Educomunicacao No Semiárido

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FICHA TÉCNICA
Instituto Regional da Pequena Publicação
Agropecuária Apropriada (Irpaa)
Textos
Diretoria Álvaro Luiz Alves da Silva
Haroldo Schistek – Presidente Érica Daiane da Costa Silva
João Mendes de Sena – Vice Presidente Gisele Ferreira Ramos
Adilson Ribeiro dos Santos - Tesoureiro Karine Pereira da Silva
Refaisa – Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido - Secretária
Revisão
Conselho Fiscal Conselho Editorial - Irpaa
AMEFAS - Associação Comunitária Mantenedora da Escola Família Agrícola de Sobradinho Projeto Bem Diverso
Ednalva dos Santos
Luís Araújo de Castro Projeto Gráfico e Ilustrações
Coordenação Colegiada Imburanatec Design

Cícero Félix dos Santos – Coordenador Geral Fotografias


Nívea Solange Rocha da Silva – Coordenadora Administrativa
Tiago Pereira da Costa – Coordenador Institucional Acervo Irpaa
Elizandra Martins
Galeota das Artes
William França

Expediente Bem Diverso


Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia - Coordenação Técnica // Anderson Sevilha // Enio Sosinski // PNUD - Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Oficial de Programa // Luana Lopes // // Gerente de Projetos Saenandoah Dutra // Assessor Técnico Fernando
Moretti // Assistentes e Auxiliares de Projeto Ana Cristina Barroso // Michelle Souza // // Norberto Pinto Filho // Comunicação Agência MOC

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


F981e Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa)
Balaio de Histórias entre as Caatingas e as Águas: Educomunicação no Sertão do São Francisco -
Bahia, 2019. il. color.
Esta publicação é resultado das ações do Projeto Bem Diverso em parceria com a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), com recursos do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF).
ISBN: 978-85-88104-11-2 | 1. Educomunicação. 2. Semiárido Brasileiro. 3. Sertão do São
Francisco I. Título
CDU 641-1.
ÍNDICE
Apresentação -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 6
Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 8
Nas veredas da Caatinga, a Educomunicação - Jovens da Caatinga ------------------------------------------------- 12
Educomunicação, um lance que gruda - Carrapicho Virtual -------------------------------------------------------------- 20
Um berço de arte e cultura popular na beira do Velho Chico - Galeota Brincantes --------------------------- 29
Com vocês, um novo ato de contar histórias - Trupe Novo Ato ------------------------------------------------------- 36
Comunicando também na periferia #SouPeriferia ---------------------------------------------------------------------------- 44
Chegamos ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 51
Glossário -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 54
Nas próximas páginas, você vai conhecer cinco de tantas dezenas
APRESENTAÇÃO de experiências de educomunicação que têm fincado suas raízes e ao
mesmo tempo lançado voos no nosso Semiárido. São existências car-
regadas de sabedoria popular que revolucionam as próprias vivências.
Do campo para a cidade e da cidade para o campo, as experiências se
cruzam em um só caminho: o do engajamento social em busca do bem
viver, tendo como premissa o direito à comunicação, à educação, à arte.

“Entre as Caatingas e as Águas: Educomunicação no Sertão do


São Francisco” dá nome a esta publicação, trazendo à tona a história
de existência dos coletivos/ grupos: Jovens da Caatinga, Carrapicho
Virtual, Galeota Brincantes, Trupe Novo Ato e #SouPeriferia. Margean-
do as vidas ribeirinhas e de comunidades tradicionais, os relatos aqui
presentes também nos revelam as potencialidades destes povos, que
Vamos contar histórias? Histórias de quem transforma muitas vezes são ignorados, menosprezados, estereotipados.
vidas, acolhe a vida em comunidade como missão? Histórias
que engajam, lutam, fazem sorrir os outros e a si mesmo no ato Registrar a ação destes grupos tem também o propósito de
de existir e resistir diante das adversidades, das desigualdades evidenciar que narrativas vêm sendo (des)construídas no Semiárido e
sociais? Então venha conosco conhecer essas raízes, que emer- quem as faz, mostrando como elas mudam as formas de olhar, viver e
gem em lugares e contextos comuns no Semiárido brasileiro. É contribuem para transformar o local em que vivem, marcando a exis-
com a missão de levar as histórias para mais pessoas que nós, o tência do seu povo, do Semiárido, da Caatinga.
Irpaa e o Projeto Bem Diverso, nos lançamos no campo da do-
Que as próximas páginas possam lhe contar um pouco das his-
cumentação social, expondo ao mundo quem transforma vidas
tórias de quem vive e ilumina de vida e esperança esse nosso lugar.
a partir do seu local de existência, do seu lugar de fala. Traze-
Preparem-se para embarcar em uma leitura leve, singela e marcante.
mos aqui um balaio de histórias de resistência coletiva, que têm
o Semiárido e as Caatingas como berço, como inspiração e a Boa viagem!
educomunicação como marcha.

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dos de mídia. Pouco ou quase nada vemos das demais regiões
INTRODUÇÃO e por vezes o Nordeste, o Norte, o Centro Oeste e o Sul ainda
saltam aos nossos olhos e ouvidos de forma caricaturada, car-
regada de preconceitos e equívocos. Ou seja, as regiões bra-
sileiras e toda sua diversidade são colocadas no caldeirão da
unificação de um país, que em nada é único, pelo contrário, é
amplamente pluri.

Discutir estas questões no contexto do Semiárido brasileiro é


também compreender as construções de estereótipos acerca
do Nordeste, do sertão, do clima semiárido, dos biomas Ca-
atinga e Cerrado, do seu povo, constatando o quão tem sido
Entender a comunicação com um direito humano é o princípio invisibilizadas as potencialidades da região. Essas concepções,
para compreender a necessidade de democratizar a comunica- disseminadas ao longo dos séculos pela literatura, música, ci-
ção, um elemento chave para alcançar a democracia de uma nema e meios de comunicação, deturpam, não só a realidade
sociedade. No entanto, por mais natural que pareça, comuni- da região, mas a própria definição de políticas públicas, como
car- se ficou reservado ao ato individual entre seres, no máximo, perdurou desde o início da ocupação do sertão com as medidas
entre grupos. Fica claro para os povos, ao buscarem transmitir somente combativas ao clima.
informações para um maior número de pessoas, que esse é um
A história política do Semiárido, por sua vez, tem mostrado o
privilégio dos grande grupos de mídia.
quanto ações de combate às secas são falidas, que em nada
No Brasil, essa realidade de monopólio foi naturalizada e permi- contribuíram para o desenvolvimento da região. Em contra-
te a padronização do pensamento de uma sociedade, negando ponto a esta lógica, surge o paradigma da Convivência com
a pluralidade de ideias. A nação é sufocada com padrões que o Semiárido, anunciado pelos povos e pela sociedade civil
não contextualizam e nem evidenciam o pluralismo de vozes organizada, a exemplo do Irpaa, Movimento de Organiza-
e modos de vida existentes no país. Vemos reproduzido nos ção Comunitária, dentre outras organizações, que, constitu-
meios de comunicação, sobretudo, os sotaques, os costumes, íram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Portanto, foi
os biotipos do Sudeste, onde ficam as sedes dos conglomera- o povo que apontou para o Estado caminhos possíveis para

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Ao compormos o disputado cenário de incidên- diversas entidades interagem nessa compreensão
cia política, hoje apostamos no campo da educo- da educomunicação como campo de intervenção
municação, que nada mais é do que uma relação social a partir do fortalecimento dos laços, identi-
mútua entre educação e comunicação, formando dades e autonomia dos povos, gerando imagens,
sujeitos críticos e ativos no exercício de uma cida- sons, vozes e conhecimento. Esses elementos
dania que busca transformar para melhor a socie- apontam um novo caminhar, protagonizado pelos/
dade. A educomunicação promove uma visão crí- as sujeitos que vivem, convivem e bebem nas fon-
tica da educação e da comunicação hegemônica, tes da sabedoria da natureza, das ancestralidades
ao mesmo tempo em que desperta nas pessoas as dos povos originários, quilombolas, de Fundo de
diversas possibilidades de produzir conteúdos por Pasto, pescadores/as, da ciência contextualizada,
meio de elementos como as novas tecnologias da contribuindo para ampliar a visão de mundo.
comunicação, de informação e da arte, valorizan-
Portanto, anunciar a Convivência com o Semiári-
do todos os saberes no campo do conhecimento
do, considerando-a como um caminho essencial
formal ou não formal.
para o Bem Viver, é, também, dar voz aos seus
Assim, a educomunicação vem para ampliar as principais atores, os povos, as comunidades, as
perspectivas dessa inserção social das vozes de jo- organizações populares. A educomunicação con-
vens, crianças, mulheres e homens das periferias tribui para ressignificar nosso lugar de fala, o Se-
viabilizar o Semiárido, a partir da compreensão Então, mais do que compreender a comunicação da cidade e do campo dessa região semiárida, an- miárido, que por séculos foi silenciado.
do próprio clima. como um direito, é preciso entender que o direito tes silenciadas, ocultas ou à margem da socieda-
Propomos a você viajar conosco “Entre as Caatin-
à comunicação antecede os demais. Como requerer de. Falar do seu local, pensar a partir da própria
Nessa caminhada, a comunicação e a educação po- gas e as águas”, para conhecer experiências vivas
o direito à terra, água, moradia, educação, sem ter a realidade, intervir a partir das necessidades laten-
pular foram formas de resistência do povo ao con- de educomunicação no Sertão do São Francisco.
liberdade e as condições de comunicar? Infelizmen- tes e não impostas, são ações que emergem como
trapor essa narrativa de combate ao clima, questio- um campo de produção e disseminação de sabe-
te essa compreensão ainda é restrita a uma parcela
nando o estereótipo e anunciando para o mundo res contextualizados, que incidem na elaboração
da população e será necessário um movimento de
um Semiárido que é muito mais que clima, é cultura, de políticas públicas apropriadas.
massa para alardear para os quatro cantos do país
resistência, fortaleza, sabedoria popular, pertenci-
esse direito, que além de negado, é invisibilizado. No Território Sertão do São Francisco, o Irpaa e
mento, ciência, diversidade e empoderamento.

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descobrindo e experimentando fazer educomunicação nas co-
NAS VEREDAS DA CAATINGA, munidades recaatingueiras, no sertão da Bahia. Jovens entre 14
a 26 anos estão percebendo a importância de ter acesso a uma
A EDUCOMUNICAÇÃO comunicação que viabilize as iniciativas e experiências políticas,
Jovens da Caatinga sociais e culturais das suas comunidades.

Nossa viagem começou em 2018, quando o Irpaa firmou uma


parceria com o projeto Bem Diverso com o objetivo de avaliar
a metodologia do Recaatingamento e realizar formações em
comunicação para jovens de comunidades recaatingueiras. Um
grupo de jovens dos municípios de Curaçá, Canudos, Uauá, Jua-
zeiro, Sobradinho, Casa Nova, Remanso, Pilão Arcado, Sento Sé
e Campo Alegre de Lourdes, no Território de Identidade Sertão
São Francisco, aceitou o desafio de formar uma rede de jovens
comunicadoras e comunicadores populares destas comunidades.

E vejam que bacana! A abelha da educomunicação que polini-


zou as comunidades recaatingueiras do Território de Identida-
de Sertão do São Francisco foi além e alcançou a comunidade
quilombola Lages dos Negros, no município de Campo For-
moso, que integra o Território de Identidade Piemonte Norte
do Itapicuru. A juventude quilombola já vinha dando os pri-
meiros passos no campo da educomunicação e aí chegaram
Para começar o nosso bate-papo é importante saber se você já para contribuir com a luta.
conhece alguma experiência de educomunicação protagoniza-
Instigada a contribuir com a defesa da Caatinga e o modo tradi-
da por jovens de comunidades rurais. Pois bem, a partir da leitu-
cional de viver das suas comunidades, essa galerinha começou a
ra destas breves páginas, convidamos você a abrir seu coração
participar das oficinas de comunicação do projeto Bem Diverso.
e sentidos para mergulhar na história de uma turma que está
A jovem Lairlane Oliveira, da comunidade de Bom Sucesso, mu-
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nicípio de Sobradinho, enxergou no projeto a oportunidade de
divulgar e fortalecer as ações comunitárias e o envolvimento da
juventude na vida comunitária.
O jovem acredita que o Recaatingamento pode Para contribuir na defesa do Recaatingamento
O seu desejo nas primeiras formações era “compreender me- transformar a realidade das comunidades rurais, e demais ações de Convivência com o Semiári-
lhor como divulgar as atividades realizadas na comunidade”. assim como modificou a sua. “Tudo que aconteceu do, utilizando como estratégia o poder emanci-
Hoje, essa motivação vai muito além, a jovem que tem uma comigo, aconteceu depois que o Recaatingamen- patório e transformador da educomunicação, o
participação atuante na comunidade, também acredita que a to chegou (...), eu tive a oportunidade de ingressar grupo participou de cinco módulos de formação
rede contribui para o protagonismo e valorização da juventude na EFA (Escola Família Agrícola), de conhecer a em comunicação e um intercâmbio para Funda-
nas comunidades rurais e o bem viver no Semiárido. Enquanto pedagogia da alternância, conhecer a realidade da ção Casa Grande, no Ceará. Reunida, trocando
Rede, “estamos sempre divulgando o potencial da Caatinga, minha comunidade e não ter essa ideia de partir conhecimento e saberes, a turma discutiu sobre
do modo sustentável de viver aqui, nossas tradições”. O jovem pra São Paulo, fazendo o êxodo rural. O Recaatin- Comunicação para Convivência com o Semiárido,
Natanael Passos, da comunidade de Pedrinhas, município de gamento não mudou só meu pensamento, mudou produção de texto, rádio, audiovisual e redes so-
Remanso, complementa que outra contribuição importante do minha comunidade e agora eu tô discutindo co- ciais. Mas não ficou só no debate, a turma produ-
projeto é fortalecer e ampliar a proposta do Recaatingamento municação”, declara Natanael. ziu jornal, vídeo e spots.
nas comunidades.
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Recaatingamento, juventude, tecnologias sociais ga. Essa galera mostra ser muito antenada e pro- jovem comunicador/a: “Isso que é ser jovem co- visão dentro da minha comunidade e das comu-
de captação e armazenamento de água de chuva, dutiva, embora muita gente por aí ainda reproduz municador, você sair de uma comunidade e bus- nidades vizinhas, buscando envolver mais jovens
a história da comunidade, educação contextuali- o ditado que diz: “a juventude não quer nada”. car informação na outra”. William ainda destaca que tenham o mesmo objetivo na valorização da
zada foram algumas das temáticas dessas produ- Você acredita nisso? como algo positivo e enriquecedor a interação comunidade, das suas ações, porque todas as co-
ções. “Quando eu cheguei na comunidade pra entre os/as jovens da rede e os demais membros munidades precisam ser valorizadas e a juventude
A empolgação em compartilhar a experiência des-
falar que a gente tinha feito um jornal pra falar da da comunidade. pode fazer isso”. Imagine então, leitor/a, mais jo-
sa turma é tão grande que acabamos esquecendo
comunidade, o pessoal ficou tudo admirado (...), vens espalhando as riquezas, potencialidades, as
de contar um pouco sobre o processo de escolha Aumentar esse envolvimento da comunidade nas
eu fiquei mesmo emocionada com todo mundo lutas do Semiárido. Seria bonito demais!
do nome coletivo. Depois de algumas formações, ações da Rede e despertar ointeresse de mais jo-
da comunidade dando os parabéns (…), é muito
o grupo fundou oficialmente a Rede de Comunica- vens participarem é o desejo e o desafio apontado Você que está viajando nessa experiência ficou
emocionante, eu gostei muito de saber que eu fiz
dores e Comunicadoras Jovens da Caatinga. Mas por Adaílton Peixinho, da comunidade de Ouricu- curiosa ou curioso para conhecer as produções
e meus colegas também fizeram”, declara a jovem
voltando para a história das oficinas itinerantes, ri, município de Uauá: “É preciso multiplicar essa dessa juventude? Então, corre lá na página do
Rafaela Rocha, da comunidade de Melancia, mu-
esse foi mais um desafio que a galera abraçou jun-
nicípio de Casa Nova.
to com suas comunidades. E deu certo, viu?
Sugerimos a você, leitor e leitora, que fique à von-
As comunidades abriram literalmente as portas
tade para respirar fundo, pois nossa viagem ainda
das suas casas para abrigar a turma durante dois
tem muito chão, cheia de depoimentos que de-
ou três dias de atividades. Vivenciamos as chama-
monstram orgulho.
das hospedagens domiciliares ou solidárias, onde
O processo de realização das oficinas foi cheio de as famílias preparavam a alimentação, as/os jovens
aventuras. O grupo enfrentou sol, calor, chuva, viu da comunidade organizavam o espaço do encon-
paisagens distintas e ao mesmo tempo semelhan- tro, outros/as chegavam para participar da oficina.
tes, tudo isso ao conhecer a comunidade de al- Era bonito de ver! Toda essa articulação na comu-
guns/algumas companheiros e companheiras de nidade era realizada pelos/as próprios/as jovens,
jornada, pois a maioria das formações foi realizada com suporte da equipe do Irpaa.
de forma itinerante. Isso mesmo, as oficinas acon-
Para William Andrade, do Sítio Antônio de Josi-
teceram nas comunidades rurais onde residem os/
na, no município de Canudos, essa metodologia
as jovens que compõem a rede Jovens da Caatin-
das oficinas fortaleceu ainda mais o papel do/da
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Facebook Jovens da Caatinga, deixe sua
curtida, seu comentário e não se esque-
ça de compartilhar as publicações dessa
galera. Já vou avisando que na página
você vai encontrar uma diversidade de
produção: vídeo, fotografia, texto e co-
bertura ao vivo de eventos realizados nas
comunidades, cada lindeza que só ven-
do! Falando em produção, é importante
deixar registrado aqui a contribuição des-
sa turma na divulgação de feiras da agri-
cultura familiar. É bonito de ver esses/as
jovens com celular na mão, transmitindo
em tempo real a riqueza produzida por
agricultores e agricultoras, sendo que em
alguns casos a Rede foi o único veículo
de comunicação a pautar a produção e
comercialização de alimento bom, limpo
e justo, valorizando a agricultura familiar
e junto com ela, a cultura local. transformação social, uma vez que essa experiên- do jovem no campo e o acesso a direitos historica-
cia possibilita a esses meninos e meninas protago- mente negados.
Outra coisa linda de olhar é o empodera-
nizarem ações que valorizam seu território, a Caa-
mento desses/as jovens compartilhando a Na trajetória da rede Jovens da Caatinga é percep-
tinga, sua identidade enquanto jovem do campo,
experiência da Rede em eventos que pau- tível a vontade em manter ativa a experiência. Po-
do Semiárido brasileiro. O engajamento dessa
tam educomunicação e em outros espaços rém, alguns desafios são apontados pelo coletivo:
juventude vai permitindo a produção de conteú-
de debate. É a juventude dando e sen- dificuldade de acesso à internet, distância geográ-
do pautado na proposta da Convivência com o
do a voz da comunidade, olhando para a fica entre municípios, geração de renda para juven-
Semiárido, incluindo a defesa da permanência da/
educomunicação como uma estratégia de tude. Entre esses obstáculos, o principal é o acesso
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à internet, deficiência que passa pela ausência de energia
elétrica, inexistência ou ineficiência da cobertura das opera- Comunidades EDUCOMUNICAÇÃO,
doras de telefonia e de distribuição de banda larga.
Recaatingueiras UM LANCE QUE GRUDA
A jovem Lairlane afirma que “por ser jovem e morar na zona
rural, é importante ser jovem comunicadora, isso de fato é Carrapicho Virtual
São comunidades tradicionais de Fun-
comunicação (…) mas o meu principal desafio é a questão
do de Pasto com modo de vida e pro-
do acesso à internet na comunidade, que não é fácil; não te-
dução diretamente ligados ao manejo
mos”. A fala da jovem comprova a necessidade de lutar pelo
da Caatinga, que aceitaram o desafio
direito à comunicação, que perpassa pela pauta da demo-
de contribuir na preservação e conser-
cratização do acesso à internet de qualidade no país, direitos
vação deste bioma a partir das ações
que são violados, em especial à população do campo.
de recuperação e preservação, uma
Mesmo diante deste cenário, a juventude ousa continuar ação intitulada de Recaatingamento.
lutando pela construção de uma comunicação e educação No Território Sertão de São Francisco,
que instiguem a juventude e a comunidade a enxergarem onze comunidades foram envolvidas
a educomunicação e as diversas possibilidades de emanci- diretamente nas atividades do Recaa-
pação social. Nesse sentido, uma das estratégias da Rede tingamento.
é conhecer outras iniciativas da juventude no campo da co-
municação. Uma dessas fontes de inspiração é o coletivo de
educomunicadores e educomunicadoras Carrapicho Virtual.
Aposto que você já ficou curioso ou curiosa para conhecer
e/ou saber mais sobre esse coletivo. Então, continue a na-
vegar conosco! Ainda na diversidade do Território Sertão de São Francisco va-
mos caminhar pelas estradas de terras avermelhadas do Vale
do Salitre, interior de Juazeiro - BA, para conhecer o coletivo
de educomunicação Carrapicho Virtual, que reúne crianças,
adolescentes e jovens de 10 a 23 anos de idade. Esse grupo é

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ta? É uma planta que se espalha pelo chão e tem vens e adolescentes das comunidades de Alfava-
um espinho seco que gruda na roupa, na pele e ca e Baraúna. A jovem Roseane Santos participou
não solta com facilidade, chegando a incomodar. dessa edição e com alegria explica o motivo de ter
A mesma coisa acontece com o Carrapicho Virtu- iniciado sua trajetória no coletivo: “Ele de alguma
al, quando gruda nas pessoas, já era… ele provo- forma ajuda a mudar o olhar das pessoas para nos-
ca, incomoda, mas isso tudo com a intenção de so Salitre (...) mostra nossa realidade”.
problematizar as questões ligadas ao Salitre, ao
Com o entusiasmo da juventude e o acesso à inter-
Semiárido.
net nas comunidades rurais do Vale do Salitre, em
Em 2015, a semente do Carrapicho fez brotar a 2016, ao ser contemplado com o prêmio de Inova-
segunda edição do informativo produzido por jo- ção Comunitária Outra Parada, da Brazil Founda-
tion, nasce no Facebook a página do Carrapicho
Virtual. Com a conquista desse prêmio, a juventu-
de participou de oficinas de produção de vídeo,

presso comunitário. Na suas folhas estavam escri- fruto do sonho e da pesquisa-ação na conclusão
tas as notícias do cotidiano do Vale do Salitre, re- do curso de graduação em Comunicação Social,
gião que carrega o nome de um afluente do Velho em 2010, da jornalista Érica Daiane da Costa Silva,
Chico. Com essa iniciativa, o Carrapicho foi seme- que acredita na educomunicação como estratégia
ando transformação no solo fértil do Salitre. de formação de pessoas críticas e com poder de
transformação social.
Aproveitando que estamos falando de terra, de
fertilidade, você sabia que carrapicho é uma plan- Em 2010, o Carrapicho nasce como um jornal im-
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fotografias, texto para o novo canal de comunicação do Salitre, sempre devemos valorizar e cuidar de comunicação, no cinema popular, eventos culturais
do Salitre, o Carrapicho Virtual. toda a riqueza do Salitre”, diz a jovem educomuni- em todo canto do Semiárido. Além da página no
cadora Arice Carine Ribeiro dos Santos, da comu- Facebook, esse coletivo organiza sessões de cine-
A jovem Eulina Pereira, da comunidade de Baraúna,
nidade de Sobrado. É com orgulho que ela diz que ma ao ar livre nas comunidades. Debaixo do céu
destaca: “no início, eu não tinha motivação (para par-
a juventude do Carrapicho vem contribuindo para estrelado do Semiárido, a turma projeta o filme na
ticipar do Carrapicho Virtual), mas fui vendo a garra
valorização do Salitre. parede de igrejas, associações, escola ou em um
de Daiane, as inscrições do projeto sendo aceitas com
telão improvisado com lona branca e, aos poucos,
sucesso”. É o reconhecimento e valorização da atua- Vou contar um segredo para você, leitor/a; quando
as pessoas da comunidade vão chegando com sua
ção do coletivo que até hoje mantém a juventude en- Arice entrou no Carrapicho, era uma jovem tímida,
cadeira ou banco de madeira para assistir a uma
gajada no projeto e na vida comunitária. Eulina ainda curiosa, falava pouco e baixinho. Hoje é uma co-
produção cinematográfica brasileira escolhida
destaca que o processo formativo adquirido no coleti- municadora ativa. Confira na página do Carrapicho
pelo grupo.
vo é um aprendizado para além da comunicação, mo- uma produção dela, veja a segurança, o domínio
difica a forma de olhar da juventude. Em sintonia com dessa moça. Mas não fique só na produção dela, Vale ressaltar que muitos salitreiros e salitreiras nun-
Eulina, a também educomunicadora Manuela Ferreira veja a diversidade de produção presente na página ca foram ao cinema convencional. A proposta do
afirma: “Eu encontrei uma forma de me expressar ali e lembre-se de curtir a página dessa turma. O cres- coletivo é que após o filme, a comunidade partici-
(…) quando a gente começa a se interessar pela pela cimento não é uma exclusividade de Arice. pe de um bate-papo, iniciativa que ainda acontece
história do povo, quando você percebe que pode pro- de forma tímida, mas a juventude continua a insistir
É bonito de ver a evolução da juventude do Car-
tagonizar a própria história, você entende que é es- na proposta e dentro de um processo educativo,
rapicho, a confiança como eles e elas ocupam seu
sencial tá na luta”. essa realidade pode ser modificada. Só para deixar
lugar de fala. Mais bonito ainda é a percepção que
registrado e você ter dimensão dessa iniciativa, já
Essa transformação é vista no posicionamento das eles e elas têm do seu papel enquanto agente de
teve cinema popular que reunia mais de 100 pes-
jovens em relação à conscientização social e política, transformação social. “O que me motivou a fazer
soas. Imagina aí: jovens, crianças, adultos e idosos,
construção identitária enquanto jovem rural, o discur- parte do Carrapicho Virtual foi ver os jovens que já
todo mundo reunido no sábado à noite. Foi gente
so de pertencimento ao Vale do Salitre, região que participavam falando sobre juventude, sobre Sali-
sentada até em moto e na caminhonete para assis-
tem um histórico rico de luta e cultura. “O Carrapicho tre”, destaca Arice. Ao longo da caminhada, esses
tir ao filme e, com esse gesto, demonstrar o apoio
Virtual é um coletivo de jovens que sempre está pra- jovens vêm construindo o seu perfil de lideranças e
e a confiança da comunidade no trabalho dessa
ticando e reconhecendo os valores que o nosso lugar animadores/as sociais.
juventude.
tem (...) é ter o conhecimento da história, das culturas
Essa juventude fala do Salitre nas produções de
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sentando vídeos produzidos durante a execução
do projeto “Carrapicho: educomunicação e eco-
turismo com jovens do Vale do Salitre”, financia-
do novamente pela Brazil Foundation. Um dos
objetivos do projeto era despertar na juventude
o olhar para o turismo pedagógico como uma
alternativa de geração de renda. Além da Brazil
Foundation, o coletivo conta com a parceria do
Irpaa em diversos momentos, uma delas foi na in-
dicação da turma para integrar o projeto piloto
Jovens Comunicadores, ligado ao Pró-Semiárido,
projeto do Governo da Bahia.

Manuela Ferreira, educomunicadora, lembra de


algumas conquistas alcançadas nesses três anos
Essa turma é tão arretada, que passou a organizar grande porte realizado pelas comunidades e pela de existência do Carrapicho Virtual: “Recente-
Reis de Boi e Samba de Véio. A galera trabalha prefeitura. O grupo também assumiu um estande mente o Carrapicho Virtual foi para o Maranhão
na organização, na confecção das figuras, na divul- e apresentou a experiência do coletivo para as/os receber um prêmio de segundo lugar, de um
gação e em todo o cerimonial do evento. Como visitantes da feira. Essa participação ajudou o co- projeto com a questão da democratização da
é gostoso apreciar o envolvimento da juventude letivo a ter maior reconhecimento da comunidade comunicação. Também foi convidado para fazer
e o reconhecimento da comunidade através da e estimular mais responsabilidade por parte dos/ intercâmbio com jovens de todo Semiárido, já
presença significativa nesses eventos, que já fo- das membros/as do grupo. foi convidado pela Articulação Semiárido Brasi-
ram tradição no Salitre, mas vinham se perdendo,
leiro – ASA – para ir para Salvador, já foi para
e hoje precisou ser retomado pela juventude. Fa- A contribuição do Carrapicho foi tamanha que na
Minas Gerais”.
lando em evento, o Carrapicho Virtual foi o úni- segunda edição da feira, o coletivo, além de pro-
co veículo de comunicação a fazer uma cobertura duzir conteúdo, também apareceu como um dos Esse Carrapicho tem andado, mas não foi só isso.
completa da I Feira da Agricultura Familiar e de apoiadores do evento. Durante a feira, promoveu Já participou de mesa de debate no XX Intercom
Caprinos e Ovinos do Vale do Salitre, evento de a I Mostra de Audiovisual do Vale do Salitre, apre- Nordeste, que aconteceu na Universidade do Es-

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tado da Bahia, em Juazeiro, evento considerado o tude no tocante à educomunicação.
maior congresso brasileiro de comunicação. Esse UM BERÇO DE ARTE E
O acesso à internet de qualidade, a necessida-
ano, o Coletivo foi tema de documentário produ-
zido pela jornalista Anette Bento, produção patro-
de de agregar novos jovens ao projeto, a gera- CULTURA POPULAR NA BEIRA
ção de renda para juventude são alguns desses
cinada e veiculada pelo Canal Futura e foi também
desafios, mas acreditamos que a construção de
DO VELHO CHICO
objeto de estudo da dissertação de mestrado de
Érica Daiane, contando até com avaliação de um
políticas públicas que dialoguem com sua reali- Galeota Brincantes
dade no Semiárido, junto com a determinação e
dos maiores pesquisadores em educomunicação
sonhos desses jovens, causa grande revolução na
no Brasil, o professor Ismar de Oliveira Soares.
juventude do campo. Finalizamos essa nossa se-
Outra conquista importante, na opinião de Ma- gunda parada da viagem com a frase “Juventude
nuela, é a conscientização e valorização cultu- é Revolução”, como externou a educomunicadora
ral do lugar: “A gente tá sempre trabalhando a Manuela Ferreira.
questão do êxodo rural, da valorização da Ca-
Aproveitamos para pedir que se preparem, pois
atinga; saber que a gente é do Semiárido e le-
nossa próxima parada é cheia de sons, batuques e
vanta a nossa bandeira para quebrar alguns este-
brincadeiras bem às margens do Opara.
reótipos”. O acesso desses/as jovens ao ensino
superior também é um reflexo do seu envolvi-
mento com o Carrapicho Virtual. “Eu quero fazer
faculdade de Jornalismo, quero contribuir com
minha comunidade”, afirma Roseane, que deseja
seguir os passos de Érica Daiane.

O Carrapicho ainda não possui uma sede. Os


membros se reúnem nas associações, escolas, em- A gente agora percorre pouco mais de 150 km, do Vale do Salitre
baixo de árvores. Como você pôde apreciar, mui- até Curaçá - BA para conhecer um pouco a experiência de arte,
tas foram as conquistas, mas há também grandes educação e cultura popular dos Brincantes.
desafios para manter a efervescência dessa juven-

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Bom, em Curaçá, o carrinho de mão usado para frutos da Galeota: as/os Brincantes. riais reciclados, foram chamando a atenção das/
diversas atividades é conhecido como galeota, dos pequenas/os e também atraindo a atenção e
Os/as Brincantes surgiram a partir da observação
uma palavra que em outros lugares dá nome a o apoio das/dos adultas/os.
de membros da Galeota que, ao animarem a po-
um tipo de embarcação. E foi Galeota das Artes
pulação de bairros de Curaçá com teatro, brin- E não há quem não se anime quando essa tur-
o nome escolhido para um grupo cultural criado
cadeiras de roda, cinema e shows; perceberam o minha se apresenta, seja nas ruas de Curaçá no
em 2013 por dois arte-educadores envolvidos
entusiasmo das crianças, que não só assistiam a mês de janeiro cantando e dançando o Reisado ou
com a valorização da cultura popular local. Ago-
tudo atentamente, mas cantavam e dançavam. quando o grupo é convidado a abrilhantar algum
ra você, leitor/a, vai conhecer um pouco um dos
evento no município ou em outro local.

E quem não quer ser reconhecido como o dan-


çador do boi ou da burrinha, como é o caso do
menino Pedro Henrique, que se especializou nessa
atividade? Tem ainda aqueles e aquelas que se de-
dicam à percussão e fazem questão de falar dessa
função no grupo. O sorriso se delineia no rosto da
garotada quando contam os lugares que já conhe-
ceram indo atender a convites para os Brincantes
da Rua de Baixo se apresentarem.

Com apoio de mães, pais, avós, tias, o grupo viaja


e quando chega nos palcos a briga é grande pra
ver quem fica na frente, como relatam os criadores
da Galeota.
E foi na Rua de Baixo, uma das ruas que fica já na algumas manifestações populares de Curaçá que Mas não é que os Brincantes RDB, como vinham
beira do Rio São Francisco, na cidade de Curaçá, já vinham sendo esquecidas, a exemplo do Reisa- sendo conhecidos, passaram a contar com crian-
que a Galeota resolveu reunir, em 2014, uma mé- do. De lá pra cá, as saias de chitas das meninas e ças e adolescentes de outros bairros da cidade?
dia de 20 crianças e adolescentes para dar vida a os instrumentos, em sua maioria feitos de mate- A turminha do Bairro Mãe Sérgia (residencial do

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programa Minha Casa Minha Vida) se juntou aos jurídica, ela foi fundada por Fernando Antônio Fer- sido a valorização do Reisado, uma manifestação
membros do grupo, então agora os Brincantes não reira (Fernandinho) e Wilson Sena, que ainda per- popular que envolve música, dança, misturando
são mais apenas RDB (Rua de Baixo) e por isso che- manecem no grupo, que hoje envolve dez compo- elementos de expressões como ciranda, pau de
gou-se a um consenso de que o grupo se chama- nentes, a maioria jovens empenhados/as em ocu- fita, dança do boi e da burrinha, além da percus-
ria “Galeota Brincantes”, já que é uma iniciativa da par funções no grupo e manter um trabalho cul- são. O Reisado sempre foi uma tradição em Cura-
Galeota das Artes. tural no município, arrecadando inclusive recursos çá, conforme relataram as/os curaçaenses. Há tam-
para ajudar na manutenção da Galeota Brincantes. bém o Pastoril na noite de natal e a Marujada todo
As/os Brincantes podem ser acolhidas/os desde os
Os fundadores contam que uma das motivações dia 31 de dezembro; que se assemelham entre si,
primeiros anos de idade, mas à medida que vão
para criação da Galeota foi a Companhia Curaçá- embora cada uma com suas particularidades.
crescendo, um critério obrigatório garante sua par-
lica de Artes Livres, que apresentava espetáculos
ticipação: frequentar a escola e ser um/uma bom/ Porém, de uns anos para cá, na área urbana dos
nas comunidades entre os anos de 1999 a 2013.
boa estudante. Para os familiares das crianças, a municípios, os grupos de Reisado praticamen-
participação no grupo é um importante incentivo Nesse intervalo, a prefeitura de Curaçá lançou tam- te não existem. Assim, as/os Brincantes têm ga-
para que na escola o resultado também seja positi- bém a Caravana da Cultura, contemplando os bair- nhado a atenção das famílias, especialmente no
vo. Uma das integrantes revela que o grupo contri- ros e área rural do município, ação que também mês de janeiro, quando saem nas ruas visitando
bui para “tirar as crianças da rua” e fala também da motivou a criação da Galeota. Uma das ideias ini- as casas em média uma vez por semana. A cada
satisfação de participar de eventos fora, conhecer ciais do grupo foi a criação de células culturais na saída, o Reisado visita entre três e quatro casas,
outros lugares. cidade, porém por não contar com maiores apoios, das 18h às 21h. Cada família que recebe o grupo
originou-se o trabalho apenas com as crianças da serve também um lanche, momento que as crian-
Os bairros de Curaçá não possuem praças e isso dei-
Rua de Baixo. A iniciativa conta com apoio da Rá- ças não esquecem de relatar com muitos risos. No
xa um vazio que pode ser preenchido com os ensaios
dio Comunitária Curaçá FM, da paróquia local e encerramento do mês tem sido realizado encontro
do grupo no espaço cedido por um morador da ci-
da prefeitura. Hoje a Galeota realiza shows e aluga com outros grupos, especialmente do interior do
dade para ser a sede da Galeota Brincantes. Com
equipamentos adquiridos ao longo desses anos e município.
características de um ateliê, a sede, localizada na Rua
parte do recurso é revertido para a manutenção
de Baixo, é utilizada também para produzir quadros, Para Fernandinho e Wilson Sena, a cultura popu-
da sede e assim viabilizar a experiência dos/das
artesanato de material reciclado, instrumentos musi- lar encara o desafio de concorrer com a chamada
Brincantes.
cais, cenários para espetáculos, etc. cultura de massa, que hoje leva a maior parte da
A atividade principal da Galeota Brincantes tem população a consumir produtos culturais mais dis-
A Galeota das Artes não dispõe de personalidade
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tantes do que surge espontaneamente do meio do culturais também bastante fortes em Curaçá. A zada para a Convivência com o Semiárido. Falando se programar para ir ao município durante o mês
povo, sem fins lucrativos. Falando nisso, outro de- Galeota Brincantes é formada por maioria de me- nisso, a escola formal, por sua vez, reconhece o de janeiro e acompanhá-los nas noites animadas
safio é a captação de recursos para manutenção do ninas, que, junto com os meninos, se lançam no trabalho desenvolvido hoje pela Galeota na for- por essa tradição.
grupo, que vem sendo feito com o acesso a editais Reisado e, mais recentemente, na dança afro, mo- mação humana das crianças e adolescentes Brin-
O Reisado é uma das manifestações culturais
públicos e com o percentual de doação do grupo dalidade que apresentam com satisfação e orgu- cantes. Os fundadores nos contam que é comum
oriundas do povo negro, que, apesar da situação
Galeota das Artes, além dos apoios institucionais, lho. serem chamados às escolas para acompanhar o
histórica de escravizados, sempre resistiu e mante-
especialmente quando se trata da apresentação comportamento de integrantes da Galeota Brin-
O mais novo desafio que o grupo passa a enfren- ve viva suas raízes culturais, mesclando a essência
do grupo em outros municípios. cantes, assim como estes/as costumam considerar
tar é a produção de hortaliças e plantas ornamen- africana com a dos povos originários que habita-
os conselhos e recomendações de membros da
As/os Brincantes têm hoje uma média de 60 par- tais, além dos planos de intensificar o trabalho ram o sertão banhado pelo Rio Opara, que há sé-
Galeota das Artes no sentido de melhorar o com-
ticipantes. Há jovens que estão ali desde o início, com reciclagem, valorizando ainda mais aspectos culos mata a sede do povo ribeirinho.
portamento em casa ou na escola.
mas há também aqueles e aquelas que já passaram da educação ambiental, alimentação saudável e
E se você ainda tem sede de informação sobre
a ocupar outros espaços no município, a exemplo assim contribuindo com o fortalecimento das ex- Este trabalho já rendeu à Galeota das Artes uma
essas experiências tão ricas em nossa região, siga
das fanfarras e das quadrilhas juninas, expressões periências não-formais de educação contextuali- moção honrosa aprovada pela Câmara Legislativa
navegando com a gente, agora rio acima, para sa-
de município, bem como o reconhecimento públi-
ber que tem mais jovens envolvidos/as com a cul-
co por parte do Conselho Tutelar. É consenso que
tura popular em nossa região, usando a arte e a
se trata de um trabalho social que envolve arte,
educação para formar pessoas e assim contribuir
educação, cultura, valorização da identidade e for-
com um mundo mais colorido, onde a criatividade
talecimento do pertencimento à Curaçá que, em
nos permite viajar das mais variadas formas.
tupi-guarani, significa Paus Trançados.

E para saber mais sobre a Galeota Brincantes, é


só acompanhar as redes da Galeota das Artes na
internet. O grupo possui página no Facebook, um
canal no Youtube e um perfil no aplicativo Insta-
gram. Além disso, você pode se deparar por aí a
qualquer momento com as meninas e meninos de
Curaçá dançando Reisado em um evento ou pode

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Contar histórias para cativar crianças e adolescen- A primeira apresentação aconteceu no colégio Ju-
COM VOCÊS, tes e levá-los ao mundo dos livros foi o caminho tahy Magalhães e logo depois o grupo extrapolou
encontrado por Willian Fernando Silva, um pro- os muros da escola e começou a levar cores, ale-
UM NOVO ATO DE CONTAR fessor de Língua Portuguesa, Literatura e Artes gria, fantasia para outras escolas e espaços cultu-
HISTÓRIAS que viu na contação de histórias uma saída para rais das cidades de Juazeiro e Petrolina - PE e tudo
melhorar a leitura dos/das estudantes do colégio de forma voluntária. Com o grande envolvimento
Trupe Novo Ato estadual Jutahy Magalhães. “Não só incentivar a dos/das estudantes, Willian começou a montar tur-
leitura com histórias clássicas, como as de Cha- mas para realizar oficinas de contação de histórias.
peuzinho Vermelho ou Cinderela, mas através do “O mais interessante é que a gente contava histó-
Estou chegando minha gente nosso território, do nosso lugar, contar história da- rias, lendas, não somente no aniversário da cida-
Pra falar para a maioria qui, trabalhar a educação a partir do lúdico peda- de, no dia da água, do rio (…), a gente começou
gógico”, explica Willian. a falar isso o ano todo”, relata. O diretor da Tru-
Um pouco dessa cidade que é cheia de energia!
pe acredita que essa atitude fez o grupo se tornar
Que tem um passado de glória e um futuro de alegria Em 2012, nasce o grupo de contadores e conta-
uma referência na arte de contar história.
Juazeiro é o nome dela e falo com muito prazer doras de história Trupe Novo Ato, formado pe-
Onde tem gente lutadora, que faz por merecer los/as estudantes do Colégio Estadual Jutahy É, amigo/a… a propósito, depois de tanta viagem,
Magalhães. O grupo cria novas formas de contar já posso chamar você de amigo/a, né? Imagine aí,
Aqui tem muito artista, cheios de riquezas
as lendas do Rio São Francisco e belezas do Vale o pátio da escola cheio de crianças conversando,
Artesanato, agricultura, tudo vem da natureza!
do São Francisco através da arte, da leitura, da brincando, aquela zuada e, de repente, o silêncio
E através da mão do homem, tudo se transforma em beleza oralidade, da música, da percussão corporal, da paira no ar… um grupo de adolescente surge com
Com vocês a Trupe Novo Ato” dança, do cordel, do teatro, buscando fortalecer um sorriso no rosto, roupas coloridas, alegres e co-
- Eduardo Almeida e valorizar a cultura local e trabalhar o sentimento meça soltar os primeiros versos e, com gestos, mo-
de pertencimento dessas crianças e adolescentes vimentos, música, prende o olhar atento e curioso
e de quem assiste à história contada pelo grupo. das crianças e, com essa energia, envolve e intera-
“É um grupo com significado. Não é contar a his- ge com a plateia. “É arte, é cultura, é criança cres-
tória pela história, mas uma história que fala do cendo sadia. É boca sorrindo a viver, morder a vida
lugar, identificação do território, da identidade”, sem tirar pedaço, com os pés firmados, a sustentar
defende Willian. o chão”, definem os versos que fazem parte de
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pressão a gente coloca a performance”, relata
o diretor. Mas para quem demonstra interesse
e não tem uma boa dicção, uma entonação na
voz, a Trupe trabalha com jogos teatrais, jogos
de preparação. Ah, a Trupe lembra que quem
deseja ser contador e contadora precisa ler
muito texto e trabalhar bem a interpretação,
pois as histórias serão contadas e recontadas,
tudo de forma muito espontânea e única.

O jovem contador de história Eduardo de Al-


meida argumenta que o processo formativo
possibilita a transformação do adolescente.
“Todo mundo que passa por aqui muda, deixa
de ser tímido (…). Hoje na Trupe Novo Ato tem
os blogueiros do Vale”, revela, evidenciando o
quanto algumas pessoas evoluíram conseguin-
do vencer a timidez. Eduardo explica que, nas
formações, os contadores e contadoras apren-
dem a estudar, memorizar e saber o que está
uma das apresentações da Trupe. ciparem do grupo e assim surge a rede de nar- falando. “Muita gente pensa que é só decorar
radores orais. “A rede é para propagar a arte de o texto, mas é diferente, você tem que enten-
No ano de 2015, jovens de outras escolas da ci-
contar histórias, vamos potencializar ainda mais”, der o que vai passar para o público”, detalha
dade de Juazeiro também puderam fazer parte da
pontua Willian. Eduardo.
Trupe Novo Ato: “Quando eu saí do Jutahy, vi que
tinham outras possibilidades de oficinas, então Um dos fatores importantes para ser membro da A Trupe defende que seu trabalho é de conta-
abriram (vagas) e outras pessoas puderam parti- Trupe é a voz. “As histórias oscilam muito, depen- dores e contadoras de história e não apresen-
cipar”, explica Willian. Os/as jovens que já faziam de muito da voz, não tanto da expressão. A ex- tação teatral. “Eu briguei muito quando o povo
parte da Trupe convidaram outras/os para parti-
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falava que era teatro. Se eu estou dizendo Hoje, com uma trajetória de sete anos, a Trupe tem Nessa arte de contar histórias, o jovem Mateus Ro-
que é contação de história, se eu acredito um repertório de mais de trinta apresentações, drigues, que entrou na Trupe através do convite da
que é contação de história, eu vou até o fim com contos, cordéis, lendas e histórias com recorte irmã, com 14 anos, em 2014, diz que o bom é fazer
com a contação de história (…). Pode ser te- para Convivência com o Semiárido, trazendo para a o que gosta. “Apesar de eu ter a agenda cheia,
atro? Pode ser teatro. Mas a gente acredita arte de contar história um Semiárido diverso, cheio ter muito trabalho para realizar, quando tem uma
muito na contação de história, porque se for de cores e vida. “O Semiárido é beleza, é riqueza, apresentação eu faço de tudo pra tá ali no meio,
pelo contexto histórico dos griôs, das anti- é dignidade. É orgulho, é superação, um mundo pois realmente é o que eu gosto, foi o que me le-
gas civilizações, eles tinham esse ritual de de sentidos em contextualização”, diz um trecho vou a tá no meio artístico, de dança, de tá falando,
preservar a história do local ali. A contação de um texto apresentado pela Trupe. Com alegria de argumentar”. Hoje, Mateus trabalha com dança
da história era pela oralidade, de boca em e orgulho, semelhante a de um/uma professor/a e reconhece que isso é resultado da Trupe.
boca”, defende Willian. que vê a/o estudante entender a história, a Trupe
relata a experiência de narrar a cartilha Terra pra Já Ellen de Oliveira foi convidada por Willian
A forma como o diretor avalia essa diferen- para participar do grupo e há dois anos vivencia
Viver, produzida pelo Irpaa, que traz uma outra vi-
ça é reforçada por Eduardo. Segundo o jo- a arte de contar histórias. Para a jovem, a Trupe
são da colonização do Brasil a partir do olhar de
vem, “no teatro eu sou um personagem, eu é um espaço que possibilita o encontro com seu
uma criança indígena, a personagem principal da
ganho um personagem, mas na contação ser mais profundo. “A contação de história é o
publicação.
de história, eu sou o Eduardo, o contador sonhar, é o imaginar, porque vai muito da imagi-
de história, eu não mudo, eu sou eu mais o Questionado sobre qual é a maior conquista da nação de você contar uma história, de você ver
contador de história”. Trupe, Eduardo Almeida é rápido e firme em res- o brilho no olhar do público, então isso é muito
ponder: “É a gente formar outras pessoas, a gente gratificante (…), é muito boa a sensação de tá
Outro diferencial entre o teatro e a contação
foi formado e agora consegue influenciar outras fazendo isso, a gente gosta e percebe que as
de história é o cenário. “Nosso espetáculo
pessoas. A gente poderia tá influenciando em pessoas também gostam do que a gente faz”,
não tem um cenário na parede, um cenário
outras coisas, mas a gente preferiu influenciar na fala a menina de sorriso tímido e de um brilho no
montado. Nosso figurino é que tá levando o
contação de história, era o que tava faltando nas olhar que aquece o coração.
cenário para contar a história”, explica o con-
escolas”. O grupo já realizou processos de forma-
tador de história Mateus Rodrigues. A criação Com orgulho, Eduardo já emenda a fala de Ellen:
ção com mais de 250 crianças e adolescentes de
do figurino é feita por Willian, com rede, cor- “Onde a gente passa é conhecido como os me-
bairros periféricos de Juazeiro. “O bom é que é de
tina, retalho de panos, entre outros materiais. ninos da Trupe”. O contador de histórias come-
jovem para jovem”, destaca Willian.
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çou com 13 anos, na segunda turma de formação dos Santos – Codefas. O desejo do grupo é con-
do grupo. Willian recorda que ele acompanhava quistar uma sala no espaço Estação do Saber, que
o grupo desde a primeira turma, todo encantado está sendo construído pela prefeitura municipal de
com as apresentações. Para o jovem, a Trupe sig- Juazeiro. “Ia ser o auge, o potencial da leitura ia
nifica “esperança em um mundo melhor. Quando ser dentro da cidade, não apenas na escola, mas
a gente tá apresentando, a gente vê o brilho nos a cidade teria uma formação de leitura contínua”,
olhos não só das crianças, mas dos professores sonha Willian.
também, do professor que tá cansado da sema-
Um dos grandes desafios do grupo é manter o flu-
na toda, reclamando. Ele relaxa quando estamos
xo de contadores e contadoras de histórias. Mui-
contando a história. Então, no fundo, no fundo,
tos adolescentes e jovens terminam os estudos e
ainda há esperança de que a história pode mudar
vão trilhar outros caminhos, pois precisam de renda
qualquer pessoa”, acredita.
para viver e a Trupe não cobra cachê para reali-
Com esses relatos lindos, você ficou curiosa/o para zar as apresentações, no máximo uma contribuição
saber como chegam os convites para a Trupe se simbólica, em algumas situações, valor que não
apresentar, né? Você acredita que a cada apresen- garante renda para as/os integrantes. “Hoje ainda
tação um novo convite é feito? Pois é! E assim, o não identifico a Trupe como um trabalho, ainda não
grupo já foi para Curaçá, Uauá, Sobradinho e ou- chegou esse momento (…). É tão natural quanto a
tras cidades do Território Sertão de São Francisco. luz do dia (...), não olhamos como um dever, é na-
Nas redes sociais é seguido por pessoas de ou- tural”, explica Willian, que reflete um pouco e diz
Aqui finalizamos mais um trecho da nossa viagem
tros estados. Falando nisso, corre lá para seguir o sobre a possibilidade de cobrar cachê e continua:
e já convido você a atravessar a ponte Presidente
grupo no Facebook e Instagram. Basta pesquisar “quem sabe um dia”.
Dutra, que liga Juazeiro a Petrolina. Se quiser pode
Trupe Novo Ato – Contadores de Histórias. Vai lá
Mesmo com as dificuldades, a Trupe Novo Ato conti- parar na Ilha do Fogo – que fica entre as duas ci-
rapidinho e volte para continuarmos nossa viagem.
nua contando as histórias do seu povo, da sua cultura, dades – para mergulhar nas águas do Velho Chico
Mas onde essa turma ensaia? O grupo ainda não as lendas da sua região, apresentando as danças típi- e só depois seguir viagem. A turma do #SouPeri-
tem um espaço físico. Hoje, isso acontece no Co- cas e falando do Semiárido poético e rico, ajudando a feria nos espera ali, em Petrolina, Pernambuco.
légio Democrático Estadual Prof.ª Florentina Alves contrapor a imagem divulgada na grande mídia.

42 43
riferia, com intuito de formar uma rede de comu- sas regiões da cidade, durante os sábados, com a
COMUNICANDO TAMBÉM nicadoras e comunicadores populares feita por e colaboração de mediadores de diversas áreas e de
para a periferia. forma voluntária. A verba arrecadada foi utilizada
NA PERIFERIA na aquisição de materiais didáticos, alimentação,
“A gente sentia que os blogs e os meios de co-
transporte e remuneração de um coordenador pe-
#SouPeriferia municação da cidade se voltavam muito para o
dagógico e um coordenador de logística.
centro, enquanto as grandes atrações e as perife-
rias ficavam meio só como local de denúncia, pra Um dos cuidados do #SouPeriferia era trabalhar
apresentação de questões de cunho político: “ah, com formadores/as que representassem esses jo-
tal rua tá precisando disso”, e não falavam da pe- vens. “Pensamos em comunicadores que fossem
riferia em sua essência”, explica Fernando Pereira, negros, comunicadores LGBT, que participassem
um dos sete idealizadores/as do projeto #SouPeri- das questões políticas da cidade, que visassem as
feria. O primeiro passo para formar a rede de co- periferias e não somente os centros; então teve
municadores e comunicadoras populares foi tra- todo um pensamento sobre quem seria a frente
balhar a formação de 25 jovens das zonas norte dessas formações”, argumenta Fernando.
e oeste de Petrolina, no campo da comunicação
A primeira temática da formação foi pensada para
popular, associada aos direitos humanos.
compreender a periferia. “A gente começou a estudar
Para fomentar essa ação de formação, foi criada o que a gente vive na periferia, aí fomos tirando mui-
uma vaquinha online na plataforma de crowdfun- tas desconstruções dentro da gente mesmo, sabe?
ding Benfeitoria, com a meta de arrecadar R$ 10 Foi percebendo umas construções que a sociedade
mil. O valor arrecado proporcionou a realização de tinha feito da gente e que a gente reverbera também
20 encontros para contribuir na formação da ga- esse pensamento, de que a periferia é só lugar ruim,
lera, visando a criação e difusão de conteúdos e onde a única coisa que tem é buraco, lama e esgoto”,
Chegamos nas periferias das zonas norte e oeste de Petroli-
meios de comunicação popular e teatro para for- lembra Ialli Emanuele Faria.
na. Você já parou para pensar nas diversas histórias incríveis
talecer as identidades das referidas periferias da
que existem nas periferias? Essas histórias não costumam Ela reconhece que a periferia é carente de políti-
cidade.
aparecer nos ditos grandes veículos de comunicação e para cas públicas, mas “a periferia não é só isso, a gen-
contrapor essa realidade, em 2018 nasce o projeto #SouPe- A formação acontecia de forma itinerante entre es- te se diverte também”. A jovem complementa: “A
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gente poderia começar a pensar em como comu-
nicar esses eventos, para a periferia entender que
tem coisas artísticas e crescer”, destaca a comuni-
cadora popular.

Fernando complementa que esse módulo tinha a


proposta de “compreender que a periferia é um
conjunto de complexidades e especificidades, que
a periferia nem é só o lado que é apresentado em
sua maioria marginalizado, mas ela também não é
romantizada”.

Durante o processo formativo, a turma construiu


diversos conteúdos que representam a periferia,
em texto, vídeos e fotografias, retratando as lutas,
a arte e demais acontecimentos das comunidades
periféricas com olhar crítico e emancipatório. Ou-
tras pautas importantes, defendidas e presentes
nos conteúdos elaborados pelo #SouPeriferia, são Aproveitamos para explicar o nome do grupo, que tico e descentralizado; quanto denota também o
questões ligadas aos povos negros e da comuni- usa o símbolo da cerquilha (#), uma hashtag na lin- caráter dinâmico da comunicação pretendida pela
dade LGBT. guagem do mundo virtual, na internet. Quando a formação da rede de comunicadores”, justifica Cris
palavra é publicada com o símbolo, transforma-se Crispim, uma das idealizadoras do projeto.
E você pode conferir tudo nos canais de comunica-
em um hiperlink que leva para uma página com ou-
ção da rede, Facebook e Instagram, você já sabe; é só A jovem destaca que a rede reúne instituições e in-
tras publicações relacionadas ao mesmo tema. “O
pesquisar #SouPeriferia, curtir e compartilhar as publi- divíduos do mundo real, mas que também quer ser
uso da hashtag diz respeito tanto ao entendimento
cações. Além desses espaços, o conteúdo também é referência no mundo virtual, um espaço cada dia
de que assumir o local da periferia na comunicação
divulgado no site Ponto Crítico e da Central Popular mais acessado na e pela periferia. “A rede também
é uma ‘chave’ para pensar e fazer convergir novos
de Comunicação – CPC, parceiros do projeto. se faz e se quer fazer no ambiente virtual, agregan-
projetos de sociedade, mais igualitário, democrá-
do mais atores e provocando uma interação maior
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com a marca e seus valores”, reafirma Cris. agregar minha compreensão de vídeo, como eu Nessa trajetória do #SouPeriferia, o reconheci- (...), elas não recebem o mínimo de atenção das
poderia mediá-la para esse jovem e como esse jo- mento das pessoas, a ocupação de espaços en- gestões públicas, independente de qual gestão
O projeto #SouPeriferia encerrou o ciclo das for-
vem poderia utilizar essa ferramenta pra se comu- quanto rede de comunicadores/as populares, são seja”, afirma Fernando.
mações em junho de 2019, mas continua sua cami-
nicar e apresentar a periferia”, explica. os grandes avanços do projeto, ao mesmo tempo
nhada enquanto núcleo de rede de comunicado- Você acha que o #SouPeriferia fica parado dian-
que enfrenta o desafio de garantir manutenção e
ras e comunicadores, com a atuação de 16 jovens. O processo comunicativo atraiu a jovem Ialli Ema- te desses desafios? Nem pense! A galera já
a renovação da rede. A falta de políticas públicas
Lembrando que as formações foram concluídas, nuele a participar do projeto, porém ela confessa está construindo estratégias para superar esses
que dialoguem com essa iniciativa é uma barrei-
mas a galera segue com a formação continuada que no início não achava que o projeto teria essa obstáculos, uma delas é que os atuais comunica-
ra. “A gente vê que tanto Petrolina quanto Jua-
e quem quiser contribuir, o pessoal destaca que dimensão que tem hoje. “Eu achei que seria só dores e comunicadoras possam multiplicar seus
zeiro já desenvolvem rádios comunitárias, jornais
está aberto para construir parcerias. uma parada de fazer produção, saber o que você conhecimentos, mediando formações para ou-
comunitários, formas de comunicação populares
quer fazer diante da comunicação. Aí quando deu tros/as jovens e assim ampliando o número de
Com uma gestão democrática e participativa, o
a ideia de gerar essa rede, foi muito massa, por-
coletivo se organiza a partir de duas pessoas na
que a gente ficou… “nossa, gente! A gente vai fa-
coordenação geral, uma coordenação horizontal
zer uma parada legal da periferia para a periferia.
e em cada zona periférica tem um/a coordena-
Então vamos embarcar nessa””, comenta a jovem,
dor/a, tendo também como espaço de diálogo
animada com a atuação da rede nesse um ano de
o grupo no WhatsApp. “A comunicação é ativa
caminhada.
no WhatsApp, não há um dia que não existe um
diálogo lá e as conversas são voltadas paras as “Hoje o #SouPeriferia representa muita resistência,
questões comunicativas. O grupo respeita esse muita sabedoria, porque a gente começa a enten-
espaço como um ambiente de diálogo e troca, e der a vivência da periferia, a gente começa a se
está sempre se articulando ali”, explica Fernando. colocar no lugar dela (...), você vê que é muito bo-
nito, porque é muita história bonita. Tem história
Fernando compartilha que embarcou nessa pro-
trágica, porque a periferia é trágica, mas é muito
posta da rede de comunicadoras e comunicado-
bonito porque ela floresce, e é isso que me deixa
res #SouPeriferia por acreditar na comunicação
mais encantada”, declara a jovem comunicadora,
como uma ferramenta fundamental para o exer-
demonstrando seu orgulho e satisfação de fazer
cídio de uma democracia justa, uma democracia
parte do #SouPeriferia.
de fato pelo seu nome. “Entrei nesse projeto para
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comunicadores e comunicadoras populares nas nossa crença na juventude como agente e na
zonas periféricas. educomunicação como estratégia de transfor-
mação. A comunicação e a educação podem e
A ideia é que com o tempo o #SouPeriferia seja
devem ser usadas para promover os direitos hu-
expandido por toda cidade de Petrolina. Outra
manos, a identidade, emancipação, diversidade
proposta é a realização de oficinas de captação
de recurso, para a turma poder acessar editais.
e resistência do seu povo.
CHEGAMOS!
A rede também tem como ação para o próximo
ano a produção de videodocumentários e pod-
cast, para fortalecer o pilar da comunicação po-
pular feita pela e para periferia.

O sonho a longo prazo é que o #SouPeriferia con-


quiste um espaço físico para desenvolver o traba-
lho do grupo e também sirva para atender a outras
necessidades das comunidades. Atualmente a reu-
nião do grupo acontece na Associação da Mulhe-
res Rendeiras do bairro José Maria, em Petrolina,
uma das parceiras da rede. “Seria interessante que
a própria rede de comunicadores tivesse seu espa- Já chegamos ao fim de nossa viagem, ou pelo monstrado nas experiências da Galeota Brincantes
ço, seria muito bom (...), um local onde vários co- menos desse trecho. Rápido, não foi? A educomu- e da Trupe Novo Ato.
municadores populares tivessem um espaço para nicação é mesmo assim: faz o tempo voar, mexe
As experiências inseridas neste balaio são cinco
encontros”, argumenta Fernando. com a alma, arrepia, faz o coração pulsar mais for-
gotas de um imenso rio que tem se formado no
te... É paixão! A “educom”, como carinhosamente
Com esta experiência chegamos ao fim da nos- Brasil e que fortalece uma bela correnteza de sa-
a chamamos, desperta as pessoas, como fez com
sa viagem. Depois de navegar e caminhar nas beres, criticidade, culturas e expressões. Tudo isso
a turma do Carrapicho e da rede Jovens da Ca-
histórias da rede Jovens da Caatinga, do Car- é algo que sempre esteve presente junto ao povo
atinga. Também valoriza, como aconteceu com o
rapicho Virtual, da Galeota Brincantes, da Tru- brasileiro, mas que nas últimas décadas tem ex-
pessoal do #SouPerifieria e encanta, como foi de-
pe Novo Ato e do #SouPeriferia, reafirmamos plodido em um colorido de ideias, pertencimen-
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to e diversidade que se assemelha à Caatinga em cação contagie, fortaleça as pessoas e as comuni-
tempo de florada. dades, seguindo no rumo da garantia do direito à
comunicação.
É interessante perceber que a juventude está en-
volvida em todas as experiências relatadas aqui, Esperamos ter transmitido para você um tantinho
exercendo o papel de protagonista. A nós, pare- daquilo que tem gerado um brilho especial no
ce que a juventude é como uma semente que foi nosso olhar. São experiências que estamos pre-
plantada e está cheia de energia para crescer e senciando e ajudando a construir e que não temos
ocupar espaço, mas precisa ser nutrida, estimula- nenhuma dúvida de que apontem caminhos para a
da, acompanhada da maneira correta. Talvez seja construção de uma sociedade mais justa, solidária.
esse o grande trunfo da educomunicação: apostar
Quem sabe qualquer dia desses nos encontremos
na juventude, dando vez e voz.
novamente para tomar um café ou um suco de
E o Semiárido tem sido um solo fértil para as ex- umbu, acompanhado de um bom queijo de cabra,
periências de educomunicação. Haja balaios para mel ou geleias produzidas nas comunidades recaa-
juntar e contar tanta coisa boa! Esperamos dar tingueiras? Quem sabe possamos nos deliciar nes-
cada vez mais visibilidade a tais experiências, que se banquete enquanto saboreamos mais histórias
por sua vez mostram em suas produções um Semi- desse povo que faz a vida pulsar no Semiárido?
árido com dificuldades e desafios, mas acima de
Agradecemos a sua companhia e esperamos lhe
tudo, um Semiárido viável, rico, feliz, de culturas
reencontrar em breve.
fortes e paisagem exuberante. Este é o nosso lu-
gar e a educom tem ajudado a mostrar isso para Inté!
o mundo.

Nosso desejo é que essas sementes se espalhem


por aí e se tornem plantas fortes, gerando flor e
pólen, para que abelhas curiosas venham se ali-
mentar e assim promover o intercâmbio dos sabe-
res entre os povos. Queremos que a educomuni-
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Griô
Conceito que vem da África e nomeia pessoas guardiãs da memória e cultura
de um povo através da oralidade, preservando as tradições e os costumes
para que atravesse gerações. São contadores e contadoras de histórias,
poetas/poetisas populares, historiadores/as que transmitem mitos, canções,
GLOSSÁRIO sabedoria popular de um povo.

Bem Viver Recaatingamento


Proposta voltada para preservação e conservação ambiental que busca
Oriunda dos povos ameríndios, a experiência do “Bem Viver” vem sendo aprofundada
contribuir para inverter a desertificação do bioma Caatinga através do uso
em alguns países da América Latina e aponta para mudanças no estilo de vida dos
sustentável de seus bens naturais, da conservação e recomposição das plantas,
povos, orientada por um projeto onde a natureza tem papel central e a espiritualidade
é também valorizada. Parte da ideia de descolonização, construindo uma nova O Bem Diverso é um projeto que O IRPAA - Instituto Regional da educação ambiental. O termo passou a ser usado pelo Irpaa em 2009 a
partir de um projeto que teve atuação direta em sete comunidades de Fundo
proposta de modo de vida que discute e aponta formas de viver bem no mundo, do visa contribuir para a conservação da Pequena Agropecuária
de
ponto de vista do respeito aos direitos humanos e o direito do meio ambiente existir da biodiversidade brasileira em Apropriada é uma Organização
em sua totalidade. Pasto no Território Sertão do São Francisco, tendo as agricultoras e agricultores
paisagens de múltiplos usos por Não Governamental sediada em como protagonistas das ações. Desde então, a ação de recaatingar vem sendo
Bem Diverso meio do manejo sustentável da Juazeiro, na Bahia. A Convivência adotada por outros municípios no estado da Bahia, inclusive pelo governo
O projeto Bem Diverso visa contribuir para a conservação da biodiversidade brasileira sociobiodiversidade e de sistemas com o Semiárido é a sua maior e mais do estado. É uma intervenção agroecológica baseada nos princípios da
em paisagens de múltiplos usos, por meio do manejo sustentável da biodiversidade agroflorestais (SAFs), de modo importante meta. Soluções eficazes, Convivência com o Semiárido, valorizando a Caatinga em pé e reconhecendo
e de sistemas agroflorestais (SAFs), de modo a assegurar os modos de vida das a assegurar os modos de vida que respeitam as características do os povos e comunidades tradicionais como guardiãs do bioma e de sua
comunidades tradicionais e agricultores familiares, gerando renda e melhorando biodiversidade.
das comunidades tradicionais e povo e das terras desta região, são as
sua qualidade de vida. É fruto da parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento agricultores familiares, gerando alternativas que o instituto oferece Convivência com o Semiárido
(PNUD), com recursos do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). A execução é renda e melhorando a através de seus diversos projetos. Expressão que tem sido usada nas últimas três décadas para definir uma
feita em parceria com organizações do governo e da sociedade civil. qualidade de vida. Essa convivência se dá principalmente proposta sociopolítica para a região do Brasil que possui clima semiárido.
Parte da compreensão de que para viver bem nesta região é necessário
Crowdfunding
É uma iniciativa da Empresa a partir do conhecimento e do
conhecer as características climáticas e dominar as técnicas apropriadas
É uma plataforma na internet para realizar campanhas de financiamento colaborativo,
Brasileira de Pesquisa domínio das técnicas de produção de produção, defendendo a distribuição justa das terras, das águas e
uma forma de arrecadação online que vem sendo muito usada, especialmente para Agropecuária (Embrapa) em apropriadas para este clima, políticas públicas que atendam à população de forma universal, garantindo
projetos sociais. Além do recurso financeiro, viabiliza ainda banco de dados de parceria com o Programa buscando uma distribuição justa das também outros direitos básicos e conhecimento por meio de uma educação
apoiadores e marketing digital. das Nações Unidas para o terras, das águas e políticas públicas contextualizada e uma comunicação democrática.

Fundo de Pasto Desenvolvimento (PNUD), com que atendam as demandas da região e Opara
Termo que designa o modo de vida das comunidades tradicionais do sertão da Bahia,
recursos do Fundo Mundial para o garantam a permanência do Nome que os povos originários davam ao Rio São Francisco antes do
onde a caprinovinocultura é a base da economia a partir da criação dos animais em Meio Ambiente (GEF). povo na terra prometida - colonizador Américo Vespúcio batizá-lo com este nome no dia 04 de outubro
áreas coletivas. As relações de parentesco e compadrio, as manifestações culturais o Semiárido brasileiro. de 1501, data em que, na religião católica, celebra-se o dia de São Francisco
e religiosas também caracterizam esse modo de vida. Assim, o termo não significa de Assis.
www.bemdiverso.org.br
apenas a denominação de um espaço geográfico mas sim uma identidade de um www.irpaa.org
povo com seu território simbólico.

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