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sergio matuele- Sérgio Matuele, Director dos Serviços de Justiça e Trabalho em Tete
Na ocasião, o Director dos Serviços de Justiça e Trabalho da província de Tete, Sérgio Matuele, em
representação da Secretária de Estado, Elisa Zacarias, destacou que a Paz deve ser responsabilidade de
todos os actores sociais e políticos.
“Não existe um único modelo de promoção de Paz. Tivemos várias negociações sem nenhum
entendimento, mas bastou um encontro entre o Presidente da República e o líder da Renamo para que
fosse possível o acordo. Os mecanismos e modelos dependem do momento e da situação. Mas
Moçambique e o Presidente da República sacrificaram muitas coisas em nome da Paz e reconciliação”.
Segundo Matule, os jovens devem ser apoiados para participarem no sector produtivo, mas sobretudo
devem enveredar por acções pacíficas e não aderirem a situações de aliciamentos.
“Em Tete estão disponíveis 8 milhões para apoiar os jovens em todos os distritos. Actualmente, 1005
submeteram seus projectos e 331 passaram para a segunda fase. Estas iniciativas devem ser agarradas
pelos jovens e isto pode ser uma alternativa para que não aconteça o que está a acontecer em Cabo de
Delgado. Por isso, devemos incentivar jovens dos nossos distritos a aderirem para estes financiamentos,
pois visam promover o desenvolvimento das nossas comunidades”.
PHOTO 2023 06 23 10 32 46No evento, o Padre Elton João, defendeu que os sucessivos acordos de Paz e
reconciliação em Moçambique poderão estar a mostrar que os modelos e mecanismos usados podem
estar a falhar ou precisam de ser aperfeiçoados, pois “não se pode construir Paz sem justiça e caridade.
Estes dois valores são os únicos que reconhecem a existência do ‘Tu’ (outra pessoa). Mais ainda, existem
desafios relacionados com a desestruturação da ordem social (linchamentos, baleamentos, violação de
raparigas, raptos, etc), a questão da mineração artesanal desumana, entre outros males”.
Segundo o clérigo, um modelo de Paz sustentável não pode estar assente nos partidos políticos, mas sim
na educação. “Uma lição básica é que a busca de Paz e reconciliação não deve ser feita com base num
modelo bipartidarizado. Por isso, os caminhos para uma agenda de Paz e reconciliação passam por uma
educação para Paz e reconciliação, mudar a atitude das pessoas em prol da Paz e reconciliação, e isso é
um compromisso pessoal. Outrossim, precisamos desconstruir a bipolarização do tema, existência de
outros modelos, como por exemplo, o mecanismo de ecologia de Paz e reconciliação, ver os modelos de
Paz e reconciliação de outros países para inspiração e não imitação. E por fim, a participação e debates
sobre Paz e reconciliação poderão ser importantes para construção de ideias e significados de Paz e
reconciliação para moçambicanos”.
O padre alerta ainda para a necessidade de acarinhar os ex-combatentes da RENAMO de modo que se
sintam parte das comunidades onde se encontram.
O encontro tinha como objectivo de refletir sobre mecanismos, modelos e boas práticas para promoção
de Paz e reconciliação ao nível da província de Tete, de modo a influenciar para uma abordagem
nacional mais abrangente que tenha em conta a dimensão sociocultural.
Neste sentido o Director de Programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD) destacou o
facto da assinatura dos acordos de Paz não terem sido suficientes para garantir que o mesmo seja
efectivo e que garanta a boa convivência entre os moçambicanos.
director de programas IMD Dércio Alfazema“A assinatura de acordos não tem sido suficiente para
assegurar a Paz e muito menos a reconciliação em Moçambique. Isto mostra que é preciso que se faça
algo mais. “É preciso identificar as causas dos conflitos e trabalhar sobre eles. É preciso eliminar os
factores que tornam a nossa Paz vulnerável. A relação entre os actores políticos continua tensa e com
muitas desconfianças. As instituições políticas não demonstram confiança aos políticos e ao cidadão.
Precisamos aproximar os moçambicanos, promover a boa convivência e dar às comunidades
ferramentas que possam ajudar a prevenir e resolver conflitos”, disse Alfazema.
Mais adiante, o Director de Programas do IMD destacou que é preciso definir uma agenda nacional de
promoção de Paz e Reconciliação.
“Com estas reflexões pretendemos definir um roteiro, uma agenda, um modelo de promoção da Paz
que valorize todos os segmentos da sociedade. A Paz em Moçambique ainda está num processo de
construção. Ainda há muitos desafios”.
Este foi o segundo encontro dos onze que vão decorrer em todo o País, com o financiamento da União
Europeia para além de encontros regionais e nacionais que vão juntar autoridades locais, Organizações
da Sociedade Civil, Partidos Políticos, académicos, líderes (comunitários e religiosos), artistas,
estudantes, entre outros.
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Resumo
Resumen
Abstract
Text
Introdução
Considerações Finais
Datas de Publicação
Histórico
Resumo
O presente texto aborda o conceito de justiça social em diferentes posições teóricas e sua relevância
dentro do âmbito da Psicologia Comunitária (OBJETIVO 1), cuja atenção vem crescendo através da
conscientização dos direitos humanos e do resguardo ao empoderamento de indivíduos, grupos e
comunidades. Além disso, problematiza-se, de forma crítica, a questão da justiça social enquanto
conceito de transformação social, confrontando-a com paradoxos suscitados por vários entraves
profissionais e políticos, já que ela afeta o interesse de todos que investem na proteção do status quo,
bem como interfere em estruturas de poder resistentes à ideia de mudança social (OBJETIVO 2). Por fim,
procura-se indagar sobre a possibilidade da sua efetiva promoção e implementação como um projeto
valorativo de relações comunitárias.
Palavras-chave:
Resumen
Palabras clave:
Abstract
This paper addresses the concept of social justice in different theoretical positions and its relevance
within the scope of Community Psychology (GOAL 1), whose attention has been growing through
awareness of human rights and the preservation of individual, group and community empowerment.
Also, this paper problematizes, critically, the issue of social justice as a concept of social transformation,
confronting it with the paradoxes raised by various professional and political barriers, as it affects the
interests of all who invest in protecting the status quo and it interferes with power structures resistant
to the idea of social change (GOAL 2). In addition, we seek to study the possibility of its effective
promotion and implementation as an evaluative project of community relations.
Keywords:
Introdução
Dentro do âmbito da Psicologia Comunitária, a promoção da justiça social tem sido dificultada por vários
entraves profissionais e políticos, já que ela afeta o interesse de todos aqueles que investem na
proteção do status quo, bem como interfere em estruturas de poder resistentes à ideia de mudança
social devido a investimentos pessoais em risco (Prilleltensky, 2001). Neste sentido, o estudo da justiça
social e suas atribuições para um estado de bem-estar aos indivíduos vêm trazer a possibilidade de se
analisar tais relações.
De outro modo, a complexidade dos problemas sociais enfrentados atualmente e a cultura individualista
têm provocado uma fragmentação tanto nas relações, quanto nos comportamentos em geral (Câmara,
2008), o que torna evidente um modo de vida contemporâneo alicerçado em relações formadoras de
uma "sociedade líquida" (Bauman, 2001) e afastado de um projeto socialmente valorativo de relações
comunitárias.
No século XX, o termo justiça social deu origem a uma tão grande divergência de pensamentos sobre
seu conceito a ponto de alguns autores considerarem se tratar de pouco mais do que uma retórica vazia
(Behr, 2005). Entre eles, manifesta-se a perspectiva por uma política de renda que interfira nas relações
de mercado sobre a distribuição de renda e outros bens sociais (Schuyt, 1998) ou uma ação intelectual e
profissional, designada para mudar valores sociais, estruturas, políticas e práticas, de tal forma que
grupos marginalizados e desfavorecidos ganhem aumento no acesso à autonomia (Goodman, Liang,
Helms, Latta, Sparks, & Weintraub, 2004). Considera-se o conceito de justiça social alusivo à teoria
baseada na distinção entre justiça distributiva (envolve a justiça percebida de distribuição de resultados,
como o pagamento), procedural (refere-se à justiça percebida do processo de decisões que afeta os
resultados, como os procedimentos para determinar quem paga o quê) e interacional (envolve a
percepção de como as pessoas são tratadas nas trocas interpessoais, especialmente pelos indivíduos nas
posições de poder e autoridade) (Lewis, 2010). No entanto, a maior imprecisão dos teóricos da justiça
social do séc. XX é a utilização do conceito na designação de uma virtude. Alguns pesquisadores que
usam o termo, contudo, atribuem-no não a atos individuais, mas a sistemas sociais, utilizando a "justiça
social" para denotar um princípio regulativo de ordem, sobretudo em relação à saúde, à renda e ao
poder. Seu foco não é, portanto, a virtude, mas as relações político-econômicas e de poder (Novak,
2000).
Dessa forma, a definição de justiça social mais presente na atualidade está atrelada a uma equitativa
distribuição de recursos ou fontes externas, deveres e oportunidades na sociedade, sendo, por
conseguinte, um construto relacional, entre cujas relações se podem distinguir: (a) comunidade
solidária, na qual se incluem a família e as associações próximas entre vizinhos ou membros de uma
comunidade; (b) associação instrumental, a qual deriva geralmente das relações de trabalho; e (c)
cidadania, cujo reflexo são as relações entre membros de uma etnia política circunscrita tal qual uma
cidade ou uma nação (Prilleltensky, Dodecki, Frieden, & Wang, 2007). De acordo com estes autores, o
alcance das necessidades pessoais, relacionais e coletivas depende da existência do poder, da
capacidade e da oportunidade para se experienciar certos direitos e deveres em sociedade, ou seja, o
poder, a capacidade e a oportunidade criam condições para o aumento da justiça social, que, por sua
vez, contribui para a existência de bem-estar (Prilleltensky et al., 2007).
Com base em tais pressupostos, o poder consiste na conjunção entre habilidades (agência humana) e
oportunidades (estrutura contextual) para influenciar o curso dos eventos. Nesse sentido, o poder pode
ser exercido a partir do desejo de mudança e das oportunidades históricas e sociais para efetivá-la. Já a
capacidade pode ser entendida como habilidades e recursos internos que o indivíduo possui para fazer
suas escolhas. Por fim, a oportunidade consiste nas fontes externas à pessoa, ao que está disponível
para o seu alcance (Prilleltensky et al., 2007).
De outro modo, o poder, sendo também uma dimensão psicossocial e estruturante das relações
humanas, subjaz às ações humanas (Blanco & De La Corte, 2003), já que, enquanto, de uma forma, ele
aciona o sentimento de controle sobre a realidade, de outra ele pode dinamizar padrões de
desigualdade, dando origem a circunstâncias pautadas sob a ótica da dominação (Martín-Baró, 1998;
Nelson & Prilleltensky, 2005). Como consequência, ocorre a influência desse fenômeno no modo de
construção da realidade que pode levar o indivíduo a aceitar pacificamente o que está em seu entorno,
limitando as possibilidades individuais e grupais, de forma a limitar suas possibilidades individuais e
grupais, e até mesmo, negá-las em definitivo (Montero, 2004).
Já a dimensão capacidade tange aos recursos internos e às habilidades pessoais de cada indivíduo no
enfrentamento e resolução de problemas, assim como na tomada de decisões, tanto em relação a sua
própria vida, quanto ao seu contexto. Ser capaz, merecedor ou competente socialmente abarca um
domínio pessoal, mas também consiste num domínio que sofre influência constante de aspectos
relacionais (poder) e coletivos (oportunidade), visto que os três conceitos estão imbricados e em
contínuo movimento de interdependência como característica relacional da dinâmica estrutural da
justiça social a que afetam (Prilleltensky et al., 2007).
Por fim, quanto à dimensão oportunidade, alguns estudos feitos por cientistas sociais brasileiros
reiteram a percepção de desigualdades no Brasil em relação ao conceito de justiça social (Hasenbalg &
Valle Silva, 2003). Por meio da comparação da mobilidade social, grau de instrução e oportunidade de
inserção no mercado de trabalho, entre outras características, os estudos demonstraram ampla
desvantagem para os negros, assim como, na mobilidade social, revelaram que a disparidade de renda
entre brancos e negros não é explicada somente por diferenças de capital humano (sexo, idade,
escolaridade) (Hasenbalg, 1979) e, segundo este mesmo autor, os resultados de sua própria investigação
sobre maior evasão escolar de crianças negras quando comparadas a seus irmãos mais claros
convergem no sentido de evidenciar alguns dos mecanismos através dos quais a discriminação racial
afeta as condições de vida dos brasileiros negros.
Todavia, a maioria das concepções de justiça social aponta o conceito atrelado à ideia de uma sociedade
igualitária e baseada nos princípios de igualdade e solidariedade, entendendo e valorizando os direitos
humanos e reconhecendo a dignidade de toda e qualquer pessoa. Tal concepção reflete os três valores e
símbolos da Revolução Francesa (1789-1799): liberdade, igualdade e fraternidade. Sendo assim, a
expressão mais frequentemente citada dos princípios encontrados de justiça social é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, cuja aprovação pela comunidade internacional fora em 1948 (Zajda,
Majhanovich, & Rust, 2006).
Dessa maneira, problematizar a questão da justiça social significa provocar a discussão em torno daquilo
que a maioria explícita da coletividade aceita de forma consentida em seu entorno, contribuindo para
uma naturalização de comportamentos, crenças e percepções que legitima uma série de tratamentos,
relações e pensamentos que poderiam ser questionáveis e problematizados - tais como desigualdades,
intolerância às diferenças, desrespeito aos direitos humanos, enfim, injustiças de todas as instâncias, se
fossem levadas a cabo para uma postura séria em relação ao ser humano e seu contexto.
Nesta linha de pensamento, a percepção de que pessoas de determinada raça, gênero, orientação
sexual, religião, status econômico e portador de certas deficiências são inferiores (Hage & Maureen,
2009) reforça, por muitas vezes, estereótipos de fraqueza que são alimentados por uma incapacidade
ou má educação em se problematizar o caráter essencial e natural atribuído a certos comportamentos
ou relações, suas contradições e ligações a interesses sociais ou políticos (Montero, 2004).
Em outro sentido, muitas evidências corroboram para a proposição de que as pessoas carregam consigo
crenças e percepções falsas, tais como a crença de que protestar contra uma injustiça seria inútil,
embaraçoso ou exaustivo, a partir do que justificam suas próprias subordinações em relação aos outros.
Essas pessoas frequentemente também percebem situações como sendo satisfatórias ou justas, mesmo
quando há reais razões para que se acredite no contrário (Jost, 1995).
Tal comportamento reitera o que Martín-Baró (1998) denominou como fatalismo, entendido como uma
relação específica que as pessoas estabelecem consigo mesmas e com os fatos de sua vida, traduzindo-
se em comportamentos de conformismo e resignação, além da justificativa para papéis sociais através
das percepções pessoais e dos estereótipos, atribuições falsas de culpa, identificação com o agressor e
resistência à mudança (Jost, 1995). Embora existam evidências em relação aos prejuízos que a falta de
poder possa causar no bem-estar pessoal, relacional e coletivo, profissionais, mídia, religiosos e até
mesmo familiares enfatizam como causas fatores apolíticos tais como determinantes biológicos e traços
de personalidade (Prilleltensky et al., 2007).
Essas características existem certamente como facilitadoras da vida social, pois se os indivíduos tivessem
que refletir continuamente a respeito de cada ação que fazem para produzir a cotidianidade,
provavelmente deixariam de fazê-lo, já que lhes tomaria uma boa parte do dia ao deixar de estabelecer
a cadeia de decisões e ações que constroem o cotidiano. A naturalização consiste ainda em um
mecanismo microssocial que mantém certas estruturas e certas maneiras de viver, uma vez que
sustenta a permanência do status social (Montero, 2004).
Este fato acaba, não raras vezes, incorporando-se ao cotidiano das pessoas e tornando hábito
sacramentado e distante de questionamento. Conforme Bourdieu (1989), o hábito consiste numa
regularidade associada a um contexto socialmente estruturado, com o objetivo de estruturar os
comportamentos e de agir e responder dentro de um sistema social. Para os adolescentes, o povo em
geral não se compromete com uma postura cidadã, cuja fiscalização das ações sociais também é de sua
responsabilidade, assim como o monitoramento e a exigência do cumprimento de deveres e direitos.
Por outro lado, a conscientização não apenas se constitui num movimento humano interno de caráter
crítico e libertador que reproduz e manifesta o processo histórico no qual o indivíduo se reconhece, mas
também uma preparação, no plano da ação, para a luta contra os obstáculos a sua humanização.
Apresenta-se como um processo contínuo, submetido a fortes pressões de grupos dominantes, que
usam de numerosos meios repressivos para impedir a contraposição de ideias (Freire, 1987). Tal
mobilização supõe uma posição política alusiva a um comportamento cidadão consciente, contribuindo
para a formação de conhecimento que conduz a revelar causas e a estabelecer conexões num processo
de desideologização (Freire, 1969).
Entretanto, a ideia é que o processo de empoderamento ocorra tanto em nível individual quanto
comunitário (Câmara, 2008). Individualmente, no sentido de que cada indivíduo desenvolva a
capacidade para identificar fatores externos, de caráter sociopolítico, que afetam sua autoestima,
eficácia e alternativas para o enfrentamento dos problemas que se apresentam (Francescatto, 1998).
Comunitariamente, no sentido da efetivação e ampliação de recursos, oportunidades e redes sociais
(Câmara, 2008), já que se entende que nenhum comportamento está sob o controle completo e
voluntário dos indivíduos, mas é parte de padrões de vida socialmente condicionados, culturalmente
imbricados e economicamente limitados (Brown, 1991).
Em linhas gerais, os dois principais objetivos da Psicologia Comunitária constituem-se na eliminação das
condições sociais de opressão e na promoção do bem-estar, sendo que a supressão da primeira, assim
como da discriminação e da violência, promoveria condições de vida saudáveis para cidadãos e
comunidades. Assim, faz-se necessária a promoção da justiça social e da ação social para se alcançar
aqueles objetivos, ao invés do incentivo ao empoderamento individual e à compaixão a populações
marginalizadas (Prilleltensky, 2001).
Promover a justiça social significa, acima de tudo, explicitar valores sociais, o que consiste numa
mudança que encontra resistência dentro da própria Psicologia e das Ciências Sociais em geral. Como
resultado, não é de surpreender que a promessa da justiça social tem sido difícil de se manter
(Prilleltensky, 2001).
Sabe-se que o paradigma da justiça social de Prilleltensky consolidou-se como um modelo para
compreender os valores humanos - dentre eles e, principalmente, a própria justiça social, e investigar o
alcance do compromisso da Psicologia Comunitária em promover certos valores a comunidades
marginalizadas (Montero, 1994). Sendo assim, a justiça social é entendida como um valor coletivo, pois
ela prioriza a alocação justa de recursos na comunidade, proporcionando a distribuição de riqueza
igualmente entre os membros de várias classes e grupos (Prilleltensky & Nelson, 2000). Valores coletivos
são aqueles que influenciam no aumento do bem-estar da comunidade como um todo, já que sua
premissa é a noção de que a força da comunidade beneficia qualquer indivíduo (Prilleltensky, 2001).
De um modo geral, os valores podem ser considerados indicadores do comportamento, uma vez que
servem como guias para diferentes escolhas que o sujeito fará ao longo de sua vida. Segundo Rokeach
(1981), valor é "um padrão ou uma medida para guiar as ações, atitudes, comparações, avaliações e
justificativas do eu e dos outros" (p. 132). Esse mesmo autor diz que os valores têm componentes
motivacionais, cognitivos, afetivos e comportamentais. Os valores estão organizados em um sistema
ordenado ao longo de um continum de importância.
De outra forma, os valores também são construtos que representam mentalmente objetivos humanos
básicos. Na teoria dos valores humanos básicos, são identificados dez tipos de valores motivacionais:
poder, realização, hedonismo, estimulação, autodeterminação, universalismo, benevolência, tradição,
conformidade e segurança. Tais valores são universais porque atendem às necessidades biológicas,
necessidades sociais e necessidades socioinstitucionais, concernentes à sobrevivência e ao bem-estar
dos grupos e consideradas requisitos da existência humana (Schwartz, 1994).
Desse modo, as questões de justiça social estão vinculadas à mudança social baseada em valores, sendo
que as considerações filosóficas, contextuais e pragmáticas deveriam ser mais exploradas pelos
psicólogos comunitários, visto que se apresentam como fundamentais para a práxis (Prilleltensky, 2001).
A justiça social não pode ser pautada a partir da lógica do favor consentido, mas deve ser percebida
como um meio de melhoria na vida da coletividade para ser socialmente aceita, ou seja, o benefício que
for conferido a um indivíduo deve traduzir-se em melhoria da vida coletiva (Neves & Lima, 2007).
Ademais, sabe-se a Psicologia tem o potencial de ajudar a trazer um mundo significativamente melhor,
de acordo com uma ordem ética de promoção do bem-estar humano (Prilleltensky & Fox, 2007).
Considerações Finais
Por meio deste artigo, objetivou-se abordar o conceito de justiça social em diferentes posições teóricas
e sua relevância dentro do âmbito da Psicologia Comunitária, cuja atenção vem crescendo através da
conscientização dos direitos humanos e do resguardo ao empoderamento de indivíduos, grupos e
comunidades. Além disso, problematizou-se, de forma crítica, a questão da justiça social enquanto
conceito de transformação social, bem como procurou-se indagar sobre a possibilidade da sua efetiva
promoção e implementação como um projeto valorativo de relações comunitárias.
Neste contexto, entende-se que promover a justiça social significa adentrar-se num campo de
representações contrárias às normas e à visão de mundo, reiteradas pela normalidade construída de
forma não mediada pela reflexão e pelo interesse na manutenção do status quo de grupos e instituições
dominantes. Apresenta-se atrelada à necessária mudança social, com atenção especial ao bem-estar de
indivíduos e grupos oprimidos e vulneráveis, bem como ao papel dos próprios psicólogos como agentes
transformadores da realidade ao invés de agentes de controle social. Conforme Harrison (2006),
indivíduos educados de acordo com uma visão ecológica em relação à justiça social deveriam ser
capazes de refletir e responder questões relativas a privilégios e a recursos adequados ou não à
sociedade, bem como a valores e a princípios éticos, perguntando-se também sobre "quais concepções
de solidariedade as pessoas valorizam?" ou "como se deveria responder a forças e pressões além do
controle humano?".
Transformar-se a realidade, de forma a permitir que os indivíduos possam ser considerados iguais em
tratamento e conscientes em relação aos seus papéis em sociedade, consiste na primeira tarefa para a
concretização de um projeto ético de relações comunitárias. Nele raça, renda, sexo, classe social,
aparência e deficiências não podem ser percebidos como entraves legitimados por uma ideologia que
explica as origens da injustiça e da opressão, desviando a atenção em relação às causas profundas da
problemática social para interesses pessoais e menos perturbadores (Prilleltensky & Fox, 2007).
sendo os homens seres 'em situação', se encontram enraizados em condições tempo-espaço que os
marcam e a que eles igualmente marcam. Sua tendência é refletir sobre sua própria situacionalidade, na
medida em que, desapoiados por ela, agem sobre ela. ...Esta reflexão sobre a situacionalidade é um
pensar a própria condição de existir. Um pensar crítico através do qual os homens se descobrem 'em
situação'. Só na medida em que esta deixa de parecer-lhes uma realidade densa que os envolve, algo
mais ou menos nublado em que e sob que se acham, um beco sem saída que os angustia e a captam
como situação objetivo-problemática em que estão, é que existe o engajamento. Da imersão em que se
achavam, emergem, capacitando-se para inserir-se na realidade que se vai desvelando.
Estimular o compromisso social e por meio dele estabelecer relações autênticas nas quais as pessoas
comecem a exercer a sua cidadania incide na terceira etapa para o processo de transformação da
realidade tanto de forma individual, quanto coletiva. Segundo Câmara (2008), o compromisso social não
apenas se direciona a um aspecto macrossistêmico, mas também a ações pontuais, nas quais novos
núcleos de mudança são factíveis. Nestas ações é que crenças interpessoais, normas sociais e redes se
formam, contribuindo para o exercício de uma espécie de pressão normativa incidente em relação às
características individuais e/ou comunitárias no que concerne à ação social.
Finalizando, espera-se, com este estudo, auxiliar em trabalhos de prevenção e promoção de uma
sociedade mais justa e consciente de seus próprios valores, a partir da provocação do debate sério
resultante do levantamento teórico de base. Resgatar o aprendizado de se problematizar o status quo
vigente, estimulando a análise das experiências e circunstâncias de igualdade ou não em que vivemos,
contribui para a revisão de alternativas sobre o amortecimento que a grande maioria das pessoas se
acostumou a viver, desrespeitadas em seus direitos mínimos.
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Datas de Publicação
May-Aug 2016
Histórico
Recebido
01 Abr 2014
Creative Common - by 4.0 Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative
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Direito e Justiça
DIREITO E JUSTIÇA
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Tende-se a confundir direito com justiça, como fossem a mesma coisa ou tivessem as mesmas
características, porem é possível notar que há um conflito teórico conceitual entre esses dois fins
últimos do ordenamento jurídico.
Em seu “mandamento dos advogados”, Eduardo Couture procura expressar esse conflito na seguinte
sentença: "Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a
justiça, luta pela justiça". Se fossem a mesma coisa (justiça e direito), eles deveriam estar em harmonia e
não em uma posição de escolha de uma em detrimento de outra. Dai é necessário perceber o que a
justiça trás em seu conceito, que a diferencia de algo tão comumente conhecido como a base de
“justiça” que é o direito. Para tanto é imprescindível acompanhar a origem desses termos, mesmo que
não percebidos como tal, nos ajuntamentos proporcionados por uma vida nômade, dos primeiros
grupos sociais.
Enquanto individuo no inicio nômade, o ser humano criara seu próprio padrão de conduta, seu próprio
sistema de valores, não devendo seguir um padrão de comportamento e nem se sujeitando a ninguém.
Porém, ao se agregar a um numero maior de indivíduos, foi inevitável que conflitos aparecessem,
gerando desconforto coletivo e atritos interpessoais. Para que essa situação fosse minimizada, se fez
necessário criar um conjunto de leis que garantisse a harmonia do grupo, mas que não aviltasse o direito
individual, pois para que a sociedade pudesse caminhar de forma constante para a paz coletiva, os
indivíduos teriam que se adequar as normas estabelecidas para esse fim.
Levando em consideração as transformações contínuas que sofre a sociedade, essas normas tendem
igualmente a se modificar, se adaptando ao tempo histórico em que as sociedades estão interagindo.
Cada ajuntamento social possui seu corpo de normas, que existem para um determinado objetivo. Nas
sociedades atuais, esses conjuntos de normas se solidificam e se aglutinam, recebem o corpo de
ordenamento jurídico, que, como já explicitado acima, tem como objetivo promover a paz social.
Partindo desse pressuposto, Miguel Reale chega a dizer que a norma jurídica tem como seu fundamento
valores universais, valores como liberdade, igualdade, ordem e segurança. Mas, o próprio Reale
desassocia a justiça com qualquer identificação com tais valores, ante coloca a justiça em um patamar
superior, onde os valores estão sujeitos a ela, “ela vale para que todos os valores valham (lições
preliminares de direito, são Paulo. Saraiva. 1994, p. 371).
Porem Rizzato Nunes, em seu livro manual de introdução ao estudo do direito, propõe um
questionamento a essa justiça virtude inerente ao individuo. Ele levanta a questão:
“se a pessoa justa é aquela que age com justiça, apresentando, portanto, de modo objetivo- ação social-
seu caráter de sujeito ponderado, equilibrado, perguntamos: ela poderia ao mesmo tempo agir também
de forma não justa, desiquilibrada?” (Rizzato, 2007,p.307)
A questão em xeque é que, se a justiça, o ser justo, é uma virtude inerente do individuo, faz parte do seu
ser, porque alguns indivíduos não o são? Nesse sentido, ou o individuo, seja ele ou não um operador
jurídico, é justo em todos os seus papeis sociais, ou não o é. Isso se transporta para uma questão de
caráter, de estrutura de valores, no campo jurídico isso se torna mais evidente e questionável, pois o
operador tem o dever ético de ser justo, e ai esta o problema, por ser uma questão de caráter, não se
pode presumir que todos os operadores tiveram em sua formação, uma estrutura conceitual pautada
em valores morais convencionados como justos, o que realmente interessa é o resultado de sua ação, se
sua deliberação foi justa, se primou ao conceito geral de “dar ao individuo aquilo que é seu” ou seja a
justiça.
Nesse ponto se questiona a deliberação desse operador jurídico, se coube a igualdade e se houve a
equidade em sua decisão. A justiça é comumente associada a uma estatua de uma mulher com olhos
vendados e com uma balança em suas mãos, essa figura procura demonstrar o caráter imparcial da
justiça, sua capacidade de não enxergar fatores que possam influenciar sua decisão como a cor, posição
social ou origem. A justiça deve tratar todos como iguais, inclusive é um direito garantido pela
Constituição Federal, em seu artigo 5º, onde diz que “todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza”. Porem outro significado tem sido dado a este signo jurídico, a de que a justiça é
cega, não “vê” em seu corpo normativo, uma gama de leis injustas no que tange ao seu caráter punitivo.
Dado este problema, alguns estudiosos que propõe a volta do pensamento de Aristóteles, que sugere
que o justo é aquilo que está em conformidade com a lei, não atentam para as questões históricas e
temporais do conceito aristotélico do termo “lei”. Não se deve ignorar o que foi dito no inicio do texto a
respeito das transformações sociais que o próprio Direito acompanha. A lei como a conhecemos, foi
organizada pelo Estado com uma finalidade, promover uma norma de conduta padrão para manter o
controle social, isso propõe dizer que nem todas as leis formuladas são justas ou promove a justiça, pois
são envoltas em interesses políticos, econômicos e de intenções de manutenção do status quo de uma
elite nacional.
JUSTIÇA E VONTADE
Miguel Reale menciona que o direito é ‘a vinculação bilateral atributiva da conduta para a realização
ordenada dos valores de convivência[1]’, em outras palavras há um jogo bilateral regendo as relações
humanas, quaisquer que sejam os acordos firmados há uma obrigatoriedade firmada de ambas as
partes, bem como uma atribuição da vontade individual, uma opção de escolha.
Essa capacidade de arrazoar para então chegar a uma conclusão de decisão é característica do ser
humano dialético, que cumpre seu papel de questionador e dono de suas próprias decisões, quando
confrontado em uma situação de escolha. Com relacionamento centrado no jurídico não é diferente, ou
não deveria ser. “o homem tem, em suma um poder de querer que, entre outras, assume a forma de
poder de querer segundo regras do direito” [2]. Segundo NUNES, o estágio social que se configura
atualmente, sociedade pautada no consumo, as pessoas podem pouco deliberar para tomar decisão a
cerca de fazer valer sua vontade, caso verificado quando, por caráter de exemplo, o individuo depende
de um remédio que tem sua produção monopolizada por uma indústria farmacêutica, estando
diretamente obrigado a comprar seu produto pelo valor estipulado pela mesma, sob pena de ter sua
doença agravada, não sendo facultado a ele o direito de ter opções suficientes para optar pelo mais
barato, fazendo valer assim sua vontade.
Remetendo-se novamente a obra de Aristóteles, Paulo Nader, em sua obra Introdução ao Estudo do
Direito, cita a “régua de Lesbos”, a qual a equidade foi comparada pelo filosofo grego em seu livro: Ética
a Nicômaco. Esta régua podia ser feita de chumbo, mas mesmo com essa superfície aparentemente
sólida, ela “adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos”
[4]. Partindo desse principio aristotélico podemos dizer, a grosso modo, que a equidade é a capacidade
que se espera da adaptação do direito a situação do caso apresentado, assim como a régua assume
contornos daquilo sobre a qual esta posta, assumindo as nuances e as falhas da superfície. Em termos
gerais podemos dizer que seria adaptar a norma jurídica geral e abstrata às condições do caso concreto
(NADER, 2002).
A equidade pode, por principio, suprir as lacunas existentes no direito positivo, suavizando então as
conclusões engessadas por um sistema de regras genéricas, não especificas, ajustando à sanção as
particularidades que envolvem o caso discutido in fórum. Reale, tratando da equidade, recomenda:
“Há casos em que é necessário abrandar o texto, operando-se tal abrandamento através da equidade,
que é, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real” (REALE, 2002).
talvez esta seja uma das grandes necessidades do direito atual. Não raro se pode ver pessoas sendo
condenadas por furto de leite, por exemplo, e recebendo a sanção enquanto criminosos de colarinho
branco ficam impunes. Não se trata da discursão do fim da sanção mas sim de uma busca de molde da
norma, manter a norma como meio de manter a harmonia e paz social, mas resguardadas as devidas
proporções, buscando de forma real o principio já citado, reiteradas vezes, que é dar ao outro aquilo
que é seu, inclusive sua resposta a sua ação penalmente reprovável.
[1] Curso de Filosofia do Direito, 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1972.v. 2, p. 617
[2] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p.251
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