Galileu #376 - Jul23

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CLUBE DE REVISTAS

A ASTROFÍSICA
BRASILEIRA
QUE ESTUDA
BURACOS
NEGROS EM
INSTITUTO
FREQUENTADO
POR ALBERT
EINSTEIN
A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO ED. 376 JULHO DE 2023 NOS EUA

CIDADES PARA QUEM?


MUNICÍPIOS DO PAÍS SOFREM COM
VERTICALIZAÇÃO ACELERADA E POUCA
REPRESENTAÇÃO POPULAR NO DEBATE
SOBRE PLANOS DIRETORES
CLUBE DE REVISTAS

COMPOSIÇÃO
JULHO DE 2023

03
CAPA
MUDANÇAS
NAS CIDADES
BRASILEIRAS
ACENTUAM
DESIGUALDADES

“Regulação das Big Techs não vai


restringir a liberdade de expressão”
20 Entrevista com Clara Iglesias Keller

38
CIÊNCIA

QUEM É A CIENTISTA
POR TRÁS DE NOVA
FOTO DE BURACO NEGRO
46
QUER QUE EU DESENHE?
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SOCIEDADE
REPORTAGEM Roger Marza EDIÇÃO Luiza Monteiro ILUSTRAÇÃO Davi Augusto DESIGN Flavia Hashimoto

CIDADES PARA QUEM?


CIDADÃOS BRASILEIROS LUTAM POR MAIOR
PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PROCESSOS DE REVISÃO
DE PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS. SEM DEBATE,
CIDADES DO PAÍS CRESCEM E SE VERTICALIZAM DE
MANEIRA ACELERADA, ACENTUANDO DESIGUALDADES
E RISCOS AMBIENTAIS
O
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Onde antes havia um quarteirão com casas ou


prédios baixos, vem um tapume. Rapidamente,
começa a demolição, seguida pela construção
de um estande anunciando os pontos altos (às
vezes literalmente) do novo edifício que será
erguido ali. Quando a obra começa, arrastam-
-se meses de betoneiras, caminhões e guin-
dastes ocupando a rua, sem contar a poeira, o
barulho da bate estaca e todo o arsenal neces-
sário para erguer um prédio.

Essa virou a realidade em diversos bairros de


São Paulo — o que já se reflete em números. A
capital paulista oficialmente tem mais prédios
do que casas: são 183,7 milhões de metros qua-
drados de casas contra 190,4 milhões de metros
quadrados de prédios. É o que revela o Painel
Cadastral da Cidade de São Paulo, divulgado em
maio, desenvolvido pelo Centro de Estudos da
Metrópole da Universidade de São Paulo (USP)
em parceria com a Secretaria Municipal de Urba-
nismo e Licenciamento. A mudança já é perceptí-
vel aos olhos nas zonas Leste, Oeste, Sul e Norte.

O ritmo de mudanças da cidade acelerou pa-


ralelamente à revisão do Plano Diretor Estra-
tégico, aprovado em 2014 pelo então prefeito
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Fernando Haddad (PT). O PDE, como ficou conhecido, é uma lei


que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano do mu-
nicípio até 2029. Ele prevê, por exemplo, a construção de pré-
dios próximos aos eixos de transporte público da cidade. Tam-
bém estabelece regras para a altura dos edifícios que podem ser
construídos e apresenta planos estratégicos de crescimento e de
moradia para a população de baixa renda. Traz, ainda, análises
de impacto ambiental, de modo que o desenvolvimento urba-
no garanta o fornecimento de água, esgoto e a criação de áreas
verdes. Na definição da própria prefeitura, a principal diretriz é
aproximar emprego e moradia a partir de um plano elaborado
com a participação de toda a sociedade. Para muitos paulistanos,
porém, não é o que está acontecendo.

EXPECTATIVA X REALIDADE
Em 2021, segundo ano da pandemia de Covid-19, São Paulo co-
meçou a ver mudanças intensas no que se refere à verticalização.
Foi naquele mesmo ano que a prefeitura deu início ao processo
de revisão intermediária do PDE. Com a maior parte da popula-
ção em casa devido à crise sanitária, porém, a participação po-
pular ficou limitada. Tanto que, em maio daquele ano, foi criada
a Frente São Paulo Pela Vida, iniciativa que reuniu 376 entidades
e alguns vereadores para defender que o debate sobre o plano
diretor esperasse a pandemia arrefecer, de modo que o diálogo
com a população fosse presencial, e não online. Mesmo assim, o
processo de revisão seguiu.
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Em 2023, mais de 50 audiências públicas ocorreram em pouco


mais de um mês até a primeira votação do novo texto do plano
diretor de São Paulo, no último dia 31 de maio. Mas houve críticas,
já que seria pouco tempo para que o debate ocorresse com am-
pla partcipação dos cidadãos. Movimentos sociais e entidades da
sociedade civil protestaram alegando que o texto aprovado — em
primeiro turno — não levou em conta suas reivindicações.

Para a jornalista Gisele Brito, mestra em Planejamento Urbano, esse


processo feriu o Estatuto da Cidade, que determina em lei a partici-
pação popular. “O que tem acontecido nos últimos anos, não só no
plano diretor, é que você abre espaços formais de participação, mas
isso não significa participação de verdade”, opina Brito, que é coor-
denadora da área de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto de
Referência Negra Peregum, ONG que busca fortalecer a representa-
ção da população negra e periférica. Ela reconhece que os interes-
ses do mercado imobiliário são legais, mas os considera ruins para a
cidade. “Era preciso ter mediação, e isso não acontece, de fato.”

Após novas audiências públicas, a revisão do PDE de São Paulo


foi oficialmente aprovada na Câmara Municipal em 26 de junho de
2023, por 44 votos a favor e 11 contrários, e aguarda sanção pelo
prefeito, Ricardo Nunes (MDB). “A aprovação da lei não exclui a
observância da efetivação da lei pela sociedade civil, que deverá
se manter muito próxima do Executivo, atentos à sua aplicação”,
orienta a advogada Rosa Ramos, presidente da Comissão Perma-
nente de Meio Ambiente da OAB-SP.
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Uma das alterações mais controversas diz respeito à construção de


prédios próximos a eixos de transporte: na versão original do PDE,
prédios mais altos poderiam ser erguidos num raio de até 600 me-
tros das estações de trem e metrô; agora, essa distância passa a ser
de 700 metros. Em regiões com corredor de ônibus, o limite que an-
tes era de 300 metros passa a ser de 400 metros. Na prática, espe-
cialistas avaliam que a mudança levará os espigões para os miolos
dos bairros. “Isso causa descaracterização e perda dos laços comu-
nitários. Os projetos de edificação repetidos inúmeras vezes des-
personalizam a identidade e a diversidade urbana”, critica a psicó-
loga Maria da Penha Vasconcellos, coordenadora de estudos sobre
planos diretores do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Um dos argumentos para a construção de mais prédios é oferecer


uma oferta maior de moradias. Não à toa, explodiu o número de em-
preendimentos dos chamados microapartamentos — aqueles com
30 m² ou menos. Dados do Sindicato da Habitação de São Paulo
(Secovi-SP) divulgados pelo portal UOL em março revelam uma alta
de 3.427% desses imóveis entre 2016 e 2022. Mas esse crescimento
não se reflete em uma cidade menos desigual.

ALÉM DE SÃO PAULO


O plano diretor de Aracaju foi promulgado em 2000 e, segundo a
arquiteta e urbanista Catarina Carvalho Santos Melo, pesquisadora
do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles, foi aprovado
às pressas. “Diversas diretrizes foram alteradas no projeto de lei
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desenvolvido pelo corpo técnico, fazendo com que a lei aprovada


fosse muito permissiva em relação às diretrizes urbanas”, afirma
Melo. Houve uma tentativa de revisão, que iniciou em 2005 e se
arrastou até 2012, mas foi suspensa. O projeto havia sido alterado
a partir da aprovação de emendas que contrariavam interesses co-
letivos defendidos no projeto original.

Três anos depois, a revisão foi retomada, mas novamente empacou.


Em 2018, um novo processo começou e, em 2021, foi aberta consul-
ta pública à população e a diversas entidades. “Políticos e movimen-
tos sociais exigiram, em carta aberta, a publicização de documentos
que subsidiam todas as fases, como diagnósticos atualizados, pro-
postas pactuadas etc., bem como ampliação da quantidade de audi-
ências públicas e dos prazos de todo o processo”, relata Melo. Mais
uma vez, porém, o processo está parado. “O portal da prefeitura não
divulga notícias desde novembro de 2021”, relata a urbanista.

“É a grande contradição: será que


a gente consegue fazer melhorias
[na cidade] sem provocar
gentrificação? Em teoria, sim,
poderia haver uma saída,
que é o PDE.”
Susana Valansi, arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura,
Desenho e Urbanismo da Universidade de Buenos Aires
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Enquanto isso, a capital de Sergipe muda a passos rápidos, e os


mais prejudicados são os moradores de baixa renda. É o que apon-
ta um artigo publicado em dezembro do ano passado na Revista
Brasileira de Direito Urbanístico, assinado por Catarina Melo e Sa-
rah Lúcia Alves França, professora adjunta do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. Em
2000, Aracaju abrigava 461.534 habitantes em 35 bairros e uma
Zona de Expansão Urbana. Hoje, com cerca de 200 mil habitantes
a mais e várias alterações nas leis, uma nova configuração é visível
na capital. “Resultado da expansão nos vetores oeste e sul, em es-
pecial para bairros sem infraestrutura (...) e de um déficit de 33.817
moradias”, diz o artigo de Melo e França.

Para a pesquisadora do Observatório das Metrópoles, isso é resul-


tado de uma profunda desigualdade. “Quando os interesses de uma
minoria com maior poder aquisitivo se sobrepõem aos interesses
da população em geral no planejamento da cidade, e quando a ges-
tão pública não garante o cumprimento da legislação assegurando
a função social da propriedade, está ferindo o Estatuto da Cidade.”

O LADO MAIS FRACO


A arquiteta e urbanista Susana Valansi mudou-se de Buenos Aires
para São Paulo no final dos anos 1970. Com mestrado e doutorado
pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), hoje
ela é professora colaboradora no programa de doutorado da Fa-
culdade de Arquitetura, Desenho e Urbanismo da Universidade de
Buenos Aires (FADU-UBA), onde fez a graduação. E uma pergunta
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que não sai de sua cabeça é: como fazer com que as melhorias a
serem realizadas no espaço urbano não causem a expulsão de mo-
radores de baixa renda? “É a grande contradição: será que a gente
consegue fazer melhorias sem provocar gentrificação? Em teoria,
sim, poderia haver uma saída, que é o PDE. Mas é necessária uma
alta intervenção estatal a favor das classes populares, e não é o que
estamos vendo agora em São Paulo”, avalia Valansi.

A tal gentrificação citada pela argentina é a versão aportuguesada


de gentrification (de gentry, “pequena nobreza”, em inglês). De acor-
do com a Enciclopédia de Antropologia, elaborada pelo Departa-
mento de Antropologia da USP, o conceito foi criado pela socióloga
britânica Ruth Glass (1912-1990) no livro London: Aspects of change
(1964), para descrever e analisar transformações observadas em
bairros operários de Londres, na Inglaterra. “Em sua definição pri-
meira, o termo refere-se a processos de mudança das paisagens
urbanas, aos usos e significados de zonas antigas e/ou populares
das cidades que apresentam sinais de degradação física, passando
a atrair moradores de rendas mais elevadas”, descreve a Enciclopé-
dia, em texto do cientista social Maurício Fernandes de Alcântara.

Os “gentrificadores” mudam-se gradualmente para essas regiões,


atraídos por características como arquitetura das construções, in-
fraestrutura, localização central ou privilegiada e baixo custo em
relação a outros bairros. “A concentração desses novos moradores
tende a provocar a valorização econômica da região, aumentando
os preços do mercado imobiliário e o custo de vida local, e levando
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à expulsão dos antigos residentes e comerciantes.” Isso impacta so-


bretudo populações mais vulneráveis e com menos opções de mo-
bilidade no território urbano.

“Lamentavelmente, isso está acontecendo no mundo inteiro”,


afirma Susana Valansi. Ela traz como exemplo sua própria cidade
natal. Em Buenos Aires, a prefeitura quer “revitalizar” a favela
Villa Rodrigo Bueno, que há mais de 80 anos ocupa uma área ao
lado do Rio da Prata, na turística região de Porto Madero. A maior
procura por viver próximo à natureza está atraindo pessoas de
classe média e alta para o local. Um empreendimento chama-
do Costa Urbana prevê a construção de torres de apartamentos
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bem ali. Mas quem poderá pagar o preço dos imóveis não são os
atuais moradores da região.

Diversas audiências públicas já foram realizadas, além de pas-


seatas e mobilizações por parte dos moradores de Villa Rodrigo
Bueno. “As audiências foram virtuais por causa da pandemia. Fo-
ram, sei lá, mais de 3 mil expositores, entre exposições individu-
ais, coletivos sociais, associações profissionais, ambientalistas; e
98% das apresentações foram contrárias aos projetos”, conta Su-
sana. “E o que fizeram com isso? Estão fazendo o empreendimen-
to, apesar de a gente continuar rejeitando e fazendo mobilização
popular”, lamenta a urbanista.

A gentrificação também é um instrumento de perpetuação do ra-


cismo. Pesquisadores do Laboratório Espaço Público e Direito à
Cidade (LabCidade), da FAU-USP, usaram dados do Censo Demo-
gráfico do IBGE de 2010 para criar uma cartografia da população
de São Paulo distribuída pelos bairros com base em raça. “Seja
em casas ou prédios, a segregação racial é evidente: as áreas his-
toricamente com melhor infraestrutura da cidade são brancas e
de média e alta renda”, afirmam os autores no artigo A verticali-
zação de mercado em São Paulo. “O mapa mostra que são pesso-
as brancas que habitam os bairros historicamente transformados
pelo mercado imobiliário para construção de edifícios verticais de
apartamentos. Isso demonstra que, do ponto de vista econômico
ou racial, a verticalização por si só não democratiza a cidade.”
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Na região central de São Paulo, a população negra está presen-


te principalmente em áreas verticalizadas antigas, como Bela Vis-
ta, Santa Efigênia e Sé. Já nos demais bairros do centro e regiões
próximas, a predominância é de pessoas brancas, distribuídas em
bairros como Higienópolis, Jardins, Pinheiros e Pacaembu. O mapa
também mostra que a presença da população negra em imóveis
verticais é mais forte nos chamados “predinhos”, como são deno-
minados empreendimentos habitacionais construídos por meio de
políticas públicas. “A verticalização aparece mais uma vez associa-
da a segregação racial, desta vez produzida pelo Estado como for-
ma de distanciar os territórios populares das áreas ricas – e bran-
cas – da cidade”, analisam os pesquisadores do LabCidade.

Para Gisele Brito, o novo PDE da capital paulista pode intensifi-


car ainda mais esse processo. “A consequência dessas mudanças
é encarecer a terra, gerar pressão para as pessoas que moram lá”,
avisa ela, que também defende a população negra e pobre do Be-
xiga pelo movimento Saracura Vai-Vai. “Quem vive em prédios ou
sobrados que não sejam os produtos mais lucrativos do mercado
imobiliário vai ter que vender ou se mudar.” E, em outros aspectos,
mesmo os endinheirados podem sofrer com o crescimento desi-
gual de uma grande cidade.

EFEITOS COLATERAIS
Sem estudos de impacto ambiental e mobilidade, a capital paulista
pode ficar ainda mais caótica. É o que prevê a psicóloga Maria Vas-
concellos. “São Paulo hoje é o próprio congestionamento, porque
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nada foi feito de análise estrutural das vias de circulação que pudes-
se acolher esse número brutal de edifícios”, avalia. O problema se
estende ao interior do estado. Apesar de o Estatuto da Cidade exigir
planos diretores para municípios com mais de 20 mil habitantes,
muitos estão replicando o modelo das grandes cidades, com verti-
calização e abandono de práticas de subsistência em plantações nas
áreas rurais. Sem contar os impactos ambientais.

O grupo que Vasconcellos lidera no IEA divulgou em junho uma


nota técnica sobre o plano diretor de Capivari, cidade de 50 mil
habitantes no interior paulista. No início de 2023, o município so-
freu a pior enchente de sua história, reflexo de eventos climáticos
extremos. Na visão da especialista, a cidade precisa proteger suas
áreas verdes e planejar regiões urbanas e rurais de forma harmo-
niosa. “As pessoas estão criando um inferno em pequenas cidades,
que não têm estrutura. Aqueles com poder aquisitivo migram para
esses municípios e os tornam insuportáveis”, observa.

A psicóloga lembra ainda que a verticalização excessiva colabora


com o aumento de quadros de depressão e ansiedade, porque o
indivíduo perde a referência de sua relação com o meio ambiente,
inclusive com a luz solar. O arquiteto Gustavo Vedana, chefe em
arquitetura para espaços de inovação e criatividade de Santa Rita
do Sapucaí (MG), estuda como o desenho urbano e a arquitetura
podem gerar condições de felicidade. Ele cita um trabalho cana-
dense de 2007 que analisou esse impacto. “Os pesquisadores ob-
servam que essa relação poderia ser explicada por vários fatores,
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“Um crescimento desordenado


deixa a cidade doente, o que
faz com que os moradores não
consigam exercer seu direito à
cidade; mas uma cidade que não
tem liberdade para crescer de
forma orgânica acaba morrendo”
Catarina Melo, pesquisadora do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles

incluindo a percepção de falta de controle sobre o ambiente, me-


nor contato social e menor acesso a espaços verdes”, diz Vedana.

Para o arquiteto e urbanista, o caminho está no meio-termo en-


tre a verticalização e a horizontalidade. “A verticalização excessiva
coloca em xeque o direito à paisagem; quando você verticaliza de-
mais, tira o horizonte dessa cidade, há um bloqueio de vista”, ana-
lisa. “Mas, ao mesmo tempo, a não verticalização gera uma cidade
horizontal que precisa ser pensada em relação a recursos distribu-
ídos de forma inteligente, o que normalmente não é fácil de fazer.”

O CAMINHO DO MEIO
No livro Morte e Vida de Grandes Cidades (WMF Martins Fontes),
de 1961, a urbanista e ativista social estadunidense Jane Jacobs de-
fende que a verticalização das cidades deve ser cuidadosamente
considerada e planejada para garantir a vitalidade urbana e a qua-
lidade de vida de seus moradores. “Ela fala que o que gera seguran-
ça na rua não é policiamento, mas sim pessoas, que são os olhos na
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rua, janelas próximas a calçadas”, exemplifica Vedana. Com o ad-


vento dos carros, contudo, as ruas ganharam outros protagonistas
que não os pedestres. “Criou-se o mito de que a rua é violenta e, se
é perigoso, faz sentido mudar para condomínio fechado”, explica o
arquiteto. E assim, o ciclo de insegurança continua.

Mas, então, o que seria ideal? Até há projetos internacionais de “ci-


dades do futuro”, como a The Line, uma cidade linear e de energia
limpa em construção na Arábia Saudita; e a smart city sul-coreana
Songdo, idealizada para representar os avanços tecnológicos da Co-
reia do Sul. Mas isso não necessariamente se reflete na cidade per-
feita. “Temos que lembrar que a cidade é viva, ela se renova a cada
dia”, pontua Catarina Melo. Ao projetar uma cidade, um urbanista
nunca terá controle de como ela irá crescer — e isso é bom. “Um
crescimento desordenado deixa a cidade doente, o que faz com que
os moradores não consigam exercer seu direito à cidade; no entan-
to, uma cidade que não tem liberdade para crescer de forma orgâ-
nica acaba morrendo”, frisa a urbanista e pesquisadora de Aracaju.

Vancouver, no Canadá, tem sido destaque na busca por uma


paisagem urbana equilibrada entre arranha-céus, casas e áreas
verdes. O movimento ganhou até nome: Vancouverism, ou “Van-
couverismo”, após a publicação de um livro pelo coplanejador da
cidade Larry Beasley. Entre os pilares que o município canadense
de 631 mil habitantes vem trabalhando estão planejar bairros que
reúnam residência, trabalho e lazer; estabelecer leis que definem
zoneamento e desenvolvimento; “rezonear” áreas da cidade que
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não atendam às novas normas; e intensa participação popular.


Tudo isso para atingir, até 2050, uma cidade mais inclusiva, diver-
sa, acessível, segura e sustentável.

No Brasil, a representatividade popular está entre os principais de-


safios. Com 40,6 mil habitantes, Santa Rita do Sapucaí, no sul de
Minas Gerais, está revisando seu plano diretor, mas não consegue
atrair a população para participar. Segundo Gustavo Vedana, apesar
de toda a publicidade feita, há quem considere que se trata de algo
distante de sua realidade. “Muitos só sabem que há um plano diretor
quando vão buscar aprovação para uma obra”, relata o urbanista.
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Já em cidades como São Paulo e Aracaju, essa participação até


acontece, mas tem menos peso que o próprio mercado imobiliá-
rio. “Precisamos ter força para negar esse modelo voraz do mer-
cado. É lei e estamos cobertos de razão de estar ali na Câmara
contra esse plano diretor”, afirma José Arnaldo Fonseca de Melo,
arquiteto e artista plástico que escreveu a tese de doutorado Ci-
dade & Saúde – crítica ao projeto Nova Luz. Ele participou ati-
vamente do movimento em prol do Parque Augusta, na região
central de São Paulo, que desde a década de 1980 era defendido
por moradores para se tornar um espaço público. “A palavra-cha-
ve para tudo isso é a participação da sociedade civil nas políticas
públicas”, afirma o ativista.

Exemplos de mobilização estão em todos os lugares. Em Belo Ho-


rizonte, os moradores do bairro Jardim América descobriram, no

“Em 2021, perdemos uma mata


próxima, que tinha nascentes,
e só sobrou essa mata. É uma
questão de resistência e direito
básico à saúde e de direito
dos animais. Não vamos
abrir mão dela”
Juliana Minardi , criadora do SOS Mata do Jardim América, em Belo Horizonte
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final de 2022, que a prefeitura autorizara o corte de 465 das 900


árvores de uma área verde da região. O objetivo era liberar o ter-
reno para a construção de apartamentos. A mata abriga fauna
e flora com 30 espécies de animais, incluindo micos, tucanos e
diversos pássaros.

A jornalista Juliana Minardi criou o movimento SOS Mata do Jar-


dim América, que já conseguiu a assinatura de mais de 47 mil pes-
soas, incluindo artistas famosos, como o cantor mineiro Samuel
Rosa. “O índice de áreas verdes [em 10 bairros da região oeste de
Belo Horizonte] está abaixo do mínimo recomendado pela Orga-
nização Mundial da Saúde, não há nenhum parque ecológico aqui
por perto, as crianças não têm opção de lazer”, destaca Minardi.

E não é a primeira vez que algo do tipo acontece na capital minei-


ra. “Em 2021, perdemos uma mata próxima, que tinha nascentes,
e só sobrou essa mata. É uma questão de resistência e direito bá-
sico à saúde e de direito dos animais. Não vamos abrir mão dela”,
afirma Juliana. Para Susana Valansi, resistência é a palavra de or-
dem. “Nossa função como pensadores, trabalhadores da cidade,
urbanistas, movimentos sociais é resistir”, diz a arquiteta e ativista
argentina, ecoando o livro Cidades Rebeldes: Do Direito à Cidade
à Revolução Urbana (Martins Fontes), escrito pelo geógrafo bri-
tânico David Harvey em 2012. “Precisamos das cidades rebeldes,
precisamos resistir ao capital.”
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ENTREVISTA

“Regulação das
Big Techs não
vai restringir
a liberdade de
expressão”

COM Clara Iglesias Keller POR Marília Marasciulo


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Advogada e pesquisadora
brasileira analisa como as
Big Techs intermediam parte
relevante da nossa vida e por que
o debate sobre regulação dessas
empresas é importante

E
Entre março e abril, a regulação das plataformas
digitais tomou conta do debate público no Brasil.
O assunto veio à tona após a tramitação do Pro-
jeto de Lei (PL) nº 2630 — apelidado de “PL das Fake News”
— ter sido aprovada em regime de urgência em decorrência
da invasão ao Congresso Nacional em janeiro e dos ataques
a escolas. Elaborado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-
-SE) em 2020, o projeto propõe a regulação das platafor-
mas de empresas como Google, Meta, Twitter e TikTok, com
o objetivo de fortalecer a transparência e o controle da di-
fusão de notícias falsas e discursos de ódio nesses espaços
virtuais. Entre as principais medidas estariam a obrigato-
riedade da moderação de conteúdo e a responsabilização
das empresas por publicações de terceiros.
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O projeto virou polêmica quando os alvos da regulação — as


chamadas Big Techs, empresas de tecnologia que contro-
lam os principais sites de busca e redes sociais do mundo
— entraram em campo para se manifestar contra o texto,
utilizando o poder de alcance de suas próprias plataformas.
A queda de braço chegou a ser judicializada, mas a votação
foi adiada quando a oposição ensaiou derrubar a proposta.

E esse não é um debate que se restringe ao Brasil. A regula-


ção das plataformas digitais é um tema comum em todos os
continentes, sendo a Europa a vanguarda quando se trata
de propor e aprovar legislações que buscam controlar o po-
der das grandes empresas baseadas em internet. Enquanto
o debate esquentava por aqui, a União Europeia publicava,
em 25 de abril, novas regras para essas empresas, que in-
cluem a obrigação de submeter os algoritmos a auditorias,
tornar mais transparentes as políticas de publicidade e ga-
rantir privacidade, segurança e proteção de menores expos-
tos às redes. “Conforme nossas sociedades ficam mais digi-
talizadas, cada vez mais aspectos da nossa vida econômica,
cultural e social passam por essas plataformas”, observa a
advogada Clara Iglesias Keller, pesquisadora do Instituto
Weizenbaum de Berlim, na Alemanha. “Essas empresas de
fato intermediam uma parte relevante e muito importante
da nossa vida, tanto individual quanto coletiva. E o impacto
que elas geram é proporcional a essa importância.”
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A GALILEU, Keller explica por que o assunto ganhou desta-


que nos últimos anos, principalmente a partir do escândalo
de vazamento de dados da empresa Cambridge Analytica.
E ainda explica os variados modelos de regulação da inter-
net e o que se pode esperar desse debate diante da rápida
evolução da inteligência artificial.

MUITO TEM SE FALADO SOBRE A REGULAÇÃO DAS BIG TECHS, AIN-


DA QUE O TERMO TALVEZ NÃO SEJA AUTOEXPLICATIVO PARA A
MAIORIA DAS PESSOAS. O QUE SIGNIFICA FALAR EM “BIG TECH”?

É um termo coloquial usado para se referir a gran-


des empresas de tecnologia que têm uma domi-
nância no mercado econômico. São cinco as mais
famosas: Microsoft, Amazon, Meta, Twitter e Tik-
Tok. Algumas classificações incluem a Alibaba, de
comércio eletrônico. São companhias que têm uma
posição proeminente no mercado econômico glo-
bal e que também têm um caráter inovador.

Elas estão em setores muito distintos e diversos


entre si: algumas mais focadas em comércio, ou-
tras em conteúdo, outras em rede social, platafor-
mas de vídeo… Todas essas questões trazem desa-
fios específicos em si.
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QUAL É O PAPEL QUE ELAS TÊM HOJE NA NOSSA SOCIEDADE? CLARA


IGLESIAS
KELLER
Uma parte considerável administra ou maneja o Mestre e dou-
que a gente chama de plataformas de internet. tora em Direito
Público pela
Hoje em dia, conforme nossas sociedades ficam Universidade do
mais digitalizadas, cada vez mais aspectos da nos- Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
sa vida econômica, cultural e social passam por Atua como líder
essas plataformas. Alguns autores falam que vi- de pesquisa em
vemos na sociedade das plataformas. Eles querem Tecnologia, Poder
e Dominação no
dizer que a gente vive um momento em que essas Instituto Wei-
plataformas de fato fazem uma intermediação de zenbaum de Ber-
lim, na Alemanha,
aspectos diversos da nossa vida, tanto no âmbito e professora no
pessoal quanto coletivo. E o impacto que elas ge- Instituto Brasi-
ram é proporcional a essa importância. leiro de Ensino,
Desenvolvimento
e Pesquisa (IDP).
São empresas que trabalham com infraestruturas Autora do livro
Regulação nacio-
tecnológicas próprias. E o que essas infraestrutu- nal de serviços na
ras permitem que essas organizações façam, os Internet: exceção,
dados que acessam, dão a elas mais poder e au- legitimidade e o
papel do Estado
mentam os impactos em potencial que podem ter (LumenJuris,
na sociedade como um todo. 2019).
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“Com o tempo, essas


empresas se tornaram cada
vez mais poderosas e ficaram
evidentes as estruturas de
poder que elas representam”
Keller analisa o papel das Big Techs no nosso cotidiano ao longo do tempo

ESSAS EMPRESAS EXISTEM HÁ ALGUMAS DÉCADAS. POR QUE DE-


BATER A REGULAÇÃO AGORA?

Essa percepção de que o tema da regulação veio


só agora não é verdade, na minha opinião. Claro
que 20, 30 anos atrás, esse debate não acontecia
nesses termos de hoje. Mas a gente fala muito de
como conformar os serviços prestados através da
internet ao Direito desde a expansão da rede para
uso civil, que aconteceu no final da década de 1990.
É quando começam a surgir não só a primeira lite-
ratura, mas as primeiras iniciativas regulatórias.

No Brasil, os primeiros projetos de lei querendo


regular a internet ainda eram muito focados em
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crimes. Nosso país, inclusive, começou a fazer es-


ses debates já no final da década de 1990. O que
depois levou a mais discussões no Legislativo e
no Judiciário, que em algum momento viraram
o Marco Civil da Internet, considerada uma van-
guarda em nível global.

O que eu acho é que, com o tempo, essas empresas


se tornaram cada vez mais poderosas, suas ativi-
dades se tornaram mais presentes em todos esses
aspectos da vida, e ficaram mais evidentes as es-
truturas de poder que elas representam.

HISTORICAMENTE, É POSSÍVEL DELIMITAR UM PONTO DE VIRADA


PARA ESSE ACÚMULO DE PODER?

Alguns autores colocam um marco temporal nas


revelações do Edward Snowden [em 2013] e nos
escândalos de vazamentos de dados a partir do
caso da Cambridge Analytica [em 2015]. Muitos
citam o Brexit [saída do Reino Unido da União
Europeia, em 2020], a eleição [de Donald Trump,
em 2016] nos Estados Unidos, a própria eleição do
Bolsonaro em 2018 e, depois, na Índia, onde tam-
bém houve um processo semelhante [de ascensão
da extrema direita ao poder, em 2019].
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27

Houve um momento de escrutínio público sobre as


atividades dessas empresas, que alguns autores
chamam de techlash, que é a adaptação do termo
backlash, de “retaliação”, para dizer “agora não dá
mais”. A gente começa a falar sobre techlash em
2014, 2015, e hoje ainda vivemos as consequências
e a continuidade desse debate.

QUANDO A DISCUSSÃO ATUAL COMEÇOU, ENTÃO?

Nos últimos três ou quatro anos, vários outros pa-


íses vêm debatendo marcos regulatórios alternati-
vos ao que vinha sendo implementado. Até então,
muitos países partiam do estabelecimento de regi-
mes de responsabilidade de intermediários. Como
é o caso do artigo 19 do Marco Civil, que determina
o quanto as empresas podem ou não ser respon-
sabilizadas por conteúdos de usuários que acarre-
tem algum dano, infração ou ilegalidade.

Hoje, já temos alguns marcos regulatórios, princi-


palmente o europeu, que foi aprovado e tem sido
o mais debatido. Ele propõe outras estratégias re-
gulatórias, a fim de conformar essas empresas ao
Direito, aos imperativos constitucionais e tudo.
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28

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MODELOS DE REGULAÇÃO EXISTENTES


NO MUNDO E COMO ELES SÃO APLICADOS?

Falando de redes sociais, a gente tem um modelo


predominante que é a ideia de responsabilidade
de intermediários. De estabelecer condições em
que a empresa responde pela infração do conte-
údo que um usuário postou. E os regimes de res-
ponsabilidade são diferentes em cada lugar. Os
Estados Unidos, por exemplo, são muito permis-
sivos, é uma isenção geral. Plataformas não são
responsabilizadas, só com exceções para conteúdo
terrorista, sexual ou [que fira] direito autoral. Na
Europa, a diretiva geral vigente, que é a diretiva
de e-commerce, estabelece que as plataformas só
são penalizadas se elas tiverem conhecimento e
não tiverem retirado o conteúdo do ar. No Brasil
e no Chile, há um sistema baseado em decisão ju-
dicial: a empresa só pode ser responsabilizada por
aquela infração se tiver uma decisão judicial dizen-
do “retire” e ela não retirar.

O regime de responsabilidade tem duas funções. Em


primeiro lugar, ele é um teste de responsabilidade ci-
vil, que são as circunstâncias de quando você vai ser
responsabilizado. Em segundo lugar, tem uma fun-
ção de regulação contextual. É o contrário de uma
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29

regra fixa que funciona a partir de incentivos, pois


ela gera determinados incentivos para que os agen-
tes se comportem de uma maneira ou de outra. E a
preocupação do regime de responsabilidade sem-
pre foi não gerar incentivos para que as platafor-
mas bloqueiem conteúdo em excesso e atrapalhem
a liberdade de expressão dos usuários. O objetivo é
continuar gerando incentivos para que os usuários
sigam inovando dentro das plataformas, mas sem
estimular que cometam infrações em excesso.

PARA VOCÊ, ALGUM DESSES MODELOS SE DESTACA MAIS?

Na minha opinião, nesse âmbito de conteúdo em


plataformas digitais, esses regimes de responsa-
bilidade foram até aqui as iniciativas estatais que
mais exerceram influência. E agora há uma tendên-
cia de algumas experiências irem além dos regimes
de responsabilidade. Na Europa, eles se referem a
esse momento como um giro “from liability to res-
ponsibility”, o que quer dizer partir de um modelo
de responsabilidade civil, aquela de responder por
danos, para um modelo de responsabilidade dentro
do modelo de negócio. Isso inclui não só responder
especificamente àqueles casos, mas ter uma res-
ponsabilidade mais ativa e que presume o modelo
de negócio: ser transparente, respeitar obrigações
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30

de devido processo, reconhecer os riscos em po-


tencial dentro do seu sistema e ter parâmetros e
critérios para lidar com conteúdos criminosos em
algumas experiências.

Dentro dessa proposta mais geral, acho que al-


gumas outras experiências vão caminhando num
sentido semelhante. Mas não dá para generalizar.
Os Estados Unidos, por exemplo, continuam com
a isenção geral, mas já há um debate lá no sentido
de incrementar essa regulação. Aqui no Brasil, a
gente tem o PL 2630 que, a meu ver, se comunica
muito com essa ideia de responsabilidade sobre
um modelo de negócio. Mas também ainda traz

“Quando falamos de regular


conteúdo, estamos falando
da nossa participação
em uma esfera pública de
debate, que não está só no
jornal, na televisão, mas
também nas redes sociais”
Advogada argumenta sobre o papel das redes sociais na sociedade atual
CLUBE DE REVISTAS

31

algumas estratégias regulatórias que não ne-


cessariamente vão nessa linha e que flertam um
pouco ainda com a ideia de criminalização, que
se falava muito no final da década de 1990. Acho
que ele tem distinções do modelo europeu, mas
também muitas semelhanças.

UM DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO PL USADO


PELAS BIG TECHS É O DE QUE A REGULAÇÃO RESTRINGIRIA A LI-
BERDADE DE EXPRESSÃO. COMO GARANTIR O EQUILÍBRIO ENTRE
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E RESPONSABILIZAÇÃO POR CONTEÚ-
DOS PREJUDICIAIS OU DESINFORMAÇÃO?

A regulação das Big Techs não vai restringir a liber-


dade de expressão necessariamente. Até porque, a
liberdade de expressão não é um direito absoluto.
O Marco Constitucional de 1988, a nossa legislação,
sempre trabalhou com a ideia de que existem abu-
sos à liberdade de expressão e que esses abusos
precisam ser combatidos. E aqui [no Brasil] tem
um histórico também de censura estatal, na época
da ditadura, que acaba não nos ajudando nesses
debates sobre liberdade de expressão.

Temos uma tendência de partir muito para esse


maniqueísmo: ou temos a total ausência de Esta-
do, ou temos a censura. Quando, na verdade, existe
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32

um meio-termo muito desejável, que é não permi-


tir abusos, proteger outros direitos, mas também
promover meios de comunicação, sejam eles digi-
tais ou não, que permitam a inclusão da popula-
ção, o debate público plural e diverso. Então, existe
uma série de questões que passam pela regulação
e que não configuram uma restrição da liberdade
de expressão. É o contrário: para a gente ter liber-
dade de expressão, a gente tem que ter acesso.

E como garantir o equilíbrio entre liberdade de


expressão e responsabilização? Isso é uma tarefa
difícil em qualquer lugar, não só na internet. No
Brasil, a gente tem uma jurisprudência de liber-
dade de expressão muito fragmentada no senti-
do de que, no fim das contas, estamos falando de
um exercício de interpretação por parte do juiz.
Então, até que ponto uma manifestação é um
discurso de ódio ou não? É uma injúria ou não? É
uma tarefa complexa.

QUAIS AS MAIORES PREOCUPAÇÕES DAS REGULAÇÕES ATUAIS?

A regulação deste momento tem tentado aplicar


duas coisas. Primeiro, uma ideia de regulação dos
procedimentos. Mais do que o conteúdo em si, ela
busca a transparência sobre o que é removido, não
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33

é removido, e que haja o devido processo no sen-


tido de que, antes da remoção, as pessoas possam
argumentar por que o conteúdo deve ou não ficar.

Além disso, há a institucionalização de processos


de recebimento de denúncia. No caso da lei euro-
peia, tem também o estabelecimento de mecanis-
mos extrajudiciais de conflitos sobre conteúdo. En-
tão, o que vem havendo é um incremento do ponto
de vista processual e, em algumas experiências es-
pecíficas, até a previsão de obrigações de remoção
de certos conteúdos.

Uma coisa que considero desejável é que haja uma


proporcionalidade, porque muitas vezes as regu-
lações sobre conteúdo são pensadas de maneira
muito uniforme. Uma ameaça ao direito autoral
não tem a mesma gravidade que uma ameaça de
morte, uma incitação ao ódio ou um crime contra
menores. No entanto, a gente fala dos mesmos
mecanismos para lidar com coisas muito distin-
tas. Acredito que um esforço da legislação em
prever regimes diferentes para riscos distintos
seria bem-vindo.
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34

E QUAIS OUTROS DESAFIOS SURGEM QUANDO O ASSUNTO É RE-


GULAR AS BIG TECHS?

É difícil enumerar todos os desafios. Tem o fato de


que essas empresas estão em grande parte locali-
zadas fora do território brasileiro. Ainda que mui-
tas delas tenham representação aqui, essa origem
nos Estados Unidos desequilibra poderes até em
nível global. De alguma forma, elas têm mentalida-
de, cultura e ideais de liberdade de expressão que
não necessariamente conversam com a realidade
de outros países.

Tem ainda uma dimensão do direito econômico,


implicações de natureza concorrencial que estão
além dessas questões de conteúdo, que são cober-
tas pelo PL 2630 e por outras leis. E isso sem fa-
lar no grande desafio que é regular as tecnologias
como um todo, porque são serviços e produtos em
constante evolução. É um ritmo de evolução que
burocracias estatais e legislativas não acompa-
nham. Ao mesmo tempo, a lei tem um esforço de
conformação e especificidade muito grande sobre
o que ela considera ilegal e quer regular. Mas es-
ses serviços são muito voláteis. De alguma forma,
há uma preocupação em correr atrás de um objeto
para engessá-lo.
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DO PONTO DE VISTA DO USUÁRIO, O QUE VOCÊ ACHA IMPORTANTE


QUE SE ENTENDA A RESPEITO DA NECESSIDADE E DE COMO FAZER
ESSA REGULAÇÃO?

Quando a gente fala de regular conteúdo, estamos


falando da nossa participação em uma esfera pú-
blica de debate, que hoje não está só no jornal, na
televisão, no encontro com o outro ao vivo, mas
também nas redes sociais. Trata-se da nossa de-
mocracia. No ambiente virtual, vemos os mesmos
riscos que conhecemos no mundo físico, às vezes
até outros. É preciso que o Direito enderece esses
riscos para nos proteger.

“No ambiente virtual,


vemos os mesmos riscos que
conhecemos no mundo físico,
às vezes até outros. É preciso
que o Direito enderece esses
riscos para nos proteger”
Clara Keller aborda a importância de regulamentar as plataformas digitais
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36

VOCÊ SENTE QUE A SOCIEDADE ESTÁ PARTICIPANDO ATIVAMENTE


DESSE DEBATE?

A gente tem uma sociedade civil de direitos digitais


muito forte no Brasil. Instituições e associações que
fazem esse trabalho de militância por direitos digi-
tais que realmente são muito organizadas, fortale-
cidas, que têm feito um trabalho essencial desde,
pelo menos, a aprovação do Marco Civil. E elas cer-
tamente seguem engajadas e trabalhando por isso.

Mas a sociedade civil como um todo, não sei. Acho


que pela nossa história mais recente e pela im-
pressão geral de que as plataformas de internet
tiveram um papel nessa história, a gente consegue
ter uma mobilização maior em relação à importân-
cia do debate. Mas não sei dizer até que ponto isso
corresponde a um engajamento propriamente dito
sobre qual seria a melhor forma de regular.

O AVANÇO DO CHATGPT E DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO UM


TODO MUDA O CENÁRIO DA DISCUSSÃO EM TORNO DA REGULAÇÃO
DAS BIG TECHS?

Não. Esses exemplos nos dão mais material para


ter uma ideia de quais são os impactos possíveis
das tecnologias baseadas em Big Data na nossa
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37

sociedade. O ChatGPT é uma variação de inteli-


gência artificial. As IAs não se confundem com as
plataformas de internet que a gente está falando,
mas são instrumentos e mecanismos usados pe-
las empresas no âmbito dessas plataformas. Elas
vão potencializar tanto o que podem fazer quanto
o poder que podem concentrar. Então, talvez tra-
gam mais urgência e ainda mais importância para
a pauta da regulação.

ESSES MODELOS QUE A GENTE TEM DISCUTIDO, E O PRÓPRIO PL


2630, CONTEMPLAM ESSE AUMENTO DE PODER?

A regulação da IA vem sendo debatida em outras


leis. É um problema tão complexo que abrange
tantos aspectos da sociedade e das atividades
econômicas, que não se esgota em uma regulação
só. A gente já tem diplomas vigentes que se apli-
cam à Lei de Proteção de Dados, ao Marco Civil da
Internet, ao debate do PL 2630, e agora também
estamos debatendo um projeto de lei de inteligên-
cia artificial. A gente não vai dar conta de ser uma
sociedade digitalizada com uma lei só.
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CIÊNCIA
TEXTO Marília Marasciulo EDIÇÃO Luiza Monteiro DESIGN Flavia Hashimoto

Nova imagem do buraco


negro supermassivo M87*,
elaborada por equipe liderada
por brasileira, usando dados
captados em 2017 pelo Event
Horizon Telescope (EHT).
(Foto: Medeiros et al. 2023)

NA COLA DE EINSTEIN
ASTROFÍSICA DO INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS DE
PRINCETON, LOCAL ONDE O FÍSICO ALEMÃO TRABALHOU EM SEUS
ÚLTIMOS ANOS DE CARREIRA, A BRASILEIRA LIA MEDEIROS USA
MATEMÁTICA PARA DESVENDAR MISTÉRIOS DO UNIVERSO
E
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Em 2019, uma figura aparentemente borrada e


com poucos elementos entrou para a história da
física por ser a primeira imagem já feita de um
buraco negro. Quatro anos depois, uma equipe
liderada pela astrofísica brasileira Lia Medei-
ros, de 32 anos, apresentou uma nova versão
do registro em mais detalhes. Aparentemente
simplória para o olhar de um leigo, a imagem
— e a técnica usada para melhorar a resolução
dela — foi compartilhada em artigo publicado
no periódico The Astrophysical Journal.

O registro vem ajudando a ciência a entender


melhor as origens e o funcionamento do cos-
mos. “Quase tudo o que a gente sabe sobre o
universo vem da luz. Grande parte da astrono-
mia é entender como a luz pode informar. Sua
pode falar a temperatura de um objeto, sua ve-
locidade e do que ele é feito”, diz Medeiros, que
atua como pesquisadora do Instituto de Estu-
dos Avançados de Princeton (IAS, na sigla em
inglês), nos Estados Unidos.

O buraco negro da foto é o M87*, batizado por


cientistas do Havaí como Pōwehi, que signifi-
ca “fonte escura e embelezada de criação sem
fim”. Ele fica a cerca de 55 milhões de anos-luz
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40

da Terra, e sua imagem foi captada em 2017 pelo projeto de cola-


boração internacional Event Horizon Telescope (EHT). Mas a tarefa
de registrar a imagem de um objeto cósmico tão grande e distante
não é tão simples como apontar uma câmera em direção ao espa-
ço. “Para fazer a imagem desse jeito, com essa resolução de um
celular, a gente teria que ter um telescópio literalmente do tama-
nho da Terra”, explica Medeiros. “O que a gente usa é uma técnica
chamada interferometria, em que vários telescópios espalhados
pelo planeta, que funcionam como um time de telescópios, olham
para o buraco negro no mesmo momento e coletam dados.”

Buraco negro supermassivo M87* fotografado em 2019 (à esquerda); e nova imagem


gerada pelo algoritmo PRIMO neste ano (à direita). (Foto: Medeiros et al. 2023)
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Telescópios não buscam apenas imagens visíveis — eles podem


observar ondas eletromagnéticas variadas. E as características
delas, como o comprimento, são algumas das informações cole-
tadas pelos diversos equipamentos espalhados pela Terra. Sobre-
postos, esses dados permitem que se monte um quebra-cabeça
cujo resultado foi, nesse caso, a foto do M87* divulgada em 2019.

“Cada telescópio coleta um pouquinho de informação sobre a ima-


gem. Mas não temos telescópios suficientes para entender tudo.
Tem informação faltando. O limite de resolução do telescópio, e da
técnica usada para preencher as informações que estão faltando,
é que cria esse efeito borrado na imagem”, resume Medeiros. Por
isso, a equipe buscou uma maneira de tornar a foto mais nítida — o
que envolve muita programação.

O DIA A DIA DE UMA ASTROFÍSICA


Embora tente desvendar os mistérios do universo, a rotina de uma
cientista como Lia Medeiros tem mais telas de computador do que
observação direta do espaço. “Grande parte do meu dia a dia é
programação. Escrevo códigos em computadores gigantescos para
simular buracos negros”, relata a brasileira.

Fora isso, o trabalho consiste em ler e escrever artigos científicos,


como o que apresentou a nova resolução da imagem de M87*, fazer
reuniões com colegas de trabalho e outros pesquisadores, além de
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Lia Medeiros, 32
anos, nasceu no Rio
de Janeiro, morou
na Inglaterra e
fez carreira como
astrofísica nos
EUA. (Foto: Dan
Komoda/Institute for
Advanced Study)

“A CIÊNCIA É FEITA POR HUMANOS, E


CADA DIA FICA MAIS CLARO QUE VOCÊ
PRECISA DE COLABORAÇÃO PARA FAZER
QUALQUER COISA. TUDO É UM
PROJETO DE GRUPO”
Lia Medeiros, sobre a importância do trabalho em equipe entre cientistas
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43

ministrar e assistir a palestras. “Como em qualquer carreira, você


tem que conviver com seus colegas. Porque a ciência é feita por hu-
manos, e cada dia fica mais claro que você precisa de colaboração
para fazer qualquer coisa. Tudo é um projeto de grupo. É raro ter
alguém fazendo ciência completamente sozinho. Então, tem que
fazer relacionamento, negociação, ter comprometimento”, resume.

A parte que envolve programação consiste em lógica e cálculo,


ou seja, matemática. E essa sempre foi a paixão de Medeiros, que
enxergou na disciplina uma linguagem universal. Nascida no Rio
de Janeiro, ela viveu em diversas cidades brasileiras e diferentes
países acompanhando o pai, professor de engenharia aeronáuti-
ca da Universidade de São Paulo (USP). Vivendo a ciência dentro
de casa, aproximou-se da astrofísica durante os últimos anos do
ensino médio, nos Estados Unidos. “Foi quando percebi por que
a matemática é universal. Para mim é inspirador pensar que nós,
humanos, podemos usar matemática para entender o que está
acontecendo no universo, para fazer previsões”, reflete.

Depois do colégio, a brasileira ingressou na Universidade da Ca-


lifórnia em Berkeley, onde se graduou em física e astrofísica em
2013. Emendou mestrado e doutorado na Universidade da Califór-
nia em Santa Bárbara, em 2016 e 2019, respectivamente. Então se
mudou para a costa leste do país norte-americano, para ingressar
no IAS. O objetivo era estudar as teorias de Albert Einstein, e a
instituição escolhida não foi à toa: o físico alemão trabalhou no
instituto de Princeton em seus últimos anos de carreira.
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Figura compara imagem simulada de um buraco negro no comprimento de onda


de 1,3 mm (à esquerda) com reconstrução da imagem pelo algoritmo PRIMO (à direita),
desenvolvido por Medeiros em 2022. (Foto: Medeiros et al. 2022)

EINSTEIN AINDA ESTÁ CERTO


A Teoria da Relatividade Geral proposta por Einstein basicamente
descreve o efeito da força gravitacional no espaço. Publicada em
1915, quando ainda não existiam os sofisticados telescópios que
temos hoje, ela já previa a existência de buracos negros. E não só
isso: as equações possibilitam determinar as características des-
ses objetos, como seu tamanho e formato.

“Grande parte do que fiz nos últimos anos foi focado em usar as


imagens para testar a teoria de Einstein”, explica Medeiros. “Por
exemplo, a gente usa o tamanho do círculo para testar se o buraco
negro no espaço é consistente com o buraco negro específico pre-
visto pela teoria. Até agora está tudo certo, tudo consistente com
o que foi previsto. Einstein ainda está certo.”
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Afirmar isso com segurança só é possível diante de uma foto de


buraco negro com maior resolução. Partindo da premissa de que
os algoritmos usados para gerar imagens de dados interferométri-
cos precisam preencher a informação que está faltando, e que os
algoritmos usados para gerar a imagem original não foram basea-
dos em expectativas teóricas, Medeiros e sua equipe desenvolve-
ram um novo algoritmo que usa aprendizado de máquina.

Ele se baseia em teorias existentes para preencher esses dados


e atingir a resolução máxima do telescópio. “Com esse novo algo-
ritmo, a gente está preenchendo lugares na imagem onde não há
informação. Especificamente, ele está aprendendo como regiões
próximas umas das outras estão relacionadas. E faz isso a partir
de simulações”, explica a pesquisadora.

Embora surpreendente, a façanha científica de Lia Medeiros e


equipe não representa um ponto final nas dúvidas sobre o funcio-
namento do universo. Ao contrário: é o ponto de partida para con-
tinuar testando e colocando à prova as teorias da física. “Eu espero
sempre aprender mais sobre buracos negros, sobre o que acon-
tece com a matéria que está em volta deles, como eles crescem
e como são afetados pela galáxia”, conta a brasileira. “Para mim,
ciência tem que ser assim: cada resultado gera novas questões e
novas direções para entender o que está acontecendo.”
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QUER QUE EU DESENHE?


POR BERNARDO FRANÇA

DOROTHY HODGKIN ERA


ESPECIALISTA EM TÉCNICA
QUE PERMITIU DESCOBRIR
ESTRUTURAS DE MOLÉCULAS
COMO PENICILINA E INSULINA.
CONHEÇA SUA TRAJETÓRIA
TEXTO
Maria Clara Vaiano
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Filha de arqueólogos britânicos, Dorothy


Crowfoot Hodgkin nasceu em 12 de maio
de 1910, no Egito. Acompanhando os pais
desde pequena, ela chegou a participar
de uma escavação na Jordânia quando
era adolescente. Na hora de escolher uma
faculdade, porém, o amor pela química
falou mais alto.
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Dorothy foi apresentada a essa ciência


por volta dos 10 anos, influenciada pelo
químico A. F. Joseph, amigo de sua família.
Em 1928, ingressou na Universidade de
Oxford, na Inglaterra, tornando-se
uma das cinco mulheres da turma
de 60 calouros de Química.
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Entre 1932 e 1934, fez doutorado na


Universidade de Cambridge sob a
orientação de John Desmond Bernal. Seu
estudo rendeu um artigo na revista Nature
e o título de especialista em cristalografia
de raios X, técnica que ajudou a
aprimorar e pela qual ficou conhecida
internacionalmente.
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Após se tornar doutora, Crowfoot voltou para


Oxford. Lá, participou e orientou estudos
que, por meio da cristalografia de raios X,
determinaram a estrutura de moléculas como
penicilina, vitamina B12 e insulina. Por isso,
em 1964, recebeu o Nobel de Química.
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No âmbito pessoal, a cientista foi casada


com o historiador marxista britânico
Thomas Lionel Hodgkin, com quem teve
três filhos. Foi a primeira pesquisadora
a desfrutar de licença-maternidade em
Oxford. Morreu em 29 de julho de 1994, aos
84 anos, devido a um derrame.

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