Entrevista Escuela Xesus Jares

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Entrevista Escuela

Número 3.734

1° de fevereiro de 2007

Xesús Rodrigues Jares, coordenador de Educadores para a Paz, há poucos meses lançou seu livro
Pedagogia da Convivência, obra concebida a partir de sua própria experiência “como professor,
formador de formadores, estruturador e coordenador de programas de convivência, pesquisador,
mediador e pai”. Dirigido a professores de todos os níveis, pais e mães, assim como a toda
sociedade, seu livro aprofunda o conceito de convivência democrática e a necessidade de envolver
toda a sociedade na educação para a cidadania.

“A educação em geral e a educação


para a cidadania, em especial, devem
se tornar uma questão de Estado”

Xesús Jares
Catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade de La Coruña, Espanha

por Ana López

[Tradução: Elisabete Santana]

Quais são os objetivos e conteúdos deste novo livro?

São fundamentalmente cinco. Em primeiro lugar, definir os marcos e conteúdos de uma convivência
democrática, apostando naquilo que denominamos modelo de convivência democrática. Em
segundo lugar, explicar os dados mais significativos das pesquisas que temos desenvolvido na Galícia
e nas Ilhas Canárias, sobre a situação da convivência nos centros educacionais de Ensino Médio. Em
terceiro, uma vez definidos os marcos e conhecida a situação da convivência, apresentar propostas
para favorecer a convivência democrática; em outras palavras, tornar operativa a pedagogia da
convivência nas escolas a partir de uma perspectiva global e integrada. Em quarto lugar, expor uma
experiência concreta sobre o processo de implantação da equipe de mediação em uma escola de
Ensino Médio, no qual estive envolvido como formador de professores e de estudantes mediadores.
E, por fim, o quinto conteúdo está relacionado ao papel das famílias na educação para a convivência,
suas responsabilidades, as estratégias que podem ser utilizadas, erros cometidos etc.
Em que consiste o conceito de pedagogia da convivência democrática ao qual se refere?

A pedagogia da convivência democrática pretende tornar as pessoas conscientes dos diferentes


modelos de convivência que atuam em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se fundamenta e
toma partido dos pressupostos democráticos, da cidadania e da democracia participativa, dos
valores cívicos, dos direitos humanos e da não‐violência. Não podemos esquecer que a
aprendizagem da convivência é inerente a qualquer processo social nos âmbitos familiar, escolar, de
lazer, do trabalho, dos meios de comunicação etc. Estamos aprendendo continuamente a conviver
em uma circunstância ou outra. Por conseguinte, não se pode dizer que o aprender a conviver seja
da esfera exclusiva do sistema educacional formal. Muito ao contrário, do ponto de vista da
pedagogia da convivência democrática, destacamos que a tarefa de construir sociedades conviviais
compete ao conjunto da sociedade – eis porque não se pode delegar esta responsabilidade
exclusivamente ao sistema educacional, ainda que a tenha e seja enorme, nem às famílias.

“A educação para convivência democrática compete a toda a sociedade,


famílias, centros educacionais, meios de comunicação e políticas públicas.”

Não é, então, uma proposta apenas para os professores...

Evidentemente! Como acabo de frisar, a educação para a convivência compete a toda a sociedade,
ainda que muito especialmente às famílias, aos centros educacionais, aos meios de comunicação e
às políticas públicas. Além disso, considero que a convivência e a educação para a convivência
devem ser tomadas como questões prioritárias para o conjunto da cidadania e das instituições
públicas. É certo que o aprender a conviver tem muito de osmose social não intencional e, por
conseguinte, com limites dificilmente previsíveis; mas tampouco é menos certo que as
circunstâncias sociais planejadas em uma determinada direção – em nossa aposta, na direção
democrática – possam facilitar, e de fato o fazem em grande medida, processos e relações sociais
democráticas. A sociedade civil e o estado democrático devem fazer da educação em geral e da
educação para a convivência, em especial, uma questão de Estado. Todas as democracias
necessitam de uma pedagogia da convivência democrática.

“O primeiro capítulo do livro trata dos conteúdos e da pedagogia da convivência, e de seus fatores
desagregadores. O que pesa mais neste momento?

Ambos os elementos estão em contínua interação e luta. Do ponto de vista midiático, é evidente
que têm maior repercussão os fatores desagregadores da convivência, tais como o ódio, os
maniqueísmos, os fundamentalismos, o medo, a violência, as discriminações etc. É óbvio que
representam um perigo para a convivência democrática e, em muitos lugares, têm uma especial
incidência, mas penso que a maioria das pessoas aposta nos conteúdos e valores da convivência
democrática. Mas, ainda assim, não podemos deixar de reconhecer que os fatores desagregadores
da convivência democrática estão atuando com muita força. Razões suficientes para acentuar os
programas e disciplinas de educação para a cidadania democrática.

O primeiro capítulo finaliza precisamente com um ponto dedicado à nova disciplina de Educação
para a Cidadania proposta pelo Ministério de Educação [da Espanha] e sobre a qual já escreveu em
vários meios de comunicação, como também para a Escuela. O que pensa da polêmica que se
formou em torno dela?

Realmente, estão dadas três polêmicas fundamentais. A primeira, originou‐se em torno da


pertinência ou não de tal disciplina em relação à transversalidade. Alguns apostavam que nova
disciplina fosse ‘coisa’ de pedagogos, da mesma forma certos professores eruditos qualificaram a
transversalidade – ainda que de muito duvidosa qualidade pedagógica; outros, ao contrário,
reivindicavam a transversalidade em oposição à nova disciplina; e a terceira posição, na qual nos
situamos, é a mesma pela qual o MEC optou, que torna compatíveis as duas opções. Além do mais,
ambas são necessárias para educar nos valores da cidadania democrática junto a outros recursos
escolares como as monitorias ou as atividades extra‐escola. A segunda polêmica se estabeleceu
quanto a territórios: a quem caberia a nova disciplina? E assim, sem conhecer o alcance e os
conteúdos da nova disciplina, conhecidos autores em renomados periódicos de tiragem nacional se
lançaram a reivindicar suas intocáveis razões para levar a nova disciplina às hostes de seus
correligionários. Sem dúvida, os que fizeram mais barulho para reivindicá‐la foram os professores e
coletivos da área do Direito e, muito especialmente, os de Filosofia Moral e de Ética.
Surpreendentemente, não foram ouvidos os professores e organizações de História. A terceira
polêmica que volta a estar muito viva nos meios de comunicação por parte de setores da Igreja
Católica, é a que rechaça a disciplina por considerá‐la como uma forma de doutrinamento do
governo. Como assinalo no livro, é realmente curioso que aqueles que consideram que a nova
disciplina “servirá para doutrinação nas idéias do governo” sejam precisamente os que querem
impor a obrigatoriedade do ensino religioso na escola, como se “todos os efeitos desta sejam
avaliáveis”.

Qual a sua opinião sobre as últimas petições de objeção de consciência e desobediência civil à
nova disciplina?

São realmente muito inoportunas, irresponsáveis e perigosas. As últimas intervenções de alguns


bispos e de associações de pais de escolas católicas propugnando a objeção de consciência e a
desobediência à nova disciplina, aprovada democraticamente no Parlamento e com a concordância
social da maioria da sociedade, é realmente uma irresponsabilidade de difícil qualificação. É como se
alguma pessoa ou associação pretendesse defender a desobediência à Matemática ou ao ensino de
História ou de Educação Física para as meninas. Tampouco é séria a mais recente proposta da igreja
Católica que, ante a inevitabilidade da entrada em vigor da nova disciplina, está tentando diluí‐la
como matéria optativa ou como alternativa à de Religião, junto com o atual estudo dirigido. A
Educação para a Cidadania é uma necessidade para todos os estudantes, sem qualquer tipo de
distinção e, por conseguinte, não pode ser considerada como uma matéria “moleza”, nem ser
utilizada como subterfúgio para completar o horário, nem como alternativa a nenhuma outra
disciplina. Obrigatória para todos, ministrada com as maiores garantias, com carga horária em
nenhum caso inferior a duas horas semanais, conteúdos ligados à centralidade e complexidade de
sua natureza e professores devidamente habilitados.

E sobre o suposto doutrinamento?

Esta posição também é incompreensível, a menos que sejam outros os interesses, porque ainda não
ouvi um só argumento que afirme em quê se pretende doutrinar e qual conteúdo da nova disciplina
é moralmente rejeitável ou legalmente condenável. Ou seja, se insiste na posição de rejeição através
do subterfúgio do doutrinamento, mas em nenhum momento se vai à análise de seus conteúdos. É
bom lembrar que o argumento do doutrinamento foi levantado somente ao aparecer a disciplina na
LOE, muito antes do início dos debates sobre seus conteúdos. E esta forma de proceder é
precisamente desaconselhável para enfrentar os conflitos de forma não‐violenta. Não podemos nos
encastelar em uma determinada posição sem, antes, ir às suas causas e possíveis soluções, além de
distinguir entre conflito e falso conflito, entre interesse privado e interesse público. Diríamos que
tanto pela forma quanto pelo conteúdo, esta posição não se sustenta. Pois bem, a disciplina se
fundamenta nos valores e conteúdos da democracia, da não discriminação, na liberdade, nos
direitos humanos, na justiça social, na cultura de paz, na não‐violência. Valores e conteúdos sobre os
quais devemos dizer se compartilhamos ou não.

“A mediação é um instrumento a mais para resolver os conflitos. Não é a


panacéia, nem pode se apresentar como única ferramenta.”

O capítulo II levanta a questão sobre a forma como professores e alunos percebem a situação da
convivência nas escolas, outro assunto que volta a estar muito presente nos meios de
comunicação. Há uma preocupação especial com este tema entre os dois coletivos?

Sem dúvida, ainda que haja diferenças. Nas pesquisas que coordenei na Galícia e nas Ilhas Canárias
[Espanha], constatamos que o professorado tem uma melhor percepção do clima de convivência
que o alunado, setor este que aparece praticamente dividido à metade entre os que se situam na
tendência positiva e os que estão na negativa. No entanto, a maioria dos professores,
concretamente 67,4%, tem uma percepção ‘bastante boa’ ou ‘boa’ da convivência entre o
professorado e o alunado. Mas, quando perguntamos sobre a situação da disciplina e da violência
entre os alunos, a maioria dos professores e dos alunos coincide em ter uma percepção muito
negativa de ambos os processos. Coincidência que se dá tanto no alunado quanto no professorado
da rede pública e da particular combinadas. Porém, esta percepção negativa da situação da
indisciplina e da violência não se equivale quando perguntamos por fatos concretos de violência
tanto entre o alunado quanto nas relações entre estes e o professorado. Assim, por exemplo,
quando se pergunta pelos possíveis usos de diferentes tipos de violência nas relações entre o
alunado e o professorado, os resultados obtidos mostram que as ações violentas do alunado em
suas relações com os docentes são, na opinião dos professores, praticamente minoritárias ou
inexistentes. O único tipo de violência que preocupa a maioria do professorado em relação ao
alunado é, da mesma forma que nas relações entre o alunado, a passividade ou indiferença. E, sem
dúvida, é bastante discutível situar a passividade ou a indiferença como uma forma de violência.

Também fala da experiência de um trabalho de mediação no centro educacional. Acredita que


este tipo de instrumento está funcionando adequadamente ou sugeriria outras fórmulas?

A mediação é um instrumento a mais para resolver os conflitos e melhorar a convivência. Não é a


panacéia, nem pode se apresentar como a única ferramenta. Tem a vantagem de envolver todos os
setores da comunidade educacional, mas não devemos esquecer que o recomendável é que as
partes em conflito negociem diretamente sua resolução. A experiência que apresento no livro está
sendo levada a cabo no IES de Teis de Vigo, e as avaliações são muito positivas pelos diferentes
setores implicados ainda que, evidentemente, não resolva todos os conflitos nem possa ser aplicada
em todas as ocasiões. Em todo caso, é uma forma de reconhecer este tipo de experiência e, ao
mesmo tempo, apresentar fatos e ações concretas que provam ser possível e exitoso atuar para
melhorar a convivência.

O último capítulo do livro está dedicado às famílias. Que papel têm hoje na melhora ou
agravamento da convivência escolar?

Creio que é um tema central por dois motivos essenciais: pelo papel e responsabilidades que as
famílias têm na educação para a convivência, como em suas relações com os centros educacionais.
Sem dúvida, será um tema central nos próximos anos no campo educativo. Neste capítulo
desenvolvemos três conteúdos fundamentais: as relações família‐centros educacionais, os diferentes
erros que consideramos estarem sendo cometidos na educação de nossos filhos e, em terceiro lugar,
apresentamos várias estratégias para favorecer a convivência nas famílias e facilitar a resolução
pacífica de conflitos.
Pedagogia da Convivência
Autor: Xesús Jares

Editora: Graó

Ano: 2006

Este é um livro fundado na experiência reflexiva, na pesquisa e na intervenção em diferentes


contextos educativos.

Pedagogia da Convivência é um convite ao diálogo, à reflexão crítica e à intervenção global


sobre um tema essencial para nosso modelo educacional, ao mesmo tempo em que tenta
demonstrar que educar para a convivência a partir de critérios democráticos é possível e
necessário.

O primeiro capítulo trata dos marcos e conteúdos da pedagogia da convivência – respeito,


direitos humanos, ternura, diálogo, solidariedade, perdão, esperança etc. –, bem como de seus
fatores desagregadores. No segundo, são apresentados os principais resultados da pesquisa
“Conflito e convivência nos centros educacionais do Ensino Médio”; supõe a resposta a duas
perguntas fundamentais: como o professorado e o alunado percebem a situação da
convivência em suas escolas, e quais estratégias e espaços reconhecem estar utilizando para
melhorá‐la.

No terceiro são apresentadas, a partir de uma perspectiva global e integrada, diversas


propostas para os diferentes âmbitos do centro educacional. No quarto, é abordada a
experiência prática do trabalho de mediação em uma escola de Ensino Médio. O quinto e
último capítulo é dedicado ao papel das famílias na educação para a convivência.

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