Apostila Módulo 3 - SUAS

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Atenção no SUAS

à Criança e ao
Adolescente
Vítima ou
Testemunha de
Violência
Módulo 3
O Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) e as Políticas de
Atendimento Integradas
Significado dos Ícones da Apostila
Para facilitar o seu estudo e a compreensão imediata do conteúdo apresentado, ao longo de
todas as apostilas, você vai encontrar essas pequenas figuras ao lado do texto. Elas têm o objetivo
de chamar a sua atenção para determinados trechos do conteúdo, com uma função específica,
como apresentamos a seguir.

Texto-destaque: são definições, conceitos ou afirmações importantes às quais você


deve estar atento.

Glossário: Informações pertinentes ao texto, para situá-lo melhor sobre determinado


autor, entidade, fato ou época, que você pode desconhecer.

SAIBA MAIS! Se você quiser complementar ou aprofundar o conteúdo apresentado


na apostila, tem a opção de links na internet, onde pode obter vídeos, sites ou artigos
relacionados ao tema.

Quando vir este ícone, você deve refletir sobre os aspectos apontados, relacionando-
os com a sua prática profissional e cotidiana.
SUMÁRIO
Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 3 4
Aula 1: As políticas de atendimento integradas e as medidas de
proteção 5
1.1 As diretrizes gerais que orientam a atuação do SUAS no
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
Vítima ou Testemunha de Violência 5
1.2 Medidas de proteção e assistência previstas na
legislação 8
1.3 Crimes Tipificados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente e pela Lei 13.431/2017 17
Aula 2: A atuação do SUAS na rede de atendimento e proteção
de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de
violência 20
2.1 O princípio da matricialidade sociofamiliar 20
2.2 A oferta do SUAS: unidades e serviços 27
2.3 Gestão e Governança do SUAS no Sistema de Garantia
de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou
Testemunha de Violência 32
2.4 A Intersetorialidade na Lei 13.431 34
2.5 Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência
contra Crianças e Adolescentes 39
2.6 Pacto Nacional pela Implementação da
Lei 13.431/2017 41
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 44
Apresentação e Guia
de Estudos do Módulo 3
Neste módulo, vamos conhecer quais são as diretrizes que orientam as políticas de atendimento
integradas e as medidas de proteção à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência,
trazendo uma abordagem focada na atuação do SUAS.

Dessa forma, dedicaremos uma atenção especial no papel do SUAS na rede de atendimento e
proteção de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

Para aprimorar os seus estudos, siga a seguinte ordem de estudos:

Para aprimorar os seus estudos, siga a seguinte ordem de estudos:


• Leia, na apostila, a Aula 1 do Módulo 3.
• Assista à aula narrada 1.
• Faça os exercícios de fixação da Aula 1.
• Faça o jogo interativo 3 na plataforma.
• Leia, na apostila, a Aula 2 do Módulo 3.
• Assista à aula narrada 2.
• Faça os exercícios de fixação da Aula 2.
• Faça o Estudo de Caso Proposto.

Bons estudos!

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Aula 1
As políticas de
atendimento
integradas e as
medidas de proteção
1.1 AS DIRETRIZES GERAIS QUE ORIENTAM A ATUAÇÃO DO SUAS NO SISTEMA DE
GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE
VIOLÊNCIA
Como já estudamos ao longo dos Módulos I e II, o atendimento às crianças e adolescentes em
situação de violência, sejam eles vítimas ou testemunhas, deve ser realizado de forma articulada e
condizente a um conjunto de políticas públicas que são, em grande parte, executadas em âmbito
municipal. Isto significa que o município é o ente federativo competente para mobilizar, organizar
e articular um vasto conjunto de unidades que envolvem os sistemas de justiça, de segurança
pública, de assistência social, de educação e de saúde, apropriado à realidade de cada território.

Nesse sentido, a forma como o atendimento é realizado varia de acordo com a situação de
cada município, conforme suas potencialidades e limitações. Entretanto, há normativas gerais que
estabelecem e orientam as ações dos variados sistemas. Ou seja, embora não haja um modelo único
e uniformizado de atendimento no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
Vítima ou Testemunha de Violência, existem diretrizes que norteiam a atuação do Sistema Único
de Assistência Social (SUAS) e dos demais sistemas que integram a rede de atendimento à criança
e ao adolescente em situação de violência. Vamos conhecer, a seguir, oito dessas diretrizes que são
aplicáveis a qualquer órgão ou equipamento do SGDCA por força da Lei 13.431/2017:

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I - Abrangência e Integralidade

• Muitas das vezes, a criança e/ou adolescente em contexto de violência apresentam


necessidades que são mais apropriadas para o atendimento na saúde, na educação, ou em
diferentes níveis de proteção social do SUAS. Assim sendo, o atendimento deve detectar
tais necessidades e realizar os encaminhamentos adequados.

II - Capacitação interdisciplinar continuada, preferencialmente conjunta, dos/das profissionais

• A situação de violência que envolve crianças e adolescentes é complexa, uma vez que se dá
por diversas razões, com variadas formas de manifestações e abrange uma multiplicidade
de aspectos. Então, é fundamental que todos os/as agentes corresponsáveis pelo
atendimento saibam como atuar no caso a fim de garantir um atendimento qualificado e
evitar a violência institucional e/ou revitimização. Por isso a importância do/da profissional
ter acesso à oportunidade de estar sempre se capacitando e se atualizando.

III- Estabelecimento de mecanismos de informação, referência, contrarreferência e


monitoramento

• É fundamental que todos/todas os/as agentes que realizam atendimento à criança e


ao adolescente vítima ou testemunha de violência registrem, formalmente, as ações
realizadas e, quando necessário, disponibilizem essas informações aos demais atores da
rede de proteção, por meio de relatórios, fichas intersetoriais de informação, entre outros.
O estabelecimento de fluxos nos territórios facilita a referência e a contrarreferência entre
serviços e profissionais.

• Cada serviço deve realizar articulação com demais serviços, a fim de facilitar o
encaminhamento das famílias, informando o local correto para onde devem se deslocar e
demais informações necessárias para possibilitar o atendimento que o indivíduo necessita.
Importante também monitorar ou acompanhar os encaminhamentos realizados,
identificando a efetividade do encaminhamento e possibilitando identificar dificuldades e
alinhar compromissos. Isso evita que as pessoas se desloquem para vários lugares, sem, no
entanto, conseguir atendimento.

IV - Planejamento coordenado do atendimento e do acompanhamento, respeitadas as


especificidades da vítima ou testemunha e de suas famílias.

• Todas as ações realizadas no decorrer do atendimento, isto é, todas as etapas do atendimento,


bem como o acompanhamento, devem ser planejadas, com objetivo de evitar o improviso,
característica histórica do atendimento ao público infanto-juvenil. Há a previsão, no SUAS,
de realização de um planejamento singular, específico para as necessidades de cada
família, por meio do desenvolvimento de um Plano de Acompanhamento Individual e/ou
Familiar. E cada serviço da rede de proteção deve realizar seu planejamento.

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V - Celeridade do atendimento

• O atendimento deve ser realizado de forma imediata, se for após a revelação da situação
de violência, ou o mais rápido possível. O Poder público deve considerar as estatísticas
que apontam que grande parte da violência cometida contra crianças e adolescentes
ocorre no período noturno, finais de semana e feriado, ou seja, quando parte considerável
das unidades de atendimento estão fechadas. Logo, se faz necessário traçar estratégias
que proporcionem o atendimento rápido pelas unidades que possuem atendimento em
regime de plantão, com devidos encaminhamentos para demais serviços necessários,
assim que possível.

VI - Priorização do atendimento em razão da idade ou de eventual prejuízo ao desenvolvimento


psicossocial, garantida a intervenção preventiva.

• A diretriz V já prevê um atendimento imediato, contudo, há casos em que esse atendimento


deve ser ainda mais rápido em razão das particularidades que o caso apresente. A prioridade
deve ser dada, dentre outros, nas situações em que há potencial risco à integridade física,
ou mesmo riscos contra a vida vítima, e nos casos de violência sexual recentes.

• Essa prioridade deve ser dada, inclusive em ações preventivas. A prevenção pode ser
realizada, dentre outras ações, por meio de campanhas de conscientização e orientação
de cunho coletivo ou, através de ações específicas junto às famílias, sobre à violação dos
direitos das crianças e adolescentes.

VII - Mínima intervenção dos/das profissionais envolvidos/envolvidas.

• As ações devem ser realizadas com o intuito de causar o mínimo de interferência na


dinâmica familiar e na vida da criança e/ou do adolescente, de forma que evite que eles
sofram danos decorrentes de ações precipitadas e/ou excessivamente rigorosas e que
ocasionem a violência institucional.

• É preciso que todas as intervenções a serem efetuadas sejam justificadas sob o ponto de
vista técnico, evitando-se aquelas de cunho meramente formal e burocrático.

VIII - Monitoramento e Avaliação periódica das políticas de atendimento.

• É essencial que o Poder Público crie mecanismos que possibilitem uma contínua avaliação
do atendimento que vem sendo realizado a fim de analisar a qualidade e eficiência das
ações implementadas, seja por meio de auto-avaliação dos serviços, ou criar formas de
avaliação pelos usuários nos serviços e ainda o exercício do controle social e participação
nos conselhos de direitos e comissões.

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• A avaliação deve ocorrer tanto no espaço individual quanto coletivo. Logo, cada
profissional, unidade de atendimento e órgãos responsáveis devem avaliar a efetiva
realização, qualidade e eficácia do seu atendimento (Ministério Público, Conselho Tutelar,
Poder Judiciário, CMDCA e gestor de cada política) a fim de aperfeiçoar a política pública e,
portanto, o atendimento (Lei 13. 431 de 2017 e de DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2018).

Essas diretrizes determinam e orientam tanto a gestão do SUAS, nos três entes federativos,
quanto os/as profissionais que realizam o atendimento e acompanhamento da população dentro
de suas competências. Conhecendo-as, delimita-se aquilo que cabe ao SUAS realizar, contribuindo
para a garantia do atendimento integral, eficaz e de qualidade. Este tema será abordado com mais
detalhes em nossa próxima aula.

1.2 MEDIDAS DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO

Após estudarmos sobre as diretrizes gerais que orientam o SUAS e demais atores do SGD, é
hora de conhecer as medidas de proteção e assistência que nortearão ações no cuidado à criança
e ao adolescente vítimas ou testemunhas de violência.

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Mas afinal, o que entendemos por medidas de proteção e assistência?

São mecanismos legais que visam o atendimento imediato nos casos de ameaça ou
violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes a fim de cessar o risco,
proteger e garantir a efetivação dos direitos.

Com base nesta definição, vamos elucidar sobre as medidas de proteção e assistência às
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência que estão expressas, implícita ou
explicitamente, nos dois principais instrumentos jurídicos dessa categoria: O Estatuto da Criança e
do Adolescente e a Lei 13.431/2027.

1.2.1 Medidas de Proteção e Assistência segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente


No dia a dia do SUAS, é consenso que, quando o assunto é criança e adolescente, deve-se
sempre recorrer ao Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA, pois ele traz os pilares da "Proteção
Integral e Prioritária". Sabemos que esta lei estabelece um conjunto de normas que orienta o
Estado, a Sociedade e a Família na primazia do cuidado e na proteção em casos de situação de
risco ou quando uma criança ou adolescente está com seus direitos fundamentais violados ou
ameaçados.

Em consonância com essa assertiva, podemos ver que o artigo 4º do ECA dialoga com o artigo
227 da Constituição Federal de 1988, que estudamos no módulo 1, quando preceitua:

Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990, Art. 4º - É dever da família,


da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

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Neste sentido, o ECA prescreve as Medidas Protetivas que embasam algumas ações,
dividindo-as em duas partes. O primeiro conjunto de medidas se encontra no Artigo 101 e diz
respeito à atenção à criança e ao adolescente com foco no cuidado da família, na criação de
políticas públicas e de inclusão de projetos e programas que visam o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários. Entendemos que essas medidas podem ser aplicadas de forma isolada
ou cumulativamente e, dependendo da demanda, podem ser substituídas se forem observadas
todas as formalidades e protocolos. Ademais, os incisos deste artigo nos reforçam a importância
da permanência da criança na família de origem, apontando o acolhimento em abrigo ou família
substituta como medidas excepcionais e provisórias que devem ser tomadas quando esgotarem
todas alternativas e possibilidades de proteção.

O segundo conjunto de medidas protetivas está previsto no Artigo 129 do ECA e é destinado aos
pais e/ou responsáveis, tendo por objetivo dar atendimento não só à vítima de maus-tratos, mas,
sempre que possível, ao/à agressor/agressora. Dessa forma, não se trata de aspectos punitivos,
mas, sim, de possibilitar a reeducação, socialização e orientação para a família desenvolver uma
convivência mais harmônica e saudável. A finalidade é, então, uma proteção ancorada na ideia
de se manter as crianças em seu ambiente familiar, evitando a reincidência da agressão ou a
transferência das crianças para abrigos ou família substituta (BRASIL, 2002, p.169).

Ilustramos, a seguir, a aplicação dessas medidas protetivas com uma narrativa de um caso real.

Trabalho no CRAS e durante a Pandemia COVID19, em que foi recomendado o


isolamento social como medida de prevenção ao contágio do vírus, ofertamos cestas
básicas e visitas ao território para manter a referência com as famílias e identificar riscos
e possíveis casos de violação de direitos.
Durante as visitas, nos chamou atenção a família de Laura e Sofia, meninas de 07 e
09 anos que há 02 anos frequentam o Serviço de Proteção e Atendimento Integral
à Família. Vimos que a família é composta por 07 pessoas: a mãe, o padrasto, uma
adolescente de 17 anos, Laura, Sofia, e dois meninos de 04 e 03 anos. Possuem casa
própria em um conjunto habitacional, recebem de duas a três cestas básicas por mês
e têm acesso ao auxílio financeiro ofertado pelo governo. O companheiro da mãe das
meninas é beneficiário do BPC por ter perdido a visão em um acidente de trabalho,
mas, quase todos os dias, Laura e Sofia saem pelas ruas para pedir comida aos vizinhos
alegando estar com muita fome. Constatamos que as duas crianças mais novas
estavam morando na casa de um vizinho há mais de um ano e até o chamavam de
pai. Moradores mais próximos afirmaram que as meninas sofriam maus-tratos físicos
e verbais pela irmã mais velha e pelo padrasto, conhecido traficante da comunidade,
e que a mãe era usuária de crack. Segundo eles, somente os filhos do relacionamento
com este traficante tinham direito a comer em casa, sendo que estes estavam morando
com o vizinho.
A denúncia chegou ao Conselho Tutelar que tomou as seguintes medidas:

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• O padrasto e a mãe foram denunciados ao Ministério Público para tomar as devidas
providências. O padrasto perdeu a guarda dos filhos e aguarda, em liberdade,
julgamento por tráfico de drogas e homicídio. A mãe foi encaminhada para uma
instituição para tratamento, porém fugiu e continua nas ruas usando drogas.
• Os vizinhos obtiveram a guarda das crianças menores e estão em acompanhamento
pelo PAIF e as crianças são atendidas pelo SCFV;
• Laura e Sofia foram acompanhadas pela Saúde e, depois, o pai biológico, que mora
em outro município, assumiu a guarda e a família passou a ser acompanhada pelo
PAEFI da cidade.
• A irmã mais velha foi morar com uma tia materna.

O caso de Laura e Sofia é um exemplo de aplicação das medidas protetivas estabelecidas pelo
ECA. Nesta demanda, foram considerados diversos fatores na tomada de decisão: o conhecimento
do serviço sobre a as potencialidades e vulnerabilidades e riscos vividos pela família; o acesso a
benefícios e auxílios; os relatos dos moradores; os vínculos das crianças, tanto com o pai biológico,
quanto com os vizinhos. Vimos que as crianças foram distanciadas dos/das agressores/agressoras
sem perder o direito de conviver com as pessoas pelas quais tinham afeto e se sentiam protegidas.
Consideramos importante ressaltar, nesta abordagem, a participação da rede de proteção aqui
mencionada: o CRAS, Conselho Tutelar, o Ministério Público, uma entidade socioassistencial e o
CREAS. Graças à articulação destes atores foi possível aplicar as medidas protetivas para o cuidado
das crianças.

1.2.2 Medidas Protetivas e Socioassistenciais na Lei 13.431/2017 e no Decreto 9603/2018

O segundo instrumento jurídico de fundamental importância no conjunto de medidas


protetivas e socioassistenciais às crianças e adolescentes é a Lei 13.431/2017. Como aprendemos
no Módulo 1, essa lei complementa o ECA, sobretudo no que tange às especificidades em relação
às crianças e adolescentes vítimas de violência. Observe, abaixo, que a Lei 13.431/2017 estabelece
diretrizes no âmbito da Assistência Social:

Lei 13.431/2017: Diretrizes Gerais


DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Art. 19. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer,
no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas), os seguintes procedimentos:

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I - elaboração de plano individual e familiar de atendimento, valorizando a participação
da criança e do adolescente e, sempre que possível, a preservação dos vínculos
familiares;
II - atenção à vulnerabilidade indireta dos demais membros da família decorrente da
situação de violência, e solicitação, quando necessário, aos órgãos competentes, de
inclusão da vítima ou testemunha e de suas famílias nas políticas, programas e serviços
existentes;
III - avaliação e atenção às situações de intimidação, ameaça, constrangimento ou
discriminação decorrentes da vitimização, inclusive durante o trâmite do processo
judicial, as quais deverão ser comunicadas imediatamente à autoridade judicial para
tomada de providências; e
IV - representação ao Ministério Público, nos casos de falta de responsável legal com
capacidade protetiva em razão da situação de violência, para colocação da criança ou
do adolescente sob os cuidados da família extensa, de família substituta ou de serviço
de acolhimento familiar ou, em sua falta, institucional.
Fonte: Lei 13.431 de 2017.

Já o Decreto 9.603/2018 dedicou toda a Seção I, Capítulo II, ao Sistema de Garantias de Direito,
compreendendo os artigos 7º ao 18. Como já mencionado outras vezes no decorrer do curso,
o Decreto 9.603/2018 complementa a Lei 13.431/2027 e, consequentemente, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, especificando medidas protetivas às crianças e adolescentes vítimas ou
testemunhas de violência. A fim de evitar que o conteúdo fique exaustivo e com longas citações
literais, destacamos, sucintamente, os temas abordados nesses artigos nos tópicos seguintes:

• Estabelece as responsabilidades dos órgãos, serviços, programas e


equipamentos públicos no que concerne à detecção da violência sofrida e das
condições para ouvir a criança e/ou o adolescente.
• Define a necessidade de se instituir um Comitê de Gestão colegiada no âmbito
do CMDCA.
• Elenca os requisitos para se estabelecer os fluxos de atendimento (que traremos
de forma mais completa no Módulo 4).
• Determina a criação de grupos de atendimento intersetorial na Rede de
Proteção, com ênfase no compartilhamento de informações entre eles e na
obrigatoriedade do sigilo.
• Traz orientações sobre acolhimento das crianças e adolescentes pelos
profissionais da saúde, da educação, da segurança pública e do SUAS, no sentido
de impedir a revitimização.
• Salienta o tratamento culturalmente adequado aos povos e comunidades

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tradicionais, incluindo a necessidade de interação com a FUNAI quando se
tratar de grupos indígenas.

A seguir, traremos um exemplo, de caso real, que mostra como as medidas de proteção são
necessárias e como foram aplicadas.

Kely é uma pré-adolescente que é atendida junto com dois irmãos mais novos no
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. O pai de Kely é falecido e ela mora
com a mãe em um conjunto habitacional. Certo dia, chegou na instituição com uma
marca da sola de uma sandália no rosto. O fato chamou muita atenção dos profissionais
e dos outros adolescentes. Conversando com Kely, ela relatou que havia apanhado
da mãe, naquela manhã, por se negar a cuidar dos irmãos mais novos. Disse, ainda,
que sua mãe estava alcoolizada naquele dia e que achava que também estava usando
"porcarias" (entorpecentes). Além disso, vizinhos da Kely disseram que escutaram
muitos gritos durante a madrugada, vindos da casa, e que havia presença de muitos
homens. Após ouvir os relatos, o Conselho Tutelar foi acionado e este acionou a Polícia
Militar. Kely foi para a casa de uma madrinha e os dois irmãos para o abrigo. A mãe
perdeu a guarda das crianças. O processo da família seguiu por dois dolorosos anos
até que as crianças e Kely fossem ouvidas: Kely não gostava da madrinha e tinha afeto
por uma tia materna que também gostava dela e dos irmãos. Após serem ouvidas, as
crianças foram retiradas do abrigo e Kely da casa da madrinha. Hoje, os três irmãos
moram com a tia. A mãe é acompanhada pelo Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e
presta serviços na Secretaria de Assistência Social do Município onde é acompanhada
para construção da autonomia e estabelecimento dos vínculos afetivos com os filhos.
Ela ainda precisa de apoio e, por isso, a família extensa foi mobilizada para auxiliar no
cuidado com ela. O PAEFI acompanha a família e as crianças participam do SCFV. Os
vínculos sociais e familiares estão se fortalecendo e a convivência é afetuosa e tranquila,
mas com a ampliação do número membros e apenas um provedor com renda fixa, a
família está recendo benefícios eventuais e benefício de transferência de renda.

Duas questões que gostaríamos de pontuar neste atendimento: o primeiro foi o fato de
escutarem as crianças somente dois anos após os eventos de violência. Quanto sofrimento
poderia ter sido evitado se a fala da criança fosse considerada desde o início dos procedimentos.
Precisamos considerar que, naquele momento, a criança/adolescente não é parte do processo, ela
é o centro da ação, por isso é imprescindível garantir a escuta através do Depoimento Especial e
na aplicação das medidas de proteção a fim de evitar a revitimização, princípio fundamental da Lei
13.431/2017 e deste curso.

A segunda questão importante foi o fato de que outras crianças que foram testemunhas da
situação de violência também foram escutadas e, posteriormente, acompanhadas pela equipe do
SCFV. Isso porque recomenda-se que os envolvidos no processo de intervenção devem entender
que as situações de violência experienciadas provocam impactos na trajetória dos indivíduos e,
por esta razão, requer sensibilidade para se transformar a situação (BRASIL, 2014).

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1.2.3 Medidas preventivas à violência contra crianças e adolescentes
Além das medidas protetivas e assistenciais, cumpre-nos abordar a
importância das medidas preventivas, embora não expressas na Lei 13.431/2017.
Elas são de fundamental importância, pois trata-se de ações que o SGDCA
pode assumir antes que se efetivem situações de violência contra crianças e
adolescentes.

Pensando na extrema relevância dessas medidas, destacamos o parágrafo


único do artigo IV do ECA que institui a prioridade de determinadas ações como
forma de prevenção à violação de direitos. Vejamos:

Estatuto da criança e do Adolescente, Art, 4º, Parágrafo único: A garantia


de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude.

Neste sentido, entendemos que as medidas de prevenção estão diretamente ligadas à criação
de estratégias que visam colocar crianças e adolescentes com prioridade absoluta em nossas
ações. Além disso, os atores do SGDCA devem responsabilizar-se pelas medidas preventivas, com
intuito de promover a proteção integral de maneira intersetorial, evitando desarticulação das
ações e descontinuidades do processo.

Preventivo é sinônimo também de "prévio", "preparado", "predisposto", de criação


das condições positivas para alcançar uma meta eficaz e humanamente satisfatória.
Todavia, usando de toda a circunspecção possível, a fim de não sermos rígidos e
enquadrar tudo e todos em esquemas pré fixados, com certeza, é normal pensar que
as coisas preparadas têm melhor êxito. Dar atenção às estruturas, aos suportes, às boas
condições de exercício, a um ambiente acolhedor e favorável, estar juntos e presentes
ao que os jovens fazem e onde eles estão, procurar construir uma "plataforma" de
comunicação, são algumas pistas "preventivas" às quais é preciso dedicar tempo,
fadiga e... dinheiro! (NANNI, 2014, p.22).

No ensejo das medidas de prevenção, destacamos:

• Promover e articular campanhas de mobilização contra a violência de crianças e


adolescentes. Por exemplo: Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes, 18 de maio;

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• Monitoramento da ocorrência de violência, acompanhando os indicadores municipais,
estaduais e federais;
• Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas;
• Definição de responsabilidades institucionais a fim de criar protocolos de atendimento;
• Incentivar os registros de informações em prontuários, bem como a produção dos relatórios
mensais nas unidades de atendimento como CRAS (relatórios sobre acompanhamento
familiar) e nas unidades de acolhimento, e consolidados com os dados mensais de
atendimentos, para gerar dados e informações próprias do território e estratégicas para a
vigilância socioassistencial
• Estimular a elaboração do Plano Individual ou Familiar de Atendimento contemplando a
planejamento e as possibilidades de intervenção considerando as situações singulares de
cada família;
• Nas escolas e instituições, criar espaços para debates sobre o tema;
• Estimular a comunicação não violenta;
• Divulgar os meios de comunicação para denúncia, como o "disque 100" e o "Proteja Brasil";
• Fortalecer os Conselhos de Direitos das Crianças e Adolescentes;
• Promover capacitação multidisciplinar sobre os diversos tipos de violência e procedimentos
a serem adotados, para profissionais que trabalham com crianças e adolescentes.

No âmbito do SUAS, a proteção social básica tem como uma das suas finalidades a prevenção
da ocorrência de riscos sociais e de violação de direitos e violência. A atuação do PAIF e SCFV,
voltada principalmente para o fortalecimento da função protetiva da família, com o acesso a
direitos através dos serviços e programas públicos e o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários, possui grande potencial de prevenção de violação de direitos

Finalmente, acreditamos que a educação é a melhor forma de prevenir a violência, a violação dos
direitos e a fragilização dos vínculos familiares, daí a importância de estimular e promover o acesso
das famílias a informações qualificadas para o cuidado e a proteção das crianças e adolescentes
desde a mais tenra idade, favorecendo-lhes um ambiente saudável e seguro, despertando-os para
o protagonismo, a fim de "encorajar a juventude a explorar suas melhores capacidades, apoiando
cada sujeito nas suas escolhas fundamentais de vida" (Rede Salesiana Brasil, 2014, p.43).

15
1.2.4 Iniciativas de Proteção no Brasil
A título de conhecimento, destacamos, também, alguns Programas de Proteção que foram
instituídos no Brasil e que são de fundamental importância para a manutenção dos direitos das
crianças e dos adolescentes:

• PROVITA: O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas foi criado a partir


da promulgação da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999.
• CENTROS DE ATENDIMENTO INTEGRADO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIAS. São locais públicos que reunirão, em um mesmo espaço físico, programas
e serviços, que, por equipes multidisciplinares especializadas, efetuarão o atendimento
integral de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência1.
• DPCA, Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente é competente para fiscalizar,
investigar e instaurar inquérito e procedimentos policiais nos casos de infração penal
praticada contra crianças e adolescentes. Isso significa que a DPCA é responsável por
crimes em que as crianças e adolescentes são as vítimas e não autores do delito. Além
desta função, a DPCA também desenvolve estratégias de repressão continuadas em
qualquer local, público ou privado, como forma de interromper o ciclo de impunidades
dos agressores.
• MAPEAR. O projeto MAPEAR foi desenvolvido para levantar indícios de vulnerabilidade
em relação ao crime de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA) nas rodovias
federais brasileiras. Esse mapeamento tem como principal objetivo subsidiar ações
preventivas e repressivas de enfrentamento à ESCA, bem como orientar as políticas públicas
coordenadas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e
instituições públicas ou privadas. (MAPEAR 2020, p. 12)
• Proteja Brasil. O Proteja Brasil é um aplicativo gratuito que permite a toda pessoa se
engajar na proteção de crianças e adolescentes. É possível fazer denúncias direto pelo
aplicativo, localizar os órgãos de proteção nas principais capitais e ainda se informar
sobre as diferentes violações. As denúncias são encaminhadas diretamente para o Disque
100, serviço de atendimento do governo federal. O aplicativo também recebe denúncias
de locais sem acessibilidade, de crimes na internet e de violações relacionadas a outras
populações em situação vulnerável. 2
• Selo unicef é uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para
estimular e reconhecer avanços reais e positivos na promoção, realização e garantia dos
direitos de crianças e adolescentes em municípios do Semiárido e da Amazônia Legal
brasileira. Ao aderir ao Selo UNICEF, o município assume o compromisso de manter a agenda
de suas políticas públicas pela infância e adolescência como prioridade. A metodologia
inclui o monitoramento de indicadores sociais e a implementação de ações que ajudem o

1 https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/acoes-e-programas
2 http://www.protejabrasil.com.br/br/

16
município a cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que no Brasil é refletida no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A adesão ao Selo UNICEF é espontânea. O Selo
UNICEF contribui para o alcance de 8 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), uma agenda global acordada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas até
2030. 3
• PPCAM: Criado pelo Governo Federal em 2003 o Programa de Proteção a Crianças e
Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) tem por objetivo preservar a vida daqueles
que estão na fase da infância ou da adolescência e se encontram em situação de ameaça
de morte. Trata-se de uma política de responsabilidade do governo federal e é executada
em diferentes estados por meio de articulação com Governos Estaduais, Municipais e
Organizações Não Governamentais.

1.3 CRIMES TIPIFICADOS PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PELA LEI


13.431/2017
Para compreendermos melhor esse tópico, é importante entender, primeiro, o que é um
crime tipificado. Você já conhecia essa expressão? Tipificar significa tornar, considerar, enquadrar
determinada conduta/atitude como um crime. Isto é, uma certa conduta é descrita detalhadamente
e a ela é atribuída uma penalidade, por meio de uma lei. Destacamos, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, um artigo para exemplificar como acontece essa tipificação.

Conduta tipificada como crime: Art. 241 - Vender ou expor à venda fotografia,
vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente.
Penalidade: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Após compreender como se dá este processo, passamos, então, ao rol das condutas tipificadas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, visto que é este o instrumento jurídico que servirá
como base para a elaboração das condutas criminosas da Lei 13.431/2017.

O Estatuto da Criança e do Adolescente dedica todo o Título VII para a tipificação das condutas
criminosas praticadas contra crianças e adolescentes. Dessa forma, do artigo 228 ao artigo 244B,
especifica-se quais as ações e omissões são consideradas criminosas e quais são as penalidades
para aqueles que as praticarem. Da mesma forma que fizemos anteriormente, a fim de evitar que
o conteúdo fique exaustivo, vamos sintetizar o texto da lei por meio de análise dos temas tratados.
Vejamos:

• Artigos 228 e 229: destinados aos profissionais de saúde que violarem os direitos da
gestante e do recém-nascido. As penas podem variar de 02 meses a 2 anos de prisão e

3 https://www.selounicef.org.br/sobre#:~:text=O%20Selo%20UNICEF%20%C3%A9%20
uma,e%20da%20Amaz%C3%B4nia%20Legal%20brasileira.

17
multas.
• Artigos 230 a 235: dirigidos aos profissionais da segurança pública e do poder judiciário
que cometerem condutas relacionadas à apreensão de adolescente; guarda e custódia de
apreendido; humilhação; prazos legais. Penas variam de 06 meses a 06 anos de prisão e
multas.
• Artigos 237 ao 239: relacionados aos pais, responsáveis ou terceiros que, de alguma forma
ilegal, entreguem crianças ou adolescentes para adoção. Penas de 06 meses a 08 anos de
prisão e multas.
• Artigo 240 ao 244B: atribuído a qualquer pessoa que pratique ações de cunho sexual/
pornográfico contra criança e adolescente ou que comercialize produtos que causam
dependência química (bebidas, cigarros, etc) ou que os coloquem sob risco (fogos de
artifício). Também inclui a questão da corrupção de menores. Penas de 06 meses a 10 anos
e multas.

Podemos perceber que as condutas tipificadas no ECA são abrangentes e sofreram alterações
ou inclusões no decorrer do tempo. Complementando, a Lei 13.431/2017 trouxe uma única
conduta tipificada, qual seja, a violação de sigilo processual, que relaciona-se com violência
institucional e revitimização

TÍTULO V
DOS CRIMES
Art. 24. Violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou
adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial
e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Assim, o agente público que permitir o acesso de pessoa que não tem nenhum envolvimento
com o processo, incorrerá em crime de violação do sigilo processual e poderá ser penalizado
com reclusão de um a quatro anos, além do pagamento de multa. Recordemos que este crime
é considerado uma forma de violência institucional se a permissão for dada pelo agente público
sem o consentimento da autoridade judicial competente ou do depoente e seu representante
legal. Mais uma vez, ressaltamos o propósito primordial da Lei 13.431/2017 em coibir a violência
institucional e os processos de revitimização.

Embora este assunto esteja mais relacionado à esfera jurídica, é importante essa compreensão
no âmbito do SUAS, pois, como estudamos ao longo deste curso, as ações jurídicas e do SUAS
desenvolvem uma relação perpassada por variados aspectos, além do que, é importante destacar
que o compartilhamento indevido de informações se configura como uma conduta incorreta

18
e prejudicial. Posto isto, ressaltamos que o compartilhamento de informações deve ser feito
observando as orientações apresentadas na legislação, bem como as normativas profissionais,
que situam o sigilo como direito e/ou dever do profissional.

O compartilhamento de informações é um assunto que merece bastante atenção, de modo


que neste curso ganhou um tópico específico (conferir módulo 02).

19
Aula 2
A atuação do SUAS na rede de
atendimento e proteção de crianças e
adolescentes vítimas ou testemunha de
violência
2.1 O PRINCÍPIO DA MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR

O Sistema Único de Assistência Social dispõe,


entre seus eixos estruturantes, do princípio da
matricialidade sociofamiliar. Você compreende
o que esse princípio preconiza? De acordo com
Couto et al (2010), o princípio da matricialidade
sociofamiliar baseia-se na ideia de se reconhecer
que o indivíduo está inserido em um contexto
no qual o grupo familiar é elemento significativo
para determinar as condições dos sujeitos, bem
como garantir a sua proteção e autonomia.
Além disso, a matricialidade sociofamiliar diz
respeito a reconhecer a família como núcleo
social fundamental para a efetividade de todas
as ações socioassistenciais e, portanto, como
local privilegiado das intervenções. Dada a
importância desta prerrogativa para a garantia e qualificação do atendimento das crianças e dos
adolescentes, faz-se necessário perpassarmos pela temática familiar, buscando evidenciar três
aspectos fundamentais: como a família se configura na sociedade contemporânea; qual é o seu
papel na proteção da infância e da adolescência; e como ela se relaciona com a assistência social.

Diversas áreas do saber e os mais distintos estudiosos se debruçaram sobre a temática da


família buscando elucidar o seu conceito e o seu movimento. Segundo Simões (2009), a família é a

20
instância social básica na qual se dá o acolhimento, o convívio e a transmissão de valores e condutas
pessoais. É neste espaço que se desenvolve o sentimento de pertencimento, de identidade social
e de onde se obtém o sustento.

Já a Política Nacional de Assistência Social - PNAS (2004) - traz, em seu conteúdo, uma outra
forma de compreender a família, definindo-a como "conjunto de pessoas que se acham unidas
por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade" (BRASIL, 2004, p. 41). Além disso, a PNAS
concebe a família como entidade mediadora das relações entre sujeitos e coletividade; espaço de
proteção e de socialização primária; e provedora de cuidados aos seus membros.

Em consonância com o conteúdo da PNAS, é importante ir um pouco mais além dos conceitos e
entender que não existe um modelo único de família. A família deve ser compreendida como uma
construção social que está sujeita ao transcurso da história. Seu formato, características/feições,
sua dinâmica, entre outros pontos, são vinculadas às transformações societárias, ao movimento
não-linear da sociedade.

Sendo assim, na contemporaneidade existe uma multiplicidade e heterogeneidade de arranjos


familiares. No âmbito do SUAS, é comum depararmos com famílias nucleares, transgeracionais,
unipessoais, monoparentais, anaparentais, dinks4, entre outros. Portanto, há necessidade de
o/a profissional da rede socioassistencial rever seus preconceitos e padrões demasiadamente
conservadores para reconhecer a existência da diversidade familiar, para que sua intervenção seja
pautada nessa realidade dinâmica e heterogênea.

A seguir, faremos a leitura e análise de um caso concreto que nos levará a refletir sobre a
necessidade do/da profissional rever seus conceitos pessoais e culturais acerca da família.

Ana Maria é profissional da rede socioassistencial, mais precisamente do Centro de


Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A partir do Serviço de Proteção
Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade
Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) recebeu a demanda de
acompanhar Vitor, um adolescente de 15 anos, que estava em situação de reincidência
de ato infracional.
Vitor reside com a mãe, Cristina, e dois irmãos (Livia, de 03 anos e Arthur, de 11 anos).
Trata-se de uma família monoparental, na qual Cristina é a única responsável pelas
crianças e o adolescente, inclusive financeiramente, pois os respectivos pais de Livia,
Arthur e Vitor não exercem a paternidade. A família conta com o apoio dos avós e tios
maternos.
A família também é acompanhada pelo Serviço de Proteção Atendimento Especializado
a Famílias e Indivíduos (PAEFI), na mesma unidade. Em um dos encontros individuais
com a Cristina, Ana Maria orientou que a mesma pedisse demissão do emprego a
fim de conviver mais com o adolescente, de forma que, nas palavras da profissional,
"impedisse Vitor de andar com más companhias”.
4 Dinks faz referência ao termo "Double income, no kids". Isto é, famílias compostas por casais que optam por não
ter filhos.

21
Cristina alegou não ser possível, visto que é através do seu emprego que advém a única
fonte de renda da família. No entanto, Ana Maria insistia nessa orientação, conforme
ela disse, o "papel paterno é o responsável por colocar a comida na mesa". Confiando
na orientação da profissional, Cristina pediu demissão, acreditando que isso seria o
melhor para sua família.
A partir daí, a família entrou em profundo contexto de vulnerabilidade socioeconômica.
A ausência de renda impôs diversas dificuldades de autonomia e sobrevivência à
Cristina e aos filhos e a família passou a contar exclusivamente com a ajuda de parentes
e com benefícios socioassistenciais de transferência de renda.
A demissão de Cristina em nada colaborou com o quadro de Vitor, pois o adolescente,
novamente, passou a fazer uso de drogas ilícitas e estava sempre agressivo cometendo
violência contra a mãe e os irmãos.

Diante do caso apresentado, podemos perceber como a visão idealizada de família da


profissional conduziu a uma intervenção equivocada, por não compreender o contexto da
família e provocar culpa na mãe, já sobrecarregada com o trabalho e os cuidados familiares, sem
possibilidade de divisão de responsabilidade com os genitores dos filhos, causando prejuízos aos
usuários. Ana Maria estava tão focada no modelo familiar nuclear que não propôs uma intervenção
condizente com a realidade da família que atendia e acompanhava. A profissional poderia propor,
por exemplo, a inclusão do adolescente no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV) da proteção social básica, para que ele pudesse realizar atividades com outros adolescentes
e desenvolver habilidades, fortalecer os vínculos sociais, entre outros pontos. Também poderia
encaminhá-lo para a centro de atenção psicossocial infantojuvenil para atendimento quanto o
uso prejudicial de drogas, dialogar com a rede educacional e incluí-lo na escola; outras estratégias
como socioaprendizagem e outros programas de qualificação e desenvolvimento de habilidades
técnicas e socioemocionais necessárias para o mundo do trabalho, para uma inclusão futura, além
de orientações para acesso à justiça, para solicitar pensão alimentícia aos genitores das crianças
e do adolescente, entre outros. Como se pode avaliar, muitas foram as possibilidades ignoradas
por Ana Maria. O foco foi em mudar a família ou enquadrá-la num ideal que não corresponde à
realidade da maior parte das famílias brasileiras e que, no contexto atual, representa reforço na
desigualdade na distribuição do trabalho doméstico entre homens e mulheres.

Retomando a questão da diversidade familiar, embora, comumente, a família seja caracterizada


como ambiente de relações harmônicas, tendo como característica principal a afetividade (LÔBO,
2018), ela se configura, também, como espaço marcado por conflitos de toda a ordem (SIMÕES,
2009; BRASIL, 2004), inclusive pela violência (SILVA, 2002). Dados do Disque 100 indicam que é no
âmbito familiar que estão os/as principais autores/autoras da violação de direitos da criança e do
adolescente, como podemos verificar na Tabela 1 abaixo:

22
Tabela 1: Autores/Autoras de violência contra crianças e adolescentes, 2011 a 2019, Brasil

ANO TOTAL AGENTE VIOLADOR*


DE DENÚNCIAS
MÃE PAI MADRASTA/ TIO/ PRÓPRIA VIZINHO PROFESSOR DESCONHECIDOS
PADRASTO TIA VÍTIMA
2011 144870 19,49% 9,86% 3,70% 3,66% 0,06% 3,07% 2,04% 16,82%
2012 331070 35,57% 18,57% 6,18% 3,66% 0,07% 2,58% 1,84% 12,47%
2013 318314 35,67% 17,77% 5,96% 3,49% 0,02% 2,43% 1,13% 9,63%
2014 231350 37,18% 17,64% 6,09% 3,33% 0,01% 2,09% 1,09% 5,90%
2015 196250 40,06% 18,16% 5,23% 3,35% 0,02% 1,76% 0,84% 3,27%
2016 177418 41,25% 17,97% 6,49% 3,37% 0,01% 1,89% 0,83% 1,87%
2017 203433 37,44% 17,48% 5,99% 3,51% 0,00% 1,83% 0,86% 1,52%
2018 181299 37,64% 18,47% 6,37% 3,53% 0,00% 1,53% 0,87% 1,13%
2019 195133 40,23% 18,29% 6,48% 3,10% 0,00% 1,36% 0,90% 0,96%

Fonte: Tabela elaborada pelos autores a partir do Balanço Geral 2011 a 2019 do Disque 100 (Relação entre vítimas e suspeito)
* O Banco de Dados do Disque 100 enumera diversos outros autores como avós, diretores de escolas, amigos, padrinho/madrinha, etc. A nossa proposta consiste em apresentar alguns
daqueles que estão inseridos no âmbito familiar da criança ou do adolescente, bem como agentes externos.

23
A tabela apresenta variados autores de violação de direitos das crianças e dos adolescentes
que constam no banco de dados do Disque 100. A partir dos dados, verifica-se que grande parte
das situações de violência ocorrem no espaço familiar, tendo a mãe e o pai, respectivamente,
como os principais agentes violadores. Sendo seguido pelos padrastos e madrastas, de modo que
podemos observar que aqueles que comumente compõem o cotidiano da criança/adolescente
são os principais agentes violadores.

Também a partir dos dados do Disque 100 buscamos apresentar quais são os principais tipos
de violência praticada contra crianças e adolescentes (Tabela 02) a fim de podermos conhecer a
realidade social a qual intervimos:

Tabela 02: Principais tipos de violência praticados contra crianças e adolescentes, 2011 a
2019, Brasil
TIPO DE DENÚNCIAS POR ANO TOTAL
VIOLÊNCIA 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Violência
41.800 60.397 52.890 39.164 34.119 32.040 33.105 30.962 33.374 357.851
Física
Violência
36.536 63.858 62.538 44.752 36.794 33.860 39.561 37.160 36.304 391.363
Psicológica
Exploração
do Trabalho 2.241 11.158 9.942 5.660 4.542 4.690 5.355 3.868 4.245 51.701
Infantil
Violência
70 629 837 481 514 1.230 3.299 4.535 5.134 16.729
Institucional
Violência
28.525 37.726 31.895 22.840 17.583 15.707 20.330 17.073 17.029 208.708
Sexual
Negligência 51.772 88.750 91.159 67.831 58.567 54.304 61.416 55.375 62.020 591.194

Fonte: Tabela elaborada pelos autores a partir do Balanço Geral 2011 a 2019 do Disque 100 (Tipo de Violação)

Observamos que a negligência é o principal ato praticado, de forma que podemos concluir que
a omissão acerca dos cuidados demandados por crianças e adolescentes é uma prática recorrente.
Em seguida, a violência psicológica, física e sexual.

A violência institucional também é um aspecto que merece atenção, uma vez que estamos
ao longo de todo esse curso tratando da Lei 13.431 de 2017, que tem, especialmente, o intuito de
prevenir esse tipo de situação. Vejamos que, desde a promulgação da referida legislação, os casos
vêm sendo mais fortemente notificados do que nos primeiros seis anos (2011-2016) apresentados
na tabela.

O trabalho infantil também é exposto e necessita ser pontuado, pois conforme apontam Alves,
Santos e Santos (2016) esse caracteriza-se como um indicador da situação de vulnerabilidade
socioeconômica das famílias. Neste caso, a própria família está em desproteção e requer
acompanhamento.

24
As tabelas abaixo apresentam informações acerca da violência infanto-juvenil no ano de 2020.
Consideramos ser necessário trazer esses dados, pois o ano de 2020 foi um ano atípico em razão
do contexto pandêmico vivenciado.

1º SEMESTRE ANO 2020 / PERÍODO: 01/01/2020 A 30/06/2020


NÚMERO DE DENÚNCIAS: 53.525 // NÚMERO DE VIOLAÇÕES: 266.930
Jan/2020 Fev/2020 Mar/2020 Abr/2020 Mai/2020 Jun/2020 Total
9.978 9.830 9.784 7.541 8.495 7.897 53.52S

TIPO DE
Jan/2020 Fev/2020 Mar/2020 Abr/2020 Mai/2020 Jun/2020 Total
VIOLAÇÃO(•)
Vlolência
8.163 8.046 8.074 6.224 6.891 6.398 43.796
Física
Violênda
7.970 8.173 8.117 6.384 7.196 6.674 44.514
Psicológica
Abuso sexual
109 227 144 101 138 168 887
físico
Estupro 1.332 1.189 1.259 961 1.083 910 6.734
Exploração
190 112 110 117 107 123 759
sexual

2º SEMESTRE ANO 2020 / PERÍODO: 01/07/2020 A 31/12/2020


NÚMERO DE DENÚNCIAS: 41.722 / / NÚMERO DE VIOLAÇÕES: 101.403
Jul/2020 Ago/2020 Set/2020 Out/2020 Nov /2020 Dez/2020 Total
7.404 7.008 7.289 7.047 6.447 6.527 41.722

TIPO DE
Jul/2020 Ago/2020 Set/2020 Out/2020 Nov /2020 Dez/2020 Total
VIOLAÇÃO(•)
Vlolência
3.582 3.742 4.863 4865 4.422 4.667 26.141
Física
Violênda
1.684 959 4.647 4.521 4.230 4.496 20.537
Psicológica
Abuso sexual
407 591 626 597 583 534 3.338
físico
Estupro 185 208 370 377 425 420 1985
Exploração
135 117 157 162 174 173 918
sexual
Fonte: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/maio/CartilhaMaioLaranja2021.pdf

25
Os dados estão divididos em dois períodos: primeiro e segundo semestre de 2020, sendo que
no primeiro semestre há maior número de notificações.

Nos primeiros seis meses a violência psicológica aparece como principal tipo de violência
praticada, seguida da violência física e do estupro. Ainda, todos os tipos de violência sofrem
pequenas variações, ora reduzindo, ora aumentando.

No segundo semestre a violência física é a principal forma de violência cometida. Em seguida,


há a violência psicológica. Entretanto, quando comparado ao semestre anterior há uma redução
no número de denúncias.

O abuso sexual físico sofre um aumento significativo, saindo de 887 casos denunciados para
3.338. Mas o estupro sofre uma redução, enquanto a exploração sexual aumenta.

Recorde que, na primeira aula deste curso, quando estudamos as questões históricas do
SGDCA, constatamos que as violências contra crianças e adolescentes praticadas em ambiente
familiar não são um fenômeno recente. Os casos de maus-tratos, negligência, abuso físico e sexual,
abandono, etc. são encontrados em inúmeros relatos históricos (SILVA, 2002; RASCOVSKY, 1974;
AZEVEDO; GUERRA, 1993).

Essa situação é obscurecida pelas crenças existentes em torno da idealização de um tipo de


família, enaltecendo-a como espaço de proteção, amor e cuidado. Isso faz com que a cultura
seja uma determinante na construção da ideia do que seja violência contra esses sujeitos,
pois ao estabelecer normas, costumes e valores, ela determina, também, como os indivíduos
se relacionam, criando possibilidades para que os adultos abusem de sua autoridade sobre as
crianças e adolescentes (SILVA, 2002).

Neste sentido, percebemos que a família é idealizada como unidade de proteção e amor das
crianças e dos adolescentes. Porém, quando isso não ocorre, ela é classificada como disfuncional,
desestruturada, e responsabilizada por suas vulnerabilidades (GARCIA; OLIVEIRA, 2017).

Isso nos leva a refletir sobre o espaço familiar. Não a partir de uma ótica culpabilizante, que
responsabiliza os indivíduos e o grupo familiar por suas condições; mas sim, compreendendo
que, nos últimos séculos, as famílias passaram por inúmeras transformações que, muitas vezes, as
fragilizam, fazendo com que seu papel protetivo não seja alcançado.

As mudanças ocorridas na sociedade, tanto no âmbito econômico, quanto no cultural,


promoveram alterações radicais nos grupos familiares (BRASIL, 2004). Algumas delas tornaram
as famílias mais vulneráveis, inserindo a ideia de que a família também precisa ser cuidada e
protegida para que possa promover o cuidado e a proteção de seus membros.

É a partir desse processo de vulnerabilização que o Estado torna a família merecedora de


sua proteção. Por meio da assistência social, o Estado se propõe a atender as necessidades dos
indivíduos e das famílias a fim de garantir que ela tenha condições para proteger, cuidar e incluir
os seus membros (BRASIL, 2004; SIMÕES, 2009).
26
2.2 A OFERTA DO SUAS: UNIDADES E SERVIÇOS
Partindo dessas assertivas, qual é o papel preponderante do SUAS no Sistema de Garantia de
Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência?

REALIZAR O ATENDIMENTO E O ACOMPANHAMENTO DA CRIANÇA OU DO


ADOLESCENTE VÍTIMA OU A TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA E SUAS FAMÍLIAS COM
O INTUITO DE EVITAR A CONTINUIDADE E A REPETIÇÃO DA VIOLÊNCIA, FORNECER
SUPORTE PARA SUPERAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO SOFRIDA E
PREVENIR AGRAVOS, LIMITANDO-SE AO CUMPRIMENTO DA SUA FINALIDADE DE
PROTEÇÃO SOCIOASSISTENCIAL (Brasil (2020))

Neste sentido, compete ao SUAS, por meio dos serviços prestados por suas unidades
socioassistenciais, ofertar o atendimento e o acompanhamento a crianças e adolescentes em
situação de violência e suas famílias. É papel do SUAS viabilizar os elementos necessários para
superar as consequências da situação vivenciada e evitar a continuidade ou recorrência da
violência.

Para tanto, o SUAS prevê a oferta de uma grande variedade de serviços que tem por objetivo
proporcionar proteção social5 a quem dele necessitar. Entretanto, vamos nos concentrar na
estrutura e oferta desse sistema no que concerne promover proteção à criança e ao adolescente em
situação de violência ou testemunha de violência. É papel do SUAS, considerando as seguranças
socioassitenciais que lhe competem e a articulação com as demais políticas públicas, viabilizar os
elementos necessários que possibilitem a superação das consequências da situação vivenciada e
evitar a continuidade ou recorrência da violência..

Pensando nesse público específico, o SUAS pode ser subdividido em dois níveis de proteção
social, a básica e a especial:

• Proteção Social Básica: É destinada à população que vive em situação de vulnerabilidade


social em razão de condições de pobreza, privação (ausência de renda, precário ou
nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivos,
relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou
por deficiências, dentre outras). Tem como objetivo prevenir situações de risco e o
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2004). Desse modo, cabe à
proteção social básica proteger e promover o acesso de indivíduos e famílias aos direitos,
proteger os sujeitos das violências e violações de direitos ou agravos de vulnerabilidades
(BRASIL, 2020).É nesse nível de proteção, a proteção social básica, que são desenvolvidos
serviços, programas e projetos de convivência e socialização de famílias e de indivíduos,
enfrentamento das vulnerabilidades, prevenção de violências e outras violações e são,
majoritariamente, ofertados os benefícios eventuais (BRASIL, 1993; 2004).

5 Proteção social entendida a partir de Brasil (2004,2020) como as formas institucionalizadas que a sociedade
constrói e organiza com o intuito de proteger parte dos seus membros, isto é, para garantir a vida, à redução dos danos
e a prevenção das incidências de risco. Assim, a proteção social é um conjunto que abarca diversos aspectos como
segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar. 27
• Proteção Social Especial: É destinada à população que se encontra em situação de risco
pessoal e social em razão de abandono, trabalho infantil, situação de violência, uso de
substâncias psicoativas, entre outras condições de violação de direitos (BRASIL, 2004).
Os serviços, programas ou projetos desenvolvidos no âmbito da proteção social especial
têm por objetivo preservar a integridade dos sujeitos, recuperar os danos decorrentes de
situações de violações de direitos, superar os padrões violadores e fortalecer as famílias no
desempenho da sua função protetiva e de suas condições de autonomia (BRASIL, 2020).
Deve-se destacar que a proteção social especial se subdivide em níveis de complexidade:
média e alta.

• Proteção Social Especial de Média Complexidade: Compreende ações voltadas


para indivíduos e famílias que tiveram seus direitos violados, mas não houve
rompimento dos vínculos familiares e/ou comunitários.

• Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Envolve as ações destinadas a


indivíduos e famílias que se encontram sem referência e/ou em situação de ameaça,
de forma que necessitam ser retiradas de seus núcleos familiares e/ou comunitários
e de intervenções que promovam proteção integral como moradia, higienização,
trabalho protegido e alimentação (BRASIL, 2004).

Após essa breve explanação sobre a organização do SUAS, fica mais fácil compreender como
funcionam as unidades de atendimento e os serviços ofertados pela rede socioassistencial,
permitindo-nos identificar quais equipamentos ou serviços integram a rede de atendimento e
proteção da criança e do adolescente em situação de violência.

No tocante às unidades de atendimento, destacaremos os Centros de Referência da Assistência


Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), por se
constituírem como unidades de referência da proteção social básica e proteção social especial de
média complexidade, respectivamente. No entanto, o SUAS prevê, ainda, a existência de outras
unidades como os Centros de Referência Especializado para a População em Situação de Rua
(Centros POP)6 e os Centros-Dias de Referência, que são equipamentos destinados às pessoas com
deficiência ou pessoas idosas. No âmbito da proteção social especial de alta complexidade estão
previstos os serviços de acolhimento que são ofertados em diferentes modalidades como Abrigo
Institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem, Residência Inclusiva, República e Família Acolhedora.

O quadro abaixo apresenta os serviços oferecidos pelo SUAS que compõem a rede de proteção
da criança e do adolescente, demonstrando o serviço, sua descrição e/ou seu objetivo e o nível de
proteção ao qual pertence.

6 Importante destacar que os Centros de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centros
POP) são destinados a adultos em situação de rua, no entanto, realizam atendimento à criança desde que essas estejam
acompanhadas dos pais ou dos responsáveis legais (BRASIL, 2020).

28
NÍVEL DE UNIDADE DE
SERVIÇO DESCRIÇÃO
PROTEÇÃO OFERTA

É o trabalho social com famílias, de caráter continuado, destinado


às famílias em situação de vulnerabilidade social. Tem por obje-
SERVIÇO DE PROTE- tivo fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura
ÇÃO E ATENDIMENTO dos vínculos, promover o acesso aos direitos e contribuir para a
CRAS
INTEGRAL À FAMÍLIA melhoria da qualidade de vida. Ainda, prevê o desenvolvimento
(PAIF) de potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento
de vínculos familiares e comunitários, abrangendo atividades que
proporcionam a troca de informações.

O serviço é organizado em grupos, segundo os ciclos de vida dos


PROTEÇÃO SO- usuários. Complementa ao PAIF e tem entre os seus objetivos pre-
CIAL BÁSICA SERVIÇO DE CONVI- CRAS e Centros
venir a institucionalização e segregação dos indivíduos; promover
VÊNCIA E FORTALECI- de Convivência
o acesso a direitos, serviços, benefícios e informações; fortalecer
MENTO DE VÍNCULOS referenciados
os vínculos familiares e comunitários; estimular o desenvolvi-
(SCFV) ao CRAS
mento de competências pessoais e fortalecer a autonomia dos
sujeitos.

SERVIÇO DE PROTE- O serviço tem como objetivo: a prevenção de agravos que pos-
ÇÃO SOCIAL BÁSICA sam provocar o rompimento de vínculos familiares e comunitá-
DOMICÍLIO DO
NO DOMICÍLIO PARA rios; a garantia de direito e o desenvolvimento de mecanismos de
USUÁRIO
PESSOAS COM DEFICI- inclusão social; o desenvolvimento de autonomia dos sujeitos; e
ÊNCIA E IDOSOS fornecer igualdade de oportunidades e participação.

Serviço de apoio, orientação e acompanhamento de famílias que


SERVIÇO DE PROTE- contenham um ou mais membros em situação de ameaça ou
ÇÃO E ATENDIMENTO violação de direitos. São desenvolvidas ações direcionadas para a
ESPECIALIZADO A promoção de direitos; a preservação e o fortalecimento de víncu-
CREAS
FAMÍLIAS E INDIVÍDU- los familiares e comunitários; fortalecimento da função protetiva
OS (PAEFI) das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabili-
zam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social.

SERVIÇO DE PROTE- O serviço provê a atenção socioassistencial e o acompanhamento


ÇÃO SOCIAL A ADO- de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas
LESCENTES EM CUM- em meio aberto. Desenvolve ações com o intuito de contribuir
PRIMENTO DE MEDIDA para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida
CREAS
SOCIOEDUCATIVA DE pessoal e social dos adolescentes e jovens. Tem dentre os seus
LIBERDADE ASSISTIDA objetivos: o fortalecimento da convivência familiar e comunitária
(LA) E DE PRESTAÇÃO e o possibilitar acessos e oportunidades que promovam a amplia-
DE SERVIÇOS À COMU- ção do universo informacional e cultural e o desenvolvimento de
NIDADE (PSC) habilidades e competências.

DOMICÍLIO DO
PROTEÇÃO SO- Oferta de atendimento especializado a famílias com pessoas USUÁRIO
CIAL ESPECIAL SERVIÇO DE PROTE- com deficiência e idosos com algum grau de dependência, que CENTRO-DIA
MÉDIA COM- ÇÃO SOCIAL ESPECIAL tiveram suas limitações agravadas por violações de direito. O CREAS
PLEXIDADE PARA PESSOAS COM serviço tem o intuito de promover a autonomia, inclusão social e UNIDADES
DEFICIÊNCIA, IDOSAS E a melhoria da qualidade de vida dos participantes, bem como a SOCIOASSIS-
SUAS FAMÍLIAS prevenção do acolhimento e a segregação dos usuários e a pro- TENCIAIS (re-
moção de apoio às famílias na tarefa de cuidar. ferenciada ao
CREAS)
Serviço ofertado para indivíduos e famílias que vivem em situação
de rua, isto é, que utilizam as ruas como espaço de moradia e so-
SERVIÇO ESPECIALIZA-
brevivência. Desenvolve atividades direcionadas para o desenvol-
DO PARA PESSOAS EM CENTRO-POP
vimento de sociabilidades, com o intuito de fortalecer os vínculos
SITUAÇÃO DE RUA
interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de
novos projetos de vida.

O serviço consiste na realização de trabalho social de aborda-


CREAS,
gem e busca ativa que identifique, no território de referência, a
CENTRO-POP
SERVIÇO ESPECIALIZA- incidência de trabalho infantil, exploração sexual de crianças e
ENTIDADE SO-
DO EM ABORDAGEM adolescentes, situação de rua, dentre outras. Tem dentre os seus
CIOASSISTEN-
SOCIAL objetivos: identificar famílias e indivíduos com direitos violados;
possibilitar o acesso à rede socioassistencial e promover ações
para a reinserção familiar e comunitária.
CIAL (referencia-
da ao CREAS) 29
NÍVEL DE UNIDADE DE
SERVIÇO DESCRIÇÃO
PROTEÇÃO OFERTA
Serviço de acolhimento voltado para indivíduos ou famílias com
vínculos familiares rompidos ou fragilizados. Há variadas mo-
dalidades que destinam-se a públicos diferentes. No tocante às
crianças e aos adolescentes, configura-se acolhimento provisório
e excepcional para crianças e adolescentes que estão sob medida
SERVIÇO DE ACOLHI- de proteção e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias
CASA-LAR
MENTO INSTITUCIO- ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados
NAL de cumprir sua função de cuidado e proteção. Crianças e adoles-
ABRIGO INSTI-
centes, desde que acompanhados de suas famílias ou responsá-
TUCIONAL
veis, também podem ser acolhidos nas Serviços de Acolhimento
para Adultos e Famílias, voltados ao atendimento de indivíduos e
famílias em situação de rua, migração, ausência de residência ou
em trânsito e sem condições de auto sustento.
PROTEÇÃO SO-
CIAL ESPECIAL
ALTA COMPLE- Serviço destinado a crianças e adolescentes sob medida de pro- UNIDADE DE
XIDADE teção, responsável por organizar e acompanhar o acolhimento REFERÊNCIA DA
na casa de famílias previamente selecionadas, capacitadas e PROTEÇÃO SO-
SERVIÇO DE ACOLHI-
habilitadas pela equipe técnica do Serviço. No caso das crianças CIAL ESPECIAL
MENTO EM FAMÍLIA
e adolescentes que estão em processo de reintegração familiar, E
ACOLHEDORA
a equipe acompanha também as famílias de origem, garantindo RESIDÊNCIA DA
que tenham acesso a benefícios e serviços que permitam a supe- FAMÍLIA ACO-
ração dos motivos que levaram ao acolhimento de seus filhos LHEDORA.

UNIDADES RE-
SERVIÇO DE PROTE-
Serviço destinado a oferta de apoio a indivíduos e famílias atingi- FERENCIADAS
ÇÃO EM SITUAÇÕES
dos por situações de emergência ou calamidade pública. Fornece AO ÓRGÃOS
DE CALAMIDADES
alojamentos provisórios, atenções e provisões materiais, confor- GESTOR DA
PÚBLICAS E DE EMER-
me as necessidades detectadas. ASSISTÊNCIA
GÊNCIAS
SOCIAL

Fonte: Quadro elaborado pelos autores a partir de informações contidas em Brasil (2009) e Brasil (2020)

A partir desse quadro, é possível conhecer a variedade de serviços ofertados no SUAS que,
dentre outros públicos, atendem também às crianças e aos adolescentes. Tais serviços permitem às
equipes profissionais identificarem e atuarem sobre ameaça ou situação de violação de direitos em
conjunto com os demais atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança ou do Adolescente
Vítima ou Testemunha de Violência de forma integral.

Vale ressaltar que as crianças, os adolescentes e suas famílias podem ser atendidos por mais
de um serviço socioassistencial, concomitantemente, inclusive em níveis de proteção diferentes,
já que entre alguns serviços há relação de complementaridade. Isto é, além da garantia de um
atendimento integral, o SUAS pressupõe o atendimento de demandas diversas caracterizadas como
objeto de intervenção da política de assistência social. Nessa direção, os serviços socioassistenciais
são orientados a atuarem de forma integrada e articulada, com referência e contrarreferência
(BRASIL, 2020).

A fim de simplificar esse conteúdo, elaboramos o fluxo, abaixo, que relaciona as unidades e os
serviços socioassistenciais e onde são ofertados:

30
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

PROTEÇÃO SOCIAL
BÁSICA
CRAS

SERVIÇO DE
PROTEÇÃO SOCIAL
BÁSICA NO PAIF SCFV¹
DOMICÍLIO PARA
PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA E
IDOSAS²

PROTEÇÃO SOCIAL
ESPECIAL

MÉDIA ALTA
COMPLEXIDADE COMPLEXIDADE

SERVIÇO DE ACOLHIMENTO
CENTRO DIA CREAS CENTRO POP
INSTITUCIONAL

SERVIÇO DE PAEFI SERVIÇO ESPECIALIZADO


PARA PESSOAS EM SERVIÇO DE ACOLHIMENTO
PROTEÇÃO SOCIAL
SITUAÇÃO DE RUA EM FAMÍLIA ACOLHEDORA
ESPECIAL PARA
PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA,
IDOSAS E SUAS SERVIÇO DE PROTEÇÃO EM
FAMÍLIAS4 SERVIÇO DE PROTEÇÃO SITUAÇÕES DE
SOCIAL A ADOLESCENTES CALAMIDADES PÚBLICAS E
EM CUMPRIMENTO DE DE EMERGÊNCIAS
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
DE LIBERDADE ASSISTIDA
(LA) E DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS À COMUNIDADE
(PSC)

SERVIÇO ESPECIALIZADO
EM ABORDAGEM SOCIAL³

Fonte: Fluxo elaborado pelas autoras a partir de informações contidas em Brasil (2009).
¹ O SCFV também pode ser realizado nos Centros de Convivência referenciados ao CRAS.
² O SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NO DOMICÍLIO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E IDOSAS é ofertado no
domicilio do usuário;
³ O SERVIÇO DE ABORDAGEM SOCIAL também pode ser desenvolvido em unidades referenciadas ao CREAS;
4 O SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, IDOSAS E SUAS FAMÍLIAS pode ser
desenvolvido no domicilio do usuário, em centros-dia, no CREAS ou em unidade referenciada a este último.

Importante ressaltar, mais uma vez, que nem todos os municípios dispõem dessa variedade
de serviços, seja por conta de limitações orçamentárias, insuficiência de demanda, características
demográficas, entre outros pontos. Dessa forma, cabe a cada profissional da rede socioassistencial
conhecer a realidade do seu território e agir conforme as suas possibilidades.

31
2.3 GESTÃO E GOVERNANÇA DO SUAS NO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA
Nosso objetivo, neste tópico, é sistematizar e reforçar
uma série de informações acerca do papel dos órgãos
gestores da assistência social no Sistema de Garantia de
Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha
de Violência.

Ao longo do nosso curso, observamos a necessidade


de a gestão da unidade socioassistencial e/ou do serviço
assumir a corresponsabilidade na relação com a rede pelo
atendimento realizado pelo/pela profissional. Salientamos
que as ações de articulação da assistência social com outras
políticas da rede de proteção devem ser coordenadas e
induzidas pelo órgão gestor da assistência social e não por
um/uma único/única profissional.

Todavia, as atribuições dessa instância não se limitam a esses aspectos, como veremos a
seguir.

De início, é fundamental entender que no processo de estruturação da política municipal ou


distrital de assistência social, onde se concebe o Plano Municipal de Assistência Social, o órgão
gestor da política deve assumir o compromisso com a proteção do segmento infanto-juvenil. Para
isso, é preciso que se planeje o orçamento; a oferta de serviços socioassistenciais; as condições
materiais que devem ser implementadas e/ou reformuladas; as capacitações que devem ser
promovidas; entre outras questões, a fim de assegurar a proteção integral a crianças e adolescentes
e, em especial, aqueles em situação de violência.

Ainda no tocante ao planejamento, cabe ao órgão gestor da política de assistencial social,


participar do processo de criação do Plano Municipal de Prevenção e Atendimento de Crianças e
Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência, visto que esse é o documento norteador das
ações destinadas a proteger a criança e o adolescente. Sendo assim, é fundamental a participação
das políticas setoriais na construção de estratégias coletivas.

É, também, responsabilidade da gestão assegurar a participação da política de assistência


social nas comissões intersetoriais locais, às quais cabe a elaboração e pactuação de fluxos de
atendimento e de compartilhamento de informações no Sistema de Garantia de Direitos, o
planejamento da oferta de capacitações intersetoriais para a rede, bem como a articulação das
ações (BRASIL, 2020). À gestão também cabe o diálogo com a sociedade civil e os conselhos de
direitos, fortalecendo e endossando a participação dos técnicos nos espaços de controle social
e intersetorialidade, colocando as possibilidades e desafios para implementar determinadas
deliberações, entre outros.

32
Deve o órgão local, gestor da assistência social, estabelecer junto aos órgãos do Sistema
de Justiça, os fluxos e protocolos de encaminhamentos, de troca de informações, entre outros,
buscando garantir uma relação igualitária, não de subordinação, e prevenir a intimidação das
equipes técnicas (BRASIL, 2016; 2020). A relação de subordinação tende a fragilizar o caráter
protetivo do SUAS à medida que impõe o uso dos relatórios produzidos pelos/pelas profissionais das
equipes de referência das unidades socioassistenciais, como documentos de caráter investigativo
e fiscalizador, ou seja, para fins diferentes das atribuições do SUAS, como, por exemplo, a realização
de Perícia, inquirição de vítimas e acusados, oitiva para fins judiciais, produção de provas de
acusação.

Cabe reforçar que os encaminhamentos realizados pelo Poder Judiciário devem ser direcionados
à gestão da política que, por sua vez, encaminhará às unidades e aos serviços socioassistenciais.

Por exemplo, cabe ao/à secretário(a) de assistência social construir diálogo com sistema de
justiça, ministério público, etc., mediando as demandas que são de responsabilidade do SUAS
e informando e justificando quando determinadas solicitações não possam ser atendidas, seja
porque fogem ao escopo do SUAS ou porque a forma de realização pode estar equivocada
ou/e com prazos exíguos, e sua realização poderia implicar em prejuízos para a continuidade
dos atendimentos pelo CREAS. Por exemplo: quando um/uma profissional atende uma família
e identifica a violação de direitos e precisa continuar atendendo a família, construindo com a
família e com apoio institucional e o acesso a direitos como forma de prevenção de agravamentos
ou reincidência, favorecendo que as famílias estabeleçam outras formas de convívio em que os
conflitos não sejam enfrentados com violência. Quando o/a profissional é intimado/intimada a
ser testemunha em processos, o vínculo de confiança com a família pode ser rompido e o SUAS
deixa de cumprir sua missão institucional. Dessa forma, a gestão pode mediar as solicitações,
filtrando e facilitando fluxos e comunicação com a justiça e, em outros casos, sugerindo outros
encaminhamentos. Ou seja, possibilita que alinhe expectativas, crie previsibilidade e demonstra a
intencionalidade e a corresponsabilidade de proteção das crianças, adolescentes e suas famílias.
O que não seria possível quando os profissionais são oficiados diretamente sem essa mediação
fundamental. Por isso, se faz necessário o estabelecimento de protocolo e fluxo entre o SUAS e o
Sistema de Justiça. Abordaremos essa questão com mais detalhes no Módulo 4.

Por fim, é dever dos órgãos gestores da assistência social promover a realização de ações de
educação permanente e/ou facilitar a participação dos/das profissionais em ações dessa natureza
com o intuito de garantir, permanentemente, a qualidade do atendimento.

O quadro abaixo traz uma síntese dos deveres da gestão local da política de assistência social:

33
1. Coordenar as ações de articulação da rede de proteção;

2. Assumir, durante o processo de planejamento da política municipal de assistência


social, o compromisso com a proteção da criança e do adolescente, evidenciando
esse compromisso por meio de ações contidas no Plano Municipal de Assistência
Social;

3. Colaborar com o processo de construção de estratégias coletivas de prevenção e


atendimento de crianças e adolescentes vítima ou testemunha de violência;

4. Assegurar a participação da política de assistência social nas comissões


intersetoriais locais;

5. Estabelecer junto dos órgãos do Sistema de Justiça, os fluxos e protocolos de


encaminhamentos e de troca de informações;

6. Promover a realização de ações de educação permanente e/ou facilitar a


participação dos profissionais em ações afins.

(BRASIL (2016; 2020))

2.4 A INTERSETORIALIDADE NA LEI 13.431


Ao longo do curso viemos destacando a importância
do trabalho intersetorial no SGDCA e de como as políticas
públicas, os serviços e os programas precisam se articular
para atender integralmente às crianças e aos adolescentes
vítimas ou testemunhas de violência.

Neste sentido, destacamos dois órgãos fundamentais


para o trabalho intersetorial em defesa dos direitos da
criança e do adolescente: O CONANDA e o CMDCA.

O CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) está previsto no


artigo 88 da Lei no 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e foi criado em 1991 pela
Lei nº 8.242. É o principal órgão do sistema de garantia de direitos e integra a estrutura básica do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como órgão colegiado permanente, de
caráter deliberativo e composição paritária.7

7 https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-
da-crianca-e-do-adolescente-conanda/conanda#:~:text=Criado%20em%201991%20pela%20Lei,e%20do%20
Adolescente%20(ECA).
34
Por meio da gestão compartilhada, governo e sociedade civil definem, no âmbito do Conselho,
as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e
Adolescentes. Além de contribuir para a definição das políticas para a infância e a adolescência,
o Conanda também fiscaliza as ações executadas pelo poder público no que diz respeito ao
atendimento da população infanto-juvenil.

A gestão do Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA) também é uma importante
atribuição do Conselho. É ele o responsável pela regulamentação sobre a criação e a utilização
desses recursos, garantindo que sejam destinados às ações de promoção, proteção e garantia dos
direitos de crianças e adolescentes, conforme estabelece o ECA.

São atribuições do CONANDA:

• Fiscalizar as ações de promoção dos direitos da


infância e adolescência executadas por organismos
governamentais e não-governamentais;
• Definir as diretrizes para a criação e o funcionamento
dos Conselhos Estaduais, Distrital e Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos
Conselhos Tutelares;
• Estimular, apoiar e promover a manutenção de
bancos de dados com informações sobre a infância
e a adolescência;
• Acompanhar a elaboração e a execução do orçamento da União, verificando se estão
assegurados os recursos necessários para a execução das políticas de promoção e defesa
dos direitos da população infanto-juvenil;
• Convocar, a cada três anos, conforme a Resolução nº 144, a Conferência Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
• Gerir o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA).

Outro órgão de fundamental importância é o CMDCA (Conselho Municipal da Criança e do


Adolescente),composto de forma paritária, isto é, as pessoas que integram este conselho são
representantes de Órgãos Públicos e da Sociedade Civil de forma igualitária. O CMDCA cuida dos
registros das entidades que prestam atendimento às crianças e adolescentes e, também, gerencia e
estabelece os critérios de utilização de recursos dos fundos de direitos da criança e do adolescente
municipais. No entanto, sua principal obrigação é cuidar da promoção dos direitos da criança e do
adolescente, zelando sempre para que tenham prioridade absoluta e proteção integral.

O CMDCA é responsável pela criação das políticas públicas no município que promoverão
35
os programas e projetos voltados ao atendimento das crianças e adolescentes, principalmente
quanto ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência comunitária,
à família, à educação, à profissionalização, à cultura, ao lazer, à proteção no trabalho e sugerindo
medidas de proteção em situação de risco8.

São atribuições do CMDCA:

• a) acompanhar, monitorar e avaliar as políticas no seu âmbito;


• b) divulgar e promover as políticas e práticas bem-sucedidas;
• c) difundir junto à sociedade local a concepção de criança e adolescente como sujeitos de
direitos e pessoas em situação especial de desenvolvimento, e o paradigma da proteção
integral como prioridade absoluta;
• d) conhecer a realidade de seu território e elaborar o seu plano de ação;
• e) definir prioridades de enfrentamento dos problemas mais urgentes;
• f) propor e acompanhar o reordenamento institucional, buscando o funcionamento
articulado em rede das estruturas públicas governamentais e das organizações da
sociedade;
• g) promover e apoiar campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente;
• h) propor a elaboração de estudos e pesquisas com vistas a promover, subsidiar e dar mais
efetividade às políticas;
• i) participar e acompanhar a elaboração, aprovação e execução do PPA (Plano Plurianual),
LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) e LOA (Lei Orçamentária Anual) locais e suas execuções,
indicando modificações necessárias à consecução dos objetivos da política dos direitos da
criança e do adolescente;
• j) gerir o Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescentes no sentido de definir a
utilização dos respectivos recursos por meio de plano de aplicação. Vale destacar que não
compete ao Conselho a execução ou ordenação dos recursos do Fundo, cabendo ao órgão
público ao qual se vincula a ordenação e execução administrativas desses recursos;

36
8 https://crianca.mppr.mp.br/pagina-1128.html.
• k) acompanhar e oferecer subsídios na elaboração legislativa local relacionada à garantia
dos direitos da criança e do adolescente;
• l) fomentar a integração do Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Segurança Pública
na apuração dos casos de denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou
entidade que versem sobre ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente;
• m) atuar como instância de apoio no nível local nos casos de petições, denúncias e
reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade, participando de audiências ou
ainda promovendo denúncias públicas quando ocorrer ameaça ou violação de direitos da
criança e do adolescente, acolhendo-as e dando encaminhamento aos órgãos competentes;
• n) integrar-se com outros órgãos executores de políticas públicas direcionadas à criança e
ao adolescente e demais Conselhos setoriais.

Cabe ainda ao Conselho Municipal e Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente:


(Redação dada pela Resolução CONANDA nº 116/2006)

• o) registrar as organizações da sociedade civil sediadas em sua base territorial que prestem
atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, executando os programas
a que se refere o art.90, caput, e, no que couber, as medidas previstas nos artigos 101, 112
e 129, todos da Lei nº 8.069/90;
• p) inscrever os programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas
famílias na sua base territorial, tanto os executados por entidades governamentais quanto
por organizações da sociedade civil;
• q) recadastrar as entidades e os programas em execução, certificando-se de sua contínua
adequação à política traçada para a promoção dos direitos da criança e do adolescente;
• r) regulamentar, organizar e coordenar o processo de escolha dos conselheiros tutelares,
seguindo as determinações da Lei nº 8.069/90 e da Resolução nº 75/2001 do Conanda;
• s) instaurar sindicância para apurar eventual falta grave cometida por conselheiro tutelar
no exercício de suas funções, observando a legislação municipal pertinente ao processo
de sindicância ou administrativo/disciplinar, de acordo com a Resolução nº 75/2001 do
Conanda.9

Neste momento, traremos um caso que exemplifica uma ação concreta de trabalho
intersetorial.

Juliano é o terceiro filho de uma família composta por cinco filhos e mora com a mãe,
os irmãos e o padrasto. Aos seis anos, começou a frequentar o Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos em uma instituição, numa cidade de médio porte.
Após dois meses na instituição, a assistente social observou que a criança chegava,
todos os dias, com sono, desmotivada e mal vestida, com roupas muito maiores que seu
tamanho e sempre suja e mal cheirosa. Algumas vezes, ia sem cueca, meia e descalço.
9 http://crianca.mppr.mp.br/pagina-1128.html#res116

37
A instituição, então, forneceu todo o vestuário e calçados para a criança. Quase todos
os dias era necessário providenciar um banho antes de iniciar as atividades. No início
do terceiro mês, Juliano chegou com feridas por todo o corpo, inclusive na cabeça.
Foi, então, realizada uma visita na casa de Juliano e identificaram que ele estava
com sarna e que a mãe necessitava de cuidados relacionados à saúde, pois estava
bem debilitada. A escola onde Juliano estava matriculado já havia informado que a
mãe estava com tuberculose. A mãe contou que quem arruma Juliano para ir para a
instituição é o irmão mais velho, Kayo. Há poucos sinais de cuidado e limpeza na casa:
foram vistas roupas espalhadas pelo chão, bem como brinquedos, sapatos e alimentos
vencidos.
Os quatro cães da família dormem na mesma cama que as crianças. Um dos irmãos,
Roberto, 10 anos, cadastrado para as atividades na entidade e já desligado, estava em
trabalho infantil de "aviãozinho" para traficantes. Enquanto esteve na entidade (por dois
meses), Roberto demonstrou pouco interesse em participar das atividades propostas
e tinha dificuldade em respeitar os adultos, regras e combinados, falava palavras de
baixo calão para se comunicar. Usava os colegas mais novos como "escudo" para se
livrar de suas responsabilidades quando era chamada a sua atenção.
Após várias tentativas frustradas de comunicação com a família, profissionais da escola
pediram, por intermédio da instituição, para conversar com a mãe, pois viam que as
crianças recebiam pouco ou quase nenhum cuidado. Foi aí que a instituição teve a
ideia de chamar outros profissionais, que também acompanhavam a família: uma
conselheira do Conselho Tutelar, a assistente social do Núcleo Ampliado de Saúde da
Família e Atenção Básica, a supervisora da escola, a psicóloga do Centro de Referência
da Assistente Social e a diretora e a coordenadora de projetos da instituição que
atendia as crianças no contraturno escolar.
Foi realizada uma reunião para que cada setor colocasse seu ponto de vista sobre a
situação, e, num segundo momento, os responsáveis pela criança, respectivamente
a mãe e o padrasto, seriam, também, chamados. Na reunião foi esclarecido aos
responsáveis o papel da família no cuidado e na educação dos filhos, sobre os deveres
e direitos das crianças, bem como as consequências da negligência e do abandono dos
filhos.
Ao término da conversa, ficou acordado que a mãe observaria com mais cuidado a
higiene e a rotina dos filhos. A instituição continuaria a atender as crianças com
atividades voltadas para os direitos das crianças e adolescentes e fortalecimento dos
vínculos familiares e, para a mãe, roda de conversa semanal com um grupo de mulheres,
para orientar no cuidado dos filhos e participação no grupo de geração de renda. A
assistente social e a psicóloga fariam visitas semanais à casa para acompanhar a família,
acompanhar o tratamento da tuberculose, dar orientação e realizar o encaminhamento
do Kayo, maior de idade, para o Acessuas Trabalho, programa que o orientará com
vistas à sua inserção no mundo do trabalho. A psicóloga se comprometeu a realizar
atendimento semanal para Roberto.
A supervisora da escola se disponibilizou a construir, junto com os demais profissionais,
um plano individualizado de atendimento às crianças, tendo como foco o cuidado
pessoal e noções de higiene; também fariam acompanhamento individualizado para
que pudessem acompanhar o aprendizado da turma, pois estavam em defasagem
escolar. O conselho tutelar se responsabilizou em conseguir vagas para os filhos mais

38
novos nos centros de educação infantil e também em oficializar à Vara da infância
sobre os encaminhamentos da rede e da família. A equipe se comprometeu a se
reunir mensalmente para o acompanhamento da família e estudo de outros casos que
requerem atenção.

O que foi feito no caso de Juliano é um trabalho articulado em rede, ou seja, uma demanda
é constatada, gerando a necessidade de comunicar, acionar, articular, diferentes setores para
elaborar estratégias de ação tendo como ponto de partida o planejamento, a realização e a
avaliação de ações.

Os encaminhamentos do caso dependeram da ação articulada de cada setor, à qual chamamos


de "intersetorialidade", isto é, o reconhecimento de que apenas um setor não atende de forma
integral todas as necessidades da pessoa. É a soma das forças de cada setor que garante a efetivação
dos direitos das crianças e adolescentes, de maneira especial, àqueles que estão em situação de
vulnerabilidade.

Os sistemas de assistência social, saúde, educação, judiciário, o Conselho Tutelar, os Conselhos


de direitos têm formas específicas de olhar, de pensar e de agir em determinada situação e, dentro
de suas atribuições, devem colaborar harmoniosamente para o controle, a defesa e proteção dos
direitos das crianças e dos adolescentes.

Sendo assim, é necessário reunir diferentes áreas de atuação para compreender a complexidade
de cada situação e atuar de maneira eficaz no atendimento intersetorial. O ponto essencial deste
atendimento é colocar a pessoa no centro de toda ação, sendo imprescindível articular uma
comunicação eficaz, dividir as tarefas e reconhecer as potencialidades de cada setor envolvido na
demanda. Instersetorializar é dividir o poder de ação que cada setor tem em mãos; é enxergar a
mesma situação com olhares distintos e desenvolver a forma mais assertiva de atuação.

Dessa forma, tanto a comissão como o pacto intersetorial pela escuta protegida, que serão
tratados adiante, são esforços governamentais já no sentido de promover a intersetorialidade.

2.5 COMISSÃO INTERSETORIAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS


E ADOLESCENTES
Pensando sob a ótica da intersetorialidade, o governo federal editou o Decreto de 11 de
outubro de 2007 que formalizou a Comissão Interministerial de Enfrentamento à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes, coordenada pelo atual Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMFDH). Esta comissão tinha como principal objetivo contribuir de maneira
eficaz para o enfrentamento, a prevenção e o combate ao problema.

39
A Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes,
atualizada pelo Decreto nº 10.701, de 17/05/2021, tem as seguintes atribuições específicas
segundo o art. 8º:

• I - criar, monitorar e avaliar o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças


e Adolescentes de forma articulada com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente - Conanda;
• II - formular propostas de políticas, de programas, de projetos e de ações relacionados com
o enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente;
• III - elaborar proposta de sistematização e de divulgação de materiais teórico-metodológicos
sobre o enfrentamento à violência contra a criança e o adolescente; e
• IV - formular propostas de ações e de políticas públicas relacionadas com o Plano Nacional
de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes de forma articulada
com o Conanda.

Vale lembrar que a comissão intersetorial foi a responsável por articular a criação dos
"Parâmetros de escuta especializada de crianças e adolescentes em situação de violência". Em
síntese:

A Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra


Crianças e Adolescentes é o principal fórum de atuação do governo federal
na temática. Instituída pelo Decreto de 11 de outubro de 2007, consiste
num espaço permanente, composto por representantes dos órgãos
do Poder Executivo federal, cujo objetivo é conferir maior agilidade e
efetividade no desenvolvimento de estratégias voltadas ao enfrentamento
das violações contra crianças e adolescentes, por meio do mapeamento
dos contextos vulneráveis e a articulação das diversas políticas públicas
voltadas para esse público. O tratamento intersetorial trouxe diversos
avanços na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Permitiu, por exemplo, que se trabalhasse, de forma sistemática, com
várias frentes simultâneas de proteção: a justiça, as autoridades policiais,
as organizações não governamentais, as entidades governamentais de
apoio à infância e à adolescência e de desenvolvimento social. (BRASIL,
2017, p.18)

Obs: A Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra


Crianças e Adolescentes foi extinta em 2019 e substituída pela Comissão
Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes,
atualizada pelo Decreto nº 10.701, de 17/05/2021

40
2.6 PACTO NACIONAL PELA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 13.431/2017

Imagem retirada do site do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Com a criação da Lei 13.431/2017, foram realizadas pesquisas sobre a ineficiência ou ausência
de um fluxo geral de atendimento para o Depoimento Especial de crianças e adolescentes
vítimas ou testemunhas de violência. Uma dessas pesquisas foi intitulada de "A oitiva de crianças
no Poder Judiciário Brasileiro10", produzida pelo Conselho Nacional de Justiça, pela qual se
constatou a necessidade da criação de outros instrumentos para a implantação da lei em todo o
país. Neste sentido, é que diferentes signatários articularam e elaboraram o Pacto Nacional para
implementação da Lei 13.431/2017, em 13 de junho de 2019, que tem como objetivo

...a conjugação de esforços para, mediante atuação integrada entre os


pactuantes, estabelecer mecanismos para a concretização do sistema de
garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de
violência, conforme preconizado pela Lei nº 13 .431/2017. (BRASIL 2019,
p.3).

Este Pacto foi um ato Interinstitucional, o que garante o trabalho intersetorial nos âmbitos
federal e estadual, preconizado na Lei 13.431/2017, e contou com os seguintes signatários: a Casa
Civil da Presidência da República, os ministérios da Educação, da Saúde, da Cidadania e da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos, O Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública da União
(DPU), o Colégio Nacional de Defensores Públicos, e o Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil.

Com a assinatura do Pacto e oficialização do Fluxo Geral (anexado na plataforma), envolveu-se


toda a rede de proteção na expectativa de se ter uma

visão global do atendimento a ser oferecido, deixando claras as


competências de cada ator, os fluxos de comunicação para outros atores e
quais as formas de encaminhamento para outros serviços, de forma que a
vítima (e, em muitos casos, sua família) tenham seus direitos assegurados.
(BRASIL, 2019, p.3).11

10 Estudo com foco na implementação da Recomendação n. 33/2010 do CNJ e da Lei n. 13.431/2017.


11 https://legado.justica.gov.br/seus-direitos/politicas-de-justica/EJUS/arquivos/pacto-nacional-lei-1-431-de-04-
04-2017-assinado.pdf

41
Vejamos o que o Pacto Nacional nos trouxe de inovador?

• Criação de um fluxo geral de atendimento;


• Clareza na metodologia de ação;
• Criação de Instrumentais para compartilhamento de informações;
• Premiação pelas boas práticas para implementação da Lei 13.431/2017.

SAIBA MAIS:
O Pacto pela Escuta Protegida tem por objetivo o estabelecimento de princípios e
regras gerais básicos a serem observados pelos pactuantes no desenvolvimento de
ações intersetoriais e interinstitucionais, a serem executadas de forma integrada e
coordenada, numa conjugação de esforços necessários à implementação da Lei nº
13.431/2017, tendo em vista:
I- o estabelecimento de diretrizes para a atenção e proteção integral e interinstitucional
de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências;
II- o estabelecimento de protocolos de depoimento especial, de criança e adolescente
vítima ou testemunha de violência, perante autoridade policial ou judiciária com a
finalidade de produção de provas, que visem assegurar seu direito de ser ouvida em
qualquer procedimento judicial ou administrativo que Ihe diga respeito, diretamente
ou por intermédio de representante ou órgão apropriado, em conformidade com
legislação vigente (ans 22 e 25 do Decreto 9.603/18 e art 12 da Convenção sobre os
Direitos das Crianças);
III- a garantia da escuta especializada com o objetivo de assegurar o acompanhamento
da vítima ou testemunha de violência para contribuir na superação das consequências
da violação, em cumprimento à finalidade de proteção e provimento de cuidados;
IV - a criação de matriz intersetorial de capacitação para os profissionais do sistema de
garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência;
V - a definição de metodologia específica e condições de trabalho adequadas para os
profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência;
VI - a criação de fluxos e da regulação necessária em cada instituição responsável
pela elaboração de políticas públicas voltadas à proteção dos direitos das crianças e
adolescentes, com a participação e escuta dos integrantes do Pacto;
Vll - a criação de prêmio com o objetivo de identificar, divulgar e difundir boas práticas
que contribuam para implementação e aperfeiçoamento da Lei nº 13.431/2017 e
do Decreto nº 9603/201 8, com participação de representantes dos pactuantes nas
seleções e avaliações;
Vlll - a criação de modelo de registro e compartilhamento de informações do
atendimento, no sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, observados
os aspectos ético-legais e o regime de trâmite em segredo de justiça;
IX - o desenvolvimento de campanhas educativas integradas;
X - a garantia da acessibilidade aos espaços de atendimento da criança e do adolescente
vítima ou testemunha de violência (art. 6º, do Decreto nº 9603/201 8);

42
XI - o incentivo à realização de acordos de cooperação ou instrumentos congêneres
entre as instituições para a a realização do depoimento especial, sempre que possível,
em sede de produção antecipada de provas, nos tempos da legislação pertinente;
Xll - o monitoramento e avaliação da implementação da Lei 13.431/2017 e do Decreto
9.603/2018.
Fonte: Cláusula 2ª do Pacto Nacional para Implementação da Lei 13.431

Finalmente, observamos que o princípio do Pacto é a redução do número de escutas no


processo, evitando que a criança/adolescente fale repetidas vezes sobre a violência vivida ou
testemunhada, ou seja, uma proposta estruturada e eficaz para evitar a revitimização. Desta forma,
por meio do pacto, que é um espaço de articulação de políticas, se criou o Fluxo que propõe ações
articuladas a ser construído e personalizado por cada município de acordo com as peculiaridades
e condições da rede local (MPSP 2020, p.64).

No módulo 4, estudaremos sobre o Fluxo Geral elaborado no Pacto Nacional, desta forma você
poderá compreender melhor a efetivação do trabalho intersetorial na Lei 13.431/2017.

Assim, encerramos este módulo. Esperamos ter contribuído, significativamente, para o


conhecimento da Lei e de como torná-la acessível aos interessados na defesa e garantia dos
direitos das crianças e adolescentes.

Nos encontramos no módulo 4. Até breve!

43
REFERÊNCIAS E
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
NORMAS:

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência


Social e dá outras providências. Diário Oficial da União de 08 de dezembro de 1993, online.
Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Recomenda


aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas
ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. Brasília: CNJ, 2010.
Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/878>. Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. SECRETARIA


NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Nota Técnica Nº 02. Nota Técnica sobre a relação entre o
Sistema Único de Assistência Social- SUAS e os órgãos do Sistema de Justiça. Brasília: MDS/SNAS,
2016. Disponível em: < https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/nota_
tecnica_120520016.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da


criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário Oficial da União de 05 de abril de 2017,
online. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.
htm>. Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a Lei nº 13.431, de 4


de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente
vítima ou testemunha de violência. Diário Oficial da União de 11 de dezembro de 2018 [online].
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2018/decreto/D9603.htm>
Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de


Assistência Social. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Resolução nº
109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.
Brasília: MDS, 2 reimpressões, p. 7-64, 2014. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/
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44
BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Secretaria Nacional
de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social - PNAS/ 2004. Brasília: MDS/SNAS,
2005. 178 p. Disponível em:<http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/
Normativas/PNAS2004.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. PACTO NACIONAL PELA IMPLEMENTAÇÃO


DA LEI Nº13.431, DE 04 DE ABRIL DE 2017, QUE ESTABELECE O SISTEMA DE GARANTIA DE
DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA. Brasília.
2019. Disponível em: < https://www.justica.gov.br/seus-direitos/politicas-de-justica/EJUS/
pactodaescutaprotegida >. Acesso em: 19 mar. 2021.

LIVROS E ARTIGOS:

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Infância e Violência


Doméstica: Fronteiras do Conhecimento. São Paulo: Cortez, 1993.

BRASIL. MINISTÉRIO DA CIDADANIA. Secretaria Especial de Desenvolvimento Social. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Parâmetros de atuação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha
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mds.gov.br/redesuas/wpcontent/uploads/2020/03/SUAS_garantia_direitos_crian%C3%A7as_
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BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.. Secretaria Nacional de


Assistência Social. Departamento de Proteção Social Básica. Concepção de convivência e
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ALVES, L. P.; SANTOS, V. S.; SANTOS, J. F. INFÂNCIA, VULNERABILIDADE E SITUAÇÃO DE RISCO


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POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. MAPEAR: 2019/2020: Mapeamento dos Pontos Vulneráveis


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SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. São Paulo: Cortez, v.3 2009. 560p.

SUGESTÃO BIBLIOGRÁFICA

CALS, C. R.; GIRÃO, I.; MOREIRA; M. A. Direitos de Crianças e Adolescentes: Guia de


Atendimento. Fortaleza, 2007.

46
MINISTÉRIO DA CIDADANIA
Ministro da Cidadania
João Roma

Secretaria Executiva
Luiz Galvão

Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação


Ronaldo França Navarro

DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO


Diretor:
Bruno Baranda Cardoso

Coordenação Geral de Disseminação:


Amaliair Cristine Atallah

Equipe técnica:
Gustavo André Bacellar Tavares de Souza
Gustavo Vellozo Barreira
Natália da Silva Pessoa

SECRETARIA ESPECIAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL


Robson Tuma

SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL


Maria Yvelônia dos Santos Barbosa

DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL


Diretor:
Danyel Iório de Lima

Coordenação-Geral de Serviços Especializados à Famílias e Indivíduos:


Márcia Pádua Viana

Equipe técnica:
Deusina Lopes da Cruz
Flávia Renata Lemos de Souza
Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons –
Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0
Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, para fins
não comerciais, desde que citada a fonte e que licenciem as novas criações sob termos idênticos.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade


Federal de Viçosa – Campus Viçosa

Castro, Claudia Gomes de, 1979-


C355a Atenção no SUAS à criança e ao adolescente vítima ou
2021 testemunha de violência [recurso eletrônico] : apostila
completa / Claudia Gomes de Castro, Rita de Cássia Cesarino
[e] Gabriela Santos Gomes ; coordenador Marcelo José Braga --
Viçosa, MG : IPPDS, UFV, 2021.
1 apostila eletrônica ( [161 p.]) : il. color.

Disponível em: http://www.mds.gov.br/ead/


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-66148-20-6

1. Sistema Único de Assistência Social (Brasil). 2.


Assistência a menores. 3. Crianças e violência. 4.
Adolescentes e violência. I. Cesariano, Rita de Cássia, 1978-.
II. Gomes, Gabriela Santos, 1997-. III. Braga, Marcelo José,
1969-. IV. Brasil. Ministério da Cidadania. V. Universidade
Federal de Viçosa. Instituto de Políticas Públicas e
Desenvolvimento Sustentável. VI. Título.

CDD 22. ed. 362.70981

Bibliotecária responsável: Alice Regina Pinto Pires CRB6 2523

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