Constituição Dogmática
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LUMEN GENTIUM
do Concílio Vaticano II
sobre a Igreja ("De Ecclesia")
VIII. A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA, MÃE DE DEUS, NO
MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA
a. Proêmio
Intenção do Concílio
54. Por isso o sagrado Concílio, ao expor a doutrina da Igreja, na qual o divino
Redentor opera a salvação, deseja esclarecer cuidadosamente quer a função da
Santíssima Virgem no mistério do Verbo encarnado e do corpo místico, quer os
deveres dos próprios homens remidos para com a Mãe de Deus, que é Mãe de
Cristo e dos homens, em especial dos fiéis. Não é, no entanto, intenção sua
propor a doutrina completa sobre Maria ou diminuir questões que a investigação
dos teólogos ainda não conseguiu dilucidar plenamente. Mantém-se, portanto, no
seu direito as opiniões que são livremente propostas nas escolas católicas acerca
daquela que na santa Igreja ocupa o lugar mais alto depois de Cristo e o mais
perto de nós. (4)
Maria na anunciação
56. Quis, porém, o Pai das misericórdias que a encarnação fosse precedida da
aceitação por parte da Mãe predestinada, a fim de que, assim como uma mulher
tinha contribuído para a morte, também uma mulher contribuísse para a vida. E
isto aplica-se de forma eminente à Mãe de Jesus, a qual deu ao mundo aquele
que é a Vida que tudo renova, e foi enriquecida por Deus com dons convenientes
a tão alto múnus. Portanto, nada admira que tenha sido corrente, entre os santos
padres, chamar a Mãe de Deus, toda santa e imune de qualquer mancha do
pecado, como que plasmada pelo Espírito Santo e formada qual nova criatura.
(5) Adornada, desde o primeiro instante da sua conceição, com esplendores
duma santidade absolutamente singular, a Virgem de Nazaré ouvindo a saudação
do anjo mandado por Deus, que lhe chama "cheia de graça" (cf. Lc 1,28),
responde ao mensageiro celeste: "Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim
segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Assim Maria, filha de Adão, consentindo na
palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus, e abraçando com generosidade e sem
pecado algum a vontade salvífica de Deus, consagrou-se totalmente, como
escrava do Senhor, à pessoa e obra de seu Filho, servindo ao mistério da
redenção sob a sua dependência e com ele, pela graça de Deus onipotente. Com
razão afirmam os santos padres que Maria não foi instrumento meramente
passivo nas mãos de Deus, mas cooperou na salvação dos homens com fé livre e
com inteira obediência. Como diz santo Irineu, "pela obediência, ela tornou-se
causa de salvação para si mesma e para todo o gênero humano". (6) E não
poucos padres antigos, na sua pregação, comprazem-se em repetir: "O laço de
desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva
atou com sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o pela fé". (7)
Comparando-a com Eva, chamam a Maria "Mãe dos viventes" (8) e afirmam
com freqüência: "A morte veio por Eva, e a vida por Maria". (9)
57. Esta união da Mãe com o Filho, na obra da redenção, manifesta-se desde o
momento em que Jesus Cristo é concebido virginalmente, até à sua morte.
Primeiramente, quando Maria se dirigiu pressurosa a visitar Isabel, e esta a
proclamou bem-aventurada por ter acreditado na salvação prometida,
estremecendo o precursor de alegria no seio de sua mãe (cf. Lc 1,41-45); e
depois, no nascimento, quando a Mãe de Deus, cheia de alegria, mostrou aos
pastores e aos magos o seu Filho primogênito, que não diminuiu, antes
consagrou a sua integridade virginal. (10) E também quando, ao apresentá-lo no
templo ao Senhor, ofereceu o resgate dos pobres e ouviu Simeão profetizar que
esse Filho havia de ser sinal de contradição e que uma espada atravessaria a
alma da Mãe, para que se revelassem os pensamentos de muitos corações (cf. Lc
2,34-35). O Menino Jesus perdido e com tanta dor procurado, encontraram-no
Maria e José no templo, ocupado nas coisas de seu Pai; não entenderam a
resposta que lhes deu; a Mãe, porém, guardava no seu coração e meditava todas
estas coisas (cf. Lc 2,41-51).
58. Na vida pública de Jesus, a sua Mãe manifesta-se claramente logo no início,
quando nas bodas de Caná da Galiléia, movida de misericórdia, conseguiu com
sua intercessão que Jesus, o Messias, desse início aos seus milagres (cf. Jo 2,11).
Durante a pregação do seu Filho, recolheu as palavras com que ele, exaltando o
reino acima das razões e vínculos da carne e do sangue, proclamou bem-
aventurados os que ouvem e observam a palavra de Deus (cf. Mc 3,35 - paralelo
Lc 11,27-28), como ela fazia pontualmente (cf. Lc 2,19 e 51). Assim também a
Santíssima Virgem avançou no caminho da fé, e conservou fielmente a união
com seu Filho até a cruz, junto da qual, por desígnio de Deus, se manteve de pé
(cf. Jo 10,25); sofreu profundamente com o seu Unigênito e associou-se de
coração maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da
vítima que ela havia gerado; finalmente, ouviu estas palavras do próprio Jesus
Cristo, ao morrer na cruz, dando-a ao discípulo por Mãe: "Mulher, eis aí o teu
filho" (cf. Jo 19, 26-27). (11)
Maternidade espiritual
Medianeira
65. Na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já essa perfeição que faz que ela se
apresente sem mancha nem ruga (cf. Ef 5,27). Os fiéis, porém, continuam ainda
a esforçar-se por crescer na santidade, vencendo o pecado; por isso levantam os
olhos para Maria que refulge a toda a comunidade dos eleitos como modelo de
virtudes. A Igreja, refletindo piedosamente sobre Maria e contemplando-a à luz
do Verbo feito homem, penetra cheia de respeito, mais e mais no íntimo do
altíssimo mistério da encarnação, e vai tomando cada vez mais a semelhança do
seu Esposo. Com efeito, quando é exaltada e honrada Maria - que, pela sua
cooperação íntima na história da salvação, de certo modo reúne e reflete as
maiores exigências da fé - ela atrai os crentes para seu Filho, para o sacrifício
dele e para o amor do Pai. E a Igreja, por sua vez, empenhada como está na
glória de Cristo, torna-se mais semelhante à excelsa figura que a representa,
progredindo continuamente na fé, na esperança e na caridade, buscando e
cumprindo em tudo a vontade de Deus. Com razão, a Igreja, também na sua
atividade apostólica, olha para aquela que gerou a Cristo, concebido do Espírito
Santo o nascido da Virgem precisamente para que nasça e cresça também no
coração dos fiéis, por meio da Igreja. A Virgem, durante a vida, foi modelo
daquele amor materno de que devem estar animados todos aqueles que
colaboram na missão apostólica da Igreja para a redenção dos homens.
d. O culto da Santíssima Virgem na Igreja
Natureza e fundamento deste culto
66. Maria foi exaltada pela graça de Deus acima de todos os anjos e de todos os
homens, logo abaixo de seu Filho, por ser a Mãe Santíssima de Deus e, como tal,
haver interferido nos mistérios de Cristo: por isso, a Igreja a honra com culto
especial. Na verdade, já desde os mais antigos tempos, a Santíssima Virgem é
venerada com o título de "Mãe de Deus", recorrendo os fiéis com súplicas à sua
proteção em todos os perigos e necessidades. (21) Sobretudo a partir do Concilio
de Éfeso, o culto prestado a Maria pelo povo de Deus cresceu admiravelmente,
manifestando-se em veneração, amor, invocação e imitação, cumprindo-se as
palavras proféticas da própria Virgem: "Todas as gerações me chamarão bem-
aventurada, porque fez em mim grandes coisas aquele que é poderoso" (cf. Lc
1,48). Este culto, tal como existiu sempre na Igreja, é de todo singular, mas
difere essencialmente do culto de adoração que é prestado ao Verbo encarnado e
do mesmo modo ao Pai e ao Espírito Santo, e muito contribui para ele. Pois que
as várias formas de devoção para com a Mãe de Deus, que a Igreja aprovou -
dentro dos limites da doutrina sã e ortodoxa, segundo as circunstâncias de
tempos e lugares, e atendendo à índole e ao modo de ser dos fiéis - fazem que,
ao honrarmos a Mãe, seja bem conhecido, amado e glorificado o Filho, e bem
observados os mandamentos daquele "pelo qual existem todas as coisas" (cf. Cl
1,15-16) e no qual "aprouve ao eterno Pai que habitasse toda a plenitude" (cf. Cl
1,19).
69. Muito alegra e consola este sagrado Concílio o saber que não falta, mesmo
entre os irmãos separados, quem preste a honra devida à Mãe do Senhor e
Salvador, de modo particular entre os orientais que afluem com fervor e devoção
a venerar a Mãe de Deus sempre Virgem. (24) Todos os fiéis dirijam súplicas
instantes à Mãe de Deus e Mãe dos homens, para que ela, que assistiu com suas
orações aos alvores da Igreja, também agora, exaltada no céu acima de todos os
anjos e bem-aventurados, interceda junto de seu Filho, na comunhão de todos os
santos, para que todas as famílias dos povos, quer se honrem do nome cristão
quer desconheçam ainda o Salvador, se reúnam em paz e concórdia no único
povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade.