1956 Manual Do Peregrino 2a Edicao 5722

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MANUAL DO PEREGRINO

CAMINHANDO COM OS EXERCÍCIOS


ESPIRITUAIS DE INÁCIO DE LOYOLA
Do Catálogo da EDITORIAL AO

Exercícios Espirituais
Santo Inácio de Loiola

Rezar com Inácio de Loiola


Jacqueline Bergan e Marie Schwan, csj

A Oração do Exame – Sabedoria Inaciana para as Nossas Vidas no Tempo


Presente
Timothy M. Gallagher, omv

Sempre em Discernimento – Uma Espiritualidade Inaciana para o Novo


Milénio
Joseph A. Tetlow, sj

O Discernimento dos Espíritos – Um Guia Inaciano para a Vida Quotidiana


Timothy M. Gallagher, omv
António Vaz Pinto, SI

MANUAL DO PEREGRINO
CAMINHANDO COM OS EXERCÍCIOS
ESPIRITUAIS DE INÁCIO DE LOYOLA

2.ª Edição
Capa
Romão Figueiredo

Paginação
Editorial AO

Impressão e Acabamentos
Sersilito, Empresa Gráfica, Lda.

Depósito Legal nº
495924/22

ISBN
978-972-39-0937-1

1.ª edição
Junho de 2003

2.ª edição
Fevereiro de 2022

Com todas as licenças necessárias

©
SECRETARIADO NACIONAL DO APOSTOLADO DA ORAÇÃO
Rua S. Barnabé, 32 – 4710-309 BRAGA | Tel.: 253 689 443
livraria.apostoladodaoracao.pt | [email protected]
www.redemundialdeoracaodopapa.pt
ÍNDICE GERAL

NOTA PRÉVIA À 2.ª EDIÇÃO.................................................... 13

PARTE I – PRÓLOGO ................................................................ 15

Cap. 1 – AS RAZÕES DE SER DE UM TÍTULO ...................... 17

Cap. 2 – ORIGEM, FINALIDADE E UTILIZAÇÃO DESTE


LIVRO .......................................................................................... 25
§ 1 – Origem deste livro ............................................................ 25
§ 2 – Finalidade e utilização ...................................................... 26

Cap. 3 – O LIVRO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS ............. 30


§ 1 – Génese ............................................................................. 30
§ 2 – A finalidade dos EE .......................................................... 32
§ 3 – A estrutura do livro dos EE .............................................. 34
§ 4 – A escola de oração ............................................................ 40
§ 5 – Os exames de consciência ................................................. 55
§ 6 – O acompanhamento espiritual ......................................... 60
§ 7 – O discernimento espiritual ............................................... 66
§ 8 – A eleição ou reforma de vida ............................................ 70

PARTE II – ENTRADA ................................................................ 75

Cap. 4 – PARA ACOMPANHAR A PEREGRINAÇÃO ............... 77


§ 1 – Eucaristia – Sugestão de textos ......................................... 77
§ 2 – Alguns fundamentos e orações cristãs ............................... 79

Cap. 5 – INDICAÇÕES GERAIS ................................................ 81


§ 1 – EE: indicações gerais......................................................... 81
§ 2 – Oração: indicações gerais................................................... 84
§ 3 – Para fazer bem os EE (das «Anotações» e «Adições» dos EE). 86
§ 4 – A oração nos EE (Síntese) .................................................... 91

7
Manual do Peregrino

Cap. 6 – O PRESSUPOSTO (EE 22)............................................ 92


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 92
Alternativas de oração.............................................................. 93
§ 2 – Jesus em casa de Simão (Lc 7, 36-50) ............................... 93
§ 3 – A parábola do semeador (Mt 13, 1-9; 18-23) ................... 96
§ 4 – A revelação aos pequeninos (Mt 11, 25-30; Lc 10, 21-22) 97

PARTE III – 1.ª SEMANA


CRIAÇÃO, PECADO E CONVERSÃO....................................... 99

Cap. 7 – INTRODUÇÃO À 1.ª SEMANA ................................... 101


Considerações gerais ............................................................... 101

Cap. 8 – PRINCÍPIO E FUNDAMENTO .................................. 109


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 109
§ 2 – Princípio e Fundamento (1.ª Parte) (EE 23) - notas teológicas 109
Alternativas – textos de oração ................................................ 113
§ 3 – A confiança no Amor do Pai (Lc 12, 22-34; Mt 6, 24-34) 113
§ 4 – O amor como princípio e fundamento (Jo 15, 9-17) ........ 115
§ 5 – A proposta de Deus em Jesus Cristo (Jo 1, 35-51) ............ 116
§ 6 – Construir sobre a rocha (Mt 7, 21-27) ............................. 118
§ 7 – Princípio e Fundamento (2.ª parte) – (EE 23) ................... 119
Alternativas – textos de oração ................................................ 121
§ 8 – Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10) ............................................ 121
§ 9 – As parábolas dos talentos e das «minas» (Mt 25, 14-30;
Lc 19, 11-28) .................................................................... 122

Cap. 9 – PECADO, PERDÃO E CONVERSÃO ......................... 125


§ 1 – Notas teológicas ............................................................... 125
§ 2 – Notas espirituais ............................................................... 129
§ 3 – Pecado – 1.º exercício: Meditação dos três pecados ........... 131
§ 4 – Pecado – 2.º exercício: A minha história de pecado .......... 137
§ 5 – Pecado – 3.º exercício: repetição, tríplice colóquio, resumo... 140
§ 6 – Tentação, pecado mortal e venial, confissão ...................... 142
§ 7 – Ponto de situação ............................................................. 148

8
Índice Geral

Cap. 10 – EXAME DE CONSCIÊNCIA E CONFISSÃO ........... 150


Alternativas – textos de oração ................................................ 160
§ 1 – Repetição: o pecado como lepra (Lc 17, 11-19) ................ 160
§ 2 – Repetição: o pecado como cegueira (Lc 18, 35-43)............ 162
§ 3 – Repetição: o pecado como paralisia (Mc 2, 1-12)............... 163
§ 4 – Repetição: o pecado como morte (Lc 7, 11-17) ................ 165
§ 5 – A purificação do pecado (Jo 2, 13-22) .............................. 168
§ 6 – O perdão de Deus (Lc 15 1-3; 11-32) .............................. 169
§ 7 – Notas soltas sobre o pecado .............................................. 172

Cap. 11 – REGRAS DE DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS


(RDE) (313-336) .......................................................................... 175
§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 175
§ 2 – RDE mais próprias da 1.ª semana .................................... 180

PARTE IV - 2.ª SEMANA – SEGUINDO JESUS ........................ 187

Cap. 12 – INTRODUÇÃO À 2.ª SEMANA ................................. 189


Considerações gerais ............................................................... 189

Cap. 13 – MEDITAÇÃO DO «REINO» E «OBLAÇÃO DE MAIOR


ESTIMA E MOMENTO» (91-98)................................................ 203
§ 1 – O chamamento de Jesus Cristo ........................................ 203
§ 2 – «Oblação de maior estima e momento» ............................ 205
§ 3 – «A meditação do Reino» (91-98) ...................................... 208
Alternativas – textos de oração................................................. 213
§ 4 – A fé cristã adulta (Mt 16, 13-28) ...................................... 213
§ 5 – Os primeiros discípulos (Jo 1, 35-51)................................ 216
§ 6 – Transição – Do Reino à Incarnação .................................. 218
§ 7 – Prática da oração – contemplação (EE 106-108) .............. 221

Cap. 14 – INCARNAÇÃO – ANUNCIAÇÃO ............................. 223


§ 1 – Incarnação - Humildade (Lc 1, 26-38) ............................. 223
§ 2 – Pobreza cristã ................................................................... 227
§ 3 – Nascimento de Jesus (Lc 2, 1-20) ..................................... 231

Cap. 15 – VIDA LAICAL OU CONSAGRADA? ......................... 236


§ 1 – Introdução ....................................................................... 236

9
Manual do Peregrino

§ 2 – Vida familiar e laical (Lc 2, 39-40; 51-52) ........................ 238


§ 3 – Vida consagrada ao Reino (Lc 2, 41-52; 9, 57-62) ............ 243

Cap. 16 – A VIDA PÚBLICA DE JESUS .................................... 247


§ 1 – O batismo e a missão de Jesus (Mt 3, 13-17; Lc 4, 14-22 a) 247
§ 2 – Transição: «Reino» – duas bandeiras – três binários – três
graus de humildade .......................................................... 250

Cap. 17 – DUAS BANDEIRAS (136-147): NOTAS TEOLÓGI-


CAS E TRÊS COLÓQUIOS ......................................................... 254
Alternativas – textos de oração ................................................ 257
§ 1 – Tentações e critérios da vida cristã (Mt 4, 1-11; Lc 3, 1-13) 257
§ 2 – As Bem-aventuranças (Mt 5, 1-16) ................................... 261

Cap. 18 – TRÊS BINÁRIOS OU TRÊS GÉNEROS DE HOMEM


(149-159) ...................................................................................... 263
§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 263
Alternativas – textos de oração ................................................ 267
§ 2 – Jesus caminha sobre as águas (Mt 14, 22-33) .................... 267
§ 3 – Marta e Maria (Lc 10, 38-42) ........................................... 269
§ 4 – O jovem rico e as riquezas (Mt 19, 16-30; Lc 18, 18-30) 270

Cap. 19 – TRÊS GRAUS DE HUMILDADE (164-168) ............. 272


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 272
Alternativas – textos de oração ................................................ 276
§ 2 – Os filhos de Zebedeu (Mt 20, 17-28) ............................... 276

Cap. 20 – PONTO DE SITUAÇÃO E COMPLEMENTOS ....... 279


Alternativas – textos de oração complementares para a
2.ª semana ................................................................................ 281
§ 1 – A Comunidade do Reino e a Lei Nova, a Lei do Amor
(Lc 6, 12-16; 27-38; Mt 5, 38-48) ..................................... 281
§ 2 – A Comunidade cristã modelo (At 2, 42-47)...................... 286
§ 3 – A oração (Lc 9, 28-36; Mt 6, 5-15; Lc 11, 1-13; Jo 17, 1-26) 287
§ 4 – A transfiguração (Lc 9, 28-36; Mt 17, 19) ........................ 290
§ 5 – A missão do Reino (Lc 10, 1-20; 6, 12-13; 9, 1-6.10-17) ..... 292
§ 6 – A missão cristã - multiplicação dos pães (Lc 9, 1-17) ........ 295
§ 7 – O sinal de Caná (Jo 2, 1-12) ............................................. 296

10
Índice Geral

Cap. 21– REGRAS DE DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS


(RDE) MAIS PRÓPRIAS PARA A 2.ª SEMANA (328)............... 298
§ 1 – O contexto e as regras ...................................................... 298

Cap. 22 – NOTAS SOBRE OS ESCRÚPULOS (345-351) ......... 302


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 302
§ 2 – As notas ........................................................................... 304

Cap. 23 – REGRAS PARA A DISTRIBUIÇÃO DE ESMOLAS


(337-344) ...................................................................................... 306
§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 306
§ 2 – As regras ........................................................................... 309

PARTE V - 3.ª SEMANA – A PAIXÃO E MORTE DE JESUS .... 311

Cap. 24 – INTRODUÇÃO À 3.ª SEMANA – A PAIXÃO E MOR-


TE DE JESUS ............................................................................... 313
Considerações gerais ............................................................... 313
§ 1 – Notas teológicas ............................................................... 317
§ 2 – Indicações de oração ......................................................... 322
Alternativas – textos de oração ................................................ 324
§ 3 – O grão de trigo (Jo 12, 20-26) .......................................... 324
§ 4 – Lava-pés (Jo 13, 1-17) ...................................................... 325
§ 5 – Eucaristia (Lc 22, 7-20; 1 Cor 11, 23-26; Jo 6) ................. 327
§ 6 – Agonia, prisão, traição e negação (Lc 22, 31-62) ............... 333
§ 7 – Julgamentos e ultrajes (Lc 22, 63 – 23, 25) ....................... 336
§ 8 – Julgamentos e ultrajes de Jesus (Jo 18, 20 – 19, 16) .......... 339
§ 9 – Crucifixão, morte e sepultamento (Lc 23, 26-49) ............. 342
§ 10 – Crucifixão, morte e sepultamento (Jo 19, 16-37) ............ 345
§ 11 – Repetições da 3.ª Semana ............................................... 349

Cap. 25 – REGRAS PARA ORDENAR-SE NO COMER (210-217) 350


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 350
§ 2 – As regras ........................................................................... 353

PARTE VI - 4.ª SEMANA – A RESSURREIÇÃO DE JESUS ...... 355

Cap. 26 – INTRODUÇÃO À 4.ª SEMANA – A RESSURREIÇÃO


DE JESUS ..................................................................................... 357

11
Manual do Peregrino

Considerações gerais ............................................................... 357


§ 1 – Notas teológicas ............................................................... 362
§ 2 – Indicações de oração ......................................................... 365
Alternativas – textos de oração ................................................ 366
§ 3 – Sepulcro vazio, missão e ascensão (Lc 24, 1-12; 36-53) ..... 366
§ 4 – Aparição a Maria Madalena (Jo 20, 11-18) ....................... 368
§ 5 – Jesus, a Comunidade e o Espírito. Tomé (Jo 20, 19-23; 24-31) 370
§ 6 – A grande pescaria – apostolado, alimento, primado, se-
guimento e esperança (Jo 21, 1-25) .................................. 373
§ 7 – Peregrinos em direção à Jerusalém celeste (Lc 24, 13-35)... 375
§ 8 – Ascensão, oração e Pentecostes (At 1, 1-14; 2, 1-24a) ....... 377

Cap. 27 – CONTEMPLAÇÃO PARA ALCANÇAR AMOR ........ 379


§ 1 – Nota teológico-espiritual .................................................. 379
§ 2 – Contemplação para alcançar amor (ad amorem) (230-237) 384

Cap. 28 – TRÊS MODOS DE ORAR .......................................... 387


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 387
§ 2 – 1.º Modo ou maneira de orar (238-248) .......................... 388
§ 3 – 2.º Modo de orar (249-257) ............................................. 390
§ 4 – 3.º Modo de orar (258-260) ............................................. 391

Cap. 29 – REGRAS PARA SENTIR COM A IGREJA ................. 393


§ 1 – Nota prévia ...................................................................... 393
§ 2 – As regras ........................................................................... 407

PARTE VII – A PEREGRINAÇÃO CONTINUA ........................ 413

Cap. 30 – A PEREGRINAÇÃO CONTINUA .............................. 415

Anexos – GUIÕES DE EXERCÍCIOS ......................................... 425

Cap. 31 – GUIÕES DE EXERCÍCIOS ........................................ 427


§ 1 – Percurso misto .................................................................. 428
§ 2 – Segundo São Lucas ........................................................... 433
§ 3 – Segundo São João ............................................................. 438
§ 4 – Segundo o Espírito Santo ................................................. 443

12
Cap. 1 – As razões de ser de um título

A vida como peregrinação

O Homem, de um modo ou de outro, só ou acompanhado, ca­minha


pela estrada da vida. Nasce, isto é, parte para a vida e conforme as
oportunidades e a sua liberdade, segue um percurso, mais ou menos
demorado, até chegar ao termo final, a sua morte. Procura saber de
onde vem, para onde vai, qual o caminho a seguir para lá chegar. O
Homem, qualquer homem, é peregrino sobre a Terra, não tem aqui
a sua morada permanente.

Esta ideia de considerar a vida como peregrinação está para lá até


do sentido religioso e ultrapassa as fronteiras das diversas religiões.
Mas, pela sua estrutura própria, encontra a sua máxima realidade e
expressão na tradição bíblica e cristã. Lembremos Abraão, o nosso
pai na fé, chamado por Deus a abandonar a sua família e terra e a
pôr-se a caminho até à Terra que o Senhor promete dar-lhe em he-
rança (Gn 12,1-3); lembremos Moisés que libertando Israel da es­
cravidão do Egito, conduz o Povo peregrinante através dos 40 anos
de deserto, até chegar à vista da Palestina, a Terra Prometida, «onde
brota leite e mel». Lembremos ainda o próprio Jesus que se afirma
«o caminho» para o Pai (Jo 14, 6) e que parte para «a Casa do Pai onde
há muitas moradas», a preparar-nos um lugar (Jo 14, 1-4): «vós sabeis
para onde Eu vou e conheceis o caminho» (Jo 14, 4). Lembremos,
por fim, e tantos outros exemplos seriam possíveis, a «peregrinação

17
Parte I – Prólogo

pascal» narrada por São Lucas dos dois discípulos que regressam de-
sanimados a Emaús, que o «divino peregrino» acompanha, a quem
se dá a reconhecer e a quem inverte a orientação da caminhada,
peregrinando agora da Jerusalém terrestre, através de sinais, até à
Jerusalém Celeste (Lc 24, 13-35).

Numa palavra, a peregrinação é uma adequada e esplêndida metáfo-


ra da vida humana e sobretudo da vida cristã.
Que eu saiba, S. Inácio de Loyola, em referência ao livro dos Exercí-
cios Espirituais (EE), de que tantas vezes fala nos vários documentos
e correspondência, não utiliza a expressão peregrinação ou peregri-
nar. No entanto, como adiante se irá percebendo, creio que é to-
talmente legítimo e fundado considerar os EE como um itinerário
determinado de peregrinação cristã: do Amor criador e redentor de
Deus, o verdadeiro «princípio e fundamento», seguindo a experiên-
cia concreta e terrena de Jesus Cristo, o «Caminho», mergulhando
com Ele no mistério do sofrimento e da morte, até à comunhão
com Ele, agora, pela graça do Espírito Santo, um dia, na plenitude
definitiva da comunhão, sem véus, na glória da Jerusalém Celeste.

Os EE, em toda a sua estrutura, com os diversos passos e momentos,


são pois, para nós, um esplêndido itinerário de peregrinação cristã.

É este, portanto, o nosso pressuposto e a nossa abordagem dos EE:


considerá-los como um «Manual», um itinerário da vida cristã, expe-
rimentado e seguro, que nos é proposto no livro dos EE que temati-
za e sublinha a própria experiência vivida de Inácio de Loyola e que
agora, com toda a simplicidade, se oferece a quem quiser peregrinar,
a quem, só ou acompanhado, em retiro ou na vida quotidiana, qui-
ser fazer a experiência fascinante e transformante dos EE, um ca­
minho determinado e interior de peregrinação cristã.

18
As razões de ser de um título

Que é peregrinar?

Peregrinar não é simplesmente caminhar ou passear, apreciando a


paisagem e ao sabor das circunstâncias e correntes. Peregrinar impli-
ca antes de mais partir, sair de si e das suas circunstâncias, de algum
modo desgarrar-se e separar-se, para poder andar; mas não basta: o
peregrino tem um objetivo, uma meta a alcançar, seja Fátima, Roma
ou a Terra Santa; sabe de antemão aonde quer chegar e por isso mes-
mo, apesar de aberto ao imprevisto e à aventura, procura conhecer,
pesando as circunstâncias e as forças, qual é para si o itinerário, o ca-
minho mais adequado. O peregrino espera, portanto, chegar à meta,
ao termo, e é essa esperança de lá chegar que o faz andar e, apesar do
cansaço, não o deixa desfalecer.

A peregrinação

Vamos então partir para a nossa peregrinação cristã, seguindo este iti-
nerário concreto que é o livro dos EE, o «Manual do Peregrino», que
nos deve acompanhar ao longo de todo o percurso. Que é necessário?

Antes de mais, preparar o equipamento. Que devemos levar? Sapatos


ou botas confortáveis, chapéu para o sol e um impermeável, pois o
caminho é longo e a chuva é provável. Um bordão para ajudar nas
subidas, o «Manual» no bolso como roteiro, para não nos perdermos
e se tal acontecer... podermos facilmente voltar ao caminho. Arran-
jar também uma mochila leve, apenas o mínimo indispensável, pois
quantas mais coisas levarmos às costas, mais difícil será caminhar e
subir... É a experiência da pobreza cristã, libertadora, que também
iremos fazer, enquanto caminhamos... quantas menos coisas levar-
mos, mais leves e ligeiros...

19
Parte I – Prólogo

Aonde vamos, qual é o termo da nossa peregrinação? Fátima? Vila


Viçosa? Santiago? Santuário da Lapa? Há muito por onde escolher,
mas para nós, nesta peregrinação interior, o objetivo é claro: vamos
caminhar ao encontro do Senhor ressuscitado que nos acompanha e
nos espera, que quer fazer festa connosco, partilhar connosco a sua
vida plena e realizante... Mas até lá... quanto há ainda que caminhar,
experimentar, sofrer, suar, chorar e rir... Vamos a isso!

Escolhido o termo, o objetivo, preparado o equipamento, há que


decidir o itinerário concreto: vamos por Santarém ou por Coim-
bra? Há vários percursos possíveis, mas para nós é claro: vamos pelo
caminho mais enriquecedor, mas também o mais curto, o livro dos
EE, desse grande peregrino chamado Inácio de Loyola, que fez a ex-
periência e que a deixou escrita, para nós a podermos refazer...

Estará tudo? Ainda não. É preciso marcar o local, o dia e a hora da


partida. Mas, mais ainda, é preciso despedir-se: largar provisoria-
mente a vida habitual, a família e os amigos, talvez aproveitar as
férias ou meter alguns dias de licença, para poder arrancar. Deixar
as preocupações e ocupações habituais e, sobretudo, não deixar nú-
mero de telefone, nem levar telemóvel: vamos à aventura, vamos na
confiança em Deus, vamos entregando-nos e entregando os «nossos»
ao seu cuidado; ficam em boas mãos... e quando regressarmos serão
eles que mais aproveitarão da nossa experiência e transformação. É a
descoberta da enorme importância do corte e do silêncio, exterior e
sobretudo interior, desamparados, para aprender a ampararmo-nos
só em Deus durante a nossa peregrinação. Como dizia essa outra
grande peregrina, Santa Teresa de Ávila, «só Deus basta!»... Não bas-
ta sabê-lo, é preciso experimentá-lo.

20
As razões de ser de um título

Uma outra decisão há ainda que tomar: vamos peregrinar sozinhos


ou com outros? É uma decisão importante: caminhar sozinho é fazer
um retiro em silêncio, durante um tempo previamente determinado,
ou entrar em percurso de EE na vida corrente, num caso como nou-
tro, acompanhados por um «peregrino» mais experimentado, que
progressivamente nos vá conhecendo. Ele pode e deve sugerir a etapa
seguinte, connosco vai avaliando o caminho já andado e nos evita
caminhos desviantes, demasiado penosos; é ele ainda que nos pode
animar a retomar o passo, quando a vontade de parar, a preguiça ou
o cansaço nos batem à porta.

Peregrinar com outros tem também as suas vantagens e inconvenien-


tes: ajudar e deixar-se ajudar, puxar pela mão ou deixar-se puxar, ir
fazendo nossa a experiência dos outros e aproveitar da experiência
deles... Mas a confiança não é posta só em Deus, temos de nos sujei-
tar ao ritmo alheio e sobretudo, por vezes, os outros mais nos atra-
sam do que adiantam... Pesar as circunstâncias, escolher o que mais
nos convém, dentro do possível; mas, se em grupo, assegurar-se que
todos querem mesmo caminhar, que vão suficientemente equipados,
que estão em condições mínimas de saúde, que sabem ou querem
aprender a viver em grupo e ajudar-se mutuamente.
E, pronto, finalmente podemos partir. Mas, que devemos esperar,
não no termo da peregrinação, mas durante o percurso? O realismo
é fundamental, a ilusão só cria frustração e desânimo. Mudanças de
paisagem e mudanças de clima fazem parte da peregrinação (discer-
nimento de espíritos). Devemos esperar, antes de mais, paisagens
variadas: haverá montes a subir e a descer, dificuldades, portanto;
haverá vales abruptos e repentinos, planícies suaves e férteis: é assim
a paisagem, é assim a natureza, é assim a vida... Contar com tudo
isto e preparar-se...

21
Parte I – Prólogo

Alguns tropeções e escorregadelas também fazem parte do percurso


e, muitas vezes, é depois dos tempos difíceis, subidas, ventos contrá-
rios, obscuridade, sem conhecer qual o atalho, quando nos julgamos
já perdidos e abandonados, com vontade de desistir (desolação), que
repentinamente surge um clarão de luz que corta a treva ou que uma
inesperada paisagem nos sorri, fecunda, cheia de luz, de calor, de
alegria e de vida (consolação).

Uma vez postos a caminho, é importante também não perder tempo


a olhar para trás, presos ao passado, penoso ou gratificante, que facil-
mente nos pode prender, atrasar o passo, desviar ou até fazer desistir.
Caminhar sempre em frente, iluminados pela luz da fé e animados
pela esperança de chegar. Essa, sim, mantê-la muito viva, acalentá-la,
caminhando com ânimo, com alegria, porque o que nos espera, o
pão, o vinho, a festa valem todo o esforço e todo o caminho. Mas,
se não podemos olhar para trás, a não ser para recuperar forças, tam-
bém não podemos fazer «batota» ao ir em frente: aceitar as «boleias»
da facilidade, queimar etapas, fugindo ao que nos custa e dói; é passo
a passo, troço a troço, de etapa em etapa, que a peregrinação se vai
fazendo, numa contínua descoberta de novos horizontes, novas ex-
periências, novos desafios, até se chegar ao encontro final.
Por vezes, a paisagem é tão bonita e os encontros que se vão fazendo
tão entusiasmantes que a tentação de parar e de não ir mais adiante
nos pode seduzir. Não, não nos deixemos confundir: um oásis, com
toda a água e os seus frutos, não é ainda a Terra Prometida e espe-
rada... Não podemos ficar a meio. Mais além, sempre mais além,
orientados e atraídos pelo desejo de mais e de melhor que desde o
início nos acompanha e que nos levou a partir...

Muito se engana o peregrino que pensa que peregrinar à séria não


custa; não se engane, conte com tudo isso: cansaço, bolhas nos pés,

22
As razões de ser de um título

dores nos músculos, vontade de desistir. É a fortaleza face às dificul-


dades, a coragem de retomar o caminho, o arrancar de novo que fa-
zem a beleza da peregrinação interior... Tratar das bolhas, descansar
os músculos, dormir o suficiente é indispensável.
Mas, peregrinar não é só caminhar, não é corrida tipo «maratona»:
é preciso ir ouvindo e falando, pedindo e agradecendo, antes de
mais Àquele que sendo Palavra se faz Caminho e Peregrino (Jesus
Cristo – oração) e àqueles que fazem jornada connosco ou a quem
vamos inesperadamente encontrando na estrada da vida: amizade,
partilha, alegria. Saber parar e descansar, de vez em quando, para
retomar a caminhada com novas forças e novo ânimo, também faz
parte da arte de bem peregrinar...
Ao fim do dia, é inevitável o suor, o pó acumulado, a sujeira do ca-
minho, até; nada mais natural. E que bom é, então, lavar-se, tomar
um bom banho, de preferência quente e relaxante. No corpo, mas
também na alma (confissão), reconhecendo as fragilidades e as que-
das, as nódoas e as manchas que nos desfeiam e envergonham, mas
inevitáveis no caminho.

Está tudo? Ainda não. Falta a partilha fraterna, o olhar para o lado
e ajudar quem está mais dorido, cansado ou até com vontade de
desistir ou, quando chega a nossa hora de desfalecimento, ter a hu-
mildade de também se deixar ajudar e animar. Partilhar a amizade e
a alegria, mas também o farnel do caminho: o pão e o vinho, o leite
e a água. E, sobretudo, a ação de graças, partilhar e comungar do
mesmo Pão da Vida e Vinho da Salvação (Eucaristia).

Agora, sim, temos tudo e estamos preparados para partir, abertos ao


imprevisto, fácil ou difícil, gozoso ou doloroso, caminhando firme e
serenamente, animados pela esperança, com os dois pés do peregrino

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Parte I – Prólogo

cristão: o realismo da humildade e a força da confiança naquele que


nos envia, nos acompanha e nos espera.

Ah! Ainda falta uma coisa: pedir a Nossa Senhora da Estrada (do
Caminho) que nos acompanhe também e não esquecer de levar o ro-
teiro, o mapa desta longa caminhada pela estrada da vida, o «Manual
do Peregrino, Caminhando com os Exercícios Espirituais de Inácio
de Loyola». Poderá ser de grande utilidade...
Boa peregrinação!

António Vaz Pinto, SI

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