como claramente surge no relatrio que lemos acima. Embora seja definido por Foucault que nas sociedades feudais predominam as lutas contra a dominao tnica ou social, o que realmente pode ser pensado na sociedade escravista brasileira, a sociedade brasileira colonial tinha algumas caractersticas diferentes. Nela, os escravos no estavam sempre e, via de regra, acorrentados. Eles tinham, fisicamente, certa mobilidade, certas possibilidades de se deslocar, que pode ser observada nos cdigos de postura. Eles tinham certo conhecimento da lei que os legislava e isso pode ser observado nos relatrios. Se os escravos tivessem estado acorrentados no se precisariam cdigos para marcar o lugar que ocupam na cidade, nem seriam relatados os eventos nos quais exigem seus direitos. No seria necessrio, portanto, a palavra escrita para marcar o lugar, s bastaria o chicote. Sendo que eles andavam soltos podemos pensar que eles, potencialmente, fugiam. Eles podiam se deslocar e no limite fugiam. E de fato isso acontecia com certa freqncia.

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As fugas dos escravos podem ser entendidas como resistncia que desarticula uma forma especfica de poder, atravs de um exerccio da liberdade, por parte do escravo, que deve ser sufocado sob pena de desestabilizar o sistema vigente, e tambm porque esses exerccios de liberdade
...questionam o estatuto do indivduo: por um lado, afirmam o direito de ser diferente e enfatizam tudo aquilo que torna os indivduos verdadeiramente individuais. Por outro lado, atacam tudo aquilo que separa o indivduo, que quebra sua relao com os outros, fragmenta a vida comunitria, fora o indivduo a se voltar para si mesmo e o liga sua prpria identidade de um modo coercitivo. (M. FOUCAULT 1995, p.235)

A fuga, a resistncia que se evidencia a partir da fuga, torna o escravo um indivduo singular, e dito estatuto pode ser observado nos anncios de fuga, que o lugar onde publicamente o escravo falado. O escravo, quando foge, reclama seu direito, e evidencia a real existncia da sua liberdade negada pelo sistema no qual est inserido. Essa fuga, esse modo de contestar, de resistir a um exerccio de poder publicado no jornal, escrito. Essa fuga ataca aquilo que separa o escravo do restante da sociedade e o anncio da mesma um dos elementos que tambm possibilitaro a mudana social que acontecer j quase no final do sculo, quando a escravido ser abolida. Procuramos observar a partir de uma tica foucaultiana, os anncios de fuga de escravos publicados em Campinas entre 1870 e 1880. Tambm utilizamos os Cdigos de Postura de Campinas e outras cidades para auxiliar a anlise das fugas e sua leitura atravs do prisma do texto Sujeito e Poder, assim como tambm utilizamos os relatrios do ministrio de justia e anncios classificados publicados no jornal. Conclumos que na fuga, justamente ou especialmente nesse momento, o escravo coloca-se de modo ativo em relao com o seu Senhor e o contesta, resiste. Dita resistncia, como podemos observar em vrios momentos da histria do Brasil, no ser organizada nem responder a

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uma instituio especifica71. Esta fuga, assim como outras expresses de resistncia ou de atitude contrria ao regime escravista como podia ser o aborto provocado pelas escravas que no admitiam trazer ao mundo filhos escravos ou, como pode ser visto em outros casos e que foi, vastamente, relatado pelos antroplogos, o baixo ndice de natalidade entre os escravos relacionado com o uso de mtodos anticoncepcionais pelas escravas, era parte da vida quotidiana do perodo colonial. Esses eram modos de resistir, eram algumas das estratgias utilizadas. A resistncia, como afirma Foucault, uma luta contra o governo da individualizao 72. Ela a oposio aos efeitos relacionados ao saber que ignora quem somos e que tambm determina quem somos. Elas so uma tcnica, uma forma de poder. Dita forma de poder faz dos indivduos sujeitos, sujeitos a algum pelo controle e dependncia, ou seja, sujeitos sua prpria identidade por uma conscincia. Ela torna os indivduos, SUJEITOS A. Os senhores prendiam os escravos, os confinavam em senzalas, os castigavam com ferro no pescoo quando fugiam ou aplicavam chicotadas a modo de castigos exemplares, e ainda estupravam as escravas. Enfim, a violncia era usada como instrumento dessa relao de poder, como exerccio costumeiro, embora tambm, em outros casos, a procura do consentimento do escravo tenha existido73. Os senhores submetiam os escravos a seu poder atravs de diferentes
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No podemos deixar de falar nos quilombolas como modo de resistncia. Porm, de acordo com Prado Jr. Eles se formavam e dissolveram repetidas vezes ao longo da histria brasileira e diferentes pontos do territrio nacional, portanto no podem ser consideradas organizaes estveis. Isso, de fato, no resta importncia a esses movimentos de resistncia por excelncia.
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Depois de definida a resistncia, o autor nos dir que existem trs tipos de lutas que podem ser diferenciadas e a partir das quais podem ser observadas as diferentes formas de resistncia, a saber: a. contra as formas de dominao (tnica, social e religiosa); b. contra as formas de explorao que separam os indivduos daquilo que produzem; c. contra aquilo que une o indivduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros (lutas contra a sujeio, contra as formas de subjetivao e submisso). (M. FOUCAULT 1995, 235)
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d.

Para observar um caso de busca de consentimento pode-se recorrer ao livro Bares e Escravos do Caf de Sonia SantAna onde se relata a histria de escravos como a negra Laura que foi companheira de um Baro de caf do Vale da Paraba ou alguns dos casso relatados em Casa Grande Senzala de Gilberto Freire

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modos de controle e elaboravam-se estratgias para a manuteno desse sistema, porm os escravos resistiam e procuravam no serem sujeitos AO dono, e uma das estratgias para atingir tal fim era a fuga. A fuga que era escrita nos jornais pelos prprios donos. Paradoxalmente, chega-nos at hoje, relatado pela boca do dono atravs da escrita no jornal, a constituio do escravo como sujeito prpria identidade. Chega-nos escrita (descrita) de uma estratgia de resistncia tenaz. Cabia ao escravo se movimentar em um espao controlado, num tempo delimitado e de modo definido, cabia ao escravo ficar sob o mando do dono, sob a fora do chicote, porm, os escravos fugiam, resistiam, sem permisso.

3.3-

Fugido VS Fujo

A partir da idia de que os escravos no sculo XIX resistiam sua condio e que desse gesto provoca-se uma escrita que evidencia a emergncia de um novo estatuto para estes atores sociais, passaremos agora a analisar, de modo detalhado, os espaos discursivos nos quais ela aparece. Iniciaremos, assim, o estudo por uma das primeiras estruturas que so observadas nos anncios e que pode se considerar o ponto de partida da anlise centrada na materialidade lingstica. Ela a utilizao reiterada do particpio passado FUGIDO nas vinhetas e no corpo dos anncios. Mas para iniciar a anlise de tal uso recorreremos aos dicionrios da poca. Assim sendo, inicialmente faremos uma contextualizao sobre as condies de produo do saber mobilizado pelos
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No podemos deixar de falar nos quilombolas como modo de resistncia. Porm, de acordo com Prado Jr. Eles se formavam e dissolveram repetidas vezes ao longo da histria brasileira e diferentes pontos do territrio nacional, portanto no podem ser consideradas organizaes estveis. Isso, de fato, no resta importncia a esses movimentos de resistncia por excelncia.

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dicionrios para depois analisar a posio de cada um e finalmente chegar a uma concluso ao respeito. O Sculo XIX no Brasil foi um perodo marcado por grandes mudanas, como afirmamos acima. Alm de ser atravessado pelo problema da escravido, em torno do qual vo girar fortes discusses jurdicas, econmicas e polticas; ele vir acompanhado de uma discusso sobre a lngua nacional, uma lngua distinta dos portugueses. Procura-se o novo modo de significar a lngua, agora j num momento histrico outro, separado do Portugal. Esse outro remete procura de um diferencial, aponta para a existncia de uma heterogeneidade deslocando-se do pressuposto de um saber homogneo sobre a lngua portuguesa e brasileira. A partir desse momento, Brasil diferencia-se de Portugal e um dos modos de evidenciar dita distino o inicio de um processo novo de gramatizao um novo elemento constitutivo deste outro espao de produo lingstica (ORLANDI e GUIMARES 2001, p.24) Diz Orlandi:
Ocorre, no perodo, uma proliferao de trabalhos intelectuais com nfase em trabalhos lingsticos e literrios em linhas tericas opostas s desenvolvidas no Portugal. Dentre os autores de gramticas, dois se destacam as de Julio Ribeiro e Joo Ribeiro. Um filiado gramtica filosfica pertencente corrente naturalista e o outro pertencente linha da gramtica histrica. Embora um dos primeiros trabalhos relativos ao lxico do Brasil e do Portugal foi o do Visconde de Pedra Branca de 1824-5, que foi desenvolvido anos depois por grande numero de lexicgrafos brasileiros, a tarefa de Pacheco e Silva se destaca j que ele observa o lxico do Brasil a partir dele mesmo, ou seja, ele se dirige a Brasileiros. (ORLANDI e GUIMARES 2001, p. 32)

A partir da anlise dos gramticos acima mencionados, no texto de Orlandi e Guimares, pode ser observada a construo de um saber sobre a lngua (ORLANDI e GUIMARES 2001, p.32) e no simplesmente de uma histria ou sucesso anedtica de autores de gramticas e dicionrios.
O portugus o que, a partir de sua memria, reconhece as coisas, os seres, os acontecimentos, e os nomeia. Encontramonos em uma situao enunciativa de transporte da situao enunciativa portuguesa (situao I). Mas como estamos no Brasil,

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este deslocamento fora outros contornos para a enunciao.

(ORLANDI e GUIMARES 2001, p. 33) Nesse portugus transportado se estabelecero diferentes relaes referenciais e comear a ser construdo um novo espao de interpretao com deslizamentos, efeitos de sentido e metafricos diferentes aos de Portugal criando-se a situao enunciativa nova (situao II). O portugus brasileiro uma historicizao singular, efeito da instaurao de um espao-tempo prprio, diferente do de Portugal (ORLANDI e GUIMARES 2001, p. 34) H uma constituio do sujeito brasileiro no perodo estudado, um sujeito que no s tem uma lngua, mas tambm a conhece e a prova disso encontra-se nos estudos da lngua brasileira. Considera-se, pois, que h um saber propriamente do Brasil, o que outorga e sustenta aos discursos independncia deste pas em relao ao Portugal. Para entender dito fenmeno, retomamos Orlandi (1994) quando prope o conceito de heterogeneidade lingstica:
Consideramos, pois, a heterogeneidade lingstica no sentido de que joga em nossa lngua um fundo falso em que o mesmo abriga, no entanto, um outro, um diferente histrico que o constitui embora na aparncia da mesmidade: o portugusbrasileiro e o portugus-portugus se recobrem como se fossem a mesma lngua, mas no so. Produzem discursos distintos. Significam diferentemente (ORLANDI 1994, p. 31)

Um dos lugares onde podem ser observados esses discursos distintos em funcionamento no dicionrio. Neles podemos observar o movimento da produo do saber lingstico de determinado perodo, no nosso caso especfico, na segunda metade do sculo XIX. No que se refere a esta anlise em particular, o centro de nossa ateno estar colocado naquelas palavras relacionadas ao que poderamos denominar vocabulrio da escravido
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. Observaremos, ento,

Tal estudo foi sugerido pelo Prof. Jos Horta Nunes em 2001 a partir de um trabalho inicial efetuado na nossa Dissertao de Mestrado o qual tem, hoje, sua continuao. O vocabulrio da escravido, como o demos em chamar, surge a partir de uma prtica social, poltica e econmica especfica e traz as marcas de um exerccio de poder vigente desde 1530 no Brasil, aprox., quando foram trazidos os primeiros escravizados africanos. Nas palavras que

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como se dicionariza o mencionado vocabulrio produzindo discursos, veremos como ele se manifesta nos textos dos verbetes e faremos uma anlise das relaes entre os termos nos discursos ou dicionrios. Faremos, neste apartado, uma anlise dos termos fujo, fugido e fugitivo, atravs da histria, dos dicionrios que circulavam na poca do Imprio at aps a abolio da escravido. Nosso interesse centra-se na observao de dito termo j que ajuda-nos na reflexo sobre a constituio do escravo enquanto sujeito social no final do Sc. XIX.75 Para tal, observaremos os seguintes Dicionrios: Dicionrio da Lngua Portugueza de Antonio de Moraes Silva, Editado pela Typographia Lacrdina em 1813, Portugal, cuja primeira edio data de 1789; Novo Diccionario da Lngua Portugueza de Eduardo de Faria, Editado pela Typographia Imperial e Constitucional em 1859 em Rio de Janeiro; e finalmente Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa de Caldas Aulete, Editado em parceria com Antnio Maria Pereira em 1948, Lisboa, primeira edio de 1888 e segunda edio publicada 40 anos depois.

3.3-1. Dos Dicionrios

Os dicionrios so considerados, pela Anlise do Discurso, como objetos vivos, partes de um processo em que os sujeitos se constituem em suas relaes e tomam parte na constituio histrica das formaes sociais com suas
compem o vocabulrio, podemos observar a contradio entre o uso das mesmas e a iluso de uso pelo dicionrio. Chamamos iluso de uso viso parcial que o dicionarista mostra no verbete.
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Como mencionado acima, partimos do pressuposto de que o escravo em este perodo resiste no sentido foucaultiano do termo. O escravo constitui-se, nesse momento, como sujeito prpria individualidade e no a domnio do dono e essa constituio do escravo que afronta o sistema escrita e publicada nos jornais quando o dono reclama o escravo fugido. A partir da voz do dono se evidencia a constituio do escravo enquanto sujeito. Essa evidencia resulta contraditria dentro da formao discursiva escravagista.

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instituies, e sua ordem cotidiana. (ORLANDI e GUIMARES 2001, p.8) Observa-se, na apario destes termos, a construo/produo do saber metalingstico atravs da sua presena nos Dicionrios o que nos leva pensar na construo de objetos histricos, como conseqncias sobre as polticas de lnguas. (ORLANDI e GUIMARES 2001, p.8) O olhar sobre o discurso lexicogrfico tem como um dos seus objetivos a observao da elaborao de dicionrios da lngua. No entanto, que implica a elaborao do dicionrio de uma lngua? Na elaborao de um dicionrio, o dicionarista tem a iluso de poder abarcar todos os vocbulos e palavras utilizadas legitimamente pelos falantes da mesma. Consideraremos, portanto, dois elementos nesse gesto: a- A questo da legitimidade: quais so as palavras que podem formar parte de um dicionrio e quais so as que no podem pertencer a ele. So todas as palavras que se incluem ou s algumas. Sendo s uma parte: Qual parte? Que significa esse gesto? b- Por outro lado observamos que nesse gesto fundador de um dicionrio, o dicionarista acredita que, o que ele escreve, s pode ser dito desse modo e que ele totalmente objetivo nesse ato. Duas iluses marcadas por Pcheux na teoria dos dois esquecimentos. 76

76

A Teoria dos dois esquecimentos de Pcheux diz o seguinte:Concordamos em chamar esquecimento N2, ao esquecimento pelo qual todo sujeito-falante seleciona no interior da formao discursiva que o domina, isto , no sistema de enunciados, formas e seqncias que nela se encontram em relao de parfrase um enunciado, forma ou seqncia, e no outro, que, no entanto, est no campo daquilo que poderia reformul-lo na formao considerada. Por outro lado, apelamos para a noo de sistema inconsciente para caracterizar outro esquecimento o esquecimento N 1, que d conta do fato de que o sujeito-falante no pode, por definio, se encontrar no exterior da formao discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento N 1 remetia, por analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que como vimos- esse exterior determina a formao discursiva em questo. (PCHEUX 1997, p. 173)

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Alem dessas observaes Horta Nunes (1996) nos alerta a outros dois modos de olhar o discurso lexicogrfico: a- o primeiro modo aquele que coloca o lxico como o representante de uma lngua, portanto nossa primeira pergunta se redimensiona: quais so as palavras que formam parte de uma lngua, nesse caso a lngua brasileira; e
b- as seqncias lexicais circulam em outros lugares que no somente o dicionrio, de modo que se pode observar o dicionrio como um dos mbitos onde podem se observar discursos com variaes, incongruncias e contradies; diferentes modos de dizer o lxico (HORTA NUNES 1996, p.14)

Assim, o estudo de um instrumento lingstico como o dicionrio, a partir de uma perspectiva discursiva, implica um trabalho no qual a histria e a sociedade ocupam um lugar fundamental. No considerando somente o saber de uma palavra em si mas tambm como esse saber foi re-significado atravs da histria. De acordo com Oliveira (2004), o dicionrio, enquanto descritor das lnguas, produz um prolongamento do saber lingstico do falante que no somente o estende seno que tambm o transforma. Dita transformao de saber poltica no sentido em que ela se evidencia como uma produo de uma normatividade sobre a lngua. A autora afirma que
O dicionrio, como normatividade, divide o real da lngua para compor sua unidade que, no caso da lngua portuguesa, a unidade de lngua de Estado, de lngua nacional. (ELIAS DE OLIVEIRA 2006, p.18)

Portanto, h vrios elementos que se conjugam ao tomar o dicionrio como objeto de estudo. Juntam-se a eles uma iluso referencial provocada no ato de definir (ou seja, de transformar vocbulos em lexemas) atravs da qual se naturaliza a relao entre palavras e coisas colocando como evidente o sentido das mesmas. 159

As definies, por sua vez, so universalizadas o que produz um efeito de sentido a partir do qual no existe sujeito emissor do enunciado. Essa relao natural entre sentido e coisa no pertence a ningum mais do que ao objeto que define, fora de toda determinao scio-histrica. O dicionrio surge tambm, a partir desses elementos, como uma instituio de saber, do saber sobre o significado certo das palavras. A partir do seguimento de uma palavra podemos observar tambm as mudanas nos modos de dizer de uma sociedade relacionada com um espao discursivo especfico: o da escravido. O dicionrio configura-se como um espao de memria de um corpo scio-histrico, de traos discursivos. Os dicionrios estudados correspondem ao que Horta Nunes (2001) denomina terceiro e quarto momentos na histria do saber lexicogrfico do Brasil. O terceiro momento estaria representado pela apario do primeiro dicionrio monolnge de portugus escrito por Moraes da Silva em 1789. J o quarto estaria constitudo por aquelas obras que, vieram aps o dicionrio de Moraes, e representam a produo de dicionrios de um saber sobre a lngua portuguesa claramente brasileiro. Nosso interesse no estudo de vocbulos que pertencem a dicionrios desse perodo especfico surge pela possibilidade de observar como se constitui a imagem do escravo na sociedade brasileira do Sc. XIX.

3.3-1.1. Moraes Silva.

No perodo estudado o principal dicionrio monolnge de portugus era o dicionrio de Moraes da Silva. Essa obra foi elaborada pelo brasileiro Antnio Moraes Silva em 1789 e teve vrias reedies e acrscimos at 1949

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tendo todas suas edies esgotadas. A edio escolhida foi realizada em vida do autor. Nela conjugam-se tradio brasileira e portuguesa, tomando como base a obra de Rafael Bluteau de 1712 denominada Vocabulrio Portugus e Latino. Encontram-se neste, definies e comentrios em portugus que so retomados por Moraes Silva na elaborao do seu Dicionrio. Ele reduz as definies e exclui comentrios etimolgicos, explicaes, citaes e traduo latina elaborando um volume que contm vocbulos s em portugus. O dicionrio de Silva resumir os dez volumes de Bluteau a somente dois alegando que o mesmo foi melhorado. Moraes afirma ao respeito:
Acompanhei este estudo com os auxlios de Bluteau, que achei muitas vezes em falta de vocbulos, e frases, e mui freqentemente sobeje em dissertaes despropositadas, e estranhas do assunto, que fazem avolumar tanto a sua obra. Este ltimo reparo me animou a escolher para meu uso tudo o que ele traz propriamente portugus, deixando somente os termos da Mitologia, os da Histria antiga, e das lnguas vivas. E ainda eu quisera omitir muitos vocbulos de cargos, ofcios, navios, e outras cousas da sia, e Etipia, que vem nas Histrias daquelas partes, explicadas a mesmo pelos autores, e de que ningum usou depois: mas receei que me acusassem dessa omisso e l os conservei (Moraes 1789: Prlogo do Leitor op.cit. (HORTA NUNES 1996, p.191))

Horta Nunes (2001) diz que:


...a passagem de Bluteau a Silva remete ao jogo entre o dicionrio de lngua e o dicionrio enciclopdico. nesse jogo que se estabelece o enunciado definidor em lngua portuguesa (HORTA NUNES 1996, p.79)

A relevncia do Dicionrio de Moraes que a partir dele assenta-se a forma enunciativa do enunciado definidor nos seus verbetes. A sintaxe desse enunciado determina, de certa maneira, a posio do lexicgrafo no discurso. No enunciado definidor, de acordo com Mazire (1989) nos chegam a evidncia s representaes e s posies assumidas pelo autor dentro de uma determinada instituio e desse campo epistemolgico.

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Embora

Moraes,

em

relao

Bluteau

aparea

com

um

enciclopedismo mais atenuado, o dicionrio de Moraes reflete uma imagem do mundo do qual o leitor brasileiro se sente formar parte de modo diminudo e no meio de outras alteridades. Horta Nunes afirma que este fato se da porque a universalizao da definio de Moraes carrega os traos da historicidade da tradio portuguesa. A reao nacionalista no tardaria, com os dicionrios de brasileirismos. (HORTA NUNES 1996, p.195)

3.3-1.2. Eduardo Faria.

O Novo Dicionrio da Lngua Portugueza (o mais completo de todos os diccionarios at hoje publicados) foi publicado em 1859 por Eduardo de Faria moo fidalgo com exerccio da casa de sua Magestade Fidelssima e cavalleiro nas ordens de Christo e de Nossa Senhora da Conceio de VillaViosa e impresso no Rio de Janeiro pela Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e C. Desde o comeo do prefcio o autor diz que um dicionrio uma obra indispensvel para conhecer o pensamento de uma nao. Levado pelo desejo de servir ptria, Faria escreve o dicionrio filiando-se, j nas primeiras palavras, a uma tradio que se pretende em construo que reforada nas frases seguintes. O autor nos diz:
Tenho a convico de que na publicao deste livro fao um grande servio, porque, sendo os dous principaes Dicionrios Portuguezes muito faltos de termos, em vo que muitas vezes se recorre a elles. O do Padre R. Bluteau, apezar de muito desenvolvido, nem sempre exacto; o de Moraes mais rico em termos, porm ambos esto longe de se poderem chamar completos. (FARIA 1859, p. III)

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Deste modo o autor coloca-se como aquele que vem prestar um servio nao elaborando um dicionrio completo. Mas onde reside a incompletude das duas obras mencionadas? Por qual motivo Faria ousa dizer isso dos dois principais dicionrios do perodo? O Dicionrio elaborado por Farias considerado pelo seu autor como atual e atualizado, por esse motivo o titula NOVO Dicionrio, ou seja, ele renovado. Sua renovao consiste no aumento e reforma dos termos que acompanham as mudanas que ocorrem na linguagem das cincias e dos ofcios que crescem naturalmente com a linguagem. O autor decide os vocbulos que devem compor a lngua brasileira descartando todos aqueles elementos que considera desnecessrios. Assim, dedica-se tarefa de fazer de todos os dicionrios um ou UNO que possua todas as palavras que todos os outros dicionrios contm, suprindo as deficincias entre um e outro, fazendo os recortes precisos em questes consideradas suprfluas e os acrscimos certos quando necessrio. Tambm Moraes afirma ter recorrido a enciclopdias e tratados de cincias alm de colocar a cada palavra sua respectiva qualificao, ou seja, antiquado, pouco usado, etc. O autor colher as palavras das ruas, das cidades, atravs do contato com as pessoas e os ofcios onde, segundo ele, reside sua riqueza e se afastando da simples colheita em obras literrias e na cincia. Riqueza que colocada em oposio erudio que mostrada como um empecilho para o progresso no conhecimento da lngua. Ele declara a ortografia como incerta e inconstante escolhendo como guia aquelas caractersticas que esteticamente seriam mais simples, regulares e formosas. Faria afirma que no dicionrio todas as classes da sociedade deviam estar representadas (FARIA 1859, IV) colocando o uso e constituio do dicionrio como uma questo social. Diz o autor que o Dicionrio de uma lngua, esse primeiro livro de toda a nao civilisada, o livro de toda a gente. (FARIA 1859, IV)

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Coloca-se, tambm, um interessante conceito de lngua. A lngua no exclusivamente destinada a expressar as operaes do esprito e os movimentos do corao: serve tambm para expremer a extenso da aco do homem sobre o universo que Deus lhe deu por domnio. (FARIA 1859, IV) H muitos pontos na fala de Faria que podem ser entendidos atravs da histria, especificamente, da situao poltica brasileira do momento. Desse modo, no podemos esquecer que o dicionrio em questo enunciado da posio do Imperador, D. Pedro II, como mencionado na capa do volume. Ele enunciado da posio do Imperador e est a servio da Ptria, a obra escrita por um fidalgo ao servio de D. Pedro para servir Nao. A Nao qual se refere o autor Brasil, embora seja um tanto confusa a nomeao relativa lngua, que continua sendo nomeada portuguesa. No h uma idia explcita da mesma nem uma separao clara da lngua falada em Portugal, como ocorre com outros dicionrios da poca que somente compilaro vocbulos brasileiros distintos dos portugueses. Faria coloca-se claramente na posio de autor de um livro, especificamente de um dicionrio que , segundo ele, o arcabouo do conhecimento da lngua de uma nao. Coloca-se como autor porque no s transcreve como l, interpreta, opina, acrescenta e corta, ele quem escreve e no a lngua que existe por si e as mudanas feitas so em nome da Nao e de uma lngua atual, nova ou renovada. Claramente, Faria desenha um sentido especfico para a lngua portuguesa escrita no seu dicionrio, seu sentido. Mais adiante, na introduo, o autor continua delineando o que ele definir como lngua. Afirma que:
Para formar uma lngua preciso uma conveno mais difficil, que estabelece a forma por que devem ser empregadas as palavras na composio da orao. , pois a syntaxe que essencialmente constitue uma lngua, que lhe d um caracter prprio. (Faria; 1859 p. V)

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Mas esse carter prprio est desenhado pela mo que a corta, que a desenha que decide o suprfluo dela. Faria coloca-se como o autor do dicionrio e a marca dessa autoria tambm aparece em algumas definies, como a que colocamos a seguir:
Crioulos. m. (de criar) preto escravo nascido em casa do seu senhor; animal, cria que nasce em nosso poder. (FARIA 1859, p. 959)

A marca do nosso indiscutivelmente do autor que escreve a partir de uma determinada posio social, uma posio feudal.

3.3-1.3. Caldas Aulete

A primeira publicao do Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete foi em 1888. Uma curiosidade inicia este volume. Ela encontra-se na sua autoria, outorgada ao Prof. Caldas Aulete que faleceu, de acordo com o prefcio da 2 edio, no inicio do projeto nem mesmo tendo conseguido finalizar a letra A. A partir desse momento a direo da obra passa ao Dr. Antnio Lopes dos Santos Valente, que era latinista, helenista, poeta, fillogo, e profundo conhecedor do idioma ptrio
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um Humanista, na verdadeira acepo do termo. (CALDAS AULETE 1948, 3) Ele contou com vrios colaboradores para levar adiante sua tarefa o que evidencia uma forte polifonia nos verbetes desse volume. Em 1935, ano da segunda edio do dicionrio, parte dos autores da primeira edio tinha desaparecido e a direo do mesmo passou a Jos C. da Silva Bastos. Ele fez uma reviso dos termos, adaptou, atualizou e ampliou. O dicionarista contou com a ajuda de amigos das
77

O RESSALTADO NOSSO

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letras das Provncias de Portugal, dos Estados de Brasil, que colaboraram com vocbulos ainda no registrados nos dicionrios. Evitaram-se vocbulos de emprego raro ou obsoleto, assim como vocbulos estranhos. Um exemplo disso observa-se no seguinte trecho:
Um exemplo: suponhamos que um dicionarista, na alheta de Tefilo Braga, introduzia no seu lxico a palavra ledino e cantar de ledino . Felizmente assim no sucedeu, pois teria dado guarida a uma das extravagncias de que aquele polgrafo era useiro e vezeiro. Um verso do Crisfal reza assim: Cantar cantou delle dino O que queria significar digno dele; mas nalgumas edies l-se: Cantar cantou ledino; Vai da, Tefilo Braga, com a sua caracterstica leviandade literria, ala-se muito ancho, a improvisar, a discpulos e leitores cantos de ledino, como constituindo um novo gnero na nossa literatura. O que levou o Sr. Dr. Leite de Vasconcelos, desfazendo com o seu critrio e saber aquela sedutora nuvem a observar: Se ao tempo existisse uma edio boa os crtica daquela cloga, j o finado histriador da nossa Literatura no incorreria no erro em que incorreu. (Caldas Aulete, 1948p.6)

De modo que no texto instaura-se uma crtica forte ao trabalho ligeiro de alguns dicionaristas desse perodo e, a partir desse momento, coloca-se a reduo do dicionrio em questo como acima de este tipo de suspeitas. Neles no somente esto as palavras que so ditas no portugus do Brasil, um Portugus diferente, onde tambm esto as palavras que de fato, realmente

existem nessa lngua que esta sendo constituda no dicionrio. No se trata de uma lngua inanimada ou intuda por um lexicgrafo. Nesse ponto encontramos j uma diferena com os dois dicionrios anteriores. Ele no cria novos vocbulos nem re-interpreta aquilo que no reconhece como prprio. Ele s tem nas suas pginas palavras claramente brasileiras.

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Silva Bastos afirma que um dicionrio sempre incompleto porque ele parte do pressuposto de que a lngua vive e, portanto, muda. Pode ser observado nessa afirmao um naturalista que considera a lngua enquanto organismo vivo.

3.3-2. Olhando o Fujo

Observaremos, neste ponto, os deslocamentos que o termo fujo sofre atravs do tempo e sua remisso ao termo fugio de acordo apresentado no quadro a seguir:
Moraes da Silva (1813) Eduardo Faria (1859) Fugio. de (1948) V. Fugio, adj. Diz-se do escravo vezeiro a fugir ao senhor. ||F. r. Fugir. Caldas Aulete 3 Ed.

Fugio, adj. Escravo ____; Fujo fujo, costumado a fugir ao senhor. Paiva, Serm.I f. 153}

Fujo. V. Fujo, s. m. e adj. Fujo, adj. m. Indivduo fugidio: Ah! Lisandro! Ah! Fugio. (de fugir) costumado, Fujo!...escondes-te? Emudeces? Escravo_____. inclinado a fugir Sumiste-te no mato? (Castilho, Noite (escravo____)
de S. Joo, III, 24, p.140. ed.1875) // F. R. Fugir{Fugidio, adj. Habituado a fugir, fugidio: Foi aoitado como aoitam o moiro fugidio (R. da Silva)}

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Pode-se observar que em Moraes e Faria as definies dos verbetes esto cruzadas. H uma passagem ao considerar o fujo como particpio ou como adjetivo. J em Aulete encontramos que se estabiliza em adjetivo o primeiro e adjetivo e substantivo o segundo, deixando de ser determinante para ser determinado. O que resulta interessante que nos dois primeiros dicionrios ambos os termos remetem a um uso relacionado aos escravos enquanto que no terceiro s fugio mantm esse uso. Sua definio acrescentada ou explicitada utilizando um adjetivo para tal (escravo vezeiro). Nessa separao observamos que no Caldas Aulete fugio um escravo e o fujo um indivduo; fazendo uma separao entre os que so indivduos e os que so escravos. Podemos pensar em uma memria histrica agindo como pr-construdo nessas definies j que o Dicionrio que est sendo utilizado no presente trabalho data de 1949, ou seja, que sofreu duas revises feitas por especialistas78. Tal afirmao pode ser reforada se observamos o dicionrio Aurlio onde se estabiliza o uso para fujo e o mesmo deixa de ser escravo para ser indivduo vezeiro. A relao do termo com o escravo cai cristalizando-se a definio que no os contempla.

3.3-3. Do fujo ao fugido:

Embora nos dicionrios o termo fugido no esteja relacionado de modo algum ao escravo e seja dado a ele, tanto em Moraes quanto em Faria e Aulete, somente o tratamento literrio, de acordo podemos observar no seguinte quadro:

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A observao resulta-nos forte j que o Dicionrio de Aulete foi elaborado inicialmente em 1888, revisado e ampliado por uma equipe em 1935 e novamente revisado e adaptado em 1948 e o mencionado significado continuava presente.

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Moraes (1813) Fugido, part. Pass. De Fugir. Fugitivo: de que se foge. eu sou de ti fugida. Passiv. Fert. Egl.8

Faria (1858) Fugido,a, p.p. de fugir, e adj. Escapado por fuga ou fugindo; fugitivo; de quem se foge. Ex. Eu sou de ti ______. Ferreira. ant. neste ultimo sentido.

Aulete (1949) Fugido, adj. Que fugiu: _______Porque me no olhas? Perguntou ela...curvando-se para lhe buscar o olhar fugido ( Andr Brun, Dez contos. P.84, ed. 1917)

Porm, o uso corriqueiro do termo encontrado outro. Em quase todos os anncios de jornal de escravos que fogem so anunciados como Fugidos. um dado interessante porque o escravo, para o dicionrio, somente fujo e no fugido. Para o dicionrio o fugido aquele sujeito ao que se lhe aplica a frase eu sou de ti fugido. Mas, nesse momento histrico, o quotidianamente fugido o escravo que aparece no jornal de acordo com os seguintes anncios:

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Gazeta de Campinas, 1 de setembro de 1870

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Gazeta de Campinas, 30 de mio de 1872

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Observamos nesses anncios dois funcionamentos diferentes: o fugido que acompanha a escravo, muito comum, visto nos jornais nas vinhetas81:

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A transcrio desse anncio a seguinte: Escravos Fugidos-De Francisco Antonio de Sousa Salles, deste municpio fugiram duas escravas uma de nome Virginia, h um anno, ou pouco mais, com os signaes seguintes: preta, estatura regular, falta de dentes, cabea mal feita, idade de 40 a 50 annos, mos de tamanho regular, desimbaraada e risonha no fallar, meia gorda; - a outra de nome Rita, fugida a 23 do corrente mez, com os seguintes: 20 annos mais ou menos, alta , gorda, preta; tem uma cicatriz de coice de Cavallo no canto da bocca ao lado direito, pescoo grosso, marcas como de cordas nos braos, ps grandes, boa dentadura, muito fallante, carrancuda na feio, porm risonha. Da-se a quantia de 100$000 a quem aprehendel-as, por cada uma, e entregal-as a seu senhor na sua fazenda. Campinas, 24 de agosto de 1870.80

A transcrio a seguinte:Signaes do escravo Francisco, fugido de Campinas, hoje 29 de Abril de 1872, pertencente a Jos Elias dOliveira:Idade 45 a 50 annos, altura regular, crioulo de Pacon (Cuyab), tem falta de dentes na frente, ps e mos mal feitos, um tornozello inchado, rendido das verilhas, nariz chato e arcado, o brao direito um tanto inchado perto da munheca, barbado, tem na cabea cicatrizes e nesse lugar cabello cortado. Quem o aprehender e entregar a seu senhor ser bem gratificado.
81

Em relao s vinhetas dos anncios de fuga de escravos, afirmamos em Ferrari 2006 o seguinte: A funo dessas vinhetas era, principalmente, chamar a ateno das pessoas que se dedicavam tarefa de procurar escravos, alm de despertar o interesse dos outros cidados. A meno da quantia na vinheta dos anncios delineia a imagem de um destinatrio ideal, que tem como caracterstica seu interesse ou necessidade por dinheiro. Esse tipo de destinatrio encontrado como protagonista de um texto da poca, escrito por Machado de Assis, intitulado Pai contra me. O texto conta a histria de um homem pobre e livre e sua tentativa de levar sustento para o filho. O principal protagonista tem como ofcio capturar escravos fugidos e, em cumprimento

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E em seqncias como,

Ou

No verbete, Fugido tomado como particpio passado e no como adjetivo. O adjetivo proposto pelo dicionrio para ser aplicado ao nome escravo fugitivo, com possveis deslocamentos para fujo. Enquanto particpio passado, podemos observar que ele ocupa a posio de nome nas seqncias. Elas so prximas da estrutura proposta por Milner em De La Sintaxe a linterpretation. Nesse texto, Milner trabalha com as expresses qualitativas e as expresses quantitativas. Milner diz que :
de tal ofcio, procura e pega uma escrava fugida, grvida, que perde a criana aps ter sido entregue ao dono por esse. Machado de Assis relata sobre essa profisso do seguinte modo: Ora, pegar escravos fugidos era um ofcio do tempo. No ser nobre, mas por ser instrumento da fora com que se mantm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implcita das aes reivindicadoras. Ningum se metia em tal ofcio por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptido para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir tambm, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia rijo para pr ordem desordem. ( MACHADO DE ASSIS; 1996 p.121) Encontramos, pois, delineado o perfil do destinatrio ideal ao qual se dirige o autor do anncio nessas vinhetas. FERRARI, 2006 p. 61)

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Dautre part, Il semble que, de faon gnrale, ls lments de Qualit doivent tre ensuivis dun nom spcifi; en particulier, ils ne peuvent prcder une unit lexicale sens intrinsquement <gnrique>, telle que homme, personne, type, individu, etc., on na pas, ou mal, set imbcile de type (dhomme, de personne, dindividu); cette horreur dobjet, de chose, etc. Cela ne rend pas trs vraisemblable la structure suppose pour (6.1) (Limbcile est en retard) Or, il faut noter que si lhypothse dune transformation de dislocation est abandonne Il nest plus ncessaire de rapprocher (MILNER 1978, 225)

Portanto podemos pensar que fugido um nome de Qualidade acompanhado por um nome comum: escravo. Agora bem, para saber qual tipo de nome de qualidade , so necessrias algumas parfrases. Tomando os termos fugitivo e fujo para sua comparao teremos: Certo fugido de escravo Certo escravo fugido

O fujo esta atrasado O fugido esta atrasado

As estruturas qualitativas so, para Milner, paralelas, em muitas ocasies, s quantitativas como pode ser observado nas seqncias que se mostram a seguir : 1) (a) (b) atrasado. 2) a) - Voc h lido seus livros - Tenho lido os dois. b) - Voc h lido seus livros - Tenho lido os dois Pro (livros) Joo no est mais l; o idiota est atrasado Joo no est mais l; o idiota de (Joo)Pro est

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Elas seguem a estrutura

(Ppec N)

Qual seria a diferena destes nomes como outros? No nosso caso especifico, fugido, fujo e fugitivo seriam nomes A e escravo, por exemplo, nome comum. O nome fujo aceita estruturas tais como

Baita fujo, Espcie de fujo Joo fugiu, o fujo.

Ele age de modo similar a imbecil, largamente exemplificado por Milner e se diferencia de fugido porque este no pode ocupar esses espaos sem provocar um estranhamento. Assim, fujo qualificante, o que significa que fala de uma qualidade. Fujo pode estar acompanhado de adjetivos e verbos como nas exclamaes: Pobre fujo! Venha fujo!

Por outro lado, pode-se afirmar, observando o funcionamento de fujo, que fugido age como um ttulo, do mesmo modo que general, por exemplo como se observa na seguinte seqncia: Negro fugido Escravo fugido

Negro fugitivo Escravo fugitivo

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Certo fugido certo fugitivo certo fujo

Para o autor os nomes de qualidade, os nomes de nmeros e os nomes de quantidade tem emprego anafrico como por exemplo. - Voc tem carregado todo o trigo? - Sim tenho carregado as dez toneladas.

De acordo com o colocado pelo autor, os diferentes nomes tero funes distintas, de acordo com o lugar sinttico que ocupem e com os efeitos no sentido que provoquem. Assim, por exemplo, no nosso caso, fugido seria considerado um elemento qualificante (sempre acompanhado de um nome comum), fujo classificante (funcionando como imbecil, sem necessidade de pronominalizao) e fugitivo seria o elemento misto, ou seja, agiria nas duas estruturas independentemente. Essa classificao de cada um dos elementos mencionados e testados acima nos serve para ver o lugar da enunciao que surge em cada um deles. Sendo fugido qualificante, diz respeito, sua enunciao, de propriedades e age valorando. O sentido da expresso dele depende do momento e lugar em que proferida, o que Milner chama de enunciao. J fujo, ao ser classificante, fala de uma propriedade em si e Fugitivo, ao ser misto surge nas duas estruturas. Observamos que o funcionamento de Fugido nas vinhetas resulta diferente da sua utilizao no corpo do texto. Podemos pensar que o uso de Fugido na vinheta reflete, por um lado, um sentido de queixa por parte do dono que reclama o escravo: Fugiu de mim! fugido! Por outro lado, como mencionado acima, funciona como identificao do tipo de anncio classificado: anncio que traz implcita uma retribuio monetria para quem atender. Em ambos os casos qualificante, ou seja, marca uma valorao a respeito de quem se fala.

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Um elemento que refora nossa inquietude o uso do termo fugido como epteto do nome escravo em textos literrios como o conto Pai contra me 82 de 1906 de Machado de Assis, A escrava Isaura 83 escrito em 1875 por Bernardo Guimares e Bom crioulo84 publicado em 1895 por Caminha, literatos do perodo estudado. Vejamos os seguintes trechos:
Pobre Martinho! Quanto pode em teu esprito a gancia de ouro, que faz-te andar cata de escravos fugidos em uma sala de baile! (B. GUIMARES 1991, 78) O motivo da fuga, lvaro, a ser, o mais honroso possvel para ela, e torna uma herona; mas...enfim de contas ela no deixa de ser uma escrava fugida (B. GUIMARES 1991, 91) Nesse tempo o negro fugido aterrava as populaes (CAMINHA 1995, 19) Ele, o escravo, o negro fugido sentia-se verdadeiramente homem, igual aos outros homens, feliz de o ser, grande como a natureza, em toda a pujana viril da sua mocidade, e tinha pena, muita pena dos que ficavam na fazenda trabalhando, sem

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O conto Pe contra me conta a histria de um escravo liberto e pobre que , na procura de um sustento para sua esposa grvida, sai cata de escravos fugidos. Para tal ele procura nos jornais os anncios que lhe forneam a possibilidade de levar comida para sua casa.
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O excelente livro de Guimares conta a histoira de uma escrava que foi educada na casa grande como se fosse uma filha de senhores fazenderos. Por ter pele clara, ela chega a ser confundida com moas da alta sociedade habitualmente. Mas, com a morte dos seus protetores e a asuno do comando da fazenda por parte de um indivduo inescrupuloso que a quer forar sexualmente, ela se v forada a fugir. Desse modo se recolhe em uma aldeia afastada e inicia sua vida como uma moa humilde e livre, freqentando os sales e festas oferecidas por outros fazendeiros. Porm ser descoberta como escrava por um dos membros dessa comunidade que l o anncio de fuga e a reconhece. Alguns dos trechos nos que se menciona esse evento so os seguintes: - Deveras, Martinho? - exclamou um dos ouvintes,- est nesse papel o que acabo de ouvir? acabas de nos traar o retrato de Vnus, e vens dizer-nos que uma escrava fugida!... (GUIMARES, 1991 p . 80) - assombroso! Quem diria que debaixo daquela figura de anjo estaria oculta uma escrava fugida! (GUIMARES, 1991 p . 81)

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O livro de Caminha conta a histria de um escravo que foge e embarca em um navio, tomando o oficio de marinheiro nos ltimos anos do regime escravagista no Brasil. No navio ele conhecer um rapaz do qual se apaixona e passa a defender com a prpria vida.

175

ganhar dinheiro, desde a madrugada t ... sabe Deus! (CAMINHA 1995, 20)

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anncios nas folhas pblicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito fsico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificao. (MACHADO DE ASIS 1994) Ora, pegar escravos fugidios era um ofcio do tempo. No seria nobre, mas por ser instrumento da fora com que se mantm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implcita das aes reivindicadoras. (MACHADO DE ASIS 1994) Cndido Neves, -- em famlia, Candinho,-- a pessoa a quem se liga a histria de uma fuga, cedeu pobreza, quando adquiriu o ofcio de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, no agentava emprego nem ofcio, carecia de estabilidade; o que ele chamava caiporismo. (MACHADO DE ASIS 1994) Voc passa semanas sem vintm. -- Sim, mas l vem uma noite que compensa tudo, at de sobra. Deus no me abandona, e preto fugido sabe que comigo no brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo. (MACHADO DE ASIS 1994) Cndido Neves perdera j o ofcio de entalhador, como abrira mo de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. No obrigava a estar longas horas sentado. S exigia fora, olho vivo, pacincia, coragem e um pedao de corda. Cndido Neves lia os anncios, copiava-os, metia-os no bolso e saa s pesquisas. Tinha boa memria. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em ach-lo, segur-lo, amarr-lo e lev-lo. A fora era muita, a agilidade tambm. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de cousas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificao; interrompia a conversa e ia atrs do vicioso. No o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificao nas mos. Nem sempre saa sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranho. (MACHADO DE ASIS 1994)

Clara no tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mnica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele 176

chegava tarde, via-se-lhe pela cara que no trazia vintm. Jantava e saa outra vez, cata de algum fugido. (MACHADO DE ASIS 1994) Cndido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notcia. No foi mais feliz com outros fugidos de gratificao incerta ou barata. (MACHADO DE ASIS 1994) A nica ocorrncia de Fujo encontra-se no conto de Machado de Assis e a seguinte: O ferro ao pescoo era aplicado aos escravos fujes. (MACHADO DE ASIS 1994) Observe-se que nesses casos o termo fugido aparece como epteto e no como simples adjetivo que determina o nome, ou seja, ele marca uma classe de escravos a partir do ponto de vista do dono: os fugidos, que so diferentes dos outros escravos que, tomando o dono como ponto de partida, no fogem. Na Gramtica Descritiva de Igncio Bosque, de 2000, encontramos uma descrio do particpio passado, tanto de voz ativa quanto de passiva
Puede tambin modificar directamente un sustantivo, que corresponde al argumento externo del verbo base en el caso de los participios deponentes (p.ej. una persona llegada de lejos) y al argumento interno en el caso de los participios pasivos (p.ej. una cuestin decidida). Adems, muchos participios se utilizan tambin en funcin adjetival y, como tales, parecen pertenecer al dominio de la formacin de palabras. As, un hombre decidido no significa un hombre que ha sido decidido, como una cuestin decidida significa una cuestin que ha sido decidida sino un hombre que acta con decisin. En realidad, la relacin entre los dos sentidos de decidido no es de tipo morfolgico (conversin, derivacin con sufijo cero), sino semntica (cambio semntico, lexicalizacin) (Bosque, 2000 p. 4608)

V-se que o particpio passado fugido na construo escravo fugido funciona aqui do mesmo modo que hombre decidido, no sentido de que o escravo fugido aquele que efetua a fuga ou que est em fuga. Desse modo, podemos pensar que esse estar em fuga um estado e no uma caracterstica como no caso de fujo que, ao ser um adjetivo deverbal disposicional ativo, indica 177

qualidades com o matiz semntico de demasiado. Ou seja, o fujo seria aquele que foge muito ou foge demasiado, sendo (fujo) uma caracterstica do nome (escravo). Inclusive, quando nos anncios de fuga se menciona o ato reiterado da fuga nunca se coloca o adjetivo fujo, usa-se fugido na frase: andou fugido.

3.3-4. Fugitivo VS. Fugido

No enunciado do anncio de fuga anuncia-se um estado de coisas, inicialmente, e posteriormente, na descrio, do-se as caractersticas do escravo. O estado de coisas que o anncio noticia a fuga e no o modo de ser. Agora, a pergunta que surge perante essas afirmaes : porque no usar fugitivo? Fugitivo, de acordo com os dicionrios estudados, tem o seguinte significado: Moraes(1813) Fugitivo, adj.
Que fugio: v. g. escravo _______ Que foge, ou passa rapidamente, fugaz: v.g. os fugitivos annos;

Faria (1858) Fugitivo,a ,


adj. ( Lat. Fugituvus,a,um) que fugiu, desertor, transfug (escravo, prisioneiro, delinqente _____); que foge ou passa rapidamente, passageiro, transitrio de pouca durao (os _______s annos, prazeres, pensamentos; as ______s idias, esperanas, alegrias) Ex. Os tempos mais felizes so os mais _____s. Max. Lat. O rio_____(poet.) que corre rpido. Razes ____s (forens. Ant.) dilatrias que delongam o processo (Ord. Affons.) Syn. Comp. Fugitivo, fugace, disperso. Fugitivo diz-se de um homem que abandona seus lares ou

Aulete (1949) Fugitivo, adj. Que fugiu; desertor: escravo fugitivo. || que esta prestes a livrar-se dos laos que o prendem: Lhe deteve a vida fugitiva enquanto o sacerdote chamado veio e fez o seu oficio (P. Man. Bern.). || De pouca durao, fugaz, escasso: Lanaste na to longa noite da minha alma um raio fugitivo de luz (Herc.) | Incoercivel, mal definido, pouco acentuado, que escapa ao exame, indeciso; que entrev apenas; que pouca impresso produz: Tivemos revolues, guerras civis, encarceramentos, proscries, mas tudo isto como que em fugitiva miniatura (Lat. Coelho). ||

esperanas _____ . Cames, Out. 7. est. 32 Rio fugitivo. Galhegos, 4. 60. Razes

________: que delongo o processo, que de direito no pode embarg-lo. Ord. Af. 3. f.192

178

sua ptria, e se vae a terras estranhas para escapar a algum castigo, ou por qualquer motivo pouco honesto.

Que passa ligeiro e rapidamente; fugidio, veloz: Que passou neste lapso fugitivo da nossa vida entre a juventude e a velhice?(Camilo); Tambm passas veloz, breve te apagas, como de uma ave a sombra fugitiva desgarrada flor do lago (Gon.Dis)||____, s.m. desertor, pessoa fugida: A tropa enviada em socorro dos fugitivos (Camilo)|| F. lat. Fugitivus.

Fugitivo, de acordo com Faria, apela a uma memria discursiva que diz respeito uma origem, a um lar do escravo o que entra em contradio com o sistema vigente no Sc. XIX. Admitir que um escravo tivesse um lar era admitir que ele fosse um sujeito, e isso contraditrio com a formao discursiva na qual se localizam nossos anncios que, como propusemos acima, escravista, embora o primeiro exemplo do verbete corresponda a escravos. Todos os exemplos presentes nos dicionrios tm sua origem em textos literrios e no em falas quotidianas. O dicionrio no utiliza jornais nem outro tipo de publicao que circulasse na sociedade da poca, limita-se a extrair os exemplos da literatura. Assim, observamos que, nos verbetes dos dicionrios, o adjetivo no aplicado a escravos, os exemplos so ou bem relacionados ao nome delinqente - prisioneiro ou bem a coisas. Ele aplicar-se- a anos, esperanas, razes, prisioneiros, delinqentes, alegrias, luz, miniatura, lapso, sombra. Quando aparece como substantivo, somente em Caldas Aulette, aparece com o sentido de desertor, pessoa fugida. Esse uso pode ser comprovado tambm no seguinte trecho do livro de Guimares no qual Martinho, o moo que

179

pretendia entregar Isaura ao seu dono, vem receber o dinheiro que lvaro, o rapaz apaixonado pela moa, prometera em troca da tranqilidade dela:
- Meu caro senhor lvaro,- veio logo dizendo sem mais prembulos,- est tudo arranjado medida de nossos desejos. Pode V. S.a. viver tranqilo em companhia da gentil fugitiva, que daqui em diante ningum mais o importunar. De feito o procedimento de V. S.a. nesta questo tem sido muito belo e digno de elogios; prprio de um corao grande e generoso como o de V. S.a. No se d maior desafora! No cativeiro uma menina to mimosa e to prendada!...Agora aqui est a carta, que escrevo ao lorpa do sultozinho. Prego-lhe meia dzia de carpetes, que o ho de desorientar completamente. (GUIMARES, 1991 p . 108)

Pode-se perceber que quando Isaura deixa de ser considerada escrava ela considerada, por Martinho, como fugitiva, mas quando ele pretendia entregar a moa ao dono ela era chamada de fugida. Isso refora o afirmado acima, quando ela socialmente pode ter um lar denominada gentil fugitiva, mas, quando se considera que no tem esse direito ela uma escrava fugida. O uso de um ou outro termo relaciona-se, portanto, com uma memria discursiva a partir da qual a utilizao do particpio evoca dizeres relacionados aos escravos e fugitivo dizeres relacionados aos senhores. Para finalizar, observamos que o Dicionrio um lugar muito interessante para estudar a constituio da lngua nacional e observar como estados e mudanas sociais evidenciam-se neles. Tomando como base a perspectiva terica proposta por Francine Mazire (1989) para fazer uma anlise discursiva das definies, podemos perceber que nos diferentes perodos, os Dicionrios mostram relaes referenciais diferentes que significaram de modo especfico de acordo com o contexto social no qual se inscrevem. Desse modo, a remisso ao escravo nos verbetes de dicionrios e a especificidade do uso de 180

certos adjetivos ser modificada de acordo com os diferentes momentos histricos e polticos que podem ser observados nos verbetes dos dicionrios atravs de uma anlise discursiva. Tomando o dicionrio como discurso encontramos neles, como diz Mazire, o lugar em que se constri e se pode mostrar o como se diz de uma sociedade. (MAZIRE 1989, p.48) Horta Nunes (1996), no seu trabalho sobre discurso e instrumentos lingsticos no Brasil, dir que o dicionrio o lugar onde a lngua se torna uma instituio ligada ao Estado. Ele ser um smbolo lingstico-nacional (um povo, uma lngua) e um instrumento didtico que permitir o acesso boa linguagem. O autor afirma que o dicionrio interpela o sujeito a uma identidade nacional distribuindo os valores adequados (HORTA NUNES 1996, p.184)Visto como discurso, o dicionrio estabelece formas do dizer de uma sociedade, as formas do bem dizer da oficialidade.

3.4-

O nome prprio analisado

O terceiro elemento que surge nos anncios o nome prprio do escravo. Nesse surgimento observamos uma srie de processos que nos levam a anlise do nome prprio. Estes processos consistem em coincidncias e no coincidncias do dizer e que daro indcios do seu funcionamento. Neste ponto da tese, dedicar-nos-emos a analise dos nomes prprios nos anncios de fuga de escravos a partir da proposta terica elaborada e desenvolvida no captulo 1 desta tese. 181

Observemos, para tal, os seguintes anncios:


Gazeta de Campinas, 28 de abril de 1872
85

Gazeta de Campinas, 4 de maro de 1876

86

Gazeta de Campinas, 17 de setembro de 1874

87

Gazeta de Campinas,21 de abril de 1872

88

85

Fugiu do sitio de Antonio Francisco Leane Martins, no dia 20 do PP. O escravo Manoel, de idade de 44 annos, mais ou menos, creoulo de Pernambuco, com os signaes seguintes: alto, cheio de corpo, cara comprida, barba cerrada, boa dentadura, j tem alguns cabellos brancos, ps feios com os dedos virados para os lados e outros abertos com uma furquia na sola dos ps, tem cravos de bba e crescido o enfrenque dos dois ps, conhecido por ps de inhame. Levou roupa fina e grossa. Quem os prender ou der notcias certas ser bem gratificado.
86

Escravo Fugido- herana do finado Francisco Antonio de Souza Salles, fugio o escravo de nome Romo - 50 annos mais ou menos, africano, preto, com falta de dentes na frente e no queixo, baixo, grossura regular, tem os braos um pouco tezos, j andou fugido por muito tempo, nas immediaes de Indayatuba, trazendo o nome de Matheus, por cujo nome era conhecido nesses logares.-Quem o apprehender ou delle der noticia segura ao inventariante Joo Baptista de Camargo Damy, ser gratificado com a quantia de 100$000.-Campinas, 28 de fevereiro de 1876
87

Escrava fugida-No dia 10 do corrente, fugiu da abaixo assignada, uma escrava de nome Maria, com os signaes seguintes: - Preta, alta, magra, com falta de dentes na frente, idade mais ou menos 30 annos. Suppe-se que fugiu para S. Paulo onde conhecida pelo nome de Maria Nazareth. Quem a prender e entregar nesta cidade abaixo assignada, ou em S. Paulo ao commendador Manoel Antonio Bittencourt ser bem gratificado.-Campinas, 15 de Setembro de 1874-Maria A. de Mendona Doque.
88

ATTENO-100$000-Fugio da fazenda de Albino Alves Cardoso, na Villa do Patrocinio das Araras, o seu escravo de nome Justiniano, o qual evadiu-se no dia 7 do Abril do corrente anno, com os seguintes signaes: crioulo do norte, alto e corpolento, idade 30 annos mais ou menos, pouca barba ou nenhuma, nariz chato, boa dentadura, rosto redondo, mal encarado, ps muito grandes e estragados de bixos, calcanhar inchado, com o nome de copim, cor meio fula. Este escravo foi do capito Rivas. Quem do mesmo der notcias e trouxer a meu poder ser gratificado com a quantia acima.

182

Gazeta de Campinas, 26 de aril de 1874

89

Encontramos, nestes anncios, que o nome prprio do escravo que esta sendo procurado aparece duas vezes, como relacionado abaixo: a. O escravo Manoel ---------Conhecido por ps de

inhame. b. Uma escrava de nome Maria ----------- conhecida

pelo nome de Maria Nazareth. c. O seu escravo de nome Justiniano --------- com o

nome de copim. d. O escravo de nome Romo--------trazendo o

nome de Matheus.
89

No dia 5 de Abril, fugiram trez escravos pertencentes a Jos Antonio Benedicto, da cidade do Rio Claro sendo:-1 Joaquim, mulato quase branco, cabello solto, boa dentadura, muito bonito, estatura regular, tem os seguintes signaes: recebeu um tiro em uma das mos que conhece-se bem os signaes de chumbo, e assim mais na mesma mo por cima do dedo ndex uma cortadura de faca da qual ficou um signal comprido; sua idade de 20 annos mais ou menos.-2 Levou em sua companhia uma mulata quase branca, de idade 16 annos pouco mais ou menos, lindos olhos, cabelos soltos, aparados um pouco compridos; de nome Florencia, espigada muito bonita, tem umas manchas de branco sobre o peito e na cara, que mais branca do que a cor natural.-3- De nome Damio, (o qual diz chamar-se Alfredo,) mulato quase branco, alto, fino de corpo, mal encarado, ps grandes, cabello grenho, e tem para signal uma rendidura em uma das virilhas e est com funda; levaram bas de folha com roupa fina, chapeos pardo e preto, botinas de homem, paletot de casimira preta. Quem os prender e puzer na cada ser bem gratificado, e muito mais se forem entregues pessoalmente nesta cidade. Declaro mais que estes escravos foram vendidos pelo fallecido Antonio Jos de Simes Vianna.

183

e.

De nome Damio -----------------------(o qual diz

chamar-se Alfredo).

Percebemos que aparecem dois modos diferentes de nomear a um mesmo escravo: Manoel : ps de inhame; Maria: Maria Nazareth, Justiniano: Copin, Romo : Matheus, Damio: Alfredo. Evidencia-se uma enunciao desde outro lugar, diferente do qual se encontra o dono do escravo que publica o anncio. Aparece mencionado o nome que o escravo tem em outros espaos de circulao, diferentes ao que o dono lhe outorga. Alis, diz que outros lhe outorgam nome a seu escravo. Podemos dizer, baseados no elaborado, teoricamente, no ponto 1, que surge, nestas enunciaes, um modo de nomear a partir de uma posio de sujeito diferente. O escravo nomeado, oficialmente pelo dono de um modo especifico, mas ele no somente circula pelos lugares que o dono lhe diz. O escravo circula por outros espaos nos quais tambm nomeado, por ele mesmo e por outros. Esses outros nomes nos falam de diferentes posies, de diversos lugares. Resulta possvel pensar os escravos, nesses usos outros do nome. Por exemplo, aquele que se d a si mesmo o nome de Alfredo, pode ser uma estratgia para se confundir no meio do conjunto dos imigrantes italianos que chegam poca no Brasil. Desse modo, ele pode ser livre no tendo "nome de escravo
90

. Ele escolhe ter o nome dos homens que ele considera livres, por

exemplo, dos colonos. Observamos que Guimares afirma que existe sempre uma nomeao primeira, a nomeao do lugar do pai. Mas, podemos refletir sobre outros exemplos do cotidiano. Um deles o nome de um legume como a mandioca que chamada macaxeira no nordeste e mandioca no sul, exemplo de dois nomes
90

Observa-se que os nomes dos escravos geralmente eram nomes retirados da Bblia ou bem eram nomes de santos, por esse motivo que encontramos, por exemplo, o nome de Matheus, Maria, etc., ou os nomes dos donos como Joaquim.

184

para o mesmo referente. Temos dois objetos? H objetos que significam de modo diferente em diferentes campos discursivos. Se voltarmos ao anncio mostrado acima veremos que, por um lado, o escravo Romo tem o nome dado pelo dono no ato de seu batizado. Por outro lado, Matheus o nome que o prprio escravo se deu no seu ato de batizado, ou seu pai ou de quem o chamou e lhe deu esse nome. De acordo com o exposto no primeiro captulo da Parte I, Guimares afirma que os atos de enunciao de um nome no so nicos. Acreditamos que s afirmaes do autor poderemos adicionar algumas variveis. Por exemplo, outras enunciaes que agem na determinao de nome e sobrenome. Tambm podemos dizer que no necessria, nem imprescindvel, a enunciao

segunda sobre a enunciao da paternidade. Acreditamos que as enunciaes podem ser isoladas de acordo com diferentes cdigos culturais91. No nosso caso, por exemplo, temos duas enunciaes diferentes e dois enunciadores que se tomariam o atributo de serem os locutores-pai. No de a da nossa alada dizer quem que nomeou primeiro ou qual a enunciao do nome mais legtima. Mas podemos observar, claramente, que so duas instncias diferentes que nomeiam mesma pessoa, em duas cenas enunciativas totalmente diferentes, correspondendo a formaes discursivas diferentes. Indo para os dias de hoje tambm encontramos casos como o de Matheus. Eles evidenciam-se nas pessoas que pertencem a outras etnias ou naes que moram no Brasil: pataxs, kaingang, etc. Muitos deles tm um nome dentro de seu crculo
91

Em recente viagem aos EUA tive a oportunidade de observar isso em pessoas que vinham de Japo e China e Coria do Sul. Nas culturas orientais a adjudicao do nome por parte do pai tem um simbolismo particular: o pai da por nome aquilo que deseja que o filho seja, assim os nomes sero: Grande, inteligente, engenhoso, harmonia, etc. e a esse nome o acompanha o nome da famlia que sempre colocado em primeiro lugar. Quando essas pessoas chegam nos EUA encontram-se com duas questes em relao os prprios nomes: por um lado poucas pessoas ocidentais conseguem realizar os fonemas dos seus nomes apropriadamente de modo que muitas vezes isso traz, na prpria lngua, equvocos, deslizamentos nem sempre desejados, a outra que o sentido do seu nome se perde na nova cultura, j que poucos conhecem seu significado. A alternativa perante essa situao re-batizar-se, eles, em aulas de lngua onde usualmente se diz o nome dizem que seu nome ocidental ou seu nome nos EUA e tal. A escolhe tem muitas motivaes diferentes, o efeito: uma enunciao a partir de um lugar scio-histrico diferente.

185

social, na sua aldeia, e tem outro para os outros crculos, para as aldeias dos brancos. Isso refora nossa afirmao de que o nome prprio parte constitutiva de processos de individualizao onde se diz ao seu portador o lugar que ocupa em uma srie. Essa srie depender do espao de enunciao. Assim, o nome prprio estar relacionado com a posio sujeito do enunciador que nomeia e j no estar mais somente relacionado s determinaes do nome pelo Estado. enunciao do nome pelo Estado se constitui, no contexto que estamos desenvolvendo, como mais uma das posies de sujeito que enunciam o nome, porm, no a nica, como acontece no caso de Romo Matheus, Alfredo Damio, Maria- Maria Nazareth.

3.5-

A descrio sob a lente

Finalmente, o ltimo elemento a que nos dedicaremos a descrio. Neste apartado analisaremos, partindo de um mapa das prticas discursivas presentes no nosso corpus, as diferentes seqncias discursivas. Ser utilizado para tal, a perspectiva elaborada sobre a descrio no Captulo II da primeira parte. Inicialmente pensaremos nos anncios a seguir:

186

Gazeta de Campinas, 26 de abril de 1874

92

Gazeta de Campinas, 11 de agosto de 1872

93

Gazeta de Campinas, 09 de maio de 1872

94

92

ESCRAVOS FUGIDOS-A 22 de Maro do corrente anno fugiram os escravos seguintes, pertencentes a d. Maria Brandina de Souza Aranha (viva Alvaro): - Jos, alto, magro, preto quase fula, bons dentes, falla bem, barba debaixo do queixo, conservando-a sempre cortada, tem do lado esquerdo abaixo da orelha um signal de escrfulas, e no peito um signal que parece ser queimadura e muito cabelludo, andar vagaroso, idade 30 annos mais ou menos.-Laurindo, preto, sem barba, altura regula, cheio de corpo, nariz chato, bons dentes, olhos grandes, falla bem, idade 22 annos mais ou menos. -Lino, preto orelhas e olhos grandes, corpo regular, idade 13 annos mais ou menos.-Benedicto, preto, sem barba, bons dentes, magro, baixo, tem o dedo indicador de uma das mos duro, sem movimento, signal de sarjadeira na barriga da perna direita, idade 20 annos mais ou menos.-Estes escravos foram comprados no Rio de Janeiro pelo Sr. Nuno Diogo Nogueira da Motta. Quem os apprehender ou deles der noticia certa ser bem gratificado.-Campinas, 7 de Abril de 1874
93

H 20 e tantos dias, fugiu ao abaixo assignado um escravo creoulo, de nome Jos, de 20 e tantos annos de idade, pequena estatura, feies midas, nariz chato, falla grossa; levou roupa fina e uma jaqueta de panno azul fino. Quem o pegar e entregar ser bem gratificado.-Campinas, 22 de Junho de 1872.
94

O anncio acima se transcreve assim:ESCRAVO FUGIDO-Fugiu no dia 15 do corrente, da fazenda do dr. Araujo, no Amparo, onde se achava a ttulo de venda, o creoulo Jos, com os signaes seguintes: pardo, cabellos grenhos e quase vermelhos, cara fina e alegre, muito prosa e

187

Os anncios que apresentamos so de trs escravos fugidos em diferentes dias e anos. Mas h, entre eles, um ponto comum: os trs escravos tm o mesmo nome, Jos. Procuraremos analisar o funcionamento intradiscursivo das determinaes. Nelas visamos observar quais os efeitos de sentido que cada uma delas produz. Partimos da base de que existe, nos anncios, a necessidade de uma descrio que preencha o lugar vazio da referncia saturando o referente, evidenciando um processo de subjetivao. Ele tem como suporte material a descrio como tipo discursivo95. Esse processo de subjetivao tem como funcionamento definidor um processo de singularizao do sujeito que age no intradiscurso. A srie de processos que agem no intradiscursivo pode ser

ladino, de 14 annos de idade, baixo, e tem um p sahido mais para fora. Anda montado, em um burrinho pangar, velho, em um lombilho novo e anda com cartas dirigidas ao mesmo dr. Dizendo que est a seu servio. Quem o apreender e entregar a seu senhor Ildefonso Antonio de Moraes, ser gratificado, e protesta-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutar.
95

Utilizamos aqui o conceito de tipo discursivo proposto por Orlandi (1996): o tipo, em anlise de discurso, tem a mesma funo classificatria, metodolgica, que tem as categorias na anlise lingstica princpio organizador, primeiro passo para a possibilidade de se generalizarem certas caractersticas, se agruparem certas propriedades e se distinguirem classes (PP217)

188

considerada como sintoma, do incio da passagem da posio do escravo de objeto para a de sujeito, na sociedade Campineira do Sc. XIX. Os anncios de fuga podem ser divididos, para sua anlise, em trs partes: a Anunciao, onde anunciada a fuga do escravo e onde as informaes do lugar que ele ocupa na srie so ditas (fazenda na qual morava, nome prprio do escravo, nome prprio do dono, s vezes o dia em que o escravo fugiu); a Descrio e a Promessa. A caracterstica da Anunciao que encabeada pelo verbo fugir que d indcios do ser que ser falado: ele ser um homem que se deslocou de um lugar a outro procurando evitar um mal ou molstia. O verbo tem a caracterstica de ser monoargumental e pospr o sujeito. Ele organiza o texto, de modo particular e nos faz re-pensar o conceito de determinao, j trabalhado nessa tese e em A voz do Dono (Ferrari; 2006) e que, sucintamente, retomaremos agora. Tradicionalmente, considera-se que a determinao pode ser localizada somente nos adjetivos que determinam o substantivo ou expresso da qual se fala. Porm, a partir do corpus que estamos analisando, podemos entender a determinao de outra maneira. Ela pode ser considerada como um processo que envolve efeitos semnticos e sintticos que se do sucessivamente no processo de enunciao. Desse modo, ela um processo de formao da referncia que atua no enunciado global, como
97

afirma

Ducrot 96,

linearmente

ou

sucessivamente, como afirma Pcheux . Isso nos leva a reconsiderar o papel do SN como um lugar privilegiado para a ocorrncia desse processo, e considerando o fato de que na descrio ela tambm se faz presente. No nosso caso particular,

96

De acordo com Ducrot, a funo referencial deve ser tomada como, uma funo global repartida por todo o enunciado (Ducrot; 1980:p. 437)
97

Pcheux & Fuchs (1975) afirmam:Diremos que os processos de enunciao consistem em uma srie de determinaes sucessivas pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco e que tem por caracterstica colocar o dito e em conseqncia rejeitar o no-dito. (Pcheux; 1975:1756).(o negrito nosso)

189

essas afirmaes nos possibilitam concluir que o processo de determinao das relaes de referncia comea no verbo e no no SN. Por um lado, esse fenmeno dado pelas caractersticas sintticas do verbo, pois ele organiza a estrutura da sentena. Como o verbo fugir monoargumental, o sujeito posposto. Por outro lado, entre o verbo e o SN, observamos Sintagmas Preposicionais (doravante S Prep.) que participam na individualizao do SN posposto, o escravo Jos. A determinao tomada desde a perspectiva do SN no atinge a saturao intradiscursiva, mas se tomarmos nosso enunciado de modo global e linear observamos que a determinao comea no verbo que, por suas caractersticas sintticas, pospe o sujeito. Nos anncios escolhidos podemos observar que, inicialmente, se diz que o escravo fugiu. Depois se d o nome do mesmo e, finalmente, surge a descrio: a. Fugiu no dia 15 do corrente, da fazenda do Dr. Arajo, no Amparo, onde se achava a ttulo de venda, o creoulo Jos, com os signaes seguintes... b. H 20 e tantos dias fugiu ao abaixo assignado um escravo creoulo de nome Jos. c. A 22 de Maro do corrente ano fugiram os

escravos seguintes, pertencentes a d. Maria Brandina de Souza Aranha (viva lvaro):- Jos.

Observamos nos trs casos o efeito sinttico de posposio do sujeito. Ele est dado pela especificidade do verbo acima mencionada. O mesmo, semanticamente, apela a dois agentes possveis: escravos e prisioneiros. Depois, ento, da Anunciao encontramos as diferentes Descries
Gazeta 09/05/1872 de Campinas Gazeta 11/08/1872 de Campinas Gazeta 26/04/1874 de Campinas

190

pardo, cabelos grenhos e quase vermelhos, cara fina e alegre, muito prosa e ladino, de 14 annos de idade, baixo, e tem um p sahido para fora. Anda montado em um burrinho pangar, velho, em um lombilho novo e anda com cartas dirigidas ao mesmo Doutor dizendo que est a seu servio. ...

De 20 e tantos annos de idade, pequena estatura, feies midas, nariz chato, falla grossa; levou roupa fina, e uma jaqueta de pano azul fino. ...

Alto, magro, preto quase fula, bons dentes, falla bem, barba debaixo do queixo, conervando-a sempre cortada, tem do lado esquerdo abaixo da orelha um signal de escrfulas, e no peito um signal que parece ser queimadura e muito cabelludo, andar vagaroso, idade 30 annos mais ou menos,...

Inicialmente o que aparece nas descries so os atributos. A determinao dessa seqncia, que se inicia com o verbo fugir, continua, em um segundo momento, por uma srie de adjetivos que descrevem a fisionomia do escravo Jos. Cada adjetivo ou expresso apela a um efeito especfico. Por exemplo, a meno da cor do cabelo. Se partssemos do pressuposto de que todos os escravos tinham cabelos negros, por que mencionar a cor do cabelo e da pele? Isso chama a ateno para o fato da existncia, j no perodo, de escravos que, a partir dos enlaces de diferentes nveis de formalidade e de vontade, estabeleciam-se entre os escravizados vindos da frica at 1854 e os portugueses ou outros descendentes de europeus que habitavam o Brasil. Na anlise, observamos que no interdiscurso no h uma

determinao muito forte, nesse caso, embora nele se d parte da saturao do referente. Cada um dos escravos dos anncios ter uma imagem, uma voz, uma fala, um carter. Porm, ser na relao entre o intra e interdiscurso, que a saturao do referente se leva a cabo numa relao de sobredeterminao. Iniciamos esta anlise porque percebemos que, na descrio, filtram-se sentenas que do indcios da existncia de um processo de subjetivao do escravo na sociedade Campineira da poca. Nosso interesse observar como ela

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se articula e quais so os elementos intralingsticos que permitem que esse acontecimento (essa subjetivao) se realize. Por este motivo, iniciaremos nosso estudo com a observao das unidades lexicais a partir de uma anlise tradicional, para depois, a partir da semntica argumentativa, observar as principais argumentaes que atravessam nossos enunciados e, finalmente, analisar a nvel discursivo os efeitos de sentido que elas provocam. Geralmente, parte-se da hiptese da histria global (como

mencionamos acima no sentido foucaultiano do termo) de que o escravo era considerado um objeto, um modo de acumulao de capital. J em A Voz do Dono percebemos que essa afirmao parcial j que o escravo aparece nos anncios dos dois modos: reclamado como propriedade e constitudo como sujeito social. Nossa observao centrar-se- naquelas predicaes que constituem o escravo como sujeito entrando em dilogo com aqueles enunciados que o apresentam como objeto. Observamos como os diferentes enunciados presentes na descrio esto relacionados s diferentes prticas discursivas. As mesmas podem ser relacionadas do seguinte modo:
1) Relacionadas s caractersticas fsicas:

a) d) g) j) m) p)

Cor, Estatura, dentes, nariz, pescoo, rosto,

b) e) h) k) n) q)

Idade, marcas (Signaes), contextura fsica, cabea, canellas, boca,

c) Barba e/ou cabelos, f) peso,

i) membros, l) olhos, o) mos, r) outras.

2)

Relacionadas ao trabalho

192

3) 4) 5) 6) 7) 8)

Relacionadas com caractersticas intelectuais Relacionadas personalidade Relacionadas a outras discursividades Relacionadas ao discurso da lei Relacionadas disciplinarizao Relacionadas procedncia 9) 10) 11) 12) 13) 14) 15) 16) 17) Relacionadas fuga Relacionadas ao cuidado de si Relacionadas ao discurso da medicina Relacionadas circulao Relacionadas s relaes familiares Relacionadas posse do dono Relacionadas posse dos escravos Relacionadas a suposies Relacionadas a objetos.

Podemos observar que existem diferentes processos discursivos, a saber: a) de singularizao, ligada constituio do escravo como sujeito; b) de individualizao, a partir da qual se coloca o escravo em uma serie, seja na serie que o dono impe, ou seja, em outra srie; c) de objetivao, onde o escravo constitudo como objeto da propriedade do dono que o reclama. Ao lado das prticas discursivas que constituem o escravo como sujeito, encontramos as prticas que o constituem como objeto. Pressupe-se, geralmente que nas prticas discursivas relacionadas s caractersticas fsicas encontram-se, principalmente, objetivaes do escravo, entretanto, encontramos algumas que remetem a outras regies do interdiscurso que ao da pura

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objetivao. Vejamos nos pontos a continuao quais efeitos de sentido podem ser encontrados nas diferentes seqncia.

3.5-1. Seqncias relacionadas Discursividades da propriedade

Dentre as seqncias relacionadas posse observamos dois tipos diferentes, a saber: a- As relacionadas com a posse do dono e, b- As relacionadas com a posse dos escravos. Assim pode ser observado na tabela seguinte.
Relacionado posse do dono Pertencente a Miguel Menardi Pertencente a Jos Elias de Oliveira Foi comprado do Sr. Ratellif de Santa Brbara Foi escravo do falecido Baptistinha Este escravo foi do capito Ribas, quem do mesmo... Este pertence fazenda do Jaguary e fugiu h 3 annos Estes escravos forma comprados na Rio de Janeiro pelo Sr. Nuno Diogo Pertencente ao espoliodo finado sbdito portuguez Joo B. PereiraNogeuira da Motta Estes escravos foram comprados na Rio de Janeiro pelo Sr. Nuno Diogo Nogueira da Motta Relacionados escravos posse dos Estas duas escravas levaram consigo, cada uma, sua malha de roupa, e andam todos juntos; no dia da fuga, foram vistos a duas lguas de distancia na estrada que vem para Campinas. Levou toda sua roupa

Relacionadas ao que levaram os escravos e que tambm

Levou chal de merino vermelho, saia de baeta vermelha,

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reclamado pelo dono com seu.

e xadrez vermelho, camisa de morim rendada nos peitos. Levou roupa fina e grossa\\ Levou vestido paletot de panno azul desbotado, camisa e cala de algodo grosso, com chapo de palha ordinria. Levou roupa de algodo e uma cala de cassineta xadrez Levaram bas de folha com roupa fina, chapos pardo e preto, botinas de homem, paletot de casimira preta. Levou roupa de algodo e paletot de baeta vermelha. Levou japona preta, calsa de casemira azul e alguma roupa de algodo Levou chapeo de palha fina, duas mudas de roupa, uma de brim branco outra de riscado. Levou cala e camiza de algodo, ponche velho, chapu de panno preto, faca Laport com bocal e ponteira de metal Levou em sua companhia uma mulata quase branca

Quando lemos que os escravos levaram roupas e que se vestem de determinados modos podemos pensar que h, no discurso do dono, um dizer a respeito de um modo de se cuidar dos escravos. Os escravos no saam das fazendas correndo e sem pensar, eles juntavam suas roupas, seus pertences e fugiam. A fuga se constitui j no como um ato impensado e desesperado. A fuga era um ato de cuidado e ele se pode ver no gesto que o dono descreve de levar roupas. Pode-se pensar que o escravo levava roupas porque era ladro, porque simplesmente as furtava. Mas tambm podemos pensar que, se segussemos a tese de que os escravos eram simples objetos, no haveria necessidade de roupa. Se continussemos na linha de raciocnio das teorias que diziam que os escravos eram tratados como animais, colocando-os nesse nvel, no haveria como eles pensarem em roupas. Mas se relacionarmos aas seqncias que dizem respeito ao que

levaram os escravos e que reclamado pelo dono com

195

b-

as seqncia que descrevem a aparncia fsica

do escravo, podemos chegar a outra concluso. Vejamos inicialmente as seqencias seguintes:

Barba e/ou Cabelos - Tem alguns fios de barba - barbado - cabelos grenhos - Sem barba - Barba cerrada - J tem alguns cabelos brancos - Pouca barba - Barba no queixo e bigode - Pouca barba - Pouca barba ou nenhuma - Cabelos grenhos quase vermelhos - Principiando barbar - Barba regular...cabeleira sempre penteada e grande - No tem barba - Pouca barba e raleada - Cabellos grenhos, mui soltos - barbado - Tem buo e alguns fios de barba - Cabello solto - Cabellos soltos aparados um pouco compridos - Cabello grenho - Barba debaixo do queixo conservando-a sempre cortada - Cabelo cortado quasi rente - Pouca barba no queixo Meio calvo Buo serrado Buo pequeno, pouca barba, no queixo, Buos grandes Pouca barbar Buo Falta-lhe bastante cabellos

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Conserva bigodes grandes e traz barbas cortadas thesoura

H por um lado, nas seqncias relacionadas s propriedades que o escravo leva e estas seqncia sobre cabelos e barba; uma relao. As duas denotam um cuidado que o escravo tem consigo mesmo. Isso pode ser observado, sobretudo naquelas frases que falam do modo com que eles levam o cabelo, as barbas. Esse cuidado no banal pelo que afirmamos acima e ele resulta em uma atividade que subverte uma ordem, como desenvolveremos a seguir. De acordo com Michel Foucault na Histria da sexualidade Vol. II, na Grcia antiga, havia uma diviso especifica dentre aqueles atos que eram considerados sexuais. Esses no tinham, unicamente, relao ao que hoje entendemos por sexual, ou seja, com o coito, e sim com relaes que as pessoas tinham com o prprio corpo e com o corpo do outro. Essas redundavam em atitudes, polticas, que influenciavam a comunidade como um todo e que gerenciavam a distribuio na sociedade de cada um de seus integrantes. Assim, este modo de fazer uso do corpo devia ser educado, estilizado e para tal, estudado. Surge, ento, a Diettica, que se dedicar ao estudo do corpo; a Econmica ao matrimnio; a Ertica, aos rapazes, a Filosofia verdade. Foucault resgata alguns rasgos gerais de cada uma desta disciplinas. Ele percebe que aps os gregos, a problemtica do corpo continua e contudo, ganha novos matizes. Assim, no cristianismo da Idade Media, a burguesia, por exemplo, ter seu modo de controlar os corpos. Mencionamos no primeiro ponto desta terceira parte, a segmentarizao em espaos pelo qual possvel o escravo circular um dos mecanismos de dominao, de regulao dos corpos. Assim ns conseguimos concluir de os cdigos de postura eram um modo de controle. Justamente era um controle, um poder exercido sobre o corpo do outro, sobre o corpo do escravo.

197

Os gregos afirmavam que, para ser um bom governante, para poder governar de modo certo os outros, o cidado devia ter controle sobre o prprio corpo. Deste modo, governando a si mesmo era o melhor modo de governar. Esse governo de si ser o que relaciona o indivduo com a prpria liberdade. Mas a liberdade, nestes termos, no est relacionada com a concepo burguesa herdeira da revoluo francesa, nem ao livre arbtrio do cristianismo. A liberdade se apresenta neste contexto como governo de si. Vejamos a seguinte citao:
Pero esta libertad es algo ms que una simple no esclavitud, ms que una manumisin que hiciera al individuo independiente de toda constriccin exterior o interior; en su forma plena y positiva, es un poder que ejercemos sobre nosotros mismos en el poder que ejercemos sobre los dems. Aqul, en efecto, que, por estatuto, se encuentra colocado bajo la autoridad de los dems no tiene que esperar de s mismo el principio de su templanza; le bastar con obedecer las rdenes y prescripciones que se le den. Esto es lo que explica Platn a propsito del artesano: lo que tiene de degradante es que la mejor parte de su alma es dbil por naturaleza, al punto de no poder dominar a los cachorros que hay en su interior, antes por el contrario los halaga y no es capaz de aprender ms que a adularlos; Por el contrario, el que debe dirigir a los dems es aquel capaz de ejercer una autoridad perfecta sobre s mismo: a la vez porque, en su posicin y por el poder que ejerce, le sera fcil satisfacer todos sus deseos y abandonarse a ellos, pero tambin porque los desrdenes de su conducta tienen efectos propios sobre todos y en la vida colectiva de la ciudad. (FOUCAULT 1986, p.p.78-79)

A liberdade fica configurada, na sociedade grega, como governo de si. Esse governo de si relaciona-se com um cuidado de si. Um cuidado com o prprio corpo. O cuidado com os gestos, com as roupas, com a aparncia, so considerados cuidados que se efetivam sobre o prprio corpo. Uma das afirmaes que resgata Foucault nesse volume que a principal diferena entre o dono e o criado que o segundo cuida do primeiro e o primeiro cuida de si mesmo.

198

Essa idia atravessa o mundo grego e chega, com modificaes, aos dias de hoje. O cuidado com o prprio corpo uma das constantes em nossa sociedade. Mas, pensando no Brasil do Sc. XIX, podemos fazer diferentes ligaes. Por um lado h um poder que se exerce sobre o corpo do outro. O dono tem um poder sobre o corpo do escravo, o submete, o usa, o domina. O escravo deveria, por sua vez, ser submisso e obedecer, como vimos no pargrafo citado acima. Porm isso no acontece. O escravo no obedece e o dono quer dominlo, mas no consegue. Mas, para que esta frase no seja somente uma afirmao podemos olhar para a seqncia que colocamos acima. Em uma, por um lado, os escravos cuidam de sua roupa, levam seus pertences (que j contraditrio que uma propriedade tenha propriedades). Alm de levar seus pertences, a partir do anncio publicado pelo dono, observamos que eles cuidavam de si mesmos, de seus cabelos, de suas barbas, de sua aparncia. No eram somente servos que deixavam de cuidar de si para cuidar do outro. Eles fugiam, eles se afastavam da fonte de perigo, eles cuidavam da prpria vida, do prprio corpo muitas vezes machucado por chicotadas, por castigos, cordas e todos os instrumentos que podem ser observados, nos mesmos anncios. Em poucas palavras: os escravos cuidavam de si ao ponto de fugirem. Isso se configura como um problema porque subverte. H uma subverso nos papis sociais, impostos na poca no Brasil. Aquele que devia cuidar do outro, cuida de si e, cuidando de si governa sobre si, ou seja, livre. Essa subverso no admitida e provoca a fria, provoca a empreitada de procurar o escravo, anunciar sua subverso e no anncio dizer: ele sujeito, sujeito a si mesmo. Isso resulta em uma contradio que emerge no anncio de fuga atravs da voz do dono que anuncia esse acontecimento. Um cuidado de si que se evidencia atravs de prticas discursivas que chegam at ns atravs dessas seqncias. Um acontecimento (o da fuga) que se traduzir em um acontecimento enunciativo: o anncio de fuga de escravos.

199

3.5.2 - Uso de termos relacionados com a objetivao: o caso de Regular.

O termo que, inicialmente, chama a ateno regular, ele repete-se em muitas oportunidades. Regular opera trazendo para o discurso o discurso de uma homogeneidade, uma regularidade existente. Minha pergunta : que significa ter uma estatura regular, como poderia quantificar uma estatura a partir do adjetivo regular. Para haver uma regularidade nessa estatura teria que pressupor a existncia de estaturas, alturas, grossuras, irregulares. Essa estatura, altura, grossura seria regular tomando qual parmetro de comparao? Precisa ser observado, portanto, como se articula o termo no nosso corpus. Advertimos que essa predicao vem ao encontro de outras duas com as quais entram em relao de antonmia: alto e baixo. Temos, portanto trs predicaes relacionadas com a estatura: alto, baixo e regular.

200

Policia de So Paulo, 27 de dezembro de 1862

Bom emprego de capital


Vende-se uma casa de morada, com quintal todo murado, rua das Flores, com fundos para o campo da estrada de ferro, com commodos regulares e espaosos, e cuja rea de todo o terreno d sobejamente para uma magnfica chacara. Nesta typographia se dir com quem as devero entender os pretendentes. Campinas, 3 de Fevereiro de 1876. 3-3

Gazeta de Campinas 11-02-76

201

Gazeta de Campinas, 12 de agosto de 1875

98

Gazeta de Campinas, 1 de setembro de 1870

99

Gazeta de Campinas, 28 de abril de 1872

100

98

O anncio diz: Desappeceu no dia 24 de Julho, s 11 horas da noite, a mulher allem de nome Anna Barbara, com os signaes seguintes; 46 annos de idade, cabellos grisalhos, altura regular, cheia de corpo; sofre algumas occasies de alienao mental. Foi vestida com uma saia azulada, de algodo, e um paletot de nobreza preta. Pede-se pessoa que della tiver noticia certa, queira communicar rua do Regente Feij que ser gratificado.
99

Escravos Fugidos - De Francisco Antonio de Souza Salles, deste municipio, fugiram duas escravas sendo uma de nome Virginia, h um anno, ou pouco mais, com os signaes seguintes: preta, estatura regular, falta de dentes, cabea mal feita, idade de 40 a 50 annos, mos de tamanho regular, desimbaraada e risonha no fallar, meia gorda; - a outra de nome Rita, fugida a 23 do corrente mez, com os signaes seguintes: idade 20 annos mais ou menos, alta, gorda, preta, tem uma cicatriz de coice de cavallo no canto da bocca ao lado direito, pescoo grosso, marcas como de cordas nos braos, ps grnades, boa dentadura, muito fallante, carrancuda na feio, porm risonha. D-se a quantia de 100$000 a quem aprehendel-as, por cada uma, e entregal-as a seu senhor na sua fazenda. Campinas, 24 de Agosto de 1870.
100

No dia 21 do corrente desappareceu de um dos postos desta cidade, uma besta preta, tamanho regular, ferrada, tousada de novo, tendo ao p da cernelha a crina mais alta e o topete um pouco maior que a crina, muito boa de marcha e muito mansa. Quem della der notcias nesta mesma cidade em o hotel Cazes ou na chacara do sr. Belarmino ser bem gratificado. Campinas, 24 de Abril de 1872. Bazilino Modesto de Castro.

202

Observamos que o adjetivo regular utilizado relacionado com o tamanho, seja de animais ou pessoas e coisas, seja tambm aplicado ao servio (servio regular). Poderamos dizer que o emprego de regular que nos chama a ateno nestas descries no corresponderia somente ao uso de adjetivos relacionados a objetos, seu uso aplicado a uma ampla gama de nomes. Referese a algo que oposto a grande, (cmodos regulares e espaosos) No nosso corpus, encontramos as seguintes expresses relacionadas com o adjetivo regular.

Estatura - alta /o - Estatura regular - Altura regular - altura ordinria - Estatura baixa - Alto e corpolento - Baixo - Pequena estatura - Estatura e corpo pouco mais que regular - Muito baixo e fino de corpo - Altura e corpo regular - Baixinha (Libania 11-2-76) - Corpo fino - corpolento

Contextura fsica

- encorpada - Cheio/a de corpo - Corpo regular - Boa figura - Corpo e altura regular - Alto e corpolento - Corpo delicado (Joaquim) - Delgado de corpo - Bom corpo - Corpo reforado - Espigada muito bonita (Florencia26-4-74) - Fino de corpo - Estatura e corpo pouco mais que regular, bem feito, boa figura Muito baixo e fino de corpo Fino de corpo Espigado,....corpo delgado Grossura regular

Regular se encontra em relao de sinonmia com ordinrio em altura ordinria altura regular. Em relao de antonmia com alto e baixo. Assim,

203

quando se refere ao corpo relaciona-se com fino, espigado, delgado, delicado, reforado, bom. Regular aparece em todas as ocorrncias determinando o nome que acompanha e sempre aparece na posio de adjetivo. Propomos analisar, portanto o Domnio Semntico de Determinao desse termo. Guimares afirma a respeito:
Para a constituio do DSD, parte-se de uma palavra especfica e procura-se, por um procedimento de anlise especfico, relacionla a outras do corpus buscando as relaes de determinao que organizam as relaes. (E. GUIMARES 2007, 14)

DSD Regular Alto Altura Regular -------Ordinrio Baixo------- muito baixo

Delgado - fino

Corpo Regular

Cheio de corpo

204

Nosso adjetivo determina corpo e altura, no que se refere aos anncios e, em outros textos, determina cmodos. Tanto em um caso quanto no outro, o termo restringe-se determinao de coisas. Regular, assim, determina corpo e corpo determina singular. H vrios modos de ser corpo, como vimos acima, h outros de ser altura. Regular determinar e ser determinado por estes dois e seu sentido se constri na enunciao. Desse modo, Regular significa no alto, no baixo, no cheio de corpo. No h medida para regular, no um termo mensurvel em nmeros, mas mensurvel em aproximaes. Mas ele se define pelas relaes que estabelece com esses termos. No poderia dizer quanto pesa um homem regular, nem quanto mede, mas poderia dizer que ele no baixo, nem baixinho, nem alto. Esse o significado do termo. Mas tambm observamos que regular sempre estar relacionado com coisas, cmodos, alturas, pesos, em fim, medidas. Por esse motivo consideramos que este termo est relacionado com seqncias discursivas relacionadas com a objetivao. Mede-se, pesa-se, calcula-se o escravo quando se diz que ele tem uma estatura ou um corpo regular. Ele objetivado nessa determinao.

3.5.3- Sem defeito bem feito

Mas vejamos outra seqncia da descrio e o funcionamento desta relacionada com um processo de objetivao. Sem defeito, uma enunciao que claramente relaciona o escravo com aquelas prticas discursivas que o constituem como objeto. Poderamos pensar em uma relao de Bem feito com sem defeito, porm, elas acontecem em domnios semnticos diferentes. Vejamos enunciaes em outros textos da poca. 205

Gazeta

de

Campinas,

de

maio

de

1872

101

Gazeta de campinas,30 de maio de 1872

102

GAIOLAS
H na rua do General Ozrio, casa onde residiu o finado Camargo do mercado, uma poro de gaiolas, prprias para sabis, arapongas, etc., sendo envernizadas e sem envernizar; todas tecidas de arame, muito bem feitas e por preos razoveis 3-3 (4-3-76 Gazeta de Campinas)

101

Os anncios dessa pgina se transcrevem do seguinte modo:Na noite de 25 para 26 de Maro p.p., fugiu de casa de Diogo Antonio de Souza Castro, o escravo de nome Geraldo, pertencente ao espolio do finado sbdito portuguez Joo Baptista Pereira Camacho, cujo escravo tem os signaes seguintes: estatura regular, delgado de corpo, rosto comprido, com falta de dois dentes do lado esquerdo, com uma pequena cicatriz na fonte do lado esquerdo, falla bem, tem por todo o corpo signaes de chicotadas, e j foi surrado, tem signaes de ventosas no peito, ps compridos e bem feitos, na perna direita tem uma ferida. crioulo. Tem de idade de 26 a 28 annos. pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro. Este escravo foi arrecadado por esta agencia consular de Portugal, em Campinas. Quem o aprehender e trouxer em Campinas a esta agencia, ou delle der notcias certas ser bem gratificado./ Campinas, 4 de Abril de 1872./O agente consular, Joaquim Candido Thevenar.---ESCRAVO FUGIDO--Fugiu da cidade de Campinas, hoje 4 de Abril, pelas 10 horas do dia, o escravo Theodoro, pertencente a Miguel Menardi; com os signaes seguintes: idade 20 annos, mais ou menos, mulato fula, cara redonda, bonito, estatura regular, bom corpo, principiando barbar, e sem defeito. Levou vestido paletot de panno azul desbotado, camisa e cala de algodo grosso com chapo de palha ordinrio. Quem o prender e entregar em Campinas, ao anunciante receber 100$000 de gratificao. /Este escravo foi comprado ao capito Jos Pereira Almeida, de Rio de Janeiro.
102

O anncio diz: Signaes do escravo Francisco fugido de Campinas, hoje 29 de Abril de 1872, pertencente a Jos Elias dOliveira:

206

A objetivao marcada pelo uso do substantivo no singular, o que lhe d um estatuto de generalidade. Ao dizer sem defeitos se poderia pensar que, como qualquer pessoa ele tem defeitos: preguioso, avarento, ou com algum vcio ou qualquer outro. Mas sem defeito remete a que o escravo no tinha imperfeies de tipo fsico, que so as caractersticas que abundam nos anncios, dadas as condies de produo desse enunciado. Observa-se que h uma primeira enunciao que diz respeito a uma caracterstica identificatria (principiando barbar) e a essa caracterstica se soma outra (sem defeito) ambas as caractersticas unidas pela conjuno aditiva e que coloca no mesmo nvel de argumentao os dois termos: principiando barbar e sem defeito. Deste modo, evidencia-se sem defeito como mais uma caracterstica que identifica, naturalizando seu funcionamento e apagando (ou reforando) uma qualidade nitidamente objetivizante, a de no ter defeito na estrutura. Por outro lado, SEM DEFEITO, relacionado com principiando barbar, pode relacionar-se com um modo de dizer a respeito dos escravos da poca. O dizer do escravo SEM VICIOS. Os vcios do escavo eram um motivo para a desvalorizao do preo no mercado, assim como os defeitos. Por esse motivo evitava-se falar deles publicamente. Peter Beattie, trata o assunto no seu artigo The slave Silvestres Disputed Sale: Corporal Punishment, Mental Health, Sexuality, and Vices in Recife, Brazil 1869-1879. Aqui relata o caso do escravo Silvestre. Nesse caso, o novo dono de Silvestre decide devolv-lo alegando que o escravo tinha vcios, defeitos. A lei que fundamentava ditas decises provm das Ordenaes portuguesas de 1603, pela qual um escravo poderia ser devolvido ao seu vendedor se o comprador comprovasse que ele tinha algum tipo de vcio.

Idade 45 a 50 annos, altura regular, crioulo de Pacon (Cuyab), tem falta de dentes na frente, ps e mos mal feitos, um tornozello inchado, rendido das verilhas, nariz chato e arcado, o brao direto um tanto inchado perto da munheca, barbado, tem na cabea cicatrizes e nesse lugar cabello cortado. Quem o aprehender e entregar a seu senhor ser bem gratificado.

207

Os vcios dos escravos, de acordo com as Ordenaes se dividiam em dois tipos, a saber: Vicio de fugitivo e vicio de nimo. O primeiro poderia anular a negociao se comprovado pelo comprador, j que ele era includo nos vcios de nimo pelo artigo n 2 do livro 4, ttulo 17. Nele contemplavam-se como vcios de animo aqueles vcios de vontade, alma, esprito ou mente. A apelao a eles redundava na anulao automtica de toda transao de compra-venda de escravos. Mas essa legislao no chega nesses termos ao Brasil. Beattie (2005) afirma que:
In Brazil, vice was a flexible term. It could mean bad habits, addiction, or physical deformity. In the Northeast, it was slang for geofragia or being unhealthily addicted to eating soil, which was not uncommon among Brazils malnourished slave population. The Ordenaes did not catalogue all vices, but in combination with the other sources quoted above, it is possible to draft a partial list: gambling, sloth, running away, sodomy (and lasciviousness in general), dipsomania, ingratitude, cursing, and bravado. (BEATTIE 2005, p. 7)

Talvez seja pelos motivos que aponta Beattie acima que encontramos ocorrncias do tipo do seguinte anncio:
Gazeta de Campinas 29 de junho de 1872103

103

Fugiu de Bierrenback & Irmo, um escravo pardo, Bento, com os signaes seguintes: baixo, cabellos grenhos, nariz chato, boca e dentes grandes, no tem barba, 16 ou 18 annos mais ou menos de idade, tem nas costas signaes antigos de ter sido castigado, no olhar parece vesgo, j foi tropeiro, muito obediente. Protesta-se contra que o occultar, e gratifica-se a quem o entregar a seus senhores, ou der notcias certas.

208

Nesse anncio encontra-se a seqncia: muito obediente. Resulta paradoxal ler em um anncio de fuga no qual se diz que Bento fugiu, que foi castigado anteriormente e que muito obediente. Resulta, portanto significativo o dado trazido por Beattie e talvez por esse motivo aparea este paradoxo. Relacionadas especificamente a sem defeito encontramos tambm as seqncias:
Bem feito de mos e ps, tem os tornozellos dos ps meio tensos para o lado de dentro, Ps e mos mal feitos, um tornozello inchado rendido das verilhas ....o brao direito um tanto hinchado perto da

munheca(Francisco 30-05-72)

O ato de fazer est relacionado a coisas, no se fazem pessoas, as pessoas nascem, desenvolvem-se, gestam-se, mas, a predicao bem feito relaciona-se com o produto de um processo. Ao dizer que um escravo tem os ps bem feitos remete-se a uma objetivao clara. O fazer de uma coisa relaciona-se com um processo relacionado a coisas ou aes. Podemos concluir que tanto bem feito quanto sem defeito so predicaes relacionadas com processos de objetivao do escravo.

3.5.4- Ladino fala bem


Por outro lado, encontramos seqncias que so semelhantes entre si e que tm um termo piv comum. Nelas se observam dois funcionamentos diferentes. Exemplos deles so os seguintes:

209

Gazeta de Campinas, 21 de abril de 1872


104

Gazeta de Campinas, 8 de janeiro de 1876

105

104

O anncio se transcreve: Fugiram da fazenda do Morro-alto, pertencente a Candido Jos Leite Bueno, no municipio da vila do Patrocinio, a 20 de Setembro, Lino idade 30 a 35 annos, alto, magro, cr preta, rosto redondo, nariz chato, boca grande, tem falta de dentes na frente, barba no queixo e bigode, officio de carpinteiro, muito catingudo, soffre de hemorroidas sangradas a ponto de andar com as calas umidas. Foi montado em um cavallo saino, velho. -Simeo, a 23 de Abril, idade 25 a 30 annos, altura ordinaria, cheio de corpo, bem preto, rosto redondo, boa figura, bons dentes, muito ladino, tem signal pequeno no rosto como de golpe. -Joaquim, creoulo de Minas, meio fula, corpo e altura regular, olha um tanto carrancudo, tem signaes no pescoo provenientes de ferros, nos tornozelos dos ps tambem tem signaes, idade 26 annos. Este pertence a fazenda do Jaguary, no municipio de Campinas e fugiu h trez annos mais ou menos. Gratifica-se com duzentos mil por cada um que for entregue nas refereidas fazendas. -Elias, da fazenda do Camandocaya, estatura baixa, fula, pouca barba, cheio de corpo, tem signaes de castigo, idade 30 annos, bm ladino, no encara bem. Gratifica-se com cem mil reis quem o levar referida fazenda.
105

Benedicto, preto, espigado, rosto pequeno e cabea tambm pequena, buo, falta de um dente na frente, (parte superior), corpo delgado, signal de um tiro na mamila esquerda, tem os dois dedos mnimos dos ps arrebitados para cima, costuma ter purgao em um ouvido, falla bem, ladino, bom cavalleiro, bom carreiro, crioulo desta cidade. muito facil de ser encontrado em casas de pretos forros, ou pessoas nessas circunstancias.-Quem o prender e entregar nesta cidade a Antonio Firmino de Carvalho e Silva, ser gratificado com 200$000.

210

Gazeta de Campinas, 9de maio de 1872106

Observamos nestes anncios o funcionamento da palavra ladino. No primeiro, ao se falar de Simeo encontramos a predicao muito ladino, e, ao falar de Elias afirma: bem ladino. J no segundo anncio, ao descrever Benedicto o anncio diz: fala bem, ladino, bom cavalleiro, bom carreiro, crioulo desta cidade. Perante o mesmo termo encontramos dois modos diferentes de utilizao do termo, ou seja, estamos frente a um termo polissmico. O ladino, de acordo com Yeda Pessoa Castro, no artigo Influencia das lnguas africanas no Portugus brasileiro era:
Ladinos eram aqueles que logo cedo aprendiam a falar rudimentos de portugus e podiam participar de duas
106

O anncio diz: ESCRAVO FUGIDO-Fugiu no dia 15 do corrente, da fazenda do dr. Araujo, no Amparo, onde se achava a ttulo de venda, o creoulo Jos, com os signaes seguintes: pardo, cabellos grenhos e quase vermelhos, cara fina e alegre, muito prosa e ladino, de 14 annos de idade, baixo, e tem um p sahido mais para fra. Anda montado em um burrinho pangar, velho, em um lombinho novo e anda com cartas dirijidas ao mesmo dr. Dizendo que esta a seu servio. Quem o aprehender e entregar ao seo senhor Ildefonso Antonio de Moraes, ser gratificado e protesta-se com o rigor da lei contra quem o acoutar.

211

comunidades scio-lingsticamente diferenciadas: a casa-grande e a senzala, para tomar o binmio consagrado pela obra do mesmo nome de Gilberto Freyre. Na codificao de bilnges, atuavam como uma espcie de levatraz, o que deu motivo ao ditado popular107 diante de ladino, melhor ficar calado, desde quando podiam falar a um nmero maior de ouvintes, e influenci-los, resultando da por adaptarem uma lngua a outra e estimularem a difuso de certos fenmenos lingsticos entre os no bilnges, no caso, o escravo novo e o chamado escravo boal, aqueles que no falavam portugus. Enquanto na casa-grande eram os preferidos para os trabalhos domsticos, privando da sua intimidade, nas senzalas lhes era confinado o poder da disciplina e do comando que se estendia s plantaes e aos engenhos, na qualidade de capites-do-mato e guardas pessoais de seus proprietrios, com cujos interesses eles se identificavam. (PESSOA DE CASTRO s.d.)

Por outro lado, de acordo com o dicionrio de Faria (1859), ladino significa:
Ladino, a, adj. (corrupo de latino) legitimo, derivado do latim sem mescla de arbico. Portuguez _________. Ex. Mouros que sabiam fallar ______. Inedit. II424: ______(fig.) hoje muito us., esperto, fino, no rude. Homem _____. Escravo ______, o que falla bem a lngua do senhor, e entende o servio da casa. (FARIA 1859, p. 545)

Como foi mencionado acima ao trabalhar as diferenas entre os termos fugido e fujo, o dicionrio de Faria tem a caracterstica de trazer uma releitura do dicionrio de Moraes. Alm disso, traz um adicional do uso dos termos a partir de um trabalho de pesquisa sobre o uso dos termos nas ruas. O dicionrio mostra os diferentes usos do termo e nos anncios observam-se seus diferentes funcionamentos. Observamos que ladino um termo polissmico.

107

Para o funcionamento de provrbios consultar OLIVEIRA SANTOS, Mnica. Um comprimido que anda de boca em boca. Os sujeitos e os sentidos no espao da enunciao proverbial. Campinas: Pontes, 2007.

212

Analisando a seqncia: falla bem, ladino, ladino aparece como um complemento de falla bem, como explicao de fala bem. Por esse motivo, pensamos que esse uso de ladino corresponde ao colocado acima. J em bem ladino, ou muito ladino o que est em jogo um modo de ser e no uma posio social. A ordem das palavras nos d um sentido de glosa nessa seqncia falla bem, ladino. Acolhe-se nessa glosa um no um que nos remete a uma posio no interdiscurso. O indivduo que diz falla bem, ladino, coloca em evidncia a constituio de outro como sujeito ao falar dele, ao dizer que aquele est em outro lugar do discurso, falando (falla bem) e ocupando um lugar social. Emerge um lugar de enunciao para o escravo se instalar como locutor-x, legitimamente, na sociedade escravagista que lhe interditava a palavra e inclusive como enunciador de si. O sentido de malandragem para ladino mostra a reao do senhor a essa fala (esse lugar de enunciao) que emerge sem autorizao. A introduo da explicao de falla bem est dada pela vrgula e pela no existncia de um quantificador como muito ou bem. Ao dizer ladino podemos supor dois funcionamentos. Um dado por um inciso explicativo de fala bem. Ele fala bem porque est na casa grande, porque um escravo que tem privilgios, o de conviver com os senhores, o de viver nos dois mundos, nas duas esferas, ou seja, porque ladino. Alm disso, podemos observar que o funcionamento de ladino recai sobre o falla bem, no sentido qualificativo. Como ladino, fala bem, portanto esperto, pode enganar. Contudo, o funcionamento nessa seqncia no somente em um sentido, crescente ( direita) a partir do qual as qualidades vo se somando, mas tambm existe uma articulao de direita esquerda da seqncia entre os termos. Essa dupla articulao somente possvel pela polissemia do termo que permite a dupla determinao. Vejamos a sentena completa e seu funcionamento:

213

Gazeta de Campinas, 8 de janeiro de 1876108

enumerao

refere-se

caractersticas

de

tipo

fsico

predominantemente. A partir do nome prprio do escravo irrompe uma enumerao. A partir da seqncia: falla bem, discursividades relacionadas ao modo de dizer do escravo (falla bem ladino: domina a lngua do senhor), relacionadas ao modo de ser ( ladino, ou seja, esperto), ao lugar que ocupa na srie social do espao pelo qual o escravo circula ( ladino, est entre a casa grande e a senzala, circula nos dois crculos sociais), relacionadas ao trabalho (bom cavaleiro, bom carreiro) e relacionadas com a procedncia ou lugar de origem ( crioulo desta cidade) so mencionadas. Assim, podemos dizer que, graficamente, o termo ladino funciona do seguinte modo:
Inciso explicativo: explica o motivo/origem do bem fallar e permite a
enunciao posterior: bom cavalleiro Benedicto, preto, espigado, rosto pequeno e cabea tambm pequena, buo, falta de um dente na frente, (parte superior), corpo delgado, signal de um tiro na mamila esquerda, tem os dois dedos mnimos dos ps arrebitados para cima, costuma ter purgao em um ouvido, falla bem, ladino, bom cavalleiro, bom carreiro, crioulo desta cidade. muito facil de ser encontrado em casas de pretos forros, ou pessoas nessas circunstancias.Quem o prender e entregar nesta cidade a Antonio Firmino de Carvalho e Silva, ser gratificado com 200$000.
108

214

costuma ter purgao em um ouvido, falla bem, ladino, bom cavalleiro,

sentido qualificativo : solicita cuidado, ateno, chama


ateno para a personalidade desse escravo .

A partir dessa anlise podemos afirmar que h dois funcionamentos possveis. Por um lado, encontramos os que esto determinados por um advrbio de quantidade, que limita o termo polissmico a somente uma interpretao possvel. Esse o caso de mui ladino que remete s discursividades relacionadas ao modo de ser do escravo. Por outro lado, esto aqueles que no sero determinados por um advrbio de quantidade e que mostram sua polissemia. De acordo com Guimares (2005) pode-se observar, de um nome o seu DSD Domnio Semntico de Determinao. O autor prope a observao das palavras, nos estudos lexicais, na relao que estabelecem com outras palavras. Ele afirma que preciso tratar as palavras nas relaes que suas

enunciaes constroem. (E. GUIMARES 2004, 94) Acreditamos pertinente observar o DSD do termo ladino.

DSD Ladino

215

Fala bem ladino lngua falada Esperto ----fino----no rude

O termo ladino reescreve fala bem e por sua vez fala bem reescreve fala a lngua do senhor. Agora bem, se consideramos que o carter material do sentido consiste na dependncia constitutiva daquilo que chamamos o todo complexo das formaes discursivas, Pcheux nos dir, em relao relao do sentido das palavras com as formaes ideolgicas que:
O sentido de uma palavra, de uma expresso, de uma proposio, etc., no existe em si mesmo (isto , em sua relao transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrario, determinado pelas posies ideolgicas que esto em jogo no processo scio-histrico no qual as palavras, expresses e proposies so produzidas (isto reproduzidas). Poderamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expresses, proposies, etc., mudam de sentido segundo as posies sustentadas por aqueles que as empregam. (PCHEUX 1997, p. 160)

Assim sendo, e pensando discursivamente as seqncias que estamos analisando, o dono do escravo, ou seja, quem emprega a expresso bem ladino inscreve-se em uma forma-sujeito, a do proprietrio. Ela corresponde a uma Formao discursiva, a escravista. Ocupando a posio de sujeito de dono do escravo e, a partir dela, diz respeito outra posio: a do escravo. A partir dali escreve o anncio. Se considerarmos que a Formao discursiva no fechada nem estanque em relao a outras formaes discursivas, podemos afirmar que essa seqncia tem elementos outros do interdiscurso. Ele mobiliza sentidos tanto da regio do interdiscurso relacionada ao discurso dos donos dos escravos

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quanto de outras regies do interdiscurso relacionada com os escravos. Filtra-se, de gaiato, uma enunciao de outra FD na FD dono de escravos e que dar a possibilidade de outras enunciaes. Esse efeito ser possvel a partir do enunciado polissmico de falla bem, ladino. Encontramos nessa seqncia indcios de um processo de subjetivao que se filtra no enunciado do dono e aparece de modo sintomtico na letra do anncio. Uma enunciao que dar as condies de possibilidade para enunciaes como a liberdade dos escravos.

3.5.5- Crioulo

As seqncias relacionadas com o termo crioulo so enunciaes relacionadas com a origem como podemos ver no seguinte quadro:

ionadas procedncia

Relac

ladino creoula de So Paulo e l tem o marido.

Creoulo de Pernambuco Creoulo de Minas

Creoulo Jos Natural de So Paulo

Creoullo do norte creoulo nao mina Manoel Bahiano Estes escravos foram comprados na Rio de Janeiro pelo Sr. Nuno Diogo Nogeuira da Motta da Bahia

Crioulo Preto da Crioulo

Crioulo de Pacon (Cuyab) Escravo creoulo de nome Jos Natural da Bahia africano

Crioulo desta cidade

217

Este pertence fazenda do Jaguary e fugiu h 3 annos Quase ndio

Este escravo foi do capito Ribas

nte ao finado portuguez Pereira

Pertence espoliodo sbdito Joo B.

Elias da fazenda Camandocaya

Observamos que para falar a respeito da procedncia do escravo, para falar de sua origem, alm da prpria fazenda, o dono em muitas oportunidades se refere a ele como crioulo. Em oposio a crioulo encontramos as seguintes seqncias: ndio, Africano, Preto da nao mina E tambm: Natural de Pertencente ao espolio Relacionado com creoulo temos as seguintes ocorrncias: Creoulo de Bahia Creoulo de Minas Creoulo de So Paulo Creoulo de Pernambuco Creoulo do Norte

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Creoulo de Pacon (Cuiab) Creoulo desta cidade.

O termo crioulo est sendo determinado em todas as oportunidades. Encontramos ocorrncias do tipo o escravo creoulo de nome Jos, ou o creoulo Jos; ou o escravo creoulo. O termo crioulo ora aparece determinando escravo, ora aparece determinado por uma construo do tipo (Prep. + nome de cidade). No segundo caso est funcionando como nome enquanto que no primeiro funciona como determinante do nome: escravo creoulo. Por outras palavras, escravo do grupo dos escravos e, dentro dele, do grupo dos creoulos. Isto fica mais evidente quando comparamos a seqncia escravo crioulo com outras denominaes do escravo que surgem tanto nos informes quanto em outros anncios. Assim, podemos dizer que escravo crioulo est em relao de antonmia com africano, preto da nao mina. O termo crioulo foi definido por Faria (1859) como:
Crioulos. m. (de criar) preto escravo nascido em casa do seu senhor; animal, cria que nasce em nosso poder. (FARIA 1859, p. 959)

Mas ser crioulo no era somente uma marca de nascena. Ser crioulo era um modo de classificao do escravo, era um modo de colocar ele na srie. Significava de um modo especifico dentro da discursividade dos senhores, e tinha outro valor dentro da discursividade dos escravos. Maggie (1994) traz o valor desta hierarquia para os donos de escravos. A autora afirma:
O escravo era Nag, Uss, Bantu, Mal ou crioulo. Os termos que classificavam as diferenas podiam ou no denotar hierarquia. Diz-se que os de nao eram mais valorizados para o trabalho. Os crioulos eram considerados criadores de caso e malandros. Os africanos, tinham fama de rebeldes, e entre eles os Nag eram

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mais valorizados pela inteligncia. Os Bantu tambm eram tidos como mais difceis para o trabalho. H na literatura uma nfase na"nferioridade cultural" dos "angola-congoleses" ou Bantu em oposio superioridade dos Nag. O complexo sistema de classificao escravista construdo por senhores brancos parece ter tido tambm consenso entre os escravos, a se julgar pelos termos classificatrios at hoje presentes nos candombls. Nesse momento o escravo era um ser Nag, Bantu etc., porque era um outro. O problema comea com a classificao do crioulo, que era um "mesmo outro". Aparece o uso da cor como critrio para marcar distines. Com a Abolio, o outro passa a ser o mesmo, e torna-se necessrio criar um sistema classificatrio capaz de manter esse "mesmo" diferente. De direito tornou-se o mesmo, mas no de fato, como o sistema classificatrio tende a comprovar. (MAGGIE 1994, p.p.156-157)

Desse modo podemos propor que o DSD do termo crioulo o seguinte :

DSD Crioulo:

Crioulo ... aculturado Boal --------africano ndio

O nome crioulo reescreve aculturado e est em relao de antonmia com boal e africano. O termo nos traz as informaes que o escravo ocupa em uma srie, ele denota o lugar no qual o escravo nasce no Brasil ou em um Estado do pas. Darcy Ribeiro acrescenta a respeito:
Sobrevivendo a todas as provaes, no trnsito de negro boal a negro ladino, ao aprender a lngua nova, os novos ofcios e novos hbitos, aquele negro se refazia profundamente. No chegava,

220

porm, a ser algum, porque no reduzia jamais seu prprio ser simples qualidade comum de negro na raa e de escravizado. Seu filho, crioulo, nascido na terra nova, racialmente puro ou mestiado, este sim, sabendo-se no africano como os negros boais que via chegando, nem branco, nem ndio e seus mestios se sentia desafiado a sair da ninguendade, construindo sua identidade. (RIBEIRO 2000, p. 131)

Portanto poderamos dizer que o termo crioulo , inicialmente, um termo que denota o lugar que o escravo ocupava em uma srie. Tambm surge com o sentido de modo de ser, sendo, portanto um termo misto, de individualizao e de singularizao. Por um lado, individualiza por que diz que ele no africano, ele nascido no Brasil, ele j est inserido na Sociedade na qual vive, misturado com as pessoas do lugar. Por outro lado, um termo de singularizao porque diz respeito ao modo de ser crioulo: malandro, criador de caso, rebelde em procura de uma identidade, no espao intermedirio entre a casa grande e a senzala.

3.5.6- Fala bem, fala muito

Observamos que os anncios tambm afirmam falla bem. Se nos embrenharmos na histria do Brasil do Imprio, poderemos observar que a fala em pblico do escravo estava proibida109. Tal determinao imperial proibia ao escravo falar em pblico. Sua fala deveria estar mediada pela fala de um homem

109

Para mais informaes consultar ZATTAR, N.M Os sentidos de liberdade dos escravos na constituio do sujeito de enunciao sustentada pelo instrumento da alforria. Tese de Mestrado IEL Unicamp, Campinas, (2000)

221

livre que lhe outorgue validade, como podemos ver nos seguintes casos dos jornais:

Agravo Cvel n 4 publicado no Jornal O Estado de So Paulo no dia 24 de janeiro de 1875110

Ou como se l na seco judiciria do Jornal O Estado de So Paulo do dia 08 de janeiro de 1875:


Appellao cvel N52 Bragana O juiz de direito da Comarca appelante, Juiz Antonio Lo..... da Silva appellado Jos, escravo de Luiz Antonio Lopes da Silva, apresentou-se ao juiz municipal do termo de Bragana pedindo ser depositado afim de, sendo lhe dado um curador, propor sua aco de liberdade contra aquelle que o retinha em injusto cativeiro; e sendo-lhe dado curador, por este accionou a seu senhor, alegando que nascera na frica, de onde viera criana como escravo importado para o Brasil depois da lei de 7 de Novembro de 1831 prohibitiva do trfico de escravos.

110

A transcrio do documento : Nomeado curador, mantido o agravo, onde foi sustentado o direito que tinha o escravo, a escolha do juiz fra do domicilio do seu senhor para demandar a este, tratando de sua liberdade, e conseqentemente a competncia do foro desta capital para nelle se agitar a aco respectiva, o juiz de direito da 2. Vara sustentou o despacho de que fora interposto o aggravo como se v da resposta seguinte:

222

Observamos que nesses processos judiciais que a fala do escravo era mediada por um curador. Porm, o escravo falava. Isso pode ser visto nos seguintes anncios:

Gazeta de Campinas, 1 de setembro de 1870

Gazeta de Campinas, 8 de janeiro de 1871

Gazeta de Campinas, 24 de dezembro de 1874

Gazeta de Campinas, 30 de maio de 1872

223

Gazeta de Campinas,11 de agosto de 1872

Gazeta de Campinas, 25 de outubro de 1874

Gazeta de Campinas,17 de setembro de 1874

224

Nesses anncios se faz meno fala do escravo, a seu modo, a sua quantidade, ao seu tipo, etc.. Dado o meio de comunicao no qual este anncio se encontra - um jornal, que distribudo pela cidade, e sendo que ele o espao onde se d legitimidade e onde se legitimam as falas daqueles que atravs dele se expressam; podemos considerar o fato da meno da fala do escravo sem mediao como significativa. Nesta parte da descrio um no dito aparece. O do escravo que fala em pblico. Ele ouvido pelo dono que coloca essa fala como trao significativo, que conforma a imagem do escravo desenhada na descrio. Deslocam-se, a partir deste elemento da descrio, alguns prconceitos relacionados com o escravo brasileiro. O escravo no era somente considerado um modo de acumulao do capital, uma mercadoria. Ele era um sujeito da sociedade imperial; o que d indcios do estatuto de sujeito do escravo a fuga do mesmo, que provocava uma escrita que o constitua como sujeito. Vejamos outros funcionamentos relacionados com fallar. Nessas seqncias encontramos um processo claro de subjetivao, dizer no Sc. XIX que um escravo falava atentava contra o prprio sistema que proibia a fala em pblico dos escravos. Mas observam-se dois funcionamentos diferentes de falar, a saber: a- como atributo e b- como ao. No caso de Joo: falla bem explicita, de falla grossa, por exemplo, a fala aparece como atributo sendo ela determinada por um adjetivo (grossa) ou por uma construo adjetiva (bem explcita). Em ambos os casos podemos afirmar que se predica a respeito da fala e no do escravo falando. O escravo simplesmente tem uma propriedade, a fala, que por sua vez ou bem explicita ou bem grossa. Mas nos outros casos podemos dizer que a fala aparece como uma ao realizada pelo escravo. Nessas ocorrncias, ao invs da fala aparecer como

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qualificao que diferencia aparece como ao realizada que diferencia. Essas enunciaes do-nos indcios claros de um processo de subjetivao em funcionamento. Vejamos os exemplos: a. Tem boa prosa dilludir b. Falla ligeiro e atrapalhado (designao dividida) c. Falla bem, crioulo da Bahia, cujo sotaque de falla ainda conserva. d. Gago Nestes exemplos temos diferentes modos de realizar a ao de falar, ao proibida por lei: falar at convencer, falar ligeiro e atrapalhado, falar bem e com sotaque e falar defeituoso, cortado interferido. Outras seqncias encontradas que se relacionam com a fala dos escravos no sentido proposto neste apartado so:

Rela cionadas personalidade

desimbar aada e Risonha no fallar

Bem fallante ito falladora

Mu arrancuda na feio porm risonha

mansa pouco fallante

Falla conversa Muito

No encara bem Feie s tristonhas

muito obediente Mui to ladino

I nclinado a domar B em ladino

Muito prosa Muito risonha cuda encarado

Mal stante altivo Carran ladino

Ba uito activo lha um tanto carrancudo

Relacionadas a outras

Falla bem falla bem, crioullo da Bahia, cujo sotaque de falla ainda conserva

226

discursividad es

Tem boa prosa dilludir Falla grossa Muito prossa e ladino Falla ligeiro e atrapalhado Gago Falla bem explicita Tem cravos de bba e crescido o enfrenque dos dois ps,conhecido por ps de inhame Ps muito grandes e estragados de bixos, calcanhar inchado, com o nome de copim, cor meio fula. Este escravo foi do capito Ribas, quem do mesmo... Anda montado em um burrinho pangar, velho, em u lombinho novo, e anda com cartas dirigidas ao mesmo Dr. dizendo que esta a seu servio. De nome Damio (o qual diz chamar-se Alfredo) Suppe-se que fugiu para S. Paulo onde conhecida pelo nome de Maria Nazareth ; j andou fugido por muito tempo, nas imediaes de Indayatuba, trazendo o nome de Matheus por cujo nome era conhecido nesses logares.

Nesse quadro podemos ver que, algumas das seqncias esto relacionadas com a fala como parte do carter do escravo. Elas so fala pouco, por exemplo. Outras falas dizem respeito ao dizer, especificamente. Dividindo-se essas ltimas em, aquelas nas que se diz que o escravo fala e as que dizem que o escravo diz. Entre o falar e o dizer h uma diferena. O primeiro pode ser considerado como fala tagarela, aquela fala das que mencionava Barthes. J o segundo pode ser o dizer com sentido, o dizer que implica alguma coisa ou que implica um interlocutor. O primeiro no pressupe uma relao de interlocuo mas o segundo sim.

227

No artigo de Benveniste Comunicao animal, linguagem humana o lingista afirma que o que diferencia um simples cdigo de sinais de uma linguagem o deslocamento de sentido que traz a interlocuo. Ele traz tona o exemplo das abelhas que somente repassam uma informao por meio de danas, que descrevem crculos e zig zagues. Ele diz que elas informam, porm esse cdigo que informa no uma linguagem, ele somente um cdigo que no d lugar interlocuo. Haveria, ento, somente linguagem quando, ao dar uma informao, o interlocutor discorde, concorde, recuse ou responda. Se pensarmos, agora, os termos falar e dizer atravs do dito por Benveniste podemos afirmar que falar remete a seqncias relacionadas com a individualizao do escravo por somente descrever aquela fala, sem interlocutor definido, e as seqncias que tem o verbo dizer na sua estrutura so seqncias de singularizao. Porm, afirmamos nessa tese que ambas as seqncias so de singularizao porque fala a respeito daquilo que foge, que escapa, que sobra e no pode ser formulado. Como afirmamos na Metodologia, essa singularidade estar relacionada ao gesto que leva ao dono a falar a respeito de um fazer que lhe foge, um dizer que produz efeitos de sentido e que no aprendido.

3.5.7- As discursividades relacionadas ao discurso da lei e disciplinarizao:

As seguintes seqncias foram extradas dos anncios e dizem respeito tanto a lei de herana como s determinaes Imperiais: as de matricular os escravos e quanto s aplicaes da lei sobre o corpo dos escravos.

228

Relaciona das ao discurso da lei Pertencente ao espolio do finado sbdito portuguez Joo B. Pereira Acha-se matriculado na collectoria desta cidade com o n. 2261 de ordem na matricula e n. 15 de ordem de relao. Relaciona das disciplinarizao Marcas como de cordas nos braos Tem sinais no pescoo provenientes de ferros, nos tornozellos dos ps tambm tem signaes. Tem signaes de castigo Tem por todo o corpo sinais de chicotadas e j foi surrado Tem nas costas sinais antigos de ter sido castigado Fugiu com pega em um p, e tem signaes no pescoo de ferro. Fugiu com ferro no pescoo e pega nos ps, e tem signaes muito frescos de castigo que soffreu em conseqncia de sentena do jury.

As primeiras seqncias denotam claramente um tratamento do escravo como propriedade, como objeto que se herda, que se matricula, se declara. J as segundas no. Estes sinais de castigo foram analisados inicialmente por Gilberto Freire no seu livro O escravo nos Anncios de Jornal brasileiros do Sec. XIX Recife, no ano 1963. Nesse volume o autor se detm em descrever essas marcas e relacion-las diretamente com os maus tratos recebidos pelos escravos no perodo determinado. Propomos neste ponto analisarmos essas seqncias sob uma lente diferente. Observa-se, por um lado, que os castigos exemplares eram aplicados nos escravos. Por outro lado, podemos ressaltar a resistncia que marcava essas fugas. Os escravos fugiam at com as aquelas marcas que lhes colocavam para que fossem identificados como fugitivos. Podemos observar que os escravos

229

fugiam uma e outra vez. Essa informao chega da mo do prprio dono que relata o fato e o descreve no anncio. Ele traz tona uma prtica dos escravos reiterada. Chega at ns a prtica da liberdade111 por parte dos escravos, para alm da vontade do dono que pretende mant-lo cativo. Evidencia-se uma prtica do exerccio do governo de si alm das correntes ou dos artefatos que o dono instale no seu corpo. Surge dessas seqncias o fato de que o escravo dispe do seu corpo, alm do imposto pelo regime. Emerge, dentre as linhas, um exerccio da liberdade que foge do clculo do dono. Isso nos leva a pensar, realmente, a questo da escravido. O escravo no era escravo seno estava escravo e essa mudana de utilizao no verbo pode ser pensada atravs dos anncios. O escravo est escravo e livre. De Kant a Rousseau se afirmou que todos os seres humanos nascem livres. A liberdade anterior escravizao. Isso deve ser considerado no momento de ler os anncios de fuga. Nesses, mais do que as descries de tratos cruis, trazem consigo o soberano exerccio da liberdade que os escravizados tinham. Por este motivo, esta nova perspectiva nos leva a pensar as determinaes histricas do nome escravo e o estatuto daqueles indivduos que, seqestrados, cumpriram um papel importante na constituio da histria do Brasil. As seqncias acima so seqncias de singularizao porque nos falam da uma sujeio do escravo a si mesmo e no ao domnio do dono. Elas falam de algo que no pode ser apreendido.

111

Retomamos aqui a noo de liberdade apressentada no ponto 3.5.1.

230

3.5.8- Discursividades relacionadas circulao dos escravos

Caminante no hay camino, Se hace camino al andar. al andar se hace camino y al volver la vista atrs, se ve la senda que nunca se h de volver a pisar. Caminante no hay camino, Sino estelas en La mar. Antonio Machado

No que se refere circulao dos escravos tambm so encontradas seqncias nos anncios de fuga. Elas dizem respeito aos lugares nos quais os escravos andam e circulam e aos modos como eles andam e circulam, como se observa na seguinte tabela:

ionadas circulao

Relac

Modo

Espao

Andar acambalhado e um tanto arcado

muito fcil de ser encontrado em casas de pretos forros ou pessoas nessas circunstncias Anda montado em um burrinho pangar, velho, em u lombinho novo, e anda com cartas dirigidas ao mesmo Dr. dizendo que esta a seu servio.

Passos cambaios o que mostra s andando

231

Nunca carapua

deixa

de

andar

de

Suppe-se que fugiu para S. Paulo onde conhecida pelo nome de Maria Nazareth provvel que esteja mesmo neste municpio porque no costuma sair para longe, quando foge. Estas duas escravas levaram consigo, cada uma, sua malha de roupa, e andam todos juntos; no dia da fuga, forma vistos a duas lguas de distancia na estrada que vem para Campinas. ; j andou fugido por muito tempo, nas imediaes de Indayatuba, trazendo o nome de Matheus por cujo nome era conhecido nesses logares Foi comprado h poucos dias vindo de Franca e ... Foi vista no chafariz do mercado desta cidade, e desconfia-se que tomasse a estrada de Jundiahy.

Andar vagaroso

Foi montado em uma besta

Anda vestida com uma saia de riscado e um chal de xadrez

Foi montado em um cavallo saino, velho

Anda montado em um burrinnho pangar

Levou vestido paletot de panno azul desbotado, camisa e cala de algodo grosso com chapeo de palha ordinrio. Foi vestido de roupa de algodo de Minas e chapo de couro

Nesse conjunto de seqncias podem-se observar grupos diferentes. Elas se dividem em aquelas que falam do: 1. modo como o escravo anda: vagaroso, acambalhado,

com passos cambaios, etc. 2. Mas tambm h seqncias que dizem respeito ao

modo como o escravo est no momento em que esse andar 232

se d: vestido com paletot, com roupa de algodo, com uma saia, de carapua. 3. Outro conjunto de seqncias diz respeito ao meio de

locomoo utilizado na circulao: montado em um burrinho, montado em um cavalo. 4. Outro modo de falar dessa circulao falando dos

lugares por onde se circula: na estrada que vem para Campinas, vindo de Franca, no chafariz do mercado, na estrada de Junday, na casa de pretos forros. 5. Finalmente, podemos observar que tambm, muitas

vezes, essa circulao se dava como hbito: no costuma ir para longe quando foge.

As seqncias do primeiro e terceiro grupos podem ser consideradas dentro do grupo das determinaes de individualizao, j que elas,

simplesmente, particularizam ora um modo de caminhar, ora um meio de transporte. As seqncias restantes podem ser consideradas pertencentes ao grupo das determinaes de singularizao. O motivo dessa diferena que nas seqncias dos grupos 2, 4 e 5 percebe-se que h algo que no aprendido, algo que foge, como se observa na seqncia seguinte, por exemplo: vestido com paletot

Nessa seqncia no s esta sendo descrito o modo de vestir como tambm est se dizendo a respeito de um modo de cuidar que o escravo tem consigo, um modo de cuidado de si. Muitas vezes observamos este tipo de seqncias que falam de um cuidado de si, naquelas que descrevem o cabelo ou as caractersticas fsicas, como por exemplo:
cabeleira sempre penteada e grande

233

Barba debaixo do queixo conservando-a sempre cortada Conserva bigodes grandes e traz barbas cortadas thesoura Cabellos soltos aparados um pouco compridos

Em todas elas encontramos um cuidado que o escravo tem com sua figura, com seu modo de vestir, com sua higiene. Ele surge, no anncio, como algum que cuida de si, algum que tem cuidados com sua pessoa. Essa seqncia que aparece, sintomaticamente, no enunciado do anncio traz evidncia de um processo de subjetivao do escravo. O escravo, nessas seqncias, no um objeto que est ali. Ele tem uma atitude sobre si. Essa atitude se reflete no seu modo de vestir, no seu modo de pentear. Isso resulta evidente e transparente para o dono que pretende, com essa descrio, particularizar o escravo, individualiz-lo. Nessas seqncias observamos o que afirma Hamom a respeito da descrio, quando afirma que nela se faz evidente o ato falho, o espao para a falha. Olhemos o seguinte anncio publicado na Gazeta de Campinas, no dia 30 de maio de 1872, que resulta bastante significativo nesse sentido:

234

Gazeta de Campinas, 30 de maio de 1872

112

Neste anncio o dono do escravo no diz o nome do mesmo. Ele diz somente aquelas informaes que visam particularizar o escravo em um conjunto indeterminado de pessoas, aquilo que realmente distintivo. Assim, o dono descrever as caractersticas fsicas, barba, altura, dentes ( a altura e a barba esto determinados pelo adjetivo regular que j analisamos acima, um adjetivo utilizado para a objetivao) e diz depois que ele tem a cabeleira sempre penteada e que tem boa prosa de iludir. As duas caractersticas denotam claramente a constituio do escravo como um sujeito singular. Um sujeito a si. Isso observvel a partir de um cuidado que ele tem consigo e a partir da relao que estabelece com os outros, iludindo-os, falando bem. O dono no sabe o

112

O annico diz: Rs. 100$000 Fugio no dia 10 do corrente, o preto da nao mina, idade 45 annos mais ou menos, corpo reforado, altura regular, nariz chato, falta dalguns dentes, cabelleira sempre penteada e grande, e tem boa prosa d illudir. Quem delle der noticia ou levar a seu dono nesta cidade Antonio de Souza Carneiro, receber a gratificao acima. O mesmo protesta com todo o direito que lhe garante a lei contra quem o tiver acoutado. Campinas, 15 de Maio de 1872

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nome, mas ele sabe que aquele escravo que se penteia bem, que fala muito bem, aquele escravo fugiu. Por outro lado, afirmamos acima que as seqncias que dizem por onde circulam os escravos tambm correspondem ao grupo de seqncias de singularizao. Afirmamos junto com Zoppi Fontana (1997) no ponto 3.5.1 que os lugares por onde o escravo circula significam. Esses lugares lhe do a possibilidade de se situar no mundo porque ele se situa no mundo das significaes, ou seja, que ele se reconhece em um lugar da memria discursiva. No caso dos escravos que circulam pelas casas de escravos alforriados, ou daqueles que andam por perto ou que esto na estrada, esses lugares so espaos pelos que se movimentam. So espaos no permitidos mas que, embora isso, transitam. Embora a proibio, embora o escravo esteja na estrada sem permisso, ele circula por ela. Observa-se que se apela, no anncio, a uma memria discursiva. O escravo que foge e circula por esses lugares, inscreve-se nesse lugar da memria discursiva e se constitui como sujeito, um sujeito que foge do senhor. O escravo circular nesses espaos e significar neles. Esse escravo saiu da srie estabelecida, circulou por lugares que no lhe foram dados pelas instituies. O escravo caminhou por outros caminhos, por outros lugares que no so os designados para escravos. Ele se significar, se inscrever em um lugar diferente e significar de modo diferente. Para o dono o escravo ser fugido, para o escravo ele ser livre. Portanto, observamos que dentre seqncias que aparentemente so de particularizao, de individualizao que denotam o lugar que o escravo ocupa na srie, encontramos seqncias que fogem e que dizem respeito daquilo que o dono pretende capturar, seqncias que falam a respeito de um sujeito singular.

236

3.5.9- pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro

As aes realizadas pelos escravos trazem, em muitos dos casos, aparelhados processos de subjetivao como podemos ver a seguir:

Relacion adas ao trabalho

Am ansa animais, trabalha em todo o servio de roa bom carreiro

Offic io de carpinteiro

T em pratica de negocio de molhados, entende de contas, l mal e tem pratica de andar com carroa padeiro

pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro

J foi tropeiro pedreiro Alf aiate cavalleiro, carreiro nado a domar

Incli Bom bom

tr anador S ervio de roa

pedreiro ordinario

Nessas seqncias observam-se diferentes fenmenos lingsticos funcionando e que produzem diferentes efeitos de sentido como se observa no seguinte anncio.

237

Gazeta de Campinas, 9 de maio de 1872113

Nesse anncio encontramos outros elementos de interesse para nossa anlise. Vejamos a orao : pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro. Inicialmente podemos dizer que essa frase uma coordenada aditiva. A conjuno e une dois termos da orao: a. pedreiro b. trabalha tambm de carpinteiro

113

Na noite de 25 para 26 de Maro p.p., fugiu de casa de Diogo Antonio de Souza Castro, o escravo de nome Geraldo, pertencente ao espolio do finado sbdito portuguez Joo Baptista Pereira Camacho, cujo escravo tem os signaes seguintes: estatura regular, delgado de corpo, rosto comprido, com falta de dois dentes do lado esquerdo, com uma pequena cicatriz na fonte do lado esquerdo, falla bem, tem por todo o corpo signaes de chicotadas, e j foi surrado, tem signaes de ventosas no peito, ps compridos e bem feitos, na perna direita tem uma ferida. crioulo. Tem de idade de 26 a 28 annos. pedreiro e trabalha tambm de carpinteiro. Este escravo foi arrecadado por esta agencia consular de Portugal, em Campinas. Quem o aprehender e trouxer em Campinas a esta agencia, ou delle der notcias certas ser bem gratificado.-Campinas, 4 de Abril de 1872.-O agente consular, Joaquim Candido Thevenar.

238

No primeiro termo temos uma caracterizao positiva do escravo ao se afirmar: pedreiro e, a essa qualificao acrescenta-se: e trabalha tambm de carpinteiro. Esse segundo termo no s vem somar significao do primeiro, mas tambm vem a elevar ainda mais o estatuto do ser do qual est se predicando, ou seja se fizssemos uma parfrase dessa seqncia teramos 114: No s pedreiro mas, alm disso trabalha de carpinteiro. pedreiro e, alm disso trabalha de carpinteiro. Em termos argumentativos115, as duas qualificaes tm o mesmo sentido e conjugam dois pontos de vista com dois locutores. L1- o que v o escravo como pedreiro e; L2- o que acrescenta a isso o fato dele ser tambm carpinteiro. Um locutor afirma L1 e o outro afirma L2. Quem marca, nesse caso, os pontos de vista diferentes o tambm que surge como reforador do primeiro termo e como marcador do segundo ponto de vista que est na mesma direo do primeiro. O locutor, nesse caso, no s procura informar que o escravo pedreiro, ele quer que a enunciao tambm carpinteiro produza um efeito particular. De acordo com Guimares (1987), at, mesmo e at mesmo, em Portugus, para as seqncias do tipo X at (mesmo) (at mesmo) Y constituem a seguinte escala argumentativa: r ______ B (Y) ______ A (X)

114

De acordo com Guimares (1987) alm disso permite construes do tipo ;Paulo veio e alm disso Joo tambm veio. Essa frase teria o mesmo sentido se dissssemos: Paulo veio e Joo tambm veio. Por esse motivo foi feita nossa escolha pela parfrase pedreiro e alm disso trabalha de carpinteiro.
115

Adotamos aqui a noo de argumentao de Ducrot.

239

Nessa seqncia, o verbo trabalha constitui uma caracterizao positiva de utilidade e a essa caracterizao positiva soma-se um reforador que intensifica o efeito positivo do segundo. Aqui se procura um efeito de particularizao do escravo. Procura-se apontar possveis lugares nos quais o escravo circularia, procura-se a singularizao.

240

4.0- CONCLUSO

As fugas dos escravos podem ser entendidas como resistncia que desarticula uma forma especfica de pode ; atravs de um exerccio da liberdade, por parte do escravo, que deve ser sufocado sob pena de desestabilizar o sistema vigente. Tambm esses exerccios de liberdade questionam o estatuto do escravo afirmando, por um lado o direito de ser livre e enfatizando, pelo outro, aquilo que o torna singular quebrando sua relao com o senhor e fragmentando a vida comunitria instituda de modo coercitivo. Esse modo de resistir publicado no jornal, escrito. Ele ataca aquilo que separa o escravo do restante da sociedade e o anncio da mesma um dos elementos que tambm possibilitaro a mudana social, que acontecer j quase no final do sculo quando a escravido ser abolida. Conclumos que na fuga, justamente ou especialmente nesse momento, o escravo coloca-se de modo ativo em relao ao seu Senhor e o contesta, resiste. Dita resistncia, como podemos observar em vrios momentos da histria do Brasil, no ser organizada nem responder a uma instituio especifica. As fugas formavam parte de uma prtica quotidiana do perodo colonial. Eram modos de resistir. A resistncia, como afirma Foucault, uma luta contra o governo da individualizao. Ela a oposio aos efeitos relacionados ao saber que ignora quem somos e que tambm determina quem somos. Elas so uma tcnica, uma forma de poder. Dita forma de poder faz dos indivduos sujeitos, sujeitos a algum pelo controle e dependncia, ou seja, sujeitos sua prpria identidade por uma conscincia. Ela torna os indivduos, SUJEITOS A. Os senhores prendiam os escravos, os confinavam em senzalas, os castigavam com ferro no pescoo quando fugiam ou aplicavam chicotadas a modo de castigos exemplares, poderiam ainda estupravam as escravas. Em fim, a

241

violncia era usada como instrumento dessa relao de poder, como exerccio costumeiro, embora tambm, em outros casos, a procura do consentimento do escravo tenha existido116. Os senhores submetiam os escravos ao seu poder, atravs de diferentes modos de controle e elaboravam-se estratgias para a manuteno desse sistema, porm os escravos resistiam e procuravam no serem sujeitos AO dono e sim sujeitos sua prpria identidade, e uma das estratgias para atingir tal fim era a fuga. A fuga que era escrita nos jornais pelos prprios donos. Paradoxalmente, chega-nos at hoje, relatada pela boca do dono atravs da escrita no jornal, a constituio do escravo como sujeito prpria identidade. Chega at ns escrita (descrita) de uma estratgia de resistncia tenaz. Justamente, nesses arquivos encontramos como se do os diferentes processos discursivos, a saber: a) de individualizao a partir da qual se coloca o escravo em uma serie, seja na serie que o dono impe, seja em outra. b) de singularizao, ligada constituio do escravo como sujeito. c) de objetivao, onde o escravo constitudo como objeto da propriedade do dono que o reclama.

116

Para observar um caso de busca de consentimento pode-se recorrer ao livro Bares e Escravos do Caf de Sonia SantAna onde se relata a histria de escravos como a negra Laura que foi companheira de um Baro de caf do Vale da Paraba ou alguns dos casso relatados em Casa Grande Senzala de Gilberto Freire
116

No podemos deixar de falar nos quilombolas como modo de resistncia. Porm, de acordo com Prado Jr. eles se formavam e dissolveram repetidas vezes ao longo da histria brasileira em diferentes pontos do territrio nacional, portanto no podem ser consideradas organizaes estveis. Isso, de fato, no resta importncia a esses movimentos de resistncia por excelncia.

242

O processo discursivo de individualizao pode ser evidenciado na utilizao do termo FUGIDO nas vinhetas dos anncios. Afirmamos que os diferentes nomes comuns tero funes distintas, de acordo com o lugar sinttico que ocupem e com os efeitos de sentido que provoquem. Assim, se observar no caso de fugido. Primeira estrutura encontrada no anncio, este, conclumos, um elemento qualificante (sempre acompanhado de um nome comum). Deste modo, diz respeito a propriedades e age valorando. Mas tambm ele classificante, em alguns momentos, como em algum fugido ou outros fugidos como vimos exemplificado na literatura. O sentido da expresso depende do momento e lugar em que proferida. Afirmamos tambm que o uso de Fugido na vinheta reflete um sentido de queixa por parte do dono que reclama o escravo: Fugiu de mim! fugido! . Ele funciona como epteto que marca uma classe de escravos desde o ponto de vista do dono: os fugidos, que so diferentes dos outros escravos que, tomando o dono como ponto de partida, no fogem. Tambm afirmamos que o particpio passado fugido na construo escravo fugido funciona no sentido de que aquele que efetua a fuga ou que est em fuga. Deste modo, podemos pensar que este estar em fuga um estado e no uma caracterstica intrnseca, e como tal, transitrio, efmero, e no como no caso de fujo (aquele que foge muito ou foge demasiado), que resulta uma caracterstica do nome. Fugido, tambm age como um ttulo, como se observa na seguinte seqncia que aparece na vinheta reiteradamente: Escravo fugido

No enunciado do anncio de fuga se d a conhecimento de um estado de coisas, inicialmente, e depois, na descrio, as caractersticas do escravo. O estado de coisas que o anncio noticia a fuga e no o modo de ser.

243

Deste modo conclumos que o uso de fugido relaciona-se com o processo discursivo da individualizao. O dono ao dizer do escravo que FUGIDO coloca o mesmo dentro de um grupo especfico de escravos. Mas tambm evidencia uma ao: ele est em fuga, ele resiste. Como afirmamos no incio, este estar em fuga coloca o escravo num claro lugar de resistncia . Ao se utiizar o termo fugido silencia-se a razo ou motivo da fuga, colocando o escravo dentro de uma classe (os fugidos) que homogeiniza, generaliza um estado de coisas que diz respeito a uma origem e uma mesma motivao para todos os indivduos da classe que realizam esse ato. Mas o fato de fugido ter uma funo dupla: como qualificante e como calificante, nos permite analisar esse primeiro termo relacionando-o com os dois processos discursivos embora predomine a individualizao. Outro elemento que encontramos relacionado com processos de individualizao o nome prprio, embora em outros momentos estabelea relaes com processos de singularizao. Ao longo do primeiro captulo desta tese desenvolvemos as bases tericas que sustentam tal afirmao, de acordo com o que colocaremos a seguir, a partir da anlise dos seguintes anncios de fuga:

244

Gazeta de Campinas, 28 de abril de 1872

117

Gazeta de Campinas, 4 de maro de 1876

118

Gazeta de Campinas, 17 de setembro de 1874

119

Gazeta de Campinas, 26 de aril de 1874

120

117

Fugiu do sitio de Antonio Francisco Leane Martins, no dia 20 do PP. O escravo Manoel, de idade de 44 annos, mais ou menos, creoulo de Pernambuco, com os signaes seguintes: alto, cheio de corpo, cara comprida, barba cerrada, boa dentadura, j tem alguns cabellos brancos, ps feios com os dedos virados para os lados e outros abertos com uma furquia na sola dos ps, tem cravos de bba e crescido o enfrenque dos dois ps, conhecido por ps de inhame. Levou roupa fina e grossa. Quem os prender ou der notcias certas ser bem gratificado.
118

Escravo Fugido- herana do finado Francisco Antonio de Souza Salles, fugio o escravo de nome Romo - 50 annos mais ou menos, africano, preto, com falta de dentes na frente e no queixo, baixo, grossura regular, tem os braos um pouco tezos, j andou fugido por muito tempo, nas immediaes de Indayatuba, trazendo o nome de Matheus, por cujo nome era conhecido nesses logares.-Quem o apprehender ou delle der noticia segura ao inventariante Joo Baptista de Camargo Damy, ser gratificado com a quantia de 100$000.-Campinas, 28 de fevereiro de 1876
119

Escrava fugida-No dia 10 do corrente, fugiu da abaixo assignada, uma escrava de nome Maria, com os signaes seguintes: - Preta, alta, magra, com falta de dentes na frente, idade mais ou menos 30 annos. Suppe-se que fugiu para S. Paulo onde conhecida pelo nome de Maria Nazareth. Quem a prender e entregar nesta cidade abaixo assignada, ou em S. Paulo ao commendador Manoel Antonio Bittencourt ser bem gratificado.-Campinas, 15 de Setembro de 1874-Maria A. de Mendona Doque.
120

No dia 5 de Abril, fugiram trez escravos pertencentes a Jos Antonio Benedicto, da cidade do Rio Claro sendo:1 Joaquim, mulato quase branco, cabello solto, boa dentadura, muito bonito, estatura regular, tem os seguintes signaes: recebeu um tiro em uma das mos que conhece-se bem os signaes de chumbo, e assim mais na mesma mo por cima do dedo ndex uma cortadura

245

de faca da qual ficou um signal comprido; sua idade de 20 annos mais ou menos.-2 Levou em sua companhia uma mulata quase branca, de idade 16 annos pouco mais ou menos, lindos olhos, cabelos soltos, aparados um pouco compridos; de nome Florencia, espigada muito bonita, tem umas manchas de branco sobre o peito e na cara, que mais branca do que a cor natural.-3- De nome Damio, (o qual diz chamar-se Alfredo,) mulato quase branco, alto, fino de corpo, mal encarado, ps grandes, cabello grenho, e tem para signal uma rendidura em uma das virilhas e est com funda; levaram bas de folha com roupa fina, chapeos pardo e preto, botinas de homem, paletot de casimira preta. Quem os prender e puzer na cada ser bem gratificado, e muito mais se forem entregues pessoalmente nesta cidade. Declaro mais que estes escravos foram vendidos pelo fallecido Antonio Jos de Simes Vianna.

246

Gazeta de Campinas,21 de abril de 1872

121

Conclumos que diferentes discursividades se relacionam com cada nomeao. O fato de o escravo ser nomeado Damio e dizer chamar-se Alfredo ou que ele de nome Romo e traz o nome Matheus, evidencia uma mudana de posio, reflete diferentes prticas polticas. H uma prtica correspondente a nomeao que o dono d ao escravo e a outra, a que ora o escravo se d a si mesmo ou que lhe dado a partir de outro lugar. No primeiro caso evidencia-se uma relao na qual o dono adjudica, d nome a a sua propriedade com um nome que resulta significativo. Essa nomeao encontra-se relacionada Igreja ( nome de batizado) e ao Estado (nome que surge quando matriculado, quando registrado perante o Estado, costume realizado de acordo com o seguinte documento):

121

ATTENO -100$000-Fugio da fazenda de Albino Alves Cardoso, na Villa do Patrocinio das Araras, o seu escravo de nome Justiniano, o qual evadiu-se no dia 7 do Abril do corrente anno, com os seguintes signaes: crioulo do norte, alto e corpolento, idade 30 annos mais ou menos, pouca barba ou nenhuma, nariz chato, boa dentadura, rosto redondo, mal encarado, ps muito grandes e estragados de bixos, calcanhar inchado, com o nome de copim, cor meio fula. Este escravo foi do capito Rivas. Quem do mesmo der notcias e trouxer a meu poder ser gratificado com a quantia acima.

247

Retirado de http://www.maisinterior.com.br/imagens/matricula.jpg 28/01/2008

122

122

A trancrio do documento :

Relao n. 488 dos escravos pertencentes a Alberto Moreira Castro residente_ na Cid. dos Lenes provincia de Bahia municipio dos Lenes parochia de N. S. da Conceio (Art. 2o. do regulamento n. 4835 do 1o. de dezembro de 1871) Nmero de ordem na matrcula: 2.565 Nmero de ordem na relao: 1 Nomes: Tito Cr: Criollo Idade: 23 annos Estado: Solteiro Naturalidade: Monte Alto Filiao: Marculina Aptido para o trabalho: Profisso: Garimpeiro Observaes: Provincia da Bahia, municipio dos Lenes, parochia de N. S. da Conceio, 30 de Septembro de 1872 (ass.) Alberto Moreira Castro Apresentado a matricula e matriculado em 14 de Outubro de 1872 Pago um mil reis de emolumentos (ass.) O Escrivo

248

Em relao a esse tipo de funcionamento Zattar (2000) afirma:


O ato de nomear os escravos histrico no sentido de que a enunciao determinada pelas condies sociais de sua existncia. E nos acontecimentos de lingugem relativos ao batismo, atuam vrios discursos e vrias posies de sujeito. O batizado, enunciado da posio da Igreja Catlica, contm outros dois enunciados, o do Cdigo Filipino que impe condio aos proprietrios de escravos de batiz-los e torn-los cristos do dia, que ao seu poder vierem, at seis meses, sob pena de os perder para quem os demandar, e o da classe dominante que detm as informaes pessoais sobre a propriedade. O ato de batizar, enunciado da posio da Igreja, nomeia a criana que passa a se constituir como sujeito religioso. Essa posio, determinada pela Igreja, funciona como pre-condio para o registro de nascimento,...(ZATTAR, 2000 p. 63)

No outro caso, o escravo se d um nome a partir do domnio que ele tem de si. Em um terceiro caso o nome que traz, que foi dado por outro que no aquele que o reclama como propriedade. Esse ltimo caso fica mais evidente quando surge o apelido: ps de inhame, copim. Nomeaes que claramente so dadas desde lugares afastados da oficialidade, de regies do interdiscurso diferentes ao nome dado pelo dono. Evidencia-se o aparecimento de um novo lugar de enunciao a partir do qual o escravo e os sujeitos sociais a ele relacionados, libertos, forros, pobres livres, etc. nomeiam. De acordo com Zoppi (2001), os lugares de enunciao se definem em relao ao processo de interpelao/identificao do sujeito do discurso. Eles se relacionam com mecanismos de controle de individuao/controle do sujeito e do dizer, nesse sentido se encontram relacionados ao domnio do saber de uma FD

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os lugares de enunciao devem ser considerados, dessa maneira, como uma das dimenses das posies de sujeito (constitudas no dois movimentos descritos por Orlandi), sendo sua definio, portanto, subordinada logica, teorica e analiticamente a esse conceito;

Podemos afirmar, a partir do dito por Zoppi, que essas enunciaes formam parte do saber que circula na Formao Discursiva escravagista, e que cada uma delas tem sua origem em outras regies do interdiscurso a partir de uma Posio de Sujeito. No caso de Maria Nazareth, concordamos com Guimares quando afirma que um dos processos de constituio do nome resulta da retomada de nomeaes anteriores: a nomeao do dono rememora a nomeao que Maria Nazareth traz de outros lugares por onde andou fugida. Dessa maneira, conclumos que nomeaes como Alfredo, Matheus, ps de inhame e copim, correspondem a uma Posio de Sujeito diferente de Damio, Romo, Manoel e Justiniano respectivamente, na mesma Formao Discursiva evidenciando uma Forma Sujeito fragmentada. Pela Forma Sujeito o sujeito do discurso se identifica com a Formao Discursiva que o constitui (PCHEUX; 1997 p 167). A Forma Sujeito tem a tendncia de absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso. Esse procedimento evidencia-se nos anncios que mostramos: de uma regio do interdiscurso provm a nomeao do dono e de outra regio as nomeaes do escravo ou daqueles que no so o dono. Observamos, ento, diferentes Posies de sujeito na mesma Formao Discursiva evidenciando uma Formao Discursiva heterognea como formula Courtine (1981). Um objeto identificado pelo dono e um sujeito que diz eu fulano

250

de tal evidenciando posies scio-histricas e prticas sociais e politicas diferentes. Outro ponto importante desenvolvido na presente tese foi o relacionado com a descrio. Afirmamos no Captulo 2 da Primeira Parte que o funcionamento discursivo da descrio, no nosso caso particular, consiste na fixao das relaes de referncia, sendo que a referncia se fixa numa relao do enunciado com o acontecimento enunciativo e, atravs do acontecimento, com o interdiscurso. A descrio , pois, o lugar ameaante, o lugar da falha. Enquanto na narrativa ou na argumentao encontramos uma seqncia lgica de

acontecimentos narrados, na descrio h uma lista associativa. Os fatos acontecem em uma simultaneidade temporal semelhante do sonho. Mas tambm ela um funcionamento discursivo no qual se constri um referente, no nosso caso, o referente escravo. Dessa perspectiva, pode-se caracterizar a descrio como processo de referenciao que relaciona o interdiscurso e o intradiscurso de modo particular. No intradiscurso se constri o objeto de referncia, ele d os indcios do grau de determinao do objeto de referncia, ligado ao efeito de pr-construdo. O grau de saturao do nome est dado pelos adjetivos e predicaes fornecidas ao nome prprio, sendo que nele no se encontram a totalidade das informaes para saturar o referente. Na descrio, o processo discursivo que prima o de

sobredeterminao a partir do qual se daro as relaes entre os elementos da mesma. A sobredeterminao discursiva decorre de prticas discursivas sociais mobilizadas por um sujeito de discurso interpelado pela ideologia. Ela provm de uma pluralidade de modos e nveis de saturao discursiva. (Indursky;1995). A saturao intradiscursiva fundamentalmente realizada por processos de determinao que no se restringem aos limites do sintagma nominal, envolvendo

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diferentes tipos de construes lingsticas (ZOPPI FONTANA, 1997; GUIMARES 2007). No intradiscurso das descries dos anncios de fuga evidenciam-se os indcios do grau de saturao do referente no interdiscurso, dado pelo discurso da lei, dentre outros. No intradiscurso, no s encontraremos esses indcios, mas tambm um processo discursivo de singularizao. O processo de singularizao do escravo est ligado constituio do escravo como sujeito singular e pode ser observado, principalmente, na descrio que comporta, tambm, adjetivos, relativas adjetivas e predicaes. Eles vo constituindo a imagem do escravo enquanto imagem nica, diferente de todas as outras. Nesse espao, tambm se faz referncia s relaes que o escravo estabelece com outros indivduos. Diz-se a respeito de lugares por onde circula, a modos particulares de agir e de falar, a modos de se relacionar com a autoridade. A diferena da imagem de um escravo particular se daria pela combinatria especial de adjetivos, principalmente, sobredeterminados intra e interdiscursivamente e que no se repete em dois seres do mesmo modo123. A sobredeterminao discursiva, decorrente de prticas discursivas sociais, mobilizadas por um sujeito de discurso interpelado pela ideologia, provm de uma pluralidade de modos e nveis de saturao discursiva. (Indursky; 1995) Esses processos apontam para um efeito de homogeneidade que serve de sustentao indeterminao, mas tambm apontam a um efeito de especificidade que ser a base de uma singularizao. O escravo ser descrito no anncio e, atravs dessa descrio, ele aparecer como um ser singular, diferente de todos os outros, com marcas
123

possvel pensar tambm, a partir desses elementos mencionados acima, em mudar a denominao daqueles que viviam sob as condies da escravido de escravos para escravizados. Dito por outras palavras, sujeitos os quais, contra sua vontade, foram submetidos a um regime que procura homogeneiz-los para domin-los, mas, embora os esforos por parte do sistema, no consegue a submisso completa dos componentes dessa camada social.

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prprias. Dita diferena marcada tambm pela fala do escravo que chega at ns atravs da voz do dono, como poderemos observar na anlise. O mesmo dono de escravos, que anuncia e descreve o escravo, d as condies de possibilidade para que ele se constitua como sujeito na sociedade escravagista. Observamos, nos anncios de fuga, uma situao particular dentro da formao discursiva que os sustenta. Nos anncios acima podem ser observados diferentes tipos de seqncias. Dentre elas encontramos as relacionadas posse; que podem ser diferenciadas em dois tipos diferentes, a saber: a) As relacionadas com a posse do dono (fugiram trez escravos pertencentes a Jos Antonio Benedicto, seu escravo de nome Justiniano, herana do finado Francisco Antonio de Souza Salles) e, b) As relacionadas com a posse dos escravos (levaram bas de folha com roupa fina, chapeos pardo e preto, botinas de homem, paletot de casimira preta, Levou roupa fina e grossa).

Em a o escravo apresentado como um objeto, propriedade do dono, pertencente a um esplio. Em b, os escravos cuidam de sua roupa, levam seus pertences (j contraditrio que uma propriedade tenha propriedades). Alm de levar seus pertences, a partir do anncio publicado pelo dono, observamos que eles cuidavam de si mesmos, de seus cabelos, de suas barbas, de sua aparncia. No eram somente servos que deixavam de cuidar de si para cuidar do outro. Eles fugiam, eles se afastavam da fonte de perigo, eles cuidavam da prpria vida, do prprio corpo muitas vezes machucado por chicotadas, por castigos, cordas e todos os instrumentos que podem ser observados, nos mesmos anncios. Em poucas palavras: os escravos cuidavam de si tanto que fugiam. Isso se configura como um problema porque subverte. H uma subverso nos papis sociais impostos na poca no Brasil. Aquele que devia cuidar do outro, cuida de si e, 253

cuidando de si governa sobre si, livre. Essa subverso no admitida e provoca a fria, provoca a empreitada de procurar o escravo, anunciar sua subverso e no anncio dizer: ele sujeito, sujeito a si mesmo. Isso resulta em uma contradio que emerge no anncio de fuga atravs da voz do dono que anuncia esse acontecimento. Um cuidado de si que se evidencia atravs de prticas discursivas que chegam a ns atravs dessas seqncias. Um acontecimento (o da fuga) que se traduzir em um acontecimento enunciativo: o anncio de fuga de escravos. No anncio do escravo Romo utilizado o adjetivo regular. Deste modo, Regular significa no alto, no baixo, no cheio de corpo. No h medida para regular, no um termo mensurvel em nmeros, mas mensurvel em aproximaes. Ele se define pelas relaes que estabelece com esses termos. No poderia dizer quanto pesa um homem regular, nem quanto mede, mas poderia dizer que ele no baixo, nem baixinho, nem alto. Mas tambm observamos que regular sempre estar relacionado com coisas, commodos, alturas, pesos, em fim, medidas. Por este motivo, consideramos que este termo est relacionado com seqncias discursivas relacionadas com a objetivao. Mede-se, pesa-se, calcula-se o escravo quando se diz que ele tem uma estatura ou um corpo regular. Ele objetivado nessa determinao. Emprega-se tambm o termo crioulo, poderamos dizer, inicialmente, que um termo que denota o lugar que o escravo ocupava em uma srie. Tambm surge com o sentido de modo de ser, sendo, portanto, um termo misto, de individualizao e de singularizao. Por um lado, individualiza por dizer que ele no africano, ele e nascido no Brasil, ele j est inserido na Sociedade na que vive, misturado com as pessoas do lugar. Por outro lado, um termo de singularizao porque diz respeito ao modo de ser crioulo: malandro, criador de caso, rebelde em procura de uma identidade, no espao intermedirio entre a casa grande e a senzala, evidencia um lugar e um agir social. O dono do escravo diz do escravo no anncio. Podemos comparar esse acontecimento enunciativo com o que Pcheux chama de ritual e, enquanto ritual, est sujeito falhas: no

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h ritual sem falhas. Essa falha pode ser evidenciada atravs de uma palavra que dita no lugar de outra, o mesmo de uma palavra que tem mais de um significado, um termo polissmico como no caso de crioulo e ladino. Podemos observar nessa falha um ponto de resistncia que se incuba sob uma dominao ideolgica. Pcheux afirma:
E atravs destas quebras de rituais, destas transgresses de fronteiras: o frgil questionamento de uma ordem, a partir da qual o lapso pode tornar-se discurso de rebelio, o ato falho, de motim e de insurreio: o momento imprevisvel em uma srie heterognea de efeitos individuais entra em ressonncia e produz um acontecimento histrico, rompendo o crculo da repetio. (Pcheux, 1990 p.17)

Encontramos nesses anncios duas expresses relacionadas com a fala do escravo: falar e dizer. Observamos que entre o falar e o dizer h uma diferena. O primeiro pode ser considerado como fala tagarela, aquela fala das que mencionava Barthes em O grau zero. J o segundo pode ser o dizer com sentido, o dizer que implica alguma coisa ou que implica um interlocutor. O primeiro no pressupe uma relao de interlocuo mas o segundo sim. Se pensarmos, agora, os termos falar e dizer atravs do dito por Benveniste, podemos afirmar que falar remete a seqncias relacionadas com a individualizao do escravo por somente descrever aquela fala, sem interlocutor definido, e as seqncias que tem o verbo dizer na sua estrutura so seqncias de singularizao. Porm, afirmamos nessa tese que ambas as seqncias so de singularizao porque representam na escrita do anncio a emergncia histrica de um lugar de enunciaciao para a posio sujeito escravo. Assim como ele circula por lugares proibidos, ele quebra tambm, a interdio de falar em pblico, de instituir outros interlocutores que no o senhor. Como afirmamos na Metodologia, essa singularidade estar relacionada ao gesto que leva o dono a falar a respeito de um fazer que lhe foge, um dizer que produz efeitos de sentido e que no aprendido.

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Por outro lado, afirmamos acima que as seqncias que dizem por onde circulam os escravos tambm correspondem ao grupo de seqncias de singularizao. Afirmamos junto com Zoppi Fontana (1997) no ponto 3.5.1, que os lugares por onde o escravo circula significam. Esses lugares do a possibilidade ao escravo de se situar no mundo, porque ele se situa no mundo das significaes, ou seja, ele se reconhece em um lugar da memria discursiva. No caso dos escravos que circulam pelas casas de escravos alforriados; ou daqueles que andam por perto ou que esto na estrada, esses lugares so espaos pelos quais se movimentam. So espaos no permitidos mas em que, apesar disto, transitam. Embora a proibio, embora o escravo esteja na estrada sem permisso, ele circula por ela. Observa-se que se apela, no anncio, a uma memria discursiva. O escravo que foge e circula por esses lugares, inscreve-se nesse lugar da memria discursiva e se constitui como sujeito, um sujeito que foge do senhor. O escravo circular nesses espaos e significar neles. Esse escravo saiu da serie estabelecida, circulou por lugares que no lhe foram dados pelas instituies. O escravo caminhou por outros caminhos, por outros lugares que no so os designados para eles, ele se significar, se inscrever em um lugar diferente e significar de modo diferente. Para o dono o escravo ser fugido, para o escravo ser livre. Portanto, observamos que dentre seqncias que, aparentemente, so de individualizao e que denotam o lugar que o escravo ocupa na srie, encontramos seqncias que fogem e que dizem respeito quilo que o dono pretende capturar, seqncias que falam a respeito de um sujeito singular. Observamos, a partir dos pontos levantados e relacionados aos cinco anncios mostrados, que os processos discursivos de individualizao,

subjetivao e objetivao esto entrecruzados, tranados em cada anncio. O que observamos nos anncios a luta que acontece no seio mesmo da sociedade escravagista, ou como afirma Pcheux

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uma mudana estrutural na forma das lutas ideolgicas: no mais o choque de dois mundos, separados pela barreira das lnguas, mas um confronto estratgico em um s mundo, no terreno de uma s lngua (Pcheux, 2000 p.11)

Observamos que escravos e donos no esto separados em lugares antognicos e distantes com um limite definido mas em que a separao linha mvel, sensvel s relaes de fora, resistente e elstica, sendo que , de um e outro de seus lados, as mesmas palavras, expresses e enunciados de uma mesma lngua, no tm o mesmo sentido (Pcheux, 2000 p.11) As palavras que o dono utiliza pretendendo capturar o escravo so as que possibilitam sua constituio como sujeito, as que mostram sua liberdade, uma liberdade que no pode ser capturada pelo dono. Isso pode ser observado nos anncios atravs destes cuidados que o escravo tem de si que iro desde pentear o cabelo e cuidar de sua roupa at fugir. Podem arrancar , numa noite escura, um tranqilo homem , da sua famlia, da sua terra, da sua nao. Pode-se arranc-lo de seu universo e p-lo em um navio e encerr-lo numa gaiola com outros na mesma situao, mas em diferentes lnguas. Podem tambm carreg-lo novamente, s terras distantes e , sem roupa, sem famlia, sem comida, sem gua coloca-lo venda numa praa com no mais roupas que leo no corpo. Assim podero lev-lo para uma fazenda e surr-lo, castig-lo, submet-lo a observar aos seus companheiros sendo castigados. Podem procurar terminar com sua religio, sua lngua, seus costumes, sua famlia. Mas no ser possvel esmagar sua subjetividade, sempre alguma coisa fugir. No ser somente o escravo que fugiu, muitas outras coisas fugiram com ele, aquelas que nunca foram apreendidas. So essas singularidades que fugiram , so aquelas singularidades que fugiram, in-apreendidas e inapreensveis que permitem entender muitos movimentos de sentido, dizeres, no dizeres, silenciamentos no Brasil de hoje.

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Podemos observar como se constituem os dizeres de uma sociedade injusta e desigual que discrimina queles que escravizou. Podemos ver como se recriam sistemas para prolongar um sistema econmico que beneficia s elites e podemos ver como esse povo continua resistindo. Podemos ouvir como eles, atravs do tempo, contam sua histria. Aqueles que foram condenados ao silncio sem juzo prvio no conseguiram ser silenciados. A fora de sua luta transparece a cada linha, em cada anncio de fuga.

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5.0

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