As Condições para A Diversidade Urbana

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vol 47 | no 140 | enero 2021 | pp.

243-267 | artículos | ©EURE 243

As condições para a diversidade urbana


de Jacobs: um teste em três cidades
brasileiras
Renato Saboya. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
Gustavo Souza. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
Bruna Kronenberger. Universidade de Brasília, Brasilia, Brasil.
Letícia Barause. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

resumo | Apesar da incontestável importância da obra de Jane Jacobs, são relativa-


mente poucos os estudos que testaram empiricamente suas proposições. Neste tra-
balho, investigamos a relação entre as ocorrências criminais, utilizadas como forma
de medir o quanto locais da cidade podem ser considerados bem ou mal sucedidos,
e as principais condições de vitalidade urbana defendidas por Jacobs em Morte e
Vida de Grandes Cidades: diversidade de usos do solo, tamanho médio das quadras
e densidade populacional. Utilizando como base setores censitários, realizamos uma
investigação através de análises visuais e estatísticas para os conjuntos urbanos das três
cidades mais populosas de Santa Catarina, Brasil: Joinville, Florianópolis (capital do
estado) e Blumenau. Os resultados mostram que as áreas mais centrais e as mais peri-
féricas possuem as maiores taxas de ocorrências criminais, assim como aquelas com
maiores porcentagens de usos não residenciais. A alta densidade populacional, por
outro lado, apresentou-se associada a maior segurança, e o tamanho médio de quadras
não apareceu como fator relevante nos três conjuntos urbanos.
palavras-chave | morfologia urbana, urbanismo, violência.
abstract | Despite the undeniable importance of Jane Jacobs’ work, relatively few studies
have empirically tested her claims. In this work, we investigate the relationship between
criminal occurrences, to measure the degree in which an area can be considered successful
or not, and the main conditions for successful neighborhoods put forth by Jacobs in The
Death and Life of Great American Cities: land use diversity, block sizes and population
density. Adopting census tracts as territorial units, we investigated the urban areas of the
three largest municipalities of Santa Catarina, Brazil - Joinville, Florianópolis (state capi-
tal) and Blumenau, through visual and statistical analyzes. The results show that the most
central and most peripheral areas have the highest rates of criminal occurrence, which is
also true for those with higher percentages of non-residential uses. High population density,
on the other hand, was associated with greater safety, and block sizes was not a relevant
factor for crime rates.
keywords | urban morphology, urbanism, violence.

Recebido em 19 de dezembro de 2018, aprovado em 14 de julho de 2019.


E-mails: R. Saboya, [email protected] | G. Souza, [email protected] | B. Kronenberger, [email protected] | L. Barause,
[email protected]

doi: 10.7764/eure.47.140.12 | issn digital 0717-6236


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Introdução

Espero que todos os leitores deste livro comparem constante e cetica-


mente o que digo com seu próprio conhecimento acerca das cidades
e de seu funcionamento. Caso haja imprecisões nas observações ou
erros nas inferências e conclusões a que cheguei, espero que tais
falhas sejam rapidamente retificadas.
(Jacobs, 2009, p. 16).

Morte e Vida das Grandes Cidades (Jacobs, 2009) foi publicado um ano após a inau-
guração de Brasília, marco da arquitetura e do urbanismo Modernista, e é, sem
dúvida, seu trabalho mais conhecido e influente. Teceu profundas críticas ao urba-
nismo modernista e expressou ideias divergentes da prática e teoria urbanas então
vigentes, ideias essas que, hoje, são amplamente aceitas (Netto, 2016). Arquitetos
como Jan Gehl (2013) reafirmam seu legado, propagando e perpetuando suas ideias
sobre as características de vizinhanças bem-sucedidas, a necessidade de diversidade
de usos e a importância de olhos na rua.
No entanto, como a própria Jacobs recomenda, suas ideias precisam ser cons-
tantemente testadas e desafiadas. Nesse sentido, são poucos os estudos que buscam
validar ou refutar empiricamente suas proposições. Marshall (2012) nota que, apesar
de dois desses estudos terem sido publicados ainda na década de 1970 (Schmidt,
1977; Weicher, 1973) e seus resultados não terem sido muito animadores, a imensa
maioria dos trabalhos que revisaram a obra de Jacobs reafirmam suas ideias sem
mencionar a existência de evidências que as suportem ou contradigam. A própria
ideia da importância da diversidade de usos para a segurança e a vitalidade urbanas,
cuidadosamente construída por Jacobs e amplamente difundida por urbanistas no
mundo inteiro desde então (ver, por exemplo, Alexander, Ishikawa, & Silverstein,
1977; e Gehl, 2013), tem encontrado resultados contraditórios. Se, por um lado,
há ampla evidência de que ela esteja efetivamente associada à vitalidade urbana e ao
movimento de pedestres (Cervero & Kockelman, 1997; Netto, Vargas, & Saboya,
2012; Saboya, Netto, & Vargas, 2015; Sung, Lee, & Cheon, 2015), por outro
também tem sido consistentemente associada à ocorrência de crimes (Greenberg
& Rohe, 1984; Stucky & Ottensmann, 2009), inclusive no Brasil (Monteiro &
Cavalcanti, 2017; Saboya, Banki, & Santana, 2016). Além disso, a operacionali-
zação da medida de diversidade empregada nesses trabalhos também representa uma
limitação importante, conforme explicaremos mais adiante.
Diante desse quadro, este artigo tem o objetivo de investigar a relação entre
a ocorrência de crimes, utilizada como proxy de bairros mal-sucedidos, como fez
Jacobs (2009), e as condições para a diversidade urbana defendidas por ela: diver-
sidade de usos do solo, tamanho médio das quadras e densidade populacional.1
O estudo empírico foi realizado para as três cidades catarinenses mais populosas

1 Jacobs (2009) também argumenta sobre a importância da diversidade de idades das edificações.
Entretanto, devido à dificuldade de conseguir esse dado para as três cidades estudadas, não foi
possível considerá-lo para o estudo empírico deste artigo.
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– Blumenau, Florianópolis2 e Joinville – utilizando a base de setores censitários do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ibge, 2010b) e o registro de ocor-
rências criminais do Ministério Público de Santa Catarina (mpsc). Para reforçar a
validade e a representatividade dos resultados alcançados, as seguintes providências
foram tomadas: a) testamos as realidades de três conjuntos urbanos com caracte-
rísticas distintas, totalizando 1.650.883 pessoas;3 b) usamos informações oficiais
e relativas a contagens do universo (e não a amostras); c) adotamos uma unidade
territorial relativamente desagregada, considerando a abrangência total do estudo, o
que possibilitou boa discriminação dos resultados; d) utilizamos distintas medidas
para a diversidade, com o intuito de obter uma descrição mais completa do fenô-
meno; e e) empregamos análises estatísticas para estimar a intensidade das relações
estudadas.

As condições para a diversidade urbana:


delineamento original e evidências empíricas

A visão de Jacobs (2009) sobre um espaço urbano bem-sucedido baseia-se em dois


pilares principais, intimamente relacionados: o primeiro é a riqueza de experiências
e estímulos proporcionados ao vivenciar a cidade, resultado de “espaços públicos
vivos e bem utilizados” (p. 153) nos quais pessoas de diferentes perfis encontram-se
e interagem, ainda que de maneira transitória e não profunda ou íntima; o segundo
é a segurança desses espaços, que seria tanto uma consequência da intensa utilização
quanto um incentivo para ela. Segundo ela, a segurança “É mantida fundamental-
mente pela rede intricada, quase inconsciente, de controles e padrões de comporta-
mento espontâneos presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicados” (Jacobs,
2009, p. 32), o que chamou de “olhos da rua”. Essa rede seria uma consequência do
uso intenso do espaço público por pessoas diferentes em diferentes horários, o que,
por sua vez, dependeria de quatro condições físico-espaciais que comporiam o que
chamou de diversidade urbana e que, segundo ela, seriam indispensáveis para que as
pessoas fossem estimuladas a andar nas ruas e criassem, espontaneamente, essa rede
de controle informal: usos principais combinados, quadras curtas, prédios antigos e
concentração de pessoas.
1. O distrito, e sem dúvida o maior número possível de segmentos que o com-
põem, deve atender a mais de uma função principal; de preferência, a mais
de duas. Essas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa em ho-
rários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas que sejam
capazes de utilizar boa parte da infraestrutura.
2. A maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as oportunidades de
virar esquinas devem ser frequentes.

2 Para Florianópolis, consideramos sua área conurbada, que funciona como um único sistema
urbano, e inclui, além da capital, São José, Palhoça e Biguaçu.
3 Dados do Censo ibge de 2010.
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3. O distrito deve ter uma combinação com idades e estados de conservação


variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos.
4. O distrito precisa ter uma concentração suficientemente alta de pessoas, sejam
quais forem seus propósitos. Isso inclui pessoas cujo propósito é morar lá
(Jacobs, 2009, p. 165).
Diante dos argumentos de Jacobs (2009), alguns trabalhos têm sido desenvolvidos
no sentido de testar suas hipóteses empiricamente, ainda que não tenham sido
numerosos. Na década seguinte à publicação do livro, Weicher (1973) chegou a
traduzir o conjunto de afirmações de Jacobs para a linguagem matemática e aplicou
a fórmula para Chicago, considerando apenas a área urbana. Os resultados foram
pouco significativos e deram pouco suporte aos argumentos de Jacobs, apontando,
entre outros resultados, que a diversidade de uso do solo parece ter efeito negativo
no sucesso da cidade (definido como baixas taxas de crime, doenças e mortes).
Na mesma direção, Schmidt (1977) testou empiricamente o pensamento de
Jacobs para a cidade de Denver. Os resultados também não contribuíram para
validar os argumentos da autora. Ao contrário, mostraram que, assim como obser-
vado em Chicago, a diversidade de usos principais teve pouca influência nas vari-
áveis utilizadas para mensurar o sucesso das áreas urbanas: diversidade de renda,
estabilidade da população (percentual da população que mudou de residência no
período de 1965-1970), crime, doenças e lotes vazios. Schmidt (1977) aponta para
a importância de considerar o desempenho da área urbana ao longo do tempo, uma
vez que o sucesso ou o fracasso são produtos de processos econômicos, sociais e
políticos, o que poderia vir a dar maior suporte às ideias de Jacobs.
Mais recentemente, Sung, Lee e Cheon (2015) fizeram teste empírico semelhante
para a vitalidade urbana de Seul. A partir das considerações sobre a importância do
movimento de pedestres para a vitalidade urbana, o estudo buscou examinar como
esse movimento, em comparação com o automóvel, pode ser influenciado pelo
ambiente construído. Os resultados mostraram que, apesar de algumas variáveis
não terem sido significativas para a vitalidade urbana, os argumentos de Jacobs
se mostraram, na maioria das vezes, válidos. Apesar de a diversidade do uso do
solo ter tido pouco impacto no movimento de pedestres, a proximidade a edifícios
comerciais ou a equipamentos públicos, como estações ferroviárias, apresentou
efeito positivo. Quanto ao tamanho das quadras, os resultados confirmaram que
distâncias mais curtas de um edifício até uma esquina aumentam a probabilidade de
caminhada. A densidade populacional não se mostrou significativa, ao contrário da
densidade de empregos, que mostrou relação direta com o movimento de pedestres.
Dessa forma, o teste empírico para Seul apresentou resultados mais favoráveis às
ideias de Jacobs, ainda que não tenha verificado relação direta com todas as variáveis
analisadas.
No Brasil, algumas pesquisas empíricas têm sido realizadas visando validar ou
refutar alguns dos pontos defendidos por Jacobs. Netto, Vargas e Saboya (2012)
mostraram que a diversidade de atividades que acontecem no pavimento térreo está
diretamente relacionada ao movimento de pedestres e à presença de grupos estáticos
no Rio de Janeiro. Saboya, Netto e Vargas (2015) investigaram essa influência na
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cidade de Florianópolis, verificando uma relação inversa entre usos residenciais e o


movimento de pedestres e, ao contrário, relação direta entre a diversidade de usos e
o movimento de pedestres. Os resultados encontrados para as duas cidades quanto à
diversidade de atividades dão suporte parcial ao sistema explicativo de Jacobs.
Vivan e Saboya (2017) investigaram a distribuição da ocorrência de crimes e a
possível relação com fatores de visibilidade entre edificação e espaço público em
Florianópolis, essenciais para que os olhos da rua efetivamente funcionem. Entre
as variáveis consideradas pelo estudo, a diversidade de usos do solo não apresentou
relação positiva com a segurança, enquanto áreas comerciais apresentaram maior
incidência de crimes.
Barause e Saboya (2018) encontraram um efeito criminogênico moderado
da presença de usos comerciais em trechos urbanos. Entretanto, seus resultados
indicam também que, quando esses usos estão inseridos em edificações com usos
residenciais, configurando edificações mistas, esse efeito não era estatisticamente
significativo.
Uma limitação importante desses estudos é que adotam medidas de diversidade
que enfatizam a distribuição igualitária entre os usos (Netto, Vargas, & Saboya,
2012; Schmidt, 1977; Sung, Lee, & Cheon, 2015; Vivan e Saboya, 2017; Weicher,
1973) ou a proporção entre usos residenciais e não residenciais (Sung, Lee, &
Cheon, 2015), negligenciando a quantidade total de usos diferentes, que formava
a base do conceito de Jacobs (2009, p. 167) sobre a diversidade: “O distrito, e sem
dúvida o maior número possível de segmentos que o compõem, deve atender a
mais de uma função principal; de preferência, a mais de duas”. É importante notar
que essa definição não faz menção a que as proporções de usos sejam similares,
ou à proporção entre usos residenciais e não residenciais. Além disso, os estudos
que testaram mais diretamente os argumentos de Jacobs referem-se a cidades com
contextos socioeconômicos e de violência urbana muito diferentes daqueles encon-
trados nas cidades brasileiras. Por isso, fazer um estudo desse tipo no Brasil poderia
auxiliar a detectar eventuais diferenças. O fato de abranger três cidades diferentes
também contribui para uma maior capacidade de generalização dos resultados.
Esses fatores – aliados à enorme influência do trabalho de Jacobs no mundo
inteiro, de um lado, e a críticas quanto à validação de seus argumentos, de outro –
mostran a necessidade de continuarmos comparando constante e ceticamente suas
ideias, como ela mesma nos incentivou. Esta pesquisa trabalha nessa direção.

Notas sobre a diversidade de usos do solo e sua mensuração

Um estudo rigoroso e sistemático sobre os efeitos da diversidade passa, necessa-


riamente, por uma cuidadosa consideração sobre o modo como ela será operacio-
nalizada, isto é, como ela será descrita, manipulada e medida. Em outras palavras,
dados dois espaços quaisquer, como diferenciá-los quanto à diversidade de usos que
possuem?
A literatura considera que a diversidade é expressa por dois conceitos comple-
mentares: riqueza e proporcionalidade (richness e evenness, em inglês) (Magurran,
1988). A riqueza indica a quantidade total de usos, enquanto a proporcionalidade
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considera se esses usos estão igualmente distribuídos ou, ao contrário, se algum


deles predomina sobre os demais. As medidas existentes costumam conciliar esses
dois aspectos, atribuindo maiores valores às situações em que há maior riqueza e
igual proporção entre os usos e, ao mesmo tempo, realizando diferentes pondera-
ções entre a importância desses dois aspectos para a medida final.
A fórmula mais comum utilizada nos estudos urbanos é a Entropia de Shannon
(Jost, 2006), importada dos estudos de comunicação e informação, dada pela
equação abaixo:

Onde:
DS = Diversidade segundo a entropia de Shannon;
S = Número total de tipos de uso do solo;
i = tipo de uso do solo i;
pi = proporção do uso do solo do tipo i.

Jost (2006) alerta para o fato de que esse índice apresenta problemas quando
comparamos áreas com distintas quantidades de usos. Por exemplo, uma unidade
territorial (um bairro ou setor censitário) com oito usos do solo igualmente distri-
buídos possuiria um ds equivalente a 2,08, enquanto outra com 16 usos também
igualmente distribuídos teria uma diversidade igual a 2,77. Apesar de possuir igual
homogeneidade na distribuição, mas o dobro da quantidade de espécies, a diver-
sidade segundo a fórmula de Shannon para a segunda unidade territorial é apenas
33% superior à primeira. Isso acontece porque a fórmula não é uma função linear,
o que não permite dizer que uma área com diversidade igual a quatro é duas vezes
mais diversa que uma com diversidade igual a 2,0. Essa seria uma característica
importante e desejável de um índice de diversidade para que sua interpretação
fizesse sentido no contexto dos estudos urbanos, bem como para análises estatísticas
que exijam essa linearidade de escala.
Outro índice comum, o de Gini-Simpson (Jost, 2006), é calculado de acordo
com a seguinte fórmula:

Onde:
DGS = Diversidade de Gini-Simpson, variando de 0 a 1, sendo 0 a mais baixa diver-
sidade (apenas 1 uso do solo) e 1 a mais alta (uma grande quantidade de usos do
solo, aproximando-se do infinito, igualmente distribuídos).
S = Número total de tipos de uso do solo;
i = tipo de uso do solo i;
pi = proporção do uso do solo do tipo i.
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Entretanto, esse índice também possui o mesmo problema de não linearidade do


índice de entropia de Shannon. Jost (2006) sugere uma maneira de corrigi-lo,
fazendo uma pequena transformação no resultado obtido na equação do índice de
Gini-Simpson:

Onde:
DTD = Diversidade Real (True Diversity), que representa o valor equivalente à quan-
tidade total de usos (riqueza) que uma área teria caso todos os seus usos fossem
igualmente distribuídos (proporcionalidade);
DGS = Diversidade de Gini-Simpson.

Dessa forma, as unidades territoriais exemplificadas acima teriam índices 8 e 16, res-
pectivamente, respeitando a proporcionalidade entre os resultados e diferenciando
áreas mais diversas e menos diversas, superando a simples proporção igualitária dos
usos. Proporções desiguais penalizam o valor máximo possível, que corresponde à
quantidade total de usos do solo. Assim, um setor com quatro usos do solo distri-
buídos desigualmente – por exemplo, 50%, 20%, 20% e 10% – teria um índice de
Diversidade Real menor que 4 (nesse caso, 2,94).
Entretanto, no caso dos usos do solo, em que um deles é tão predominante nas
cidades (na Área Conurbada de Florianópolis, acf, por exemplo, o uso residencial
corresponde a 91,12% do total de endereços), há dúvidas sobre a adequação de
valorizar excessivamente a proporcionalidade de usos em detrimento da riqueza
simples, isto é, da quantidade total de usos diferentes presentes em uma determi-
nada unidade territorial.
A figura 1 a seguir ilustra diferentes combinações de usos e suas respectivas
medidas de diversidade segundo a riqueza de usos e os índices de Shannon e Gini-
Simpson True Diversity. Além disso, incluímos também a porcentagem não residen-
cial que, apesar de não ser a rigor uma medida de diversidade, é comumente usada
para estimá-la.
Por esses motivos, trabalhamos com quatro medidas diferentes de diversidade, de
modo a confrontar os resultados obtidos. Se os resultados alcançados com cada uma
delas convergirem, teremos maior convicção sobre sua correção; em caso de discre-
pâncias, elas poderão ser analisadas em mais detalhes, considerando as propriedades
de cada medida e o que, exatamente, elas estão capturando do fenômeno.
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figura 1 | Explicação para a diversidade usando os índices de Shannon, Gini-


Simpson e True Diversity
fonte: elaborado por renato saboya e letícia barause

Método

A intenção inicial da pesquisa foi investigar as três cidades mais populosas de Santa
Catarina: Joinville, Florianópolis (capital) e Blumenau, nessa ordem. No entanto,
considerando a intensa relação socioespacial entre Florianópolis e suas cidades vizi-
nhas, este estudo considerou as quatro cidades que compõem a Área Conurbada de
Florianópolis (acf ): São José, Palhoça e Biguaçu, além da capital. Portanto, foram
analisadas 6 cidades, sendo que aquelas que compõem a acf foram consideradas um
único sistema urbano.
Essa abrangência, se por um lado permite uma boa capacidade de generalização
dos resultados, por outro impõe algumas dificuldades operacionais, especialmente
no que diz respeito à disponibilidade de dados, que devem abarcar todas as cidades.
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 251

Nesse sentido, procuramos variáveis disponíveis para os três conjuntos urbanos, o


que nos levou a utilizar os dados provenientes do Censo Demográfico 2010 (ibge,
2010b) e do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (cnefe) 2010
(ibge, 2010a), além das informações referentes à ocorrência de crimes, disponibi-
lizadas pela Polícia Militar de Santa Catarina (pmsc) e compilados pelo Ministério
Público de Santa Catarina (mpsc, 2016), o que nos garantiu a uniformidade da
coleta dos dados.
A estratégia metodológica foi estruturada de modo a: i) agregar as informações
sobre os fenômenos de interesse por setores censitários, considerando as variáveis
dependentes (duas taxas de ocorrências criminais), de controle (renda) e indepen-
dentes (densidade populacional, tamanho médio das quadras e diferentes medidas
de diversidade de usos do solo); ii) analisar visualmente a distribuição dessas variá-
veis no território das três cidades através de mapas temáticos, em busca de padrões
discerníveis e relações entre elas; iii) analisar estatisticamente as correlações entre
as variáveis dependentes e independentes, monitorando também a correlação com
a variável de controle; e iv) comparar as correlações entre si, identificando como
se relacionam e o que conseguem explicar, bem como possíveis limitações. Alguns
aspectos metodológicos de interesse estão explicados em mais detalhes a seguir.

Unidade de análise
A opção pelo Censo e pelo cnefe como fonte de dados nos levou a utilizar as
unidades territoriais de coleta do ibge. Para este estudo, optamos pelo setor censi-
tário, definido pelo ibge como “a unidade de controle cadastral formada por área
contínua, integralmente contida em área urbana ou rural, cuja dimensão, número
de domicílios e de estabelecimentos permitam ao recenseador cumprir suas ativi-
dades em um prazo determinado” (ibge, 2010c). Essa unidade territorial parece
adequada também de um ponto de vista teórico, uma vez que possui escala maior
que trechos ou ruas, que poderiam não captar a diversidade proporcionada por usos
dentro de uma distância facilmente caminhável, e menor do que bairros inteiros,
que poderiam prejudicar a resolução da análise, misturando partes da cidade muito
diferentes.
Além disso, considerando que Jacobs (2009) desenvolve seus argumentos
pensando na cidade, optamos por excluir os setores rurais, considerando para este
estudo apenas os setores urbanos, entendidos pelo ibge como aqueles dentro do
perímetro urbano, categorizados em área urbanizada de vila ou cidade, área não
urbanizada de vila ou cidade e área urbana isolada (ibge, 2010b).

Variáveis
A lista completa de variáveis dependentes, independentes e de controle usadas
no trabalho pode ser vista no tablela 1.
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fonte dos
variáveis tipo medida dados

Crimes por Quantidade de crimes ocorridos no setor por mpsc + Censo


Dependente
habitante mil habitantes ibge

Crimes por Quantidade de crimes ocorridos no setor por mpsc + cnefe


Dependente
endereço mil endereços ibge

Valor do rendimento nominal médio mensal


Renda Controle Censo ibge
das pessoas de 10 anos ou mais de idade (R$)
Índice de Gini-Simpson transformado para a
True Diversity, usando classificação geral. O nú-
Gini-Simpson True
Independente mero equivale ao total de usos diferentes em um cnefe ibge
Diversity
setor caso esses usos tivessem proporções iguais.
Proporções desiguais diminuem o índice.
Proporção não Porcentagem de endereços não residenciais em
Independente cnefe ibge
residencial relação ao total de endereços no setor (%)

Quantidade de usos diferentes considerando a


Riqueza de usos 1 Independente cnefe ibge
classificação geral

Quantidade de usos diferentes considerando a


Riqueza de usos 2 Independente cnefe ibge
classificação detalhada

Densidade
Independente Quantidade de moradores por hectare (hab/ha) Censo ibge
populacional
flo: pmf
Tamanho das Tamanho médio das quadras (segmentos de joi: pmj
Independente
quadras ruas entre duas intersecções) (em metros) blu: Open Street
Map
tabela 1 | Variáveis empregadas na pesquisa
obs.: pmf: prefeitura municipal de florianópolis; pmj: prefeitura municipal de joinville
fonte: elaborado pelos autores
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 253

Como já mencionamos, para Jacobs (2009), a ocorrência de crimes está diretamente


relacionada ao sucesso, ou não, de bairros urbanos: “O principal atributo de um
distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em
meio a tantos desconhecidos” (Jacobs, 2009, p. 30). Nesse sentido, consideramos,
para esta pesquisa, duas variáveis referentes à criminalidade para testar empirica-
mente os argumentos de Jacobs: taxa de ocorrência de crimes por habitantes e por
endereços. No primeiro caso utilizamos a população total de cada setor censitário
levantada pelo Censo Demográfico 2010, enquanto no segundo utilizamos o total
de endereços identificados no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos
(cnefe), não sendo considerados os lotes vagos nem as edificações em ruínas sem
morador.
Esse procedimento visou gerar duas variáveis complementares, uma vez que
nenhuma das duas consegue captar completamente todas as nuances da taxa de
crimes. Por um lado, a população residente não considera a quantidade de esta-
belecimentos não residenciais, que podem modificar bastante o movimento de
pedestres e veículos de uma área. Os endereços incluem esses estabelecimentos, mas,
por outro lado, não possuem informações sobre a quantidade de pessoas residentes
em cada endereço. As análises consideraram ambas as medidas para verificar se
havia coincidência nos resultados encontrados para uma e para outra. É importante
ressaltar, ainda, que para as ocorrências de crimes foram considerados todos os tipos
levantados pela pmsc.4
As informações georreferenciadas do Censo, do cnefe e de ocorrência de crimes
foram agrupadas por setor censitário, através de operações de geoprocessamento.
Com esses valores em mãos, foi possível calcular as taxas de criminalidade por 1.000
habitantes e por 1.000 endereços. Esse procedimento permitiu também calcular as
correlações entre as variáveis dependentes e independentes, descritas acima.
Como variável de controle utilizamos o rendimento mensal médio por domicílio,
disponível no Censo 2010. Isso foi feito porque o aspecto socioeconômico pode
interferir diretamente no sucesso de bairros urbanos, além do fato de a não conside-
ração desses aspectos ser uma das críticas feitas ao trabalho de Jacobs (Bratishenko,
2016). Outras variáveis relacionadas a questões socioeconômicas, como diversidade
cultural, oferta de moradia, valor da terra etc., também interferem na dinâmica
urbana e podem ser consideradas em desdobramentos futuros. Neste artigo, no
entanto, utilizamos apenas a renda, por ser um indicador socioeconômico represen-
tativo e também pela disponibilidade da informação no Censo, essencial para um
estudo com essa abrangência.

4 Abigeato (furto de gado), abigeato (tentado), furto, furto (tentado), furto de coisa comum,
furto de coisa comum (tentado), furto qualificado, homicídio, homicídio (tentado), homicídio
culposo, homicídio culposo na direção de veículo automotor, latrocínio, perturbação do trabalho
ou sossego alheio abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, perturbação do trabalho
ou sossego alheio, perturbação do trabalho ou sossego alheio (tentado), posse de drogas, posse de
drogas (tentado), roubo, roubo (tentado), roubo (sequestro relâmpago), tráfico de drogas, tráfico
de drogas (tentado), violação de domicílio, violação de domicílio (tentado), violação de domicílio
durante a noite ou em lugar ermo ou com emprego de violência/arma ou em 2 ou mais pessoas.
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Quanto às variáveis para mensurar as condições para a diversidade urbana defen-


didas por Jacobs (2009), não foi possível levantar informações referentes à idade dos
edifícios para os três conjuntos urbanos considerados. Portanto, essa condição não
foi alvo de análise nesta pesquisa. Para as outras três condições, foram definidas as
variáveis descritas na sequência.
Para quantificar a diversidade de usos do solo, optamos por utilizar quatro vari-
áveis distintas, como forma não apenas de cobrir diferentes aspectos do fenômeno,
mas também de checar se as relações encontradas se mantêm estáveis para todos eles.
A primeira é o índice de Gini-Simpson True Diversity (Jost, 2006), descrito acima,
calculado com base na classificação geral de usos. A segunda é o percentual de usos
não residenciais que, embora não seja, a rigor, uma medida de diversidade, tem sido
considerado em diversas pesquisas como tal (ver, por exemplo, Hoek, 2008 e Sung,
Lee, & Cheon, 2015) e, por isso, foi incluído neste estudo. Além disso, o fato de
o uso residencial ser tão predominante nas cidades (91,12% para a acf, 89,33%
para Blumenau e 89,76% para Joinville, para os casos tratados neste estudo) faz
com que aumentos nas porcentagens não residenciais quase sempre correspondam a
aumentos na diversidade de usos do solo.
A terceira e a quarta medidas são indicadores simples da riqueza de usos, isto é,
da quantidade total de usos diferentes presentes no setor censitário, independente-
mente das proporções de cada um deles. De acordo com Magurran (1988), medidas
desse tipo são especialmente úteis quando se trata de contagens completas (em
oposições a amostras), como é o caso do Censo ibge. A primeira dessas duas últimas
medidas, chamada “usos diferentes 1”, quantifica a riqueza de usos considerando
a classificação geral fornecida pelo cnefe: residencial, educação, saúde, ensino e
outros (incluindo comércios e serviços). Portanto, tem valores de 1 a 5.
A segunda (usos diferentes 2) considera um campo da tabela cnefe que fornece
uma descrição do uso contido no respectivo endereço, tais como “posto de gasolina”,
“mercearia” e “padaria”. Portanto, ela dá uma ideia diferenciada da riqueza de usos,
porque capta mais nuances desse aspecto do que a classificação geral, que acaba
reduzindo uma grande quantidade de diferentes usos comerciais, por exemplo, a
uma única classe. Além disso, como alguns usos do mesmo tipo aparecem nesse
campo com seus respectivos nomes, e por isso acabam sendo contabilizados como
um uso diferente, essa medida também captura um pouco dos aspectos quantita-
tivos da diversidade, no sentido de que ter uma padaria é menos diverso do que ter
muitas padarias, ainda que todas possam ser classificadas como um mesmo tipo.
Por outro lado, essa inconsistência implica que essa descrição não é sistemática
e rigorosa e, portanto, deve ser interpretada com cautela. Neste estudo, isso foi
feito através da comparação com os resultados obtidos pelas demais medidas, para
verificar se os mesmos são corroborados por ela ou não.
Para o cálculo da densidade populacional, utilizamos a informação do Censo
2010. O cálculo foi realizado no software qgis, considerando a população total de
cada setor pela sua área (hab/ha). Por fim, o tamanho médio das quadras foi obtido a
partir de um mapa base de logradouros dos três espaços urbanos. No qgis foi possível
calcular o tamanho de cada segmento e, em seguida, a partir dos dados georreferen-
ciados, calcular o tamanho médio dos segmentos dentro de cada setor censitário.
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 255

Portanto, quando nos referimos ao tamanho da quadra estamos, na verdade, nos


referindo ao tamanho dos trechos de logradouro entre duas intersecções, e não à
sua área. Isso reflete mais adequadamente a preocupação de Jacobs (2009, p. 197)
de que “as ruas e oportunidades de virar esquinas devem ser frequentes”. O valor
considerado foi a média dos tamanhos de trechos de logradouro, em metros, no
setor censitário.

Análise visual e estatística


Com base nas variáveis listadas acima, agregadas por setor censitário, elaboramos
mapas temáticos para as três áreas urbanas. A partir disso, buscamos identificar
padrões na distribuição dessas variáveis que nos ajudassem a entender o comporta-
mento dos fenômenos, bem como possíveis relações com os demais aspectos. Em
alguns casos, situações que chamaram a atenção por se destacar do restante do sis-
tema foram analisadas com maior cuidado.
Além disso, fizemos análises de correlação entre as variáveis dependentes (taxas
de crimes por habitantes e por endereços) e as demais variáveis, em busca não
apenas de uma maior precisão nos resultados, mas também de regularidades nos
casos em que a mesma variável foi representada por mais de uma medida. Adotamos
a correlação de Spearman, que é mais apropriada nos casos em que a distribuição
das variáveis não é normal, como é o caso daquelas adotadas neste estudo. Ao todo,
foram analisados 2.348 setores, 677.017 endereços e 134.014 ocorrências criminais,
distribuídos entre os três conjuntos urbanos.

Breve caracterização dos conjuntos urbanos estudados


Área Conurbada de Florianópolis (acf)
A cidade de Florianópolis, localizada no litoral de Santa Catarina, é a atual capital
do estado e localiza-se em uma ilha (Ilha de Santa Catarina) e em uma pequena
faixa continental. As demais cidades localizam-se em sua totalidade no continente.
Juntos, totalizam uma população de 826.584 habitantes, dos quais 421.240 são
residentes na capital, fazendo dela a segunda cidade mais populosa do estado,
ficando atrás apenas de Joinville (ibge, 2018). A densidade demográfica bruta da
acf gira em torno de 5,17 hab/ha, e essa concentração de pessoas está principal-
mente na faixa central da ilha e do continente, ressaltando que o continente abriga
a maior porcentagem desses habitantes. Vale destacar também que grande parte da
Ilha de Santa Catarina é composta por uma área densa de vegetação protegida pelo
patrimônio ambiental, que não é habitada, além de lagoas, mangues e dunas.
Blumenau
Localizada no Vale do Itajaí, Blumenau é a terceira cidade mais populosa do estado
de Santa Catarina. Seus 352.460 habitantes (ibge, 2018) estão distribuídos em
quase 52 mil hectares (ha), resultando em uma densidade populacional bruta de
6,77 hab/ha. A uma distância de aproximadamente 130 km da capital catarinense, a
cidade destaca-se nacionalmente nos setores da informática e da indústria têxtil. Sua
ocupação urbana concentra-se nas planícies centrais, com a expansão ocorrendo no
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sentido norte-sul a partir das margens do Rio Itajaí-açu, que cruza a cidade. A sul e
a norte, o relevo caracteriza-se pela presença de áreas montanhosas.
Joinville
Joinville é a maior cidade do estado, com 112.611 hectares, população de 515.288
habitantes (ibge, 2018) e densidade de 4,58 hab/ha. A cidade é sede da Região
Metropolitana do Norte/Nordeste Catarinense, que possui aproximadamente 1,34
milhão de habitantes, caracterizando-se como uma das mais populosas regiões
metropolitanas de Santa Catarina. O Rio Cachoeira, que percorre o centro da
cidade, direciona as principais vias no sentido norte-sul, e aflui à Baía da Babitonga,
configurando um território predominantemente plano, com extensas áreas de
manguezais. A área central urbanizada se distribui no sentido norte-sul, enquanto
porções residenciais unifamiliares significativas se encontram no leste da cidade,
voltados para a baía, e porções industriais e de serviços de grande porte nas regiões
norte e próximas à rodovia br-101.

Resultados

Os resultados visuais estão materializados através de mapas comparativos por variá-


veis, enquanto os resultados estatísticos, na forma de correlações de Spearman entre
todas as variáveis independentes e as duas variáveis dependentes, estão sintetizados
na tabela 1. Ambos os tipos de resultados são discutidos e interpretados nas seções
correspondentes a cada uma das variáveis.

crimes /endereço crimes/habitante


variável
acf blumenau joinville acf blumenau joinville
(n=1131) (n=497) (n=720) (n=1131) (n=497) (n=720)

Renda per capita renda -0,23 -0,06 -0,17 -0,02 0,07 0,03
Porcentagem não-
porcNResid 0,34 0,19 0,20 0,28 0,29 0,37
residenciais
Diversidade de usos divGiniTD 0,32 0,18 0,20 0,30 0,30 0,37

Diversidade de usos Usos 1 0,17 0,17 0,11 0,24 0,21 0,19

Diversidade de usos Usos 2 0,32 0,18 0,15 0,33 0,29 0,29


Densidade de
densHabHa -0,21 -0,16 -0,16 -0,31 -0,13 -0,20
habitantes
Tamanho médio
tamQuadras 0,00 0,03 -0,05 0,01 -0,01 0,00
das quadras
tabela 1 | Correlações para as variáveis dependentes e independentes
fonte: elaboraçao própria
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 257

Ocorrência de crimes
De maneira geral, os mapas das duas variáveis dependentes são muito similares
(figura 2), sem grandes diferenças entre os padrões de crimes observados. De fato,
as correlações entre as duas variáveis são de 0,84 para a acf, 0,96 para Blumenau
e 0,95 para Joinville, confirmando as impressões obtidas com a análise visual. As
maiores diferenças, como seria de se imaginar, acontecem nas áreas centrais, nas
quais há maior discrepância entre a quantidade total de endereços e a população
residente, modificando as taxas de crimes. Mesmo assim, apenas em Joinville essa
diferença pode ser percebida nos mapas, com as áreas mais centrais visivelmente
com maiores taxas de crimes por habitantes.

figura 2 | Mapa de taxa de crimes por 1000 habitantes para as três áreas
urbanas e Mapa de taxa de crimes por 1000 endereços para as três
áreas urbanas
fonte: elaboraçao própria sobre dados do cnefe (ibge, 2010a) censo ibge (ibge, 2010b) e
mpsc (2016)
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Os mapas não mostram um padrão claro e recorrente para os três conjuntos urbanos.
No entanto, é possível indicar uma tendência, ainda que não muito acentuada, das
maiores taxas de crimes se concentrarem nas áreas mais centrais e nas mais perifé-
ricas. Esse padrão é mais claro em Joinville, mas é possível observá-lo também, com
menor força, na acf e em Blumenau. Neste último ele é menos visível, mas ainda
assim parece se manifestar em todas as regiões da cidade, com exceção da porção
sudeste, onde há uma região inteira de maiores taxas criminais se estendendo do
centro à periferia, sem essa área de menor taxa de criminalidade entre elas.
Ao fazermos uma análise geral desses setores com alta taxa de criminalidade,
observamos que parte deles possui uma área de vegetação extensa, o que pode
influenciar para cima a taxa de crimes pela baixa quantidade de população e ende-
reços. Por outro lado, alguns desses setores se destacam, principalmente, por se
tratarem de áreas reconhecidas como mais perigosas e sujeitas a maior criminali-
dade, principalmente por estarem relacionadas com o tráfico de drogas, que abre
portas para outros tipos de crimes (roubo, furto, homicídio, latrocínio...), como é o
caso de alguns assentamentos informais.
Chama a atenção também a taxa de 112.800 crimes por mil habitantes e 5.198
crimes por mil endereços do setor correspondente ao aterro da baía sul, na região
central de Florianópolis. Essa área abriga equipamentos urbanos importantes, tais
como a rodoviária municipal, a estação de tratamento de esgoto da Companhia
Catarinense de Águas e Esgoto (casan) e o principal terminal de ônibus urbano da
cidade, além de amplas avenidas, canteiros e o remanescente de um parque projetado
por Roberto Burle Marx que, entretanto, nunca chegou a ser completamente apro-
priado pela população. Pela figura 3 é possível perceber que a área é de baixíssima
densidade e composta por edificações isoladas, com pouca permeabilidade com o
espaço público e separada por avenidas largas e de intenso movimento. Além disso,
separa-se do centro mais consolidado, ainda que esteja fisicamente unido a ele.
Tanto a pequena quantidade de habitantes e de endereços, como a alta quantidade
de fluxos de passagem (o que fornece alvos para os criminosos), contribuem para
as altas taxas de crimes observadas. Entretanto, basta uma observação simples da
forma construída dessa área para perceber o porquê: baixíssima apropriação em
comparação com o tamanho da área, grandes distâncias entre os (poucos) atratores e
concentradores de pessoas, dificuldade de vigilância natural e abundância de espaços
propícios a servirem como esconderijos. Esse espaço completamente antiurbano
parece, portanto, corroborar os argumentos de Jacobs de que espaços com vitalidade
e diversidade de usos são os mais seguros.
Um exame mais cuidadoso da distribuição de roubos e furtos nessa área mostra
que a maior parte deles está concentrada junto aos equipamentos, que é realmente
onde acontecem os maiores fluxos de pessoas. Com os dados disponíveis, é impos-
sível afirmar com certeza se as taxas de crimes por pessoa também seriam maiores
nesses locais; entretanto, considerando-se a enorme diferença no tráfego de pedes-
tres, é muito provável que as taxas nesses locais sejam menores do que nas porções
menos movimentadas do aterro. Outro local que chama a atenção, apesar de não
possuir nenhum equipamento imediatamente ao lado, é o ponto de início das
pontes, em que essas funcionam como um viaduto que passa sobre outra avenida.
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 259

figura 3 | Aterro da Baía Sul e localização aproximada dos crimes de furto e


roubo
fonte: elaboraçao própria sobre imagem do google earth e dados do mpsc

Outro setor da acf que chamou a atenção é aquele em que está localizado o
Aeroporto Internacional Hercílio Luz. Ele aparece como altamente criminogênico
nas análises de crimes/endereço e crimes/habitantes, porém se destaca por ser um
setor de alta renda, com alta diversidade de usos e baixa densidade populacional.
Em Joinville, ambos os mapas de crimes mostram padrões parecidos. Alguns
setores se destacam visualmente por sua extensa área territorial, como é o caso das
áreas ao norte da cidade, apesar de representarem pouco, relativamente, da área
construída. Quando analisadas pela concentração de áreas censitárias diferentes que
mais se destacam, evidenciam-se a área central da cidade e duas porções para o leste
da cidade, superior e inferior ao centro. Ambas possuem áreas intercaladas de taxas
altas e médias de crimes, com predominância de uso residencial unifamiliar.

Renda
A distribuição das camadas de renda em Blumenau e Joinville obedecem de maneira
clara à clássica relação centro-periferia, segundo a qual as camadas mais ricas loca-
lizam-se próximas ao centro, e as mais pobres na periferia, embora com algumas
poucas exceções. Em Florianópolis esse padrão é parcialmente quebrado: ainda que
boa parte dos setores de alta renda esteja localizada na porção central do mapa,
que corresponde à área continental e ao centro fundador de Florianópolis, também
podemos observar que existem setores com a mesma característica em porções
extremas da acf, como por exemplo, Jurerê Internacional, ao Norte da Ilha, Lagoa
da Conceição e Campeche, ao Leste, Bosque das Mansões, em São José, e a Pedra
Branca, em Palhoça, ambos a Oeste do mapa. Por outro lado, fica clara a concen-
tração de população de baixa renda na parte oeste da acf, abrangendo São José,
Palhoça e Biguaçu. De maneira geral, esses setores habitados pela população de alta
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renda não coincidem com os setores destacados como os mais criminogênicos, que
acontecem, prioritariamente, nas áreas de baixa renda (figura 4).

figura 4 | Mapa de renda per capita média para as três áreas urbanas
fonte: elaboraçao própria sobre dados do ibge (2010b)

Em Blumenau, observamos uma forte concentração de setores com maiores rendi-


mentos localizados a sudeste do rio, com ramificações a sul e a sudoeste. Tal situação
confirma a tendência das classes sociais de maior renda se concentrarem em uma
mesma região do espaço urbano, mantendo o acesso direto ao centro, como defende
Villaça (2001; 2012), o que permitiria, segundo ele, uma maior concentração dos
investimentos, por parte das classes dominantes, em uma região específica da cidade.
As correlações entre as taxas de crimes por habitantes e por endereços e a renda
per capita da população foram pouco representativas. Portanto, embora muitas
críticas feitas ao trabalho de Jacobs estejam relacionadas à não consideração dessa
variável, esse resultado indica que, no caso de Blumenau, a renda da população não
está exercendo influência no sucesso ou não de seus bairros.
Diferentemente das demais cidades, que possuem ramificações a partir do
centro, a concentração de alta renda em Joinville é nuclear e espacialmente bem
delimitada. Também diferentemente da acf e de Blumenau, os crimes ocorrem com
maior intensidade nas áreas centrais, portanto com maior renda, ou nas áreas bem
periféricas, onde se concentram as menores rendas, próximas ao limite da cidade.
Essas áreas correspondem às margens de rodovias, setores industriais (pontualmente
também próximas ao aeroporto) ou áreas ambientalmente frágeis, como encostas de
morros e córregos.
As correlações (tabela 1) reforçam a noção de que a renda não é relevante para
explicar as taxas de crimes, ao menos nessa escala de análise, com valores, no geral,
muito próximos de zero.
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 261

Diversidade de usos do solo


Nos mapas de diversidade do uso do solo, mostramos apenas a porcentagem de usos
não residenciais (figura 5) e o índice GiniTD (figura 6). A medida de riqueza sim-
ples utilizando apenas as 6 classes de usos gerais fornecidas pelo cnefe mostrou-se
incapaz de captar adequadamente a diversidade, enquanto que a medida de riqueza
considerando a descrição detalhada dos usos, além (ou apesar) dos problemas já
antevistos, mostrou-se altamente correlacionada com o índice GiniTD (correlações
de 0,88, 0,74 e 0,82) e, portanto, não tem muito a acrescentar à análise. De qual-
quer forma, ambas foram mantidas na tabela 1 para facilitar e reforçar a leitura de
padrões gerais de comportamento da relação da diversidade de uso do solo com as
taxas de crimes.

figura 5 | Mapa de diversidade de usos (porcentagem de endereços não


residenciais) para as três áreas urbanas
fonte: elaboraçao própria sobre dados do ibge (2010b) e cnefe (ibge, 2010a)

Para a acf, a correlação mais forte encontrada foi entre a taxa de crimes por endereço
e a porcentagem de endereços não-residenciais (0,34). Ainda que seja considerada
estatisticamente uma correlação positiva moderada, indica que há uma tendência
em haver maior número de ocorrências criminais em um setor censitário que possui
alta proporção de usos não-residenciais. Vale ressaltar que não é o fator diversidade
de usos, mas sim a incidência de usos comerciais, serviços e industriais que apa-
recem associados à criminalidade neste caso. Isso poderia estar atrelado à questão da
atratividade de diferentes usuários para esses locais, pois usos não-residenciais faci-
litam o anonimato de um potencial criminoso em meio aos diferentes transeuntes.
Isso contradiz, em parte, a visão propagada por Jacobs (2009), segundo a qual essa
intensa utilização do espaço público traria, eminentemente, maior segurança.
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figura 6 | Mapa de diversidade de usos (Gini-Simpson True Diversity) para as


três áreas urbanas
fonte: elaboraçao própria sobre dados do ibge (2010b) e cnefe (ibge, 2010a)

Em Blumenau, verificamos que os setores com maiores taxas, tanto de crimes por
habitantes quanto de crimes por endereços, estão bastante dispersos. No entanto,
quando comparamos com os mapas de usos não residenciais e com o índice Ginitd,
observamos uma leve concentração de setores com altos valores para essas quatro
variáveis (porcentagem de usos não residenciais, índice Ginitd, taxas de crimes por
habitantes e por endereços) ao longo do rio, o que pode ser confirmado, em parte,
pela análise estatística, que chegou a valores de correlação próximos a 0,18 para
crimes por endereço e entre 0,21 a 0,30 para crimes por habitantes (em ambos os
casos com significância estatística em nível de confiança de 95%, apesar de valores
baixos a moderados).
Para Joinville, ambos os mapas de diversidade de usos (Gini True Diversity) e
proporção de usos não residenciais mostram correspondências claras com os mapas
de taxas de crimes. Temos a área central e suas ramificações, que representam as
porções mais diversificadas, com acréscimo dos setores ao norte. Essas áreas ao
norte são pouco ocupadas e nelas predominam os serviços de grande porte, como
empresas e centros comerciais, que possuem escoamento pela br 101 e pequenas
áreas com residências unifamiliares.
As correlações confirmam essa impressão visual: locais com maiores proporções
de usos não residenciais e com maior diversidade de usos (Gini td) possuem maior
potencial de ocorrências de crimes, tanto nas taxas por endereços (r=0,20 para
ambas as medidas de usos do solo) quanto por habitantes (r=0,37, também para
ambas as medidas).
Analisando as correlações obtidas para os três conjuntos urbanos, vemos que,
em geral, setores com maior diversidade de usos e menor incidência de uso residen-
cial estão associados a taxas de crimes maiores, ou seja, setores com presença mais
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 263

acentuada de estabelecimentos comerciais, de prestação de serviços, industriais,


institucionais etc. tendem a apresentar maior quantidade de crimes por endereço e
por habitante. A intensidade dessa relação, entretanto, é pequena, com as correla-
ções permanecendo entre r=0,11 e r=0,37, no máximo).

Densidade populacional
Os mapas de distribuição da densidade populacional mostram padrões ligeiramente
diferentes para os três conjuntos urbanos (figura 7). A acf mostra um padrão radial
mais claro, apesar do caráter disperso da ocupação, com concentração nas áreas
centrais, abrangendo tanto a parte insular quanto a continental. A exceção é uma
área mais densa localizada a nordeste, correspondente ao Balneário dos Ingleses, e
outra no sudoeste da Ilha, correspondente ao Bairro da Tapera. Em Blumenau, as
maiores densidades populacionais estão localizadas próximas ao Rio Itajaí-açu, prin-
cipalmente ao sul, em setores mais centrais. Em contraposição, os setores mais peri-
féricos, principalmente ao norte da cidade, abrangem quadras maiores, resultado do
relevo montanhoso e, consequentemente, da ocupação mais rarefeita. Em Joinville a
maior concentração populacional localiza-se em uma parte periférica, com o centro
principal com baixa densidade, e outra área de densidade média a sudeste.
figura 7 | Densidade populacional para os três conjuntos urbanos

fonte: elaboraçao própria com base nos dados do ibge (2010b)

Quanto às correlações encontradas, os valores negativos sugerem uma tendência,


ainda que leve, de maior criminalidade em setores com menores densidades, o que
significa que a ocorrência de crimes tende a aumentar em regiões com menos mora-
dores. Os valores mantêm-se entre r=-0,16 e r=-0,31, revelando certa variação, mas,
ao mesmo tempo, grande concordância quanto a uma associação negativa de inten-
sidade baixa a moderada com as taxas de crimes nos três conjuntos urbanos. De
fato, os mapas das taxas de crimes mostram diversas áreas periféricas e pouco densas
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com grandes taxas de crimes. Muitos desses setores correspondem a áreas pouco
urbanizadas, com casas isoladas e grandes empresas, indústrias e galpões, como já
comentado acima, que se destacam visualmente pelo tamanho de seus setores e
quadras.
Esse achado contradiz uma crença de parte da população e, até mesmo, de
estudiosos do tema (ver, por exemplo, Acioly e Davidson, 1998) de que maiores
densidades estariam associadas a maiores taxas de crimes, e de que áreas menos
densas, com grandes parques, áreas vazias e casas isoladas estariam associadas a
maior segurança. Por outro lado, corroboram os argumentos de Jacobs (2009).

Tamanho médio das quadras e permeabilidade local


Os padrões de tamanhos de quadras são claramente discerníveis nos três conjuntos
urbanos analisados: uma distribuição radial, com quadras menores nas áreas centrais
e quadras maiores nas periferias (figura 8).
figura 8 | Tamanho médio das quadras dos três conjuntos urbanos

fonte: elaboraçao própria sobre dados das prefeituras municipais de florianópolis e


joinville, e do open street map

De maneira geral, vemos que o tamanho médio das quadras da acf possui uma
relação inversa aos outros pontos citados anteriormente, em especial a densidade
populacional, ou seja, quanto maior é esta, menores são as quadras desses locais.
Tanto a análise visual quanto as correlações encontradas (variando de r=-0,05 a
r=0,03) mostram que não há relação direta entre o tamanho médio das quadras nos
setores censitários e as taxas de crimes por endereços ou por habitantes.

Conclusões
Saboya,Souza, Kronenberger, Barause | As condições para a diversidade urbana de Jacobs... | ©EURE 265

Este estudo testou três dos quatro geradores de diversidade defendidos por Jacobs
(2009) que, segundo ela, seriam em grande parte responsáveis por vizinhanças bem-
-sucedidas, nos três conjuntos urbanos mais populosos de Santa Catarina, totali-
zando seis cidades. A unidade territorial adotada foi a mais desagregada para a qual
todos os dados estavam disponíveis, os setores censitários do ibge.
Com relação às diferentes medidas de diversidade de usos do solo, encontramos
alta correlação entre a porcentagem de usos não residenciais e o índice de Gini
True Diversity (aproximadamente 0,98), bem como entre este e a riqueza de usos
detalhada (usos 2; correlação aproximadamente igual a 0,8). Portanto, essas três
medidas são altamente correlacionadas entre si, e a riqueza de usos com 6 classes é
a que menos se correlaciona com as demais (na faixa de 0,42). Ao mesmo tempo, a
tabela 1 mostra que esta última é a que possui menor correlação com a ocorrência de
crimes, indo de r=0,11 a r=0,24. Sendo assim, os resultados indicam que a diversi-
dade de usos gerais expressa pela simples quantidade de usos (análoga ao conceito de
diversidade primária de Jacobs, que se baseia na riqueza de usos) possui influência
fraca na ocorrência de crimes e, mesmo assim, em sentido inverso ao que Jacobs
(2009) argumentou existir.
Cabe destacar que as correlações entre criminalidade e diversidade de usos, ainda
que moderadas, são bastante significativas quando estamos lidando com um objeto
de estudo tão complexo como o espaço urbano. Padrões espaciais e relações sociais
são resultados de contingências, de valores culturais, de aspectos ambientais etc.,
além da atuação ininterrupta de agentes produtores desse espaço. Entretanto, as
análises mais pormenorizadas sugerem que, em escalas mais ampliadas, as preo-
cupações de Jacobs (2009) sobre a relação das edificações com os espaços públicos
parecem fazer sentido.
Por outro lado, os resultados encontrados para a densidade populacional corro-
boram os argumentos de Jacobs (2009) de que esse fator está associado a maior
segurança. Isso foi observado para os três conjuntos urbanos, com relativa estabili-
dade entre eles. Já o fator tamanho médio de quadras não parece ser tão decisivo na
manutenção de áreas mais vitais.
Um aspecto importante, que pode ser visto como uma limitação do presente
estudo, é a não consideração, por absoluta inexistência de dados nessa escala de
abrangência, sobre os fluxos de pessoas nas diferentes áreas da cidade, que não são
diretamente captados nem pela quantidade de endereços nem pela quantidade de
residentes, apesar de ambas as variáveis fornecerem uma aproximação. Esse fator
poderia compor uma terceira taxa de crimes a ser confrontada como as outras duas
com as variáveis independentes. É possível que gerasse resultados diferentes, no
sentido de que áreas com maior fluxo de pedestres, apesar de ter altas quantidades
absolutas de crimes (pela maior quantidade de alvos), tenham menores taxas quando
esse número de crimes é dividido pela quantidade de pedestres, por exemplo.
Entretanto, essa consideração não teria influência sobre os crimes cometidos contra
edificações residenciais e não residenciais. Outra limitação foi a não consideração
sobre a sazonalidade na ocupação ocasionada pelo turismo, especialmente na acf,
que aumenta bastante sua população nos meses do verão. Para pesquisas futuras
uma suposta influência dessa flutuação sobre a ocorrência de crimes poderia ser
266 ©EURE | vol 47 | no 140 | enero 2021 | pp. 243-267

investigada. Parece especialmente promissor, também, investir em análises mais


desagregadas. Estudos que adotem uma maior resolução no estudo da diversidade,
inclusive analisando-a ao nível da edificação, como fizeram Barause e Saboya (2018),
bem como na aquisição de dados sobre fluxos, viagens e outras formas de descrever a
intensidade e o tipo de apropriação de espaços públicos, provavelmente trarão novos
entendimentos sobre essa relação, potencialmente com implicações agregadas em
escalas de abrangência maior.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


(capes), cujas bolsas de mestrado financiaram parcialmente o estudo aqui desen-
volvido, e ao Ministério Público de Santa Catarina (mpsc), pela disponibilização
dos dados espacializados de ocorrências criminais, e aos avaliadores anônimos que
auxiliaram no aprimoramento deste trabalho.

Referências bibliográficas

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