Os Espacos de Lazer Na Cidade

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

OS ESPAÇOS DE LAZER NA CIDADE: A POLÍTICA URBANA DE BELO


HORIZONTE

Recebido em: 13/04/2010


Aceito em: 22/08/2010

Amanda Carolina Costa Silveira1


Regina Helena Alves da Silva2

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG


Belo Horizonte – MG – Brasil

RESUMO: Tendo em vista a diversidade de maneiras de pensar o lazer na cidade, este


estudo se dedica a fazê-lo tendo como foco o planejamento urbano. Teve como objetivo
analisar como a cidade de Belo Horizonte planejou seus espaços de lazer, através da
legislação urbanística e outros documentos. Possui abordagem qualitativa, combinando
Pesquisa Bibliográfica e Pesquisa Documental. Nesta última, verificamos o
planejamento relativo aos espaços de lazer a partir de categorias: acessibilidade,
distribuição espacial, recuperação/manutenção e construção de novos espaços de lazer.
A análise dos documentos indica, no Plano Diretor, como o lazer é tratado junto ao
esporte, mas aparece também em outros trechos do documento. Questões acerca do
lazer tiveram maior visibilidade quando o debate foi realizado por diferentes setores da
sociedade, nas Conferências Municipais de Política Urbana.

PALAVRAS-CHAVE: Atividades de Lazer. Planejamento de Cidades. Planejamento.

THE LEISURE AREAS IN THE CITY: THE URBAN POLICY OF BELO


HORIZONTE

ABSTRACT: Given the diversity of possibilities for thinking of leisure in the city, this
study dedicates itself to doing it with a focus on urban planning. As a goal, the study
tried to analyze, through urbanistic legislation and other documents, how the city of
Belo Horizonte has planned its leisure areas. Has a qualitative approach, combining
Bibliographic and documentary research. In the latter, we find planning on leisure
spaces from categories: accessibility, spatial distribution, repair/ maintenance and the
construction of new leisure space. The analysis of the documents indicates, in the
Master Plan, leisure is treated with the sport, but also appears elsewhere in the
document. Questions about leisure had increased visibility when the debate was carried
out by different sectors of society, the Conference of Municipal Urban Policy.

KEYWORDS: Leisure Activities. City Planning. Planning.

1
Mestre em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
(CNPq) ORICOLÉ.
2
Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais (FaFiCH/UFMG) .

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Introdução

Em um país com alto grau de desigualdade social como o Brasil tem sido

apontada a necessidade de estudos que buscam verificar como o lazer vem sendo

planejado e proposto pelo Poder Público. A questão fundamental deste estudo é como se

dá o reconhecimento do lazer enquanto um direito social para todos os cidadãos. Este

artigo traz alguns apontamentos e resultados presentes na dissertação intitulada Um

olhar sobre a política urbana de Belo Horizonte: há espaço para o lazer dentro do

planejamento urbano?3

Nesse estudo nos dedicamos a pensar a problemática do lazer sob o aspecto do

planejamento urbano entendido como os instrumentos que vão detectar questões e

problemas da cidade em seus processos de constituição ao longo do tempo. Para

compreendermos melhor este objeto, apontaremos algumas considerações acerca do

processo de urbanização no Brasil, bem como as propostas que tem surgido na

atualidade para modificar o quadro existente.

O processo de urbanização no nosso país é um fenômeno recente, se

considerarmos que, no início do século XX, menos de 10% dos brasileiros viviam nas

cidades. A partir da lógica capitalista o Brasil inicia neste período seu processo de

industrialização e as cidades começam a crescer de maneira acelerada e desorganizada.

Como aponta Martins (2006, p. 96), a partir de avanços técnicos e

tecnológicos, como a máquina a vapor e a eletricidade, a indústria se implantou

decididamente nas cidades, que se tornaram “o lugar onde tudo e todos se acumulam”,

ou seja, as cidades passaram a comportar as indústrias, a elite dominante e também uma

grande massa trabalhadora. Esta última, muitas vezes, precisou se acomodar em locais

3
Dissertação defendida em março de 2010 no Programa Interdisciplinar de Mestrado em Lazer da
Universidade Federal de Minas Gerais, de autoria de Amanda Carolina Costa Silveira, sob a orientação da
Profª. Drª. Regina Helena Alves da Silva.

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sem nenhuma estrutura e conforto, onde os problemas se acumulavam em velocidade

superior às possibilidades de solução. Esse processo gerou grande desnível na ocupação

do solo urbano e separou, de forma acentuada, áreas mais centrais, onde se

concentravam todos os benefícios, das áreas periféricas onde não existia infraestrutura

urbana. Este rápido panorama é importante para podemos perceber que determinados

problemas urbanos não aparecem apenas no decorrer das ultimas décadas do século XX

com o imenso crescimento de algumas cidades. Mas é importante ressaltarmos que estes

problemas estão ligados ao aumento descontrolado de ocupação da área urbana e a falta

de condições da administração deste espaço em conseguir entendê-lo e desenvolver

soluções para estas questões.

É na Constituição Federal Brasileira de 1988 que aparece pela primeira vez,

um capítulo específico sobre Política Urbana, estabelecendo, como competência do

Poder Público municipal, a responsabilidade pela execução da política de

desenvolvimento urbano. Alguns autores apontam este momento como sendo o de

consolidação do debate político em torno de um conflito de interesses fundamental para

as cidades: os princípios do trabalho versus o resgate da função social da cidade

(LOPES e PERES, 2006). Isso porque, durante muito tempo, a cidade se estruturou em

torno do trabalho fabril, mas a partir deste momento ela precisa se estruturar para

proporcionar melhoria na qualidade da vida urbana com o incremento da cidadania e

dos direitos humanos na busca de uma nova forma de convivência entre seus munícipes.

Mais tarde, em julho de 2001, o Congresso Federal aprovou a Lei Federal nº. 10.257,

intitulada de Estatuto da Cidade, que regulamenta o capítulo de Política Urbana da

Constituição Federal de 1988.

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Entretanto, o estabelecimento dessa nova concepção de planejamento

urbano, principalmente em relação aos espaços destinados ao lazer, depende do uso que

dela fizerem os habitantes das cidades.

A partir destes apontamentos podemos explicitar nosso objetivo neste texto:

analisar como a cidade de Belo Horizonte planejou seus espaços de lazer, a partir da

legislação urbanística e outros documentos referentes ao seu planejamento urbano. Tais

documentos são importantes, apesar de todos os seus limites, porque representam um

avanço em termos de gestão do território e de tentativa de melhorar a qualidade de vida

nesta cidade. Enfatizando que o espaço público é local privilegiado de vivência social e

práticas de lazer, julgamos necessário verificar de que forma o lazer tem sido inserido

nesse processo de planejamento urbano e se há uma proposta de democratização do

acesso e de qualificar os espaços da cidade com equipamentos e atividades orientadas

para o lazer.

Vários autores discutem que o Brasil é um país que se industrializou e se

urbanizou de forma bastante acelerada e muitas de suas cidades são hoje palco de uma

série de desajustes urbanos. Mas esse é um problema que afeta vários países em todo o

mundo, não sendo específico do Brasil. De acordo com Santos (2005), a América

Latina, desde o início de sua história européia, ou seja, desde a sua colonização, sempre

foi um continente aberto aos ventos do mundo, sempre foi permeável ao novo. A

aceitação mais fácil e mais pronta dos modelos de modernização tem-lhe permitido

saltar etapas, percorrendo, em muito menos tempo, caminhos que ao velho continente

exigiram uma lenta evolução.

Para tentar resolver tantos problemas urbanos decorrentes dessa urbanização

acelerada, as cidades brasileiras foram alvo de várias intervenções urbanas, desde o seu

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surgimento. Importante destacar que as intervenções urbanas que ocorreram na primeira

metade do século XX, no Brasil, se mostravam segregadoras. De acordo com Telles

(2006), a presença popular nos espaços urbanos compunha uma realidade escrita em

negativo, ou seja, os usos populares dos espaços da cidade não se ajustavam ao padrão

de moralidade projetado pelas elites e classes médias. As intervenções reformadoras

daquela época foram marcadas pela intolerância social e pela repressão e perseguição às

manifestações populares, seus espaços de sociabilidade, seus usos da cidade.

Nesse sentido, Costa (2008) assinala que, de certa forma, no Brasil, o

planejamento territorial foi, até meados do século XX, dominado pelo enfoque físico-

territorial, conduzido pelo Estado e pelos empreendedores, conferindo um papel pouco

relevante aos atores sociais.

Somente a partir do final dos anos 1970 e, com mais vigor nos anos 1980,

com a abertura política e o início do processo de redemocratização do país, é que

“diversas abordagens alternativas de planejamento passaram a inspirar práticas que

procuraram reinserir a dimensão política do processo de planejamento e valorizar a

participação social” (COSTA, 2008, p. 150).

Foi no bojo da Constituição Federal de 1988 que se constituiu a agenda da

Reforma Urbana, defendendo a descentralização política e a democratização das

cidades. De acordo com Santos Júnior (2001), o centro dessa agenda tinha por base uma

nova concepção de planejamento urbano fundado, por um lado, em princípios políticos

ligados à democracia e à justiça social e, por outro, na compreensão da dinâmica urbana

como reprodutora das desigualdades sociais devidas ao nosso modelo de

desenvolvimento econômico.

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Como desfecho desse movimento, com a promulgação da nova Constituição

Federal de 1988, no artigo 182, se estabeleceu como objetivo da política de

desenvolvimento urbano: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Para tanto era apontado como

obrigatoriedade de cidades com mais de vinte mil habitantes a necessidade de produção

de um Plano Diretor devidamente aprovado pela Câmara Municipal. Esse plano deveria

ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Para Ribeiro; Santos Júnior (1994), a proposta da Reforma Urbana foi um

dos mais importantes projetos que conseguiu influenciar, de forma decisiva, a

reconstrução institucional do país. Na visão deles, a vitória nas eleições municipais de

1988 e de 1992 de coalizões políticas populares comprometidas com teses reformistas,

em algumas das mais importantes cidades do país, fortaleceu o movimento pela reforma

urbana na sociedade brasileira. O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, que entra

em vigor no dia 10 de outubro de 2001 vai regulamentar os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal de 1988. Sua função é proporcionar aos municípios instrumentos

para melhorar a qualidade de vida das cidades e dos seus habitantes. O Estatuto aparece

como marco de uma almejada reforma urbana no Brasil. Amplia a obrigatoriedade do

Plano Diretor também aos municípios integrantes de regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas, às áreas de especial interesse turístico e às áreas de influência de

empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional

ou nacional. O prazo máximo para a sua aprovação à época fora estipulado até outubro

de 2006.

O Estatuto da Cidade reúne importantes instrumentos urbanísticos,

tributários e jurídicos para o planejamento ordenado da cidade e é entendido como um

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importante passo na correção das distorções do processo de urbanização do nosso país,

por dispensar um tratamento específico aos territórios urbanos e possibilitar a

democratização dos espaços das cidades.

Souza ressalta que planejar e gerir uma cidade não é planejar e gerir apenas

ou, sobretudo coisas (substrato espacial, mobiliário urbano etc.), mas sim planejar e

gerir relações sociais (2004, p. 178, grifos do autor). Partindo desse pressuposto,

acreditamos ser necessário pensar na cidade como o local que deve satisfazer as

necessidades vitais da população, estabelecendo uma adequada e respeitosa relação

entre o individual e o coletivo. Isso implica a implementação de uma proposta social

que vise transformar a sociedade, garantindo o bem-estar dos cidadãos e o direito deles

à cidade, com tudo que ele representa. Nesse sentido, é através da política urbana que se

poderá efetivar a concretização dos direitos fundamentais no espaço urbano, levando à

ampliação dos direitos de acesso à cidade. O fundamental do Plano Diretor –

instrumento de efetivação da política de desenvolvimento urbano – é a organização

social da cidade.

Freitas (2007) ressalta que a função social da propriedade constitui

verdadeira legitimação, nos marcos do Estado Social, do direito de propriedade, indo

muito além das conhecidas e consagradas limitações ao direito à propriedade até então

vigentes. De acordo com esse autor,

[...] a função social da propriedade urbana não se biparte ou se escalona. Um


imóvel não atinge mais ou menos a função social. Ou a conduta de seu
proprietário, ao exercer suas faculdades individuais, está voltada à função
social, ou não está. Portanto, não se trata de confrontar interesses, mas sim de
moldar alguns (os privados) a outros (os públicos) (FREITAS, 2007, p. 19).

Já a função social da cidade constitui princípio de consagração recente,

abordado pela primeira vez na constituição vigente (FREITAS, 2007). Esse autor afirma

que, se quanto à propriedade urbana é possível o estabelecimento de um sujeito – o

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proprietário – em relação ao qual se exigirá a concretização do princípio, o mesmo não

se pode dizer da cidade. Na visão dele - considerando-se que dois terços da população

brasileira residem em municípios com mais de vinte mil habitantes - vislumbra-se nesse

princípio a exigência de que a política de desenvolvimento urbano, a cargo da sociedade

e do Estado, esteja pautada por medidas que persigam a concretização de tais direitos.

Esta discussão é fundamental dado que o lazer, no Estatuto da Cidade, aparece como

uma das funções sociais da cidade.

Assim, interessa-nos aqui refletir sobre o lazer a partir da ótica dos direitos

sociais, destacando que ele apareceu, pela primeira vez, na Constituição Federal de

1988 como um deles. Nossa intenção é discutir os direitos não a partir de um discurso

humanitário - pensando na figura do pobre carente e fraco, que é um sofredor e vítima

das desgraças da vida -, nem de um discurso técnico que coloca a pobreza como

problema que é identificado pela análise sociológica e alvo de um possível

gerenciamento político (TELLES, 2006). Mas sim, como recomenda essa autora,

“colocar os direitos na ótica dos sujeitos que os pronunciam” (p.178), recusando a idéia

de que esses direitos são apenas respostas às necessidades e carências dos pobres. Tem,

ainda, o sentido de reinventar os princípios reguladores da vida social, definindo regras

de reciprocidade esperadas na vida em sociedade através da atribuição mutuamente

acordada das obrigações e responsabilidade de cada um, construindo vínculos

propriamente civis entre indivíduos, grupos e classes (TELLES, 2006).

Em termos do processo de organização social do espaço urbano, o lazer é

apontado como uma das funções sociais da cidade e, portanto, precisa ser considerado

no planejamento urbano. Neste estudo entendemos o lazer como proposto por Gomes

(2004), ou seja, nosso ponto de partida é a cultura vista como um campo de produção

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humana em várias perspectivas e o lazer como uma de suas dimensões. Assim, o lazer

“inclui a fruição de diversas manifestações culturais” (GOMES, 2004, p. 124, grifo da

autora), como o jogo, a brincadeira, a festa, a viagem, o esporte, as formas de arte, entre

outras, incluindo ainda o ócio. Segundo Gomes lazer pode ser entendido como:

Uma dimensão da cultura constituída por meio da vivência lúdica de


manifestações culturais em um tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou
grupo social, estabelecendo relações dialéticas com as necessidades, os
deveres e as obrigações, especialmente com o trabalho produtivo (GOMES,
2004, p. 125).

Entretanto, muitas vezes, a questão do lazer é enfocada de maneira restrita,

relacionada a apenas um dos seus conteúdos culturais, como por exemplo, o esporte, o

turismo, as artes, não contemplando as discussões nas diferentes esferas do fazer

cultural. O que verificamos, com maior freqüência, é a simples associação dele com

experiências individuais vivenciadas, restritas aos conteúdos de determinadas

atividades. Esse caráter parcial e limitado que se observa quanto ao conteúdo dificulta o

estabelecimento de ações específicas. Isso ocorre também, quando procuramos detectar

os valores associados ao lazer. No senso comum, os valores mais relacionados são o

descanso e o divertimento, deixando de lado os de desenvolvimento pessoal e social que

podem ser proporcionados pelo lazer (MARCELLINO, 2008).

Isso posto, precisamos pensar na relevância da problemática do lazer nos

grandes centros urbanos e na sua importância na qualidade de vida das pessoas nas

cidades. Aqui pretendemos pensar na importância do lazer na vida moderna apontando-

o como um direito social, como um interesse comum dos cidadãos. Tomado como um

direito social, o lazer deve ser alvo de atendimento por parte do Estado com o intuito de

garantir o bem-estar das populações. Para isso, é importante pensar em espaços de lazer

visto que, como esclarece De Pellegrin, eles se caracterizam “como espaço de encontro,

de convívio, do encontro com o ‘novo’ e o diferente, lugar de práticas culturais, de

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criação, de transformação e de vivências diversas, no que diz respeito a valores,

conhecimentos e experiências” (DE PELLEGRIN, 2004, p. 74).

O caso de Belo Horizonte

Como o foco de nossa análise é a política urbana cidade de Belo

Horizonte/MG, o entendimento dessa questão nos remete a pensar, mesmo que

detidamente, esse contexto de elaboração desta legislação urbanística4. Vale destacar

que foi na gestão de 1993-1996 que se elaborou e aprovou o Plano Diretor de Belo

Horizonte e a nova Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS).

Nesse processo, em junho de 1995, o então Prefeito de Belo Horizonte

Patrus Ananias encaminhou ao Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte

(CMBH) um documento de apresentação dos Projetos de Lei nº. 314/95 e 315/95

(referentes, respectivamente, ao Plano Diretor e à Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso

do Solo). Durante o período compreendido entre agosto de 1995 e agosto de 1996, tais

Projetos de Lei tramitaram na CMBH a fim de passar pelo processo de aprovação. Foi

então constituída uma Comissão Especial para apreciar e propor emendas a esses

projetos e, para a aprovação destes, ocorreram várias Reuniões dessa Comissão e

também Audiências Públicas envolvendo atores sociais diversos.

Em agosto de 1996, foram aprovadas as Leis 7.165 e 7.166, relativas

respectivamente, ao Plano Diretor de Belo Horizonte e à LPOUS do município. Ambas

4
Para mais informações sobre esse processo de elaboração do Plano Diretor de Belo Horizonte e da nova
LPOUS, bem como sobre a realização das Conferências Municipais de Política Urbana, consultar
dissertação intitulada Um olhar sobre a política urbana de Belo Horizonte: há espaço para o lazer dentro
o planejamento urbano?de autoria de Amanda Carolina Costa Silveira (2010).

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as leis fazem parte da Legislação Urbanística5 de Belo Horizonte, que é um conjunto de

leis e normas que regem a expansão, o adensamento, o uso e o funcionamento da

cidade.

A Lei 7.165/96, em termos práticos, configura-se como um documento no

qual deve conter as diretrizes da política de desenvolvimento e expansão urbana. Tem a

função de traçar diretrizes de desenvolvimento econômico, social e de intervenção

pública na estrutura urbana, de tratar da organização territorial, da utilização de

instrumentos urbanísticos especiais e de gestão urbana. Já a Lei 7.166/96 – LPOUS –

que foi elaborada e aprovada juntamente com o Plano Diretor, contém normas para a

execução de parcelamentos do solo (loteamento e desmembramento), para obras de

edificações e para a localização de usos e o funcionamento de atividades.

Como instrumento de discussão e monitoramento da Política Urbana de

Belo Horizonte, foi criada a Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU). Tal

instrumento foi instituído no Plano Diretor do município, quando da criação do

Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR), que tem, dentre suas atribuições, a

realização, a cada quatro anos, destas Conferências (Lei 7.135/96, art. 80). Dentre os

objetivos da Conferência Municipal de Política Urbana, um é promover revisões e

alterações da legislação urbanística de Belo Horizonte. Isso deve ocorrer através da

incorporação de um conjunto de atores sociais – representantes do Executivo, de órgãos

técnicos, da Câmara Municipal, de entidades culturais, comunitárias, religiosas,

empresariais e sociais, conforme está previsto no artigo 82 do Plano Diretor.

5
Compõem a legislação urbanística, além do Plano Diretor e da LPOUS, o Código de Posturas, o Plano de
Classificação Viária, o Código de Obras, as leis ambientais e as leis de proteção do patrimônio histórico e
cultural (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-2002).

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A I CMPU ocorreu de outubro de 1998 a fevereiro de 1999 e ficou mais

contida na construção de propostas de alteração nas leis 7.165 e 7.166, ambas de 1996,

considerando-se que a cidade ainda não havia absorvido o impacto das proposições

nelas contidas. Foram feitas resoluções acerca de cada tema e propostas de ajuste no

Plano Diretor e na LPOUS, que resultaram na Lei 8.137/2000.

Já a II CMPU representou um processo bem mais completo de discussão

sobre a cidade. Ela teve início em outubro de 2001, tendo terminado somente em

outubro de 2002. Tal conferência teve várias fases: 1 – O Ciclo de Palestras; 2 – As Pré-

Conferências, temáticas e regionais. Tinham como objetivo discutir A Cidade que

Somos, contribuindo para a construção coletiva de um diagnóstico de Belo Horizonte; 3

- A Conferência propriamente dita, que constituiu-se de três fases: síntese do

diagnóstico da cidade que somos; desenvolvimento das propostas para a cidade que

queremos em grupos de trabalhos constituídos por delegados e, por fim, o fechamento

das propostas construídas nos grupos de trabalho.

Todo esse processo produziu rico material sobre a cidade. No ano de 2009

foi realizada a III CMPU6, com certo atraso, se formos levar em conta que tais

conferências estão estipuladas no próprio Plano Diretor para ocorrer quadrienalmente

(art. 80, inciso I) e a última, como vimos, ocorreu no ano de 2002.

Diante do exposto, verificamos a existência de duas instâncias de decisão:

a das leis e a das Conferências Municipais de Política Urbana. É importante destacar

aqui que estas são duas formas de debate, embate e interesses diferentes. Em cada uma

delas existe um tipo de representação política, ou seja, são atores diferentes, debatedores

diferentes.

6
Esta Conferencia não é objeto deste trabalho.

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Queremos frisar aqui que o que estamos chamando de Política Urbana é todo

este debate em torno da cidade. Em outras palavras, queremos apontar que

consideramos como política urbana não somente o documento final, a lei stricto sensu,

mas sim esse entremeio, esse emaranhado, o processo de pensar a cidade. Entendemos

também que a Política Urbana pode ser entendida como resultante de um espaço público

que não é consensual. Ao contrário, um espaço público que mostra uma imensa

diversidade de formas, de usos, de apropriações, de interesses e, portanto um espaço de

conflitos. Uma noção de espaço público constituído pela discussão, embate, conflito,

mas também pela negociação e interlocução. Para mapear todos os documentos

importantes para este trabalho7 não nos baseamos apenas no rastreamento de termos

específicos como a palavra lazer, mas na nossa concepção de lazer, conforme já

explicitada. Desse modo, selecionamos algumas palavras-chave para realizar a

organização do material recolhido, tais como: centros culturais, estádios municipais,

campos de futebol, áreas verdes, parques, praças, etc. Delimitamos, assim, os espaços

que podem ser considerados espaços para a vivência do lazer, embora nem sempre

fossem apontados como tal. Selecionamos, ainda, outros termos que, apesar de

genéricos, também fazem referência ao lazer, tais como: equipamentos comunitários,

7
-­‐  Projeto de Lei nº. 314/95, referente ao Plano Diretor de Belo Horizonte;
- Atas de reuniões da Comissão Especial formada por vereadores da Câmara Municipal de Belo
Horizonte (CMBH), constituída para proceder a estudos sobre o Plano Diretor;
- Atas de Audiências Públicas realizadas na CMBH para a aprovação dos projetos de Lei do Plano
Diretor e da LPOUS, realizadas entre agosto de 1995 e agosto de 1996.
- Legislação Urbanística:
Lei 7.165/96 - Plano Diretor de Belo Horizonte.
Lei 7.166/96 – LPOUS de Belo Horizonte.
Lei 8.137/2000 - Altera as leis nº. 7.165 e 7.166.
- Instrumento de monitoramento da Política Urbana de Belo Horizonte:
Anais da I Conferência Municipal de Política Urbana, 1999.
Anais da II Conferência Municipal de Política Urbana, 2001/2002.

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espaços livres de uso público, centralidades e espaços públicos8.

No caso dos espaços públicos, não podemos afirmar que eles foram

planejados para possibilitar a vivência do lazer, já que também servem a vários outros

fins. Mas não podemos deixar de considerar o tratamento que é dado aos espaços

públicos nos documentos analisados, pois se estes têm múltiplos usos, existe a

possibilidade de serem utilizados também para o lazer. Contudo, para pensar na

retomada da qualidade dos espaços de uso público da cidade para que estes deixem de

ter apenas a função de circulação, é necessário planejamento.

Após a leitura mais detida desse farto material e buscando maior

compreensão do planejamento e das discussões referentes aos espaços de lazer,

estabelecemos algumas categorias para análise, a saber:

Localização dos espaços de lazer;

Acessibilidade e infraestrutura dos espaços de lazer;

Recuperação e manutenção dos espaços de lazer;

Construção/criação de novos espaços de lazer.

Essas quatro categorias não foram escolhidas por acaso. Elas refletem o

nosso entendimento sobre o que são espaços de lazer em uma cidade e correspondem ao

que denominamos elementos constitutivos dos espaços de lazer. Melhor definindo, não

estamos nos referindo apenas aos espaços físicos onde as pessoas podem estar - ocupar

um pedaço - para vivenciar o seu lazer. Estamos nos referindo a uma série de questões

8
A própria Legislação Urbanística caracteriza-os da seguinte forma:
o Equipamentos comunitários: “equipamentos públicos destinados à educação, saúde, cultura,
lazer, segurança e similares” (LPOUS, art. 21, § 2º).
o Espaços livres de uso público: “espaços livres de uso público são áreas verdes, praças e
similares” (LPOUS, art. 21, §4º).
o Centralidades: “são os espaços de convivência para a comunidade local ou regional, como
praças, largos e similares, bem como os monumentos e as demais referências urbanas” (Plano
Diretor, art. 13, § 2º).

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que nos permitem identificá-los como espaços onde direito ao lazer se manifesta.

Assim, para entendermos esses espaços de lazer não estamos pensando apenas no seu

delineamento físico, mas também em questões relacionadas ao direito que todos os

cidadãos têm de usufruir desses espaços, o que nos leva à discussão a respeito da

acessibilidade. Para tal é necessário que os espaços sejam distribuídos de tal forma que

todos tenham acesso a eles, além de possuírem infraestrutura adequada e manutenção

constante. Resta-nos, agora, analisar o que os documentos oficiais anteriormente

referidos apontam sobre cada uma dessas categorias.

• Localização dos espaços de lazer

No Plano Diretor encontramos vários trechos que fazem alusão à

distribuição espacial com relação às atividades urbanas em Belo Horizonte. Quanto ao

ordenamento da ocupação e do uso do solo, este deve assegurar, entre outras questões, a

descentralização das atividades urbanas, mediante a disseminação de bens, serviços e

infraestrutura no território urbano (art. 4º, II).

Dentre os vários fatores arrolados que precisam ser levados em conta para

melhorar a qualidade de vida no município (art. 6º) estão: a alta concentração espacial

das atividades de comércio e de prestação de serviços (inciso III) e a inexistência ou má

consolidação das centralidades (inciso X). Dentre os objetivos estratégicos para a

promoção do desenvolvimento urbano (art. 7º), estão: a “valorização urbanística do

hipercentro9, visando a resgatar a sua habitabilidade e a sociabilidade do local”(inciso

9
Conforme o artigo 7º do PDBH, encontra-se que Área Central é a área delimitada pela Avenida do
Contorno e Hipercentro é a área compreendida pelo perímetro iniciado na confluência das avenidas do
Contorno e Bias Fortes, seguindo por esta, incluída a Praça Raul Soares, até a Avenida Álvares Cabral,
por esta até a Rua dos Timbiras, por esta até a Avenida Afonso Pena, por esta até a Rua da Bahia, por esta
até a Avenida Assis Chateaubriand, por esta até a Rua Sapucaí, por esta até a Avenida do Contorno, pela
qual se vira à esquerda, seguindo até o Viaduto da Floresta, por este até a Avenida do Contorno, por esta,
em sentido anti-horário, até a Avenida Bias Fortes e por esta até o ponto de origem. Ou seja, a Área
central inclui o Hipercentro.

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XIII) e a “criação de condições para a formação e a consolidação de centralidades”

(inciso XV).

Como podemos perceber nos apontamentos acima, no Plano Diretor

aparece, de maneira recorrente, a necessidade de descentralização das atividades

urbanas. Isso é importante já que grande parte da população reside em bairros da

periferia e, estando afastados das áreas centrais, ficam desatendidos em muitos aspectos,

inclusive em espaços para a vivência do lazer.

Mas, atualmente, o estímulo à consolidação de novos centros e

centralidades10 provavelmente mudará esse cenário belo-horizontino, deixando de ser o

centro da cidade o concentrador de todas as atividades e serviços. De fato, o próprio

Plano Diretor destaca, entre as diretrizes de intervenção pública nos centros e nas

centralidades (art. 13), que se deve estimular o surgimento de centros para fora do

perímetro da Avenida do Contorno (inciso V).

Por outro lado, percebemos ênfase na revitalização da Área Central, em

especial do Hipercentro, que possui grande potencial para a vivência e a fruição do

lazer. Como asseguram Peres Neto; Castro (2007), tem havido um movimento de

revalorização das áreas centrais urbanas, na direção de repovoar seu espaço,

aproximando a população do seu local de trabalho, bem como de seus equipamentos

específicos e não específicos de lazer. Concomitantemente, essas áreas, em nossa

opinião, poderiam constituir espaço público de convivência e cidadania.

Com referência, especificamente, às diretrizes da Política do Esporte e do

Lazer (art. 39), diz o inciso II: “promover a distribuição espacial de recursos, serviços e

10
De acordo com o art. 13 do Plano Diretor, os Centros são as concentrações de atividades comerciais e
de serviços dotadas de ampla rede de acesso e grande raio de atendimento (§ 1º). Já Centralidades são os
espaços de convivência para a comunidade local ou regional, como praças, largos e similares, bem como
os monumentos e as demais referências urbanas (§ 2º).

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 16


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equipamentos, segundo critérios de contingente populacional, objetivando a

implantação de estádios municipais e áreas multifuncionais de esporte e lazer” e o

inciso X: “buscar a implantação de campos de futebol e áreas de lazer em todas as

regiões do Município”.

Assim, na parte específica sobre as diretrizes para o lazer – tratado

juntamente com o esporte – percebemos preocupação com a distribuição dos espaços

para atender as áreas multifuncionais de esporte e lazer pelo município. Fala-se em

implantação de campos de futebol e áreas de lazer em todas as suas regiões, o que, de

fato, é uma diretriz necessária e positiva em termos do lazer. Afinal, uma melhor

distribuição espacial possibilitará um maior acesso ao lazer por toda a população belo-

horizontina. Entretanto, sobre isso precisamos nos ater com maior atenção. Lemos et al

(2004), por exemplo, alertam para o fato de os campos de futebol necessitarem de

menor investimento arquitetônico e urbanístico, consequentemente as unidades e os

bairros caracterizados por uma população de média e baixa rendas correspondem aos

pontos de maior incidência dos campos de futebol. Deste modo, falar que se deve

implantar “campos de futebol e áreas de lazer em todas as regiões do Município” é uma

diretriz superficial, pois há o risco de se construírem espaços capazes de ofertar uma

maior variedade de atividades de lazer em algumas regiões – normalmente mais

elitizadas - e destinar a implantação apenas de campos de futebol em outras. Assim,

num diagnóstico posterior, poder-se-ia concluir que o plano atingiu o seu objetivo, mas,

na realidade, a oferta de espaços variados continua reduzida e desigual.

Em relação à localização dos espaços de lazer em Belo Horizonte, muitas

questões foram destacadas na II Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU).

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 17


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

Aliás, um dos objetivos dessa Conferência foi fazer um diagnóstico da cidade em seus

vários aspectos.

No Caderno de Textos11 há um registro de que há ausência de atividades nas

periferias. Em um dos seus textos, que trata da Distribuição das Atividades e Centros

Urbanos, ressalta-se: quanto maior o número de pessoas vivendo no mesmo espaço,

maiores são as chances de surgimento de estabelecimentos de comércio e serviços. Em

consequência, esses espaços tendem à concentração e conformação de centros urbanos –

lugares de trabalho, de compra, de lazer e pontos de referência para o encontro da

população (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-2002, p. 196).

Merece destaque, ainda, no próprio Caderno de Textos, alguns dados

fornecidos para a discussão geral sobre a cidade, como: da população total do município

(2.232.747 habitantes), 22% (372.526 pessoas) moram em 174 vilas, favelas e em 27

conjuntos habitacionais de interesse social, ocupando 5% do território (SECRETARIA

MUNICIPAL DE HABITAÇÃO, 2001 apud PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO

HORIZONTE, 2001-2002). Isso quer dizer que as vilas, favelas e conjuntos de interesse

social são as áreas onde mais pessoas vivem num mesmo espaço e, mesmo assim, são as

mais desatendidas nos diversos setores, inclusive com reclamações gerais de ausência

de espaços de lazer nesses locais.

Na verdade, a má distribuição dos espaços públicos foi uma questão

abordada em todas as quatro Pré-Conferências Temáticas. Nessa perspectiva,

questionaram: a escassez de espaços públicos fora da área central e a sua inexistência

nas vilas e favelas; o reduzido número de espaços culturais públicos nas periferias; a

11
Foi elaborado um Caderno de Textos destinado a subsidiar o primeiro momento das pré-conferências
tanto temáticas quanto regionais, quando os participantes se dedicaram à discussão geral sobre a cidade.

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 18


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

ausência de projetos de previsão de espaços públicos no planejamento de conjuntos

habitacionais e bairros populares.

Essas questões nos remetem à discussão propriamente dita das Pré-

Conferências Regionais. Na íntegra dos resultados dessas pré-conferências parece haver

um consenso da insuficiência de áreas e equipamentos de lazer nas periferias da cidade,

tais como cinemas, teatro e centros poliesportivos. Reza o texto que os espaços públicos

reconhecidos pela Prefeitura são centralizados, elitizados e de difícil acesso. O

apontamento de que os espaços culturais e de lazer estão concentrados na Região

Centro-Sul está presente em todas as Pré-Conferências Regionais e é apontado como

ponto negativo, exceto na própria Pré-Conferência da região Centro-Sul. Esta exalta o

grande número de espaços culturais e de lazer nessa região como ponto positivo.

Mas as Pré-Conferências Regionais também apresentam alguns pontos

positivos em relação à distribuição espacial das áreas de lazer, na parte dos temas gerais

sobre a cidade. Os participantes salientam a existência de shopping centers nas diversas

regiões da cidade; afirmam que há criação de novas praças na periferia; que existem

áreas de lazer regionais, como o Parque das Mangabeiras e o Parque Lagoa do Nado e

ressaltam a construção de centros culturais descentralizados. Mas é bom ressaltarmos

que os pontos positivos acima citados foram poucos, quando comparado com os pontos

negativos levantados.

Em relação aos temas específicos das regiões, os espaços de lazer existentes

são exaltados como pontos positivos pelos participantes. Entretanto, em quase todas as

Pré-Conferências Regionais houve reclamação dos participantes sobre a insuficiência de

espaços de lazer e a desigualdade de distribuição desses espaços dentro da própria

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 19


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regional. Isso não é apontado apenas pelas Regionais Centro-Sul e Pampulha, que são

regiões mais elitizadas de Belo Horizonte.

Chamou-nos atenção a Pré-conferência da região Norte, cujos participantes

foram os que mais se queixaram da ausência de espaços de lazer. Esta região é uma das

regiões com maior Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) de Belo Horizonte

(RODARTE et al, 2008) e é bastante afastada da região central do município, sendo que

é nesta última onde se concentra a maioria dos espaços de lazer de Belo Horizonte. Os

participantes dessa Pré-conferência, apesar de exaltarem a existência dessas grandes

áreas verdes que podem ser transformadas em parques e áreas de lazer, reclamaram da

insuficiência dos espaços de lazer. Isso foi citado por doze vezes, no item Tema Livre,

conforme mostramos a seguir:

o Falta de áreas de lazer, esportes e recreação (p. 466).


o Faltam áreas de lazer e praças na regional (p. 467).
o Falta de áreas de lazer (p. 467).
o Ausências de equipamentos de lazer (p. 467).
o Poucos bairros apresentam áreas de lazer e patrimônio histórico (p. 467).
o Carência de áreas de lazer e espaços culturais (p. 468).
o Carência de equipamentos públicos que possibilitem o lazer, a cultura e a
preservação ambiental (p. 468).
o Escassez de áreas de lazer e espaços para atividades culturais (p. 468).
o Ausência de áreas de lazer e esporte (p. 468).
o Faltam áreas de lazer (p. 469).
o Falta de áreas de lazer e cultura (p. 469).
o Falta de espaços públicos para lazer/esporte e cultura (p. 469).
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-2002).

Alguns espaços de lazer que são referência para os moradores dessa região,

que é o caso do Parque de Lazer do Bairro Planalto e do Parque Lagoa do Nado,

localizam-se na Unidade de Planejamento (UP) Planalto a qual aparece na pesquisa

realizada por Rodarte et al (2008) como a única UP da região Norte com baixo Índice

de Vulnerabilidade Social e onde os moradores possuem maior rendimento mensal,

semelhante aos bairros da região da Pampulha, com a qual faz divisa.

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 20


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

A Região Norte possui, também, baixos índices em relação à infraestrutura

urbana (limpeza urbana, saneamento, energia elétrica, telefonia, transporte coletivo,

etc.). Com tantas demandas em tantos setores desatendidos pelo Poder Público, os

apontamentos realizados pelos participantes da Pré-Conferência Norte indicam que

questões relacionadas aos espaços de lazer são lembradas como algo importante e

solicitada pela população local.

Já as questões apontadas pelas Regionais Centro-Sul e Pampulha são

diferentes das outras regionais. Merece destaque o fato de a população que vive nessas

regiões possuir os rendimentos médios mensais mais elevados do município. As

análises feitas por Rodarte et al (2008) atestam a prevalência quase absoluta de

Unidades de Planejamento de baixa vulnerabilidade social nas regiões Centro-Sul e

Pampulha, embora com alguns bolsões de população vulnerável. Enquanto isso, a

prevalência de tipos regionais mais vulneráveis se concentra nas regionais do Norte,

Venda Nova, Nordeste e Barreiro, sobretudo. Tal realidade explica, pelo menos em

parte, os contrates entre essas regiões e a disparidade nos pontos exaltados pelos

participantes.

A Região Centro-Sul é o espaço de maior centralidade do município e nela

encontram-se as principais referências simbólicas e culturais da cidade e importantes

espaços públicos e áreas de recreação e lazer. Em relação à Pampulha, esta concentra de

grandes áreas verdes de preservação e de lazer. Há ainda o Complexo Arquitetônico da

Pampulha, um grande potencial turístico e de lazer da região, com o Zoológico, parques,

áreas verdes e estádios. Os participantes dessa Pré-Conferencia consideram positiva,

hoje, a idéia de resgatar a intenção de Juscelino Kubitschek (Prefeito de Belo Horizonte

entre os anos de 1940-1945): fazer da Pampulha um grande polo de lazer e turismo.

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

Mas foi recorrente a reclamação dos participantes sobre as restrições da

legislação atual (principalmente a LPOUS), que não permite o desenvolvimento da

região no seu aspecto econômico e social sustentável com setores que priorizam a

cultura, lazer, esporte e turismo na orla a lagoa. Ou seja, percebemos que há intenção de

resgatar a proposta do ex-prefeito Juscelino Kubitschek de fazer da Pampulha um

grande polo de lazer e turismo. Mas, segundo os participantes, a legislação urbanística

não dá condições para que isso aconteça.

Arriscamos dizer nesse ponto que, esses documentos analisados revelam

uma consciência da necessidade de levar em consideração, quando se pensa em

melhorar a qualidade de vida urbana, a alta concentração das atividades urbanas. Para

tal é preciso preconizar a descentralização dessas atividades, inclusive dos espaços para

a vivência do lazer. As discussões da II CMPU indicam que essa é também uma

demanda da população. Como vimos os participantes apontam a falta de espaços de

lazer em várias regiões da Capital e consideram, dentro das próprias regionais, essa

distribuição desigual, com áreas de vilas e favelas frequentemente desatendidas nesse

aspecto, dificultando o acesso de grande parte da população a esse direito.

• Acessibilidade e infraestrutura dos espaços de lazer

O Plano Diretor, em seu Artigo 10, assinala como diretrizes da política urbana,

entre outras, criar polos de desenvolvimento no município, visando a reduzir o tráfego,

a descongestionar a área central e o hipercentro e a proporcionar à população

alternativas de trabalho, estudo, moradia e melhor acesso aos equipamentos urbanos e

comunitários, diminuindo a necessidade de deslocamentos (inciso VI). No Artigo 13,

uma das diretrizes de intervenção pública nos centros e nas centralidades, é estabelecer

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 22


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

instrumentos e incentivos urbanísticos e realizar obras em áreas públicas, visando a

recuperar os espaços públicos e tornar-lhes fácil o acesso.

Nesses dois artigos, apesar de não se referirem, especificamente aos espaços

de lazer, mas sim a acesso aos equipamentos comunitários e aos espaços públicos, é

importante destacarmos que os equipamentos comunitários incluem serviços diversos,

entre eles os de lazer; já os espaços públicos também podem abrigar diversos usos,

como a apropriação do espaço para fins de lazer. Assim, tais diretrizes podem nos

indicar ações que incluem o lazer.

Nas diretrizes do Sistema Viário (art. 18) há registro da reformulação da

atual estrutura viária radioconcêntrica, com complementação do sistema viário e das

vias de ligação às áreas de adensamento preferencial e aos pólos de emprego (inciso I).

O objetivo dessa medida é melhorar a articulação das periferias, entre si e com os

centros (inciso V) e na melhoria da acessibilidade da população aos locais de emprego,

de serviços e equipamentos de lazer (inciso VI).

Nessa medida, percebemos aí um indicativo de que as diretrizes do

transporte urbano levam em conta, de alguma forma, o direito da população ao lazer.

Entretanto, percebemos que a ênfase dada a essa questão ainda é pequena, quando

comparada ao aspecto trabalho.

De acordo com o Artigo 39, que trata especificamente das diretrizes da

Política do Esporte e do Lazer, deve-se promover a acessibilidade aos equipamentos e

às formas de esporte e lazer, mediante oferta de rede física adequada (inciso III). Desse

modo, a questão da acessibilidade aos locais de lazer aparece como uma das diretrizes

do lazer (e do esporte), o que é um bom indício. Pensar no acesso aos locais e às

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 23


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

atividades de lazer é fundamental para caminharmos em prol do cumprimento desse

direito constitucional.

Na I CMPU, a questão da acessibilidade foi discutida e as proposições

foram levadas em consideração na Lei 8.137/2000, que implica modificações no Plano

Diretor. Importante destacar que nessa Conferência a questão do acesso passou a ser

nomeada acessibilidade ambiental. De acordo com a definição existente na própria lei

“entende-se por acessibilidade ambiental a possibilidade e condição de alcance para

utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaços, mobiliário e

equipamentos urbanos” (Lei 8.137/2000, art. 1º, parágrafo único).

Essa questão, sem dúvida, é de fundamental importância, já que

democratizar acesso significa tornar acessível a todos e, todos, inclui crianças,

adolescentes, adultos, idosos e portadores de deficiência/necessidades especiais. Assim,

no processo de construção, adaptação e recuperação de equipamentos, é necessário

observar as barreiras arquitetônicas, pois essas impossibilitam pessoas idosas e

portadores de necessidades especiais de usufruírem dessas áreas (MARCELLINO,

2006).

Nesse sentido, de acordo com o art. 164 da Lei 8.137/2000, é proibido

obstruir os acessos de uso coletivo, tais como avenidas, alamedas, travessas, ruas,

escadarias, becos ou passagem de uso comum, além dos espaços de uso coletivo já

existentes, como praças e áreas de lazer, ainda que não derivados de parcelamento

aprovado.

Vale lembrar, por fim, que todas as modificações implementadas no Plano

Diretor e na LPOUS e demais propostas contidas na Lei 8137/2000 são provenientes

das discussões realizadas nessa I CMPU.

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 24


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

Em relação à II CMPU, no documento A cidade que somos: Síntese, afirma-

se que os espaços públicos são mal distribuídos na cidade, concentrando-se, em grande

parte, na região Centro-Sul. Eis o que nos diz este trecho a esse respeito:

Essa centralização leva à dificuldade de acesso aos espaços públicos, devido


à distância e à deficiência de transporte coletivo – sistema de transporte não-
integrado – e a fatores socioeconômicos – transporte caro e cobrança de
tarifas em alguns espaços públicos (ex. Zoológico, Parque das Mangabeiras,
Museu de Arte Moderna etc.) (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE, 2001-2002).

Além desses fatores que dificultam a utilização dos espaços públicos, apontam

ainda: a infraestrutura insuficiente (por exemplo, a falta de banheiros públicos), a

urbanização deficiente; a questão da segurança, que é um dos fatores inibidores da

apropriação e uso adequado dos espaços e da convivência das pessoas; a negligência

dos órgãos públicos, responsável pelas condições precárias do espaço público; a

depredação e o vandalismo, devido à falta de afetividade, de identidade e de

compromisso do cidadão com o espaço público e também a poluição visual da paisagem

urbana.

Assim, como nos mostra a Síntese, nas discussões das Pré-Conferências

Temáticas e Regionais, a questão da acessibilidade foi bastante debatida. Na fala dos

participantes, chamou-nos a atenção o fato de considerarem que “alguns espaços são

segregacionistas” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-2002), ao se

falar dos pontos negativos em relação os Espaços Públicos e Patrimônio Cultural.

Além dessas causas mais repetidamente apontadas na II CMPU, outras

também foram abordadas e merecem destaque, tais como:

• Os espaços públicos reconhecidos pela Prefeitura são centralizados,


elitizados e de difícil acesso (p. 432);
• Falta de opções de lazer gratuito (p. 446)
• Os campos de futebol amador públicos são explorados por
particulares ( p. 450);
• Dificuldade de acesso aos espaços públicos e patrimônio devido à
deficiência do transporte coletivo e fatores socioeconômicos (p. 462)

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• falta de acesso da população carente aos espaços de lazer tais como


Zoológico, Palácio das Artes, etc. ( p. 462).
• Existência de áreas verdes sem condições de acesso, de uso e
insalubres (p. 488).
• Os espaços públicos existentes não estão abertos às manifestações
populares (p. 491)
• O parque existente na Região [oeste] (Parque do Betânia) tem difícil
acesso pela população porque não abre nos finais de semana e o
campo de futebol não pode ser usado pela população (p. 494).
• Os espaços públicos não são adaptados para atendimento aos
deficientes (p. 506).
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-
2002)

Essas informações, associadas aos dados anteriormente apresentados,

permitem-nos dizer que a oferta de espaços e atividades de lazer é amplamente desigual

em Belo Horizonte, concentrando-se, prioritariamente, nas regiões Centro-Sul e

Pampulha. Com o vimos, isso foi bastante ressaltado pelos participantes das pré-

conferências, como, por exemplo, ao se afirmarem que “os espaços públicos

reconhecidos pela Prefeitura são centralizados, elitizados e de difícil acesso”. O fato de

os espaços serem centralizados, por exemplo, já é um fator agravante para o acesso, pois

exige deslocamento longo, o custo das viagens e a disponibilidade de meios de

transporte, principalmente o transporte público. Tal disponibilidade, ou melhor, a

ausência dela, foi evidenciada pelos participantes ao reclamarem da “dificuldade de

acesso aos espaços públicos e patrimônio devido à deficiência do transporte coletivo e

fatores socioeconômicos”.

Além disso, embora a Pampulha e a região Centro-Sul sejam caracterizadas

de forma diferente das outras regiões, grande parte dos seus equipamentos e locais de

lazer não é destinada à população em geral, como mostram os seguintes apontamentos:

falta de opções de lazer gratuito (participantes da Pré-Conferência Centro-Sul), falta de

acesso da população carente aos espaços de lazer tais como Zoológico, Palácio das

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 26


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Artes, etc. (participantes da Pré-Conferência Norte) e falta de espaços públicos de uso

gratuitos (participantes da Pré-Conferência Pampulha).

Tais afirmações nos remetem a pensar nas barreiras socioculturais

(MARCELLINO, 2004) aos espaços de lazer. Isso porque, embora a garantia de acesso

aos locais de lazer esteja expressa no Plano Diretor, os participantes das Pré-

Conferências indicaram que ainda há muito que ser feito para democratizar o acesso da

população aos diversos interesses do lazer. Acrescentaram, ainda, que o fator

econômico contribui muito para a vivência desigual desse direito e para a apropriação

de espaços variados para fins de lazer.

Como vimos a falta de infraestrutura e segurança também é decisiva para a

baixa freqüentação da população e identificação dela com os espaços de lazer, uma das

maiores queixas nesse sentido. Quanto a esse aspecto, no processo de Conferência A

Cidade que Queremos, uma das diretrizes aprovadas diz o seguinte: “criar e garantir ou

otimizar as condições de segurança e salubridade nos espaços de uso público de forma

igualitária, divulgando essas condições para a população” (PREFEITURA MUNICIPAL

DE BELO HORIZONTE, 2001-2002). Acreditamos que, se essa diretriz a respeito da

segurança for considerada no planejamento urbano e for colocada em prática por meio

de políticas públicas, a presença das pessoas nos espaços de uso público para fins de

lazer será mais frequente e constante e o lazer configuraria um momento privilegiado

para a sociabilidade e apropriação mais rica da cidade. Mas, para isso, os espaços de

lazer sem condições de uso precisam ser recuperados e todos eles precisam ser alvos de

um processo de manutenção, questões essas que nos levam ao próximo ponto de

reflexão.

• Recuperação e manutenção dos espaços de lazer

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

No Plano Diretor, questões referentes à recuperação ou manutenção de

espaços são encontradas vários momentos. Nas diretrizes de intervenção pública na área

central: estabelecer instrumentos e incentivos urbanísticos e realizar obras que visem a

promover a recuperação de áreas públicas e verdes (art. 11, § único, II). Nas diretrizes

de intervenção pública no hipercentro (art. 12): “estabelecer instrumentos e incentivos

urbanísticos para a promoção de sua recuperação, restituindo-lhe a condição de

moradia, lugar de permanência e ponto de encontro” (inciso I) e “revitalizar os marcos,

as referências e os espaços públicos, históricos, turísticos e culturais” (inciso IV). Por

fim, nas diretrizes relativas ao meio ambiente: “recuperar e manter as áreas verdes,

criando novos parques e praças” (art. 22, inciso XIV);

Como podemos perceber, em nenhuma dessas diretrizes citadas acima

aparece a palavra lazer. Mas as outras expressões usadas, tais como: áreas públicas e

verdes; lugar de permanência e ponto de encontro; espaços públicos, históricos,

turísticos e culturais; parques e praças, de acordo com o nosso entendimento de lazer

expresso no capítulo anterior, podem ser espaços considerados privilegiados para a

vivência do lazer.

A esse respeito, nos Anais da I CMPU não encontramos apontamento

relativo à manutenção e/ou recuperação dos espaços de lazer. Por outro lado, menciona-

se a “criação de uma legislação para a regulamentação de gerenciamento de espaços

públicos esportivos pela comunidade e entidades de esporte”, em sistema de co-gestão

(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 1998 -1999). Aqui, como vimos a

expressão espaços de lazer não aparece nos anais e sim espaços públicos esportivos.

Estes incluem os centros poliesportivos, os campos de futebol, etc., espaços esses muito

apropriados para a vivência do lazer. Assim, se tal legislação fosse implementada,

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 28


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poderia incluir a comunidade na administração desses espaços, o que seria positivo.

Entretanto, a indicação da criação dessa lei, apesar de ser colocada entre as

Recomendações ao Executivo, não foi incorporada à Lei 8.137/2000, a qual foi

elaborada a partir das discussões da I CMPU.

Em relação à II CMPU, no já citado Caderno de Textos de Apoio à

discussão, não encontramos nenhuma informação a respeito da recuperação e

manutenção dos espaços de lazer de Belo Horizonte. Mas o documento A cidade que

somos: síntese apresenta informações importantes acerca dessa questão no item Espaços

Públicos, Referencial Simbólico e Patrimônio Histórico e também no item Condições

Ambientais.

Segundo o item Espaços Públicos, Referencial Simbólico e Patrimônio

Histórico, é necessário melhorar a administração dos espaços públicos existentes,

principalmente quanto à precariedade da manutenção, à insuficiência de investimentos

em mobiliário urbano, à manutenção e conservação dos equipamentos públicos e à falta

de segurança das áreas de uso coletivo. Também a fiscalização desses espaços é

insuficiente, propiciando invasões, pichações e placas que poluem os espaços.

Por outro lado, mesmo com o crescimento da cidade, de acordo com o item

Condições Ambientais, a Prefeitura preocupa-se com a valorização e preservação das

áreas verdes e que se incluem nessas ações a requalificação de praças e parques.

Entretanto ainda há carência de manutenção das praças e parques, conforme exemplifica

esse trecho:

Ao mesmo tempo em que se deve reconhecer o interesse e a boa preservação


por parte da prefeitura dos jardins, praças e parques, pode-se acusar a
prefeitura de não promover a implantação de novas áreas verdes e de dar
manutenção inadequada às já existentes, num entendimento de que existe
desigualdade de manejo e distribuição de áreas de interesse ambiental nas
diversas regiões que formam o município (PREFEITURA MUNICIPAL
DE BELO HORIZONTE, 2001-2002).

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

Esse trecho deixa claro que a atuação da Prefeitura em termos de

requalificação/manutenção de áreas verdes – como praças e parques – é desigual e

depende da região onde se localizam. A preocupação é maior em algumas regiões da

cidade em detrimento de outras.

Todavia, na íntegra dos produtos das Pré-Conferências Temáticas, nos

quatro temas foram abordados os seguintes pontos positivos: preservação dos parques e

áreas verdes; a manutenção de praças e espaços públicos; a existência de políticas de

preservação do espaço público, dando, como exemplo a adoção de praças e canteiros, e

a participação de empresas, ONGs e comunidade na manutenção de espaços públicos.

Entretanto muitos pontos negativos foram indicados pelos participantes dessas Pré-

Conferências. Os mais citados foram: a depredação e vandalismo nos espaços públicos,

a falta de fiscalização nesses espaços, a falta de manutenção de praças e parques, a

carência de uma gestão do espaço público que englobe a participação popular e a falta

de ações educativas voltadas para a conservação do espaço público.

Já na íntegra dos produtos das Pré-Conferências Regionais, apontaram-se

com maior freqüência: a parceria da Prefeitura de Belo Horizonte com a iniciativa

privada para a manutenção dos espaços públicos; a revitalização de praças, parques,

áreas verdes e de lazer; a boa preservação e manutenção de alguns espaços públicos.

Dentre os pontos negativos destacam-se: a existência de espaços públicos mal cuidados,

como a área da rodoviária e do hipercentro; a carência de ações educativas para a

conservação do espaço público; a manutenção precária das praças; a discriminação e

desatenção com os espaços públicos da periferia (ou seja, maior preservação de áreas

verdes ocorre na região Centro-Sul) e a má conservação das áreas de lazer existentes.

Portanto, a visão dos participantes corrobora com as informações existentes no Caderno

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 30


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

de Textos em relação às áreas verdes, eles reafirmam a questão do manejo desigual

dessas áreas, sendo que a preservação e manutenção de áreas verdes é maior na região

Centro-Sul do que no restante da cidade.

Também aqui os pontos negativos superaram, em quantidade, os pontos

positivos, pois os participantes das regionais reclamaram manutenção precária dos

espaços de lazer. É importante ressaltar esta questão, pois espaços que poderiam ser

utilizados para a vivência do lazer, quando malcuidados, provocam baixo índice de

freqüentação, além de levar a população a não identificá-los como locais propícios para

desenvolver atividades e práticas de lazer.

Vários espaços citados nos trechos que falam sobre a recuperação de

espaços, como áreas verdes, praças e parques, podem ser apropriados para a vivência do

lazer, mas eles não são, nos documentos analisados, nomeados como tal. Assim,

especialmente com referência à palavra lazer, ao organizarmos as informações dos

documentos, observamos sua ausência ao tratarem da questão da recuperação dos

espaços. Caso contrário se houvesse um momento em que se apontasse para a

recuperação de espaços de lazer, acreditamos que praças, parques e espaços culturais

estariam incluídos, mas também outros espaços, tais como quadras poliesportivas,

campos de futebol, cinemas, teatros, entre outros. Isso posto, a proposição poderia ter

outra conotação, mais direcionada à apropriação e utilização desses espaços pelos

cidadãos, nas atividades e práticas de lazer que ali poderiam ser desenvolvidas para e

pela população em geral. No caso do Plano Diretor, na parte específica que trata do

lazer (art. 39) juntamente com o esporte, não há nenhuma diretriz acerca da recuperação

e manutenção de equipamentos e locais de lazer. Assim, por conseguinte, presumimos

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

que os espaços existentes, além de escassos e centralizados, muitas vezes não estejam

em condições de uso pela população.

Discutidos esses pontos relacionados à Cidade que somos, passemos então às

discussões ocorridas na Conferência A cidade que queremos. São as seguintes as

diretrizes aprovadas no item Espaços Públicos propostas na Conferência:

o Ampliar a oferta de espaços que favoreçam o encontro e o lazer das


pessoas fora da área central, em especial em periferias, vilas e favelas,
assegurando a manutenção dos existentes e aproveitando áreas públicas
de interesse ambiental.
o Incentivar a formação de parcerias entre o poder público, iniciativa
privada, organizações não governamentais, comunidade e demais
entidades, de forma a promover a criação, preservação e manutenção de
espaços e equipamentos de uso público.
o Garantir a manutenção dos espaços que favoreçam o encontro e o lazer
das pessoas com a substituição dessas áreas quando sua destinação for
alterada para outros usos.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-
2002, p. 284).

Consideramos como importante o fato de haver duas diretrizes que

focalizam, diretamente, a manutenção dos espaços de lazer. Desse modo é de se esperar

que esse ponto seja incluído na próxima reformulação do Plano Diretor de Belo

Horizonte, tendo em vista os encaminhamentos da II CMPU, já que na I CMPU não

houve nenhum apontamento nesse sentido.

• Construção / criação de novos espaços de lazer

No Plano Diretor, informações referentes à construção / criação de novos

espaços aparecem nos seguintes momentos:

o Nas diretrizes relativas ao meio ambiente: “criando novos parques e praças” (art.

22, inciso XIV);

o Nas diretrizes gerais da política de saneamento: “implantar tratamento

urbanístico e paisagístico nas áreas remanescentes de tratamento de fundos de

vale, mediante a implantação de áreas verdes e de lazer” (art. 23, inciso V);

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o Nas diretrizes da política cultural: “promover a implantação de centros culturais

e artísticos regionalizados, bem como do Museu da Imagem e do Som” (art. 38,

inciso II);

o Nas diretrizes da política do esporte e do lazer: “buscar a implantação de campos

de futebol e áreas de lazer em todas as regiões do Município” (art. 39, inciso X).

o No plano de urbanização das áreas ocupadas por favelas, que deve conter as

medidas necessárias, dentre elas a instalação de equipamentos urbanos e

comunitários básicos (Art. 42, § único, IV c);

o Por fim, no plano de recuperação da represa da Pampulha, que deve conter a

previsão de instalação de equipamentos de lazer e de turismo (Art. 45, § único,

VII);

Como vimos, há diretrizes para a criação de campos de futebol e áreas de

lazer em todas as regiões do município, de novos parques e praças, de centros culturais

e de artísticos regionalizados. A criação de áreas verdes e de lazer em áreas

remanescentes de fundos de vale é um ponto que queremos ressaltar, visto que há a

indicação de tratamento urbanístico e paisagístico dessas áreas para que elas sejam

utilizadas pela população como espaço de lazer. Trata-se de uma interessante

possibilidade de ação da política de saneamento associada à política de lazer.

Ainda em relação ao Plano Diretor, queremos destacar que aparece um

indicativo de elaboração de um plano de recuperação para a área da Pampulha

principalmente de sua represa. A previsão para tal empreitada incluía o saneamento da

represa no prazo máximo de 10 anos (a lei é do ano de 1996), a fim de possibilitar a

prática de esportes em seu interior e em sua orla. O espaço da lagoa estava bastante

deteriorado e poluído com o escoamento de esgotos de varias lugares da região

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metropolitana de Belo Horizonte. Deveria prever, também, a instalação de

equipamentos de lazer e hotelaria como parte de um plano de desenvolvimento de

equipamentos para atração de turistas para a região.

A elaboração desse plano de recuperação da Lagoa é de grande importância

para a região da Pampulha. Como apontam Lemos et al (2004), a Pampulha apresenta

forte centralidade referencial, pois nela se localizam o Complexo Arquitetônico da orla

da Lagoa – que foi construído para ser um pólo de lazer e turismo de Belo Horizonte -,

o Campus da Universidade Federal de Minas Gerais e o Aeroporto da Pampulha, além

de vários locais de sociabilidade e encontro.

Com relação à implantação de novos espaços de lazer, na I CMPU foram

feitas algumas recomendações ao Executivo, em relação a diversos Pilares Básicos,

como o Esporte e Lazer: “Investimentos do Município na construção de espaços para a

atuação esportiva e de lazer. Ex: Construção do Ginásio Poliesportivo Municipal, do

Estádio Municipal de Futebol [...]” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE,

1998-1999, p. 80). Esta demanda pela construção de um ginásio poliesportivo municipal

e de um estádio municipal de futebol é de grande relevância, visto que tanto o Estádio

Jornalista Felipe Drummond - ginásio Mineirinho - quanto o Estádio Governador

Magalhães Pinto – o Mineirão - são administrados pelo Governo do Estado

(ADEMG)12. Foi solicitada, ainda, a construção de Centros Regionalizados de Esporte e

Lazer, o que vem ao encontro de uma diretriz básica do Plano Diretor de Belo

Horizonte, que é a descentralização das atividades urbanas. Em relação à demanda da

12
ADEMG: Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais. Tem por finalidade a administração
de estádios próprios ou de terceiros, mediante convênios, observada a política formulada pela Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes. Informação disponível em:
<http://www.ademg.mg.gov.br>. Acesso em 20/10/2009.

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

construção do Ginásio Poliesportivo Municipal e do Estádio Municipal de Futebol esta

não foi acrescentada ao Plano Diretor na Lei 8.137/2000.

Vimos, anteriormente, ao tratar da localização dos espaços de lazer, que tais

espaços são distribuídos espacialmente de forma desigual em Belo Horizonte, sendo

escassos em áreas de vilas e favelas. Agora vamos nos dedicar ao eixo

Construção/Criação de novos espaços de lazer.

Ao abordar este tema nos deparamos, no Plano Diretor, com uma diretriz

relativa à elaboração de um plano de urbanização das áreas ocupadas por favelas (Art.

42, § único, IV c), que diz respeito à instalação de equipamentos urbanos e comunitários

nessas áreas. Para refletirmos acerca dessa questão, pensemos na LPOUS.

Nessa lei, em seu artigo 21, consta, em relação aos loteamentos, que é

obrigatória a transferência ao Município de, no mínimo, 35% da gleba para instalação

de equipamentos urbanos e comunitários, sistema de circulação e espaços livres de uso

público. No parágrafo 5º desse mesmo artigo, afirma-se que o percentual que deve ser

destinado a equipamentos urbanos e comunitários e a espaços livres de uso público é de,

no mínimo, 15% da gleba loteada.

Assim, os loteamentos regulares têm um custo mais elevado já que como

componente do preço ao consumidor está o custo proporcional da implantação da infra-

estrutura. O que ocorre recorrentemente, então, é a venda ilegal de lotes não servidos de

infra-estrutura e sem a regularização do loteamento junto à Prefeitura e aos serviços

cartoriais.

Assim, como aponta o Texto de Apoio da II CMPU, o desafio é proceder à

regularização dos loteamentos não oficiais existentes e “a questão da regularização vai

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 35


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

mais longe que o tratamento do reconhecimento e registro dos lotes: há toda uma

extensão de áreas públicas a serem revertidas a bem da população”. Diz esse trecho:

Tanto na discussão da regularização de condomínios como de loteamentos, a


questão da implantação de espaços efetivamente de uso público constitui a
ordem do dia. Não se trata de mera formalidade, mas de áreas necessárias ao
atendimento de demandas da comunidade. Por outro lado, em muitas regiões
existem áreas públicas, mas o equipamento não foi implantado ou não
existem condições para a prestação de serviço, sendo assim, há que se
discutir tanto os percentuais de transferências quanto a efetiva implantação de
equipamento público (posto de saúde, escola, parques, etc.) (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2001-2002, p. 145).

Esse trecho extraído do Texto de Apoio às discussões chama-nos a atenção para

várias questões importantes em se tratando de uma busca de uma melhor qualidade de

vida urbana, como a pela necessidade de reversão de áreas públicas em benefício da

população. Esse objetivo precisa ser perseguido, principalmente em locais onde a

especulação imobiliária é uma realidade. Assim, pensar em um loteamento ou na

construção de moradias implica pensar que a moradia não se restringe a apenas a casa,

mas inclui a residência e seu entorno. Outro ponto importante é que não basta destinar

áreas para a instalação desses equipamentos, é necessário concretizar a instalação

desses. Isso se relaciona diretamente com a terceira questão que queremos destacar:

destinar áreas para a construção desses equipamentos não deve ser visto como mera

formalidade, uma obrigação de cumprir os percentuais exigidos pela lei, mas sim como

uma necessidade das comunidades. Nessa perspectiva, devem ser criadas áreas coletivas

que atendam às demandas da população. Para isso, é preciso pensar em uma a política

habitacional que leve em consideração as várias dimensões da vida humana, dentre elas,

o lazer. Isso ainda se configura como um desafio para as grandes cidades do nosso país,

onde o déficit habitacional é uma realidade.

Agora, pensando especificamente nas discussões realizadas nas Pré-

Conferências Regionais e diante das proposições desses participantes, percebemos que

Licere, Belo Horizonte, v.13, n.3, set/2010 36


Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

há grande demanda da população pela criação de espaços de lazer e uma questão

recorrente: solicitam que áreas ociosas / vazias sejam transformadas em espaços de lazer

que possam ser apropriados pela população. Assim, o fenômeno lazer teve notoriedade

nos debates realizados pelos participantes.

Em contrapartida, nos produtos da Pré-Conferência Centro-Sul não

encontramos informações sobre a construção/criação de novos espaços de lazer.

Acreditamos que isso se explica porque essa região já concentra grande parte dos

espaços de lazer da cidade e, portanto, é menor a demanda para a construção de novos.

Além disso, como essa região já é bastante adensada, há pouca disponibilidade de

espaços ociosos para a criação de outros.

Já na Conferência A Cidade que Queremos, entre as diretrizes aprovadas,

duas se destacaram, em relação aos Espaços Públicos: ampliar a oferta de espaços que

favoreçam o encontro e o lazer das pessoas fora da área central, em especial em

periferias, vilas e favelas; e incentivar a formação de parcerias entre o poder público,

iniciativa privada, organizações não-governamentais, comunidade e demais entidades,

de forma a promover a criação, preservação e manutenção de espaços e equipamentos

de uso público.

Afinal é importante ressaltarmos o fato de que a reclamação dos

participantes a respeito da centralização dos espaços de lazer e a solicitação frequente

da criação de novos espaços tenham tido como resultado a elaboração de uma diretriz

levando-se em consideração essas questões.

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Considerações Finais

Como vimos na análise dos documentos a população belo-horizontina

necessita de mais espaços de lazer e esperam que eles estejam mais bem distribuídos

pela cidade. E, quanto aos já existentes, solicita-se a recuperação e melhor manutenção

destes. A este propósito, no instrumento de planejamento, que é o Plano Diretor, fala-se

em recuperar áreas verdes, praças e parques, em revitalizar espaços turísticos, históricos

e culturais, em recuperar o hipercentro para que ele seja lugar de permanência e ponto

de encontro. Mas não se fala em recuperação e/ou manutenção especificamente de

espaços de lazer.

Acreditamos que o fato dos participantes das discussões terem debatido

diversas vezes questões referentes ao lazer indica que, embora o tema tenha sido

abordado apenas de forma indireta nos cadernos de textos, ele foi considerado uma

questão importante para a cidade, haja vista o destaque dado pelos participantes das pré-

conferências.

A leitura da íntegra dos resultados das Pré-Conferências Regionais nos

indicou que a demanda por espaços de lazer é muito mais frequente que por postos de

saúde, escolas, etc., o que contraria uma proposição comum de que existe uma escala de

prioridades segundo a qual, dentre todas as necessidades humanas, o lazer se situa entre

as últimas. Antes do lazer estariam questões relacionadas à saúde, educação,

saneamento. A esse respeito, nossos apontamentos vêm ao encontro da pesquisa

realizada por Lemos et al (2004), que constataram que, nos conjuntos de centros

situados nas regionais, grande parte das demandas do Orçamento Participativo é voltada

para a melhoria dos espaços de lazer.

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

Entretanto, apesar de ter sido uma questão tão falada nas conferências,

percebemos que nos instrumentos de planejamento – Plano Diretor e LPOUS – o lazer

ainda é tratado de forma restrita. O lugar que o direito ao lazer ocupa na formulação da

política urbana ainda é superficial e fluida, não se considerando de forma concreta a

relevância da problemática do lazer nos grandes centros urbanos.

Sendo assim, julgamos importante e necessário dar voz à população para

que o debate acerca do lazer ganhe visibilidade e mobilizem-se esforços para que ele

entre na agenda de discussão da Política Urbana. Em nosso ponto de vista, de acordo

com o quadro exposto, esse tema ganha maior visibilidade quando é debatido pela

população de uma maneira geral, notadamente pelos cidadãos comuns.

Diante da análise de todos os documentos disponíveis, concluímos que não

resta dúvida de que o espaço urbano é um espaço político, palco de diferentes interesses

em jogo: o do empreendedor, o do Poder Público e o do cidadão. O urbano é lugar de

disputa entre os agentes que produzem e ocupam a cidade em determinados contextos

históricos. Assim, fazemos nossas as palavras de Souza quando diz que “é óbvio que

propostas específicas e experiências concretas de planejamento e gestão urbanos jamais

são ‘neutras’” (SOUZA, 2004, p. 83). Diante disso, intervenções de planejamento e

mecanismos de gestão precisam ser entendidas como uma teia de relações permeadas

por conflitos de interesse em uma constante interação entre ganhadores e perdedores. É

esta zona de tensão que constitui as cidades e seus espaços a partir de um amplo

espectro de usos e apropriações. Atualmente os praticantes do urbano participam e

discutem as intervenções que vem sendo propostas para o lazer na cidade, cabe agora

entendermos de que maneira o aparato técnico de construção dos planos conseguirá

entender a cidade a partir dos diversos pontos de vista de seus usuários.

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Amanda Carolina Costa Silveira e Regina Helena Alves da Silva Os Espaços de Lazer na Cidade

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