Assédio Moral Serviço Público PROVAS

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O ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO


E A SUA PROVA EM JUÍZO
THE MORAL HARASSMENT IN THE PUBLIC SERVICE AND ITS
PROOF IN COURT

Renata Chohfi Haik


Procuradora Federal em São Paulo
Especialista em Direito Constitucional pela ESDC
Especialista em Direito Público pela UnB

SUMÁRIO: Introdução; 1 O assédio moral; 2 O


assédio moral no âmbito do serviço público; 3 Algumas
considerações sobre o NCPC; 4 Inversão e dinamização
do ônus da prova; 5 Conclusão; Referências.
334 Publicações da Escola da AGU

RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer uma breve análise do


assédio moral e a sua ocorrência no serviço público brasileiro. Procura-
se analisar a produção probatória deste instituto em juízo, à luz da nova
legislação processual brasileira, assim como as doutrinas acerca da
dinamização do ônus da prova. Pretende-se também apontar algumas
regras sobre o tema no direito italiano e concluir pela excepcionalidade
da aplicação da teoria da dinamização do ônus da prova para os casos de
assédio moral.

PALAVRAS-CHAVE: Assédio Moral. Serviço Público. Prova em Juízo.


Ônus da Prova.

ABSTRACT: The objective of this paper is to make a brief analysis


of moral harassment and its occurrence in the Brazilian public service.
It seeks to analyse the probative production of this institute in court,
considering the new Brazilian procedural law, as well as the dynamization
of the burden of proof doctrines. It also intends to point out some
rules regarding Italian law and conclude with the exceptionality of the
application of the theory of dynamization of the burden of proof for
cases of moral harassment.

KEYWORDS: Moral Harassment. Public Service. Proof in Court.


Burden of Proof.
Renata Chohfi Haik 335

INTRODUÇÃO

Nos últimos tempos temos presenciado o aumento dos relatos de


assédio moral no âmbito do serviço público e o ajuizamento de ações
judiciais de ressarcimento (danos morais) sem, todavia, a efetiva prova de
sua ocorrência. Constatamos ainda litígios com relatos graves de assédio
moral sem ao menos a demonstração de indícios de sua existência, acrescidas
de pedido de inversão do ônus da prova já na petição inicial.
Neste artigo serão abordados, de maneira sucinta, o assédio moral
e seus aspectos, principalmente no âmbito da Administração Pública, com
críticas ao que notamos ser a banalização do instituto. Daí a necessidade de
correta interpretação e aplicação do instituto, sob pena de desvirtuamento
e até mesmo a condenação da Administração Pública no pagamento de
danos morais por ato de seu agente, o suposto assediador.
Certamente não há aqui a pretensão de esgotar esse complexo
tema, que envolve aspectos de direito material e processual civil. Todavia,
visa-se analisar os aspectos processuais acerca do direito probatório nesse
contexto e as consequências das demandas judiciais ajuizadas com objetivo
da obtenção da reparação moral em função do alegado assédio moral.

1 O ASSÉDIO MORAL

A Constituição Federal de 1988 elencou em seus fundamentos “a dignidade


da pessoa humana” (artigo 1º, inciso III) e os “valores sociais do trabalho” (artigo
1º, inciso IV), dentre outros, como fundamentos da República Federativa do Brasil,
bem como previu a proteção do meio ambiente, em seu artigo 225, entendendo
a doutrina que o mesmo inclui o meio ambiente do trabalho1.
Como decorrência da dignidade, tem o trabalhador a proteção em
face de agressões morais e físicas no ambiente de trabalho, possuindo
também o direito de não sofrer ato discriminatório2.
A importância de se trabalhar num ambiente laboral sadio
e equilibrado é vital para o ser humano eis que eventuais problemas
refletirão na vida pessoal, familiar e social. Como se sabe, os danos à
personalidade afetam o ser humano em todos os aspectos de sua vida,
além das consequências na saúde física e mental.

1 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Meio ambiente do trabalho em face do direito ambiental brasileiro. Disponível
em: <http://www.nima.puc-rio.br/aprodab/artigos/celso_antonio_pacheco_fiorillo.pdf>. Acesso em: 20
nov. 2016.
2 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; Wyzykowski, Adriana; Barros, Rodolfo Pamplona Filho, Adriana Renato
da Costa Lino de Goes. Assédio Moral laboral e direitos fundamentais. 2. ed. ampliada e revista. São Paulo:
LTr, 2016. p.110.
336 Publicações da Escola da AGU

Infelizmente, a cada dia que passa nota-se nos ambientes de trabalho


o crescente desrespeito à ética e os bons costumes. Como bem observa
Leda Maria Messias da Silva e Lanaira da Silva, “[...] manifesta-se no
mercado de trabalho posturas cada vez mais individualistas e agressivas.”3
De fato, as relações humanas estão cada vez mais complexas,
deixando os seres humanos menos pacientes e compreensivos, e impondo
metas de trabalho mais altas, muitas delas inatingíveis. Nesse contexto,
algumas vezes desfavorável, pode ocorrer, então, o assédio moral que na
definição da vitimóloga Marie-France Hirigoyen4, é
Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano
à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma
pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

Muito usual é a terminologia estrangeira para definir o assédio. Mobbing,


derivado do verbo “to mob”, está ligado a um fenômeno de perseguições coletivas
ou à violência ligada a organização, envolvendo a vítima (mobizado), o assediador
(mobber) e também os colegas cúmplices5. Já o Bulling, termo mais abrangente,
significa provocar ou intimidar alguém. Alcança desde chacotas, isolamento e até
mesmo agressões físicas, sendo usualmente referido aos casos que ocorrem no
meio escolar6. Alexandre Pandolpho Minassa7 menciona outras terminologias
com a mesma acepção de ataque para humilhar e torturar: harassment, usada
nos Estados Unidos da América, whistleblowers8, originada na Inglaterra, e ijime,
usada no Japão. O termo mobbing é utilizado na Alemanha e Itália.
Assim, pode-se definir o assédio moral como comportamentos
emitidos por uma pessoa ou um grupo em face de outra pessoa ou grupo,
por um longo período, acarretando prejuízos de ordem psicológica ou

3 SILVA, Leda Maria Messias da. O assédio moral na administração pública: um livro em prol da extinção dessa
praga. Leda Maria Messias da Silva, Lanaria da Silva. São Paulo: LTr, 2015. p. 16.
4 HIRIGOYEN, Marie France. A violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helen Huhner. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 65. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo; Wyzykowski, Adriana; Barros,
Rodolfo Pamplona Filho, Adriana Renato da Costa Lino de Goes. Assédio Moral laboral e direitos
fundamentais. 2. ed. ampliada e revista. São Paulo: LTr, 2016. p. 119.
5 SILVA, Leda Maria Messias da. O assédio moral na administração pública: um livro em prol da extinção
dessa praga. Leda Maria Messias da Silva, Lanaria da Silva. São Paulo: LTr, 2015. p. 24.
6 Ibidem, p. 24.
7 MINASSA, Alexandre Pandolpho. Assédio moral no âmbito da Administração Pública Brasileira. Leme – SP:
Habermann, 2012. p. 119-120.
8 A terminologia whistleblower também é utilizada para se referir ao denunciante interno nas ações relacionadas
ao “compliance”, conforme a enciclopédia livre Wikipédia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/
Whistleblower. Acesso em 25 jan. 2017.
Renata Chohfi Haik 337

funcional. Referidos comportamentos se caracterizam pela sutileza9 e devem


se traduzir em conduta abusiva. Devem também ser reiterados, ou seja,
se prolongar no tempo de modo que ultrapasse a mera prática ocasional
e uma simples situação de desconforto gerada no ambiente de trabalho
para se transformar num grande problema e gerar efeitos perniciosos.
Tem-se, pois, as seguintes características, apontadas por Leda
Maria Messias da Silva: uma lesão à dignidade moral do assediado; o
comportamento habitual e hostil do assediador, capaz de humilhar a vítima
assediada (elemento objetivo) e, por fim, um elemento subjetivo, qual seja,
a finalidade especifica com o propósito de desprezar o assediado10.
Não são todos os doutrinadores, entretanto, que incluem o dano à
integridade moral como elemento constitutivo do assédio moral. Rodolfo
Pamplona Filho11 explica a existência de duas correntes sobre o tema: a
primeira, que entende necessário o dano à integridade moral12; e a segunda,
a qual prega que basta a violência psicológica atentatória à dignidade, eis que
a agressão moral oriunda do assédio resta completada pela reiterada conduta
violadora da dignidade, ensejadora, por si, de lesão moral ao assediado.
Para a segunda posição, ao contrário, o dano psíquico não é elemento
constitutivo do assédio pois o que deve ser observado não é a vítima, mas
“a atitude ofensora da dignidade da pessoa humana do ofensor”. Todavia,
nesse caso, o dano psíquico deve ser considerado como um elemento da
responsabilidade civil decorrente da conduta ofensiva.
José Osmir Fiorelli também é adepto desse primeiro entendimento porque
se não há consequência detectável, funcional, perceptível pelo indivíduo e pelos
demais, é porque foi inócuo (ainda que tenha havido intenção), e, consequentemente,
irrelevante13. Afirma o autor: “[...] o assédio moral requer percepção objetiva do
dano – o efeito deve ser comprovado”14. Mais adiante, esclarece:
O “ato” de assédio deve ser observado e admoestado pelas regras de
convivência em sociedade. Todavia, mais uma vez ressaltamos que o

9 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 19.
10 SILVA, Leda Maria Messias da. O assédio moral na administração pública: um livro em prol da extinção dessa
praga. Leda Maria Messias da Silva, Lanaria da Silva. São Paulo: LTr, 2015. p. 23.
11 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio Moral laboral e direitos fundamentais. Rodolfo Pamplona Filho, Adriana
Wyzykowski, Renato da Costa Lino de Goes Barros, 2. ed. ampliada e revista. São Paulo: LTr, 2016. p. 128.
12 Referido posicionamento é defendido por Sonia Mascaro Nascimento, conforme PAMPLONA FILHO,
Rodolfo. Noções Conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Jus Navigandi. Teresina, ano
10, n. 1149, 24 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8838>. Acesso
em: 20 set. 2016.
13 FIORELLI, José Osmir. Assedio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 14.
14 Ibid., p. 21.
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“assédio moral” só se consuma com a ocorrência do dano (por isto não


se pode admitir a figura da “tentativa” em matéria de assédio moral),
e somente aí entram em cena as regras legais de responsabilização do
agente causador do dano.
No direito italiano também é necessária a demonstração do elemento
subjetivo e do dano para a caracterização do assédio:
La vittima, infatti, deve provare che ricorrono i seguenti elementi:
a) Il dolo, ovvero la volontà e l´intenzione del molestatore di arrecare
la molestia;
b) Alternativamente al dolo, la colpa: il molestatore, anche se non há
agito intenzionalmente, ha tenuto um comportamento non diligente;
c) Il nesso di causa, per cui le conseguenze dannose dela moléstia devono
essere riconducibili ala condotta, dolosa o colposa, del molestatore;
d) L´ingiustizia: deve essere violato um interesse giuridicamente relevante
(ad esempio um diritto garantito dalla Costituzione) e il sacrifício dela
vittima dela moléstia non deve trovare giustificazione nel contraposto
interesse dell´autore dela condotta;

e) Il danno: il molestato è tenuto a dare prova dela modificazione


peggiorativa del suo stato patrimoniale e/ou dele sue condizioni
psichiche o fisiche, o deve comunque dimostrare che la sua vita
é mutata in senso negativo.

Ao contrário do que se imagina, o assédio moral não se restringe


às relações de trabalho, sejam públicas, sejam privadas. A doutrina aponta
casos em que ocorrem no âmbito familiar, como no caso de mãe e filho
ou pai e filho que unem para assediar o parceiro15, ou de um irmão que
ridiculariza o outro, coagindo-o moralmente e até mesmo intimidando-o.
Além disso, há vários tipos de assédio moral, quais sejam:
horizontal, em que assediador e assediado são colegas de trabalho de
mesmo nível hierárquico; vertical ascendente, em que o assediador possui
uma posição hierárquica inferior ao do assediado; vertical descendente, em
que os subordinados são constrangidos pelos seus superiores hierárquicos;
e, por fim, misto, ocasião em que o assediado é atingido de todos os lados,
dadas as investidas do assediador vertical e do assediador horizontal16.

15 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 45.
16 PAMPLONA FILHO, op. cit. p. 133.
Renata Chohfi Haik 339

Distingue-se o assédio da gestão por injúria que ocorre de modo


explícito e dirigida a todos indistintamente, colocando os atacados na
mesma situação, ao contrário das situações de assédio, em que na maioria
das vezes terceiro não se aproxima do indivíduo atingido, com medo de
represálias. Nas palavras de Hirigoyen17, a gestão por injúria:
É o tipo de comportamento despótico de certos administradores,
despreparados, que submetem os empregados a uma pressão terrível
ou os tratam com violência, injuriando-os e insultando-os com total
falta de respeito.

Assim, no assédio moral deve haver um alvo (pessoa ou grupo de


pessoas), não podendo ser uma conduta indiscriminada. Segundo José Osmir
Fiorelli18 é a diretividade que distingue o assédio do simples dano moral.
Pode-se citar como exemplos de assédio moral: perseguição de chefia,
rigor excessivo, isolamento, exposição ao ridículo, desqualificação, inatividade
forçada, ameaças, críticas de vários modos como zombaria, ironias e sarcasmos,
etc. Veja-se que a ofensa à dignidade se dá por procedimentos de intimidação,
de relacionamento e de isolamento19. Reitera-se aqui que não bastam meros
atos de assédio, contrários à moralidade; a conduta deve ser séria, reiterada e
hábil a abalar moralmente o assediado. As possíveis consequências do assédio,
pois, são: estresse, ansiedade, humilhação, depressão, etc.
A proteção aos direitos da personalidade fez com que o legislador
previsse a Lei 13.185/2015 que instituiu o Programa de Combate à
Intimidação Sistemática (Bullying), trazendo importante conceito:
Art. 1º. Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática
(Bullying) em todo o território nacional.
§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação
sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica,
intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado
por individuo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo
de intimida-la ou agredi-la, causando dor e angustia à vítima, em uma
relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
O direito italiano não possui uma legislação específica acerca do assédio
moral, mas a jurisprudência vem construindo posicionamento com base na
17 HIRIGOYEN, Marie France. Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane
Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 28. Apud PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio Moral
laboral e direitos fundamentais. Rodolfo Pamplona Filho, Adriana Wyzykowski, Renato da Costa Lino de
Goes Barros, 2. ed. ampliada e revista. São Paulo: LTr, 2016. p. 143.
18 Ibid., p. 21.
19 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 98.
340 Publicações da Escola da AGU

Constituição (direito ao trabalho e direito do indivíduo à saúde física, psíquica


e moral, entre outros) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e
das liberdades fundamentais (direito aos direitos da personalidade)20.
No âmbito criminal, no Brasil, não há um tipo penal específico que
preveja a conduta de assédio, mas existe figura delituosa que pode ser
verificada em situação de assédio, qual seja, o crime de constrangimento
ilegal21. Existem, entretanto, no âmbito federal, projetos de lei 5.971/2001 e
4.742/2001 que respectivamente pretendem incluir os artigos 203-A22 e 136-
A23 no Código Penal tipificando a conduta de assédio moral do trabalho24.
Na Itália também não há um tipo penal específico para a punição do assédio
moral, mas alguns tipos penais podem ser utilizados para o caso concreto25.
Ao mesmo tempo em que cresceu o debate acerca do assédio moral
percebe-se também a banalização da sua figura. Marie-France Hirigoyen26
alerta: “a vitimização excessiva termina por prejudicar a causa que se
quer defender”.
Desse modo, afirmações desprovidas de fundamentação comprometem
o instituto tornando-o objeto de vingança em face de oscilações ocasionais
de humor do acusador. Podem, inclusive, se transformar em mecanismo
de locuplemento de vantagem indevida. Segundo Rolli e Fernandes27:

20 HIRIGOYEN, Marie France. Molestie morali – la violenza preversa nella famiglia e nel lavoro. Traduzione di
Monica Guerra. Giulio Enaudi editore s. p. a. Torino. 2015. p. 243.
21 Art 146 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver
reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou fazer o
que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
22 “COAÇÃO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO Art. 203-A Coagir moralmente empregado
no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou
criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição
hierárquica. Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.”
23 “ASSEDIO MORAL NO TRABALHO. Art. 146-A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras,
gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de
vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena – detenção, de 3 (três) meses a um ano, e multa”.
24 A esses projetos foram apensados outros sobre o mesmo tema: PL 4.960/2001 e PL 5.887/2001 e ainda
tramitam na Câmara dos Deputados.
25 Segundo Hirigoyen, “per quanto attiene la tutela penale, la legge prevede vari tipi di reato, a cui possono essere
ricondotti alcuni tipi di molestie morali, che abbiamo luogo in familiglia, sul lavoro o in altri momenti dela vita
sociale (ad esempio: violenza sessuale, articolo 609 bis cod. Pen.; lesioni personali colposi, articolo 590 cod. Pen.;
ingiuria o diffamazione, articoli 594 e 595 cod. Pen. Tuttavia, solo alcune molestie morali rilevano per la giustizia
penale e, generalmente, sono quelle piú gravi.” HIRIGOYEN, Marie France. Molestie morali – la violenza preversa
nella famiglia e nel lavoro. Traduzione di Monica Guerra. Giulio Enaudi editore s. p. a. Torino. 2015. p. 244.
26 HIRIGOYEN, Marie France. Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane
Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 28. Apud PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio Moral
laboral e direitos fundamentais. Rodolfo Pamplona Filho, Adriana Wyzykowski, Renato da Costa Lino de
Goes Barros, 2. ed. ampliada e revista. São Paulo: LTr, 2016. p. 121.
27 FERNANDES, Fátima; ROLLI, Claudia. Casos de assédio moral crescem na crise. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2303200902.htm>. Acesso em: 21 set. 2016.
Renata Chohfi Haik 341

Não há legislação federal específica para o assédio moral no Brasil. Por


isso, parte dos advogados crê que, em épocas de crise, o assédio pode ser
“usado” pelos trabalhadores para pleitearem indenizações.

Nesse mesmo sentido, José Osmir Fiorelli28:


Infelizmente, já se observa uma grande banalização da figura do
dano por assédio moral, principalmente em decorrência de tendências
protecionistas de alguns legisladores e julgadores, da generalização do
instituto e da precipitação na avaliação do problema na prática (avaliação
esta, muitas vezes, feita por profissional não habilitado para tanto).

João Luis Vieira Teixeira29 aponta a tendência de ingresso de ações


para reconhecimento do assédio, decorrente da publicidade que o mesmo
vem ganhando na mídia, alertando acerca de fantasiosas alegações de
assédio por quem procura disfarçadamente desestabilizar e desmoralizar
um superior hierárquico ou um colega. O autor chega, inclusive, a usar o
termo “ações aventureiras”30 para designar as demandas desprovidas de
fundamentos, as quais acabam por prejudicar o andamento das demais
ações no Poder Judiciário.
Consequentemente, simples cobranças, fixação de metas e exigências
simples não podem ser equiparadas àquelas ensejadoras dos reais casos de
assédio. É por essa razão que José Osmir Fiorelli31 fala em comportamentos
de pseudoassédio, ou seja, situações em que usualmente são confundidas com
o assédio moral. Elas se caracterizariam por serem amplas; por limitarem
as liberdades e facilidades das pessoas para assegurar qualidade, eficiência e
eficácia nos processos; por beneficiarem diretamente os clientes dos processos
e por transformarem-se em comportamentos de assédio moral se houver
má-fé por parte de seus executores32. Alguns exemplos de pseudoassédio são
fornecidos: estímulo à competitividade; programação da linha de produção
para que as pessoas trabalhem em pé; estabelecer horários para usar o

28 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 21.
29 TEIXEIRA. João Luis Vieira. O assédio moral no trabalho: conceito, causas e efeitos, liderança versus assedio,
valoração do dano e sua prevenção. 3. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 57.
30 Ibidem, p. 57
31 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 120
32 FIORELLI, op. cit., p. 121.
342 Publicações da Escola da AGU

banheiro; criar um ambiente propositalmente intimidador; sobrecarregar


os colaboradores de trabalho, etc.33
Não se pode esquecer, ainda, a natural característica do ser humano
de em achar um terceiro responsável por seus problemas. Há uma tendência
de se procurar responsáveis pelos acontecimentos em suas vidas. Esse
fato, aliado à possibilidade de recebimento de danos morais, é o causador
pelo aumento de demandas judiciais visando o reconhecimento do assédio.
Daí a necessidade de minuciosa análise no caso concreto até porque cada
indivíduo reage às situações de modo diverso, ou seja, uma situação pode
ser extrema e grave para determinada pessoa e não para outra.
Conforme já mencionado, o assédio moral possui elementos
que devem estar bem caracterizados para que não haja o indesejado
desvirtuamento do instituto. Caso se flexibilize em demasia referidos
requisitos, as relações de trabalho, humanas, familiares, escolares,
etc caminharão para o caos, pois tudo, como uma simples advertência
verbalizada, configurará assédio moral.

2 ASSÉDIO MORAL NO ÂMBITO DO SERVIÇO PUBLICO

A Constituição Federal de 1988 previu no caput do artigo 37


os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. Assim, todos os atos da Administração, por meio de seus agentes,
devem seguir os referidos princípios norteadores. Como consequência, o
assédio moral dentro da Administração Pública se traduz em ato contrário
à Constituição, devendo ser combatido até porque impacta na própria
qualidade da prestação do serviço público.
O “conflito” decorrente do sistema de estabilidade do funcionário
concursado e a rotatividade dos superiores que possuem indicação política deve
ser superado, harmonizando-se da melhor forma possível, de modo que não haja
consequências ao trabalho desenvolvido por todos. Como se sabe, a estabilidade
oriunda do cargo público pode ensejar o assédio moral a um subordinado e vice-
versa porque, conforme já mencionado no item anterior, uma das modalidades
de assédio é o vertical ascendente, ou seja, de uma pessoa de grau inferior a
seu superior hierárquico. Outra situação em que pode ser verificar o assédio é
aquela em que houve indicação de cargos de gestão e de chefia que naturalmente
envolve aspectos políticos. Entretanto, é dever dos servidores públicos atuar de
forma condizente com as diretrizes da Administração Pública, não mantendo
qualquer conduta prejudicial ao interesse público.

33 Ibid, p. 121-122.
Renata Chohfi Haik 343

Quais seriam, basicamente, os objetivos dos atos de assédio no serviço


público? João Luis Vieira Teixeira34 elenca alguns: segregar empregados
com pontos de vista contrários aos do chefe; isolar subordinados que
queiram mudar alguma rotina do departamento, contrariando a chefia;
prejudicar subordinado que represente ameaça, por sua competência, ao
emprego do chefe; segregar ou prejudicar servidores com orientações
políticas, religiosas ou sexuais diversas da do assediador; prejudicar servidor
que descobriu alguma irregularidade de seu superior, etc.
Obviamente todo trabalho apresenta um grau de imposição e
dependência. Assim o é também no serviço público onde, inclusive há
normas explicitas sobre os deveres dos servidores, tal como a Lei 8.112/90,
Estatuto dos Servidores Públicos Federais, o qual prevê inúmeros deveres
a serem cumpridos35, ao lado dos direitos, também previstos. Desse modo,
não se pode aceitar as acusações de assédio moral por perseguição, por
exemplo, se o próprio assediado deixa de cumprir os deveres impostos
pela lei na condução de suas atividades rotineiras. Todos devem obedecer
a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência.
De acordo com José Osmir Fiorelli, no serviço público há convivência
de chefias extremamente dedicadas com outras que usam o cargo como
um trampolim para outra posição na carreira, além de “empregados que
abraçam a causa do contribuinte e outros que aguardam monotonamente
o advento da aposentadoria redentora”36.
Assim sendo, se todos exercerem corretamente seu papel, ou seja,
trabalharem de modo ético e seguindo os deveres que lhes são impostos, não
haverá espaço para atos de assédio que, para se caracterizarem devem ser
dotados de gravidade e acarretar um dano. Em se tratando de fato pontual
e sem a intenção de prejudicar o agente (chefe) está dentro do seu poder
hierárquico de atuação, notadamente quando a exigência de melhora do serviço
ou atingimento das metas preestabelecidas vem acompanhada de considerável
dose de confiança e busca pelo desenvolvimento dos subordinados. Em decisão
publicada em 2013, o STJ, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Especial
1387608/SP, confirmou decisão do Tribunal de origem, o qual consignou que
“as situações relatadas pelo autor que, a seu ver, configuram assédio moral, não tem

34 TEIXEIRA. João Luis Vieira. O assédio moral no trabalho: conceito, causas e efeitos, liderança versus assedio,
valoração do dano e sua prevenção. 3. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 76.
35 Pode-se exemplificar o dever de manter a conduta compatível com a moralidade administrativa (art. 116,
IX, da Lei 8.112/90); de tratar as pessoas com urbanidade (art. 116, XI) e ser leal às instituições a que servir
(art. 116, II).
36 FIORELLI, José Osmir. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli,
Marcos Julio Olivé Malhadas Junior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 120. p. 114.
344 Publicações da Escola da AGU

essa característica negativa, mas apenas exteriorizam o cumprimento dos poderes-


deveres da Administração Pública.37”
De outra parte, já há inúmeras leis, de âmbito estadual e municipal,
que preveem a conduta de assédio no serviço público38. A prevenção é
certamente o melhor modo de se evitar o mobbing que, na seara pública, traz
consequências sérias: o agente assediador poderá sofrer, após instauração
de processo administrativo disciplinar, penalidades como advertência,
suspensão do cargo ou função e até mesmo demissão. Mas não é só: o STJ, no
julgamento do Recurso Especial N. 1.286.466/RS, entendeu que o assédio
moral pode até configurar ato de improbidade administrativa em razão de
abuso de poder, desvio de finalidade de malferimento à impessoalidade,
ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém, exigindo-se para a sua
configuração a demonstração do elemento subjetivo (dolo), conforme
julgamento na mesma Corte no Recurso Especial N. 1399825/MG.
No que tange ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal39, a Jurisprudência
do Tribunal Regional Federal da 2ª Região40, entende pela inaplicabilidade
desse dispositivo nos casos de assédio moral porque a responsabilidade
do Estado nesses casos é subjetiva eis que a responsabilidade objetiva
prevista no mencionado dispositivo constitucional se aplica tão somente
nas hipóteses em que os agentes estatais causem danos a terceiros. Como
nos casos de assédio moral dentro da Administração Pública o assediado
é também servidor público, não podendo ser considerado “terceiro”, a
responsabilidade estatal é no caso subjetiva, devendo haver prova nos autos
do dolo ou culpa do assediador. Vejamos um trecho do voto do relator
Guilherme Couto de Castro no julgamento da Apelação Cível 609816:
[...] Primeiro uma nota sobre a equação jurídica do sistema. Se o que
existe é alegação de problema entre servidor e seu superior hierárquico,
não se aplica ao caso a regra prevista no art. 37, § 6° da Lei Maior. O
legislador constituinte foi expresso ao asseverar que o preceito citado se
aplica quando o dano a ser indenizado é o causado pela Administração,
37 Decisão proferida do AgRg no REsp 1387608/SC, de Relatoria do Min. Herman Benjamin, 2ª Turma.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br>.
38 Pode-se citar, entre outras, Lei 3.921/02, do Estado do Rio de Janeiro; LC 63/04, do Estado da Paraíba;
Lei 12.250/06, do Estado de São Paulo; Lei 2.120/00, do Município de Ubatuba, SP; LC 435/02, da Cidade
de Maringá, Paraná; Lei 6.986/06, de Salvador.
39 Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
40 Pode-se citar vários julgados, além do transcrito neste artigo: AC 200951010246795 de Relatoria De Marcus
Abraham, publicado em E-DJF2R – Data 04/12/2013; AC 201051010208425 de Relatoria de Alexandre
Libonati de Abreu, publicado em E-DJF2R – Data 21/07/2014; AC 200951010219550 de relatoria de Nizete
Lobato Carmo, publicado em E-DJF2R – Data 29/10/2014; AC 200651010167468 de Relatoria de Nizete
Lobato Carmo, publicado em E-DJF2R – Data 03/12/2014.
Renata Chohfi Haik 345

ou agente público, a “terceiro”. Ora, o servidor público não pode ser


considerado terceiro em relação ao hospital federal no qual ele é servidor,
em relação a aspecto de sua atividade profissional. Tal relação jurídica
é regida pela legislação específica, o Estatuto Funcional (in casu a Lei
8.112/90). A essência da teoria do risco administrativo, o nome indica,
está na assertiva de que a Administração arcará com os ônus que suas
atividades causem a terceiros, e não aos próprios agentes, no exercício
de seus misteres. A Administração responde de modo objetivo pelos
riscos administrativos que cria aos outros. Mas não a si, aos que a
representam em cada caso concreto, pois, em tal caso, se fala em problema
funcional, e não em risco administrativo. Pressuposto da aplicação do
art. 37, § 6° da Constituição Federal, basta ler o seu texto, é que os
danos sejam causados a terceiros, ou seja, quando o problema existe
com o próprio servidor durante a sua atuação, ou a um contratado, a
responsabilidade é definida pelas regras contratuais ou estatutárias, e
não pelo risco administrativo. Portanto, há que se perquirir se houve
tratamento ilícito à servidora, e, no caso, a prova dos autos é contrária
à pretensão, inexistindo elementos suficientes a indicar arbitrariedades,
excessos ou exageros. [...]41
Desse modo, a prova do elemento intencional no assédio é de extrema
relevância para a sua caracterização no âmbito público.
A questão da banalização do assédio, abordada no item anterior,
também está visível no serviço público. Constata-se o aumento das ações
de reparação civil decorrentes de assédio moral ajuizadas contra o Estado
por eventuais atos de seus agentes sem a presença de traços de conduta
lesiva. Muitos fatores podem estar por trás desse fato, mas pode-se apontar
a divulgação de cartilhas acerca do assédio moral nas repartições públicas,
supostamente autoexplicativas e esclarecedoras, que despertam o desejo por
uma reparação civil sem que os atos de assédio tenham realmente acontecido
e o dano tenha de fato existido. Em várias situações o servidor ajuíza ação
judicial sem antes ter feito a denúncia em âmbito administrativo. Como se
sabe, há meios internos de controle administrativo como a representação
administrativa e a reclamação administrativa e que podem ser utilizados
no controle dos atos administrativos e de supostos assediadores eis que dão
ciência às chefias máximas a ocorrência de fatos irregulares. A apuração
dos fatos internamente, ou seja, administrativamente, agiliza a busca da
verdade e solução dos fatos, dada a proximidade das pessoas, locais e fatos
ocorridos. Ocorre, desse modo, a busca pela caracterização do assédio e

41 O número CNJ do processo em referência é 0007092-40.2012.4.02.5101. A decisão foi publicada em E-DJF2R


– Data 19/11/2013.
346 Publicações da Escola da AGU

reparação moral de forma direta ao Judiciário num ímpeto de busca por


justiça em situações em que não houve irregularidades.
A comunicação de supostas irregularidades de assédio moral dentro
das repartições é salutar também pelo aspecto educativo. A prevenção e
a conscientização são sempre o melhor modo de se combater situações
desse tipo e evitar a propagação do assédio moral.
Como bem avaliou João Luís Vieira Teixeira42:

Há de se ter muito cuidado, no momento de se proferir uma sentença em


processo com pedidos de indenização por danos morais/assédio moral,
sob pena de banalizarmos tão importante instituto.

Da mesma forma, são inadmissíveis lides absolutamente temerárias,


promovidas com nítida intenção de enriquecimento ilícito, apenas para
“arriscar” um pedido de indenização por suposto assédio moral sofrido.

Infelizmente, essas ações têm se proliferado em todos os fóruns


trabalhistas do País.

Uma coisa é uma lide em que se discutem pretensos direitos baseados


em um mínimo de provas e indícios. Outra, completamente diferente,
é aquela em que se lançam argumentos forçados, verdadeiras aleivosias
e inverdades.

Temos analisado casos em que um único ato, de um supervisor que alterou


o tom de voz ao cobrar uma determinada atividade que, insistentemente,
não era executada por seu subordinado, ensejou uma ação de reparação
de danos por assédio moral.

Assim, para a configuração do assédio moral no serviço público


a conduta do assediador deve ser, nos termos do item anterior, reiterada
no sentido de ofender o assediado, causando-lhe dano de ordem psíquica
ou física. Para a configuração da responsabilização Estatal oriunda desse
assédio deverá haver a demonstração da ação dolosa ou culposa, do
nexo causal e a consequência, ou seja, o dano. Do contrário, não sendo
definitivamente provado o dano decorrente não só não se configurará
o assédio como também não acarretará o dever de indenizar.

42 TEIXEIRA, João Luis Vieira. O assédio moral no trabalho: conceito, causas e efeitos, liderança versus assedio,
valoração do dano e sua prevenção. 3. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 62.
Renata Chohfi Haik 347

3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO PROBATÓRIO NO


NOVO CPC

O novo Código de Processo Civil trouxe poucas inovações em


relação às provas se comparado com o código de 73. O artigo 36943 previu
o sistema da atipicidade das provas, ou seja, não há taxação e explicitação
dos meios de prova de que podem se valer as partes, assim como proibiu os
meios moralmente ilegítimos, nos termos do art. 5º, LVI da Constituição44.
Como bem observa Guilherme Athayde Porto45, a expressão “para provar a
verdade dos fatos” aponta a existência de um caráter ideológico no estatuto
processual: busca-se a solução mais próxima possível da verdade, não se
satisfazendo com a mera solução de conflitos.
O artigo 37146 do novo Código, correspondente ao art. 13147 do CPC
anterior, suprimiu a expressão “livremente”. Desse modo, o juiz apreciará
as provas, independentemente de quem a tenha produzido48 (comunhão
da prova) bem como apontará na decisão as razões da formação do seu
convencimento. Trata-se do princípio do livre convencimento motivado.
O Novo CPC conferiu enorme destaque à fundamentação judicial
exigindo motivação analítica independentemente do tipo de decisão, se
interlocutória ou sentença, por meio do artigo 489, § 1º 49. Referida regra

43 Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,
ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a
defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
44 Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
45 PORTO, Guilherme Athayde. Notas às disposições gerais sobre prova no NCPC. In: Direito Probatório.
coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.) p. 143.
46 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido,
e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
47 Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos,
ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o
convencimento.
48 De acordo com o Enunciado N. 50 do Forum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “(art. 369; art.
370, caput) Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais
interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz. (Grupo: Direito Probatório)”
49 Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão,
que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com
a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI
- deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar
a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
348 Publicações da Escola da AGU

processual é decorrente do artigo 93, inciso IX50, da Constituição, o qual


confere maior segurança às decisões proferidas pelo Poder Judiciário. No
dizer de João Batista Lopes51,
[...] não é suficiente garantir às partes o direito à produção das
provas pertinentes. É de rigor que, concluída a instrução, o juiz
forme seu convencimento segundo o princípio da persuasão racional,
mencionando na sentença como se convenceu a respeito da existência
ou inexistência dos fatos.

Como decorrência, Bruno Campos Silva52 afirma que o Novo
CPC trouxe às partes o direito fundamental à fundamentação, coibindo
os atos judiciais de subjetivismo reveladores de discricionariedade e
arbitrariedade. Como bem observa Lênio Streck53, a fundamentação é
requisito de “legitimidade da decisão, sendo que esta não pode estar
baseada no sentimento pessoal do julgador.”
Percebemos também que houve um aumento dos poderes
instrutórios do juiz com a regra estabelecida pelo artigo 370 do novo
estatuto processual54, autorizador da determinação de produção de provas
de oficio pelo magistrado. Inclui-se nesse poder a ordem para exibição de
documento relevante ao julgamento da causa e esclarecimento da verdade,
nos termos do artigo 396 do NCPC55 e que pode ensejar a imposição de
multa em caso de descumprimento dada a configuração de ato atentatório

50 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
51 LOPES, João Batista. Direito à prova, discricionariedade judicial e fundamentação da sentença. In: Direito
Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm,
2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.) p. 52.
52 SILVA, Bruno Campos. Os deveres-poderes instrutórios do juiz no sistema recursal. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.) p. 384.
53 STRECK, Lenio. As provas e o novo CPC: a extinção do poder de livre convencimento. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.) p. 113.
54 Art. 370 Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento
do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.
55 Art. 396. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder.
Renata Chohfi Haik 349

à dignidade da justiça56. O parágrafo único do art. 40057 também serve


como exemplo de poder instrutório eis que autoriza o juízo a tomar medidas
coercitivas para determinar que a parte traga documento ao processo com
inclusive cominação de multa para forçar a entrega do mesmo. Interessante
verificar que o artigo 421 do estatuto processual italiano autoriza o
magistrado a, de ofício ou a qualquer momento, a admitir outro meio
de prova bem como de determinar a exibição de documento, mesmo em
poder de terceiros58.
A busca pela verdade real está intimamente relacionada com os
poderes instrutórios do juiz e que decorrem da própria legitimidade do
poder conferido ao Estado de decidir. O magistrado, possui, pois, ampla
liberdade para a produção de provas que julgue relevantes à busca da
verdade, esclarecendo o fato a ser provado com o objetivo de propiciar a
adequada prestação jurisdicional59. No dizer de Bruno Campos Silva60, o
dever-poder do juiz se traduz em verdadeira iniciativa probatória.
56 Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos
aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços
à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial
ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer
modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito
litigioso. § 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput
de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o
juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até
vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
57 Art. 400 Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou
da coisa, a parte pretendia provar se: I – o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração
no prazo do art. 398; II – a recusa for havida por ilegítima. Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode
adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.
58 Articolo 421. Il giudice indica alle parti in ogni momento le irregolarità degli atti e dei documenti che
possono essere sanate assegnando un termine per provvedervi, salvo gli eventuali diritti quesiti. Può altresì
disporre d’ufficio in qualsiasi momento l’ammissione di ogni mezzo di prova, anche fuori dei limiti stabiliti
dal codice civile, ad eccezione del giuramento decisorio, nonché la richiesta di informazioni e osservazioni,
sia scritte che orali, alle associazioni sindacali indicate dalle parti. Si osserva la disposizione del comma
sesto dell’articolo 420. Dispone, su istanza di parte, l’accesso sul luogo di lavoro, purché necessario al fine
dell’accertamento dei fatti, e dispone altresì, se ne ravvisa l’utilità, l’esame dei testimoni sul luogo stesso.
Il giudice, ove lo ritenga necessario, può ordinare la comparizione, per interrogarle liberamente sui fatti
della causa, anche di quelle persone che siano incapaci di testimoniare a norma dell’articolo 246 o a cui sia
vietato a norma dell’articolo 247.
59 MACÊDO, Lucas Buril de, PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e sua dinamização. 2. ed. revista e atualizada.
Bahia: Jus Podivm, 2016. p. 98.
60 SILVA, Bruno Campos. Os deveres-poderes instrutórios do juiz no sistema recursal e o direito fundamental
à fundamentação. In: Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada
e ampiada, Salvador: Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador
geral, Fredie Didier Jr.). p. 372.
350 Publicações da Escola da AGU

Nesse contexto, podemos citar também o princípio da cooperação,


previsto no art. 6º do NCPC61, segundo o qual o processo seria o produto
da atividade cooperativa triangular, entre o juiz e as partes62. No âmbito
probatório, referido princípio está também previsto no artigo 378 do
NCPC63. Assim, a cooperação exalta a atividade das partes quanto a
aquisição da prova64, propiciando ao magistrado os detalhes do caso concreto
na busca pela solução segundo os preceitos legais e constitucionais.
A maior participação das partes no processo está também prevista no
artigo 1065 que estabelece a impossibilidade de o órgão do Judiciário decidir com
base em fundamento acerca do qual não se tenha disponibilizado a manifestação
das partes, ainda que a questão envolvida possa ser apreciada de ofício.
Ao lado do direito essencial à fundamentação judicial temos o
direito fundamental à produção probatória66. Julio Cesar Lanes e Fabricio
Costa Pozzatti67 falam, ainda, em direito fundamental à prova admissível,
distinguindo as regras de admissão da prova (art. 37068) das de valoração
(art. 37169), afirmando que não pode o magistrado indeferir determinada
prova por já estar convencido acerca do fato a ser provado. A produção
de prova deverá, assim, ser indeferida pelo magistrado apenas quando se
tratarem de diligências inúteis ou meramente protelatórias, por meio de
decisão fundamentada.
O direito à prova é aspecto do direito de acesso à justiça que está
previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição e art. 3º do NCPC. Deve-se
61 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.
62 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. revisada e completamente reformulada
conforme o Novo CPC – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e atualizada de acordo com a Lei 13.256, de 04
de fevereiro de 2016. –São Paulo: Atlas, 2016. p. 42.
63 Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.
64 CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. A dinamização da produção probatória. In: Direito Probatório
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 329.
65 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva
decidir de ofício.
66 CARPES, Arthur Thompsen. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação das normas sobre o ônus
(dinâmico) da prova no Novo Código de Processo Civil. In: Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier
Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes
Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 204.
67 LANES, Júlio Cesar Goulart. POZATTI, Fabrício Costa. O juiz como único destinatário da prova (?).. In:
Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampl. Salvador:
Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier
Jr.). p. 97-98.
68 Vide nota de rodapé 47.
69 Vide nota de rodapé 40.
Renata Chohfi Haik 351

propiciar às partes os meios de convicção do magistrado e demonstração


da verdade para o julgamento da causa. Peguemos o conceito de prova
apresentado por João Batista Lopes70:
É possível afirmar-se a existência de consenso entre os autores: a)
conceito de prova: sob o aspecto objetivo, é o conjunto de meios destinados
a demonstrar a existência ou inexistência dos fatos que interessam à
solução da causa; sob o aspecto subjetivo, é a própria convicção que o
juiz forma sobre a existência ou inexistência de tais fatos;...

Rodrigo Gomes de Mendonça Pinheiro, citando Comoglio, Ferri


e Taruffo, ensina que o direito fundamental à prova alcança:
(i) o direito de deduzir todos os meios aptos a demonstrar suas alegações;
(ii) à prova contrária, capaz de contrapor a alegação de seu adversário;
(iii) de efetivamente produzir provas admitidas; (iv) de ter as provas
corretamente valoradas pelo magistrado.

Já o ônus da prova, considerado por Leo Rosemberg a “espinha


dorsal do processo civil”71, pode ser definido como a necessidade de provar
para vencer a causa72. Trata-se de um encargo às partes de demonstrar
a ocorrência dos fatos alegados, possuindo dupla função: a objetiva, que
tem por escopo contribuir para o convencimento do magistrado e se
traduz num critério de julgamento, e a subjetiva, pois se dirige às partes
e se prolonga por toda a fase probatória73. Nota-se que o ônus constitui
a diretriz de conduta das partes no procedimento probatório de modo a
evitar o juízo desfavorável.
O Código de 2015 adotou a teoria da distribuição estática do ônus
da prova, mas permitiu a sua dinamização, nos termos do artigo 373:
O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

70 LOPES, João Batista. Direito à prova, discricionariedade judicial e fundamentação da sentença. In: Direito
Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm,
2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 49.
71 ROSEMBERG, Leo. Apud MACÊDO, Lucas Buril de, PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e sua dinamização.
2. ed. revista e atualizada. Bahia: Jus Podivm, 2016. p. 80.
72 CUNHA, Mauricio Ferreira da, O ônus da prova, dinamização e o novo CPC. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 312.
73 CARPES, Artur Thompsen. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação das normas sobre o ônus
(dinâmico) da prova no Novo Código de Processo Civil. In: Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier
Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas
no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 199.
352 Publicações da Escola da AGU

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou


extintivo do direito do autor.

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa


relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de
cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade
de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir
o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade
de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação


em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível
ou excessivamente difícil.

Desse modo, embora tenha havido previamente uma fixação do


ônus, previu-se também o poder-dever do magistrado de dinamizar o
ônus da prova nas situações em que a aplicação da regra abstrata, prevista
no caput do artigo, mostrar-se inadequada às particularidades da causa.
Com o novo Código foi mantida a teoria de Carnelutti e Chiovenda
sobre a distribuição do ônus da prova, mas ressalvam-se os já citados
poderes instrutórios do juiz, dando-se, assim, menor importância às
regras estáticas de distribuição do ônus da prova e uma maior relevância
aos poderes instrutórios.
Na legislação Italiana também há regra segundo a qual as partes
devem comprovar o alegado, tanto o autor quanto o réu, ou seja, até mesmo
quem contradiz as afirmações do autor deverá comprová-las. Vejamos o
teor do artigo 2.69774 do Código Civil:
Chi vuol far valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne
costituiscono il fondamento.
Chi eccepisce l’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il diritto si
è modificato o estinto deve provare i fatti su cui l’eccezione si fonda.
Segundo as normas processuais, ao autor caberá a ônus de provar
o fato constitutivo de seu direito, ou seja, os fatos que anunciam o direito
que pretende ver tutelado em juízo. Esse “fato constitutivo” se encontra
no plano da existência jurídica do efeito perseguido na ação. Assim, se não
provados os fatos a consequência será a ausência do direito.

74 ITALIA. Codice de Procedura Civile. Disponível em: <http://www.altalex.com/documents/news/2015/01/02/


della-tutela-dei-diritti-delle-prove>. Acesso em: 02 dez. 2016.
Renata Chohfi Haik 353

Caso o réu negue a existência do fato constitutivo do direito do autor,


não há imposição de nenhum ônus. Todavia, se o réu se defender com base
em fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, haverá
sim, seu ônus de provar esses fatos. Em conclusão, o réu terá ônus da prova
apenas quanto às alegações de fatos que sirvam a modificar, extinguir ou
impedir o direito do autor75 eis que “o ônus da prova cabe à parte que alega,
e não àquela que simplesmente nega”76. Todavia, caso queira, de modo a
engrandecer a sua defesa, fazer a prova do fato negativo (inexistência do
fato), poderá fazê-lo por meio da contraprova. Haroldo Lourenço77, ressalta,
entretanto, que passa a recair um ônus sobre o réu de fazer a contraprova,
ou seja, de demonstrar a inexistência do fato constitutivo, caso não tenha
produzido nenhuma prova sobre fato extintivo, impeditivo ou modificativo
do direito do autor, pelo risco de a sentença ser-lhe desfavorável.
No que tange ao magistrado, o mesmo está autorizado a alterar,
conforme as particularidades do caso concreto e a aptidão de cada uma
das partes, a distribuição do ônus da prova, de modo que a produção
probatória será da incumbência de uma ou outra parte, conforme o que
foi definido pelo juiz78. O STJ já vinha autorizando a dinamização antes
mesmo do advento do Novo CPC com base no princípio da razoabilidade79,
indicando uma tendência posteriormente acolhida pelo legislador. Bruna
Braga da Silveira aponta as causas para tanto e os outros fundamentos
para a aplicação da dinamização no Direito Brasileiro: o acesso à justiça, o
direito à prova, o direito à igualdade e os deveres de cooperação80, com base

75 Pode-se citar como exemplos: de fatos extintivos, a prescrição, a decadência e o pagamento; de fatos
modificativos, a moratória. E de fatos impeditivos, que, por exemplo operam no plano da validade como a
capacidade dos celebrantes de um negócio jurídico.
76 CARPES, Artur Thompsen. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação das normas sobre o ônus
(dinâmico) da prova no Novo Código de Processo Civil. In: Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier
Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas
no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 201.
77 LOURENÇO, Haroldo. Teoria dinâmica do ônus da prova no novo CPC. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÈTODO, 2015. p. 74.
78 Art. 373. § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade
ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção
da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por
decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe
foi atribuído. § 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência
do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
79 STJ, REsp 1286704/SP, rel. Ministra Nacy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/10/2013,
DJ E 28/10/2 013. D i sp on ível em : <ht t p://w w w. st j.jus.br/S C ON/ju r i spr udencia /do c .
jsp?livre=1286704&b=ACOR&p=true&l=10&i=6> Acesso em: 27 set. 2016.
80 SILVEIRA, Bruna Braga da. A distribuição dinâmica do ônus da prova no CPC – 2015. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 220.
354 Publicações da Escola da AGU

nos ideais do Estado Constitucional81. Artur Thompson Carpes vai mais


além: afirma que a reestruturação das atividades probatórias das partes
contribui “qualitativamente para a obtenção de um juízo de verdade”82.
Todavia, a regra é subsidiária, ou seja, caso ocorrendo alguma
modificação fática que deixe ambas as partes em idênticas condições de
fazer a prova, a regra geral prevalecerá, aplicando-se a distribuição estática.
Mesmo assim, percebe-se um aumento dos poderes do juiz, o qual
decidirá quem na relação processual possui melhores condições de provar no
caso concreto. O litigante onerado deve estar, então, numa posição privilegiada
em função do papel que desempenhou no fato gerador da controvérsia, se
encontrando em melhor posição de revelar a verdade83. É por isso que a
melhor interpretação a ser dada para o parágrafo primeiro do artigo 373 é
aquela segundo a qual os requisitos para a dinamização sejam cumulativos,
ou seja, a impossibilidade e excessiva dificuldade na produção por uma
parte seja acompanhada pela maior facilidade pela parte adversa. Referido
entendimento se compatibiliza com o texto do parágrafo segundo de acordo
com o qual a dinamização não pode gerar situação em que a desincumbência
do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
A jurisprudência do STJ já acolheu a dinamização nas seguintes hipóteses:
na responsabilidade civil ambiental84, na tutela do idoso85 e na responsabilidade
civil por erro médico86. Esses casos, ocorridos antes da entrada em vigor do Novo
CPC, e nas demais situações da aplicação da regra da dinamização, percebe-se
a inserção do juiz como sujeito do contraditório e que tem poderes não só de
instrução, mas sim de cooperação para com as partes87.
81 SILVEIRA, op. cit. p. 215.
82 CARPES, Artur Thompson. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação das normas sobre o ônus
(dinâmico) da prova no Novo Código de Processo Civil. In: Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier
Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas
no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 209.
83 CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do ônus da prova).
Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada, Salvador:
Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier
Jr.). p. 262.
84 STJ. Resp., 883.656/RS – Rel. Herman Benjamin - 2ª T.. j. em 09/03/2010 – DJe 28/02/2012. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=883656&b=ACOR&p=true&l=10&i=7>.
Acesso em: 28 set. 2016.
85 STJ. RMS 38.025/BA – Rel. Min. Ségio Kukina, 1ª T., j. em 23/09/2014 – DJe DJe 01/10/2014. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=38025&b=ACOR&p=true&l=10&i=1>.
Acesso em: 28 set. 2016.
86 STJ. Resp. 69.309/SC, 4ª T., Rel. Ruy de Aguiar, j. em 18/06/1996, DJU 26/06/1996, p.29.6888, Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=69309&b=ACOR&p=true&l=10&i=3>
Acesso em: 28 set. 2016.
87 SILVEIRA, Bruna Braga da. A distribuição dinâmica do ônus da prova no CPC – 2015. In: Direito Probatório.
coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
Renata Chohfi Haik 355

Obviamente, a decisão deverá justificar a razão pela qual se entendeu que a


aplicação da regra geral, ou seja, da distribuição estática, implicaria na imposição
probatória excessivamente difícil para uma das partes, com a possibilidade de lhe
prejudicar quando do julgamento da ação, optando pela situação mais favorável
da parte adversa, a qual teria melhores condições de se desincumbir desse ônus.
Essa fundamentação é relevante para assegurar o pleno conhecimento pelas
partes do que será afetado pela dinamização, ou seja, fato controvertido certo,
dando-se oportunidade para que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe
foi atribuído (art. 373, § 1º, NCPC), em respeito ao princípio do contraditório.
Essa decisão poderá ser impugnada por meio de agravo de instrumento, nos
termos do artigo 1015, XI88 do NCPC89.
Eduardo Cambi90 observa que a dinamização não pode ser aplicada
para compensar a inércia ou a inatividade processual da parte inicialmente
onerada, ressaltando que a regra busca evitar a formação da prova diabólica91
pela impossibilidade material que recai sobre uma das partes. No dizer do
autor, “o importante é que com a dinamização não se consagre a prova diabólica
reversa.”92 Assim, há um limite para a aplicação da dinamização, qual seja, ser
a prova muito difícil ou impossível de ser trazida aos autos, o que implicaria na
escolha antecipada do perdedor pelo juiz93. A simples dificuldade na produção
da prova não permite, pois, a utilização da técnica da dinamização.

1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 222.
88 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: [...] XI -
redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º.
89 De acordo com o Enunciado 9 do FPPC: “A decisão que não redistribui o ônus da prova não é impugnável
por agravo de instrumento, conforme dispõem os arts. 381, § 1º, e 1.022, havendo preclusão na ausência
de protesto, na forma do art. 1.022, §§ 1º e 2º.” O enunciado foi elaborado com base na versão da Câmara
dos Deputados e, por isso, não corresponde precisamente aos artigos atuais do CPC/2015. Nesse mesmo
sentido está a posição de Robson Godinho, para quem cabe apelação se a decisão indeferir a dinamização,
considerando-se a taxatividade das hipóteses que desafiam a interposição de agravo (GODINHO, Robson
Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo código de processo civil. São Paulo: Revista do
Tribunais, 2015. Coleção Liebman/coordenação Tereza Arruda Alvin Wambier, Eduardo Talamini. p. 214)
90 CAMBI, op. cit. p. 262.
91 Prova diabólica é, na definição de Bruno F. Cabral e Debora Dantas Cambussu, aquela modalidade de prova
impossível ou excessivamente difícil de ser produzida como, por exemplo, a prova de um fato negativo.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21525/breves-consideracoes-sobre-a-prova-diabolica-probatio-
diabolica-ou-devil-s-proof>. Acesso em: 25 jan. 2017.
92 CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do ônus da prova).
Direito Probatório. Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada, Salvador:
Juspodivm, 2016. 1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier
Jr.). p. 262.
93 SILVEIRA, Bruna Braga da. A distribuição dinâmica do ônus da prova no CPC – 2015. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. – 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 243.
356 Publicações da Escola da AGU

Em relação ao momento processual adequado para organizar a atividade


probatória, o artigo 357, inciso, III, do NCPC94 estabelece que deverá ocorrer
no despacho saneador, o que se mostra adequado para as partes, que saberão a
tempo quais fatos controvertidos deverão ser provados e por quem, podendo
de desincumbir do ônus que lhes serão atribuídos pela modificação, se houver.
Desse modo, entendemos inadequada a modificação do ônus da prova já no
despacho inicial porque ainda não se sabe quais serão os fatos controvertidos
que serão objeto de instrução probatória e se há algum litigante em situação
de dificuldade probatória e se o outro se encontra em melhores condições,
ou seja, não é possível avaliar nesse momento se presentes os requisitos da
dinamização. Ao mesmo tempo, deixar essa análise para a sentença minimiza
o debate processual, pegando as partes de surpresa, desperdiçando justamente
o aspecto positivo da dinamização que é o incremento da instrução processual
e, consequentemente, “um julgamento mais adequado e legítimo”95. Veja-se
ainda que, por força do parágrafo 1º do artigo 357, a decisão de saneamento
e organização do processo se estabiliza, devendo as partes, sob pena de
preclusão, manifestarem-se em cinco dias. Obviamente, é possível o pedido de
dinamização após esse momento, desde que tenha havido alguma circunstância
modificadora no decorrer do processo, mas, ao decidir, o juiz deverá conceder à
parte adversa o direito ao contraditório. Mas não é só: entendemos ser possível
a reversão da distribuição dinâmica ocorrida no despacho saneador caso tenha
se mostrado inadequada ao longo da instrução processual como numa situação
em que durante a instrução se verificar que a prova é impossível. O parágrafo
terceiro do citado artigo96 prevê ainda o chamado saneamento compartilhado,
incentivador de uma maior participação das partes com a finalidade de
racionalização da atividade probatória, trazendo, como consequência uma
maior celeridade ao processo97.
Uma vez traçadas as diretrizes gerais do direito probatórias no Novo
Código Processual, passemos a analisar a produção de provas específica
para os casos de assédio moral contra a Administração Pública.

94 Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento
e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as
questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;
95 SILVEIRA, op. cit. p. 234.
96 Art. 357, § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar
audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for
o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
97 NUNES, Guilherme de Paula Nascente. Notas sobre o saneamento compartilhado. In: Direito Probatório.
Coordenadores, Fredie Didier Jr. [et al.]. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016.
1104 p. (Coleção Grandes Temas no Novo CPC, v. 5; coordenador geral, Fredie Didier Jr.). p. 687.
Renata Chohfi Haik 357

4 AS PROVAS NOS CASOS DE ASSÉDIO MORAL EM FACE DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A primeira ideia que se pretende defender nesse tópico relaciona-se


ao risco que as partes assumem ao se utilizarem de um processo judicial.
Trata-se de uma escolha própria em que se deve saber das consequências
da não comprovação do alegado na inicial. Assim, deve a parte diligenciar
para cumprir as regras sobre o ônus da prova sob pena de sofrer os efeitos
de um julgamento desfavorável.
Em ação para reconhecimento de assédio moral quais são as provas
que podem ser apresentadas pelo autor? Alguns exemplos podem ser citados:
mensagens eletrônicas intimidatórias ou demonstradoras dos fatos; indicação
de testemunhas; gravação telefônica98; cópia de reclamação administrativa ou
processo administrativo disciplinar relativos às partes envolvidas; documentos
comprobatórios da insalubridade do local de trabalho dolosamente provocada
com intuito de assédio; cópia de Boletim de Ocorrência, etc.
A inicial deve, pois, apresentar os indicativos da conduta lesiva do Estado.
Muitas vezes percebe-se a descrição de uma situação fática extremamente grave,
mas esse quadro pintado inicialmente, bastante sombrio, já é desqualificado
quando o réu apresenta sua contestação. Como se sabe, o ônus da prova está
intrinsicamente ligado com a acepção lógica de quem alega deve provar,
conforme artigo 373 do NCPC. Quem deve provar os fatos que originaram
o suposto assédio? O autor. Fato não provado é fato inexistente.
O autor deverá então provar o fato, devendo o réu fazer a prova
quando reste demonstrado o fato constitutivo do direito do autor. Como
bem avaliam Lucas Buril de Macêdo e Ravi Peixoto99,
O risco da não-prova assumido pelo réu não recai sobre a negativa dos
fatos alegados pelo autor, mas em contrapartida, pesa sobre a defesa
indireta que aduzir em sua resposta, que são aqueles fatos jurídicos
capazes de fazer cessar a eficácia do fato constitutivo, ou modificar o
direito controvertido.
Os fatos negativos fazem parte da chamada defesa indireta e são divididos
em fatos extintivos, modificativos e impeditivos.

98 A jurisprudência de nossos Tribunais tem entendido que a gravação de conversas, se feita por um dos
interlocutores, é meio lícito de prova não se confundindo com a interceptação telefônica (exemplos: STJ -
RMS 19785/RO, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2005/0046880-2. Relator Min. Arnaldo
Esteves de Lima. 5º Turma/STJ. Publicado no DJ em 30.10.2006, p. 335. Também STF - AG.REG.NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 578858 RS – rel. Min. Ellen Gracie).
99 MACÊDO, Lucas Buril de, PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e sua dinamização. 2. ed, revista e atualizada.
Bahia: Jus Podivm, 2016. p. 105.
358 Publicações da Escola da AGU

Em sua defesa, o réu poderá negar a existência dos fatos, mas, como se
sabe, essa prova de que não houve o assédio não é simples. Trata-se de faculdade
do réu porque ao mesmo não é conferido ônus probatório quando ele nega os
fatos constitutivos do direito do autor. É muito comum que a defesa descreva os
fatos ocorridos como decorrência da quebra dos deveres legais dos servidores
previstos no artigo 116 da Lei 8.112/90100 como por exemplo, quebra do dever
de assiduidade e de urbanidade. Mas a Administração comumente demonstra
a prescrição dos fatos e também fatos modificativos e impeditivos. Exemplo:
servidor público alega assédio moral e na defesa o réu demonstra que o autor,
nos últimos cinco anos (prazo prescricional), ficou afastado do serviço em
licença para tratamento de saúde de parente. Ora, uma vez afastado, como
pode ter sido assediado moralmente? Caso tenha sido coagido, como hipótese,
a retornar ao trabalho, provavelmente terá a documentação.
É muito comum, entretanto, que o autor queira transferir ao réu a
prova da existência do assédio moral com base no princípio constitucional da
inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º, XXXV da Constituição101
e artigo 3º do CPC/2015102), além do princípio cooperativo já mencionado
anteriormente. Ocorre que o acesso à justiça engloba tanto o direito de ação
como o direito de defesa. Assim, não pode o autor, com base no acesso à justiça
e no modelo cooperativo pretender transferir de antemão o encargo probatório
exclusivamente ao réu por este estar supostamente em situação de vantagem
no processo. Como se sabe, o acesso à justiça proporciona o direito ao processo
justo o qual existirá quando o magistrado, ao analisar o caso concreto, verificar
se há ou não dificuldade na produção de provas, evitando-se que um eventual
comodismo instrutório do autor prejudique o réu.
Está a Administração Pública em melhor posição para comprovar os
fatos ocorridos nos casos de assédio moral? Não possui o assediado, a parte a
quem incumbe o ônus da prova do fato relevante, ao menos a possibilidade de
100 Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; IV - cumprir as
ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; V - atender com presteza: a) ao público em geral,
prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas
para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da
Fazenda Pública. VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência
em razão do cargo; VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da
autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade
competente para apuração; (Redação dada pela Lei nº 12.527, de 2011) VII - zelar pela economia do material e
a conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição; IX - manter conduta
compatível com a moralidade administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com urbanidade
as pessoas; XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. Parágrafo único. A representação
de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela
contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.
101 Art. 5. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
102 Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
Renata Chohfi Haik 359

produzi-la? Ora, as mensagens eletrônicas intimidadoras e os outros exemplos


mencionados acima estão ao alcance do “assediado” e muitas vezes não estão
disponíveis para a própria Administração Pública já que os fatos se relacionam,
na maior parte das vezes, apenas entre os envolvidos, o assediado e o agente
do Estado e não se deram diretamente por uma decisão global da instituição.
Certamente, entretanto, que a Administração, ao se defender irá trazer aos
autos todos os elementos de que dispõe, tais como documentos oriundos de
seus sistemas informatizados comprobatórios, por exemplo da frequência
do servidor, de seus pedidos de licença médica, processos administrativos,
imagens oriundas de câmeras de segurança das repartições, etc.
Após a contestação, o panorama do processo estará mais claro e
o juiz como o gestor da prova, agora com maiores poderes pelo NCPC,
verificará, diante do caso concreto quem está em melhores condições de
produzir a prova e, consequentemente, distribuir esse ônus entre as partes,
com base no art. 373, parágrafo 1º, do NCPC.
Importante distinguir a inversão do ônus da prova da dinamização. A
primeira, prevista no inciso VIII do art. 6º do CDC prevê, antecipadamente, que
nas relações de consumo, nas hipóteses de hipossuficiência ou verossimilhança
das alegações, o autor está dispensado da comprovação do fato constitutivo
do direito alegado, cabendo ao réu referido ônus de provar a inexistência
do fato. Já a teoria dinâmica do ônus da prova, que independe de qualquer
relação de consumo, não há troca de ônus probatório, havendo tão somente
a determinação pelo magistrado de quem deve produzir determinada prova,
conforme as particularidades do caso concreto. Nesta última, não recai sobre
a parte o ônus da prova de todos os fatos controvertidos, mas apenas daquele
que puder provar de modo mais fácil. Assim, discordamos veementemente
dos casos em que a parte, alegando assédio moral, pede a inversão do ônus da
prova, transferindo todo o encargo probatório para a Administração Pública.
A inversão total, aplicável, sim, às relações de consumo, se aplicada em todas
as ações de assédio moral em face da Administração Pública, com a falsa
premissa de hipossuficiência probatória pelo autor, acabará por transferir
toda a prova dos fatos para a ré, em nítida afronta às regras processuais e
em desrespeito à justiça no caso concreto.
Se o autor, por exemplo, afirma que o assediador possui um histórico
de assédio sendo pessoa que reiteradamente se utiliza dessa prática, pode o
juiz, com base em seus poderes instrutórios, determinar a juntada de eventuais
processos administrativos contra o mesmo. Nesses casos, obviamente
a Administração está na posse da coisa ou do instrumento probatório,
sendo o único que dispõe da mesma e, aí, deverá trazê-lo aos autos eis que
a presunção de veracidade não é admissível em face da Fazenda Pública,
dada a indisponibilidade do direito em litígio. Mas em muitas situações a
360 Publicações da Escola da AGU

Administração não pode provar simplesmente porque não está em posição


privilegiada em relação ao material probatório. Se o autor alega que foi
ameaçado verbalmente de maneira reiterada. Está o réu em melhor condição
de provar que não foi? A prova testemunhal é que elucidará esses fatos e a
testemunha poderá ser trazida tanto pelo autor como pelo réu.
Não se pode, pois, permitir que a inércia e indiligência do onerado o
beneficie pela dificuldade de obtenção da prova, onerando a Administração
com a prova da verdade real. A parte que deduz certa alegação de fato
normalmente está em posição de maior proximidade com as fontes de
prova, possuindo, assim, melhores condições de provar. Situar-se em
melhores condições não se traduz, de modo algum, com maior comodidade
na produção de certa prova por um litigante em relação ao outro.
Deve-se lembrar que há duas condições para a dinamização do ônus
da prova, quais sejam, a elevada dificuldade na prova a quem incumbiria o
ônus segundo as regras clássicas e melhores condições da parte contrária
nessa mesma prova que, para a parte inicialmente onerada é impossível ou
extremamente difícil. Reitera-se que a Administração possui controle de
alguns meios de prova tais como os documentos oriundos de seus sistemas
informatizados, mas não de todos os fatos que acontecem no âmbito de
suas repartições. Veja-se que, se a prova estiver em poder do autor, este
terá o ônus de fornecer os elementos necessários aos autos. Claro que é a
luz do caso concreto que essa situação deverá ser verificada.

5 CONCLUSÃO

O assédio moral se caracteriza pelo abuso cometido geralmente por


pessoa hierarquicamente superior em relação a seus subordinados e pode
acarretar danos de natureza psicológica ou física pela exposição a situações
vexatórias, incômodas e humilhantes. Para que seja configurado, deve ser
de natureza grave e se prolongar no tempo de modo a gerar um dano no
assediado. Para a sua caracterização em juízo devem ser provados o assédio,
a intenção de prejudicar o assediado assim como as sequelas, ou seja, o abalo
moral e a situação vexatória.
O novo Código de Processo Civil ampliou as ideias de ativismo judicial,
cooperação, efetividade e fundamentação. Previu-se a expressa possibilidade
de dinamização do ônus da prova quando em relação à parte adversa, a outra
parte tiver informações específicas sobre o ocorrido, conhecimentos técnicos
ou maior possibilidade em demonstrar os fatos. Além disso, a parte contrária
deverá estar em situação de excessiva dificuldade na produção das provas.
Com base nessas novas possibilidades constatamos um crescimento das
ações visando o reconhecimento de assédio moral em face do Poder Público
Renata Chohfi Haik 361

com o expresso pedido de inversão do ônus probatório já na petição inicial.


Todavia, a dinamização é medida excepcional para evitar o comodismo
instrutório, devendo, pois, ser sempre analisada à luz do caso concreto e no
momento das fases saneadora e instrutória. Relembramos que o artigo 373 do
Código de Processo Civil vigente estabelece requisitos que são cumulativos,
ou seja, não são excludentes o que nos leva a concluir que é imperioso ser
demonstrado, em caso de dinamização contra a Fazenda Pública, que esta
tem melhores condições de fazer a prova, o que na maioria dos casos não
ocorre que a responsabilidade nesses casos é subjetiva e não objetiva.
Deve ser lembrado ainda que a iniciativa probatória do magistrado
com a determinação de provas que entender importantes e eliminando as
provas que entender protelatórias acabou por minimizar a necessidade da
dinamização do ônus da prova.
Desse modo, conclui-se pela excepcionalidade da dinamização do
ônus da prova nos casos de assédio moral no serviço público.

REFERÊNCIAS

BRASIL. STJ. RMS 38.025/BA – Rel. Min. Ségio Kukina, 1º T., j. em 23/09/2014
– DJe 01/10/2014. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/
doc.jsp?livre=38025&b=ACOR&p=true&l=10&i=1>. Acesso em: 28 set. 2016.

BRASIL. STJ. Recurso Especial N. 1.286.466/RS, Rel. Min. Eliana Calmon,


julgado em 03/09/2013, DJe 18/09/2013. Disponível em: ‹http://www.stj.jus.
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