Na Terceira Margem - 10 de Agosto
Na Terceira Margem - 10 de Agosto
Na Terceira Margem - 10 de Agosto
Na Terceira Margem
Teorias, metodologias e sensibilidades
do ensino de História
E-book
OI OS
EDITORA
São Leopoldo
2022
© Dos autores – 2022
Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão: Rui Bender
Diagramação e arte-final: Gilson Garibaldi
Apresentação.................................................................................................. 9
PARTE 1 – Saberes Históricos e Espaço Escolar...........................................14
Capítulo 1 – O não-lugar da metodologia na formação
de professores de História.............................................................................15
Gilberto Cézar de Noronha
Capítulo 2 – Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência
didática no ensino de História.......................................................................40
Roberta Paula Gomes Silva
Capítulo 3 – Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação
à Docência – PIBID......................................................................................56
Anderson Aparecido Gonçalves de Oliveira
Maria Andréa Angelotti Carmo
Capítulo 4 – O entrelaçar do estágio supervisionado em História
e o Projeto Residência Pedagógica no estado de Rondônia-RO:
interlocução, interação e formação docente..................................................81
Tadeu Pereira dos Santos
PARTE 2 – Linguagens e narrativas: produção e difusão.............................105
Capítulo 5 – “Projetos de vida” ou a BNCC
e as suas tecnologias (de si): impotências da História..................................106
Guilherme Amaral Luz
Capítulo 6 – Registros sonoros da pandemia:
nas vozes dos estudantes, ensino de História e tempo presente....................128
Rodolfo Cesar Mendes de Almeida
Adriana Carvalho Koyama
Capítulo 7 – Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno
da presença da avaliação em larga escala no cotidiano escolar.....................143
Maryangela Mattos
Sonia Regina Miranda
Capítulo 8 – Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no Laboratório
de Ensino e Aprendizagem em História/LEAH (Dept° de História-FC).....170
Ana Carla Sabino
Raquel da Silva Alves
PARTE 3 – Saberes históricos em diferentes espaços de memória................186
Capítulo 9 – Narrativas de professoras/es sobre memórias
e experiências de trabalho com cultura e história de matriz africana...........187
Elison Antonio Paim
Helena Maria Marques de Araujo
Capítulo 10 – Produção de conhecimento histórico-educacional
no diálogo com as narrativas dos mestres moçambicanos...........................206
Cyntia Simioni França
Inácio Fernando Jaquete
Capítulo 11 – Patrimônio arquivístico: ensino de História,
traços do passado e temas sensíveis.............................................................224
Vera Lúcia Silva Vieira
Radamés Nunes Vieira
Capítulo 12 – Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade
e pertencimento em Brumadinho................................................................247
Rosiane Ribeiro Bechler
Dulcilene Fonseca
Heudes Carvalho
Sobre os autores e as autoras.......................................................................272
Na Terceira Margem
Apresentação
9
NORONHA, G. C. de; CUNHA, N. R. de C.
Apresentação
2
ROSA, J. G. Primeiras estórias, 15. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 81.
3
ENSINO DE HISTÓRIA. Descrição a área de concentração do Profhistória. Disponível em:
<http://www.profhistoria.inhis.ufu.br/areas-e-linhas-de-pesquisa>. Acesso em: 04 nov. 2020.
4
BENJAMIN, Walter. Passagens. Willi Bolle (Org. edição brasileira). Tradução de Irene Aron
e Cleonice Paes Barreto Mourão, 1. ed., Belo Horizonte: Editora da UFMG/São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 2006.
10
Na Terceira Margem
11
NORONHA, G. C. de; CUNHA, N. R. de C.
Apresentação
12
Na Terceira Margem
5
BARRENTO, João. Limiar, fronteira e método. Olho d´água, São José do Rio Preto, 4(2):
1-115, Jul./Dez. 2012. p. 47.
6
SHOR, Ira e FREIRE, Paulo. Medo e Ousadia – cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
13
PARTE 1
Capítulo 1
1
Versões preliminares das ideias deste texto foram expostas em diferentes espaços de discussão:
gestadas no diálogo com discentes que frequentaram meus cursos de Metodologia do Ensino
de História II no INHIS-UFU (entre 2013-2015), em conferência para o PIBID na UNEB-
Barreiras-BA (2015) e na mesa-redonda “A Didática da História como possibilidade de
reflexão, compreensão e motivação” na I Semana Científica de História da PUC-Goiás
(2015), que deu origem ao artigo NORONHA, Gilberto Cezar de.; SOUSA, C. T. Ensino de
História no Brasil atual: cenário de mudanças aceleradas. Notandum (USP), n. 51, p. 55-71, 18
out. 2019. p. 55-71, 2019.
2
SANTOS, Maria Aparecida Lima dos; AZEVEDO, Patrícia Bastos de. Esquizohistoria: a
Complexidade das relações entre a História produzida pelos historiadores e aquela ensinada nas
escolas de Educação Básica. Entrevista a Gonzalo de Amézola. Revista História Hoje, v. 4, n. 8, p.
197-222. 2015. p. 201.
15
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
3
Para uma avaliação dos retrocessos na educação com o chamado Golpe de 2016 cf.
NORONHA, Gilberto Cézar de; LIMA, Idalice Ribeiro da; NASCIMENTO, Mara Regina
do. (Orgs). O Golpe de 2016 e a corrosão da democracia no Brasil. Jundiaí/SP: Paco, 2020 (em
especial os capítulos 11 a 14).
4
Para uma discussão das políticas para a educação inclusiva, remeto o leitor a NORONHA,
Gilberto Cézar de. Da forma à ação inclusiva: Curso de Formação de Professores para Atuar em
Salas de Recursos Multifuncionais. São Paulo/Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
5
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história. 8. ed. São Paulo: Papirus,
2003. p. 29.
6
Evoco aqui a imagem de Jorge Nagle sobre o inusitado entusiasmo da introdução das pedagogias
liberais modernizadoras no Brasil. Cf. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República.
São Paulo: EPU/MEC, 1974.
16
Na Terceira Margem
7
MOORE, Michael. O que Lula tem a ensinar para os Estados Unidos. 29 de abril de 2010. In:
Michael Moore elogia Lula e cita o Bolsa Família. Disponível em: <https://www.conversaafiada.
com.br/mundo/2010/04/30/michael-moore-elogia-lula-e-cita-o-bolsa-familia>. Acesso em:
29 nov. 2020.
8
A expressão é de Antoine Prost, referindo-se à função do ensino de História na educação
básica francesa oitocentista. Cf. PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008. p. 22.
9
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 60. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2019. p. 71. Na esteira de Hanna Arendt, Selva Guimarães Fonseca
interroga: “Não estaria o homem moderno fazendo uma apologia da amnésia ao atribuir
valor supremo à mudança?”. Cf. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de
história. 8. ed. São Paulo: Papirus, 2003. p. 31.
10
BAUMAN, Zygmunt. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
11
“É comum, nas pessoas traumatizadas, apresentar hipervigilância e hipersensibilidade por
uma fixação na ativação simpática ou ativação parassimpática que traz insensibilidade e
evitação do contato com os sinais evidentes de perigo. Um dos ajustamentos criativos de
17
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
defesa é mobilizado pelos sistemas reptiliano e límbico, e o indivíduo foge, luta ou congela na
tentativa de sobreviver” (cf. BRITO, Maria Alice Queiroz de. O trauma segundo o enfoque
da Gestaltterapia. In: FRAZÃO, Lilian Meyer; FUKUMITSU, Karina Okajima (orgs.).
Enfrentando crises e fechando gestalten. São Paulo: Summus, 2020. p. 20).
12
José Carlos Reis (num confronto direto com a avaliação dos empiristas de que a discussão
epistemológica deveria ser deixada aos filósofos), pelo contrário, advoga que ela deveria
“ser a oração vespertina de todo historiador”. Cf. REIS, José Carlos. O lugar da Teoria-
Metodologia na Cultura Histórica. In: OLIVEIRA, Carla Mary S.; MARIANO, Serioja
Rodrigues Cordeiro. Cultura Histórica e Ensino de História. João Pessoa: Editora da UFPB,
2014. p. 18.
13
Aqui, faço uma referência direta à conhecida análise que Pedro Demo fez da Lei 9.394/96
(LDB). Apesar de o texto da lei ter sido modificado em muitos aspectos, grande parte dos
“ranços” que ele identificou permaneceu ou se agravou como, por exemplo, a visão de
educação que estrutura a lei, como ensino, a aula, que separa “aquele que aprende daquele
que ensina”. Cf. DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. 19. ed. Campinas/SP:
Papirus, 1997. p. 68.
18
Na Terceira Margem
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história. 8. ed. São Paulo: Papirus,
14
2003. p. 30.
19
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
15
BARLETTA, Ana Maria e AMÉZOLA, Gonzalo de. Esquizohistória e historiofrenia. Do
secundário à la Carrera de História y vuelta ao secundário. Entrepasados. Buenos Aires, v. II,
n. 2, p. 89-102, 1992. p. 89.
16
NORONHA, Gilberto Cézar de. Da forma à ação inclusiva: Curso de Formação de Professores para
Atuar em Salas de Recursos Multifuncionais. São Paulo/Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 355.
17
SOARES, Magda. Metamemória-memórias: travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez,
1991. p. 6.
18
BODEI, Remo. A história tem um sentido? Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 9.
19
ROSA, João Guimarães. O Espelho. In: Primeiras Histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1988. p. 71.
20
Na Terceira Margem
20
BARLETTA, Ana Maria; AMÉZOLA, Gonzalo de. Esquizohistória e historiofrenia. Do
secundário à la Carrera de História y vuelta ao secundário. Entrepasados. Buenos Aires, v. II,
n. 2, p. 89-102, 1992. p. 89.
21
Vale lembrar que um dos objetivos do PIBID – o programa oferece bolsas de iniciação à
docência, uma ação da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da
Educação (MEC) – é explicitamente promover “a integração entre educação superior e
educação básica”. Disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/
acoes-e-programas/educacao-basica/pibid>. Acesso em: 20 maio 2021.
22
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Marieta Ferreira observou que, no âmbito da formação de professores, “até 1964, as mu-
danças, inovações ou permanências do curso [de História] estavam direcionadas para a for-
mação de professores da educação básica. No entanto, com a consolidação dos programas
de pós-graduação tornou-se crescente a tendência a valorizar a pesquisa em detrimento da
docência e mesmo a de alguns professores oferecerem resistência a realizar o trabalho com
a graduação. (...) As graduações foram se adaptando aos novos tempos, buscando ampliar
as atividades de pesquisa através do desenvolvimento das monografias de final de curso e da
introdução das bolsas de iniciação científica. Com essas iniciativas o foco das graduações
passou a ser formar pesquisadores para ingressar nos programas de pós e não oferecer ferra-
mentas para a sua atuação como professores, destino maior dos cursos de licenciatura” (Cf.
FERREIRA, Marieta Moraes. O ensino da História, a formação de professores e a pós-gra-
duação. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 44, p. 21-49, dez. 2016. p. 32.) Para observar como se
deu esse processo no Instituto de História da UFU, que levou ao fechamento da única revista
sobre ensino de história do instituto, cf. NORONHA, Gilberto Cézar de; SILVA, Jaqueline
Peixoto Vieira da; RIBEIRO, Rosemary. Cadernos de História: a extensão, a pesquisa e o
ensino em revista. Revista Labirinto, Porto Velho-RO, Ano XV, v. 22, p. 51-76, 2015.
23
MISTURA, L.; CAIMI, F. O ensino de História no Brasil e seus pesquisadores: breves notas
sobre uma herança de tensões e proposições. Escritas do Tempo, v. 2, n. 5, p. 92-116, 19 out.
2020, p. 102.
21
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
24
A crítica não se encerrava na formação de professores de História e na relação da História
pesquisada na universidade com a História ensinada na educação básica e se estendia a outros
campos. Em 1983, Roberto Schwarz, ao apresentar o campo da crítica e do ensino de Letras
no Brasil, escrevia que “as teses, os especialistas e as verbas multiplicaram-se nos últimos
anos, sem vantagem tangível para a crítica nova. O mais provável é que este crescimento
quantitativo se esgote no interior da própria máquina de suscitar e anular pensamento que
é a universidade”. SCHWARZ, Roberto. Apresentação. In: SCHWARZ, Roberto (org.). Os
pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 8.
25
A expressão é de SCHWARZ, Roberto. Apresentação. In: SCHWARZ, Roberto (org.). Os
pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 8.
26
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história. 8. ed. São Paulo: Papirus,
2003. p. 39.
27
Tomo de empréstimo a definição concisa de ensaio de BARTHES, Roland. Aula: Aula
inaugural da cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França. 14. ed. São Paulo:
Cultrix, 2004. p. 7.
22
Na Terceira Margem
28
CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Paris: Ed. La
Fenseé Sauvage, 1991.
29
URBAN, A.C. Didática da História: percursos de um código disciplinar no Brasil e na Espanha.
Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 66.
30
De algum modo, aquilo que Pierre Bourdieu chama de campo: a relação entre um projeto
educacional (ou intelectual) e seu desenvolvimento em relação a um espaço teórico,
institucional e político.
23
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
Em fins dos anos 1980, Conceição Cabrini et al. faziam crítica severa ao ensino de História
31
que reproduzia as relações autoritárias de poder vividas durante a ditadura militar também
na sala de aula com hierarquias de “fontes de competência (...) o professor que sabia mais que
o aluno”, como o detentor dos saberes dos especialistas e do livro didático que exercia, mas
também sofria a dominação pela dependência em relação ao saber produzido na academia,
24
Na Terceira Margem
25
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
32
CHEVALLARD, Yves. Curso da Escola de Altos Estudos (EAE). Programa de Pós-graduação
em Educação Matemática – UNIBAN. 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=duYtX2hYmwk>. Acesso em: 20 jan. 2022.
33
AUGÉ, Marc. Apud SILVA, Antonio Carlos Barbosa da; SILVA, Marina Coimbra Casadei
Barbosa da. A escola na condição de não lugar. A escola na condição de não lugar. Revista
Eletrônica PESQUISEDUCA. Santos, v. 4, n. 8, p. 340-362, Jul./Dez. 2012, p. 349.
34
JANKÉLÉVICH, Vladimir. Georg Simmel, philosophe de la vie. In: SIMMEL, Georg. La
tragédie de la culture. Paris: Payot, 2006. p. 17.
26
Na Terceira Margem
35
GABRIEL, Carmen Teresa. Usos e abusos do conceito de Transposição Didática. (Considerações a
partir do campo disciplinar da história). Ouro Preto: UFOP, 2002.
36
Nesse sentido, os PCN defendem que “[...] a apropriação de noções, de métodos e temas
próprios do conhecimento histórico, pelo saber escolar, não significa que se pretende fazer do
aluno um ‘pequeno historiador’ e nem que ele seja capaz de escrever monografias. A intenção
é que ele desenvolva a capacidade de observar, de extrair informações e de interpretar
algumas características da realidade e do seu entorno, de estabelecer algumas relações e
confrontações entre informações atuais e históricas, de datar e localizar as suas ações e as de
outras pessoas no tempo e espaço e, em certa medida, poder relativizar questões específicas
de sua época” (BRASIL, 1998, p. 40). SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos.
História do ensino de História no Brasil: uma proposta de periodização. Revista de História
da Educação, Porto Alegre, v. 16, n. 37, p. 73-91, maio/ago. 2012, p. 87. Disponível em:
<https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4891614.pdf ou em seer.ufrgs.br/asphe/
article/view/24245>. Acesso em: 02 fev. 2022.
27
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
37
Não foram raras as afirmações no 31º Simpósio Nacional de História (o primeiro ocorrido
de forma remota) da urgência de a universidade se tornar mais acessível e a História mais
próxima da sociedade. Disponível em: <https://www.snh2021.anpuh.org/programacao>.
38
Cf. SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cultura Histórica, Ensino e Aprendizagem
de História: questões e possibilidades. In: OLIVEIRA, Carla Mary S.; MARIANO, Serioja
Rodrigues Cordeiro (org.). Cultura Histórica e Ensino de História. João Pessoa: Editora da
UFPB, 2014. p. 56.
39
SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. dos Santos; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de
Rezende (org.). Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: UFPR, 2011. p. 34.
28
Na Terceira Margem
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores: entre saberes e práticas. In: Educ.
41
29
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
Considerações finais
As principais críticas à TAD dizem respeito à ideia da existência de
uma razão didática autônoma, que não segue a mesma lógica da pedagogia nem
da ciência de referência (em nosso caso da História). Embora em trabalhos
posteriores à sua obra mais conhecida42 ele tenha ampliado sua perspectiva,
alguns acusaram Chevallard de manter uma visão ainda presa demais ao
universo acadêmico.43 A ideia de uma razão didática autônoma sugere que
o problema epistemológico do ensino de História ou de qualquer outra
disciplina seja bem mais um problema da Didática Geral do que da Didática
da História e sua teoria. Nesse caso, os problemas teóricos da História, ao
serem transformados em conteúdos disciplinares, ficariam reduzidos a
questões meramente metodológicas.
Segundo a crítica, a missão da escola não seria transmitir saberes
eruditos – ou em outros termos, reproduzir o saber acadêmico. É justamente
quando exigimos isso dela, sem sucesso, que a chamamos de retrógada,
conservadora, rotineira, inerte. Assim, deveríamos questionar: se essa não é
a função da instituição escolar, reproduzir com eficiência o saber acadêmico,
qual seria sua função então? Não haveria uma epistemologia própria da
História a ser considerada na formação de professores?
Não fossem os limites deste capítulo, a primeira questão bem poderia
nos levar ao diálogo com perspectiva histórica das disciplinas escolares de
André Chervel e Ivor Goodson, e a segunda questão certamente nos (re)
conduziria às discussões sobre Teoria da História e Didática da História com
Jörn Rüsen. Sem espaço para discutir essas questões, limito-me a indicar
apenas alguns pontos em que elas confrontam/complementam a TAD para
pensar o (não)lugar da metodologia na formação de professores de História.
Assim como Chevallard, André Chervel não é historiador; é um
linguista. Entretanto, ao interrogar a relação entre as ciências de referência
e as disciplinas escolares, a sua res/proposta até hoje tem, bem mais do que
a TAD, influenciado inúmeras pesquisas na área de História e seu ensino no
42
CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Paris: Ed. La
Fenseé Sauvage, 1991.
43
Para a crítica cf. MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores: entre saberes e
práticas. Educ. Soc. [on-line]. 2001, v. 22, n. 74, p. 126.
30
Na Terceira Margem
44
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, 1990, p. 177-229.
45
BESERRA, Roberto de Oliveira. O tema no ensino de história: desafios docentes no
desenvolvimento curricular. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. p. 43.
46
“Contrapondo-se à noção de transposição didática defendida por Yves Chevallard (1985),
André Chervel advogava a capacidade da escola em produzir uma cultura específica, singular
e original. Ao discorrer sobre a construção das disciplinas escolares, em particular sobre
a ortografia francesa, Chervel [levou ao limite a autonomia da cultura escolar – contra
os usos e abusos do termo transposição didática e] criticava os esquemas explicativos que
posicionavam o saber escolar como um saber inferior ou derivado dos saberes superiores,
fundados pelas universidades; e a noção da escola como simples agente de transmissão de
saberes elaborados fora dela, lugar, portanto, do conservadorismo, da rotina e da inércia. Para
ele, a instituição escolar era capaz de produzir um saber específico, cujos efeitos estendiam-se
sobre a sociedade e a cultura, e que emergia das determinantes do próprio funcionamento
institucional”. FARIA FILHO, Luciano Mendes de; GONÇALVES, Irlen Antônio; VIDAL,
Diana Gonçalves e PAULILO, André Luiz. A cultura escolar como categoria de análise e
como campo de investigação na história da educação brasileira. Educ. Pesqui [on-line], 2004,
v. 30, n. 1, p. 139-159.
31
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
47
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do ensino de História no
Brasil: uma proposta de periodização. Revista de História da Educação, Porto Alegre, v. 16,
n. 37, p. 73-91, Mai./Ago. 2012. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/
articulo/4891614.pdf ou em seer.ufrgs.br/asphe/article/view/24245>.
48
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação, 2, 1990, 184.
49
Essa nos parece ser a compreensão de ZANELATTO, João Henrique; BITENCOURT, João
Batista. O ensino de História: uma outra batalha. Diálogos, Maringá, v. 16, supl. especial, p.
257-275, dez. 2012, p. 258 e passim.
50
ZANELATTO, João Henrique; BITENCOURT, João Batista. O ensino de História: uma
outra batalha. Diálogos, Maringá, v. 16, supl. especial, p. 257-275, dez. 2012.
32
Na Terceira Margem
33
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
que ocuparam o campo da pesquisa sobre o ensino de história dos anos 1980?
A crítica de Rüsen à universidade entendida como um ente isolado a criar
teorias novas para influenciar a sociedade indica que não!
Rüsen recorre a uma metáfora de Alfred Heuss (anos 1950) para criticar
aquela História vista como uma disciplina acadêmica que se legitimaria a si
mesma apenas por estar lá.53 Em suas palavras, essa forma seria como uma
árvore bem acomodada no cume da montanha a produzir folhas – resultados
de pesquisa, que jogadas pelo vento (pelo acaso ou pela gravidade) ou ainda
levadas pelos didáticos e pedagogos, mais do que por historiadores ou
professores de história da educação básica, até os vales nem sempre tranquilos
das salas de aula. Essa condução – entendida como reprodução ou cópia –
seria uma espécie de abaixamento do nível, algo muito próximo daquilo que
muitos interpretaram, fosse a ideia de transposição didática de Chevallard:
deformação, simplificação.
Nesse sentido, o papel do professor da educação básica seria sempre
o mais ingrato, pouco reconhecido por uma sociedade que dá mais valor
ao trabalho intelectual do que ao braçal: recolher a maior quantidade de
folhas, utilizando-se de todos os métodos possíveis fornecidos normalmente
pela Didática Geral e pela Pedagogia, para inculcar melhor os conteúdos
estabelecidos pelos ensimesmados historiadores que habitavam o cume das
montanhas frias da teoria da pesquisa da História. Esse raciocínio fundamenta
o esforço hercúleo dos professores da educação básica em fazer maratonas de
qualificação, procurar novidades, adaptar e adaptar-se, “correr atrás” de novas
metodologias para atingir objetivos alheios à própria disciplina de referência.
Já conhecemos bem esse modelo! E já fizemos críticas a ele antes mesmo de
ter adquirido o hábito de ler os alemães em substituição aos franceses.
Para Rüsen, entretanto, as próprias revisões historiográficas partiriam
de demandas sociais concretas – e não o contrário. Sabemos que a pesquisa
histórica deve enraizar-se no solo, ao preço de perder a sua seiva e de secar
as suas folhas. Do mesmo modo, um saber escolar de formas e fórmulas
ressequidas não suscita o interesse dos estudantes.
Nesse sentido, poderíamos facilmente concordar com Rüsen quanto à
necessidade de uma História viva enraizada na vida prática, uma vez que é
justamente essa a grande questão que nos preocupava desde já nos anos 1980-
90. Não porque nossos historiadores estivessem apenas isolados no alto da
montanha (como os de seu país), desocupados com os problemas dos vales
de lágrimas de nossa situação social e política. É preciso lembrar que, aqui
no Brasil, nem mesmo essa autolegitimação da História existiu. Em tempos
RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão
53
(Trad. Marcos Roberto Kusnick). Práxis Educativa (Ponta Grossa, PR), v. 1, n. 2, 2010, p. 10.
34
Na Terceira Margem
de ditadura militar, não havia montanha segura para nos abrigar aquém do
Araguaia guerrilheiro.
Do ponto de vista que nos interessa, a Didática da História traz uma
novidade (embora não seja teoria nova: a promessa de que pode contribuir para
romper a relação dicotômica entre a universidade e a escola básica. A teoria
da transposição didática de Chevallard tinha apenas nos ajudado a reconhecer
a especificidade do trabalho do professor de História que não simplesmente
copia, mas transforma – cria – conhecimentos históricos. Com a Didática
da História talvez possamos também ir além das discussões sobre a cultura
escolar, que, mesmo reconhecendo a escola como produtora de cultura e os
seus agentes como sujeitos históricos legítimos, não avançou na aproximação
da universidade para além da pesquisa ao tomar como objeto a educação
básica. Na prática, essa aproximação investigativa da universidade trouxe
mais uma tarefa (e uma cobrança) ao professor que atua na educação básica:
tornar-se também pesquisador de sua própria prática. E eu tenho dúvidas se do
pesquisador abrigado na redoma carcomida da academia tenha sido exigido
alguma coisa em troca!
Temos muitas dúvidas se conseguiremos aproximar a universidade da
escola básica partindo do terreno da Teoria54 (da História) em busca de uma
Didática (da História) para uma efetiva educação histórica. Mas consideramos
pertinentes as ideias de Rüsen quanto à necessidade de levar o historiador
profissional às conexões internas entre História, vida prática e aprendizado.
Receamos, no entanto, que o ogro da lenda não resista à tentação de fazer
isso partindo do alto da montanha (recém-erguida no tempo geológico dos
avanços e ranços educacionais brasileiros) ou até mesmo nos acomodando
lá em cima sem querer sujar nossos pezinhos frágeis na terra batida do vale!
Nosso trem da História e seu ensino avançam rápido, e o fundo da
paisagem parece mudar mais depressa. Porém, se nessa (nova) relação entre
universidade e escola básica que se anuncia partiremos do alto da montanha
da teoria, o que farão aqueles que como eu estão bem mais para os sabores
da planície e os dissabores dos abismos? Devemos rumar também para
a montanha num efeito manada? Além disso, é preciso ter consciência do
Em uma palestra de 1982, Fredric Jameson referia-se à chamada nova teoria contemporânea
54
como um dos indícios da dissolução das velhas categorias de gênero e linguagem. “Hoje,
se pratica mais uma espécie de escrita simplesmente denominada ‘teoria’ (...). Esta nova
espécie de linguagem (...) tem se difundido amplamente, marcando o fim da filosofia como
tal. (...) Esse tal ‘discurso teórico’ pode perfeitamente ser incluído entre as manifestações
da pós-modernidade”. Um conceito de periodização que se refere ao surgimento de novos
traços formais da vida cultural que emergiram de um novo tipo de vida social e econômica no
pós-Segunda Guerra Mundial, tendo a década de 1960, 1980, 2000 como momentos-chave.
Cf. JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de Consumo. Novos Estudos. n. 2, jun.
de 1985, p. 17.
35
NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
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55
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Na Terceira Margem
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38
Na Terceira Margem
39
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
Capítulo 2
40
Na Terceira Margem
1
SILVA, Petronilia B. G. e. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação,
Porto Alegre, v. 30, p. 489-506, 2007, p. 490.
2
ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para
a história indígena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel (org.). Ensino de História: conceitos,
temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
3
Idem, p. 27.
4
Idem, p. 28.
41
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CANTELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione,
5
2004. p. 50.
42
Na Terceira Margem
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. São Paulo:
6
43
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
44
Na Terceira Margem
7
SCHIMIDT; CANTELLI, op. cit., p. 31.
8
JODELET, Denise. Répresentations sociales: phénomènes, concept et théorie. In: MOSCOVICI,
S. (Ed.). Phichologie sociale. 2 ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1998. p. 36.
9
JODELET apud SIMAN, Lana Mara de Castro. Representações e memórias sociais
compartilhadas: Desafios para processos de Ensino e Aprendizagem da História. Cad. Cedes,
Campinas, v. 25, n. 67, 2005, p. 351.
45
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
10
Conforme Izabel Gobbi constata em sua dissertação de mestrado, são vários os livros
didáticos que ainda mantêm uma abordagem eurocêntrica sobre a temática dos povos
indígenas, dos quais destacamos: Coleção História das Transformações Sociais, Coleção História –
Edição Reformulada, Coleção História: fazendo, contando e narrando a História.
11
Sobre a temática dos povos indígenas nos livros didáticos de História, destacamos as
contribuições de alguns estudiosos, como: SILVA, Maria de Fátima B. da. Livro Didático de
46
Na Terceira Margem
História: representações do ‘índio’ e contribuições para a alteridade. Revista História Hoje. São
Paulo: Anpuh, v. 1, n. 2, p. 151-168. 2012; SOUZA, Isabelle Cristine de A. Povos indígenas
do Brasil: representações dos povos indígenas na coleção Araribá História e reportagens da
revista Veja (2008-2014). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). João Pessoa, 2016; SOUZA, Gleice Keli B. “Os esquecidos da História” e
a Lei 11.645/08: continuidades ou rupturas? Uma análise sobre a representação dos povos
indígenas do Brasil em livros didáticos de História. Dissertação (Mestrado Acadêmico em
Educação) Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Feira de Santana, BA, 2015.
12
RAMOS, Márcia E. Teté; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Sandra R. Ferreira de.
As sociedades indígenas nos livros didáticos de história: entre avanços, lacunas e desafios.
Revista História Hoje, v. 7, n. 14, p. 80.
47
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
O Projeto Vídeo nas Aldeias tem disponível diversas produções que abordam a temática
13
indígena a partir do cotidiano das crianças indígenas. Esses vídeos são Prîara Jõ. Depois do
ovo, a guerra, dirigido por Kamoi Paraná; Kinja Iakaha, um dia na aldeia, dirigido por Waimé
Atroari, Sawá Waimiri, Kabaha Waimiri, Lawysy Waimiri e Aradwá Waimir; No tempo do
verão, dirigido por Wewito Piyãko; e Palermo e Neneco: um dia na aldeia Mbya-Guarani, dirigido
por Ariel Duarte e Ortega e Patrícia Ferreira.
48
Na Terceira Margem
14
Essas questões foram elaboradas levando em consideração as referências e as discussões
teórico-metodológicas para trabalhar com filmes e documentários durante as aulas de
História.
15
ARAÚJO, Ana Carvalho Ziller de; CARVALHO, Ernesto; CARELLI, Vicent (orgs.). Cineastas
indígenas: um outro olhar: guia para professores e alunos. Olinda, PE: Vídeos nas Aldeias, 2010.
49
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
16
FREIRE, José Ribamar Bessa. Herança cultural indígena, ou cinco ideias equivocadas sobre
os índios. Idem, p. 24.
17
Elaboramos várias fichas contendo as fontes históricas a serem trabalhadas nesse momento.
Essas fichas foram numeradas, e cada uma tinha uma fonte histórica. Dessa forma, foram
organizadas assim: Ficha 1: Fotografia dos povos indígenas Xavantes; Ficha 2: Fotografia
dos povos indígenas Ashanincas; Ficha 3: Fotografia dos povos indígenas Maxacali; Ficha 4:
Texto jornalístico Folhinha reúne crianças guaranis para ler história indígenas, de Gabriela Romeu,
publicado no jornal Folha de São Paulo em 18/04/2015.
50
Na Terceira Margem
Como os povos
Tipos de Data e autor(a) da Elementos da
indígenas foram
documento fonte histórica cultura indígena
representados
Ficha 1
Ficha 2
Ficha 3
Ficha 4
18
FERMIANO, Maria Belintane; SANTOS; Adriane Santarosa dos. Ensino de História para o
fundamental I: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
19
Idem, p. 81.
20
COOPER, Hilary. Aprendendo e ensinando sobre o passado a crianças de três a oito anos.
Educar, Curitiba, Especial, 2006, Editora UFPR, p. 185.
51
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
QUEM somos? Povos Indígenas no Brasil. Instituto Socioambiental. Disponível em: <https://
21
52
Na Terceira Margem
22
POVOS indígenas do Brasil. Canal Wariu. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=unkNJF_mlNQ>. Acesso em: 30 mai. 2021; O QUE é ser indígena no século XXI.
Ep. 1. Canal Wariu. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XDaS70F2fPw>.
Acesso em: 30 mai. 2021.
23
DANIEL Munduruku – Culturas indígenas (2018). Canal Itaú Cultural. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=8D4RF2CqR68&list=RDCMUCn3RTLTgiO7TjfG
7juhFM1g&start_radio=1&rv=8D4RF2CqR68&t=131>. Acesso em: 30 mai. 2021.
24
INDÍGENA no Brasil hoje: como é?. Canal Ellora. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=9IvQ4VKqvsI>. Acesso em: 30 mai. 2021.
53
SILVA, R. P. G. Povos indígenas do Brasil: uma proposta de sequência didática no ensino
de História
com um arpão nas mãos ou na mata com o arco e flecha agora ganhou, nas
ilustrações, novas indumentárias, como camisetas, shorts, calçados, bola de
futebol e até celulares. A incorporação de tais elementos nessas representações
foi compreendida como uma percepção dos estudantes de que os povos
indígenas estão inseridos em nossa sociedade e que a aquisição ou o uso de
determinados bens de consumo não invalida a sua condição de indígenas.
Dessa forma, acreditamos que há um distanciamento daquela visão
predominante de que os indígenas vivem exclusivamente isolados nas aldeias
ou nas florestas sem estabelecer trocas ou diálogos com os não indígenas,
contribuindo assim para a percepção de que as culturas indígenas são
dinâmicas e estão em constante movimento conforme as questões sociais,
políticas e econômicas de seu tempo.
Elementos da cultura indígena – como a pintura corporal – ganharam
destaque nas novas produções dos estudantes. A visibilidade conferida pelos
estudantes a esses elementos culturais presentes em alguns grupos indígenas
realça a diversidade cultural dos povos indígenas, anteriormente representados
de forma homogênea.
Questões contemporâneas relacionadas com a luta pela demarcação
das terras indígenas e a invasão de suas terras pelos fazendeiros ganharam
relevo em algumas representações. A partir desses indícios inferimos que a
ideia daquele indígena “congelado no tempo” foi redimensionada por alguns
estudantes, visto que temas atuais foram incorporados aos textos e às cenas.
Observamos também que nem todos os estudantes conseguiram
desconstruir aquela representação do “índio genérico”, “congelado no
tempo”, que ainda permaneceu em algumas ilustrações e textos. Algumas
frases como “Eu acho que eles são praticamente iguais” e “Eles moram nas
aldeias que ficam na floresta só caçando” podem ser lidas como permanência
das representações estereotipadas identificadas na atividade diagnóstica.
As intervenções, o planejamento e as metodologias desenvolvidas
durante cada fase dessa sequência didática buscaram desconstruir e, ao
mesmo tempo, problematizar uma representação que identificamos ter
sobressaído entre os estudantes: a representação de que os povos indígenas
do Brasil aparecem quase exclusivamente no período colonial como um ser
passivo e ingênuo (o “bom selvagem”).
Essa representação apresentada pelos estudantes não é natural
nem destituída de historicidade, mas é fruto das relações sociais marcadas
pela desigualdade entre os povos indígenas e os não indígenas desde a
colonização brasileira até os dias atuais. Nesse sentido, a escola tem um papel
fundamental na formulação de novas representações desses grupos sociais e
na desconstrução daquelas já cristalizadas em nossa sociedade.
54
Na Terceira Margem
55
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
Capítulo 3
em relação ao ensino remoto em razão das medidas sanitárias adotadas no combate à doença
causada pelo novo coronavírus Sars-Cov-2, declarada pandemia pela Organização Mundial
de Saúde em 11 de março de 2020.
56
Na Terceira Margem
2
Objetivos que constam na Portaria nº 259, de 17 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o
regulamento do Programa de Residência Pedagógica e do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID).
3
Escola Estadual Lourdes de Carvalho, Escola Estadual Prof. Ederlindo Lannes Bernardes,
Escola Estadual João Rezende e Escola Estadual Messias Pedreiro, todas na cidade de
Uberlândia-MG.
4
Referimo-nos, no conceito sujeito-aprendiz, àqueles que estão no ambiente escolar e possuem
experiências múltiplas e que não devem condicionar-se a meros receptáculos. Aqui, os
estudantes são protagonistas de seu próprio processo formador, atuando de forma constante e
contínua em uma relação de troca de saberes.
57
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
Escola e juventudes
A Escola Estadual Messias Pedreiro5 oferece o Ensino Médio regular
em três turnos, chegando ao número de 1.879 matrículas no ano de 2019.
Desse total, 669 correspondiam ao 1º ano, 611 ao 2º ano e 559 à terceira e
última etapa do Ensino Médio regular.
Se analisarmos esse quantitativo por sexo, a maioria das vagas é
ocupada por mulheres, cerca de 57%, enquanto os homens correspondem a
43% das matrículas efetivadas.
Essa instituição de ensino iniciou suas atividades em meados de 1975, ainda como anexo da
5
58
Na Terceira Margem
6
O estabelecimento de ensino Escola Estadual Messias Pedreiro está situado à Rua Pedro
Crosara Cherulli, 980, Bairro Cazeca, Uberlândia – MG.
7
Os dados correspondem a: Brancos 49%; Pretos 3%; Pardos 22%; Amarelos 0%; Indígenas
0%; Não declarantes 26%. Dados coletados nos registros de matrículas.
59
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
8
Sobre a discrepância entre localidade de residência e escola ver: XAVIER, Jéssica Lorena.
Análise da discrepância entre localidade de residência e estabelecimento de ensino: o caso da Escola
Estadual Messias Pedreiro. TCC Geografia. Universidade Federal de Uberlândia, 2019.
9
Essa é a forma como a comunidade se refere à escola.
60
Na Terceira Margem
10
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991. p. 16.
11
FREIRE, Paulo. Professora sim, Tia não: carta a quem ousa ensinar. 27. ed. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra, 2017. p. 37.
12
Faixa Não é sério do disco Nadando com Tubarões, lançado no ano 2000 pela BMG.
61
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
13
DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, n. 24, set./
dez. 2003, p. 41.
14
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. MEC. 2012. Art. 5 e incisos.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>.
15
CAIMI, Flávia E. O que precisa saber um professor de História? História & Ensino, Londrina,
v. 21, n. 2, p. 105-124, Jul./Dez. 2015, p. 106.
62
Na Terceira Margem
63
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
17
Sueli Maria Pereira (1963-2017) trabalhou na escola por 30 anos. É lembrada com muito
carinho pelos estudantes e demais profissionais.
18
Atuava como auxiliar de serviços gerais na escola há 11 anos.
19
O Sr. José era aposentado e iniciou os trabalhos na portaria da escola no início de 2019.
20
Professora de História nas redes públicas e particular de ensino na cidade de Uberlândia; atua
na escola desde 2013.
21
Doutor em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Estudioso da cultura popular e
da cultura afro-brasileira, autor de diversos livros sobre as questões étnico-raciais.
22
Atuante no movimento estudantil, ganhou destaque com sua atuação de enfrentamento e
combate ao racismo na cidade. Foi eleita vereadora na cidade em 2020 pelo Partido dos
Trabalhadores com a maior votação entre todos os candidatos com 5.237 votos.
64
Na Terceira Margem
CAIMI, Flávia E. O que precisa saber um professor de História? História & Ensino, Londrina,
23
65
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
24
A BNCC possui dez competências gerais. São elas: Conhecimento; Pensamento científico,
crítico e criativo; Repertório cultural; Comunicação; Cultura digital; Trabalho e projeto
de vida; Argumentação; Autoconhecimento e autocuidado; Empatia e cooperação;
Responsabilidade e cidadania. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>.
25
Disponível em: <https://curriculoreferencia.educacao.mg.gov.br/index.php/cbc>.
26
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d´Água,
1997.
66
Na Terceira Margem
67
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
68
Na Terceira Margem
ouvido, que a gente colocou nas pessoas com volume mais alto do
que o normal pra elas perceberem a dificuldade que é não escutar
a pessoa, e a outra pessoa não entender e ver como é agonizante
a pessoa tentar ficar falando alto, sendo que isso não vai resolver.
Depois, a gente fez determinadas perguntas para essas pessoas sobre
as experiências delas, se elas viram alguém com alguma dificuldade,
se ajudaram. E foi muito bom, porque a gente viu que as pessoas
tiveram uma visão diferente e viram que é muito mais difícil do
que elas imaginavam, que a dificuldade que essas pessoas com
deficiência passam é muito grande! É extremamente grande. Vimos
que nossa cidade não tem a infraestrutura suficiente. Por exemplo,
numa escola: não são todas as escolas que têm elevadores. Como a
minha, que ficou em manutenção um ano inteiro, e acabou que, no
final, nem teve essa manutenção! Ou seja, se alguma palestrante ou
algum aluno mesmo fosse estudar lá na escola, não teria como subir
para os andares sem ser o térreo27. E... a gente percebeu também
que os alunos que participaram desse projeto tiveram uma visão
diferente, perceberam como é difícil e que, quando virem alguém
assim, irão, com certeza, ajudar, pois essa realidade já passou da
hora de mudar![...]28.
Durante a realização da intervenção dos alunos foram muitos
os participantes que elogiaram a iniciativa e relataram não imaginar as
dificuldades que as pessoas com deficiência passam cotidianamente. E
todos reconheceram a importância de se colocar no lugar do outro – algo
oportunizado pelo experimento proposto pelos estudantes.
As práticas foram registradas, e um relatório final foi apresentado com
os resultados e apreensões dos sujeitos aprendizes, que culminaram ainda em
sua apresentação no seminário em que os estudantes foram os protagonistas.
Esse é um exemplo de atividade desenvolvida, e todas as turmas de 2º ano sob
27
Esse foi um fato que ocorreu com uma de nossas bolsistas à época. Aleska Trindade é
estudante do curso de graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia e era
voluntária no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). O processo de
acompanhar as aulas era complexo, pois, muitas vezes, tivemos que transferir as aulas para a
biblioteca, sala de vídeo ou de informática, para que ela pudesse se integrar às atividades e aos
sujeitos aprendizes durante seu processo formador enquanto futura docente. Várias foram as
solicitações da escola à empresa e à Superintendência de Ensino para que as obras referentes ao
elevador fossem concluídas. Todavia, mesmo após o término das obras, o elevador continuou
sem funcionamento; a causa alegada foram problemas de instalação durante as obras.
28
Depoimento de Ádria Silva extraído da série de depoimentos veiculados no Instagram dentro
do projeto Ciências Delas, desenvolvido por Maria Eduarda Belotti, aluna de graduação em
História pela Universidade Federal de Uberlândia e ex-bolsista do PIBID no período em que as
atividades de intervenção foram realizadas. O projeto Ciência Delas, em que esse depoimento
foi veiculado, teve início no ano de 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/tv/
CFuGZGkAvKE/?hl=pt-br>.
69
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
29
O BNCC possui uma diretriz específica para os Temas Contemporâneos Transversais dentro
de um contexto histórico e pressupostos pedagógicos. Nele, os principais eixos centrais são:
Saúde; Ética; Orientação Sexual; Pluralidade cultural; Meio ambiente; Trabalho e consumo;
Multiculturalismo; Ciência e tecnologia; Economia; Cidadania e civismo. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/contextualizacao_
temas_contemporaneos.pdf>.
30
BRASIL, Ministério da Educação. BNCC Ensino Médio. Brasília, 2018, p. 19.
31
O conceito homofobia significa rejeição e/ou aversão a homossexuais e à homossexualidade.
Esse conceito representa um problema social, dado o fato de que culmina na violência, seja
ela psicológica, verbal e/ou física. É importante frisar que essa questão está relacionada
a: ética, orientação sexual, pluralidade cultural, multiculturalismo, cidadania e civismo –
algumas das diretrizes gerais do BNCC ao tratar das temáticas transversais obrigatórias.
70
Na Terceira Margem
alunos decidiram, por meio de seu projeto e discussões conjuntas, que iriam
expor cartazes com dados estatísticos de violência contra homossexuais,
realizar pesquisa e entrevistas para coletar as mais variadas opiniões sobre a
temática. Um segundo pai apareceu durante a atividade na praça questionando
a ação e, no dia seguinte, ao ser chamado na escola por seu filho estar ausente
da sala de aula em horário regular, na famosa prática de “matar aula”, passou
a questionar junto à direção a atividade relacionada à homofobia, momento
em que o projeto geral lhe foi apresentado, o BNCC e outras normativas, o
que levou o pai a ouvir nossa explicação sobre o propósito das atividades
realizadas com os e pelos estudantes.
Por último, uma ligação telefônica de um pai à direção da escola nos
deixou tristes e perplexos. Sua filha, matriculada em uma turma cuja temática
era o racismo32, estaria proibida de participar de “militância” em praça pública.
A metodologia da atividade da turma em questão era realizar pesquisa de
campo e entrevistas para ouvir o que as pessoas sabiam sobre o racismo, se
já tinham presenciado ou vivido situações relacionadas. É importante frisar
que nenhum dos estudantes cujos pais questionaram as atividades e não pôde
realizá-las foi prejudicado. Todos tiveram atividades de reposição de carga
horária e notas.
Mesmo com tais intercorrências, após o encerramento de todas as
atividades desenvolvidas pelos alunos, fizemos uma avaliação geral, que nos
deixou felizes e satisfeitos. Afinal, os sujeitos aprendizes entenderam que a
escola e o ensino não estão presos dentro dos muros escolares, que o processo
de aprendizagem vai além. Entenderam ainda que a escola possui sim um
papel social importante na sociedade.
Observamos que, entre eles, situações relacionadas a bullying, racismo,
homofobia e a outros casos que para os estudantes eram “normais” e não
passavam de “brincadeiras” cessaram, tornando-se agora coisa séria a ser
discutida e entendida como gatilho para uma série de problemas, como
depressão e crise de ansiedade, muito registradas entre os jovens. Além disso,
esse processo auxiliou os sujeitos aprendizes a perceber a relevância da pesquisa
e de fazer parte do processo formador. Essa afirmativa torna-se clara a partir
dos relatos daqueles que participaram de forma direta e efetiva nos projetos de
intervenção. Ana Vithória Magalhães, hoje ex-aluna da E. E. Messias Pedreiro,
que participou de todos os processos, relata um pouco de sua experiência:
entre as raças, entre as etnias. O conceito de racismo, do mesmo modo que o conceito de
homofobia, representa um problema social que culmina em violências e está relacionado
às mesmas temáticas transversais obrigatórias. Além do conteúdo pragmático relacionado à
escravidão, construção da sociedade brasileira e da lei 10.639/03, que estabelece o ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
71
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
33
A partir do sorteio dos temas, a turma de Ana Vithória ficou responsável pela temática
racismo. Envolvendo-se com o conceito “racismo”, eles decidiram, em conjunto, abortar a
temática preconceito racial, que é uma ação mais direta de prática racista que abrange vários
tipos de violência e que dialoga com o conceito principal sorteado para a turma.
34
A equipe do PIBID era vista pelos sujeitos aprendizes, mesmo tendo uma idade próxima,
como professores por estar na formação docente.
35
Essa atividade ocorreu durante o período da tarde, e muitos dos alunos diretamente envolvidos
no projeto, mais de 300, não puderam comparecer em decorrência de cursinhos preparatórios
ou trabalho. Durante a apresentação das atividades, tínhamos um público extra no anfiteatro
de discentes da própria escola, de outras turmas e turnos, bem como de escolas convidadas
dos municípios de Uberlândia/MG e Araguari/MG.
36
Depoimento de Ana Vithória Magalhães, atualmente ex-aluna da E. E. Messias Pedreiro,
participou de forma direta das atividades de intervenção social apresentadas neste capítulo. Essa
fala faz parte de uma série de depoimentos vinculados no Instagram dentro do projeto Ciências
Delas, desenvolvido por Maria Eduarda, aluna de graduação em História pela Universidade
Federal de Uberlândia e ex-bolsista do PIBID no período em que as atividades de intervenção
foram realizadas. O projeto Ciência Delas, ao qual esse depoimento foi vinculado, teve início no
ano de 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/tv/CGHyhcmAm9o/?hl=pt-br>.
72
Na Terceira Margem
Tivemos a satisfação de contar com docentes e escolas da rede estadual e municipal das
37
cidades de Uberlândia e Araguari: Profª. Laís Cruz com a escola E. E. Frei Egídio Parisi;
Profª. Tamyres Castro com a E. E. Segismundo Pereira; Prof. Tiago Quintino com a E. E.
Ederlindo Lannes Bernardes; e Profª. Rosyane Oliveira com a E. M. Bairro Shopping Park
– todas essas do município de Uberlândia/MG. Tivemos ainda da cidade de Araguari/MG
a Profª. Maria Helena com a E.E. Prof. Antônio Marques e Profª. Jéssica Sousa com a E. E.
Arthur Bernardes, essa última escola localizada em Amanhece, distrito de Araguari.
73
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
38
Projeto Seminário Integr(A)ções: sujeitos e saberes no/do processo de ensino-aprendizagem na
educação básica, submetido ao Edital SEI PROEXC nº 95/2018, p. 4-5.
39
AMORIN, Érika Oliveira. Ensino de História: como a extensão universitária potencializa a
formação profissional. Revista História Hoje, v. 6, n. 11, p. 172-190, 2017.
40
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI) teve como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação
superior com início em 2003 e cujos efeitos se fizeram sentir até 2012. Para mais informações:
www.reuni.mec.gov.br.
41
Os alunos em idade escolar geralmente são menores de idade e, ao realizar atividades fora
dos muros escolares, é comum solicitar aos pais e/ou responsáveis autorização assinada,
para que dessa forma estejam cientes da atividade e do deslocamento. Isso não isenta a
responsabilidade dos profissionais que acompanham esses estudantes; pelo contrário, esses
tonam-se responsáveis por toda a situação e intercorrência, da mesma forma que no espaço
escolar a direção seria responsabilizada.
74
Na Terceira Margem
42
O transporte, embora não suficiente para todas as escolas nos dois dias de atividades, foi
possível em razão da aprovação da proposta no Edital SEI PROEXC Nº 95/2018, conforme
mencionado anteriormente.
43
MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória. Disponível em: <www.
ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/pesquisa-pratica.../artigo1.pdf>.
75
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 27 ed. São Paulo: Paz e
44
76
Na Terceira Margem
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo:
45
77
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
Considerações finais
Todo esse movimento surpreendeu-nos de uma maneira ímpar. Embora
tivéssemos a expectativa de que os estudantes participassem efetivamente das
atividades, muitas participações aconteceram pela necessidade que tiveram de
expressar seus pensamentos e sentimentos com a coragem de se expor frente
a uma plateia que ocupava o anfiteatro da universidade. Os dois primeiros
alunos da E. E. Messias Pedreiro que pediram a palavra são extremamente
tímidos no ambiente escolar, e se ali conseguiram se abrir e falar com um
auditório lotado, significa que a atividade pode ter sido exitosa. Paulo Freire
atenta que esses enfrentamentos colocam o sujeito aprendiz no processo de
aprendizagem por meio de uma ação transformadora. Segundo Freire:
[...] no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele
que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com
o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de
aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas.
Pelo contrário, aquele que é “enchido” por outros de conteúdos cuja
inteligência não percebe, de conteúdos que contradizem a própria
forma de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, não aprende46.
Esse projeto mostrou que os sujeitos aprendizes podem sim ter seu
protagonismo e abraçar a responsabilidade de estar frente a seu próprio
processo formador. Durante dois dias, pudemos observar de forma peculiar
todos aqueles jovens que se entregaram durante as atividades, sejam elas
durante as rodas de conversa, apresentações de pôster, cine-debates, teatro,
batalha de rap, exibição e apresentação dos trabalhos finais da intervenção
social nos simpósios temáticos, onde se reinventaram enquanto estudantes,
enquanto pessoas, e perceberam que a educação é mais do que a sala de
aula, é também o espaço das suas experiências e visões de mundo em uma
formação coletiva e plural. Paulo Freire diz que:
[...] conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado
em objeto recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro
lhe dá ou lhe impõe. O conhecimento, pelo contrário, exige uma
presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante.
Implica invenção e reinvenção47.
Idem, ibidem.
47
78
Na Terceira Margem
79
OLIVEIRA, A. A. G. de; CARMO, M. A. A.
Experimentando saberes: práticas de ensino de História
integradas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:
49
80
Na Terceira Margem
Capítulo 4
Introdução
Em 2018, a Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
passou a compor o rol das instituições de ensino superior do país que adotaram
em seus cursos a proposta do Programa de Residência Pedagógica (PRP).
Trata-se da primeira experiência orientada pela CAPES a ser vivenciada pelas
licenciaturas nas universidades e outras instituições de educação superior,
uma vez que ações isoladas em caráter experimental estavam sendo realizadas
desde 2006 em alguns cursos de licenciatura.
O Programa reúne elementos que potencialmente podem atuar
de modo sistêmico, colaborando para transformar os estágios
tradicionais numa oportunidade de renovação da formação inicial
e contínua de docentes e gestores escolares e no estabelecimento
de novas relações entre as escolas públicas e a universidade. Desde
o seu início, 2006, o PRP, no Projeto Político Pedagógico do
curso de Pedagogia, desenhou o perfil do corpo docente de base,
considerando que os mesmos docentes que atuariam na formação
teórica das áreas de ensino, didática e gestão atuariam na formação
prática dos pedagogos diretamente, colaborando na formação
prática não docente presente nas Práticas Pedagógicas Programadas
e no apoio às demandas temáticas do PRP.1
GIGLIO, Célia Maria B. et al. Residência pedagógica: diálogo permanente entre a formação
1
81
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
2
As informações relativas ao projeto-piloto da Fundação Universidade de Rondônia e cada
proposição dos diversos subprojetos que compôs o referido projeto encontram-se disponíveis em:
http://www.residenciapedagogica.unir.br/uploads/40219473/arquivos/projeto_institucional_
391516362.pdf. Acesso em: 20 abr. 2020.
3
Curso de Graduação da Fundação Universidade Federal de Rondônia do Campus Ji-Paraná-RO.
4
Curso de Graduação da Fundação Universidade Federal de Rondônia do Campus Vilhena-RO.
5
Curso de Graduação da Fundação Universidade Federal de Rondônia do Campus Porto
Velho-RO.
6
Curso de Graduação da Fundação Universidade Federal de Rondônia do Campus Rolim de
Moura-RO.
7
Curso de Graduação da área de Humanas da Fundação Universidade Federal de Rondônia
do Campus Rolim de Moura-RO.
8
Curso de Graduação da área de Humanas da Fundação Universidade Federal de Rondônia
do Campus Guajará-Mirim-RO.
9
BRASIL. Ministério da Educação. Edital Capes nº 06/2018. Chamada Pública para
apresentação de propostas no âmbito do Programa de Residência Pedagógica. Disponível em:
<http://www.residenciapedagogica.ufba.br/sites/residenciapedagogica.ufba.br/files/edital-
6-residencia-pedagogica-retificado.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2020.
10
O Novo Projeto Político Pedagógico do Curso de História do Campus Rolim de Moura-RO foi
aprovado em agosto de 2018. Quando da utilização do documento, ele se encontrava na última
fase de aprovação nas instâncias superiores da Fundação Universidade Federal de Rondônia.
82
Na Terceira Margem
Curso de História do Campus em Rolim de Moura, Rolim de Moura, 2016, p. 29-30. Disponível
em: <http://www.dhrm.unir.br/uploads/52525252/arquivos/downloads/diversos/Projeto
%20Pedagogico%20Reformulado%202018.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2020.
83
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
84
Na Terceira Margem
PEIXOTO, Rosário da Cunha. Ensino como pesquisa: um novo olhar sobre a história no
12
85
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
Metodologia
O procedimento metodológico balizou-se na articulação teoria e
prática, elementos substanciais na construção do conhecimento científico.
Para tanto, fez-se necessário estabelecer o diálogo com a literatura
construída sobre o estágio supervisionado ao longo de seu processo de (re)
constituição social.
Por sua vez, esse procedimento possibilitou situar o papel da teoria
como instrumento imprescindível não apenas no desenvolvimento das ações
acadêmicas, mas também na ampliação dos horizontes do existir social.
O veio interpretativo se faz fio do caráter polissêmico que dinamiza as
significações em relação ao campo teórico como expressivo da construção das
representações cotidianas, posto que a teoria é concebida do seguinte modo:
É iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e
investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas
e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias
86
Na Terceira Margem
13
PIMENTA, S. G.; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2004.
14
SILVA, Cristiani Bereta da. Atualizando a Hidra?: o estágio supervisionado e a formação
docente inicial em história. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 131-156, 2010.
15
POZZEBON, Maria Catharina Lima; ROCHA, Aristeu Castilhos. Reflexões sobre a práxis:
as vivências no estágio supervisionado em história. História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 1,
p. 71-98, Jan./Jun. 2013.
16
TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Metodologia da pesquisa científica. 2. ed. Curitiba:
ISESD BRASIL, 2009. p. 35.
87
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
88
Na Terceira Margem
18
Considerando que a maior parte das ações foi realizada nas instituições de ensino, destacamos
que o papel do professor preceptor foi crucial para o desenvolvimento das intervenções
dinamizadas pelos discentes em formação.
19
Evidenciar a importância do Estágio Supervisionado como elemento fundante na formação
dos discentes, operacionalizando o ensino como pesquisa na articulação teoria/prática, de
modo a criar instrumentos didáticos pedagógicos que confiram sentido às ações educativas/
processo de ensino-aprendizagem, fomentando a interação professor-aluno, com vista a
proporcionar o desenvolvimento da autonomia que instrumentaliza a reflexão crítico/
reflexiva para o exercício pleno da democracia.
20
A segunda fase do Projeto Residência Pedagógica foi realizada entre os meses de fevereiro
e dezembro de 2019, totalizando 320 horas. Trata-se de um momento que envolveu o
desenvolvimento de atividades nas escolas-campo (regência em sala de aula, atividades
extraclasse, reuniões nas escolas e encontros no campus de Rolim de Moura da Universidade
Federal de Rondônia).
21
O seminário ocorreu conforme previsto e estiveram presentes todos os membros do projeto.
Na ocasião, realizamos mesa-redonda, palestras, trocas de experiências e a exibição de um
vídeo-documentário que retratava a participação do subprojeto do curso de História de Rolim
de Moura no Programa de Residência Pedagógica.
89
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
22
PEREIRA, Mateus Henrique de Faria; HERMETO, Miriam. Encruzilhadas na Formação
de Professores de História. Experiência e pobreza? In: FONSECA, Selva Guimarães (org.).
Ensinar e aprender história formação, saberes e práticas educativas. Campinas, SP: Átomo & Alínea,
2009. p. 74.
23
A construção de uma proposta a ser desenvolvida ao longo de 18 meses exigiu a construção
de práticas coletivas, de modo a explicitar a finalidade, visando aceitação e envolvimento
dos diversos participantes. Nesse sentido, o acolhimento da proposta pelos discentes e
professores das escolas-campo se fez fundamental para que o Projeto Residência Pedagógica
se transformasse em uma realidade.
24
A ação dos professores preceptores foi crucial para efetivar a aproximação entre a universidade
e as escolas-campo.
25
Para tanto, estabelecemos que os encontros aconteceriam aos sábados, uma alternativa criada
para lidar com a ausência de dias e horários ao longo de todo o projeto. Por sua vez, sempre
iniciávamos a partir das 14h, haja vista que havia alunos que trabalhavam até as 12h do
referido dia.
26
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 2009. p. 102.
90
Na Terceira Margem
POZZEBON, Maria Catharina Lima; ROCHA, Aristeu Castilhos. Reflexões sobre a práxis:
27
91
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
PEREIRA, Raquel da Silva. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
28
RO, 2020, p. 2.
92
Na Terceira Margem
29
Considerando a problemática da ausência de dias e horários especificados na grade curricular
do curso, definimos, como coordenador do projeto, que os discentes fariam a investigação
nos bairros aos sábados, acompanhados por seus respectivos orientadores, em conformidade
ao planejado.
30
O percurso investigativo se fez por meio da interlocução com os moradores, pelo olhar
da infraestrutura do bairro, da aplicação de questionário e pelo compartilhamento das
impressões dos discentes da intervenção pedagógica como parte do processo de formação do
fazer-se professor pesquisador de História.
93
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
31
SILVA, Raquel Pereira da. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
RO, 2020, p. 5.
32
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio na docência. 7. ed. São
Paulo: Cortez, 2012. p. 102.
33
Ibid., p. 105.
94
Na Terceira Margem
O projeto Cine História foi definido a partir de realidades distintas de cada escola em que o
34
95
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
Ressaltamos ainda que, na Escola Estadual Tancredo de Almeida Neves, à luz do êxito da
35
ação e em diálogo com a direção da escola, realizamos mais uma sessão no mês de outubro
em comemoração ao Dia das Crianças.
96
Na Terceira Margem
36
O filme exibido Ponte dos Espiões, lançado em 22 de outubro de 2015 sob a direção de Steven
Spielberg, retrata a Guerra Fria. A União Soviética consegue capturar o piloto americano
Francis Powers após derrubar seu avião de espionagem, o U-2. Condenado a 10 anos de
prisão, a única esperança de Powers é o advogado de Nova York James Donovan. Sem
experiência nessa área legal, o advogado é recrutado pela CIA para defender Rudolf Abel,
um espião russo condenado por espionagem pelos americanos. A estratégia é trocar o espião
russo pelo americano, sem que os governos dos dois países sejam envolvidos. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Bridge_of_Spies>. Acesso em: 12 ago. 2019.
37
Trata-se de conteúdo ministrado pelos residentes como parte da carga horária das aulas
relativas ao terceiro bimestre.
38
O filme Ben-Hur trata principalmente da história do nobre Judah, que é injustamente acusado
de traição e sobrevive a anos de escravidão para se vingar do irmão que o traiu, Messala.
39
O filme aborda a temática sobre o Império Romano. Esse tema foi discutido com os alunos no
decorrer do terceiro bimestre, em que eles puderam observar e conhecer como se formaram
os costumes de determinados locais e como as pessoas construíram suas experiências de
vida, além de entender como eram organizadas as posições políticas frente ao povo romano
e como aspectos como religião e cultura muitas vezes dividem um povo.
40
No Egito antigo, quando os hebreus lá viviam como escravos, o Faraó Seti, temendo o
constante nascimento de crianças hebreias, pois no futuro poderiam se tornar uma força que
ameaçasse seu poder, ordena que todos os bebês hebreus do sexo masculino sejam afogados.
Uma hebreia se desespera ao ver que seu filho poderá ser morto e, para salvá-lo, coloca-o
em uma cesta no rio. A criança acaba sendo encontrada pela rainha assim Moisés acaba
sendo criado como irmão de Ramsés, o herdeiro do trono de Seti. Os dois crescem e se
tornam grandes amigos, mas Moisés acaba descobrindo sua origem, decide abandonar o
palácio e libertar os hebreus para levá-los à Terra Prometida. Disponível em: <http://www.
adorocinema.com/filmes/filme-27657/>. Acesso em: 20 jul. 2019.
41
Esse tema foi discutido com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao longo do
terceiro bimestre.
42
Após dez anos, a Guerra de Troia chega ao fim, e o herói Odysseus faz uma viagem de
volta para casa. Ele enfrenta criaturas mitológicas, deuses e outros inimigos poderosos. Essa
adaptação do poema épico de Homero revela a força e a bravura do herói e sua luta para
voltar ao lar, onde é aguardado pela amada esposa Penélope. Disponível em: <http://www.
adorocinema.com/filmes/filme-206991/>. Acesso em: 20 ago. 2020.
43
Temática trabalhada pelos residentes ao longo do terceiro bimestre.
44
O filme “As aventuras de Peabody e Sherman” relaciona-se com o Dia das Crianças e a faixa
de idade da maioria dos alunos do 6º ano. A película foi exibida no dia anterior ao feriado
e foi um processo mais amplo, pois contou com a participação de outras disciplinas numa
gincana cultural; depois os estudantes receberam alimentação para finalizar o momento de
comemoração. Por último, houve um encontro para discutir os impactos dessa atividade na
97
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
98
Na Terceira Margem
SILVA, Pamela Kamila da. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
51
RO, 2020, p. 4.
99
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
100
Na Terceira Margem
SILVA, Raquel Pereira da. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
52
RO, 2020, p. 2.
101
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
53
SILVA, Pamela Kamila da. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
RO, 2020, p. 4.
54
PEREIRA, Raquel da Silva. Relatório Final do Projeto Residência Pedagógica. Rolim de Moura-
RO, 2020, p. 2.
102
Na Terceira Margem
Considerações finais
A experiência do PRP contribuiu para reforçar a necessidade de
estabelecermos ações que venham diminuir a distância entre as escolas
públicas e a universidade. Nesse sentido, pressupõe o desenvolvimento de
ações contínuas que assegurem a unidade entre teoria e prática.
Para tanto, há a necessidade de romper as hierarquizações entre os
diversos sujeitos (os discentes em formação, os professores da escola pública
e os da universidade) envolvidos no processo de construção de uma prática
formativa que institui e restitui, por meio da dialogicidade, o respeito e o
exercício de alteridade.
Assim, a transparência da proposta, a finalidade e o diálogo contínuo
como elemento de avaliação das ações desenvolvidas conduziram a proposição
metodológica que configurou o “falar com”, uma vez que isso “pressupõe que
os professores se exponham, se expressem, buscando a construção de análises
conjuntas entre academia e escola, se não entre iguais, no mínimo numa
relação entre saberes diferenciados e não um sobrepondo-se ao outro”56.
A intensidade com que vivenciamos o processo de formação implicou
considerarmos coletivamente cada etapa, entrelaçando teoria e prática, com
vista a não reduzir a prática formativo-educativa aos ditames burocráticos.
Por isso a complexidade da prática educativa da formação docente não se
reduziu à ideia do certo ou errado, mas sim a de analisar as possibilidades e
as condições de uma ação realizada para vislumbrar a próxima.
55
PEREIRA, Mateus Henrique de Faria; HERMETO, Miriam. Encruzilhadas na formação
de professores de história. Experiência e pobreza? In: FONSECA, Selva Guimarães (org.).
Ensinar e aprender história formação, saberes e práticas educativas. Campinas, SP: Átomo & Alínea,
2009. p. 74-75.
56
PAIM, Elison Antônio. Memórias e experiências do fazer-se professor. 2005. 387 f. Tese (Doutorado
em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
103
SANTOS, T. P. dos
O entrelaçar do estágio supervisionado em História e o Projeto Residência
Pedagógica no estado de Rondônia-RO: interlocução, interação e formação docente
104
Parte 2
Linguagens e narrativas:
produção e difusão
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
Capítulo 5
do breve governo Temer foram alvo de interesse acadêmico ao longo dos anos 2016, 2017 e
2018 em meio aos processos políticos de aprovação da MP 746/2016, da Lei 13.415/2017
e dos documentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), primeiramente para
os Ensinos Infantil e Fundamental e, posteriormente, para o Ensino Médio, já adaptada à
reforma expressa na Lei 13.415/2017. Ofereço um fragmento dessa produção que, no geral,
é bastante crítica aos paradigmas neoliberais das reformas, as percebe como um dos modos
de retirada de direitos sociais e as entende como efeito do revés político do governo Dilma,
que culminou com uma articulação para o seu impeachment (ARAUJO, 2018; FERRETI &
SILVA, 2017; FERREIRA, 2017; LIMA & MACIEL, 2018 ; MOTTA & FRIGOTTO, 2017;
SOUZA, 2018).
106
Na Terceira Margem
Física, é apresentada por Neira (2018), para quem a BNCC retoma um paradigma educacional
voltado à racionalidade técnica em detrimento da criticidade, da criatividade e das múltiplas
dimensões da cultura do corpo em movimento.
107
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
108
Na Terceira Margem
109
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
110
Na Terceira Margem
Para efeito de objetividade e clareza, passaremos a nos referir à Base Nacional Curricular
3
Comum do Ensino Médio como BNCC-EM. Ao documento relativo aos Ensinos Infantil e
Fundamental nos referiremos como BNCC-EIF.
111
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
112
Na Terceira Margem
113
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
114
Na Terceira Margem
115
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
boa parte dele, já nos primeiros anos dessa etapa, quando, conforme a Lei
13.415/2017, o/a jovem toma uma decisão sobre o seu itinerário formativo.
A dimensão afetiva na BNCC do Ensino Médio aparece apenas outras três
vezes na Base e, curiosamente, ou para ser negada ou diluída em outras
noções. Por serem tão poucos, os trechos valem ser citados na íntegra:
Na página 14, portanto, ainda nos textos preliminares, que valem tanto
para o Ensino Médio como para o Infantil e o Fundamental, afirma-se:
A BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com
a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica
deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o
que implica compreender a complexidade e a não linearidade
desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que
privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão
afetiva (BNCC-EM/EIF, p. 14).
O interessante desse trecho é que, apesar de ele parecer colocar a
dimensão afetiva em pé de igualdade ou em compatibilidade com a dimensão
intelectual, ele o faz no sentido de negar que qualquer uma das duas possa ser
privilegiada. Disso decorre que a própria valorização do afeto se dá em meio
ao enunciado de uma negação. Além disso, enquanto a dimensão intelectual
ou cognitiva aparecerá muitas vezes ao longo dos documentos, o afeto, como
já afirmamos, na prática some.
O segundo trecho no qual ele aparece também é nos textos preliminares,
coincidindo, portanto, com o documento das etapas dos Ensinos Infantil e
Fundamental. Ocorre na página 16, não muito distante, pois, da aparição
anterior. Nesse caso, o afeto não aparece para ser negado, mas diluído entre
tantas outras dimensões:
A BNCC e os currículos se identificam na comunhão de princípios e
valores que, como já mencionado, orientam a LDB e as DCN. Dessa
maneira, reconhecem que a educação tem um compromisso com a
formação e o desenvolvimento humano global em suas dimensões
intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica (BNCC-
EM/EIF, p. 16).
Por fim, uma segunda aparição exclusiva nos documentos do Ensino
Médio, em que o conceito de afeto vem ao mesmo tempo negado e diluído,
quando, depois de nada falar sobre o afeto, a Base afirmará que “não só de
afeto” são feitos os projetos de vida... Eis o trecho:
No escopo aqui considerado, a construção de projetos de vida
envolve reflexões/definições não só em termos de vida afetiva,
família, estudo e trabalho, mas também de saúde, bem-estar,
relação com o meio ambiente, espaços e tempos para lazer, práticas
116
Na Terceira Margem
117
LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
É com essa conotação que o conceito aparece nas páginas 474, 480, 513 e 557, por exemplo,
4
na BNCC-EM.
118
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“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
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LUZ, G. A.
“Projetos de vida” ou a BNCC e suas tecnologias (de si): impotências da História
Referências
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Básica mínima e o cerco ao futuro dos jovens pobres. Holos, v. 8, 2018. Disponível
em: <https://doi.org/10.15628/holos.2018.7065>. Acesso em: 25 set. 2019.
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDICAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular: a
educação é a base. Ensino Infantil e Fundamental. Brasília: Conselho Nacional
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BRASIL, MINISTÉRIO DA EDICAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular: a
educação é a base. Ensino Médio. Brasília: Conselho Nacional de Educação,
2017.
CANDIOTTO, C. A governamentalidade política no pensamento de Foucault.
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provisória n. 746/2016: estado, currículo e disputas por hegemonia. Educ. Soc., v.
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FOUCAULT, M. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro:
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corrosão do direito à educação no contexto de crise do capital no Brasil. Rev.
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MOTTA, V. C.; FRIGOTTO, G. Por que a urgência da reforma do Ensino
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n. 139, p. 355-372, 2017.
126
Na Terceira Margem
127
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
Capítulo 6
Introdução
Apresentaremos neste capítulo algumas das reflexões suscitadas
por uma investigação em diálogo com experiências docentes em ensino de
História ocorridas em 2020. Com as situações geradas a partir da pandemia, na
educação básica as relações de ensino no tempo presente apresentam desafios
e dilemas para os quais estratégias e ações são desenvolvidas na medida em
que a sua urgência nos impele: não temos fórmulas ou rumos definidos para
lidar com eles – o que pode ser interessante. Talvez esse espaço da incerteza
experienciado no presente possa ser reelaborado em oportunidades para a
produção de saberes que dialoguem de forma mais aproximada com os
sujeitos das experiências escolares. Professores e estudantes, agora sem
os espaços e momentos de interação presencial da escola, sem as rotinas e
demandas habituais, buscam outras alternativas, espaços e ferramentas para
criar sentidos com e para as relações escolares.
Neste trabalho, dialogaremos especialmente com uma experiência
didática realizada com estudantes de uma terceira série de Ensino Médio de
uma escola pública estadual localizada no município de Campinas/SP. Ainda
no primeiro semestre de 2020, com as indefinições do início da quarentena,
alguns estudantes produziram narrativas em registros sonoros a partir de uma
proposta de atividade. A proposta foi feita da seguinte maneira: “grave um
áudio com pelo menos 60 segundos de duração que narre um ou mais aspectos
da sua vida durante esse período de pandemia. Neste primeiro momento, não
é obrigatório editar o áudio antes de enviá-lo”. As narrativas compostas pelos
estudantes, contempladas em seus múltiplos significados, temas e tensões,
mobilizaram leituras, reflexões e perguntas, colocando em diálogo estudantes,
professores (Adriana e Rodolfo) e autores de referência em nosso coletivo de
128
Na Terceira Margem
1
GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (Linha de pesquisa
Educação das Sensibilidades, Memória e História) – Faculdade de Educação / UNICAMP.
2
BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito de História. Edição Crítica. Tradução de Adalberto
Muller e Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Alameda, 2020. p. 57-58.
3
Idem, p. 69.
4
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Memória, História e Tempo: perspectivas teórico-
Metodológicas para a pesquisa em Ensino de História. Cadernos do CEOM, Chapecó-SC, n.
28, 2008, p. 22.
129
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
130
Na Terceira Margem
131
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
8
AGAMBEN, Giorgio. “Tempo e história: crítica do instante e do contínuo”. In: Infância e
história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2005. p. 128.
9
KRENAK, Ailton. “Ideias para adiar o fim do mundo”. In: Ideias para adiar o fim do mundo. 2ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. p. 27.
10
AGAMBEN. “Tempo e história: crítica do instante e do contínuo”, op. cit., p. 127.
132
Na Terceira Margem
2.
Nessa pandemia, não tá nada fácil pra mim, porque tudo mudou, rotina,
a gente não pode ir na casa de parentes, tem que ficar isolado pra se proteger e
proteger os outros. E aconteceu uma coisa muito triste, não aqui perto de mim,
mas lá onde a minha mãe mora: a tia do marido dela faleceu por conta do
coronavírus, e aqui na minha rua também tem dois casos, tá difícil. O importante
agora é a gente se prevenir, seguir todas as instruções, respeitar, ficar em casa,
porque não tá fácil pra ninguém. Mas o meu maior desejo nessa quarentena
era que pelo menos voltassem as aulas, mesmo que a gente se organizasse, pelo
menos o terceiro ano, dividissem a gente em duas salas, cada um com máscara,
e a gente ter aula com os professores, porque é totalmente diferente você ter um
professor e estudar em casa sozinha, é muito difícil.11
Simone
133
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
3.
Bem, nesse período de pandemia minha vida não mudou tanto assim,
porque eu continuo em casa fazendo as coisas, não tenho muita preocupação,
acordo tarde, faço todas as atividades que tenho pra fazer, assisto às aulas
do CMSP, jogo na maior parte do tempo livre que eu tenho e... continuo
estudando, pesquisando algumas coisas, assisto a vídeos no Youtube, passando
o meu tempo, vendo as notícias, pra saber sobre tudo o que está acontecendo,
sobre a pandemia e tudo mais. E esperando pra ver né se as aulas vão voltar,
12
BENJAMIN, Walter. “Experiência e pobreza”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Obras escolhidas, v. 1, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 119.
13
KRENAK, Ailton. “Não se come dinheiro”. In: A vida não é útil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020. p. 11-12.
134
Na Terceira Margem
se tudo vai ficar normal e é isso. Tá sendo muito tranquilo pra mim ficar de
boa, não tenho muita preocupação. Tamo junto.14
Nicolas
14
Esse registro pode ser ouvido a partir deste link: https://tinyurl.com/yyhm3agj.
15
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2018. p. 205, fragmento
D 3, 4. “Em vez de passar (vertreiben) o tempo, é preciso convidá-lo (einladen) para entrar.
Passar o tempo ou matar, expulsar (austreiben) o tempo: o jogador. O tempo jorra-lhe dos
poros. – Carregar-se (laden) de tempo como uma bateria armazena (lädt) energia: o flâneur.
Finalmente, o terceiro tipo: aquele que espera. Ele carrega-se (lädt) de tempo e o devolve sob
uma outra forma – aquela da espera”.
16
GAGNEBIN, Jeanne Marie. “História e cesura”. In: História e narração em Walter Benjamin. 2ª
ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 113.
135
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
4.
Eu acho que durante esse período de pandemia eu não tenho muito o
que dizer porque eu meio que... me preocupo, mas tento não pesquisar, não
ver muitas coisas sobre a doença, só realmente as coisas importantes, pra não
ficar preocupado, essas coisas. Eu só fico em casa o dia todo, não saio, desde
o começo da pandemia, da quarentena na verdade. Então não tenho contato
com nada, e acho... eu sei e acho que tenho meio que chances de pegar a
doença, então fico despreocupado em casa, mas de qualquer forma devo me
preocupar, porque nunca se sabe.17
Arthur
O que fazer quando as palavras parecem faltar? Arthur diz não ter o
que dizer, ainda assim ele diz... e faz emergir em sua narrativa tensões que
paralisam momentaneamente o tempo. Tal momento de parada pode ser
muito potente: “o instante imobiliza esse desenvolvimento temporal infinito
que se esvazia e se esgota e que chamamos – rapidamente demais – de História;
Benjamin lhe opõe a exigência do presente, que ela seja o exercício árduo da
paciência ou o risco da decisão”18. Com paciência decidida ou com decisão
paciente, Arthur trabalha e arrisca movimentar sua experiência de isolamento
durante a quarentena. Não chega num destino premeditado, ainda assim se
movimenta. Nesse exercício, talvez possamos encontrar correspondências
com as maneiras com que nós enfrentamos algumas situações durante a atual
pandemia: também podemos ter ficado aparentemente sem palavras, e em tal
situação, o que nos mobiliza? O que nos permite escapar ao ritmo cronológico
que anuncia dia a dia o aumento do número de mortos na pandemia e outras
tragédias e ruínas, como se fossem naturalizáveis?
Não somente no momento de perigo grave da atualidade podemos
exercitar essa dinâmica fértil de paciência e decisão. No ensino de História,
quando selecionamos e trazemos para a sala de aula documentos sem
prendê-los numa explicação ou narrativa historicista, podemos convidar os
sujeitos da experiência, no presente, a tomar posição e falar na relação com
esses documentos. Esse desafio de estabelecer correspondências, no presente,
com elementos do passado pode mudar tanto as leituras possíveis do passado
como as possibilidades de ação no presente. Dependendo das memórias e
136
Na Terceira Margem
5.
[som persistente de noticiário televisivo ao fundo] Toda essa pandemia,
esse momento que estamos vivendo, está afetando muito a gente, inclusive
eu. É... Afeta tudo né, afeta o emocional, afeta o profissional. Eu estou no
terceiro ano do Ensino Médio, não sei se irei terminar, concluir, porque a
gente não sabe o que vai acontecer, estamos trancados dentro de casa, sem
ter a liberdade de fazer nada, proibidos de sair. Estudar em casa é algo muito
complicado, tem que ter muita dedicação mesmo pra conseguir fazer tudo
certinho, não deixar a preguiça falar maior, e é complicado, porque mesmo às
vezes não tendo preguiça, a gente querendo estudar, o emocional tá acabado,
a gente nem consegue prestar atenção na lição.20
Penélope
Idem, p. 99.
19
137
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
21
BENJAMIN. Passagens, op. cit., p. 788, trecho do fragmento n. 10a, 3.
22
GAGNEBIN. “História e cesura”, op. cit., p. 106.
23
“Educar em nós o medium criador de imagens para um olhar estereoscópico e dimensional
para a profundidade das sombras históricas.” BENJAMIN. Passagens, op. cit., p. 760-761,
trecho do fragmento N 1, 8.
138
Na Terceira Margem
24
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política, op. cit., especialmente nos ensaios
“Experiência e pobreza” e “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, p.
114-119 e p. 197-221, respectivamente.
25
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. “Imagens entrecruzadas de infância e de produção de
conhecimento histórico em Walter Benjamin”. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; DEMARTINI,
Zeila de Brito Fabri; PRADO, Patrícia Dias (orgs.). Por uma cultura da infância: metodologias de
pesquisa com crianças. 3ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. p. 49-68.
26
Idem, p. 49-50.
27
Transcrição de parte dos sons do noticiário que aparecem como ruído durante a narrativa de
Penélope. Os acontecimentos descritos no noticiário ocorreram em 23/04/2020.
139
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
28
GAGNEBIN, Jeanne Marie. “O trabalho de rememoração de Penélope”. In: Limiar, aura e
rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Editora 34, 2014. p. 241.
29
KRENAK, Ailton. “A máquina de fazer coisas”. In: A vida não é útil. São Paulo: Companhia
das Letras, 2020. p. 70.
140
Na Terceira Margem
30
GAGNEBIN, Jeanne Marie. “Estética e experiência histórica em Walter Benjamin”. In:
Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Editora 34, 2014. p.
204, grifo no original.
31
GALZERANI. Memória, História e Tempo: perspectivas teórico-metodológicas para a pesquisa
em Ensino de História, op. cit., p. 17.
141
ALMEIDA, R. C. M. de; KOYAMA, A. C. Registros sonoros da pandemia: nas vozes dos
estudantes, ensino de História e tempo presente
32
GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 177.
33
KRENAK, Ailton. “A humanidade que pensamos ser”. In: Ideias para adiar o fim do mundo. 2ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. p. 63.
142
Na Terceira Margem
Capítulo 7
Subir até o alto do World Trade Center é o mesmo que ser arrebatado
até o domínio da cidade. O corpo não está mais enlaçado pelas
ruas que o fazem rodar e girar segundo uma lei anônima; nem
possuído, jogador ou jogado, pelo rumor de tantas diferenças e pelo
nervosismo do tráfego nova-iorquino. Aquele que sobe até lá no alto
foge à massa que carrega e tritura em si mesma toda identidade de
autores ou de espectadores.
Michel de Certeau
“Porque ninguém escuta a gente! Jovens, avaliação em larga escala e cotidiano escolar entre
143
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
144
Na Terceira Margem
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
5
145
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
146
Na Terceira Margem
LOPES, Alice Casimiro. Discursos nas políticas de currículo. Currículo sem Fronteiras, v. 6, n. 2,
6
147
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
148
Na Terceira Margem
BENJAMIM, W. Passagens. Org. edição brasileira Willi Bole. Belo Horizonte: Editora UFMG;
7
149
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
150
Na Terceira Margem
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 57-58.
8
151
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
Idem, p. 64.
9
152
Na Terceira Margem
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre:
10
Artmed, 2000.
153
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
154
Na Terceira Margem
GIMENO-SACRISTÁN, José. Currículo, uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.
11
155
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
156
Na Terceira Margem
Ana: E, tipo (...) ou você sabia, ou não. Porque não tinha nem
como perguntar o professor, “ah! (...) Tem como me ajudar? Não
sei o que (...)”.
As contestações veementes de Ana e Maria sobre a impossibilidade
de recuperar a nota de uma avaliação externa é complementada pela fala de
Paula, que em um tom de desabafo deixa claro o grau de indignação frente a
essa prática.
Paula: E ter colocado como nota também é (...), tipo assim (...),
às vezes, como tinha muita coisa que a gente não sabia, é (...), a
gente acabava ficando com nota baixa. Às vezes precisava de nota,
e como não era aquilo que o professor estudou com a gente, a gente
se ferrava, né?!
Sobre a colocação de Paula em relação aos conteúdos que não viam
em sala e que apareciam nas provas, Kátia Abud13 aponta para a natureza
dos currículos, que, organizados pelas instituições de poder, consideram na
sua elaboração cenários escolares ideais, sem levar em conta os problemas
enfrentados por esses espaços. Os Saerjinhos, que passaram a valer parte da
nota do bimestre, traziam de acordo com a fala da aluna questões impossíveis
de realizar, simplesmente porque não tinham visto o conteúdo ou não tiveram
tempo para aprendizagem. Nesse sentido, muitos problemas aconteciam.
Temas eram trabalhados superficialmente sem a devida condição do aluno de
conectar-se realmente com o saber pretendido, e habilidades e competências
sequer eram desenvolvidas, o que em última análise implica quebras
significativas na autonomia do trabalho docente. Esse trabalho, subjugado
pelos cerceamentos estabelecidos pelas demandas de enfrentamento da
prova, acaba por muitas vezes abdicar da condição de exercício pleno de sua
condição de selecionar conteúdos e metodologias de trabalho compatíveis
com um trabalho de educação para a compreensão da História.
No diálogo que inclui Fernanda, Patrícia e Marcos, esse desacerto
aparece:
Fernanda: Acho que não conecta o que ‘tá’ no (...) currículo mínimo!
O que eles passam ‘pra’ gente é o que o Estado põe os professores
para passar ‘pra’ gente e o que a prova cobra. Acho que eles cobram
além do que ‘tá’ no currículo mínimo.
Marcos: Exatamente!
Patrícia: No SAERJ acontece muito isso!
na Escola Secundária. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 12ª ed., São
Paulo: Contexto, 2013.
157
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
158
Na Terceira Margem
14
VEIGA- NETO, Alfredo. Delírios avaliatórios: o currículo desvia para a direita ou um
farol para o currículo. In: FAVACHO, Márcio Picanço; PACHECO, José Augusto; SALES,
Shirlei Rezende (Orgs.). Currículo, conhecimento e avaliação: divergências e tensões. Curitiba:
CRV, 2013.
15
AFONSO, Almerindo Janela. Estado, políticas educacionais e obsessão avaliativa. Revista
Contrapontos, Itajaí, v. 7, n. 1, p. 11-22, mar. 2007.
159
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
Paula: Não! Foi uma semana antes do Enem ou foi no meio, assim
(...). Foi aquilo que a gente estava falando no Enem.
Paula: E passaram sabe?! Essa prova de outubro! Os professores
estavam tentando ajudar a gente e (...), e (...) eles foram e passaram
essa prova! Tipo assim, ‘pra’ atrapalhar (...), atrapalhou!
Tomando como parâmetro o diálogo entre Fernanda, Francisca e Paula
a respeito de fazer duas avaliações externas em um mesmo mês, a Prova Brasil
e o ENEM, podemos buscar, para além da análise dos problemas destacados
pelas alunas, que coadunam com outras falas sobre a falta de diálogo, uma
maior compreensão do que seria a sistemática dessas avaliações e perceber
como essas provas padronizadas invadem o espaço escolar, desorganizando
a rotina desse ambiente. Isso fica evidente com a fala da Paula, que, ao se
queixar sobre o acúmulo de avaliações, nos faz compreender que a forma
atribulada como essas provas chegam até os alunos acabava por atrapalhar
toda a dinâmica de aprendizagem estabelecida nesses espaços por professores
e alunos. Um “delírio avaliatório”16, como bem pronunciado por Veiga
Netto. Nesse caso, não custa imaginar que, se fossem todas aplicadas no
período de vigência da política de avaliação observada nessa pesquisa, os
alunos realizariam no espaço de mais ou menos dois meses quatro avaliações
externas: Prova Brasil, ENEM, Saerjinho e SAERJ.
Controle, vigia, angústia... A impressão que passa pelas falas desses
jovens segue essa tríade. As enunciações de um ambiente totalmente
organizado para a conquista de um posicionamento entre os melhores alunos,
as melhores escolas e consequentemente os melhores no IDEB transitam
direta ou indiretamente em experiências que suscitam um espaço onde a maior
parte das atividades confluía para um trabalho dirigido especialmente para o
alcance das metas. Quando o assunto ainda se refere ao controle exercido
pela escola sobre os alunos, observado pela política de avaliação mencionada,
esses adjetivos avolumam-se. Em um diálogo estabelecido sobre o dia a dia
das provas, Márcia, Luiz, Carlos e Maria apontam as pressões sofridas pela
direção caso faltassem nos dias das avaliações.
Márcia: Eles só falavam, vai ter prova dia tal e estudem (...).
Luiz: Não faltem.
Márcia: Não faltem.
Carlos: Que vale ponto (...).
Márcia: Que tanto fez, que tanto faz (...).
160
Na Terceira Margem
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MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
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da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
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Na Terceira Margem
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MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
18
166
Na Terceira Margem
167
MATTOS, M.; MIRANDA, S. R. Olhar para dentro: sobre a escuta de jovens em torno da presença
da avaliação em larga escala no cotidiano escolar
168
Na Terceira Margem
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 25. ed. 2002.
20
169
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
Capítulo 8
170
Na Terceira Margem
171
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
1
CERRI, Fernando. Oficinas de ensino de história: pontes de didática da história na transição
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Soc. [on-line]. 2001, v. 22, n. 74, p. 121-142.
3
BARCA, Isabel; GAGO, Marília. Aprender a pensar em História: um estudo com alunos do
6º ano de escolaridade. Revista Portuguesa de Educação, 2001, 14(1), p. 239-261, p. 241.
4
RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Tradução de Peter
Rautmann, Caio Pereira, Daniel Martineschen e Sibele Paulino. Curitiba: W. A. Editores,
2012; RÜSEN, Jörn. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Tradução de
Nélio Schneider. Petrópolis: Vozes, 2014.
172
Na Terceira Margem
pela produção de saberes para a formação docente, pelos debates acerca dos
currículos de história da licenciatura, da educação básica, pelos processos da
aprendizagem histórica e da cultura escolar.
A partir e ao lado das demandas dos estágios supervisionados, a ciranda
em torno do laboratório amplia-se, juntando-se a ele, para enredar a mesma
trama do ensinar História, as histórias de vários programas e grupos acadêmicos,
voltados para a formação docente inicial e continuada como os programas de
iniciação acadêmica, de iniciação à docência, de monitorias, do Programa
de Acolhimento e Incentivo a Permanência (PAIP), este ano vinculado ao
LEAH, e os Programas PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência) e Residência Pedagógica e, por fim, o Grupo de Estudos e Pesquisas
em Ensino de História (GEPEH). A reflexão existencial sobre os porquês e
para quem importa um laboratório de pesquisa em ensino de História remete
à permanente necessidade de nos explicarmos (o que é, quem é e o que faz um
historiador) tanto para nós mesmos como para os outros.5
É antes de tudo um LUGAR para o CORPO presente e presença! Para
existir divulgação, é preciso, antes, SER (existir socialmente) um PESQUISA-
DOR. Propor o problema/uma questão, suscitar a dúvida, o experimento/as
fontes, a reflexão...e depois: os resultados, as apropriações sociais.
As propostas apresentadas nas discussões organizadas pelo LEAH estão
constantemente em diálogo com as demandas das escolas e das experiências
escolares dos professores em formação, dos docentes direcionadas pela análise
do ensino de História como campo e objeto de pesquisa.
Conversas paralelas
O professor mais uma vez se esquiva por não conseguir concentrar-se
e justifica que as conversas em paralelo, produzidas pelos estudantes, seriam
o motivo da ausência de continuidade da explanação. Ao mesmo tempo,
interroga-se sobre o assunto que poderia ser alvo da desatenção da classe. Entre
a curiosidade de saber os temas dos diálogos também existe a necessidade de
aproveitar, quando possível, esses cochichos como prováveis dúvidas sobre o
tema da aula: Afinal, o que são essas conversas paralelas?
Aproveitando uma situação de sala de aula, como a descrita acima,
observa-se que não são exclusividade dos adolescentes da educação básica
os cochichos e os papos que percorrem o tempo da aula em paralelo às ações
do professor. As reuniões na sala dos professores também são preenchidas
173
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
CAIMI, Flávia. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino,
6
aprendizagem e formação de professores de História. In: Tempo [on-line]. 2006, v. 11, n. 21,
p. 17-32.
174
Na Terceira Margem
escola não poderiam ser mensuradas por revisões historiográficas nos livros
didáticos, na negação dos currículos, mas é necessário repensar as práticas de
aprendizagem em sala de aula.
Desse modo, buscou-se planejar a partir dos temas que eram pautados
com maior recorrência nas reuniões do LEAH, ao ouvir os professores,
graduandos e pesquisadores, uma programação que conseguisse compreender
os pontos de intercessão entre a formação inicial e continuada de professores
de História. Auxiliar os professores em formação a constituir procedimentos
que antecipem eventuais dificuldades dos estudantes e que precisam ser
construídos para a continuidade da aprendizagem.
Pretende-se, desse modo, apresentar a trajetória das sessões de Conversas
Paralelas. Esse projeto estabelece o convívio e o diálogo presencial entre
professores e alunos das escolas e da graduação em História sobre como se
ensina e aprende História. Os diálogos giram em torno dos interesses dos
alunos da escola, dos graduandos em História e dos professores. Como unir
esses três grupos em discussões que permitem pensar o ensino de História de
forma a problematizar demandas que não se limitam ao fazer historiográfico
intelectual, mas que constituem práticas constitutivas dos usos da cultura
histórica pela sociedade. Pensar, desse modo, em conversas possíveis entre o
saber historiográfico ensinado nas escolas e as experiências que constituem
o aprendizado histórico foram analisadas e compuseram as questões
norteadoras dos encontros: O que e como se ensina História? O que e como
se aprende História?
Essas questões percorrem os debates, as dúvidas e as falas presentes
nesses encontros. Buscou-se ampliar o campo de interpretação entre os
estranhamentos e as tentativas de construir outros significados para as
inquietações, formulações e estratégias que exigem o trabalho docente.
A proposta das Conversas Paralelas também permeia situações didáticas
envolvendo questionamentos sobre a realidade abordados pelos alunos.
As conversas foram divididas em temas, cujo critério de seleção foi
a escuta dos participantes do grupo de estudo, das falas dos estagiários e
a leitura dos relatórios de estágio supervisionado. Os debates evidenciam
as falas dos professores, e em seguida o público pôde realizar perguntas e
questões. Os temas elencados nas seções estão relacionados aos processos
de aprendizagem na construção de significados para pensar historicamente,
sejam elas o currículo, teoria histórica, aprendizagem histórica, temas de
história em sala de aula.
O projeto Conversas Paralelas também permite construir interpretações
fora do tempo escolar, que considera as exigências do currículo, as narrativas
presentes nos materiais didáticos e o saber do professor prescrito pelo
conteúdo curricular. É possível dividir as sessões realizadas em temas que
175
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
7
GAGO, Marília. A aula-oficina na caminhada de aprender a ser professor de História. In:
Roteiro, Joaçaba, v. 45, p. 1-18, jan./dez. 2020.
8
SOBANSKI, Adriane. Ensinar e aprender História: história em quadrinhos e canções:
metodologias, ensino médio. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 40.
176
Na Terceira Margem
177
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
Fonte: <https://laboratorioensinohistoria.ufc.br/pt/>
178
Na Terceira Margem
Em edição posterior, durante a pandemia, o professor Sávyo Enrico participou de outra sessão
9
179
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMONI, Marcello Paniz. Flertando com o caos: os jogos
11
no Ensino de História. In: PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMONI, Marcello Paniz (Orgs.).
Jogos e ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. p. 23.
180
Na Terceira Margem
12
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
13
LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: BARCA, Isabel (Org.).
Jornadas Internacionais de Educação Histórica, I. 2000. Portugal Atas: Perspectivas em Educação
Histórica. Portugal: Instituto de Educação e Psicologia – Universidade do Minho: Lusografe, 2001.
181
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
14
O professor Sávyo utilizou essas citações ao abordar o estereótipo da personagem Lara Croft.
Para isso, citou: Said, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011. Sobre as considerações decoloniais, utilizou-se da obra: FANON, Franz. Pele negra,
máscaras brancas. Bahia: Editora EDUFBA, 2008.
15
HARTOG, François. A Covid 19 e as perturbações no presentismo. ArtCultura. Uberlândia,
v. 22, n. 41, p. 50-56, jul.-dez. 2020, p. 54.
182
Na Terceira Margem
16
ÓRIA, Ricardo. História Pública e Monumentos: a narrativa visual do passado nacional.
In: MENEZES, Sonia; ALMEIDA, Janiele Rabêlo de (Orgs.). In: História Pública em debate:
patrimônio, educação, e mediações do passado. São Paulo: Letra e Voz, 2018. p. 33-50
17
IDEM, p. 34.
18
SELIGMANN-SILVA, M. Sobre o anarquivamento – um encadeamento a partir de Walter
Benjamin. In: REVISTA POIÉSIS, 15(24), 35-58, 2018.
183
SABINO, A. C.; ALVES, R. da S. Conversas paralelas: o ensino de História como campo de
diálogo entre o fazer docente e as práticas escolares no LEAH
GIL, Carmem Zeli de Vargas; POSSAMAI, Zia Rosane. Educação Patrimonial: Percursos,
19
concepções e apropriações. In: MOUSEION, Canoas, n. 19, dez. 2014, p. 13-26, p. 21.
184
Na Terceira Margem
que não esteja voltada para formar cidadãos com perfis estabelecidos em uma
dimensão única, mas em dimensões de acesso e na produção e preservação
de diferentes materiais culturais. Essas ponderações também foram indicadas
na projeção desse tema na sala de aula em desconstruir com os estudantes
a imagem dos heróis e dos personagens comemorados na história nacional.
Os professores presentes na sessão também questionaram os usos
da História Pública, os museus e as narrativas visuais em sala de aula. O
professor ressaltou os sujeitos envolvidos nas políticas de preservação do
patrimônio histórico e cultural e como o ensino de História pode ser pensado
como problematização dos usos da memória e dos debates que ressignificam
os processos de sensibilidade e rememoração do passado.
185
PARTE 3
Capítulo 9
FANON, Frantz. Pele Negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador:
1
Edufba, 2008.
187
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
188
Na Terceira Margem
2
OLIVEIRA, Cida. Violência racial: de cada 10 pessoas mortas pela polícia, oito são negras.
Entidades cobram resposta do Estado. São Paulo: Rede Brasil Atual. 04/12/2020, p. 1.
3
BRASIL, Lei n° 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>.
Acesso em: 10 jun. 2020.
189
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
4
OLIVEIRA, Luiz Fernandes. História da África e dos africanos na escola: as perspectivas para a
formação dos professores de História quando a diferença se torna obrigatoriedade curricular.
Tese (Doutorado em Educação). Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010. 281 f.
5
SANTOS, Lorene dos. Saberes e práticas em redes de trocas: a temática africana e afro-brasileira
em questão. Tese (Doutorado em educação). Faculdade de educação. Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010. 334 f.
6
PAULA, Benjamim Xavier de. A educação para as relações étnico-raciais e o estudo da história e
cultura da África e afro-brasileira: formação, saberes e práticas educativas. Tese (Doutorado
em Educação). Faculdade de Educação – FACED. Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia, MG, 2013. 327 f.
7
BORGES, Jorgeval Andrade. A vez da História da África? O ensino de história africana em
escolas públicas da Bahia. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Educação. Salvador, 2014. 316 f.
190
Na Terceira Margem
8
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: Distrito Federal, outubro 2005.
Disponivel em: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/DCN-
s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf.
9
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2013. 562 p.
10
Idem, p. 38.
191
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
11
Entenda o que é racismo institucional. Disponível em: <https://racismoinstitucional.
geledes.org.br/o-que-e-racismo-institucional/>.
12
GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de
atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2ª ed. Brasília:
MEC/SECAD, 2008. p. 17.
192
Na Terceira Margem
GOMES, Nilma Lino. A questão racial nas escolas: desafios colocados pela implementação da
13
Lei 10.639/2003. In: MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Org.). Multicultura-
lismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 10ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
193
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
14
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogía decolonial y
educación anti-racista e intercultural en Brasil. In: WALSH, Catherine (Org.). Pedagogías
decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito, Ecuador:
Ediciones Abya-Yala, 2013. p. 273-303.
15
OLIVEIRA, Luiz Fernandes. História da África e dos africanos na escola: desafios políticos,
epistemológicos e identitários para a formação dos professores de História. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2012. p. 54.
194
Na Terceira Margem
16
ROSA, Maria Inês Petrucci et al. “Currículo e narrativa: potencialidades das mônadas para
uma outra compreensão dos acontecimentos educativos”. In: Currículo sem Fronteiras, 11:1,
Jan./Jun. 2011, p. 203.
17
PAIM, Elison Antonio. Memórias e experiências do fazer-se professor. Tese (Doutorado em
Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São
Paulo, 2005. 532 f.
18
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.
205. (Obras Escolhidas, v. 1).
195
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
por mônadas, “que são centelhas de sentido que tornam as narrativas mais do
que comunicáveis: tornam-se experienciáveis”19. Na definição de Benjamin20:
Em cada mônada estão indistintamente presentes todas as demais.
A ideia é mônada, nela reside, preestabelecida, a representação dos
fenômenos, como sua interpretação objetiva. [...] a ideia é mônada,
isto significa, em suma, que cada ideia contém a imagem do mundo.
A representação da ideia impõe como tarefa, portanto, nada menos
que a descrição dessa imagem abreviada do mundo.
Portanto a mônada capta a totalidade na singularidade, ou seja, na
construção de mônadas como aporte metodológico com base na rememoração
dos grupos subalternizados, nos detalhes mais miúdos das narrativas; há a
chance de recuperar o universal, de escovar a História a contrapelo e superar
a História linear e colonial, na medida em que “a mônada pode revelar o
caráter singular da experiência educativa realizada, sem perder de vista suas
articulações com o universo amplo da cultura em que ela está imersa e com o
olhar subjetivo do pesquisador”21.
Algumas estudiosas de Benjamim ajudam-nos no entendimento
e organização da escrita em formato de mônadas, como as professoras
e pesquisadoras Maria Carolina Bovério Galzerani22 e Cyntia França23.
Alargando a interpretação para entender mônada, a última autora diz
que “a mônada é concebida como a cristalização das tensões nas quais
se inscrevem práticas socioculturais, plurais, contraditórias”24 e que “a
mônada é um fragmento que salta do desenrolar do tempo linear”25;
assim têm-se as imagens monadológicas em narrativas, rememoradas num
tempo não linear.
Ao ler as mônadas, mais precisamente na “Infância em Berlim”, observa-
se que “nessas pequenas narrativas que remetem à infância de Walter Benjamin
é possível vislumbrar a articulação entre o vivido individual do autor e as
esferas sociais mais amplas, valorizando as experiências do passado infantil e
19
ROSA, op. cit., p. 203.
20
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Ed. da UFMG/ Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2007, p. 69.
21
ROSA, op. cit, p. 205.
22
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Imagens que lampejam: contribuições de Walter
Benjamin para a produção de conhecimentos históricos. Encuentro de Saberes. Luchas populares,
resistências Y educación, Buenos Aires-Argentina, v. 1, p. 53, 2013.
23
FRANÇA, Cyntia Simioni. O canto da Odisseia e as narrativas docentes: dois mundos que dialogam
na produção de conhecimento histórico-educacional. Tese (Doutorado) – UNICAMP/FE, São
Paulo, 2015.
24
Idem, p. 105.
25
Ibidem, p. 106.
196
Na Terceira Margem
26
OLIVEIRA, Sil-Lena Ribeiro Calderaro. Antes que o tempo passe tudo a raso: Tambores
matriarcais do grupo de Carimbó Sereia do Mar da Vila Silva em Marapanim, no Pará.
Dissertação (Mestrado) – UFSC/CED/PPGE, Florianópolis. 2017, p. 27.
27
GALZERANI, op cit.
197
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
198
Na Terceira Margem
isso em 2014, ou seja, 11 anos depois da lei, porque não tinha isso,
então nós colocamos história da África enquanto um conteúdo e
história da América antes da chegada dos europeus, também como
um conteúdo. Isso tem gerado muita tensão aqui dentro do campus,
porque, inclusive, vêm pais e vêm alunos fazer abaixo-assinado e etc.
e tal, dizendo que isso não faz parte da nossa realidade, que a gente
não tem que estudar isso, [...]. Aí você tem que mostrar a lei, você tem
que convencer. Então, veja, não é simples, [...] assim como se é aceito
que se trabalhe com o holocausto nazista ou com o império no Brasil,
[...]. Mas ele questiona por que é que a gente tem que trabalhar com os
povos africanos e com os povos originários da América (ADRIANO,
2018).
Não só a Semana da Consciência Negra
Do TCC pra frente, pensei muito sobre relações étnico-raciais. A
gente protagonizou vários trabalhos dentro da escola, de alteração
de currículo mesmo. Eu escrevi uma proposição didática sobre
as memórias no Maciço do Morro da Cruz para que professores
de História pudessem ver aquilo como uma possibilidade de
trabalho. Então de lá pra cá é o que eu tenho feito. Organizado
mesas-redondas na escola, organizando não só a Semana da
Consciência Negra, porque isso se resume a um dia. Eu já estou
desenvolvendo estudos na sala de aula sobre África e tem gente que
vai deixar para novembro (KARLA, 2018).
Então não tivemos escravidão e nem população indígena
[...] se entende aqui no Sul que, como somos todos europeus, existe
um vazio demográfico e um lapso no tempo, que quando Cabral
chegou aqui, acho que já deixou um alemão e um italiano aqui na
região [...]. Essa simplificação histórica faz com que os alunos…
reforçada dentro das casas das famílias, de que somos um estado
de imigrantes, somos um estado de gente trabalhadora, então não
tivemos escravidão e nem população indígena. Isso você nega todos
os conflitos que tiveram nesse território, que vão desde a ocupação
no século XVI até o Contestado no século XX. Então, a nossa
história aqui, que é o berço do Contestado [...] ela nega inclusive
a presença de indígenas. [...] muito mais do que um problema
pedagógico, é um problema político e social (ADRIANO, 2018).
Quanto às relações dos narradores e narradoras, também podemos
perceber que sofrem o racismo estrutural e epistêmico ou o privilégio
da branquitude mesmo que não assim nomeadas; são extremamente
determinantes em suas escolhas até profissionais:
Do lugar que eu venho, a escola foi muito racista comigo, muito
violentadora.
199
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
200
Na Terceira Margem
201
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
202
Na Terceira Margem
negra pra saber o que que é”, sabe... Claro que, quando eu tô lá
no pré-vestibular, eu já posso falar... Eu tô me direcionado a outro
grupo, um grupo que conhece desde que nasceu o que é o racismo
na sociedade. Já os alunos brancos, eles têm dificuldade de entender
que o racismo existe. Eles não conhecem o racismo porque eles não
são o alvo. [...] Não é uma aula que flui naturalmente, tem que ter
estudo antes (JULIANA, 2018).
Ressaltamos nas mônadas a presença determinante da colonialidade
do poder, do saber e do ser que subjuga identidades e também memórias,
cometendo o que alguns estudiosos do pensamento decolonial vão denominar
de memoricídio.
Por outro lado, a questão de gênero se faz gritante quando
aprofundamos o debate sobre racismo, patriarcado e colonialismo. A solução
é analisarmos criticamente o racismo entrecruzado com gênero através do
recurso teórico-metodológico da interseccionalidade29, tendo em vista que
na vida social essas questões não aparecem separadas, como nos ilustra a
mônada sobre as escritoras negras:
Um projeto pra valorizar as mulheres escritoras negras do Brasil
Esse ano a gente fez uma pesquisa com o oitavo ano, um projeto pra
valorizar as mulheres escritoras negras do Brasil, muito legal eles
pesquisaram, eu mandei e-mail, os alunos mandaram e-mails para
essas escritoras, às vezes elas têm livros que não são conhecidos,
mas elas existem, elas têm blog, aí os alunos leram, falaram sobre
elas, então queira ou não queira, também é gênero, a questão das
mulheres escritoras e negras. [...] Aqui na escola, toda série entra
o assunto que dá pra ti relacionar, [...] e a escola como um todo
também abraça o projeto e trabalha; independente da disciplina
a gente tem que trabalhar esses temas [...] a gente recebeu uns
materiais também que são importantes do Estado, foi produzido “A
África está em nós”, tem um coleçãozinha, bem bons, que a Gerusa
(uma das escritoras brasileiras pesquisadas pelos alunos) organizou,
tem muita coisa ali da cultura brasileira, afro-brasileira, [...] além do
livro didático que a gente trabalha mais específico, em História já
produzi bonequinhas com os alunos. Esse ano o que que eu fiz, eu
convidei um professor de História que trabalha em Biguaçu, que fez
o mestrado dele, acho que tá terminando, movimento negro era o
tema da pesquisa dele em Santa Catarina, [...] ele veio e falou com
alunos do sexto e nono, deu uma palestra, bem legal, sobre o Dia
da Consciência Negra, falou do racismo, há necessidade da gente
falar sobre o racismo, porque o racismo existe, [...] como resultado,
203
PAIM, E. A.; ARAUJO, H. M. M. Narrativas de professoras/es sobre memórias e experiências
de trabalho com cultura e história de matriz africana
30
CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções,
tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.
31
CANDAU, Vera; SACAVINO, Susana (orgs.). Educação: temas em debate. 1 ed. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2015.
32
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.).
Epistemologias do Sul. Coimbra – Portugal: Almedina, 2009. p. 23-71.
204
Na Terceira Margem
33
Idem.
34
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
35
WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir
e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América latina: entre
concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009. p. 12-42.
205
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
Capítulo 10
Início da conversa
Este artigo foi urdido pelas mãos de dois pesquisadores que estão
em países separados1: Moçambique e Brasil, mas dividimos nossas
inquietações, intercambiamos experiências, partilhamos as singularidades
de nossas culturas, entrecruzamos as visões de mundo, de tempo e de
espaços nessa produção. No momento da tecitura deste texto, vivemos
a pandemia provocada pelo novo vírus Corona, denominado Covid-19,
Devido à pandemia, a viagem de estudos para o Brasil foi prorrogada para o próximo ano.
1
206
Na Terceira Margem
2
A maioria “iletrados”.
3
BOSI, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
4
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: História Geral da África, I: metodologia e pré-
história da África. Editado por Joseph Ki-Zerbo. São Paulo: Ática; UNESCO, 1982. p. 181-218.
5
Ibidem.
6
A noção de público será utilizada neste artigo a partir das ideias de Hannah Arendt,
desenvolvidas na obra Condição Humana, que remete a dois sentidos: primeiro, aquilo que
se torna visível – o que vem a público – que pode ser visto e ouvido por todos. “A presença de
outros que veem o que vemos e que ouvem o que ouvimos garante-nos realidade do mundo e
207
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
de nós mesmos” (2000, p. 39). Esse conceito remete à ideia da intersubjetividade e pluralidade
humana. O segundo sentido está vinculado à ideia do mundo compartilhado entre os homens,
uma vez que para a autora o termo “público” significa o próprio mundo na medida em que é
comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (2000, p. 62).
7
GALZERANI, Maria Carolina B. Pesquisa em Ensino de história: Saberes e Poderes na
Contemporaneidade. In: SILVA, Marcos (Org.). História: Que ensino é esse? Campinas-SP:
Papirus, 2013.
8
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
9
Ibidem, p. 154-155.
10
Para entendermos melhor, é pensar no Brasil, o estado do Rio de Janeiro e a capital Rio de
Janeiro.
208
Na Terceira Margem
11
NOTICE Joaquim. Pinturas Rupestres de Chinhamapere: uma perspectiva da preservação
do patrimônio sociocultural de Moçambique no contexto da gestão ambiental. Maputo
2015; JOPELA, A. J. Custódia tradicional do património arqueológico da província de Manica:
experiências e práticas sobre as pinturas rupestres no distrito de Manica, 1943-2005. 2006.
80 f. Dissertação (Licenciado em História) – Faculdade de Letras e Ciências Sociais,
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE, Maputo, 2006.
12
JOPELA, A. J. Custódia tradicional do património arqueológico da província de Manica:
experiências e práticas sobre as pinturas rupestres no distrito de Manica, 1943-2005, op. cit.
13
NOTICE Joaquim. Pinturas Rupestres de Chinhamapere: uma perspectiva da preservação do
patrimônio sociocultural de Moçambique no contexto da gestão ambiental, op. cit.
14
MUCHANGOS, A. Moçambique: regiões e paisagens naturais. Maputo: autor, 1999.
209
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
15
NOTICE Joaquim. Pinturas Rupestres de Chinhamapere: uma perspectiva da preservação do
patrimônio sociocultural de Moçambique no contexto da gestão ambiental, op. cit.
16
Idem, p. 369.
17
Lei nº 10/88: Determina a proteção dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural
moçambicano.
210
Na Terceira Margem
18
Resolução nº12/97: Aprova a Política Cultural e Estratégia de suas Implementações.
19
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, EDUNESP, 2001.
20
POULOT, Dominique. História, Memória, Patrimônio. In: Uma história do patrimônio no
ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009; CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio,
op. cit.
21
ROVAI, M. G. O. Políticas Públicas Culturais e tradição popular: uma refelxão sobre
caminhos trilhados e sonhados. In: SANTHIAGO, Ricardo; ALMEIDA, Juniele Rabelol;
MAUAD, Ana Maria (Org.). História Pública no Brasil: sentidos e itinerários. 1 ed. São Paulo:
Letra e Voz, 2016. v. 1, p. 248.
22
Ibidem.
211
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
23
PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, Ricardo. Desafios teórico-metodológicos da relação
educação e patrimônio. Resgate, Campinas, v. XX, n. 23, p. 161-171, jan./jun. 2012.
24
NOTICE, Joaquim. Pinturas Rupestres de Chinhamapere: uma perspectiva da preservação
do patrimônio sociocultural de Moçambique no contexto da gestão ambiental, op.
cit.; SAETERSDAL, T. Places, people and ancestors: archaeology and society in Manica,
Mozambique. Tese de Doutoramento. Bergen: University of Bergen, 2004.
25
FONSECA, Maria Cecília. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de
patrimônio cultural. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Org.). Memória e patrimônio:
ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 56-76.
26
LOWY, Michel. Walter Benjamin. Aviso de Incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de
história”. São Paulo: Boitempo, 2004.
27
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
212
Na Terceira Margem
28
Ibidem.
29
Ibidem.
30
Idem, p. 239.
31
Idem, p. 221.
32
LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura Acústica e Letramento em Moçambique: em busca de
fundamentos antropológicos para uma educação intercultural. São Paulo: EDUC, 2004.
213
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
33
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
34
Idem, p. 214-215.
35
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
36
Idem.
37
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva,
FAPESP, Campinas-SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2011; GAGNEBIN,
Jeanne Marie. Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Editora 34,
2014; GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar Escrever Esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006.
38
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar Escrever Esquecer, op. cit., p. 66.
214
Na Terceira Margem
39
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit., p. 200.
40
PADILHA, Laura Cavalcante. Novos Pactos, Outras ficções: ensaios sobre literaturas afroluso-
brasileiras. Porto Alegre: EDIPUCRS (Coleção Memória de Letras), 1995.
41
LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura Acústica e Letramento em Moçambique: em busca de
fundamentos antropológicos para uma educação intercultural, op. cit., p. 177.
42
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
215
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
43
LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura Acústica e Letramento em Moçambique: em busca de
fundamentos antropológicos para uma educação intercultural, op. cit., p. 178.
44
LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura Acústica e Letramento em Moçambique: em busca de
fundamentos antropológicos para uma educação intercultural, op. cit.
45
Ibidem.
46
Na sociedade moçambicana, a memória transmitida para as futuras gerações não é mecânica;
é uma memória social baseada numa reconstrução criativa. As criações coletivas são
emanadas de uma comunidade, fundadas sobre a tradição, transmitidas pela narrativa oral e
modificadas através do tempo por um processo de recriação coletiva por suas comunidades. A
narração de obras verbais constitui um processo de criação continua, que conta reordenações
e deslocamentos numa intensa atividade da imaginação e criação intelectual (Idem, p. 168)
47
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit., p. 205.
48
Idem, p. 204.
216
Na Terceira Margem
49
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
50
Idem, p. 205.
51
THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
52
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
53
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A Tradição Viva. In: História geral da África, I: Metodologia e
pré-história da África / editado por Joseph Ki -Zerbo, 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.
Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190249por.pdf>. Acesso
em: 10 jun. 2020.
217
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
54
Idem, p. 176.
55
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
56
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2000; PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, Ricardo. Desafios teórico-metodológicos da
relação educação e patrimônio, op. cit.
218
Na Terceira Margem
57
CIAMPI, H. Mediações entre Ensino de História e Patrimônio. In: ZAMBONI, E.;
GALZERANI, M. C. B.; PACIEVITCH, C. (Orgs.). Memória, sensibilidades e saberes.
Campinas, SP: Alínea, 2015. p. 64-75.
58
GUIMARÃES, Maria de Fátima. Patrimônio Cultural e Ensino de História: problematizando
a colonização do presente pelo passado. In: Ernesta Zamboni; Maria Carolina Bovério
Galzerani; Caroline Pacievitch (Org.). Memória, sensibilidades e saberes. 1 ed. Campinas:
Editora Alínea, 2015. v. 1, p. 90-102.
59
PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, Ricardo. Desafios teórico-metodológicos da relação educação e
patrimônio, op. cit., p. 167.
60
Idem, p. 166.
219
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
legados, ou seja, como algo que se resgata tal qual teria sido no passado.
Assim, a atuação dos estudantes estaria restrita a aprender a história daquele
patrimônio e simplesmente preservá-la. Benjamin tece uma crítica ao modo
de conceber o passado como regaste, pois entende que não podemos
recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja bom assim.
O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato
momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa
saudade. Mas é por isso que a compreendemos, e tanto melhor,
quanto mais profundo jaz em nós o esquecido. Tal como a palavra
que ainda há pouco se achava em nossos lábios, libertaria a língua
para arroubos demostênicos, assim o esquecido nos parece pesado
por causa de toda a vida vivida que nos reserva. Talvez seja a
mistura com a poeira de nossas moradas demolidas o segredo que
o faz sobreviver61.
Na perspectiva benjaminiana, a preocupação não é com o resgate do
passado como a visão da historiografia historicista, mas com a ampliação
desse passado, de modo que não sejam apagadas possibilidades “outras” que,
na relação/encontro com o presente, possam ser trazidas outras memórias,
reescritas múltiplas histórias e acolhidos outros patrimônios culturais.
A acepção de patrimônio cultural como resgate é completamente
contrária à ideia benjaminiana, visto que ela impossibilita os estudantes de
(re)elaborarem os sentidos produzidos na relação com seus patrimônios
culturais. A historiadora Nara Rubia de Carvalho compreende que a ideia do
patrimônio cultural em uma perspectiva de preservação, “enquanto resgate
de um legado, não permite uma relação dialética entre as dimensões presente
e passado e nos remete à ideia benjaminiana do cortejo dos vencedores no
continuum da história”62.
Ampliando essa reflexão, a historiadora Junia Sales Pereira e o
historiador Ricardo Oriá ressaltam que a ideia de patrimônio como herança/
legado, como transmissão de algo para outra geração, está muito ligada a
uma noção de sujeito que apenas recebe a cultura material/imaterial e deverá
apenas preservar, mas muitas vezes não se relaciona com ele, ou seja, os
estudantes não se enxergam na relação com o patrimônio cultural, tornam-se
apenas espectadores.
Sabemos que o patrimônio cultural “não prescinde de pessoas. Ele não
está apenas no objeto” (pinturas rupestres), mas é uma “produção coletiva de
61
BENJAMIN, Walter. Rua de Mão Única. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e José
Carlos Martins Barbosa. 5 ed. v. 2. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 104-105.
62
CUNHA, Nara Rúbia de Carvalho. Chão de pedras, céu de estrelas: o Museu-Escola do Museu
da Inconfidência, Ouro Preto, década de 1980. 2011. 210 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
220
Na Terceira Margem
63
VIEIRA, Bruno Felippe. A agonia do patrimônio imagens ambivalentes na cidade de Amparo
(década de 1980). 2011. 236 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação, Campinas, São Paulo.
64
PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, Ricardo. Desafios teórico-metodológicos da relação educação e
patrimônio, op cit.
65
PAIM, Aida R.; PAIM, Elison; GUIMARÃES, Maria de Fátima; GALZERANI, Maria
Carolina B. Tessitura de Memórias e Histórias Educacionais: Projeto Marcos Históricos e
Geográficos de Campinas/SP. Revista Memória em Rede, v. 2, p. 1-15, 2012.
221
FRANÇA, C. S.; JAQUETE, I. F. Produção de conhecimento histórico-educacional no diálogo
com as narrativas dos mestres moçambicanos
66
PAIM, Aida R.; PAIM, Elison; GUIMARÃES, Maria de Fátima; GALZERANI, Maria
Carolina B. Tessitura de Memórias e Histórias Educacionais, op. cit.
67
PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, Ricardo. Desafios teórico-metodológicos da relação educação e
patrimônio, op cit.
68
HADLER, Maria Silva Duarte; BERNARDES, Maria Elena. Memória e escola: olhares
sensíveis para um patrimônio cultural. Revista Horizontes, n. 35, (1), 59-70. 2017.
69
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política, op. cit.
222
Na Terceira Margem
70
GAY, Peter. A Experiência Burguesa: da Rainha Vitória a Freud. A Educação dos Sentidos. São
Paulo-SP: Cia das Letras, 1988.
71
HADLER, Maria Silva Duarte; BERNARDES, Maria. Elena. Memória e escola: olhares
sensíveis para um patrimônio cultural, op. cit.
72
GALZERANI, Maria Carolina B. A cidade como espaço de aprendizagem da história: em
foco um projeto de educação patrimonial. In: SANTOS, Lucíola L.; DALBEN, Ângela;
DINIZ, Júlio; LEAL, Leiva (Orgs.). Convergências e tensões no campo da formação e trabalho
docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Disponível em: < http://endipe.fae.ufmg.br/
livros/Livro_6.PDF>.
223
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
Capítulo 11
I
Arlette Farge reconhece no arquivo a pluralidade e abundância
1
1
Com rigor e amplo conhecimento, Arlette Farge analisa o uso dos arquivos e suas relações
com a escrita da História a partir de sua experiência com documentos policiais da França do
século XVIII. Reflexões densas e profundas que trazem os desafios metodológicos de lidar
com a vastidão da materialidade das fontes arquivísticas e nos permitem, para além, pensar
outras instituições de memória, embora reconhecendo as diferenças entre arquivos, museus,
centros de documentação e outros acervos. Cf. FARGE, Arlette. [2009] O sabor do arquivo.
Trad. Fátima Murad. São Paulo: EDUSP, 2017.
2
Idem, p. 20.
224
Na Terceira Margem
3
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Trad. Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-
Rio, 2006. p. 188.
4
HELLER, Agnes. [1981] Uma teoria da história. Trad. Dilson Bento de Faria Ferreira Lima.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. p. 102.
5
ROUDINESCO, Elisabeth. A análise e o arquivo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2006. p. 9.
6
FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. Op. cit, p. 15.
225
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
II
Seria apenas mais uma manhã de aula numa escola marcada pela
vulnerabilidade social na cidade de Porto Nacional/TO. Entretanto, para
os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, a rotina escolar foi
interrompida dando lugar à atividade em outro ambiente educativo. O
simples fato de sair da sala de aula e dos limites da escola é um evento a
ser comemorado; a euforia ganha destaque durante a espera pelo transporte.
Movidos entre a curiosidade e o lamento, alunos de outras turmas olham a
movimentação atípica dos felizardos do dia que irão “passear”, ainda que
sem saber ao certo o destino e a finalidade. Aos gritos e pulos comemoram
a chegada do transporte. Os que não cabem na van apertam-se nos veículos
dos professores, que se desdobram para tornar possível a atividade. Apesar de
absolutamente desconhecido para a maioria das alunas e alunos, o destino é
relativamente próximo. No caminho até a Universidade Federal do Tocantins
se conversa de tudo um pouco, exceto sobre a aula de História.
No reconhecimento do lugar, os visitantes olham admirados; a
universidade impressiona pelos prédios e estrutura das salas. Guiados pelos
PEREIRA, Nilton Mullet; PAIM, Elison Antônio. Para pensar o ensino de história e os
7
226
Na Terceira Margem
Cf. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Em 1926, vivendo no limite do tempo. Trad. Luciano Trigo.
8
Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2000; GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera,
ambiência, Stimmung: Sobre um potencial oculto da literatura. Trad. Ana Isabel Soares. 1. ed.
Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC Rio, 2014.
227
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
9
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivística: objetos, princípios e rumos. São Paulo: Associação
de Arquivistas de São Paulo, 2002. p. 22.
10
Cf. Idem, p. 29-37.
11
NAXARA, Márcia. Traços do passado: inventariar, preservar, classificar e narrar histórias.
In: NAXARA, Márcia. Fragmentos da identidade Brasil: espaços, escritas, paisagens. São Paulo:
Intermeios; Brasília: CAPES, CNPq; Curitiba: Fundação Araucária; Campinas: Unicamp-
PPGH, 2018. p. 214.
228
Na Terceira Margem
12
Esse termo é um acrônimo formado pelas iniciais dos respectivos estados: Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia. Trata-se de uma fronteira agrícola ou projeto de exploração
agrícola sobre uma região construída, que corresponde a um espaço geográfico que atinge
parcialmente os quatro estados. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-
emprego/2015/10/matopiba-se-consolida-como-nova-fronteira-agricola-do-pais>. Acesso
em: 09 mar. 2016.
13
LANGOLIS, Charles V.; SEIGNOBOS, Charles. Introdução aos estudos históricos. São Paulo:
Ed. Renascença S. A., 1946. p. 21-22.
14
DROYSEN, Johann Gustav. Manual de teoria da história. Petrópolis-RJ: Vozes, 2009. p. 46.
229
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
Para ele, o esclarecimento do passado passa pela exploração daquilo que “ainda
está disponível no tempo presente em estado latente”15 – é justamente nessa
dimensão do que “ainda está disponível” que residiria o valor dos arquivos
e seu papel na gestão do patrimônio documental. Apesar das críticas que se
pode fazer aos modelos da época, não se pode ignorar que os arquivos e seus
acervos tornaram-se mais acessíveis. Nas palavras de Belotto, no século XIX,
“firmava-se e consolidava-se a aproximação entre os documentos de arquivos e
a historiografia”16. De lá para cá, essa aproximação ganhou muitos contornos.
Retomando a nossa aula/visita, a técnica de microfilmagem, em
certo sentido obsoleta, mostrou-se excelente abertura para os diversos
aspectos referentes às práticas arquivísticas, documentais e patrimoniais. O
recurso, outrora relevante para muitos pesquisadores/professores, assistiu ao
surgimento de outras técnicas, como a própria expansão da informática e a
digitalização, e nos permitiu a reflexão sobre as transformações técnicas e as
suas relações com a produção do conhecimento histórico ao longo do tempo.
Sobre a microfilmagem:
Quando essa possibilidade técnica apareceu, expandiu-se
bastante – e em algumas cidades e instituições quase virou moda
microfilmar toda a documentação antiga e, em seguida, jogar fora
a papelada original, porque ela ocupava muito espaço e juntava
traças [...]. Mas isso significava (e significa), também, um trabalho
permanente de preservação de microfilmes, com climatização e
garantia de higiene. Sem isso o material se deteriora num ritmo
muito mais acelerado do que o papel original, com a perda de
informações preciosas [...]. Por outro lado, o microfilme –
assim como os recursos computacionais – jamais substitui (nem
substituirá) a materialidade dos documentos originais17.
Os alunos conheceram, de maneira geral e em linguagem apropriada,
formas de se arquivar, as diferenças entre o documento físico, microfilmado e
digitalizado, além dos cuidados específicos de cada recurso para a conservação
e guarda. Na prática, perceberam como o suporte modifica a forma de ler,
pesquisar, interpretar e se relacionar com o documento. Nenhuma reprodução,
apesar de seu valor, é capaz de substituir a materialidade do documento
original. Percepção de que a reprodução microfilmada, se comparada ao
original, conforme Farge, “é um pouco letra morta, ainda que se revele
necessária”18. Mudanças e “técnicas impiedosas” que modificam o suporte,
15
Idem, p. 78-79.
16
BELLOTO. Arquivo, op. cit., p. 72.
17
SILVA, Marco; GUIMARÃES, Selva. Ensinar história no século XXI: em busca do tempo
entendido. Campinas-SP: Papirus, 2012. p. 119.
18
FARGE. O sabor do arquivo, op. cit., p. 22.
230
Na Terceira Margem
Idem, p. 22-23.
19
Ibidem.
20
231
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
Cf. SEFFNER, Fernando; PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de história: passados vivos e
21
educação em questões sensíveis. In: Revista História Hoje, v. 7, n. 13, p. 14-33, 2018.
232
Na Terceira Margem
22
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas memórias: para que servem o
ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida [et al.] (org.). Qual o
valor da história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 31.
23
WANDERLEY, Sonia. Didática da História Escolar: Um debate sobre o caráter público da
história ensinada. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo; MENESES, Sônia (org.). História Pública
em debate: Patrimônio, educação e mediações do passado. São Paulo: Letra e Voz, 2018. p.
96-97.
24
PENNA, Fernando de Araújo; FERREIRA, Rodrigo de Almeida. O trabalho intelectual
do professor de história e a construção democrática: Práticas de História Pública frente à
Base Nacional Comum Curricular e ao Escola sem Partido. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo;
MENESES, Sônia (org.). História Pública em debate, op. cit., p. 109.
25
Cf. PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo:
Brasiliense, 2009.
233
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
correlatas não apenas como lugares de guarda, mas espaços sociais que,
nas relações com o ensino de História, podem dinamizar a aprendizagem
histórica, o compromisso ético e a formação identitária da comunidade.
Da aula/visita, interessante destacar a escolha dos jornais, em parte
mobilizada pela perspectiva do historiador e arquivologista Richard Cox e na
importância, por ele atribuída, de que “os profissionais dos arquivos pensem
também nas emoções que possam estar associadas mesmo ao documento
aparentemente mais prosaico”26. Do Centro de Documentação, os jornais,
atravessando mais de um século, puderam ser confrontados e inquiridos pelos
alunos do Ensino Fundamental do norte do Brasil, como se a “prova do que
foi o passado estivesse ali”. Sentimentos que nos remetem a Arlette Farge
quando sugere uma forma de apreensão do documento mais pela emoção
do que propriamente pela análise: “Quem tem o sabor do arquivo procura
arrancar um sentido adicional dos fragmentos de frases encontradas; a emoção
é um instrumento a mais para polir a pedra, a do passado, a do silêncio”27.
O contato com os periódicos provocou sentimentos e aprendizagens
significativas. Além da alteridade e atenção aos sofrimentos de outrora,
vincularam presente e passado. Dos arquivos, as palavras e imagens
“contam vidas”. Aprendemos com Farge que, entre os ditos, o trabalho do
historiador – e acrescentamos do professor – faz-se móvel, cambiante. É
preciso captar as agruras do tempo, do vivido e do presente: “a dor significa,
e a maneira como a sociedade a capta ou a recusa”28 diz muito. Afinal, a
objetividade da História pode também residir na possível inteligibilidade do
que vem perturbar sua serenidade e linearidade, assumindo a “irrupção das
dores evocadas”, ou melhor, a emoção não é um “revestimento pretensioso
que torna insípido o objeto que recobre, é um estupor da inteligência que
também se trabalha e se ordena”29.
Como nos diz Verena Alberti, o ensino de questões sensíveis e
controversas “não tem como objetivo chocar ou apenas dar a conhecer eventos
chocantes do passado. O objetivo é suscitar a reflexão dos alunos. É preciso
saber passar de fase nesse jogo: da sensibilização para a reflexão”30. Mais do que
26
COX, Richard J. Arquivos pessoais, um novo campo profissional: leituras, reflexões e
reconsiderações. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. p. 85.
27
FARGE. O sabor do arquivo, op. cit., p. 37.
28
FARGE, Arlette. Lugares para a história. Trad. Fernando Scheibe. 1. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2015. p. 19.
29
FARGE, Arlette. Lugares da história, op. cit., p. 22-23.
30
ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas.
Palestra proferida no IV Colóquio Nacional História Cultural e Sensibilidades, realizado no
Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em Caicó (RN), de 17 a 21 de novembro de 2014, p. 3. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/10438/17189>. Acesso em: 12 fev. 2019.
234
Na Terceira Margem
31
Cf. SEFFNER, Fernando; PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de história: passados vivos e
educação em questões sensíveis. In: Revista História Hoje, v. 7, n. 13, p. 14-33. 2018. Disponível
em: <https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/427/275>. Acesso em: 07 fev. 2019;
PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de História, dever de memória e os temas sensíveis. In:
Anais do II Seminário de Educação, Conhecimento e Processos Educativos. Disponível em: <http://
periodicos.unesc.net/seminarioECPE/index>. Acesso em: 07 dez. 2018.
32
FARGE, A. O sabor do arquivo, op. cit., p. 20-21.
235
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
33
ANHEIM, Étienne. Arquivos singulares – o estatuto dos arquivos na epistemologia
histórica. Uma discussão sobre A memória, a história, o esquecimento, de Paul Ricoeur.
In: HEYMANN, Luciana; NEDEL, Letícia (org.). Pensar os arquivos: uma ontologia. Rio de
Janeiro: FGV, 2018. p. 131.
34
Cf. NUNES, Radamés Vieira. Francisco Ayres, lembranças de um porvir: Porto Nacional e a
modernização no norte de Goyaz. 2016. Tese (Doutorado em História) – Pós-graduação em
História, Linha Política e Imaginário, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.
35
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivo: estudos e reflexões. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2014. p. 142.
36
SEIXAS, Jacy Alves de. Tênues Fronteiras de Memórias e Esquecimentos: A imagem do
brasileiro jecamacunaímico. In: GUTIÉRREZ, Horacio; NAXARA, Márcia; LOPES, Maria
Aparecida de S. (orgs.). Fronteiras: paisagens, personagens, identidades. Franca: UNESP; São
Paulo: Olho D’Água, 2003. p. 166.
236
Na Terceira Margem
XIX, vindo a ter, posteriormente, seu nome atribuído a uma das principais
avenidas da cidade. O homenageado era acusado de perseguir abolicionistas
e escravizar Faustino Pereira de Oliveira, que se dizia livre e lutou na justiça
pelo direito à sua liberdade.
O episódio, de ampla repercussão, foi acompanhado pelos principais
jornais goianos, tornando-se símbolo do jogo de forças travado entre a população
goiana sobre como as ideias abolicionistas se assentariam em Goiás.37 Entre
outros aspectos, os alunos conheceram parte das tramas de poder e liberdade
da antiga cidade Porto Imperial, nomeada Porto Nacional após a Proclamação
da República.38 Entre outros desdobramentos, ganha destaque a (in)visibilidade
conferida a alguns personagens no espaço urbano da cidade.
Arquivos e instituições correlatas assumem protagonismo na proteção e
guarda de fontes documentais importantes para as histórias locais e regionais,
o que para Farge colabora para “tirar do esquecimento existências que jamais
foram lembradas”39, como é o caso dos anônimos portuenses que perderam a
vida pela causa abolicionista e de Faustino Pereira de Oliveira, que ganhou na
justiça o direito à liberdade. Aos alunos ampliou-se a percepção de que não se
tratava de algo distanciado, mas da presença do passado no presente da cidade.
Questões que se relacionam com memórias em disputa e a estranha presença
de um passado que não passa. O passado que insiste, persiste e sobrevive no
presente nunca é o mesmo – o que resta atualiza-se como na metáfora do
passageiro clandestino:
Numa situação de latência, sempre há um passageiro clandestino
[...]. É impossível dizermos com precisão de onde nos vem a certeza
dessa presença, tampouco sabemos afirmar exatamente onde
está agora aquilo que é latente [...], aquilo que está latente sofre
transformações durante o tempo em que permanece oculto. Um
passageiro clandestino envelhece, por exemplo40.
Do encontro com o vivido, a avenida Joaquim Ayres da Silva, parte do
centro comercial da cidade, passa a ter outros significados. De um lado, as
tensões dos últimos anos da escravidão no norte; do outro, os silenciamentos
37
Publicador Goyano. Goyaz, 2/08/1885, p. 4; Publicador Goyano. Goyaz. Goyaz, 10/04/1886,
p. 4; Goyaz, 11/12/1886, p. 3-4; Goyaz. Goyaz, 03/12/1886, p. 2-3; Goyaz. Goyaz,
18/11/1887, p. 1; Goyaz. Goyaz, 16/08/1888, p. 4; A união. Goyaz, 7/04/1888.
38
NUNES, Radamés Vieira. Abolição, poder e liberdade no Norte de Goyaz. In: Opsis (on-line).
Catalão, v. 19, n. 1, jan/jun/2019. ISSN2177-5648, DOI 10. 5216/ o.v19i1.53833.
39
FARGE. O sabor do arquivo, op. cit., p. 21.
40
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945: latência como origem do presente. Trad.
Ana Isabel Soares. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 40. Difícil não lembrar dos
movimentos antirracistas que ganharam força em 2020, deflagrados em grande parte pelo
assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, acirrando, no presente, os debates e
disputas em torno do espaço urbano.
237
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
41
FARGE, Arlette. Lugares para a história, op. cit., p. 129.
42
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2011. p. 120.
43
PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio cultural, op. cit., p. 112-113.
44
HADLER, Maria Sílvia Duarte; PINTO JR. Arnaldo. Patrimônio, memória e educação. In:
KOYAMA, Adriana Carvalho; PARRELA, Ivana Denise (Org.). Arquivos, memórias sensíveis e
educação. Belo Horizonte: Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, 2019. p. 181.
45
Jornal do Povo; Norte de Goyaz; Folha do Norte.
238
Na Terceira Margem
III
“O trabalho com fontes é tão importante para as aulas de História quanto
são as experiências em laboratório para as aulas de Química, Física ou Biolo-
gia”, já dizia Verena Alberti, procurando afastar a imagem deformada do conhe-
cimento da História como repertório fechado de informações a serem transmiti-
das. O contato com a oficina da História permite ampliar o conhecimento sobre
o passado e possibilita, na prática, a percepção de como se constitui o saber
histórico. Nos arquivos, com a mediação dos professores, os estudantes podem
explorar a complexidade do passado a partir de fontes indiciárias de situações
vividas e diversas formas de ser e de agir. 48 Prática que estimula a formulação
de perguntas, o que possibilita uma maior compreensão das formas pelas quais
determinados vestígios foram produzidos, recolhidos, preservados, classificados
e transformados em documentos históricos para conhecer o passado.
Importante considerar que a prática do ensino de História não pode ser
desvinculada da prática de pesquisa. É fundamental o contato dos estudantes
com diversos tipos de documentos para a percepção da necessidade do trabalho
de pesquisa do historiador para a construção do conhecimento histórico.49 Não
se trata de formar pequenos historiadores, mas de assinalar que os arquivos
e as fontes são o resultado de “operações políticas e de sentido”50 e que são
os procedimentos teóricos e metodológicos dos historiadores que atribuem
significados aos documentos, ou seja, “evidência e história não existem ou
não se evidenciam por si mesmas, mas aguardam quem as construa e as
46
BELLOTTO. Arquivo, op. cit., p. 141-142.
47
NAXARA, Márcia. Traços do passado: inventariar, preservar, classificar e narrar histórias.
In: NAXARA, Márcia. Fragmentos da identidade Brasil: espaços, escritas, paisagens. São Paulo:
Intermeios; Brasília: CAPES, CNPq; Curitiba: Fundação Araucária; Campinas: Unicamp-
PPGH, 2018. p. 219.
48
ALBERTI, Verena. Fontes. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA, Margarida
Maria dias de (coord.). Dicionário de ensino de história. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2019. p.
107-112.
49
Cf. SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo:
Scipione, 2004.
50
ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. História: A arte de inventar o passado. Ensaios de
teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007. p. 25.
239
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
51
CAMILOTTI, Virgínia & NAXARA, Márcia. História e Literatura – fontes literárias na
produção historiográfica recente no Brasil. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 50, p.
15-49, jan./jun. 2009, p. 42.
52
BELLOTO. Arquivo, op. cit., p. 473.
53
Idem, p. 135.
240
Na Terceira Margem
54
PROST, Antoine. [1996] Doze lições sobre a história. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira.
2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. p. 13.
55
NAXARA, Márcia. Traços do passado, op. cit., p. 219.
56
COX, Richard J. Arquivos pessoais, um novo campo profissional, op. cit., p. 79.
57
Idem, p. 459.
58
FARGE. O sabor do arquivo, op. cit., p. 12.
59
Idem, p. 36.
60
HARTOG, François. Evidências da história: o que os historiadores veem. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2011. p. 233.
241
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
61
KETELAAR, Eric. (Des)construir o arquivo. In: HEYMANN, Luciana; NEDEL, Letícia.
Pensar os arquivos: uma ontologia. Rio de Janeiro: FGV, 2018. p. 198.
62
HADLER, Maria Sílvia Duarte; PINTO JR., Arnaldo. Patrimônio, memória e educação, op.
cit., p. 182-183.
63
ANHEIM, Étienne. Arquivos singulares – o estatuto dos arquivos na epistemologia histórica,
op. cit., 135-136.
64
COOK, Terry. O passado é prólogo: uma história das ideias arquivísticas desde 1898 e a futura
mudança de paradigma. In: HEYMANN, Luciana; NEDEL, Letícia. Pensar os arquivos: uma
ontologia. Rio de Janeiro: FGV, 2018. p. 37-38.
242
Na Terceira Margem
IV
O cenário atual favorece a relação entre o ensino de História e os
arquivos. As novas tecnologias digitais, cada vez mais presentes na educação e
nas instituições de memória, as transformações no pensamento arquivístico, as
mudanças no campo disciplinar da História, preocupadas cada vez mais com o
ensino e a aprendizagem histórica. Configurações que permitem que o diálogo
entre instituições escolares e instituições de memória possa ser mais do que visita
de sequência de curiosidades desconexas alheias ao ensino e às demandas sociais.
Mudanças importantes, em especial, quando pensamos nos usos
políticos do passado, no anti-intelectualismo e nos ataques à História e seus
profissionais. Resta ainda nesse tempo de incertezas e disputas de memória
saber explorar a capacidade efetiva e afetiva dos arquivos em seu papel
pedagógico e social. Aproximação e acolhida que, mais do que despertar,
procuram abrir-se à comunicação com diferentes grupos sociais produtores
de histórias e que devem ser vistos “como iguais no diálogo e na produção de
sentido para o estar no tempo”66.
Importa considerar que a cultura histórica nem sempre está relacionada
diretamente ao campo da historiografia e à intervenção dos historiadores; é
constituída por diferentes sujeitos históricos atravessados por formas plurais
de interpretar a experiência temporal de seu mundo e de si mesmos, de
forma que possam orientar sua vida prática no tempo.67 Importa reconhecer
que o conhecimento historiográfico é uma possibilidade científica, mas não
a única maneira de “os homens encontrarem sentido para sua existência
e construírem representações para o estar no tempo”. Abrir-se ao diálogo
com outros espaços e lugares sociais é também considerar a importância
do diálogo com outras histórias que constituem a consciência histórica dos
indivíduos e servem de pano de fundo para a cultura histórica.68
Processos em que o professor/pesquisador de História, segundo
Fernando Cerri, é o mediador entre as contribuições do campo acadêmico
65
Idem, p. 63.
66
WANDERLEY, Sonia. Didática da História Escolar: Um debate sobre o caráter público da
história ensinada. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo; MENESES, Sônia (org.). História Pública
em debate, op. cit., p. 98.
67
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 57
68
WANDERLEY, Sonia. Didática da História Escolar: Um debate sobre o caráter público da
história ensinada. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo; MENESES, Sônia (org.). História Pública
em debate, op. cit., p. 98.
243
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
69
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica, op. cit., p. 132.
70
SEFFNER, Fernando. Comparar a aula de História com ela mesma: valorizar o que acontece
e resistir à tentação do juízo exterior (ou uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa).
In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. Natal- RN: ANPUH Brasil, 2013. p. 12-13.
71
Cf. WANDERLEY, Sonia. Didática da História Escolar: Um debate sobre o caráter público
da história ensinada. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo; MENESES, Sônia (org.). História
Pública em debate, op. cit., p. 95-108.
72
Cf. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Trad. Lílian Valle. 3 ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2018; RANCIÈRE, Jacques. O espectador
emancipado. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
73
Cf. PENNA, Fernando de Araújo; FERREIRA, Rodrigo de Almeida. O trabalho intelectual
do professor de História e a construção democrática: Práticas de História Pública frente à
Base Nacional Comum Curricular e ao Escola sem Partido. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo;
MENESES, Sônia (org.). História Pública em debate: Patrimônio, educação e mediações do
passado. São Paulo: Letra e Voz, 2018. p. 107-127. Para pensar as inúmeras críticas em
torno da própria história da BNCC em suas três versões e de como a História aparece na
BNCC, versão homologada, Cf. MENDES, Breno. Ensino de história, historiografia e
currículo de história. Revista. In: Transversos. “Dossiê: Historiografia e Ensino de História em
tempos de crise democrática”. Rio de Janeiro, n. 18, 2020. p. 108-128. Disponível em: <http://
www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/transversos ISSN 2179-7528. DOI: 10.12957/
transversos.2020.49959>. PEREIRA, N. M.; RODRIGUES, M. C. M. (2018). BNCC
e o passado prático: Temporalidades e produção de identidades no ensino de história. In:
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 26 n. 107, 2018. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.14507/epaa.26.3494>; ABUD, Kátia Maria. Ensino de história e Base Nacional
Comum Curricular: desafios, incertezas e possibilidades. In: RIBEIRO JÚNIOR, Halfred
Carlos; VALÉRIO, Mairon Escorsi. Ensino de história e currículo: reflexões sobre a Base
Nacional Comum Curricular: formação de professores e prática de ensino. Jundiaí: Paco
editorial, 2017; CALDEIRA, Ana Paula Sampaio. Concepções de ensino e de história na
Base Nacional Curricular. Palestra/conferência, VII Encontro de Pesquisa em História (EPHIS).
Belo Horizonte: UFMG, 2018.
244
Na Terceira Margem
74
PENNA, Fernando de Araújo; FERREIRA, Rodrigo de Almeida. O trabalho intelectual
do professor de história e a construção democrática: Práticas de História Pública frente à
Base Nacional Comum Curricular e ao Escola sem Partido. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo;
MENESES, Sônia (org.). História Pública em debate, op. cit., p. 120-121.
75
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
76
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular, op. cit., p. 353-417-562.
245
VIEIRA, V. L. S.; VIEIRA, R. N.
Patrimônio arquivístico: ensino de História, traços do passado e
temas sensíveis
V
Dos arquivos e centros de documentação, o encontro com o vivido
pode significar a mobilização de diferentes subjetividades que vêm romper
o lugar, muitas vezes frio e disciplinado, dos livros didáticos, forjando (re)
existências e resistências. Com Arlette Farge aprendemos que interrogar o
passado é também exprimir “o desejo de uma história inervada pelo tempo”.
Dessa forma, a tensão que se instaura “entre a necessidade de verdade,
de resultados seguros e a elaboração de pontos de vista que interessem à
comunidade social” faz parte da essência da História. Assim, há lugares
para a História que permitem confrontar passado e presente, interrogando de
outras formas os documentos e os acontecimentos, buscando articular “o que
desaparece com o que aparece”. Lugares para a História que encontram eco
na “atualidade de hoje” e levam em conta, nos traços do passado/presente, os
“modos singulares de existir ou de ser e estar no mundo”77.
Centros de documentação e ensino de História, múltiplos saberes e ar-
ranjos que, na atribuição de sentidos, podem significar mais do que ferramen-
tas de conhecimento. Traduzem a elaboração de processos sociais coletivos
que, na partilha do sensível78, estabelecem vínculos entre os homens e mulheres
do passado e do presente, certos de que “não há outra história além daquela
que fala por nós”79. Afinal, ao conhecer outro tempo, não escapamos ao nosso…
Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre
este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se
fundar. Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente
opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende
reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou
se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências
desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e
o segundo, emancipação.
Jacques Rancière, O mestre ignorante
77
FARGE, Arlette. Lugares para a história, op. cit., p. 7-12.
78
Cf. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: Estética e política. Trad. Mônica Costa
Netto. São Paulo: Editora 34, 2005.
79
CLAVERO, Bartholomé apud FARGE, Arlette. Lugares para a história, op. cit., p. 129.
246
Na Terceira Margem
Capítulo 12
247
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
248
Na Terceira Margem
1
OLHAR-TE, 2020. Produções dos participantes. Releitura do Hino de Brumadinho, por
Amanda Fonseca.
2
KOSELLECH, Reinhardt. Estratos do tempo: estudos sobre História. Rio de Janeiro:
Contraponto, Puc-Rio, 2014.
3
Ao longo do planejamento do projeto e da realização das oficinas, diferentes parcerias foram
seladas. Gostaríamos de registrar aqui nosso agradecimento especial à Associação João
Fernandes do Carmo, às professoras Raquel Chequer, Cláudia Sapag Ricci, Soraia Freitas
Dutra, ao professor João Andrade, ao Diretor de Patrimônio Webert Fernandes e a tantas
outras vozes que se somaram na interlocução e concretização das propostas aqui apresentadas.
Registramos também nossa gratidão à Temperatta S/A, que financiou, ao longo de 2020, o
projeto “Olhar-te Brumadinho”.
249
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
Sobre os sentidos atribuídos em narrativas históricas a respeito das duas tragédias-crime ver:
4
250
Na Terceira Margem
(2019-2020), realizada sob orientação do Prof. Dr. Luiz Reznik na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
251
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
252
Na Terceira Margem
Recebemos, ao todo, 13 propostas de oficinas que versavam sobre música, poesia, cinema,
7
arte-terapia, culinária, pedagogia waldorf, entre outras. Essas foram organizadas em módulos
por afinidade temática e de acordo com o eixo estrutural do projeto.
253
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
254
Na Terceira Margem
9
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez,
2011. p. 35.
10
Ibidem.
11
REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da micro-análise. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
12
No ano de 2020, conseguimos realizar dois módulos: “A História em que eu me vejo” e “Essa
História tem gosto de quê?”. No momento, o projeto encontra-se suspenso.
255
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
da história local a partir dos registros feitos nas oficinas. O isolamento social
inviabilizou esse percurso, que tinha início previsto para 18 de março, mesmo
dia no qual entraram em vigência as medidas restritivas de convívio social.
Diante desse impedimento, ficamos, por um tempo, à deriva. No entanto
sabíamos que estávamos diante de uma situação bastante delicada e frágil,
que tornava iminente o risco de o projeto ter que ser engavetado antes mesmo
do início das atividades. Além disso, como docentes da Educação Básica13,
que éramos à época, e já comprometidos com a juventude brumadinhense,
aumentava em nós o receio de como nossos estudantes atravessariam mais
um período de suspensão de expectativas pouco mais de um ano após a
tragédia-crime da Vale S/A na Mina do Córrego do Feijão. As ponderações
feitas levaram-nos à inversão da ordem de execução dos módulos em
relação à programação inicial com base em duas justificativas principais:
a vulnerabilidade da juventude e a expectativa de que essa faixa etária já
dominava algumas linguagens e recursos próprios à cultura digital, tema que
retomaremos a seguir.
Uma vez feita a escolha por essa inversão, não sem riscos, mobilizamos
os educadores já inicialmente incumbidos do módulo e organizamos um
eixo temático para orientação e amarração do processo, que seria realizado
com autonomia, mas atendendo a proposta geral do projeto e a específica
do módulo. E essa proposta específica é desenvolver um trabalho reflexivo
e formativo a partir das imagens e representações que os jovens fazem de si
mesmos e de suas relações com o espaço que habitam.
Assim, construímos um percurso reflexivo que propôs perguntas,
apresentou ações e buscou incentivar a valorização da História, da Memória
e do Patrimônio14 de Brumadinho a partir da oferta semanal de três oficinas:
“Redescobrindo Brumadinho”, mediada por Dulcilene e Rosiane, às
segundas-feiras; “Reconstruindo minhas imagens”, mediada pelo cineasta
Henrique Bocelli, às quartas-feiras; e “Cantando se conta a própria história”,
mediada pela musicista Débora Mussulini, às sextas-feiras. Além disso, foram
realizados encontros semanais pelo Google Meet – ferramenta utilizada como
espaço de integração e partilha das reflexões –, que abordaremos de forma
mais detida a seguir, totalizando uma carga horária de 32 horas divididas
em oito semanas. A divulgação e inscrição para o módulo, com oferta
13
Aqui cabe registrar que a Escola Estadual Paulina Aluotto Ferreira aderiu à greve dos
trabalhadores da educação em Minas Gerais na segunda semana de fevereiro de 2020, de
forma que os estudantes ali matriculados já estavam afastados da escola antes mesmo de ser
decretada a suspensão das aulas em decorrência da Covid-19.
14
Sobre o tema da Educação Patrimonial ver: PEREIRA, Júnia Sales; ORIÁ, José Ricardo.
“Desafios teórico-metodológicos da relação educação e patrimônio”. Resgate: Revista
Interdisciplinar de Cultura, v. 20, n. 1, p. 161-171, 2012.
256
Na Terceira Margem
257
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
258
Na Terceira Margem
259
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
260
Na Terceira Margem
17
DAYRELL, Juarez. “A escola ‘faz’ as juventudes? Reflexões em torno da socialização
juvenil”. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1.105-1.128, 2007.
18
CERRI, L. F. (2010). “Didática da História: uma leitura teórica sobre a História na prática”.
Revista de História Regional, 15(2), p. 264-278.
261
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
262
Na Terceira Margem
OLHARTE, 2020. Produções dos participantes. Releitura de Drummond feita por Igor.
19
263
BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
matizes, muito além daquelas que são veiculadas na mídia após o rompimento
da barragem em Córrego do Feijão. Conhecer locais apresentados pelos
próprios jovens, que em uma das atividades propostas elaboraram um roteiro
turístico do qual eles seriam os guias, entender o que é significativo para eles
e elas através de suas experiências de vida e das relações que estabelecem com
os espaços contribui para termos um conhecimento mais amplo do município
e também de suas possibilidades educativas, corroborando assim outros
estudos e pesquisas que já se debruçam sobre o tema.20
SIMAN, Lana Mara de; SÔNIA, Regina Miranda. Cidade, Memória e Educação. Juiz de Fora:
20
UFJF, 2013.
264
Na Terceira Margem
para a atuação virtual, que nos parecia a única possível mediante o contexto
pandêmico. E esse foi o caminho escolhido. O fato é que, ante o dilema que
se colocava e pelas relações afetivas e profissionais desenvolvidas na cultura
escolar21, consideramos a potencialidade de contar com o professor Heudes,
formado em Física, nessa empreitada que previa novas estratégias e recursos de
comunicação e integração entre os jovens, deles conosco e de todas e todos nós
com as territorialidades sobre as quais elaboraríamos nossas reflexões.
A vivência na escola coloca-nos diante de experiências novas que podem
nos desafiar todos os dias, exigir uma busca pelo aprendizado de diversas
áreas do conhecimento e, consequentemente, transformar-nos como pessoas
ao nos tirar de uma zona de conforto. No ano de 2019, quando as professoras
Dulcilene e Rosiane trabalhavam juntas na Escola Estadual Paulina Aluotto
Ferreira, elas puderam acompanhar o retorno do professor Heudes, nomeado
para seu segundo cargo na rede estadual. A partir de então e em decorrência da
coincidência dos horários do Ensino Integral Integrado, passamos a conviver
e a partilhar experiências nos diferentes espaços da cultura escolar. Em nossa
rotina docente e nesse vínculo de afeto advindo do nosso contato diário,
conversamos sobre várias possibilidades que poderiam ser aplicadas interna
e/ou externamente na escola. Foi por essas brechas despretensiosas, surgidas
no cotidiano das vivências na escola, que se apresentou a potencialidade de
agregar o professor Heudes ao grupo “Olhar-te Brumadinho”.
No início, houve algumas dúvidas quanto à viabilidade dessa parceria
interdisciplinar inusitada e desafiadora, não apenas pelos olhares advindos
das diferentes áreas de formação, mas também pelo desafio de nos arriscarmos
ao criar projetos educativos para serem desenvolvidos fora do espaço escolar
– aquele ambiente que nos é familiar e seguro. No entanto sabíamos que
as metodologias e os recursos necessários para dar continuidade ao projeto
“Olhar-te Brumadinho”, que deveriam estar adaptados à nova realidade de
isolamento social devido à pandemia da Covid-19, poderiam ser articulados
com destreza pelos saberes docentes do professor Heudes, que já lidava com
esses recursos em sua prática pedagógica nas aulas de Física.
Foi assim que ele assumiu toda a parte do design instrucional do projeto,
assim como da mediação das plataformas virtuais utilizadas, organizando,
divulgando e instruindo para a utilização de ferramentas que potencializassem
o contato entre os educadores e os jovens integrantes do projeto. Tendo em
vista a readequação das oficinas para a modalidade remota, optou-se por
utilizar o Google Classroom, o Google Meet e os grupos no Whatsapp
como plataformas de interação e disponibilização de conteúdo. As contas
In: MAINER, J. (Ed). Pensar criticamente la educación. Zaragoza: Prensas UNIZAR, 2008.
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BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
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Na Terceira Margem
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BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
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Essa é uma discussão necessária de ser feita, considerando a reinvenção de estratégias de
exclusão social nesse contexto digital, assim como as potencialidades e os limites pedagógicos
dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação na etapa da Educação Básica.
Por não estarmos idealizando um projeto educativo a ser desenvolvido em espaço escolar,
entendemos que não cabe, neste texto, o aprofundamento desse debate. Mas reiteramos a
importância e urgência dessa discussão.
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Buscamos inspiração para essa postura progressista em: FREIRE, Paulo. Pedagogia da
autonomia: saberes indispensáveis à prática docente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
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BECHLER, R. R.; FONSECA, D.; CARVALHO, H. Por outros olhares: diálogos interdisciplinares
na abordagem de narrativas sobre História, Arte, identidade e pertencimento em Brumadinho
Sobre o tema ver: SANTOS, Vinicius Silva; SCHNEIDER, Henrique Nou. “Culturas Juvenis
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Na Terceira Margem
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NORONHA, G. C. de
O não-lugar da metodologia na formação de professores de História
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Na Terceira Margem
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Sobre os autores e as autoras
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Sobre os autores e as autoras
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