Ensaio Analítico Sobre Segue Teu Destino de Ricardo Reis

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Modernismo Português

Análise de Segue teu destino de Ricardo Reis


José Elivelton de Aguiar
17/0146961

Considerações Iniciais

O ensaio em questão visa analisar e relacionar o poema Segue o teu destino de


Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, com o contexto social e
histórico em que o heterônimo está inserido. Além de compreender a função do poema
historicamente, o ensaio ressalta as influências de Ricardo Reis e explica o poema
dentro dessa dimensão.

Segue o teu destino foi escolhido como objeto de estudo porque apresenta a calmaria
que a modernidade busca, apresenta a resposta aos problemas modernos, apresenta a
disciplina mental frente aos temas modernos, temas no quais refletem até hoje na nossa
realidade como: o futuro incerto, o medo do futuro, a passagem do tempo, o medo de
morrer, a inquietação do ser humano quanto à vida pós a morte, a banalização da morte,
a necessidade de autoafirmação etc.

O ensaio está composto por quatro pontos fundamentais, sendo eles: as considerações
iniciais, que implanta o problema que será estudado; os aspectos históricos sociais do
poema, do autor e do heterônimo e a face apresentada sobre o momento histórico; a
análise do poema escolhido acompanhada das influências de Reis e por fim, as
considerações finais.

Poesia e História em Segue teu destino

Para interpretar uma poesia, segundo Hermenegildo Bastos, é necessário


primeiramente que o leitor compreenda o contexto histórico vivido pelo autor, ou o
contexto que o autor busca resgatar, pois toda poesia segundo ele, é a evocação, fixação
e preservação de um momento. Através do contexto histórico em que o poema está
inserido será possível entender sobre o que ele retrata. Além do aspecto histórico social
ser fundamental para compreender um poema, o poema também é fundamental para
compreender o contexto resgatado, é uma relação intrínseca, inseparável onde um
aspecto influência no outro e vive versa. O poema é a retratação de um momento, é a
versão de alguém sobre algo.

Para compreender tal contexto, é preciso compreender que, Ricardo Reis é um


personagem criado por Fernando Pessoa, personagem fictício, no qual Pessoa em Obras
em Prosa afirma: “Hoje não tenho personalidade...eu o dividi entre os autores vários de cuja
obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha”
(p.92. 1982). Neste trecho o autor esclarece que cada personagem é um pedaço dele
mesmo, como se a junção desses heterônimos resultasse em Fernando Pessoa. Logo,
seguindo essa linha de raciocínio, Ricardo Reis não é só um personagem fictício, mas
também uma possível personalidade que habita em Pessoa.

Pode ser cogitado que Ricardo Reis seja a apresentação da personalidade que acalma a
tormenta causada pela personalidade de Álvaro de Campos, já que Campos costumava
ressaltar a tormenta do mundo moderno e Reis tenta acalmar essa tormenta causada pela
modernidade. É possível evidenciar essa calma, essa disciplina quando Pessoa afirma
(p.94. 1982) que pôs em Reis toda sua disciplina mental, uma disciplina que é vestida de
música.

É como se o personagem de Campos que habita em Pessoa fosse a enfatização do


ápice de tormenta frente aos problemas modernos, fosse o auge da inquietação, fosse até
mesmo a crise de ansiedade de Pessoa frente às temáticas modernas. E o Reis fosse a
calmaria, a forma de refugiar-se para enfrentar a vida moderna, a forma de solucionar o
problema que teve com a crise, seria uma forma superior de ataraxia: conquistando o
equilíbrio e eliminando a inquietação (REIS, Carlos. p.203.1990) , isso evidenciaria o fato de
Pessoa haver afirmado em A Teoria da Heteronímia (p.18) que não publica tudo em seu
nome porque isso seria contradizer-se.

Apesar de Reis ser um personagem, ele tem história, data de nascimento, profissão e
uma trajetória, trajetória na qual explica os rumos estéticos que sua poesia toma, o
contexto que o personagem vive explica suas decisões em sua poesia. Segundo Pessoa,
Reis nasceu em 1887, em Porto, é médico, além disso, sabe-se que Reis foi educado por um
colégio jesuíta e vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou por ser monárquico, é também um
latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria. (PESSOA, Fernando.
p.97-98. 1982)
Ele está inserido no auge da modernidade, a mudança nas formas de enxergar a vida e
um período de guerras, pois 1918, um ano antes de expatriar no Brasil havia acabado a
primeira guerra mundial. Um período turbulento e inquietante, momento de surgimento
do nazismo, da ascensão autoritária, o futuro era assustador, as pessoas temiam à forma
que poderiam morrer, o futuro tornou-se inconsistente e incerto, a morte era banalizada,
medo da tortura, medo de ser preso, a presença do ódio são aspectos que fazem parte
dessa sociedade.

A poesia de Reis estava inserida nesta modernidade e ela tinha como objetivo
disciplinar, acalmar, refugiar-se desta sociedade através dos ideais clássicos, era uma
resposta à modernidade sufocante e desesperadora, era uma forma de retratar temas
modernos como vida, morte, passagem no tempo, vivência sobre amores enxergando
todo esse caos por uma outra face, por outra dimensão.

Reis então resgata em sua poesia temas da época, ele preserva e fixa as inquietudes
vividas pelo contexto social de ascensão autoritária e o período de guerras, de repressão,
e a através deste contexto quem a poesia foi escrita, podemos interpreta-la, como havia
ressaltado no início deste tópico, é uma relação intrínseca, pois por meio da histórica
que o autor “viveu”, podemos compreender oque ele queria expressar e através de sua
poesia podemos compreender os temores da sociedade da época e como ele lidava com
eles.

Análise de “Segue o teu destino” de Ricardo Reis

Segue o teu destino é o poema que exemplifica bem essa poesia disciplinar de Reis.
Ela remete a eliminação do que causa inquietação, ela apresenta temas modernos como
a passagem da vida e os medos causados pela sociedade da época, temas nos quais são
solucionados pela filosofia de vida que provém da Antiguidade Clássica tanto do
epicurismo quanto do estoicismo.

Segundo Carlos Reis (p. 203. 1990), “o estoicismo de Ricardo Reis articula-se com um
certo epicurismo. Trata-se de cultivar uma tranquilidade e sapiência que possam assegurar o
prazer possível, que amenizará a vivência estoica do sujeito que sofre o livre arbítrio dos
Deuses”, estes prazeres estão expressos nos versos: “Segue o teu destino, Rega as tuas
plantas, Ama as tuas rosas, O resto é a sombra De árvores alheias” (Odes de Ricardo Reis,
1946), onde o epicurismo está justamente no ato de viver, no ato de gozar a vida, no
ato de poder regar as plantas e amar as rosas, no poder da desfrutação. Essa
desfrutação também evidencia a presença do Carpe Diem, de Horácio. este ideário de
viver dia após o outro, desfrutá-lo. Já o estoicismo está presente no verso: “O resto é
sombra de arvores alheias”, ou seja, tudo que está em nossa volta ocorre de acordo
com a lei de causa e efeito, e as vezes essa tal causa é o ato do outro, que causa o efeito
em nossa vida, então por isso “sombra de arvores alheias”.

No segundo paragrafo do poema, o autor segue com essa influência estoica quando
diz “A realidade é sempre mais ou menos do que nós queremos, só nós somos sempre iguais a
nós próprios” (Odes de Ricardo Reis, 1946), ele está se remetendo ao ideal estoico de
que a vida e a realidade não são idealizadas e controláveis e que o ser humano tem que
aceitar a realidade que lhe foi imposta.

A realidade pode ser compreendida como o espaço divido por todos que nela vivem e
quando ele se refere ao verso “a realidade é mais ou menos do que nós queremos” (Odes de
Ricardo Reis. 1946) , está se referindo justamente aos últimos versos do primeiro
parágrafo “sombra de arvores alheias” , essas sombras de arvore seria uma alusão a
causa e efeito do outro na realidade. Logo interpreta-se que árvore seria uma pessoa,
o outro, e a sombra seria o efeito causado pela existência da arvore, um efeito que
interfere na realidade, e a realidade é mais ou menos do que queremos porque a
realidade é o reflexo de sombras de muitas arvores.

No começo do terceiro parágrafo o autor tenta trazer uma possível solução ao


problema implantado, pois “suave é viver só”, dá a entender é que com menos pessoas
em nosso redor vivemos uma realidade mais próxima ou igual de nós mesmos, já que
a realidade é algo distante e alheio. A realidade é entendida como o reflexo da minha
existência mais a existência de um monte de pessoas, logo se vivo só, a minha
realidade, é só minha, sem influências de sombras de arvores alheias, ou seja, sem
impactos externos. “deixa a dor nas aras” , dá a entender a “dor” como “sacrifício” e
“aras” como o altar de sacrifício pagão, logo deixe o sacrifício, o seu sacrifício no
altar, viva leve.

Neste parágrafo vemos dois pontos, o primeiro seria: “Reis Afirma a modernidade
pela negativa, reconhece as suas manifestações, denuncia os seus excessos e propõe um
equilibro existencial (Reis. p.204. 1990), onde ele reconhece a manifestação da realidade
conjunta e o equilíbrio proposto aqui seria o distanciamento, o ato de viver só. O
segundo ponto analisado aqui seria a presença do neopaganismo através das palavras
dor como sinônimo de sacrifício, e “aras” que se remete ao local de sacrifício de
rituais pagãos.

O quarto parágrafo, Reis traz um tom aconselhador, traz o alheamento, o


desprendimento da realidade como forma de uma nova visão de mundo, e novamente
traz a presença do estoicismo e neopaganismo nos versos: “vê de longe a vida, nunca a
interrogues, ela nada pode dizer-te. A resposta está além dos deuses” (Odes de Ricardo Reis,
1946). A ideia de alheamento e tom aconselhador está claramente expressado no
primeiro verso deste parágrafo. E o estoicismo presente aqui, pode ser respondido
pela “necessidade de se distinguir o que é possível daquilo que é inatingível” (Reis. p.202.
1990), pois perguntar algo a vida é algo impossível, e como Reis afirma na poesia, a
resposta está além dos Deuses porque nem eles saberiam respondê-la.

No quinto e último parágrafo ele finaliza afirmando que “Os deuses são deuses
porque não se pensam ”. Os deuses são deuses, exatamente pelo fato de não se
questionarem, de não haver necessidade de autoafirmação ou necessidade de
questionar a própria vida, a própria existência. Isso é o que faz nós homens sermos
homens, afinal essa atividade de autoafirmação e questionamento de tudo e todos é
um ato peculiar da vida humana. Os deuses simplesmente vivem, talvez seja inclusive
porque sabem que são deuses.

Essa poesia resgata o refúgio clássico frente as atrocidades do mundo moderno,


encara a morte como certeza do fluir do tempo que é inevitável, recusa o monoteísmo
cristão e adota o politeísmo pagão. Prega ideários como Carpe Diem, de Horácio e o
aproveitamento da vida de modo moderado, viver um dia após o outro, sem
precipitação, parar de sofrer e se martirizar sobre uma realidade que é imposta, que
não pode ser mudada e principalmente a exaltação da vida como momento presente
atual, como temporário.

A poesia aqui também é catártica, que aconselha o alheamento, que traz o


autoexílio como respostas às opressões modernas, quando se fala, “suave é viver só”
é visivelmente o autoexílio como refúgio clássico e resposta à “realidade que é mais
ou menos”, essa realidade moderna, opressora.
Considerações finais

Como afirmado ao longo do ensaio, Reis afirma a modernidade pela negativa, é


dizer, ele resgata, ele preserva, os sentimentos angustiadores da sociedade moderna,
porque apesar de ser um personagem, ele “vive” esses sentimentos angustiadores, é o
contexto histórico social em que ele se insere. Mas ao mesmo tempo ele renega esses
sentimentos, ele busca resposta nos ideários clássicos, ele busca uma ótica distinta de
se viver.

Esses ideários clássicos não estão só presentes na filosofia de vida, não estão
expressos apenas em conceitos na poesia de Ricardo Reis, mas também está presente
na estética de sua obra, uma estética com estrofes harmônicas, versos com tamanhos
equivalentes, que apesar de não haver rimas demarcadas mantém o ritmo que é
esperado de uma poesia, totalmente contrária à obra de Campos, por exemplo, que
tem versos com estruturas livres.

A poesia “Segue o teu destino” foi escolhida porque os problemas da sociedade


moderna seguem até os momentos atuais, com a pandemia, a nova geração está
enfrentando novamente a banalização da morte como ocorreu no período moderno de
guerras, não na mesma intensidade, mas trouxe à tona que a vida passa rápido, ou que
a qualquer momento podemos partir. Pensar como Reis, refugiar aos classicismos
talvez seja uma forma de sobreviver ao século das doenças psicológicas, da ansiedade
e da depressão, seria a forma de manter-se são frente á realidade que segue opressora.

Bibliografia:

PESSOA, Fernando. Teoria da heteronímia. Fernando Cabral Martins e Richard


Zenith

REIS, Carlos. Fernando Pessoa e o Modernismo Português. Lisboa: Universidade


Aberta, 1990

PESSOA, Fernando. Obras em Prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1982

PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis. Lisboa: Ática, 1946

BASTOS, Hermenegildo. Ficcional e Verídica (Notas sobre a historicidade da poesia).


Curitiba: Revista Letras, 2016.
BASTOS, HERMENEGILDO. Poesia na Mudança Histórica. Brasília: Cerrado, 2015.

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