Glaucia Eunice Gonçalves Da Silva
Glaucia Eunice Gonçalves Da Silva
Glaucia Eunice Gonçalves Da Silva
25 a 27 de setembro de 2017
Pelotas/RS – Brasil
1
Teoria do discurso e etnografia pós-estruturalista: aproximações metodológicas para
investigação no campo da educação especial
RESUMO:
A teoria do discurso tem sido apropriada para o campo da educação por diferentes
pesquisadoras (Macedo, 2006; Lopes, 2012; Southwell, 2013; Burgos, 1994; Alba,
1998). Tais cientistas apontam a teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal
Mouffe como potente ferramenta na investigação de políticas educacionais. Nesse
sentido, este artigo problematiza o uso da teoria do discurso na investigação das
políticas educacionais no contexto escolar, abordando especificamente os processos
educativos de alunos com deficiência intelectual. Este estudo pretende discutir
ferramentas que tornem possível a investigação das produções discursivas em uma
escola pública, assim como os instrumentos utilizados para realizar essa análise.
Defende-se a ideia de uma aproximação entre a etnografia pós-estruturalista e a
teoria do discurso. Por fim, articula as possibilidades, procedimentos e práticas que
permitem a aproximação entre essas estratégias metodológicas.
O caminho agonizava,
morria sozinho... Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
(Mario Quintana)
Introdução
3
teórico-metodológica percepta as multiplicidades, peculiaridades e minúcias sem
perder a rigorosidade. Nesse sentido, a Teoria do Discurso propicia a análise
necessária ao objeto de pesquisa, já que potencializa as possibilidades discursivas a
cerca da deficiência intelectual com a finalidade de vislumbrar caminhos diversos
para além daqueles que já foram percorridos.
1
A sigla GPS significa, em inglês, Global Positioning System, ou, em português, Sistema Global de
Posicionamento, baseado em satélite, utilizado para informar coordenadas de posição.
5
Acredita-se que uma abordagem teórico-metodológica com base na teoria do
discurso ofereça outras possibilidades de investigar a deficiência intelectual, porém a
pesquisadora para além da Psicologia. Utilizar a teoria do discurso de Laclau é
apropriar-se de uma teoria potente na investigação de um objeto complexo.
As estruturas no contexto da escola não estão dadas, são sempre criadas
contingencialmente; assim, para análise dos dados, propõe-se uma estruturação dos
elementos do contexto escolar a fim de organização e exposição da análise. Para
tal, utilizou-se a etnografia pós-estruturalista.
Antes de mais nada é preciso esclarecer que uma boa teoria não garante a
solução ao problema de pesquisa, tão pouco a definição metodológica a ser
empregada. As teorias não são corpos de conhecimentos fixos hábeis a solucionar
problemas complexos como os pesquisados nas ciências sociais e humanas. É
necessário uma reapropriação, ajustes as condições específicas do problema
encontrado.
7
metodologias, produzindo metamorfoses no trabalho de campo. Eis que surge uma
antropologia cuja coleta e análise de dados não garantirão uma compreensão
completa do fenômeno pesquisado, senão uma multiplicidade de sintomas
promitentes a sustentar um diálogo crítico e profundo sobre um dado fenômeno.
(CLIFFORD, 1999)
Esse exercício etnográfico insiste na ambivalência, na desautorização, na
evocação, na polifonia, na crise de representação que exige o cruzamento de
diferentes fontes de informações. (KLEIN;DAMICO, 2014) Nesse sentido, esta
pesquisa utilizará como fonte: os documentos oficiais, anotações, escritos e
desenhos produzidos pelos alunos investigados, caderno de campo, narrativas,
entrevistas, relatórios e fotografias.
A partir desta tessitura metodológica, a seção seguinte se inscreve na
tentativa de mostrar alguns passos referentes aos dados coletados.
8
analisado foi composto por documentos normativos, orientativos, médicos e
pedagógicos. Considerou-se os escritos internos e externos quando implicados no
contexto local. Assim, coletou-se projeto político-pedagógico escolar, plano de AEE,
relatórios de desenvolvimento do aluno, diagnósticos de alfabetização, projetos
escolares ligados à inclusão, produções dos alunos, fichas de alunos, dossiê, entre
outros documentos produzidos nacionalmente, como o Estatuto da Pessoa com
Deficiência e Plano Nacional de Educação.
Esta pesquisa investiga as dimensões significativas de fenômenos educativos
em uma escola. Fiel a esse propósito, a observação se torna um procedimento
adequado para “provar profundamente e analisar intensamente o fenômeno que
constitui o ciclo vital da unidade a fim de estabelecer generalizações acerca da mais
ampla população a que pertence tal unidade” (COHEN; MANION, 1990, p. 164). A
partir do objeto de estudo, coube à pesquisadora a observação como procedimento
para compreender o espaço pesquisado.
Na observação participante, realizada neste estudo, a pesquisadora contou
com roteiro prévio a fim de guiar seu olhar e responder ao problema de pesquisa,
contudo os registros se deram a partir da sensibilidade da pesquisadora.
A pesquisadora permanecia com a criança nos diferentes espaços da escola
e acompanhou as atividades em sala de aula, em SRM, sala de informática,
recreações, festas, entre outros. Houve envolvimento da pesquisadora com o
ambiente escolar, contudo, buscou-se manter o estranhamento necessário para a
condução do trabalho. Isso exigiu que a pesquisadora captasse os modos de
atuação dos elementos imbuídos no processo de desenvolvimento dos alunos e
registrasse suas percepções. É importante ressaltar que a subjetividade da
pesquisadora circulou nos processos de registro, contudo, buscou-se o
distanciamento do fenômeno observado.
Para o registro das informações observadas utilizou-se caderno de campo,
fotografia e captação de áudio. Durante a observação registrava o que mais
chamava atenção da pesquisadora, para, após o término da atividade de campo,
acrescentar informações mais detalhadas e precisas sobre a observação realizada.
9
Coletou-se também desenhos produzidos pelos alunos, cópias dos cadernos dos
alunos e fotografias.
As observações se deram em diferentes dias da semana e horários. A
pesquisadora não informava previamente o dia em que pretendia visitar a escola,
apenas informará o mês de dezembro como término das atividades de pesquisa.
Isso se deu para que os sujeitos participantes não criassem cenários para serem
observados. Houve também a observação de reunião na Sala de Recurso
Multifuncional, envolvendo a SME e outros professores de AEE.
A entrevista aberta é um potente instrumento para coleta de dados, sendo
importante atentar-se para o caráter de interação que permeia a entrevista. Apesar
do pesquisador saber o que pretende coletar, não há imposição de uma ordem
rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas
informações que ele detém e aproveita o clima de espontaneidade que a interação
permite. O entrevistador precisa considerar as respostas verbais, sobretudo os
gestos, as expressões, sorrisos, emoções. Não é possível aceitar tão somente a fala
verbalizada como verdade única, é preciso analisar essa fala à luz de toda
linguagem expressada e confrontá-la com outras informações (LUDKE; ANDRÉ,
1986).
A partir da observação, a pesquisadora propunha questões para aprofundar o
entendimento sobre a ação observada, ou realizava perguntas a fim de esclarecer
dúvidas envolvendo os sujeitos pesquisados. Durante vários momentos as
entrevistas aconteciam em um tom informal, garantindo a tranquilidade e
espontaneidade do entrevistado. A pesquisadora buscava não interromper e ouvir a
narrativa dos sujeitos. Quanto ao registro, nem sempre foi possível gravar as
narrativas, em alguns momentos registrou-se os depoimentos no caderno de campo.
Realizou-se entrevistas com todos os sujeitos primários e secundários,
incluindo também uma técnica do laboratório de informática e duas técnicas de
desenvolvimento educacional especializado que contribuíram com falas significativas
sobre o desenvolvimento humano de alunos com deficiência.
A duração de cada entrevista variou sem ter um período mínimo ou máximo,
dependia unicamente do tempo que o entrevistado necessitava para narrar suas
10
ideias. Assim, as entrevistas foram transcritas e serão analisadas juntamente com os
demais instrumentos da pesquisa no momento da análise dos dados; as narrativas
produzidas através das entrevistas serão utilizadas como “cenas” conexas ao
contexto da observação.
É salutar apontar a relação de confiança estabelecida entre os sujeitos e a
pesquisadora. A afinidade desenvolvida permitiu a fluição do trabalho e uma coleta
de dados bastante rica.
Para analisar e atribuir sentidos a um material qualitativo, é preciso penetrar
nos significados que os atores sociais compartilham na vivência de sua realidade.
Dessa forma, a abordagem teórico-metodológica para análise do material empírico
será a análise do discurso.
Classicamente, a análise do discurso é o nome dado a uma variedade de
estudos de textos desenvolvidos a partir de diferentes tradições teóricas. “A análise
do discurso objetiva realizar uma reflexão sobre as condições de produção e
apreensão do significado de textos produzidos em diferentes campos, por exemplo,
o religioso, o filosófico, o jurídico e o sociopolítico” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.
25). Os pressupostos para análise indicam que os sentidos dos significantes não
existem em si mesmos; expressam posições discursivas em um jogo de identidades
que se articulam em uma arena social na qual as relações são produzidas. A análise
do discurso considera que a linguagem não é transparente, mas opaca. O
pesquisador faz uma leitura dos elementos linguísticos e extralinguísticos, enfocando
a posição discursiva dos sujeitos.
Para Burity (2014), os fenômenos sociais não têm uma única forma de
abordar, descrever e de explicar, pois não estão dispostos numa relação simples de
causalidade, é um entrelaçamento de diversos acontecimentos. Nesse sentido,
como organizar os dados sem cair nas armadilhas da causa-consequência,
factualidade, minimização e linearidade?
A organização de dados só é possível a partir da crença de que não haverá
um ato único capaz de encontrar mecanismos cujo desdobramento automático
ofereça todas as respostas; não é possível uma ordenação de efeitos causados
pelas relações, bem como a apreensão da totalidade do social, mas é possível uma
fixação de um sistema de diferenças articuladas, mas, ao mesmo tempo, cindidas,
descentradas, mostrando o que escapa, sem que nenhuma estrutura possua
unidade. Trata-se de uma estrutura deslocada, de modo que seus elementos
integrantes se prestam a outras formas de articulação, mas que também permite
apontar formações discursivas hegemônicas estabelecidas no contexto social
(LACLAU, 2011).
A teoria do discurso de Laclau e Mouffe não tem um método, assim trilhou
caminhos apontados pela etnografia pós-estruturalista a fim de coletar dados para
posterior análise a partir da teoria do discurso.
Considerações finais
12
Novos caminhos e diferentes roupagens não negam a cientificidade da
pesquisa, demarcam a composição e o desenho teórico-metodológico desenvolvido
pelo pesquisador. O que se pretendeu foi utilizar a teoria do discurso a partir de
passos que não deixassem as técnicas e métodos utilizados na pesquisa se
descolarem dos sentidos que a sustentam.
O que se buscou na intelecção entre teoria do discurso e etnografia pós-
estruturalista foi encontrar meios para investigar os objetos e práticas no contexto
escolar a fim de compreender os significados em torno do desenvolvimento humano
da pessoa com deficiência.
Referenciais bibliográficos
13
GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2009.
GILL, R. Análise de Discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa
qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2002.
LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.
LIMA, V.C.O. Alunos abjetos: etnografia da inclusão numa escola municipal de
Fortaleza. Tese. Universidade Federal do Ceara, Faculdade de Educação,
Fortaleza, 2016.
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: E.P.U., 1986.
KLEIN, C. Biopolíticas de inclusão social e produção de maternidades e
paternidades para uma “infância melhor”. Tese. Programa de Pós-Graduação em
Educação. Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2010.
REYNOSO, C.(Org.) El surgimento de la antropologia posmoderna.
Barcelona:Gedisa, 2003.
ROCHA, J. S. Castigo e Crime: Adolescentes criminalizados e suas interações com
as condutas de risco, a educação e o sistema de justiça. Tese. Universidade Federal
de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2016.
SOUTHWELL, M. (en prensa). Análisis político del discurso: posiciones y
significaciones para la política educativa. In: TELLO,C. (Org.) Política y
epistemología de la investigación educativa, Buenos Aires, 2012.
14