Profhistória - Dito e Feito
Profhistória - Dito e Feito
Profhistória - Dito e Feito
O DITO E O FEITO
Margarida Maria Dias de Oliveira
Itamar Freitas
PROFHISTÓRIA:
O DITO E O FEITO
Copyright © by Autores
Copyright © 2022 Editora Cabana
Copyright do texto © 2022 Os autores
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Coordenação editorial: Ernesto Padovani Netto
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141 p. : il.
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Inclui bibliografia
ISBN 978-65-89849-60-5
[2022]
EDITORA CABANA
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Nova I)
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SUMÁRIO
Apresentação..........................................................................................7
Sobre os autores..................................................................................139
APRESENTAÇÃO
Os autores
7
HISTÓRIA DO ENSINO
DE HISTÓRIA: MEMÓRIA E
POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇAO
DE UM DOMÍNIO 1
T
oda aula de História em um Curso de Gradua-
ção em História deve ser atravessada por con-
teúdo de Historiografia e de Teoria da Histó-
ria. Este princípio se explica da seguinte forma: ao
profissional de história é necessário entender como
se produziu tal conhecimento – a Teoria da História
explícita (problemáticas, fontes utilizadas, recortes
espaciais, temporais, personagens, conceitos utiliza-
dos para analisar tais constructos e resultados obti-
dos). Os resultados compõem um conjunto que com-
plementa, contradiz, referencia-se ou critica o que,
em sentido amplo, chamamos de historiografia (es-
crita da História) que, pelo seu peso na especializa-
ção do conhecimento, forma uma memória histórica,
ou seja, consolida-se como saber instituído.
Por isso, compreendemos não é adequado ao es-
pecialista tratar de modo desconexo “história do Ensi-
no de História” e “historiografia do Ensino de História.”
Assim, neste capítulo, nossa argumentação desenvol-
vida em três momentos. No primeiro, definiremos his-
tória, Ensino de História e historiografia. No segundo,
problematizaremos os estudos de história do Ensino de
História no Brasil. Na terceira, esboçaremos uma nar-
rativa sobre a experiência republicana com o Ensino de
1Texto da primeira aula da disciplina História do Ensino de História no se-
mestre 2016.2 no Núcleo da UFRN/Natal, utilizado como base para outras
publicações. As ideias não são inéditas, mas o formato que aqui apresentado.
8
História nos cursos pós-primário e superior, a partir das
reformas educacionais [nacionais], tocando em objetos e
questões-chave, tais como: finalidades, currículos, conte-
údos e livros didáticos.
Correndo o risco de sermos óbvios, queremos re-
afirmar que as respostas oferecidas pela historiografia
sobre o ensino têm caráter transitório, como qualquer ou-
tra afirmação efetuada pelos historiadores. No âmbito da
educação básica, compreendemos que perguntas-chave –
para que ensinar história? Para que aprender história?
Qual a importância dos eventos passados para nossa vida
presente? – nos acompanharão, provavelmente, na condi-
ção de ensinar história ou quaisquer referências das so-
ciedades passadas, independentemente do nome que tal
objeto venha a receber. Rechaçar essas perguntas (seja
das crianças, seja dos graduandos, seja da sociedade) é
negar a importância do diálogo e afirmar que, diferente
de todos os outros aspectos da nossa e das outras socieda-
des, as motivações para as atividades de ensino e apren-
dizagem da história se justificariam por si mesmos.
9
fica declarar que a atividade de ensinar história abrange
a mobilização de estratégias, conhecimentos, sentimentos
e valores relacionados à (e fundamentados na) Ciência da
História com a finalidade de auxiliar no desenvolvimento
daquelas capacidades que constituem a consciência histó-
rica: experimentação, interpretação e orientação.
Essa definição traz implícita a ideia de que a
história é um conhecimento controlado sobre o passa-
do, cuja legitimidade e racionalidade estão diretamente
ligadas a processos de intersubjetividade (dos historia-
dores e dos humanos de modo geral). Dentro do mesmo
raciocínio, a historiografia vem a ser o conhecimento
sistemático (a escrita da história) acerca desse objeto
que é o Ensino de História.
Sobre a ideia de Ciência da História (e já nos
encaminhando à resposta da terceira questão), defen-
demos que um graduando deve conhecer a história do
Ensino de História (historiografia) porque esses saberes,
fazeres e valores modificam-se ao longo do tempo como
qualquer experiência humana. Eles possuem historici-
dade. A outra justificativa, eminentemente prática, está
no fato de que o conhecimento pretérito das atividades
do ensinar história tem relevância fundamental para a
compreensão e o planejamento do dia a dia do profes-
sor e do seu futuro profissional. Dizendo de outro modo,
sem o conhecimento da história do Ensino de História,
podemos simplesmente repetir, ficar presos a regras ou
desobedecê-las inconsequentemente. E essas três atitu-
des, isoladas ou em conjunto têm um nome, com o qual
nenhum professor quer ser identificado: prática acrítica.
estar mais próximas ou mais distantes dos princípios e procedimentos que con-
figuram o trabalho do militante político, do historiador erudito, do professor dos
anos iniciais, do formulador de currículos nacionais e assim por diante.
10
Estabelecidas as categorias, narremos, então, um pou-
co da experiência de ensinar história no Brasil republicano.
Problematizando as histórias
do Ensino de História no Brasil
11
de Fernand Braudel. Assim, toda a historiografia bra-
sileira seria tributária desse marco e circunscrita aos
imaginados (e pouco categorizados) parâmetros episte-
mológicos da primeira geração da “Escola” dos Annales.
Essas duas histórias, como bem sabemos, não são co-
erentes. Os textos de Maria de Lourdes Janotti, Elza Nadai e
Thais Nívea Fonseca, veiculam tais ideias. A narrativa que as
duas primeiras professoras criam e que a terceira confirma é
difusora de teses que poderiam ser assim resumidas:
14
Campos, Capanema e Jarbas Passarinho, desenvolvidas
em ambiente discricionário, e a reforma implementada
por Paulo Renato de Souza que enfrentou os “percalços”
da elaboração de currículos em regime democrático.
Nesse itinerário, o Ensino de História migrou de
um modelo centralizado para uma descentralização, es-
trategicamente não anunciada pela gestão do ministro
Fernando Haddad. A organização do conteúdo, por sua
vez, experimentou os tipos integrado, justaposto, integra-
do novamente e, por fim, currículo por eixos temáticos .
Na ausência de uma definição explícita sobre o papel dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como instru-
mento de orientação das propostas dos entes federados,
cada estado produziu o seu documento, recuperando,
dominantemente, a proposta integrada (as experiências
nacional e extra nacional abordadas de modos conexos)
inaugurada pela reforma Francisco Campos.
Considerando os atores envolvidos no trabalho de
prescrever conteúdo histórico, é também fácil constatar
que as disputas entre historicistas e, digamos, cientifi-
cistas dominaram as duas primeiras reformas. Na ter-
ceira, desconhecemos os debates internos, já que o am-
biente discricionário tentava afastar o contraditório da
formação de políticas públicas. Na quarta, as perspecti-
vas estruturalistas e culturalistas em disputa no mundo
acadêmico foram carreadas para os PCN.
Descrevendo melhor essa tipologia, podemos afir-
mar que, em termos de valores, o Estado exigiu uma
escrita que cultivasse direitos individuais – a diversi-
dade de nascimento, nacionalidade, raça, classe social
e religião – e valores cívicos – a exemplo do respeito às
instituições, tradições, à família e à instituição do casa-
15
mento. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
da mesma forma, orienta, desde a década de 1990, a ex-
clusão de escritas que veiculem informações preconcei-
tuosas e/ou estereotipadas de natureza racial, política,
cultural e social. Nas últimas edições do PNLD, esse
conjunto de valores obrigatórios amplia-se, incluindo o
combate ao preconceito e/ou estereótipo relacionado ao
gênero, à orientação sexual, à idade, à linguagem.
Sobre o conteúdo metahistórico (princípios, prá-
ticas e valores que norteiam o trabalho do historiador
profissional), durante a Primeira República, foi rara pre-
ocupação com a veracidade e a imparcialidade da escrita
(Comissão Revisora dos textos de História entre Brasil e
Argentina). Nos anos 1950-70, o Estado exigiu a atualiza-
ção dos métodos didáticos, que subentende também a ob-
servância de procedimentos caros ao ofício do historiador:
anacronismos ou voluntarismos – a Comissão Nacional
do Livro Didático (CNLD), Comissão do Livro Técnico e
do Livro Didático (COLTED) e o Programa do Livro Didá-
tico para o Ensino Fundamental do Instituto Nacional do
Livr (PLIDEF). No entanto, a explicitação desse tipo de
conteúdo ocorre, apenas, dos anos 1980 em diante. Nas
mais recentes prescrições, a interdisciplinaridade e as ca-
pacidades de identificar e ler fontes de natureza diversa,
de entender a escrita da história como histórica, argu-
mentar e criticar transformaram-se, ao menos nos livros
didáticos, efetivamente, em conteúdo procedimental.
No que diz respeito ao conteúdo conceitual subs-
tantivo, por fim, vigorou certa liberdade, na Primeira
República, com ênfase no respeito aos mártires e he-
róis nacionais (CNLD). Nos governos militares iniciais,
a censura de ideologias de esquerda, a propaganda às
16
ações políticas e econômicas empreendidas pelo regime
e o pouco investigado assentimento a essas iniciativas,
por parte de segmentos da população civil, deram o tom
do conteúdo. Hoje, tanto nos anos finais do ensino funda-
mental, quanto no ensino médio, as diferentes dimensões
do humano e, ainda, algumas inovações historiográficas,
como as histórias das mulheres e do tempo presente, já
são incorporadas ao cotidiano do professor de história.
17
Contudo, tal bibliografia, como soe acontecer em al-
guns outros domínios da história, é bastante lacunar, em
termos de tempos e espaços e plural, no que diz respeito
aos aportes teóricos. É lacunar porque conhecemos pouco
sobre o século XIX e muito menos sobre as centúrias pre-
cedentes. É lacunar porque explora bastante os conteúdos
dos livros didáticos e não dos seus usos, as identidades do
professor e não dos elementos que constituem a sua for-
mação inicial, as dificuldades de aprendizagem e não o
perfil do aluno que emerge, por exemplo, da experiência
digital do final do século XX. É lacunar também porque
pouco trata de finalidades e nada explora sobre progressão
das aprendizagens históricas. Além disso, a historiografia
sobre o Ensino de História permanece bastante endóge-
na, levando à hipercrítica sobre a experiência brasileira,
quando países exportadores de modelos como a Alemanha
e França, no século XIX e os EUA e a Argentina, no século
XX, passam por problemas semelhantes aos nossos.
A ausência de uma historiografia comparada afe-
ta até mesmo a distorção da experiência nacional. Como
as casas editoriais, os colégios modelos, as instituições
formadoras pioneiras no ensino superior de história es-
tão localizadas no centro-sul do país, as singularidades
das demais regiões ficam obscurecidas.
A historiografia sobre o Ensino de História, por
outro lado, é bastante plural, permitindo a apresentação
de diferentes respostas para problemas urgentes em ter-
mos de finalidades, conteúdo, avaliação, aprendizagem,
progressão, materiais didáticos e usos sociais da história.
As diferentes possibilidades de resposta, entre-
tanto, junto às lacunas e desequilíbrios da pesquisa,
apontadas acima, não dificultam trabalhos de síntese
18
que são fundamentais para a orientação de políticas
públicas e para a constante avaliação da prática docen-
te. Contudo, da forma como são feitas, orientadas pela
superioridade de distribuição das publicações e o poder
acadêmico instituído, reproduzem análises com que pou-
co problematizadores da diversidade em escala nacional.
Esta narrativa que tem uma data e um contexto
(a luta contra as licenciaturas curtas, a ditadura militar
e a desqualificação dos profissionais de História) trans-
mutou-se de uma verdade política em uma verdade aca-
dêmica e isso não foi bom para a reflexão sobre a forma-
ção de professores e o ensino-aprendizagem de História.
Cabe-nos transformá-la.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
19
FREITAS, ITAMAR; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de . Cultura
histórica e livro didático ideal: algumas contribuições de categorias
rüsenianas para um Ensino de História à brasileira. Espaço Peda-
gógico, v. 21, p. 223-234, 2014.
20
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. O direito ao passado: uma
discussão necessária à formação do profissional de História. São
Cristóvão: Editora da UFS, 2012.
21
DESAFIOS DO MESTRADO
PROFISSIONAL NA REINVENÇÃO DO
CAMPO DO ENSINO DE HISTÓRIA:
UMA AVALIAÇÃO PRELIMINAR DOS
PROGRAMAS DE ENSINO DE TEORIA
DA HISTÓRIA E DE HISTÓRIA DO
ENSINO DE HISTÓRIA1
Q
uando evocamos as inovações institucionais
em termos de Ensino de História, nas últimas
duas décadas, percebemos que uma transfor-
mação foi iniciada. Referimo-nos, especificamente, à
criação do Programa Interinstitucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID) e do Mestrado Profis-
sional em História (PROFHISTÓRIA). Se podemos
adjetivar assim – “transformação” – é porque os in-
dícios são extremamente significativos, embora pouco
perceptíveis para a maioria dos que tratam de episte-
mologia histórica e de história do Ensino de História.
Em primeiro lugar, percebemos alteração no perfil dos
participantes dos principais eventos da área, seja em
caráter local, como os eventos das secções estaduais
da ANPUH, seja em caráter nacional, como o Simpósio
Nacional de História, o Encontro Nacional Perspecti-
vas do Ensino de História e Encontro Nacional de Pes-
quisadores do Ensino de História.
1Este texto foi escrito originalmente a pedido das Profas. Dras. Cristiana
Ferreira Lyrio Ximenes e Juliana Alves de Andrade para compor o Dossiê: Os
desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)-pesquisador (a): refle-
xões teórico-metodológicas sobre o campo do Ensino de História, organizado
pelas colegas e publicado como Vol. 38, nº 1 da Revista Clio da Universidade
Federal de Pernambuco em 2020. Agradecemos a autorização da editoria da
Revista Clio para a atual publicação.
22
No Simpósio Nacional, ocorrido no Recife/PE
(2019), mais de 100 trabalhos emergiram das atividades
do PIBID, além de contabilizarmos dezenas de comuni-
cações orais dos alunos do PROFHISTÓRIA, que tam-
bém constituíram um simpósio exclusivo. Em segundo
lugar, e como desdobramento dessa participação, alte-
rou-se para melhor a qualidade dos trabalhos produzi-
dos. Questões sensíveis como as que exploram violência
de gênero, silenciamento de etnicidades e de memória de
períodos autoritários, antes circunscritas a grupos mino-
ritários e militantes, hoje se tornaram matéria comum
e, em algumas rubricas da área do ensino, dominante.
Questões teórico-metodológicas, antes levantadas, em
geral, pelos campos da Psicologia da Aprendizagem e
História da Educação, são abordadas a partir de um di-
álogo mais próximo com o campo da Teoria da História,
da História Pública e da Didática da História e prove-
nientes da reflexão de historiadores profissionais.
Isso foi possível porque o PIBID viabilizou a pre-
sença de milhares de alunos de licenciatura em sala de
aula a experimentarem o contato com o ambiente da Es-
cola básica e a liberdade para promoverem atividades
orientadas pelos resultados da pesquisa em Ensino de
História, produzida nas últimas duas décadas. O PRO-
FHISTÓRIA, por seu turno, viabilizou a presença de
centenas de professores de História nas classes de pós-
-graduação da Universidade que transformam em quan-
tidade e qualidade a investigação relativa aos desafios
que eles próprios diagnosticavam antes de migrarem
para os cursos de mestrado. Considerando a alta espe-
cialização e a alta dispersão espacial dos dois progra-
mas, a correlação de forças entre os participantes desses
23
eventos e entre os futuros filiados às corporações tende a
ser alterada. Hoje, o tema “Ensino de História” congrega
o maior número de trabalhos de iniciação e o maior nú-
mero de alunos de pós-graduação na área de História.
O PROFHISTÓRIA é a “novidade” da pós-gradu-
ação em História e a pós-graduação é o principal me-
canismo consolidador de campos de pesquisa. Foram
produzidas, aproximadamente, duas centenas de dis-
sertações nos últimos quatro anos, segundo diretrizes
provenientes de um currículo obrigatório único (algo que
não ocorre com o mestrado acadêmico). É nítido, inclu-
sive, o incômodo provocado pela possibilidade de cons-
trução de um curso de doutorado profissional. Em re-
cente artigo sobre a “Expansão e avaliação da área de
História” (2010-2016), Carlos Fico, Claudia Wasserman
e Marcelo de Souza Magalhães apontaram as “positivi-
dades” da instalação de cursos de doutorado profissional
em História, mas também a dificuldade de manter um
discurso identitário sobre esse novo curso:
há algumas positividades evidentes, como a
garantia de autonomia para programas profis-
sionais que poderiam oferecer tanto o mestrado
quanto o doutorado, bem como a possibilidade
de aplicação prática em função do maior tempo,
de propostas experimentais; por outro lado, se-
ria difícil estabelecer-se diferença significativa
entre o trabalho de conclusão do mestrado e do
doutorado profissionais.2
24
para preocupação em sentido contrário: a de sustentar
um discurso identitário sobre os atuais doutorados aca-
dêmicos. Em um futuro não muito longínquo, a alteração
provocada pela criação desse novo grau pode inclusive mo-
dificar o perfil do futuro professor-formador dos cursos de
licenciatura em História, atualmente reservado, na maio-
ria dos casos, ao doutor formado em cursos acadêmicos.
Como a realidade costuma superar os planos, o
PROFHISTÓRIA já colhe os primeiros e necessários fru-
tos da sua autoavaliação. O cenário foi montado em Sal-
vador, no I Encontro Nacional do PROFHISTÓRIA, onde
apresentamos e discutimos o perfil da disciplina obriga-
tória “História do Ensino de História” e acompanhamos
o resultado das discussões sobre a disciplina Teoria da
História (agora analisada a partir dos seus programas).
Poucas semanas depois de encerrado o evento,
já nos deparávamos com a emissão das novas diretrizes
para a Formação do Professor de História que tende a
gerar ruídos com a formação ofertada pelo PROFHIS-
TÓRIA. Isso nos estimulou a aprofundar os termos do
debate iniciado no encontro da Bahia e a comentar sobre
o lugar do Programa na reinvenção do campo do Ensi-
no de História. Além disso, foi nossa intenção também
apresentar sugestões que possibilitassem a permanên-
cia desse sopro de inovação, em meio à adversa conjun-
tura política que vivenciamos, no que diz respeito à re-
lação entre formação em nível de graduação e formação
em nível de pós-graduação.
Neste Capítulo, portanto, respondemos a duas
questões que medeiam a compreensão dos problemas le-
vantados: 1) O que prescreveram os mestrados do PRO-
FHISTÓRIA em termos de formação em Teoria da His-
25
tória e História do Ensino de História? 2) O que pode
ser mantido e o que pode ser alterado nesse currículo
obrigatório para que o Programa continue a fomentar a
inovação no campo da pesquisa em Ensino de História?
Em termos categoriais, nosso trabalho foi pau-
tado nas orientações de G. Sacristán3 que contempla os
“currículos prescritos”.4 Segundo o autor, o exame desses
dispositivos serve “como meio de conhecer, desde uma
perspectiva pedagógica, o que ocorre na realidade esco-
lar, à medida que, neste nível de determinações, se toma
decisões e se operam mecanismos que têm consequências
em outros níveis de desenvolvimento do currículo.” Na
investigação, também empregamos técnicas de História
Comparada5 para tratar as concordâncias e diferenças em
termos de conceitos proposições e elementos da arquitetu-
ra informacional dos referidos programas de curso.
E termos de revisão da literatura, infelizmen-
te, o diálogo com os colegas das áreas de História do
Ensino de História, de Teorias do Currículo, Currícu-
los e Programas, História da Educação e História do
Ensino de História fica prejudicado por não possuir-
mos, ainda, textos acadêmicos que tratem do currículo
prescrito do PROFHISTÓRIA e da História do PRO-
FHISTÓRIA em sua condição de rede formativa. Por
esta razão, há trecho identificado onde informamos
“de memória” (proposições que podem ser facilmente
3SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ed. Porto
Alegre: ArtMed, 2000.
4Os programas disponibilizados no site do PROFHISTÓRIA - https://profhis-
toria.ufrj.br/estrutura_curso - contabilizam 30 programas de cada uma das
disciplinas obrigatórias.
5HAUPT, Heinz-Gerhard; KOCKA, Jürgen. Comparative and transnational
History: Central European approaches and new perspectives.New York: Ber-
ghahn Books, 2012. p. 116-117.
26
contestadas por trabalhos de outros autores que a este
se seguirão). Há também sentenças expressas pelo
“provável” e pelo “possível”, secularmente abonadas
entre nós profissionais da História.
Outra aparente limitação deste trabalho está nos
seus objetivos, que se refletem nas considerações finais.
Não estamos propondo um novo currículo de disciplinas
obrigatórias para o PROFHISTÓRIA. O que fazemos é
um primeiro registro público de avaliação das ementas e
programas de Teoria da História e de História do Ensino
de História, demandados por um problema e uma situ-
ação comunicativa: uma transformação em um domínio
de estudos designado, nas últimas três décadas, “Ensi-
no de História”. Essa avaliação é ainda mais premente
quando estamos prestes a incorporar mais 584 mestran-
dos, ampliando a atuação do programa de 27 para 39 nú-
cleos, que podem apresentar ainda mais posições sobre
teoria e prática e experiências particulares em termos
de investigação sobre Ensino de História.
Objetivamente, o que aqui fizemos foi a eleição
das ementas comuns aos cursos, os fins das disciplinas
acadêmicas referidas, assuntos e bibliografia, a com-
paração de unidades, organizando e contrastando ti-
pos em busca de uma visão mais nítida sobre os modos
de significação de “Teoria da História” e de “História
do Ensino de História” como instrumentos de forma-
ção do profissional do Ensino de História, matriculado
no PROFHISTÓRIA.
A descrição e a comparação de dados, além das
conclusões as quais chegamos acerca das questões
anunciadas acima, estão organizados em blocos que
tratam da constituição do currículo prescrito de disci-
27
plinas obrigatórias e da análise dos programas de Te-
oria da História e de História do Ensino de História,
além das considerações finais.
A constituição do currículo
28
Como indica o referido “Histórico”, em tratativas
com o Ministério da Educação e Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o pro-
jeto carioca foi transformado em um empreendimento
similar ao conhecido Mestrado Profissional em Matemá-
tica (PROFMAT), ofertado em rede, extensível à Univer-
sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universida-
de Estadual de Santa Catarina (UDESC), Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Fede-
ral do Tocantins (UFTO), Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), além das próprias entidades
do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), Universidade do Rio de Janeiro
(UNIRIO), Universidade Federal Fluminense (UFF) e
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).7
A condição de mestrado em rede, inspirada no
PROFMAT, nos estimula a comparar brevemente os
dois programas no que diz respeito à estruturação dos
currículos. O PROFMAT é uma iniciativa do Sociedade
Brasileira de Matemática, conveniada ao Instituto de
Matemática Pura e Aplicada (IMPA). O PROFHISTÓ-
RIA é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação
em História da UFRJ, realizada pelos próprios docen-
tes de instituições do Rio de Janeiro e de outras univer-
sidades que tiveram seus núcleos aprovados em editais
nacionais. Em outros termos, é um coletivo de profes-
sores universitários de História que pensou e decidiu
sobre o currículo do programa PROFHISTÓRIA.
7CALDATTO, Marlova Estela; PAVANELLO, Regina Maria; FIORENTINI,
Dario. O PROFMAT e a Formação do Professor de Matemática: uma análise
curricular a partir de uma perspectiva processual e descentralizadora. Bole-
ma, Rio Claro (SP), v. 30, n. 56, p. 906 - 925, dez. 2016.
29
Contudo, apesar de os professores universitários
estarem organizados na Associação Nacional de Histó-
ria (ANPUH-BR) e na Associação Brasileira de Ensino
de História (ABEH), a iniciativa de criação do mestrado
foi individual, no interior de uma instituição de ensino,
diferentemente da situação da Matemática, que se asse-
melha ao modo estadunidense de prescrever currículos
da escola básica, isto é, requisitando a contribuição do
terceiro setor, que são os councils.
No PROFMAT e no PROFHISTÓRIA, o currí-
culo prescrito é justificado (entre outras teses) pela
melhoria na qualidade da formação de professores e
respectivo ganho entre os alunos da escola básica. A
transformação dessa demanda em disciplinas, con-
tudo, é realizada de modo diferente. No PROFMAT,
as competências e habilidades, traduzidas em áreas
e linhas de pesquisa refletem, dominantemente, os
programas de cursos de bacharelado em Matemática,
enquanto no PROFHISTÓRIA, as competências e ha-
bilidades expressas na área “Ensino de História” e nas
linhas “Saberes históricos no espaço escolar”, “Lin-
guagens e narrativas históricas: produção e difusão” e
“Saberes históricos em diferentes espaços de recorda-
ção” estão em sintonia com os recorrentes resultados
da pesquisa sobre Ensino de História que enfatizam
o afastamento das pedagogias passivas, centradas na
transmissão oral de conteúdo substantivo.
Quando o elemento de comparação é o ementário
das disciplinas, essas diferenças se ampliam. No PRO-
FMAT, a centralidade nas Matemáticas exploradas no
ensino superior contrasta com a centralidade das ati-
vidades de inovação estimuladas pelas disciplinas do
30
PROFHISTÓRIA. Essa diferença decorre, sobretudo, da
diversidade de processos avaliativos do PROFHISTÓ-
RIA e da ênfase nos trabalhos de inovação, utilizáveis
em sala de aula, na educação básica, que o programa de
História exige aos pós-graduandos como trabalho final
para a obtenção do grau.
É possível que interesses e experiências di-
versas – singulares ao grupo que projetou a primeira
versão da estrutura pedagógica – expliquem essa nos-
sa vantagem em relação ao inspirador PROFMAT. A
UFRJ sozinha não conseguiria hegemonia. A ANPUH
nacional e, menos ainda, a ABEH não poderiam pautar
e implantar o currículo de caráter nacional e obter a
legitimidade dentro do Ministério da Educação (MEC).
Contudo, as prescrições em termos de finalidades do
Programa e a sua tradução coerente em linhas e pro-
dutos não bastam para comemorarmos internamente a
vitória da iniciativa. É necessário avançar ainda mais.
Um ponto que identificamos como problemático é o da
tradução das ementas disciplinares em material de en-
sino que seja coerente com as finalidades do PROFHIS-
TÓRIA, sobretudo aquelas que reivindicam a reflexão
dos usos contemporâneos da História e a formação de
professores voltada “para a inovação em sala de aula”.
Quando pensamos nas disciplinas obrigatórias, ques-
tionamos: que Teorias da História estamos abordando?
Que Histórias do Ensino estamos empregando nos cur-
sos do PROFHISTÓRIA? Elas são, efetivamente, me-
diadoras de um Ensino de História inovador e ancorado
em demandas contemporâneas da escola?
31
Os cursos de Teorias da História
32
sões e exclusões, evidentemente, dependem de recolha
do depoimento oral dos seus participantes (mas, esse
não é o nosso caso, nesse momento).
Os pares antitéticos dispostos na ementa são:
história/memória, objetividade/subjetividade, particu-
lar/geral e o já citado compreensão/explicação. Essas
antinomias praticamente realizam as questões levan-
tadas pelos campos acima, entre meados do século XIX
e meados do século XX. Os conceitos isolados de Histó-
ria, Historiografia, verdade, prova, contexto estão no
escopo do mesmo período. Já os conceitos história-pro-
blema, operação historiográfica, ciência social e histori-
cidade remetem aos historiadores abonados pelos bra-
sileiros e que demonstram a diversidade de posições.
São respectivamente, Marc Bloch, Michel De Certeau,
François Hartog e o duo Karl Marx/Fernand Braudel.
Os conceitos de retórica e escala, por fim, indicam a
presença de elementos do debate gerado pelo linguist
turn e das apropriações nacionais sobre história local a
micro-história de corte francês ou italiano. Isso signifi-
ca dizer que a disciplina obrigatória Teoria da História
pavimenta o caminho de diferentes modos de entender
a ciência histórica em disputa na segunda metade do
século passado, mas não renuncia às discussões que a
tornaram saber científico no século XIX.
Isso vale, ressaltamos, para a ementa. Mas as
diferentes articulações concorrentes ou colaborativas
experimentadas entre mestrado acadêmico e mestrado
profissional que convivem numa mesma instituição e,
certamente, a autonomia dos professores e as disputas
entre professores de um mesmo programa de mestrado,
quando há revezamento na condução da disciplina, pro-
33
vocam interpretações desviantes e elementos reforçado-
res da ementa na distribuição dos objetivos.
Desviante em relação às eleições da CAN são os
temas da teoria da aprendizagem cognitiva (UNESPAR),
a constituição do “conhecimento escolar”, a constituição
do “conhecimento profissional docente”, as demandas
impostas pelo tempo presente ao Ensino de História
(UFRJ). Em alguns programas, o Ensino de História é
chamado a interagir com a teoria, ao menos em três ca-
sos: nos usos da Teoria da História na produção do co-
nhecimento histórico em sala de aula (UDESC, UFRJ,
UFRRJ), da Teoria da História em suas relações com o
currículo e o livro didático de História (UNIFAP) e da
Epistemologia histórica na prática de “ensino e apren-
dizagem” (UFRRJ). O que não está na ementa, mas
representa uma herança dos cursos de graduação, é o
“panorama da historiografia contemporânea” (UNEB) –
com destaque para as “tradições historiográficas alemã,
francesa [...]” (UNESPAR) –, o panorama das Teorias da
História no século XIX (UNEMAT) e operacionalização
dos quadros teóricos dos projetos de dissertação a serem
executados pelos alunos do PROFHISTÓRIA (UFRRJ,
UNEB, UNIFAP e UFSC).
São reforçados, por outro lado, os assuntos da
ementa referentes ao método histórico (com ou sem men-
ções à Teoria da História) em sua versão do “fazer do his-
toriador” e do emprego “na pesquisa histórica” (UNEB)
com foco na “cientificidade da História” (UNESPAR), na
produção “História Cultural” (UFSC) e também o estabe-
lecimento de relações entre História, Memória e História
e Identidade (UFRJ), “História, memória, tempo” e identi-
dade (UFRRJ) e memória, “tempo e narrativa” (UDESC).
34
Um ou outro conceito (ou grupo de conceitos) é transcrito
integralmente da ementa, como “História, historiografia
e historicidade”, retórica e narrativa (Unicamp). Outros
recebem nova composição – “operação historiográfica
e políticas de memória” (Unicamp). Outros, ainda, sim-
plesmente, não foram referenciados, a exemplo de objeto,
objetividade, subjetividade, verdade, prova, história-pro-
blema e mesmo a versão da História como Ciência Social.
Seria um indício de repulsa preconceituosa aos temas de
uma Teoria de fundo cientificista ao modo do século XIX?
Na tradução dos objetivos para as listagens de as-
suntos, parte dessa configuração se mantém. A precisão
da nossa análise, contudo, é prejudicada, considerando
que diferentes são os modos e as dimensões da distri-
buição da matéria. Há programas onde estão ausentes
os objetivos, mas anunciam “conteúdos” e vice-versa. Há
programas que distribuem os “conteúdos” em três sen-
tenças e, ainda, os que listam até duas dezenas.
Apontadas as limitações, podemos afirmar que os
programas se diferenciam bastante uns dos outros (muito
mais que os programas de História do Ensino de História,
como veremos adiante). Somos até tentados a afirmar que
cada programa apresenta um tipo, mas não o faremos. Em
um esforço para comparações futuras, constatamos seis ati-
tudes típicas dos formadores que nos possibilitam relacionar
assunto (“conteúdos”) à ementa de Teoria da História.
A primeira atitude, minoritária, é transformar o
curso de Teoria em espaço de discussões de problemas,
objetos e conceitos, enfatizando, por exemplo, as relações
docência-identidade (sob aporte de M. Tardif) e questões
do tempo presente e Ensino de História, como a “Escola
Sem Partido” (Fernando Penna - UFF).
35
A segunda atitude é compreender Teoria como
espaço da discussão epistemológica da História, des-
tacando (sempre “por exemplo”) o “estatuto” da ci-
ência histórica via F. Hartog e M. De Certeau8, as
tarefas do historiador ao modo de W. Humboldt e L.
von Ranke9. Esses tipos podem ser classificados como
os mais homogêneos.
Os tipos compósitos conciliam epistemologia
(de formação docente) e epistemologia da História
entre si e, ainda, com História da Historiografia e
demandas sociais e teóricas emergentes. Os proble-
mas, conceitos e temas associados, contudo, são mi-
noritários numericamente, no interior de cada pro-
grama. Assim, formadores conciliam concepções de
Tempo em Teoria da História, via F. J. Whitrow, com
ideias de “tempo histórico em sala de aula”, via L.
D. E. Rosati 10, discutem “gênero e estudos pós-colo-
niais”, via J. Scott, após prescreverem os conceitos de
“experiência e expectativa”, de R. Koselleck11, ou en-
cerram seus cursos, discutindo “didática da história,
cognição histórica situada na educação histórica”,
via M. A. Schmidt e I. Barca, após terem discutido,
por exemplo, os conceitos de “experiência”, de E. P.
8UEM. Universidade Estadual do Maranhão. Programa de ensino da disci-
plina História do Ensino de História. São Luís, 2019. (Apócrifo). Disponível
em: https://profhistoria.ufrj.br/sobre_programa/historico_programa. Acesso
em: 23 nov. 2019.
9UNIRIO. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. (Pedro Spi-
nola Pereira Caldas) 2016. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/
sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
10UNIFAP. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. (Simone
Garcia Almeida) 2019. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/sobre_pro-
grama/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
11UFPR. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. Curitiba, sd.
(Andréa Doré). Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/sobre_programa/
historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
36
Thompson, de “discurso”, de M. Foucault, e “repre-
sentação”, a partir de R. Chartier12.
Há, por fim, os que transformam Teoria da His-
tória em um painel de problemas epistemológicos, polí-
ticos, sociais, metodológicos, em suma, de questões que
envolvem fins do componente curricular História, pes-
quisa e escrita da História, formação inicial e formação
continuada do professor de História sem pôr ênfase em
nenhum desses temas. Bom exemplo é o programa que
discute os fins do Ensino de História na contemporanei-
dade, a partir da experiência dos próprios alunos, o ofí-
cio do historiador, via Marc Bloch, a cientificidade da
História, por Durval Muniz de Albuquerque Júnior, os
“temas sensíveis e o Ensino de História”, como a questão
racial e a ditadura militar no Brasil, por Verena Alberti
e a “historiografia brasileira no contexto da crítica pós-
-moderna”, por J. C. Reis13.
Em síntese, os programas de Teoria da História
são constituídos por ementas que privilegiam conteúdo
relativamente harmônico no que diz respeito aos proble-
mas metafísicos, epistemológicos e metodológicos com os
quais se ocuparam os formadores na passagem do século
XIX para o século XX e na passagem deste para o sécu-
lo XXI. Na transformação das ementas em objetivos e
assuntos, ganham força as discussões sobre história da
historiografia, método histórico e são inseridos alguns
temas relativos à aprendizagem histórica e à identidade
docente e questões sensíveis da experiência social brasi-
leira do tempo presente.
12 Idem.
13UNEB. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. (Maria das Graças
de Andrade Leal e Sara Farias) 2018-1. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.
br/sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
37
Histórias do Ensino de História
38
Nos objetivos, essas orientações estão bem repre-
sentadas. Mas, é importante lembrar que inexiste pa-
drão para apresentação dos Programas. Por isso, nove
deles prescrevem “objetivo geral” e dez organizam-nos
em “objetivos geral e específicos”. Três deles não explici-
tam objetivos. Os gerais majoritários destacam a promo-
ção de reflexões sobre o caráter histórico da disciplina e
sua relevância no tempo presente. A trajetória é iniciada
no século XIX, sempre a partir de contextos político, eco-
nômico e social. Minoritários são os objetivos que visam
“dar a conhecer bibliografia e experiências sobre institu-
cionalização da História e profissionalização do historia-
dor em diferentes lugares das América e da Europa”14.
Contudo, a explicitação dos objetivos majoritários e mi-
noritário nos qualifica a refletir sobre o quanto isso diz
sobre o campo do Ensino de História, sobre a composição
de uma narrativa sobre a história do Ensino de História
e sobre como a disciplina é concebida como uma “intro-
dução” ao campo (às vezes, restrita a uma cronologia).
Os objetivos específicos majoritários se referem
à compreensão do Ensino de História como a consti-
tuição em campo de conhecimentos, a apresentação
das principais linhas de pesquisa no campo do Ensi-
no de História e à reflexão sobre a produção, circula-
ção, difusão e recepção dos conhecimentos históricos
no espaço escolar. Também rememoram a formação e
a trajetória profissional dos acadêmicos a partir das
leituras sobre formação de professores no Brasil e es-
timulam a compreensão das relações entre saber his-
tórico acadêmico e saber histórico escolar, do Ensino
14 UFS. Programa de ensino da disciplina História do Ensino de História.
(Itamar Freitas) 2018-1. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/sobre_
programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
39
de História como um campo de disputas políticas, cul-
turais e sociais e das propostas teórico-metodológicas
contemporâneas para o Ensino de História.
No que diz respeito aos objetivos específicos mi-
noritários, eles são concentrados na análise da especifi-
cidade epistemológica do conhecimento histórico escolar
e nas estratégias usadas pelos professores para lidar
com os desafios da prática docente. Nesse sentido, pres-
crevem o exame do Ensino de História a partir da im-
portância das mídias, do patrimônio, articulando-os às
questões sobre os espaços de formação dos professores.
Os objetivos também exploram a reconfiguração profes-
sor, da função da História e de seu ensino, e os dilemas
derivados de demandas recentes e diversificadas, relati-
vas à História e seu ensino.
Comparados os objetivos gerais com os objetivos
específicos, podemos perceber que estes últimos acompa-
nham os primeiros, ou seja, no que diz respeito à forma-
tação de uma memória histórica sobre o próprio campo.
Paradoxalmente, os objetivos específicos minoritários se
aprofundam nos princípios que regem o PROFHISTÓ-
RIA, ressaltando a forma de produção do conhecimento
histórico como fundamento do Ensino de História, embo-
ra o reconheçam como um saber de fronteira e, portan-
to, em diálogo com outros conhecimentos, sobretudo os
provenientes das Ciências da Educação (Currículo, His-
tória da Educação, Psicologia da Aprendizagem, entre
outras). Assim, o conteúdo majoritário dos programas
prioriza uma narrativa unilinear e homogeneizadora
traduzida em quatro temas: (1) o surgimento da Histó-
ria como disciplina e campo disciplinar, com ênfase no
exame dos currículos; (2) as finalidades do Ensino de
40
História; (3) o Ensino de História como objeto de estudo
em suas tendências e perspectivas; e (4) a trajetória do
Ensino de História na Educação Básica e Superior no
Brasil, no que diz respeito às políticas públicas e às re-
formas educativas posteriores aos anos 1980.
São esses temas que consideramos a representa-
ção da ossatura dos programas, ou seja, a prescrição do
estudo da historicidade da disciplina escolar História (ou
do ensino, ou dos currículos de História) nos séculos XIX
e XX, no Brasil, com algum detalhamento em relação à
experiência republicana: governos de Getúlio Vargas e
recente Ditadura Militar. Minoritária é a historicização
dos cursos superiores de História.
Na distribuição do conteúdo essa ossatura fica
mais nítida, sobretudo quando são apresentadas as re-
ferências bibliográficas. Exemplos estão na discussão da
“trajetória do Ensino de História na educação básica”, via
S. G. Fonseca e a “emergência da História como campo
disciplinar no século XIX, via C. Bittencourt15 “o Ensino
de História no século XIX”, com C. Bittencourt, e “o Ensi-
no de História na primeira metade do século XX, com K.
Abud16. Sobre a história recente, os programas de ensino
exploram, por exemplo, a instituição da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC) e os seus desdobramentos
no Ensino de História, com A. Cabral, e o livro didático
de História, com S. Miranda17, as categorias “consciência
15UDESC. Programa de ensino da disciplina História do Ensino de História.
(CAROLINE J. CUBAS) 2019-1 Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/
sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
16UFRJ. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. (Marcia de
Almeida Gonçalves e Daniel Pinha). Disponível em: https://profhistoria.ufrj.
br/sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
17UFSC. Programa de ensino da disciplina História do Ensino de História.
(Mônica M. da Silva) 2019-1. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/so-
bre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
41
histórica”, com M. A. Schmidt, e “profissionalização” via
“Escola uspiana de História”, com M. H. R. Capelato18.
Essas disposições de objetivos e assuntos nos
induzem à percepção de que há uma historiografia de
história do Ensino de História consolidada, embora
seja restrita a experiência Rio de Janeiro, um pouco
menos de São Paulo e menos ainda de Minas Gerais,
mas concentrada nesses estados. A produção historio-
gráfica de outros estados não reverberou nesta síntese
que é muito homogênea.
Os programas que mais especificam a história do
Ensino de História são os do Rio de Janeiro e isso ocorre,
provavelmente, por causa da concentração de dados so-
bre livros didáticos, instituições-modelo e a narrativa da
capital federal que se espraia para todo o Brasil (a USP
é o padrão narrativo para todo o país no que concerne a
história dos cursos superiores).
Não há referências a experiências isoladas ou
inseridas em outros saberes da história do Ensino de
História antes do Colégio Pedro II e do IHGB, embora
elas estejam documentadas historiograficamente. Os
professores vinculados a cursos de programas da área
da Educação ou por esta perspectiva orientados buscam
a escola como objeto de pesquisa e, por isso, discutem
aprendizagem, autobiografias e relação com ensino. As-
sim, a perspectiva majoritária é aquela assumida pelo
UFSC. Programa de ensino da disciplina História do Ensino de História. (Eli-
son A. Paim) 2019. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/sobre_progra-
ma/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
UFSC. Programa de ensino da disciplina Teoria da História. (Janine Gomes
da Silva e Luciano de Azambuja). Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/
sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
18UFRN. Programa de ensino da disciplina História do Ensino de História.
(Raimundo N. A. da Rocha) 2018-1. Disponível em: https://profhistoria.ufrj.
br/sobre_programa/historico_programa. Acesso em: 23 nov. 2019.
42
campo da História da Educação, destacando currículos
prescritos, não ficando claros os esforços para pensar a
história dentro dessa perspectiva.
Corroborando a síntese da história do Ensino de
História consolidada, os anos 80 do século XX são apresen-
tados como momento de debates, mas muito indefinidos,
passando a impressão de que a falta de uma orientação ou
de um consenso sobre o ensino-aprendizagem de história
é sinônimo de pluralidade e, portanto, de democracia.
As novas tecnologias (mídias digitais) são a
grande novidade e o grande problema dos dias atuais,
inseridas em uma grande contradição: aparecem como
democráticas, plurais, mas, ao mesmo tempo, como um
embate com a escola. A história disseminada, sobretu-
do, pelos youtubers e influenciadores digitais é tida como
um mal a ser combatido, embora, o reconhecimento de
múltiplas narrativas sejam consenso.
Esses elementos capturados no exame dos progra-
mas de história do Ensino de História nos levam a afir-
mar que tanto as ementas como a sua tradução em objeti-
vos e assuntos indicam uma consolidação de uma história
do Ensino de História no Brasil em termos de objetos e
periodização. Os objetos não prescritos pelas ementas,
resultantes das experiências singulares do corpo docente
de cada núcleo do PROFHISTÓRIA, contudo, são muito
dispersos, sobretudo quando põe em questão as relações
entre saberes da prática e saberes teóricos da História e
da Educação e uma diversidade de desafios cotidianos a
serem enfrentados pelo profissional docente.
Pensamos que tais considerações já nos permitem fa-
zer uma última comparação entre o que observamos nos pro-
gramas das duas disciplinas, a título de considerações finais.
43
Considerações finais
44
O segundo desafio é a difusão de um corpo con-
ceitual mínimo que explicite os critérios de validação do
trabalho do profissional de História em termos de inves-
tigação, escrita e usos do conhecimento histórico em am-
biente escolar. Embora não tenhamos encontrado muita
discordância entre os currículos dos cursos no que diz
respeito à Teoria da História, chamam a atenção as ini-
ciativas (que podem se transformar em tendências) de
instituição de epistemologias de formação de professor
e epistemologias da História e (em parte consequência
dessas iniciativas) as tentativas de instituir, em nível
epistemológico, um espécie de transposição de uma su-
posta Teoria da História (isolada dos seus usos) para o
Ensino de História (isolado das suas teorias).
45
A DIMENSÃO PROPOSITIVA DA
PESQUISA NO CONTEXTO DOS
MESTRADOS PROFISSIONAIS:
REFLEXÕES A PARTIR DO
PROFHISTÓRIA1
T
emos envidado esforços no sentido de sistemati-
zar reflexões (por meio das nossas participações
em eventos2 sobre as singularidades contidas no
PROFHISTÓRIA)3 que podem favorecer o repensar de
relações e práticas, infelizmente, naturalizadas entre
poderes acadêmicos. Por isso, gostaríamos de organi-
1 Este texto foi inicialmente publicado em: Susana Cesco; Aline Montenegro
Magalhães; Leila Bianchi Aguiar; Alexandre G. da Cruz Alves Jr. (Org.). En-
sino de História: reflexões e práticas decoloniais. 1ed.Porto Alegre: Letra 1,
2021, v. , p. 135-144. Agradecemos aos organizadores a oportunidade para
sistematizar as reflexões que apresentamos no evento que deu origem ao livro
e a autorização para sua publicação neste novo formato.
2 Há vários exemplos, alguns deles disponíveis na internet: em novembro de
2019 Margarida Oliveira foi convidada pela Coordenação Nacional do PRO-
FHISTÓRIA para analisar e apresentar os Programas da disciplina História
do Ensino de História durante I Encontro Nacional do PROFHISTÓRIA e
no dia 04 de junho de 2020, as profas. Dra. Mônica Martins (UFSC) e Cris
Meneguello (UNICAMP), organizaram como integrantes da Comissão Aca-
dêmica Nacional (CAN) do POFHISTÓRIA, uma mesa-redonda da qual, par-
ticipou também a profa. Dra. Ana Maria Monteiro (UFRJ), oportunidade em
que Margarida Oliveira apresentou algumas das ideias que são desenvolvida
neste capítulo. Itamar Freitas e Margarida Oliveira, conjuntamente, apre-
sentaram no evento O que se ensina e o que se aprende em História, que foi
realizado nos dias 9 e 10 de setembro de 2020 por meio remoto, análise sobre
os resultados das Dissertações do PROFHISTÓRIA em relação aos livros di-
dáticos, entre outros.
3O Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA), se orga-
niza em rede, liderada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Tem como objetivo a formação continuada de professores. É um dos progra-
mas financiados pela CAPES e teve seu primeiro processo seletivo em 2014
para onze Núcleos. Atualmente contabiliza trinta e quatro Núcleos espalha-
dos em todas as regiões brasileiras. Tem como Linhas de Pesquisa: Saberes
históricos no espaço escolar; Linguagens e Narrativas Históricas: Produção
e Difusão e Saberes históricos em diferentes espaços de memória. Para mais
informações, acessar o site https://profhistoria.ufrj.br/
46
zar argumentos em prol de posições não exclusivamente
nossas, embora não majoritárias entre os que compõem
os Colegiados dos Núcleos do PROFHISTÓRIA que pos-
sam vislumbrar futuros possíveis.
Um traço identitário
47
riais didáticos, propostas para a sala de aula, se configu-
rem em auspicioso trabalho de divulgação científica.
Os caminhos investigativos no PROFHISTÓ-
RIA, portanto, têm o chão da escola como ponto de
partida para elaboração do questionamento inicial do
professor da educação básica. Isso é importante por-
que valoriza a formação inicial do docente, que tem
se apropriado das suas várias experiências, demandas
e potencialidades escolares, das suas angústias, de-
mandas, delimitações de problemas com o objetivo de
tornar as situações de ensino e aprendizagem de His-
tória cada vez mais adequadas e significativas para a
comunidade com que trabalha.
O diálogo que se estabelece nas universidades há
de ser compreendido entre dois profissionais. Se assim
não for, podemos correr o risco de esta pós-graduação
ser encarada restritamente como curso de atualização
historiográfica e, embora ela também possa ser assim
compreendida, desejamos outra relação entre os sujeitos
que dialogam. Se assim ocorrer, contribuirá para desna-
turalizar a forma hierarquizada como a academia olha
para a sala de aula da educação básica. Para isso, faz-se
necessário que os professores universitários construam
situações tanto em sala de aula quanto nos espaços de
orientação para que os saberes elaborados pelos colegas
da educação básica e no espaço da escola sejam efeti-
vamente interpretados como um conjunto de conheci-
mentos diferenciados, destinados a públicos e objetivos
outros e que requerem compreensão das suas especifici-
dades e tratamento equânime sem os estereótipos, como
bem denunciam Coelho e Coelho (2014):
48
O saber histórico escolar esteve, então, frequen-
temente vinculado a objetivos que subordinaram
a compreensão do passado aos fins projetados
pelo momento político. Mais que os objetivos, no
entanto, é a situação de produção que demarca,
de modo definitivo, a distinção entre os saberes
aqui destacados. Tanto quanto a compreensão do
passado, é a necessidade de engendrar cognição
o que circunscreve o saber histórico escolar. Este
aciona, para tanto, não somente as matrizes te-
óricas recorrentes entre os historiadores, mas,
principalmente, teorias da aprendizagem e da
didática. O saber histórico conforma-se, ainda, de
duas formas que, mesmo complementares, não se
confundem: a aula e o texto didático. Finalmente,
o saber histórico escolar está voltado para um pú-
blico específico, a comunidade escolar, diante da
qual se concretiza. Diferentemente do saber his-
toriográfico, criticado e dimensionado pelos pares
(CERTEAU, 1988, p. 20-24), esse assume todo o
seu potencial nas situações de aprendizagem, por
meio do seu uso, qual é feito por professores, alu-
nos e demais agentes escolares.
49
tem uma potencialidade ainda não foi devidamente
dimensionada e, com isso, valorizada, na confecção
das dissertações.
50
O que denominamos de dimensão propositiva no
PROFHISTÓRIA está definida no Artigo 15 do Regi-
mento Geral:
A dissertação do PROFHISTÓRIA tem por obje-
tivo traduzir o aprendizado ao longo do percurso
de formação bem como gerar conhecimento que
possa ser disseminado, analisado e utilizado por
outros profissionais dessa área nos diferentes
contextos onde são mobilizadas diferentes for-
mas de representação do passado.
§ 1º - A natureza da dissertação, a despeito do
formato que possa vir a assumir, deve tradu-
zir obrigatoriamente as três dimensões traba-
lhadas ao longo do curso: (i) a apropriação dos
estudos e debates recentes sobre as temáticas
trabalhadas; (ii) a criticidade em termos do co-
nhecimento e práticas acumuladas na área e
(iii) as possibilidades de produção e atuação na
área do Ensino de História que contribuam para
o avanço dos debates e a melhoria das práticas
do profissional de História dentro e/ou fora da
sala de aula. Para tal ele constará de duas par-
tes: uma parte crítico-analítica (dimensões i e ii)
e uma parte propositiva (dimensão iii).
§ 2º - O produto final pode assumir diferentes
formatos como: texto dissertativo, documentá-
rio, exposição; material didático; projeto de in-
tervenção em escola, museu ou espaço similar, a
condição que incorpore as três dimensões ante-
riormente explicitadas.
51
completa com as outras que prevê a criticidade sobre o
conteúdo e práticas e a proposição, não deve ser, apenas,
uma reescrita dos textos acadêmicos, mas efetivamente,
um diálogo com os saberes que a experiência do docente
faz emergir com um tempo para se debruçar sobre o vivi-
do, a autorreflexão como princípio educativo. Na prática,
porém, o termo “produto” foi muito mais rapidamente
disseminado do que a denominação dimensão proposi-
tiva utilizada no Regimento e isso causou dificuldades
de entendimentos e críticas sobre a possível vinculação
estritamente mercadológica da designação5.
Mas, o grande desafio foi explicitar e fazer cumprir
um princípio que norteia o PROFHISTÓRIA que, apesar
de se fazer presente nas publicações da Associação Nacio-
nal de História (ANPUH/BR), desde os anos 1980 (OLI-
VEIRA, 2012), em autoras pioneiras no Ensino de Histó-
ria (NEVES, 1980) e amplamente divulgado pelo sucesso
editorial de Jörn Rüsen no Brasil (RÜSEN, 2001; RÜ-
SEN, 2007a; RÜSEN, 2007b), por exemplo, ainda colide
com o imaginário e tradição do Ensino de História, não só
na educação básica. Trata-se da configuração do ensino-
-aprendizagem de História como uma alfabetização cien-
52
tífica ou a estratégia de ensino-aprendizagem como meio
para o aprender, promovendo a autonomia do estudante.
O que moveu parte dos docentes universitários inseridos
na rede foi a necessidade de que este produto, material
didático ou dimensão propositiva, usasse claramente ele-
mentos que são fundantes da forma de produção do co-
nhecimento histórico, isto é: partir de um questionamen-
to ou problema inicial; ter um recorte espaço-temporal;
promover um diálogo por meio de vestígios das formas de
agir, pensar e sentir dos períodos em estudo; construir co-
nhecimento, mesmo que em situação didática; promover o
conhecimento e de metodologias específicas (conforme os
vestígios utilizados); e, por fim, viabilizar a construção de
narrativas pelos próprios alunos.
Utilizando as experiências do Programa Inte-
rinstitucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
e aliando aos princípios explicitados pelo PROFHISTÓ-
RIA no seu Regimento Geral e na forma de seleção dos
ingressantes, procuramos definir o que seria o “produto”:
é um material didático acompanhado de orien-
tações e/ou sugestões para sua utilização em
atividade de ensino-aprendizagem, a partir
de problema(s) diagnosticado(s) pelo docente
e que tem como objetivo saná-lo ou contribuir
para sua diminuição. Pressupõe o uso do méto-
do científico no todo ou em parte como forma de
colocar o aluno no centro do processo de constru-
ção do conhecimento, associando os objetivos de
aprendizagem aos de formação da cidadania e
construção da autonomia do sujeito aprendente
(SOUZA; OLIVEIRA, 2021).
53
o próprio objetivo do ensino-aprendizagem de História. É
viável, assim, efetivar o objetivo de o ensino-aprendizagem
de História ser o entendimento do tempo como instrumen-
to de leitura das sociedades e, portanto, mais uma forma
de compreensão como os seres humanos, vivendo em socie-
dades, formularam respostas aos seus problemas.
Avanços
54
nais da educação básica e, entre estes, dos que mobilizam
os saberes do ensino do Ensino de História (seja pela pes-
quisa, seja pelos anos de exercício e reflexão sobre) com os
que mobilizam os saberes específicos da ciência de refe-
rência. Entre os professores universitários que atuam no
PROFHISTÓRIA, comemora-se, ainda, a possibilidade de
interlocução dos que mobilizam os saberes específicos da
História e os que mobilizam os saberes pedagógicos. Isso
pode parecer pouco, à primeira vista, dada a argumen-
tação de que a universidade deveria proporcionar esse
debate permanentemente. Na prática, contudo, isso não
ocorre. Os departamentos, faculdades e grupos de pesqui-
sa têm ritmos e formas de trabalho que pouco proporcio-
nam o diálogo, idealmente ininterrupto.
Por essas razões, o PROFHISTÓRIA tem sido
muito exitoso apontar alternativas para problemas que
haviam sido evidenciados, mas que permaneciam inalte-
rados diante das zonas de conforto ou dos poderes que
se instituíram. Os desafios, porém, não são diminutos. O
modelo mestrado acadêmico consolidado em nosso país é
sempre um espectro que ronda os mestrados profissionais
e, no caso do PROFHISTÓRIA, não é diferente. Invaria-
velmente os mestrandos ainda perguntam se o mestrado
profissional vale tanto quanto o acadêmico e alguns pro-
fessores universitários, insistem nos estereótipos que vi-
cejam neste último querendo transpô-los para o mestrado
profissional. Nos referimos, sobretudo, a uma desmedida
quantidade de indicação de leituras; a expectativa de um
estudante que dedica todo o tempo ao curso; e aos estudos
teóricos descolados da prática que se quer refletir.
É necessário construir propostas que não se res-
trinjam a espelhar o modelo da dissertação acadêmica
55
ou a perseguir esse formato. Não só porque ele não se
aplica ao mestrado profissional, mas também porque ele
não é sinônimo de perfeição. Quando nos referimos ante-
riormente à triangulação de saberes também incluíamos
a necessidade de consolidar uma compreensão diferen-
te sobre a apropriação dos conhecimentos da área, posto
que o texto resultante do mestrado profissional precisa
explicitar o diálogo ocorrido entre os saberes da experi-
ência, os saberes da ciência de referência e os saberes
pedagógicos. Assim, mais do que resumir uma ampla
produção sobre o problema e o conhecimento sobre o qual
se debruça, defendemos que a dissertação do PROFHIS-
TÓRIA seja meio de divulgar os resultados dos longos ca-
minhos percorridos e que, desta forma, possam ser textos
sintéticos sem desmerecer a qualidade, divulgando para
outros professores o estado atual da questão no que se re-
fere àquela temática escolhida como objeto de pesquisa.
Com essa defesa, não estamos excluindo a neces-
sidade, viabilidade ou reconhecimento de que os mes-
trandos tenham acessado uma ampla bibliografia – no
momento do mestrado ou na sua formação inicial – mas,
a imprescindibilidade de a partir da experiência já acu-
mulada criar possibilidades para que o conhecimento
produzido, apropriado e representado nas dissertações
do PROHISTÓRIA atenda à perspectiva de viabilizar a
divulgação do conhecimento. Assim, é necessário pautar
a possibilidade de o formato do texto acadêmico ser re-
dimensionado para o caso dos trabalhos finais dos mes-
trados profissionais. Como resultado, as potencialidades
enumeradas anteriormente não seriam desperdiçadas.
Outro desafio do mestrado profissional é minorar
ou, até mesmo, dar respostas a problemas diagnostica-
56
dos no espaço de trabalho. No nosso caso, a escola ou a
rede de ensino. Tanto melhor que o profissional que está
enfrentando esta reflexão disponha de tempo para tra-
balho de tal envergadura. Mas, isso não ocorre na maio-
ria das vezes. A maioria dos docentes da educação básica
não têm sua carga horária diminuída: se vêm obrigados
a conciliar a extenuante jornada de trabalho na sala de
aula como regente às tarefas de leitura, análises e de-
senvolvimento da pesquisa.
A diminuição no número de bolsas pela CAPES au-
menta os esforços para acesso à compra de livros, usufruto
de um bom acesso à internet e outros equipamentos neces-
sários aos estudos. Por isso, se faz necessário, além de conti-
nuar nossas demandas pela reestruturação das ações para
as agências de fomento no que diz respeito à concessão de
bolsas em quantidade compatíveis com os ingressantes no
curso, construir alternativas por meio das nossas universi-
dades onde funcionam os Núcleos do PROFHISTÓRIA com
ações junto às prefeituras e governos dos estados para que
os profissionais sejam reconhecidos com algum incentivo.
Que o direito à formação continuada não seja encarado como
uma ação unilateral, somente do mestrando.
Conclusões
57
PROFHISTÓRIA: incluir os conhecimentos produzidos
pelo campo do Ensino de História na formação de profes-
sores. O campo de pesquisa sobre Ensino de História se
organiza em nosso país junto com a institucionalização da
pós-graduação a partir da década de 1970, apesar de ha-
ver iniciativas de estudos anteriores a este período (OLI-
VEIRA, 2012). Como outros campos de conhecimento, ele
apresenta problemas de pesquisa, fontes, historiografia,
teóricos e resultados específicos com os quais os formado-
res de professores de História deveriam dialogar, assim
como o fazemos quando precisamos atuar em outras áre-
as, recorrendo ao que já foi produzido.
Lamentavelmente, observamos que a formação
de professores de História, sobretudo, no que concerne
aos cursos de graduação em História, ela ainda se res-
tringe as referências que vêm, estritamente, das expe-
riências dos professores formadores nas suas condições
de ex-alunos e professores. Usando da comparação, tudo
ocorre como se as políticas públicas de memória e patri-
mônio desconhecessem os conhecimentos produzidos na
área. O maior campo de atuação dos profissionais for-
mados em História (o ensino) não deve evitar o dialo-
gar com os conhecimentos produzidos pelos pesquisado-
res do campo. E, nisso, as dissertações provenientes do
PROFHISTÓRIA, têm uma grande contribuição a dar.
Em recente trabalho (OLIVEIRA; FREITAS,
2020), reapresentado como o segundo capítulo deste
livro, apontamos outras contribuições e outros desa-
fios, mais especificamente, em relação à bibliografia e
conflito, de negacionismo por parte dos docentes formadores de professores
que ainda insistem em trabalhar com a ideia de que, por serem professores,
conhecem o que é ensino-aprendizagem de História, renegando o diálogo com
as pesquisas transformadas em conhecimento e divulgadas por meio de dis-
sertações, teses, artigos acadêmicos e outras publicações.
58
abordagens desse conteúdo. É necessário nos debruçar
sobre os componentes curriculares em oferta (Teoria
da História e História do Ensino de História) e, entre
outras questões, avaliarmos a pluralidade ou não da
bibliografia consumida.
De diferentes pontos de vista, no entanto, é clara
a potencialidade que emerge de uma experiência como
essa. O fato de surgirem inúmeras publicações que siste-
matizam algumas das contribuições e experiências é só
um elemento a acrescer à grande lista de novos aportes
que o PROFHISTÓRIA explicita.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
59
PROFHISTÓRIA. Mestrado Profissional em Ensino de História. Re-
gimento Geral do PROFHISTÓRIA. Rio de Janeiro, sd. Dispo-
nível em: https://profhistoria.ufrj.br/uploads/regulamentos_formula-
rios/58dad185519ae_Regimento_Geral.pdf. Acesso em: 23 jan. 2021.
60
QUESTÕES E SOLUÇÕES DE
PESQUISA NAS DISSERTAÇÕES DO
PROFHISTÓRIA (2016-2020)1
O
presente capítulo nasceu de uma hipótese de
Margarida Dias. Para ela, o livro didático de
história, por motivos vários, perdera espaço
como objeto do conhecimento das pesquisas realizadas
pelos profissionais da educação básica, como mestrandos
no Programa de Pós-graduação em Ensino de História -
PROFHISTÓRIA.
Para averiguar se essa hipótese se confirmava,
nos propusemos a levantar dados nas dissertações dis-
poníveis no site do PROFHISTÓRIA e tentar conhecer
adequadamente essa produção no que diz respeito ao
diálogo com o assunto/problema “livro didático”. Assim,
transformamos o conjunto de 193 dissertações defendi-
das no período 2016/2018 em nosso corpus documental e
as submetemos a buscas sistemáticas no banco de dados
Atlas ti. 9, localizando, quantificando e cruzando a ex-
pressão “livro didático” com os segmentos de texto an-
teriores e posteriores à locução, dentro do parágrafo, do
capítulo, na introdução e na conclusão.
A empreitada resultou em um conjunto de 2200
fichamentos, distribuídos desigualmente entre os três
anos de defesa e no interior de cada uma das 105 disser-
tações que registravam “livro didático” ou “livros didáti-
cos”. Foi a partir desse grupo de dados que construímos
1Este texto foi publicado inicialmente no livro: O que se ensina e o que se
aprende em história: a historiografia didática em debate: volume 1 /, Orga-
nizado por SOUZA, Juliana Teixeira, OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de.
Oliveira, editado pela Editora Cabana em 2022.
61
nossa argumentação acerca dos modos de abordar o ob-
jeto livro didático nos trabalhos dos pós-graduandos do
Mestrado Profissional.
O texto que se segue conta a história dessa pesqui-
sa e as respostas à questão inicial a partir de quatro tópi-
cos. No primeiro, apresentamos uma síntese das regras e
das estratégias empregadas para a extração e o processa-
mento dos dados discutidos adiante. Em seguida, apresen-
tamos um brevíssimo perfil dessas pesquisas sob o ponto
de vista das questões que as motivaram, das causas apon-
tadas para esses problemas, das soluções que apresenta-
ram e dos suportes que veicularam essas mesmas soluções,
elementos os quais, sobretudo os dois primeiros, podemos
considerar canônicos, independentemente da perspectiva
epistemológica moderna à qual se filie o historiador.
No terceiro tópico descrevemos a percepção dos
professores-autores sobre a matéria em termos de três
conjuntos de dominantes proposições recolhidas: artefa-
to controlado pelo mercado e controlador da sociedade;
objeto de regulação estatal; e recurso didático para o En-
sino de História.
Nas conclusões, apresentamos duas possíveis ra-
zões sobre a incompreensão dos egressos do PROFHIS-
TÓRIA acerca da natureza e do lugar do livro didático no
Ensino de História, considerados determinados consen-
sos produzidos pela literatura especializada, nos últimos
vinte anos, operação que já resume a nossa interpreta-
ção sobre os usos do artefato no Programa. Por fim, e
motivados pelo tratamento da matéria entre egressos e
orientadores, reiteramos nossa posição em torno do sig-
nificado de trabalho inovador no Ensino de História, no
ambiente do PROFHISTÓRIA.
62
Extração e processamento dos dados
63
Este número inicial expresso na designação de tí-
tulos, somado à incorporação de todos os produtos-carti-
lha na suposta condição de livro didático, já comprovaria
a hipótese que nos estimulou a analisar as dissertações.
Considerando o papel do livro didático no cotidiano do-
cente, encontrar cerca de 17% (15 autores em 105) de
trabalhos com foco exclusivo no artefato é razão para in-
ferir pelo desprezo. Quando ampliamos o foco para os re-
sumos, este número foi a 19 (18%), não diferenciando-se,
qualitativamente, dos dois usos referidos acima: a abor-
dagem do livro didático como fonte potencial, limitada
ou negativa para uso no Ensino de História. Contudo,
resolvemos seguir as buscas em todo o acervo disponível,
ao contrário de focar na amostra mais significativa, for-
mada por 19 textos. Assim, baixamos 193 dissertações
que não apresentavam problemas de links quebrados ou
arquivos corrompidos.3
Em junho e julho do mesmo ano, apoiados pelo
trabalho de alunos e alunas, graduandos em História na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN4,
alimentamos o Atlas com os arquivos baixados e recolhe-
mos 2217 trechos dessas 105 dissertações. Em seguida,
submetemos o material fichado a uma série de seleções,
classificações e codificações, empregando tabelas e con-
sultas do aplicativo Access, combinadas a quantificações
no aplicativo Excel.
A primeira seleção consistiu na eliminação das
informações repetidas em uma mesma dissertação. As
repetições de frases afirmativas são comuns nas disser-
3A base de dados nacional do PROFHISTÓRIA anunciar 235 registros, em maio
de 2020. (https://profhistoria.ufrj.br/banco_tese).
4Deste trabalho, participaram Danielle Pereira Romeiro Silva, Diego Higor
Fernandes Silva, Vivian Mikaelly da Silva Pereira e Wesley Silva Bandeira
Xavier, a quem agradecemos o valoroso levantamento de dados.
64
tações que apresentam coerência entre resumo, introdu-
ção, conclusões parciais e conclusões finais. Depois do
descarte, o número de fichas foi reduzido a 1824.5
A segunda seleção consistiu na eliminação de ocor-
rências inservíveis como resposta às questões da pesquisa.
Excluímos os trechos onde “livro didático” e expressões em-
pregadas para anunciá-lo em frases interrogativas (o livro
didático “é a principal ferramenta da prática de ensino?”)
e em proposições que encerravam lugares-comuns (o livro
didático “é fonte de diversas informações”, o livro didático é
constituído por “múltiplos elementos” etc.). Também exclu-
ímos as citações diretas e as ocorrências em elementos pré
ou pós-textuais, como títulos, sumários, referências biblio-
gráficas dispostas ao final do texto e formulários emprega-
dos nas pesquisas e dispostos como anexos. Encerrada esta
seleção, o corpus foi reduzido a 1494 fichas.
Depois do descarte, procedemos à classificação do
material a partir de categorias macro que mediassem a
ideia de livro didático expressa nas dissertações. Após
leitura exploratória e verificadas as potencialidades de
5 Um exemplo da análise da dissertação de D. B. Quaiatto (2016) ajuda a com-
preender o processo de seleção e descarte de fichas. Em sua dissertação, “livro
didático” é grafado cinquenta vezes, ao todo, em sete situações, em frases que
funcionam como: 1. anúncio do objeto; 2. anúncio de capítulo (no resumo, su-
mário, título de capítulo); 3. palavras-chave; 3. historicização do artefato – “a
origem do livro didático está vinculada ao...” (p.12); 4. na indicação da fonte
da informação – “Programa Nacional do Livro Didático”; 5. na definição pela
função – o livro didático “contribui para a construção da consciência histórica”
(p.21), tem se tornado “um objeto totalmente obsoleto e irrelevante na prática
docente” (p.23) 6. na definição sobre o que ele poderia ser e citando literatu-
ra especializada – “que o livro didático “fosse apenas um apoio, mas não o
roteiro” (p.23); 7. na reiteração das teses dispostas em conclusões – “o livro
didático ainda constitui uma importante ferramenta no processo de ensino
aprendizagem” (p.28); e 8. nas referências ao final do texto, em títulos publi-
cados por C. Bittencourt, F. Caimi, I. Machado e A. Diehl. Ao final das depu-
rações (repetições, lugares comuns, citações diretas, citações indiretas, notas
não autógrafas e referências), conseguimos estabelecer vinte e três declara-
ções referentes à natureza, a função e a qualidade do conteúdo veiculado pelo
livro, ao seu papel de recurso para o ensino e de objeto de pesquisa acadêmica.
65
exame, adotamos a tríade o “livro didático foi”, “o livro
didático é” e “o livro didático deveria ou deve ser” como in-
dicadores principais. Constatamos que discussão sobre o
presente do livro didático (68%) era majoritária, restando
à idealização “deveria ser” e à constatação “o livro foi” os
reduzidos números de 6% e 5% respectivamente. Esses
dados, contudo, informavam pouco sobre a questão, quan-
do desconsideradas as suas correlações. Em geral, quem
declara o que o livro “não é”, indiretamente anuncia o que
o livro “deveria ser”. Quem anuncia o que o livro “foi”,
não raro, o faz de modo protocolar nos segmentos de texto
reservados à revisão da literatura. Assim, quantificamos
as ocorrências (sem repetições dentro de uma mesma dis-
sertação) por autoria, examinando 85% dos 105 autores
se ocuparam com o presente do livro didático.
O último procedimento que pusemos em prática foi
a recodificação de cada uma das fichas (tipificadas, ante-
riormente, entre passado, presente e futuro do pretérito).
Desse trabalho, outras categorias foram geradas. Quem
se ocupou com o presente do livro didático afirmou que ele
era sobretudo, um artefato de valor mercadológico, objeto
de controle estatal, instrumento de controle social, recur-
so de emprego didático. Em um segundo nível hierárqui-
co, quem afirmou simploriamente que o livro didático era
um suporte de informações ou um recurso para o Ensino
de História o qualificou como eficiente, insuficiente e, em
casos raríssimos, fundamental para a tarefa.
Essas categorias e subcategorias deram origem
às nossas assertivas, às tentativas de apontar as causas/
motivações para estes fenômenos e, consequentemente,
aos grupos de parágrafos que estruturaram a redação
final do tópico deste capítulo, escrito em junho de 2021.
66
Para iniciar a discussão a partir das categorias e
subcategorias referidas, apresentamos, agora, um quadro
geral das situações comunicativas que condicionaram os
mestrandos do PROFHISTÓRIA a selecionar os proble-
mas e/ou escolher objetos/objetivos das suas pesquisas.
Questões
67
A terceira situação motivadora de uma dissertação
é uma divergência teórica que, na maioria dos casos, emer-
ge na carreira do professor orientador e é transposta para
a pesquisa do mestrando. Bons exemplos são a tentativa
de substituir o ensino memorístico genérico pelas perspec-
tivas críticas de Paulo Freire ou de Theodor Adorno. São
também as tentativas de substituir a orientação que estru-
tura um livro didático ideal: retirar as competências, “sa-
ber”, “saber fazer” e “saber ser”, difundidas por Jaques De
Lors, e instituir as habilidades de “rememorar”, “interpre-
tar” e “orientar-se” na vida prática, colhidas na primeira
versão da Teoria da História de Jörn Rüsen.
A quarta (e não menos comum) situação que de-
flagra um problema de pesquisa no PROFHISTÓRIA é
uma divergência com um colega de profissão, em termos
de experiência docente. Um docente na Educação Bási-
ca, por exemplo, se incomoda como certo modo de em-
pregar filmes em sala de aula. Outro denuncia a ênfase
com que os colegas utilizam os “grandes homens”, em
detrimento da experiência dos “silenciados”, “excluídos”
e “subalternos”.
Foram essas quatro situações típicas que mobili-
zaram os mestrandos a desenvolverem suas pesquisas e
a concluírem suas dissertações, explorando uma miríade
de objetos, seja do ponto de vista da crítica, seja do pon-
to de vista da criação. Nesse sentido, se empenharam
na apresentação técnicas e instrumentos de ensino (au-
la-oficina, educação patrimonial, educação em museus,
representação teatral, programa de rádio, sequências
didáticas), elementos de currículo (história da África,
história local, conceito de gênero, memória local, relação
natureza-meio ambiente, Ditadura Militar, Guerra do
68
Vietnam, entre outros), gêneros (biografia, lenda, dra-
ma, poema), alguns deles veiculados em artefatos clás-
sicos (cartilhas, filmes, jogos) e contemporâneos (blogs e
sites). Em menor grau, se interessaram pela denúncia de
ameaças ao ensino (Escola sem partido) e pelo conheci-
mento de aspectos da docência que impactavam a apren-
dizagem efetiva (a natureza da consciência histórica e
percepção sobre História da África).
Em meio a tais objetos, o artefato livro didático
foi citado, questionado, combatido ou reestruturado e,
principalmente, definido. É lamentável que a maioria
dos textos seja iniciada (e permaneça com) uma definição
generalista e, portanto, abstrata, proveniente da litera-
tura especializada. Para não recairmos nessa armadilha
que amputa a rica experiência dos professores, vamos
descrever a percepção dos mestrandos a partir das es-
tratégias discursivas que eles mesmos empregam para
realizar o conceito de livro didático: o emprego majoritá-
rio de proposições sobre o que o livro é e, implicitamente,
sobre o que ele poderia e/ou deveria ser.
69
Tabela 1 - Percepções dos mestres do PROFHISTÓRIA
sobre livro didático no presente 2016-20196
CATEGORIAS %
Artefato mercadológico 13
Instrumento de controle social 18
Objeto de regulação estatal 32
Objeto de pesquisa acadêmica 59
Recurso de ensino-aprendizagem 64
70
autores. Por isso, as categorias ganham primazia como
elemento estruturante da discussão e do texto.
Um artefato controlado pelo mercado
e controlador da sociedade
71
em conseguir um trabalho”. Esse comportamento nos
leva à sacrílega indagação: estar inserido no mercado
de trabalho, em um país capitalista, também não seria
um horizonte para práticas de cidadania?
De qualquer forma (é necessário registrar),
as duas referências utilizadas – K. Munakata (1997;
2007; 2009, 2012a; 2012b) e C. Cassiano (2007; 2013)
– não expressam esse veio depreciador agregado ao
termo “mercado”. Para Munakata, mais importante
era compreender sujeitos, práticas, saberes e objeti-
vos diferenciados que compunham o livro didático e
contribuir com a ideia de que a literatura escolar não
era, meramente, a simplificação da literatura acadê-
micas. Era, sobretudo o “apriorismo”, a ideia de o livro
ser “necessariamente ruim, o avesso da ciência” por
sua condição de mercadoria que deveria ser evitado
(MUNAKATA, 2012a, p.63-64).
A segunda categoria minoritária expressa a fun-
ção de instrumento de controle social exercida pelo livro
didático. A expressão é também multifacetada, abran-
gendo desde a função benéfica, de modificador dos cos-
tumes conservadores até o potencial do artefato como
reforçador de práticas centenárias como o racismo. Uma
primeira atitude, nesse sentido, é operacional. Para al-
guns autores o livro didático é simplesmente formador
de memória coletiva, de identidades e diferenças e de
consciência histórica (SANTOS, 2016, p. 22 e 104-105).
A segunda atitude varia de uma posição ponderada à
reação ao instrumento, sem que o resultado da interven-
ção ataque os vícios detectados. Um autor, por exemplo,
entende que o “livro didático é um bom instrumento, por-
que nele” são encontradas “diversas linguagens e dentre
72
elas [...] a linguagem imagética”. Mas alerta que tais
representações devem ser problematizadas pelo profes-
sor, mediante aulas-oficina, com o objetivo de demons-
trar para os alunos o caráter socialmente construído do
conhecimento histórico (SANTOS, 2018a, p.100-101).
Outro autor parece concordar com o caráter de veículo
dos “interesses” de “um grupo dominante” dos livros di-
dáticos e propõe rodas de conversas entre os professores
para selecionar estratégias de uso de filmes em sala de
aula. O projeto que apresenta ao final tem como “objeti-
vo principal” a promoção da “capacidade crítica e criati-
va através das experiências audiovisuais na escola em
diálogos com o protagonismo dos estudantes, no intui-
to de que haja um reconhecimento do valor artístico do
cinema”, em consonância com as diretrizes curriculares
locais (OLIVEIRA, 2018, p. 24-107).
No caso dessas apropriações perpassam três
ideias-forças que vigoraram nas análises de livros didá-
ticos. A primeira é a declaração de que o livro didático
é um grande difusor de inverdades, disseminada, prin-
cipalmente nas décadas de 1980 e 1990. Casos exem-
plares, em perspectivas teóricas diferentes, são, por
exemplo, os livros As belas mentiras (DEIRÓ, 1981) e
As mentiras que o meu professor [de História] me con-
tou (LOEWEN, 1995). Na última década, a grande mídia
também assumiu o papel de depurador dos livros didáti-
cos e os olhares acadêmicos se voltaram para prescrutar
erros, faltas e inconsistências dessa literatura. A segun-
da ideia-força é a de que os livros didáticos reproduzem
permissiva ideologia do regime ditatorial, enfatizando a
vinculação de livros didáticos com projetos de governo e
sociedade. Nessa linha, um dos trabalhos mais citados
73
– inclusive porque parte dele se encontra em uma obra
de divulgação científica muito difundida – é o de K. M.
Abud (1995), “Currículos de História e políticas públi-
cas”. A terceira ideia é a de que os livros didáticos e os
seus autores incorporaram as melhorias induzidas pelos
editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
ou seja, a declaração de que o artefato ganhou qualidade
após anos de avaliação sistemática (SOARES, 2017).
Além da incorporação dessas ideias, percebemos
que docentes da Educação Básica que se preocupam
com a função mercadológica também se interessam pela
função social do livro didático, mas a recíproca não é
verdadeira para boa parte dos autores que se referem
dominantemente à relação livro didático – controle so-
cial. Como são em número superior ao primeiro grupo,
percebemos que a orientação teórica transferida pela li-
teratura mais antiga exerce maior influência sobre os
mestrandos, quando comparada à literatura mais recen-
te que enxerga os componentes mercadológicos na cons-
tituição do livro didático.
74
para cumprir a sua função mediadora de conflitos. En-
tre os autores do PROFHISTÓRIA, contudo, é possível
tratar as categorias em separado, posto que o próprio
Estado é objetivamente explorado nas dissertações. Se
vimos, por exemplo, no tópico anterior, o livro como
uma ferramenta de transmissão ou conservação de ide-
ologias dos grupos política e/ou economicamente domi-
nantes, ao tratar da legislação e das instituições que
corporificam, os autores raramente as responsabilizam
pela já descrita transmissão/conservação.
Parte desse relativo desprezo pela noção e, con-
sequentemente, pelo papel do Estado na constituição do
livro didático está na amistosa menção ao mesmo. Salvo
denúncias sobre o papel do Ente na transmissão de uma
“história oficial” e sobre problemas pontuais de distribui-
ção do livro, entre estabelecimentos de ensino e entre pro-
fessores e alunos de escolas indígenas (SANCHES, 2018,
p. 51-52), a maior parte das menções é burocrática e in-
formativa, limitando-se a afirmar que o livro didático é
avaliado, financiado, comprado e distribuído pelo Estado,
com a participação do mundo acadêmico na prescrição da
sua qualidade (ANDRADE, 2018, p. 53). Outra menção
administrativa diz respeito aos dispositivos legais que
regulam a sua produção e distribuição (Diretrizes Cur-
riculares Nacionais e Editais do Programa Nacional do
Livro Didático), com ênfase para o lugar da legislação an-
tirracista e dos recorrentemente recuperados Parâmetros
Curriculares Nacionais (SIMÕES, 2019, p. 16-17).
A última menção típica ao poder regulador do
Estado é positiva. Os autores ressaltam o fato de o Es-
tado impor a mudança de sensibilidades na sociedade
brasileira, sobretudo quando combate o preconceito ra-
75
cial, quando determina a ampliação do conteúdo subs-
tantivo que cobre a experiência dos povos africanos e dos
afro-brasileiros, quando expressa a pesquisa de ponta
ao combater a presença do eurocentrismo no livro didá-
tico, durante a avaliação (VIEIRA, 2018, p. 38-39). Os
autores também ressaltam o fato de o Estado distribuir
o livro gratuitamente e de abrir espaços para a escolha
do artefato pelos próprios professores, apesar dos senões
apontados acima (OLIVEIRA, 2018, p. 26-27).
O que se observa, portanto, é uma referência ao Es-
tado de forma naturalizada como imutável e sinônimo de
governo, como tratado no senso comum. Se consideramos
que os trabalhos sobre livros didáticos permaneceram du-
rante muito tempo restritos à verificação de erros e ina-
dequações, compreenderemos que os mestrandos do PRO-
FHISTÓRIA incorporam sim a historiografia acadêmica.
Compreendemos também, por outro lado, que essa histo-
riografia acadêmica, ao menos em relação ao livro didático,
não dialoga com a Ciência Política e dimensiona pouco o
PNLD como política pública, sem observar os vários sujei-
tos que a compõem. Tal historiografia, lamentavelmente,
dissemina a ideia de que o livro didático possui a restrita
função de simplificar e transmitir o saber acadêmico.
É provável que a referência relativamente acríti-
ca em relação ao Estado (quando comparada essa cate-
goria às demais deste trabalho) esteja relacionada ao ca-
ráter informativo convencionalmente sugerido. Trata-se
de um dado relevante para a fundamentação de proble-
mas, hipóteses ou teses que envolvem as preocupações
com a as críticas à qualidade do suporte, as prescrições
sobre o modo de uso e, até, à fundamentação de eventu-
ais trabalhos de construção de outros recursos didáticos.
76
O livro didático como objeto
de pesquisa acadêmica
77
giada sobre presença de filmes, charges, metodologia de
ensino em geral e metodologias que abordam o desenvol-
vimento da noção de tempo.
Aqui, já aparecem as primeiras indicações de que
o livro didático é objeto deficiente e eficiente em alguns,
relacionados, em alguns casos, à sua condição de objeto
regulado pelo Estado e de instrumento ativo e passivo
de regulação social. Assim, para o acadêmico, o livro di-
dático depõe sobre a presença de preconceitos e estereó-
tipos, de eurocentrismo (MARCHI, 2016; SILVA, 2018).
Por outro lado, informa sobre a efetividade do combate à
discriminação racial e os impactos da avaliação sobre a
qualidade do instrumento.
A mais numerosa referência ao livro didático
como objeto de pesquisa, por fim, está relacionada ao seu
valor como veiculador de representações. Os objetos de
pesquisa de maior prestígio são as representações sobre
história dos povos negros, dos africanos, dos afrodescen-
dentes, dos povos indígenas e das mulheres. Menos refe-
ridos são os sujeitos como os “sem-terra” e membros de
“ligas camponesas” (PEREIRA, 2019; OLIVEIRA, 2019).
Acontecimentos e processos, a exemplo da ditadura mi-
litar no Brasil e a experiência da escravidão, completam
o rol de objetos. Entre os menos referidos, por fim, estão
as questões relativas aos usos do livro didático em sala
de aula e às representações e orientações metodológicas
destinadas ao professor.
Esses dados indicam que a apropriação da histo-
riografia sobre livro didático predominante nas décadas
de 1980 e 1990 quando se restringia a denúncia dos er-
ros e inadequações. É gritante a pouca reflexão sobre o
que constitui o livro didático e a que ele serve no interior
78
das práticas de ensino-aprendizagem de História. Ape-
sar das inclusões de outros sujeitos e saberes nas aná-
lises sobre livros didáticos a partir do final da década
de 1990 e anos 2000, ainda se mantém uma perspectiva
hierarquizada da academia em relação a escola e, tam-
bém por isso, o escoramento das reflexões sobre os livros
didáticos como materiais tradutores ou simplificadores
da historiografia acadêmica.
É provável que a predominante disposição das
ocorrências nas partes iniciais das dissertações (intro-
dução, revisão da literatura, metodologia etc.) e de ca-
pítulos justifique o lugar comum acima e, ainda, o tom
relativamente parcimonioso com o qual abordam esse
objeto de pesquisa. A ênfase na falta e a construção de
inventários de vícios dos livros didáticos, contudo, vai
predominar nos trechos em que os autores enfatizam a
função de suporte de conteúdo substantivo, como vere-
mos adiante.
79
mente, como “objeto cultural”, necessariamente observá-
vel em sua “historicidade”, resultante de “transposição
didática”, “espelho” e “tela da sociedade”, elemento da
“cultura escolar” e mercadoria da “indústria cultural”
(BARBOSA, 2016; CAMPOS; SILVA, 2016; BUCHTIK,
2018; MOURA, 2018; MACHADO, 2016).
Esse painel demonstra, como já afirmamos, a
incorporação da literatura na área, mas não depõe di-
retamente sobre o grau fidelidade das assertivas dos
Professores da Educação Básica com cada uma dessas
distintas acepções. Há neste rol de autores os que com-
batem a valoração do livro didático estruturada no bem/
mal, abrindo a possibilidade de qualificações menos
simplistas. Contudo, observando o conjunto dos textos
analisados, vence a ideia de livro didático como suporte
para conteúdo vário e, consequentemente, recurso para
os processos de ensino-aprendizagem, aprovado ou re-
provado no todo, a partir da coloração ideológica e, até,
do projeto acadêmico-pessoal de quem produz ou orienta
a dissertação. O livro didático é, assim, um recurso rara-
mente suficiente e majoritariamente deficitário para as
situações didáticas que envolvem o Ensino de História.
As percepções da suficiência e até do caráter
basilar do livro didático como recurso para o Ensi-
no de História existem. Elas variam de uma simples
menção ao reconhecimento da convivência dos no-
vos gêneros textuais e suportes – como o Dicionário
Audiovisual de Conceitos Históricos (MENDONÇA,
2028, p. 54), até o seu emprego como texto base para a
construção de noções de tempo histórico, uso associa-
do ao manuseio de imagens e ao emprego do aplicativo
Web História (SILVA, 2016a, p. 96). A suficiência do
80
livro didático também é concluída quando o seu valor
é atribuído a partir de parâmetros idealizados por um
autor, como J. Rüsen. Na busca pela percepção de alu-
nos do Ensino Médio sobre a “questão agrária”, a aná-
lise dos modos como o livro didático aborda o “acesso”
e a “posse da terra” resulta no seguinte diagnóstico: o
artefato é incompetente em termos de percepção (sem
destaques gráficos para o tema), é limitado em ter-
mos de interpretação (apesar de limitado em fontes),
perspectividade (prioriza a economia como causa), po-
tencial identitário (relação entre assuntos e vida do
aluno) mas é suficiente em inteligibilidade e pluri-
perspectividade histórica. Essas inferências induzem
a autoria a considerar que se trata de um recurso
satisfatório na situação comunicativa investigada. A
análise do livro didático, contudo, não tem peso al-
gum em relação ao problema central: a percepção dos
alunos. (RITTER-PIMENTA, 2019).
Esse não é o caso da dissertação em que a ques-
tão principal de conhecer as “correntes historiográfi-
cas” constituintes dos livros didáticos empregados em
determinada escola e medir o potencial de percepção
dos professores sobre tais correntes. Aqui, o livro di-
dático é suporte suficiente de autores e de professores.
Para os primeiros, o livro é campo de explicitação de
perspectivas historiográficas. Para os segundos, o autor
conclui que a rotina docente e problemas na formação
inicial, por exemplo, explicam o fato de os professores
divergirem sobre e desconhecerem em parte as corren-
tes historiográficas presentes nos livros que usam em
sala de aula. O resultado é uma valorização apartidária
do livro didático, expressa por lugares comuns, do tipo:
81
livros são “permeados por complexidades” e marcados
por “discursos e embates entre os mais diferentes cam-
pos da história” (SANTOS, 2016, p. 105).
A maior parte das avaliações do livro didático em
sua condição de recurso para o Ensino de História, con-
tudo, é negativa, não obstante os senões apontados por
autores como Choppin, Munakata. Em uma dissertação
que propõe formação continuada sobre História e cultu-
ra afro-brasileira e africana”, os cursistas são instados a
identificarem perspectivas eurocêntricas e conceitos ra-
cistas, recorrentes nos livros didáticos (MARCHI, 2016).
Noutro caso, a criação de uma rádio difusora da cultura
Hip Hop é justificada pelo silenciamento dos livros didá-
ticos em relação à experiência das populações negras ou à
abordagem acrítica e estereotipada desses protagonistas
(MESQUITA, 2018). Em ambos os exemplos, o emprego
da expressão é reduzido. No caso em que o livro didáti-
co é o objeto material da investigação sobre o impacto da
Lei10.639/2003 nos livros didáticos, em que a expressão é
empregada 16 vezes7, contudo, a tônica permanece. A au-
toria reconhece que a iconografia, a relevância de deter-
minados personagens e alterações textuais já positivam a
imagem do negro. A ausência da cultura afro-brasileira,
a secundarização do negro na política e na economia e as
inserções limitadas aos textos complementares, por outro
lado, fazem do livro didático um recurso deficitário para o
Ensino de História (NAZÁRIO, 2016).
Outro egresso que quis combater o preconceito em
relação aos povos indígenas, incentivando a pesquisa en-
tre os alunos e à produção de um jornal sobre o tema,
toma a mesma direção. O livro didático entra na disserta-
7Descontadas 14 ocorrências excluídas, conforme critério explicitado no tópi-
co 2 deste texto.
82
ção como causa provável dessas ideias equivocadas, mas
como experiência exógena, ou seja, como revisão da litera-
tura. Assim, via textos produzidos por antropólogos e his-
toriadores, na primeira metade dos anos 1990, como tam-
bém na década de 2010, a autoria incorpora a imagem do
livro didático como veiculador de um indígena genérico e,
predominantemente, relacionado ao período colonial e de
modo estereotipado e sob orientação evolucionista (VAN
RYN, 2018). Também como experiência exógena, o livro
didático é considerado importante veículo de “colonialida-
de do saber”, ao negar registro digno à experiência indíge-
na e à experiência de africanos e de afro-brasileiros, ape-
sar de muitos depoentes fazerem afirmações em sentido
contrário (SOUZA, 2018, p. 106-107).
Outro mestre do PROFHISTÓRIA, por fim, bus-
cou as “intenções ocultas” que subjazem os textos dos li-
vros didáticos, partindo da hipótese de que tais recursos
estão eivados de colonialidade em relação aos “grupos
subalternos”. Com argumentos extraídos, sobretudo de
F. Fanon, e focando no tratamento das religiões e reli-
giosidades, a autoria conclui que as formas de culto dos
povos americanos e africanos são abordadas em espa-
ço minoritário, quando não são excluídas: “as coleções
didáticas estão negando o aprendizado das diferentes
culturas que compõem nosso país” (VIEIRA, 2018, p.
135-136). As alternativas da autoria, por outro lado, ine-
xistem na dissertação.
Essa não foi, contudo, a atitude tomada por dois
egressos cujos trabalhos analisamos. Nas práticas de
ensino dos professores dos anos iniciais do Mato Gros-
so, o livro didático é visto como recurso insuficiente
em quantidade, em correspondência com o currículo
83
prescrito local (VEDOVOTO, 2018). A autoria, porém,
aponta as contradições dos seus depoentes entre de-
nunciar as deficiências e declarar a sua importância e
uso frequente. Ao final, menciona iniciativas no sen-
tido de complementá-lo ou corrigi-lo com outras es-
tratégias de ensino. Em outro texto, essas iniciativas
de correção migram para o produto do mestrado. Um
egresso desejou construir outras representações sobre
gênero na família. Antes de construir a nova tecnolo-
gia, empregou livros didáticos como base para o exame
da abordagem dessas questões. Aos exageros, omissões
e/ou desequilíbrios desses recursos8 a autoria propõe o
emprego de uma tutoria para que o professor explore a
diversidade de arranjos familiares a partir de técnicas
de leitura de fotografias de família empregadas por
profissionais (VIEIRA, 2018).
Conclusões
84
tões, pela citação de uma infinidade de teóricos que não
guardam relação alguma com as tentativas de solução
gestadas ao final dos textos.
Lendo transversalmente as dissertações, perce-
bemos um esfacelamento do texto entre preocupações
dominantemente ideológicas coroadas com teóricos da
preferência do orientador ou do desejo do mestrando que
não guardam relação com as ideias de aprendizagem
professadas. Alguns (poucos) trabalhos são claramente
extensões da pesquisa do professor orientador que atua
no domínio da História da Educação. Outros textos são
prosseguimentos de pesquisa produzida pelo autor em
seu tempo de graduação que em nada lembram suas ex-
periências com a docência em história.
As contradições são explícitas. Percebemos uma
preocupação com os excluídos na introdução das disser-
tações e, no desenvolvimento e conclusões, uma apologia
ao patrimônio dos bem-nascidos. Percebemos, ainda, um
enorme vazio de significação no emprego de categorias
clássicas como “cidadania”, “educação bancária”, “pen-
samento crítico”, “diálogo” e “lugar de memória”. Flagra-
mos, também, a acumulação de metas a serem cumpridas
para o Ensino de História aplicado a comunidades abstra-
tas, a exemplo de: desenvolver a noção de tempo histórico,
formar a consciência histórica e formar para a cidadania.
Esses problemas de orientação que, por motivos
vários, nós professores formadores temos cometido e,
de modo claro estão dispostos nas dissertações do nosso
corpus, não nos impediram de perceber os modos pelos
quais o livro didático é abordado no Programa. A hipó-
tese inicial não tem respaldo em termos quantitativos.
Não podemos afirmar que o livro didático de História foi
85
alijado como objeto de pesquisa. Afinal, 40% dos autores
consultados grafa a locução e 1/5 desse mesmo conjunto
emprega livro didático uma vez à cada dez páginas dos
elementos textuais em média. Mesmo para quem não o
tem como objeto intelectual de pesquisa, a consulta ao
objeto material empregado cotidianamente na maioria
das salas de aula é tomada como obrigatória. O livro
didático vem ao texto da dissertação de modo indireto
– mediante observações dos autores colhidos na revisão
da literatura – e de modo explícito, como fonte de ma-
zelas ou como fonte de provável informação apropriada
em situação didática. A conjectura que nos moveu nessa
investigação, contudo, serviu para problematizar os usos
do livro didático e rascunhar duas novas hipóteses sobre
a relativa incompreensão desse objeto.
A primeira causa dessa incompreensão provém
dos próprios (des)caminhos da pesquisa no PROFHIS-
TÓRIA. Quando coerentes e logicamente estruturados os
textos dos egressos, não raro, confundem a natureza da
solução gestada para o problema que apresentam – um
atrativo para a falta de motivação, um conteúdo signifi-
cativo para a dificuldade cognitiva de aprender história
etc. – com a natureza do suporte que veiculará a solução
pensada para o problema correlato – um jogo de tabulei-
ro para motivar, a produção de um filme para reforçar o
sentimento de pertença com o local etc. Assim, sobretudo
para o professor-autor, é a novidade do suporte (encarte,
caixa, pulso eletrônico etc.) que, em alguns casos, deter-
mina a escolha do (não) objeto intelectual de pesquisa.
Uma segunda razão para a incompreensão está
no resultado da apropriação um tanto defasada das
orientações teóricas dos professores formadores. Em
86
geral, os profissionais da educação básica que se tor-
nam mestres em Ensino de História pelo PROFHIS-
TÓRIA se apropriam da bibliografia dominantemente
produzida pelos professores universitários sobre livro
didático. Eles citam teses, livros de divulgação cientí-
fica, manuais de formações de professores ou autores
tornados clássicos pela referência constante aos tex-
tos, por exemplo, de Chervel, Choppin e Julia. Ocorre
que muito do que se escreveu no final do século pas-
sado sobre a matéria sedimentou o livro didático como
veículo de más ideologias (Munakata) e deliberada-
mente omisso acerca de determinado conteúdo subs-
tantivo (Oliveira), algo que já pensávamos ter venci-
do, na última década.
Nada há de anormal no fato de os egressos lan-
çarem mão do conhecimento produzido pelos especia-
listas. Esse conteúdo, não é, em si mesmo, defasado
ou contraproducente. A apropriação da literatura es-
pecializada é um princípio inscrito no Regimento do
PROFHISTÓRIA. Mas aí reside a terceira e mais sig-
nificativa razão da incompreensão do livro didático nas
dissertações do PROFHISTÓRIA: a incorporação acrí-
tica desse material, decorrente, em grande parte, da
ausência de problematização dos saberes da experiên-
cia docente deste mesmo professor-autor. É necessário
que o mestrando afirme como usa o livro didático, como
seus alunos usam o livro didático, como o professor es-
colhe o livro didático e qual o lugar que o artefato ocu-
pa em seu planejamento. Nas dissertações que analisa-
mos, em geral, as afirmações sobre o livro didático de
história dizem respeito a um objeto abstrato, emprega-
do por um sujeito desconhecido.
87
O desafio para os professores que estão com dis-
sertações em curso, portanto, é trazer a sua experiência
com o livro didático para dentro da sala de aula do PRO-
FHISTÓRIA e, se for o caso, para os elementos textu-
ais da sua dissertação e planejar efetivas intervenções
com esse instrumento. Não é mudando o suporte que
vamos minorar as deficiências do livro didático, como
também não é repetindo o formato acadêmico que va-
mos apresentar o novo. A inovação virá da apropriação
socialmente justificada dos saberes do campo do Ensino
de História e dos saberes especializados dos pesquisa-
dores que estão em todos os Núcleos do Mestrado Pro-
fissional em Ensino de História.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
88
BARBIERO, Cristiane Maria. Ensino de História Local para
crianças: (Re)construindo histórias de Paranhos. 2018. 161 f. Dis-
sertação (Mestrado em Ensino de História) – Mestrado Profissional
em Ensino de História – Profhistória, Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul, Amambai, 2018.
89
CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. O mercado do livro didáti-
co no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) à entrada de capital internacional espanhol (1985-2007).
2007. 252 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Gra-
duação em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
90
MACHADO, Carolina Viana. O pós-abolição nas aulas de His-
tória: uma análise do papel social atribuído aos negros na História
ensinada. 2016. 98 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de História)
– Mestrado Profissional em Ensino de História – Profhistória, Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
91
MUNAKATA, Kazume. Produzindo livros didáticos e paradidá-
ticos. 1997. 223 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifí-
cia Universidade Católica, São Paulo, 1997.
92
PEREIRA, Jonathan de França. Povos Indígenas e educação bá-
sica: relações entre a História pensada e a História vivida. 2019. 102
f. Dissertação (Mestrado em Ensino de História) – Mestrado Profis-
sional em Ensino de História – Profhistória, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2019.
93
(Mestrado em Ensino de História) – Mestrado Profissional em En-
sino de História – Profhistória, Universidade Federal do Tocantins,
Araguaína, 2018b.
94
TORRES NETO, Dilermando Pereira. Cidade, História e memó-
ria: Educação Patrimonial em São Bento do Uma – PE. 2018. 142 f.
Dissertação (Mestrado em Ensino de História) – Mestrado Profissio-
nal em Ensino de História – Profhistória, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2018. Unesp, 2013.
95
SÍNTESES HISTORIOGRÁFICAS
E ENSINO DE HISTÓRIA1
N
os últimos quinze anos, estivemos envolvidos
com a análise e a crítica dos modos de escrever a
história do Ensino de História nacional no Brasil.
Nos empenhamos em criticar as funções, a estrutura e a
substância dos textos autodesignados “de síntese” nas se-
ções autodesignadas “teórico-metodológicas” de disserta-
ções e teses sobre Ensino de História e nos programas de
curso da disciplina História do Ensino de História, ofer-
tada pelo Mestrado Profissional em História - PROFHIS-
TÓRIA2. Naquelas tarefas, apontamos, principalmente,
o caráter unívoco da periodização e dos personagens, o
traço colonizador e localista dos seus produtores.
Neste texto, alteramos o rumo da crítica, assu-
mindo caráter mais propositivo. Nossa meta é ensaiar
possibilidades de alteração desse cenário, motivando
tanto os colegas pesquisadores do Ensino de História
quanto os(as) mestrandos(as) do PROFHISTÓRIA a con-
tribuírem com a emersão de sínteses que induzam nos-
sos olhares para as pluralidades de experiências, mesmo
que, de alguma forma, suas vivências sejam marcadas
pelas prescrições curriculares, legislações e outros fatos
compartilhados pelas comunidades escolares.
Para cumprir a meta, organizamos a escrita
em três partes. Na primeira, definimos síntese histó-
1Este texto é inédito e foi escrito para servir como aula para a turma ingres-
sante no PROFHISTÓRIA 2022, no Núcleo da UFRN, na disciplina História
do Ensino de História, ministrada nessa ocasião por Margarida Dias.
2 Alves Júnior; Oliveira; Alves; Freitas (2021); Oliveira; Freitas (2020).
96
rica e exemplificamos a sua importância a partir de
demandas contemporâneas mais amplas, categoriza-
das episodicamente como retorno às metanarrativas,
emergência da História Global e da História Pública.
Na segunda, apresentamos quatro argumentos sobre a
importância da síntese histórica no Brasil contemporâ-
neo. Na terceira, rememoramos alternativas de síntese
adequadas às demandas típicas do trabalho dos profes-
sores orientadores e em sua tarefa de pesquisa básica,
como também às demandas típicas do trabalho dos pro-
fessores da escola básica que dão continuidade aos seus
estudos, mediante à construção das suas dissertações
de mestrado no PROFHISTÓRIA.
97
nidade, síntese da mudança temporal da experiência na-
cional, síntese da mudança temporal na experiência das
mulheres e síntese da mudança temporal da experiência
do/no/com o Ensino de História em quaisquer das esca-
las com as quais trabalhemos.
Como categoria, “síntese histórica” é forçosamen-
te uma expressão. Tal expressão designa, simultanea-
mente: 1. um verbo (compor); 2. uma habilidade historia-
dora (compor escrito sobre os resultados da investigação
histórica); 3. o resultado dessa composição (a escrita so-
bre a representação do passado ou historiografia); 4. e
um gênero (obviamente) marcado por determinada situ-
ação comunicativa (síntese da História da Humanidade,
Síntese da História do Brasil, Síntese da História das
Mulheres e Síntese da História do Ensino de História).
Essas definições, verbal (compor) e substantiva
(síntese sobre a experiência das mulheres), podem ser
empregadas de modo isolado ou relacionado, como ocor-
re nessas frases: “Os episódios acadêmicos de Bel Hooks
são insuficientes para a construção de uma síntese da
história daquela mulher” (uso isolado); “As sínteses da
História do Brasil não contemplam uma síntese da His-
tória da mulher” (uso combinado). Aqui, decompomos a
expressão (síntese / histórica), para combiná-la, em se-
guida (síntese + histórica = síntese histórica), no forma-
to de um conceito instrumental, ou seja, em uma palavra
com significado útil aos objetivos deste texto.
98
do “junto à...” ou “ao mesmo tempo em que...”) e o radical
“tese” (“pôr”, “colocar”, “fazer”, “apresentar” e/ou “esta-
belecer” uma questão, uma afirmação, um julgamento,
um parâmetro etc.). Com esse significado, que abarca os
usos dominantes da lógica Aristotélica, ao menos, até o
início do século XIX, elaborar uma síntese significa com-
por, do mesmo modo que elaborar uma hipótese signifi-
ca supor, fazer uma metátese significa transpor e fazer
uma diátese significa dispor3.
Em termos metodológicos, ou seja, no que diz res-
peito aos genéricos processos de produção do conhecimento
(o que nos remete à Teoria do Conhecimento, até o sur-
gimento das epistemologias disciplinares, inclusa a Epis-
temologia Histórica), “síntese” é uma operação do pensa-
mento (uma habilidade mental) e, consequentemente, o
resultado dessa operação do pensamento (composição). A
outra operação básica, bem sabemos, é a análise em sua
concepção classicamente cartesiana. A análise é a reparti-
ção do todo em parcelas passíveis de resolução (decompo-
sição)4, do mesmo modo que a síntese é a reunião dessas
parcelas com vistas à apresentação de uma resposta geral,
ainda que temporária, à questão inicial (composição).
Quando juntamos o adjetivo “histórica” ao subs-
tantivo “síntese”, a expressão criada (“síntese histórica”)
3Síntese - Do gr. synthesis, composição, pelo lat. synthese. (Nascenes, p.473).
“Thèse et thème, grec thesin et thema, génitif thematos, se rattachent à un
verbe qui a le même sens que poser (v. site2), de telle sorte que synthèse et
composition, hypothèse et supposition, métathèse et transposition, diathèse et
disposition, Sont étymologiquement synonymes. La thèse, c”est proprt l’action
de poser, de proposer, et le thème, la chose posée, la proposition.” (Clédat, 1914,
p.570). Colocar (uma questão), por (uma questão), fazer (uma questão, uma
afirmação), apresentar (uma questão, uma proposição), estabelecer (um julga-
mento, um parâmetro). (Clédat, 1914, p.569-570).
4Nas palavras de Descartes (2001, p.24), “repartir cada uma das dificuldades
que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias
a fim de melhor solucioná-las.” Tradução de Enrico Corvisieri.
99
importa os sentidos listados acima, passando a designar
uma coisa (a composição tópica, dissertativa ou mista
de representações sobre o passado, traduzida em forma
de narrativa) e a habilidade viabilizadora da existência
dessa coisa (a capacidade mental e motora de compor
representações sobre o passado, traduzida em etapas da
pesquisa histórica).
Visto dessa maneira, todo escrito histórico (histo-
riografia) é uma síntese histórica posto que toda represen-
tação escrita sobre o passado (historiografia) é realizada
(ganha existência) por meio de uma apresentação (estabe-
lecimento, colocação etc.) de questões, julgamentos, mo-
delizações e, literalmente, proposições (composição).
Quando, porém, nos deslocamos da “síntese his-
tórica” em sua condição abstrata para situações comu-
nicativas reais, demarcando, por exemplo, a distinção
epistemológica entre ciências, a distinção funcional en-
tre disciplinas, subdisciplinas, campos e/ou domínios
acadêmicas (além das interdições gráficas que definem
artefatos de leitura e comunidades de autores e de lei-
tores), a expressão “síntese histórica” perde o significa-
do de “qualquer composição histórica” e ganha o status
de determinado “gênero textual”. É nessa condição que
emergem as coisas classificadas como “livros didáticos”,
“compêndios”, “ensaios eruditos” e “escritos acadêmi-
cos”, a exemplo de: História – Das cavernas ao terceiro
milênio, História Universal, História da Civilização na
Inglaterra, Casa Grande & Senzala, Os donos do poder
e A Cidade em Chamas: O Serviço de Extinção de Incên-
dios em Natal/RN e História & Ensino de História.
Essas obras se diferenciam em vários sentidos,
mas todas estão classificadas como “síntese histórica”.
100
A tipificação ocorre a despeito de os livros receberem
predicativos vários (Síntese de história da Humanidade
com teleologia indefinida ou eclética, síntese da história
Universal de teleologia cristã, síntese da história da In-
glaterra de caráter naturalista, síntese da História da
Família Brasileira de corte culturalista, síntese da his-
tória do Estado Brasileiro de corte weberiano, síntese da
experiência dos Bombeiros de Natal organizada cronolo-
gicamente). Além disso, a tipificação materializa-se em
nosso cotidiano, mesmo que os seus analistas e/ou usuá-
rios não se deem conta de que são composições resultan-
tes da habilidade de criar um texto escrito de represen-
tação sobre o passado, produzido a partir de demandas
localizadas e sob restrições impostas por determina dos
públicos, formatos editoriais, autoridades institucionais
e esquemas de validação da verdade histórica.
101
al “monografar” e a expressão designadora do produto
gerado por essa atividade é “monografia histórica”5. A
monografia histórica é a ação e o resultado da ação de es-
crever a história de uma coisa ou pessoa, de um assunto
sobre coisa ou pessoa ou de escrever sobre uma coisa ou
pessoa a partir de um só ponto de vista.
A definição abstrata acima pode levar a confu-
sões. Mas o critério da quantificação – caracterizador da
monografia histórica – ganha melhor visibilidade quan-
do examinamos os gêneros típicos da formação univer-
sitária. O relatório de Iniciação Científica (IC) e o Tra-
balho de Conclusão de Curso (TCC) de História, assim
como a dissertação de mestrado e a tese de doutorado
são monografias. Em todos eles, nos ocupamos de uma
coisa ou pessoa ou exploramos a coisa ou pessoa a partir
de um ponto de visa. O próprio problema principal do
projeto de pesquisa já denuncia essa quantificação na
tarefa do metafórico “recorte do objeto” ou “delimitação
do objeto”. Em sentido estreito, não costumamos estudar
“O” livro didático História – Das Cavernas ao terceiro
milênio” em TODA a sua potencialidade como artefato
de ensino e objeto intelectual submetido a exame cientí-
fico. Nós escolhemos UM ângulo para a observação desse
livro: a ideia de aprendizagem OU modo de organizar as
atividades OU usos que seus autores propõem sobre as
imagens, as iniciativas de inclusão de minorias nas nar-
rativas dos textos principais OU a presença de contro-
vérsias historiográficas etc. Mesmo quando estudamos
dois, cinco ou vinte livros didáticos como o citado, não es-
5 “Une monographie est une écriture, un écrit, sur un seul objet, sur un seul
sujet, sur un point spécial. Une cacographie est une mauvaise graphie. Le poly-
graphe est l’écrivain qui écrit sur beaucoup de matières et l’instrument qui
écrit beaucoup d’exemplaires. Stylographe, stylet pour écrire, v. ester.” (Clè-
dat, 2014, p.286)
102
tudamos “TUDO” o que é possível ser estudado, ou seja,
não nos interessamos por todas as possibilidades que o
nosso domínio científico disponibiliza. Nós submetemos
dois, cinco ou vinte livros didáticos à uma questão domi-
nante: as ideias de aprendizagens desses livros OU os
modos como esses livros organizam as atividades OU os
usos que os seus autores propõem sobre as imagens etc.
Esse critério da quantificação vale, como afirma-
mos, para os gêneros textuais típicos da vida acadêmi-
ca, mas quando exportado ao cotidiano ordinário, pode
gerar simplificações equivocadas. Uma monografia não
é um texto que tem muitas páginas, em relação ao uma
síntese que tem poucas páginas. Uma monografia não
é um texto que é destinado ao público acadêmico, en-
quanto uma síntese é destinada a cumprir uma função
mercadológica. Uma monografia não trata apenas de
uma nação enquanto a síntese trataria apenas da his-
tória de várias nações. Tais reduções não resistem a um
teste simples. Vejam. A História Universal de C. Cantù,
por exemplo, é síntese e possui 72 volumes, a História
da Civilização na Inglaterra, de H. T. Buckle, é síntese,
mas só tratava da nação inglesa e Os donos do poder, de
Faoro, é também síntese histórica entre os acadêmicos,
mas não foi produzido segundo demandas do mercado.
Esses critérios, exemplos e contraexemplos nos
levam à conclusão de que o “outro” da síntese históri-
ca emerge sempre em uma relação análoga à disposi-
ção geral/particular ou todo/parte. A representação
sintética e escrita do passado sempre ganha realidade
e personalidade quando a colocamos diante de várias
representações analíticas e escritas do passado, dispo-
níveis no nosso domínio de investigação (e vice-versa).
103
Agora, podemos voltar ao parágrafo inicial do tópico 1.,
onde afirmamos que a “síntese histórica” é, simultane-
amente, expressão designadora de um verbo (compor),
de uma habilidade historiadora (compor escrito sobre os
resultados da investigação histórica), do resultado dessa
composição (a escrita sobre a representação do passado
ou historiografia) e de um gênero (obviamente) marca-
do por determinada situação comunicativa (síntese da
História da Humanidade, Síntese da História do Brasil,
Síntese da História das Mulheres e Síntese da História
do Ensino de História).
Como gênero textual, nos domínios dos historia-
dores, a síntese histórica é realizada de modo relacional
e dialético, ou seja, remete a representações escritas so-
bre o passado, construídas sob formatos diferentes para
cumprirem uma demanda de natureza idêntica, apre-
sentadas como o total diante do parcial, o geral dian-
te do singular e o agregado diante do disperso. Assim,
no ato de tipificar um trabalho de representação escrita
sobre o passado como de “síntese histórica”, deveremos
sempre designar (implícita ou explicitamente) o “outro”
dessa representação escrita sobre o passado. Quando
nos apresentarmos como estudiosos de História do Bra-
sil, sob o ponto de vista da abrangência espaço-temporal,
faremos síntese de história do Brasil ao compor um texto
que inclui vários entes jurídico-políticos constituidores
do ente “Brasil”, tomados formalmente como objetos de
histórias dos entes federados do Brasil e realizados como
textos reconhecidamente monográficos em nosso campo
de atuação. Quando nos apresentarmos como “estudio-
sos de História da mulher”, faremos síntese ao incluir a
experiência de várias mulheres em diferentes tempos e
104
espaços, formalmente tomadas como objetos de biogra-
fias, autobiografias (sob diferentes lógicas de interpre-
tação e suportes heurísticos), realizadas e reconhecidas
como textos monográficos no interior do campo correlato.
Quando nos apresentarmos como “estudiosos da apren-
dizagem histórica”, faremos síntese histórica ao incluir
vários problemas de aprendizagem histórica (acompa-
nhados ou não de respectivos sujeitos e/ou circunstân-
cias que os explicam), tomados formalmente em suas
historicidades e na condição de objetos de representa-
ções históricas particulares e até singulares, materiali-
zadas em texto monográfico e reconhecidas como tal em
nossa corporação profissional.
105
diante de várias representações analíticas e escritas do
passado, disponíveis no nosso domínio de investigação (e
vice-versa). Isso ocorre porque grande parte do nosso ra-
ciocínio histórico-acadêmico está estruturado nesse tipo
de operação, designada por historiadores dos séculos
XVIII ao XX como “círculo hermenêutico”6 – a ideia de
que “o todo deve ser entendido pelas partes e a parte so-
mente pode ser entendida pelo todo” (sendo esse “todo”,
instrumentalmente, a síntese da qual tratamos)7.
Quando, por exemplo, um paraibano quer fazer
declarações sobre singularidades de uma coisa designa-
da “paraibanidade”, ele põe os olhos em estudos sobre
uma coisa designada “brasilidade”, aliás, ele imagina
uma coisa designada brasilidade e suas singularidades,
mesmo que esse ato não tenha sido previsto como objeti-
vo da sua pesquisa. Isso ocorre porque a paraibanidade
(sempre, teoricamente falando) só é compreensível – só
ganha sentido (dentro dos quadros que nos orientam nes-
6Círculo hermenêutico: “possibilidade positiva do conhecimento originário”,
ou seja, o entendimento de que “tudo que está à mão sempre já se compreende
a partir da totalidade conjuntural” e que toda a interpretação “é guiada por
uma visão que fixa o parâmetro da perspectiva do qual o compreendido há de
ser interpretado” (Heidegger, 2014, p.211, 214).
7 Um exemplo micro oferecido pela frase que inicia este parágrafo ajuda a
compreender o alcance do círculo hermenêutico no nosso cotidiano. Observem:
o significado da palavra “hermenêutico” é produzido a partir da observância
dos étimos que lhe antecedem (a + definição + de + círculo) e da observância
dos étimos que lhe sucedem (é + de + domínio + público). Nesse exemplo,
o todo é a frase (“A definição de ciclo hermenêutico é de domínio público”)
e a parte é a palavra (“hermenêutico). Esse modo de pensar o processo de
interpretação que os historiadores profissionais fazem uso ao elaborarem re-
presentações escritas do passado é semelhante ao modo de pensar de outros
profissionais que professam regimes de verdade, aparentemente, distantes
em termos epistemológicos. Veja o caso do arqueólogo. Quando esse pesqui-
sador encontra uma pelve (dois ossos do quadril), ele automaticamente situa
essa parte (a pelve) em um todo ou conjunto mais amplo (corpo esqueletal). É
esse enquadramento imagético (a pelves é parte de um corpo esqueletal) que
lhe possibilita ir além da afirmação de que se trata de uma pelve e declarar:
nesse local, viveram humanos adultos do sexo feminino há aproximadamente
dois mil anos antes do presente.
106
te texto) – quando posta em relação com a “brasilidade”
(ou ao “campinismo”, quando aquele pesquisador faz a
operação inversa). Não há um campinismo sem paraiba-
nidade e não há paraibanidade fora dos quadros de uma
brasilidade. Nesse caso, a história de Campina Grande é
transformada em parte da História da Paraíba (tomada
como todo em relação à história de Campina Grande)
que, por sua vez, só ganha inteligibilidade quando consi-
derada parte de uma História do Brasil.
Desse princípio hermenêutico emerge outro valor
para a síntese histórica: a compreensão de que a vida
individual humana é finita. A memória sobre a experi-
ência individual recuperável por esforço cognitivo estri-
tamente pessoal é limitada a 2/4 de século (para a maio-
ria de nós). Até bem pouco tempo (duas décadas, talvez),
quando queríamos acessar um tempo anterior à nossa
existência com relativa segurança, lançávamos mão de
representações sobre o passado construídas por espe-
cialistas. Essa estratégia abarcava os interesses mais
gerais (as práticas e sentimentos de determinado grupo
social) e os interesses muito específicos como a experi-
ência circunscrita aos votantes, partidos e líderes políti-
cos – objetos dominantes do que se convencionou chamar
História Política.
De certo modo (para as gerações nascidas no sé-
culo passado), essa atitude ainda faz sentido. Se estamos
interessados na história dos pensamentos e práticas de-
mocráticas, por exemplo, logo percebemos que o fenôme-
no – processos de democratização – somente pode ser
compreendido (conhecidos em suas mudanças) quando
observado na duração conjuntural ou longa. Se quiser-
mos atribuir valor ao emprego de determinada ideia de
107
democracia em um governo cearense de curta duração
(quatro anos, por exemplo), somos compelidos, literal-
mente, a situar o governo observado como um ponto em
uma série (de pontos) que, por sua vez, compreenderá
cinco, dez ou quinze governos, totalizando uma duração
conjuntural. Aqui, novamente, estamos diante da rela-
ção entre uma parte (um governo) e um todo (um con-
junto de governos cuja experiência a ser lembrada exce-
de à capacidade de lembrar de um único observador). A
parte (ideias e práticas de democracia, implantadas em
um governo) ganha sentido se (e somente se) estivermos
cientes do que seria uma hipotética história da demo-
cracia representativa no Ceará (sendo o inverso também
verdadeiro). É, provavelmente, essa condição que Ciro
Flamarion Cardoso designa como a necessária “visão te-
lescópica ou macrocósmica do mundo social”8.
A terceira importância da síntese tem a ver com
a limitação da estrutura psico-biofísica da nossa memó-
ria individual. O senso comum do ensino está repleto
de indicações sobre a importância e os mecanismos de
retenção definitiva de grande número de acontecimen-
tos e processos históricos. Não é dessa função que es-
tamos tratando. Referimo-nos, aqui, à memória traba-
lho ou memória de curto prazo. Quando, por exemplo,
um aluno manifesta dificuldade para compreender as
causas do conflito Rússia vs. Ucrânia, é provável que o
professor alimente a sua memória temporária com uma
narrativa de cinco minutos sobre a História da Guerra
Fria. A narrativa sobre quarenta anos da experiência
de vários países e continentes, envolvendo questões de
ideologia, economia e relações internacionais entre blo-
8 Cardoso, 1988, p.108.
108
cos auxilia na compreensão do conflito atual. Resolvido
o problema (compreendidas as razões do conflito Rússia
vs. Ucrânia), a narrativa do professor desaparece, pro-
vavelmente, da memória do aluno e a rede neural – que
será, talvez, reativada pelos próximos dias (ou enquanto
durar a Guerra) – corresponderá às causas da Guerra,
compreendidas com o auxílio da síntese histórica que o
professor apresentou durante cinco minutos.
A mesma situação (um questionamento sobre as
razões da Guerra atual) pode ser resolvida com o empre-
go da síntese histórica em outra dimensão. A maior par-
te dos nossos programas de ensino para a escolarização
básica são esquemas (estruturas) de síntese histórica
de história da nação e de história do mundo. Os textos
principais da maior parte dos livros didáticos de Histó-
ria são narrativas de síntese sobre a história da nação e
a história do mundo de modo intercalado. A maior parte
das aulas de História, em qualquer nível de ensino, são
discursos orais de síntese sobre a história das coisas e
pessoas. Foquemos nesta última variável.
Nosso trabalho em sala de aula, dominantemente,
é o de viabilizar, nos alunos, redes neurais sobre as habili-
dades que os possibilitam compreender dos desafios huma-
nos, as respostas aos desafios humanos e seus correspon-
dentes acontecimentos e processos históricos em duração
conjuntural ou longa (isso é diferente de dizer que grande
parte do nosso trabalho em sala de aula é a apresentação
de narrativas a serem retidas em definitivo na memória
de longo prazo). Ao narrar, obviamente, não podemos re-
petir o ritmo e a duração do objeto da narração (isso vale
para o narrar na/a vida cotidiana). Essa condição faz de
nós, deliberada e compulsoriamente, produtores de sínte-
109
ses históricas. Somos selecionadores de questões, aconte-
cimentos e processos, organizadores de enredos e usuários
de modelos de início, meio e fim de narrativas, em resumo,
organizadores de discursos sobre três séculos que façam
sentido para os alunos em um tempo de quarenta minu-
tos. Muito provavelmente, essa é razão da sobrevivência
da preleção (da aula expositiva) por tantos séculos em tan-
tos lugares do mundo. A voz é o único instrumento (até
onde conhecemos) controlável (que possibilita a avaliação
da aprendizagem, por exemplo) capaz de expressar uma
síntese histórica para determinado público, com paradas,
retomadas e adaptações à demanda imediata de um aluno,
grupo ou uma turma inteira em tempo real. Todos os de-
mais instrumentos de síntese histórica (o livro didático, a
pintura e o filme, por exemplo) são estáticos.
O quarto valor da síntese histórica cresce à me-
dida em que se amplia a sensação de que o tempo do
relógio na vida cotidiana está cada vez mais rápido.
Não vamos explorar as razões, que incluem a explosão
do número de informações diárias à nossa disposição, a
simultaneidade dos envios e respostas de mensagens en-
tre pessoas e a morte precoce das notícias nos grandes
meios de comunicação. Mas nos interessa afirmar que
essa superabundância de dados amplia a demanda por
sínteses históricas. Dizemos “amplia” porque a demanda
é secular. Hoje temos mais pessoas alfabetizadas, mais
habilitadas a decodificar discursos em língua portugue-
sa, com maior poder de compra e mais estimuladas à
leitura de histórias em virtude da ampliação de canais
de divulgação, como as novelas, os filmes e os games.
A experiência da aceleração exige, cada vez mais, as
habilidades de selecionar fontes de informações e acon-
110
tecimentos por relevância, periodizar e interpretar e
sintetizar acontecimentos e processos. Essa experiên-
cia de aceleração (percebida, principalmente, por quem
não nasceu no século XXI) transforma o espaço escolar
em lugar privilegiado para a formação de redes neurais
sobre esquemas interpretativos (ou metanarrativas) de
longa duração. O Ensino de História regular, portanto, é
uma espécie de câmara onde a velocidade do tempo pode
ser domada por algumas horas e, consequentemente,
onde os cortes podem ser feitos e a produção narrativa
exercitada, mediante um profissional especializado em
representação temporal cientificamente controlada. A
síntese histórica é o instrumento ideal para a tarefa.
A quinta importância da síntese tem a ver com
a dificuldade de gerenciamento de extensas massas de
informação historiográfica produzidas cotidianamente.
Não deixa de ser irônico que a especialização causada
pela divisão e hierarquização do trabalho acadêmico e
gerador de monografias tenha suscitado a necessidade
de produção de sínteses nesses vários domínios por onde
se distribui a atividade dos historiadores. São gêneros
e artefatos textuais que selecionam, resumem e enca-
deiam proposições, autores e modelos interpretativos,
tornando-os inteligíveis aos noviços na pesquisa, aos
mestrandos e doutorandos e aos formadores orientado-
res, iniciantes na matéria. Assim, há sínteses históricas
que enfatizam recortes por espaço (sínteses de história
da África), recortes de tempo (síntese de história Antiga,
Contemporânea, Pós-Abolição), por marcadores étnicos
(síntese da história dos Povos Indígenas), e marcadores
de humanidade (sínteses de história Política, do Traba-
lho, Cultural, Ambiental, das Relações Internacionais,
111
da Ciência e Tecnologia, do Marxismo etc.) acompanha-
dos dos seus respectivos predicativos contextuais: no
Brasil, no Ocidente, na América. Todos esses domínios,
potenciais e reais geradores de síntese histórica, man-
tém, ao menos, um Grupo de Trabalho (GT) junto à As-
sociação Nacional de História (ANPUH-BR).
Os cinco valores aqui rememorados – círculo her-
menêutico, finitude da vida humana, limitações da memó-
ria e aceleração do tempo e gerenciamento da informação
historiográfica – nos levam a declarar (repetimos) que a
síntese historiográfica é fundamental à realização do ob-
jeto sobre os quais nos ocupamos. Tais valores são requisi-
tados em situações comunicativas várias, dentre as quais
duas nos interessam prioritariamente: a operação de me-
diar a aprendizagem histórica com alunos da graduação; e
a operação de mediar a aprendizagem histórica dos proces-
sos investigativos que resultam na representação do pas-
sado, efetuadas em forma de dissertação no Mestrado Pro-
fissional em Ensino de História - PROFHISTÓRIA. Vamos
aprofundar esses usos nos dois tópicos que se seguem.
Fazendo sínteses
112
Inglaterra, “não acreditavam que estudar regiões fora da
Europa e da América do Norte iria ensinar qualquer coisa
sobre as lições de mudanças no decorrer do tempo”9. Essa
era a justificativa para não implementar um programa se-
melhante ao reivindicado por H. G. Wells que dizia: “a his-
tória como um todo [História Universal] é mais receptiva
a um tratamento mais amplo e mais abrangente do que
a história de nações e períodos especiais”10. No Brasil, na
segunda metade do século XX, historiadores acreditavam
que as sínteses estariam eivadas de especulação teleológi-
ca, contaminando os domínios da Ciência da História e o
suposto regime de verdade. As sínteses seriam mais ideo-
logizadas e subjetivas que as monografias históricas.
Nos últimos cinquenta anos, experimentamos a
potência das especializações, cujos demarcadores são as
dezenas de Programas de Pós-Graduação em História,
geradores de milhares de teses, dissertações e monogra-
fias. A monografia histórica ficou associada à prática de
aprofundamento de estudos em determinados nichos ou
questões. A especialização, para o bem ou para o mal, ex-
tinguiu o erudito generalista desde a formação em cur-
sos de graduação. Reproduzimos, a bem dizer, a divisão
do trabalho histórico pregada entre alemães da primeira
metade do século XIX e franceses da passagem do século
XIX para o XX: aos paleógrafos, arquivistas e bibliote-
cários, o trabalho de inventariar fontes; aos graduandos
das faculdades de Filosofia, o trabalho de criticar fontes;
aos doutorandos, o trabalho de construir monografias; ao
professor altamente experiente, o trabalho de construir
grandes sínteses sobre a província, a região, o Estado, a
Nação, o Mundo, a Humanidade e o Universo.
9 Crosley, 2016, Pos.41.
10 Wells, 1921, p.v.
113
Nesse mesmo período, por fim, experimentamos
o desprestígio dos padrões de interpretação das mudan-
ças aplicados às longas durações que, em geral, exigem
grande esforço especulativo e perícia na generalização,
trabalhos mais afeitos aos filósofos e cientistas sociais,
principalmente os que empregam problemas e catego-
rias refinadas por F. Hegel, S. Freud, K. Marx, F. En-
gels, E. Durkheim e M. Weber. O resultado dessas mu-
danças epistemológicas e de divisão social do trabalho,
é a compreensível atrofia em certo grupo de habilidades
do historiador. São poucos os profissionais que se sentem
capacitados a construir uma nova tese explicativa para
os problemas macroestruturais brasileiros, por exemplo,
ou um livro didático de História que não seja cópia dos
manuais que vendem mais que 500 mil exemplares.
O fato que nos importa, contudo, é a existência
da demanda. A fome por sínteses de conjuntura e longa
duração não é um fenômeno do “grande público” forjado
pela cultura de massa pós anos 1960 ou apenas pela re-
volução digital do século XXI, diagnosticada pelos prati-
cantes da História Pública. O que flagramos, hoje, com
a popularização da internet (considerando a ampliação
do público alfabetizado e consumidor), é a consolidação
dos mais diversos nichos de mercado pedem síntese. Não
apenas os alunos da escolarização básica consomem sín-
teses durante 12 anos de sua formação; não somente o
liberal aposentado pede síntese para preencher os seus
longos dias de ócio. A síntese é demandada por um pú-
blico que inclui motoristas de taxi e guias de turismo,
jornalistas ávidos por contextualizar suas explicações
para eventos do tempo presente, passando por gradu-
andos que querem recuperar aprendizagens do ensino
114
fundamental, cineastas, professores universitários de
todas as áreas que querem contextualizar seus objetos
de estudo, chegando até os acionistas e clientes de gran-
des empresas, brindados com luxuosas sínteses de histó-
ria da nação, história da arte ou história do lugar. Essa
demanda abre oportunidades de trabalho e capital para
jornalistas, literatos e ensaístas, dado o desinteresse, o
preconceito e a incompetência da maioria dos historia-
dores por formação. Tal situação nos leva a rememorar e
a incentivar a produção de sínteses, ao menos, nas duas
situações comunicativas com as quais nos envolvemos
direta e cotidianamente: a formação de formadores e a
formação continuada de professores de história em nível
de pós-graduação.
A síntese demandada à investigação
na pós-graduação acadêmica
115
com discursos desse tipo (que podem ser transladados
para outras situações comunicativas). Eles fornecem a
espinha dorsal de muitos programas de disciplinas uni-
versitárias, a exemplo de: América Pré-Histórica, Amé-
rica Contemporânea, Antiguidade Clássica, Brasil Colô-
nia, Brasil Império, Brasil República ou, simplesmente,
História do Brasil.
Na investigação acadêmica de síntese sobre His-
tória do Brasil, isto é, na produção dos professores for-
madores, sobretudo, a “síntese histórica” sobre o nacio-
nal é uma operação que pode assumir diferentes funções
e formas no que diz respeito à construção do objeto. Em
um primeiro caso, o historiador faz síntese para realizar
um objeto (coisa ou pessoa) por meio de uma narrativa
sobre trajetória completa, com a função de “descobrir”
a nação. Em um segundo caso, o historiador faz síntese
para realizar parte importante de um objeto (coisa ou
pessoa) por meio de uma narrativa sobre o final de uma
trajetória, com a função de revelar as consequências da
trajetória passada (ou experimentada) e, simultanea-
mente, as causas da trajetória futura (ou esperada) do
povo11. Em um terceiro caso, por fim, o historiador faz
síntese para realizar um objeto (coisa ou pessoa) por
meio de uma narrativa sobre o início de uma trajetó-
ria, com a precípua função de qualificar e denunciar as
ideias que moldaram o Estado-nação experimentado no
presente do narrador.
Um exemplo do primeiro caso nós encontramos no
século XIX, onde a síntese histórica era a operação que
inaugurava a totalidade de uma trajetória (uma história).
Nesse caso, a invenção dessa trajetória foi efetuada por
11 Trata-se de algo aparentado a uma das significações da dialética hegeliana.
116
meio de uma extensa narrativa elaborada a um só fôlego
sobre a identidade de uma coisa ou pessoa, diante de di-
ferentes escritos sobre a identidade dessa mesma coisa ou
pessoa, veiculados por diferentes autores, sob diferentes
ideologias e suportados em peças de gêneros textuais mo-
nográficos. A História Geral do Brasil, de F. A. Varnhagen,
por exemplo, articulou determinados presente, passado e
futuro que o próprio Varnhagen pensava terem sido essen-
cialmente brasileiros, induzindo o leitor a imaginar uma
entidade (o Brasil) com seus respectivos ciclos de vida, epi-
sódios, razões, proveniências e sujeitos históricos todos eles
marcados pela experiência lusa. Em uma palavra: a sín-
tese histórica de Varnhagen inventou a trajetória da na-
ção Brasil como extensão filial, benfazeja e necessária do
Império português. A síntese de Varnhagen, portanto, re-
sulta de uma visão do colonizador que narra a experiência
nacional em tom de “descoberta”12, em meio a centenas de
textos biográficos, corográficos, memorialistas e históricos
que retratavam, até meados dos 1850, alguns grupos, au-
toridades, vilas, cidades, câmaras, capitanias e províncias
de modo disperso (sem se assumirem como parte de uma
totalidade chamada Brasil).
Um exemplo do segundo caso nós encontramos
na primeira metade do século XX, onde as iniciativas
modelares como as de Varnhagen ainda eram construí-
das e guardavam sua funcionalidade original. Mas essa
síntese era assumida como a operação inaugural de um
novo significado para a parte final de uma trajetória já
descrita por outras sínteses (a “última página” da his-
tória). Essa foi a experiência de Caio Prado Júnior, em
Formação do Brasil contemporâneo, para quem “os fun-
12 Reis, 2007, p.60.
117
damentos da nacionalidade” (povo, relações econômicas,
relações sociais, consciência de nação) e os problemas
estruturais do Brasil do século XX (mercado interno, di-
ferenças sociais profundas, técnicas de produção e ins-
trumentos de comunicação rudimentares) já estavam
constituídos no início do século XIX, como declara o au-
tor: “aquele momento se apresenta como um termo final
e a resultante de toda nossa evolução anterior. A sua
síntese”13. A síntese de Formação do Brasil contempo-
râneo ganha essa forma, entre outras razões, porque as
sínteses de trajetória integral, como as de Varnhagen,
já estavam prontas. Seu autor, Prado Júnior, não esta-
va focado na reunião de monografias para preencher as
lacunas da trajetória nacional brasileira e inaugurar-lhe
um sentido (assunto de Varnhagen). Sua prioridade era
aplicar um novo modelo interpretativo às trajetórias já
narradas e modificar “o sentido” existente (expressão
metafísica para traço diacrítico, a identidade, a marca
13Prado Júnior, 1961, p.6-9, 13-14. “Faço em primeiro lugar um balanço geral
da colônia em princípios do século passado, ou antes, naquele período que
cavalga os dois séculos que precedem imediatamente o atual; teremos então
uma síntese do Brasil que saía, já formado e constituído, dos três séculos de
evolução colonial; e tal será o objeto deste primeiro volume.” (p.9) [...] “Todo
povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. Este se per-
cebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e aconte-
cimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo. Quem ob-
serva aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de incidentes secundários que
o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso e incompreensível, não
deixará de perceber que ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de
acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa
determinada orientação. É isto que se deve, antes de mais nada, procurar
quando se aborda a análise da história de um povo, seja aliás qual for o mo-
mento ou o aspecto dela que interessa, porque todos os momentos e aspectos
não são senão partes, por si só incompletas, de um todo que deve ser sempre
o objetivo último do historiador, por mais particularista que seja. Tal inda-
gação é tanto mais importante e essencial que é por ela que se define, tanto
no tempo como no espaço, a individualidade da parcela de humanidade que
interessa ao pesquisador: povo, país, nação, sociedade, seja qual for a designa-
ção apropriada no caso. É somente aí que ele encontrará aquela unidade que
lhe permite destacar uma tal parcela humana para estudá-la à parte.” (p.13).
118
distintiva etc.) para “povo brasileiro”. Em outros termos,
seu interesse era encontrar a particularidade brasileira
diante da generalidade humana e isso implicava (naque-
le contexto) muito mais a substituição dos a priori exis-
tentes (aspectos literalmente teóricos do filósofo especu-
lativo) que a expansão e o adensamento das fontes sobre
a trajetória do povo brasileiro (aspectos literalmente em-
píricos do historiador metódico).
Um exemplo do terceiro caso, nós encontramos no
século XXI, onde as iniciativas modelares de Varnhagen
e de Prado Júnior ainda cumprem funções acadêmicas.
No livro Brasil em projetos: História dos sucessos políticos
e planos de melhoramento do reino: da Ilustração portu-
guesa à Independência, de Jurandir Malerba, a síntese é
assumida como operação que inaugura um novo signifi-
cado para a trajetória inicial do Estado-nação brasileiro.
A síntese de Malerba ganha essa forma, entre outras ra-
zões, porque as sínteses da História de Portugal e da His-
tória do Brasil, desde os tempos do Marquês de Pombal à
declaração de Independência do Brasil, já estavam pron-
tas e, mais importante, porque o gerenciamento de um
verdadeiro mar de monografias sobre projetos de Estado-
-nação silenciados ou vencidos, ao longo de dois séculos,
com a intenção de fornecer explicações originais, era pra-
ticamente impossível de ser realizado por uma só pessoa
(Aquele erudito do século XIX, como afirmamos, não mais
existe no nosso tempo). O interesse do autor é, agora, des-
crever as ideias de Estado-nação, qualificando-as como
elitistas e (sob novo modelo interpretativo) alertar para a
necessidade de denunciá-las sistematicamente, sob pena
de que essas ideias possam voltar a assombrar o presente
no qual vive o autor-narrador Malerba.
119
Esses três casos e exemplos demonstram facetas
da relação parte/todo. No primeiro, o historiador inaugu-
ra uma trajetória. Na segunda, o historiador inaugura
um novo significado para a parte final de uma trajetória.
Na terceira, o historiador inaugura um novo significado
para a parte inicial da trajetória. Fazendo as analogias
sugeridas acima (a parte somente entendida com a exis-
tência de um todo hipotético), temos, respectivamente,
três resultados para diferentes relações entre coisas: (1)
Brasil/Portugal (o Brasil só é inteligível quando situado
no Império Português); (2) Brasileiros/Humanidade (os
brasileiros só são inteligíveis quando situados no con-
junto humanidade); e (3) Iluminismo/liberalismo bra-
sileiro (os projetos de Estado-Nação brasileiros só são
inteligíveis quando situados nas ideias cultivadas pelo
Iluminismo português).
Esses casos e exemplos, contudo, não esgotam as
demonstrações do valor das sínteses históricas para a in-
vestigação acadêmica. A relação todo/parte é frequente-
mente estendida para outras dimensões da experiência
humana (modelos econômicos, sensibilidades coletivas),
para outros entes jurídico-políticos (cidades, municípios,
microrregiões, estados regiões etc.) e para determinados
intervalos de tempo. Nesse sentido, as pessoas (historia-
doras ou não) manifestam certo fascínio pelas datas fe-
chadas móveis (bicentenários, centenários, cinquentená-
rios etc.), como também pelos demarcadores temporais
fixos (século, quinquênio, milênio etc.). Esses momentos
comemorativos ou místicos (que ultrapassam o potencial
individual de lembrar, repetimos), demandam sínteses
históricas aos acadêmicos (aos não acadêmicos e, princi-
palmente, aos empreendedores comerciais).
120
A síntese demandada à investigação
na pós-graduação profissional
121
livro didático para o mesmo nível de ensino, uma estru-
tura mais ou menos teleológica poderá ser adotada (e
é preferível que seja adotada). Essa estrutura pode ser
metaforizada em “fio condutor”, “espinha dorsal”, “ideias
força” etc. Mas, no frigir dos ovos, o que o planejador
está querendo dizer é que o currículo (prescrito ou edi-
tado) realiza uma totalidade e dá a conhecê-la mediante
determinada estrutura que expressa as grandes mudan-
ças e os processos históricos mais significativos daquele
corpo social. Um planejador de programa de ensino e de
livro didático cumpre função semelhante ao produtor de
síntese sobre a história do Brasil e ao produtor de uma
dissertação de História. Todos fazem síntese histórica.
A dissertação, contudo, não é tipo clássico de sín-
tese histórica (já vimos que ela é exemplo de monografia
histórica), mas a sua constituição exige textos de síntese
(alguns breves, outros nem tanto), inseridas na introdu-
ção ou em algum item específico de um dos capítulos. No
PROFHISTÓRIA, em alguns casos, a síntese histórica
pode ocupar todo um capítulo (em geral, o terceiro).
Na introdução ou algum item de um dos capítu-
los, a síntese histórica é chamada a instituir contextos
para a história que o(a) mestrando(a) quer contar. Ela
emerge com subtítulos do tipo: “O Ensino de História
em São Luís (1984-2020)”. Também na introdução ou
algum item de um dos capítulos, a síntese histórica é
chamada a demonstrar o diálogo com os pares, em geral,
rubricada como “Revisão da literatura”, “Revisão his-
toriográfica” ou “Estado da arte”. No terceiro capítulo,
a síntese histórica emerge, na maioria dos casos, como
conteúdo substantivo, ganhando uma variedade de mo-
dos de expressão. Pode aparecer sob o título “Uma Histó-
122
ria de Itabuna”, para o caso de uma narrativa expressa
em livro ou em História em Quadrinhos, e “História das
Mulheres de Porto Calvo” para o caso de uma cartilha
destinada ao professor, acompanhada de sequências di-
dáticas aplicáveis ao ensino dos anos finais.
A experiência do Ensino de História, em geral,
é efetuada de modo muito tosco. Como carecemos de
sínteses intituladas “História do Ensino de História no
Brasil” que abranjam duração secular, vivemos a citar
trabalhos lacunares sem a devida crítica ou, que é bem
pior, a tentar fazer essa história que os trabalhos lacu-
nares não conseguiram narrar. Um dos maiores óbices
a uma útil história do Ensino de História é a constitui-
ção de sínteses que consideram apenas a experiência do
pensamento, dos planos e/ou das intenções de gestores e
legisladores. Essa foi a opção dominante de muitos tra-
balhos produzidos em domínios conhecidos como Histó-
ria da Educação. Essa atitude, em alguns casos, comu-
nicava as prescrições normativas como a realidade em si
mesma, omitindo, inclusive, desvios, ações discordantes,
resistências e construções originais em termos de ensi-
no, agências político-partidárias, formação e organiza-
ção profissional. Numa palavra, não raro, o enunciado
da lei construía (e era a representação) da realidade.
Outro óbice que vai na contramão do anterior é
a (também equivocada) prática de pouco ou nunca pre-
cisar o objeto de pesquisa designado “Ensino de Histó-
ria”. Ele seria constituído por pensamentos, práticas,
ações de ensinar e de aprender História ou pelos três
juntos? Seriam práticas de sujeitos pessoais ou de ins-
tituições? Seriam dos ambientes escolares públicos ou
privados? Seriam de instituições Estatais ou da Socie-
123
dade Civil? Seriam de todos os níveis de Ensino ou ape-
nas do Secundário? Incluiriam o Ensino Regular ou o
Ensino de Jovens e Adultos?
Boa sugestão para evitar a nociva dispersão – e
que impossibilita o autor fazer alguma declaração sobre
mudanças e permanências no Ensino de História em du-
ração secular, republicana etc. – é definir esta coisa desig-
nada “Ensino de História” e seguir o procedimento geral
que qualquer profissional lança mão ao recortar o seu ob-
jeto: verificar a existência de fontes, os pontos de inflexão,
e as possibilidades de aplicação de determinado modelo
interpretativo. Essas variáveis dão forma (tempo, espaço
e circunstâncias) à história do Ensino de História da qual
o(a) mestrando(a) tem necessidade de contar.
Essa síntese preenche um tópico, algumas vezes
intitulado de “O Ensino de História no Brasil” ou “O Ensi-
no de História no Estado de Alagoas” ou, ainda, o Ensino
de História no Município de Teresina”. Mas há outro lugar
onde a síntese histórica é requisitada, dessa vez, obrigato-
riamente. Trata-se da revisão da literatura ou da história
de como o problema que o(a) mestrando(a) aponta foi (ou
se foi) resolvido por outros estudiosos. A alternativa mais
simples e, em muitos casos, mais eficaz para o andamento
da pesquisa é sintetizar as escritas da história de como
uma infinidade de pesquisadores deu respostas centrais
ou tangenciais à sua questão inicial de pesquisa.
Um exemplo: Por que os meus alunos, apesar de
estarem do terceiro ano do Ensino Médio, não adquiri-
ram uma visão geral de padrões de mudança na longa
duração da História do Brasil? Porque eles não conse-
guem associar determinados eventos, como a instituição
do Ato Institucional n.5 à experiência republicana re-
124
cente, tampouco ao século XX? A dissertação, certamen-
te, deve dar essa resposta dentro do contexto daquela
escola e daquela comunidade. Mas o seu autor deverá co-
nhecer o que disseram os que problematizaram o Ensino
de História de maneira idêntica porque o conhecimento
a ser produzido é socialmente construído, o que significa
dizer, coletivamente construído, dialogando com os pa-
res. O modo de dialogar com os pares e de dizer o que os
seus antecedentes concluíram sobre problemas do tipo é
contando a sua história de modo sintético, ou seja, elabo-
rando uma síntese histórica dos modos de encarar aque-
le problema de pesquisa.
Para fazer essa história, novamente, o(a) mes-
trando(a) deverá ser hábil em consultar repertórios,
selecionar fontes com status idêntico à sua dissertação,
distribuí-los em tipos e subtipos, considerando, numa
primeira etapa, a distribuição temporal, espacial, grau
de proximidade com o objeto e, numa segunda etapa, a
orientação teórica que formata cada resposta e a própria
natureza das respostas ao problema em foco, ou seja,
causas, consequências e prováveis soluções.
Tudo isso está no âmbito da análise. A síntese
propriamente dita será constituída com a reorganização
narrativa dos dados obtidos na descrição dos textos con-
sultados, na crítica às alternativas de resposta e no anún-
cio das contribuições que eventuais grupos de respostas
podem oferecer à investigação do(a) mestrando(a) que
efetua essa revisão da literatura. Ao final dessas etapas,
teremos uma história dos modos pelos quais os pesqui-
sadores enfrentaram o problema da incapacidade de os
alunos situarem determinados acontecimento e processos
em um esquema de longa duração da História do Brasil.
125
Chegamos, por fim, ao lugar onde a síntese his-
tórica é privilegiada: o terceiro capítulo da dissertação.
Ali, em geral, comunicamos nossa ideia, projeto ou re-
sultado de intervenção em situações comunicativas que
envolvem Ensino de História e aprendizagem histórica.
Ali estão expostos os textos de síntese que funcionam
como base para sequências didáticas e, ainda, os textos
de sínteses que organizam determinados passados para
oferecer uma representação narrativa de uma coisa ou
pessoa digna dessa representação.
Tanto em um como no outro caso, a síntese histó-
rica exige do(a) mestrando(a) as habilidades típicas do(a)
historiador(a) por formação: problematizar a realidade
do ensino, recolher fontes e, metodicamente, criticá-las,
extrair informações, estabelecer acontecimentos, identi-
ficar mudanças, modelar processos e produzir narrativa
inteligível e persuasiva. Tudo isso já tratamos neste e no
tópico anterior. Mas devemos enfatizar dois conselhos
básicos ao construtor de sínteses, relacionados ao manu-
seio racional e criativo de eventos e estruturas.
O primeiro é a obediência do princípio de que os
eventos só fazem sentido dentro de uma estrutura, seja
ela qual for. Valem orientações freudianas (o motor da
história é o conflito entre a pulsão de vida e a pulsão de
morte) e as orientações marxistas (a dinâmica principal
da vida é a luta de classes), por exemplo. As estruturas,
por sua vez, não têm sentido algum quando são despidas
de eventos, da expressão de sentimentos, ideias e práti-
cas de pessoas concretas.
O segundo e último conselho tem a ver com a fun-
cionalidade da síntese. Tudo bem que a síntese histórica
deve dar uma visão geral de um todo designado, por exem-
126
plo, como a “Uma História do Povoado Curralinho”, “His-
tória de Pernambuco para crianças”, “O movimento de mu-
lheres catadoras de mangaba e as lutas pela preservação
do bioma das Mangabeiras”. Contudo, na construção da
síntese, o(a) mestrando(a) deve criar situações narrativas
para os leitores retirem o máximo proveito do seu escrito,
no sentido de verem cumpridos os objetivos didáticos que
motivaram a elaboração daquela síntese histórica.
Considerações finais
127
díspares, embora, influenciados pelas legislações, pres-
crições curriculares e, sobretudo, tradições das práticas
de ensino-aprendizagem.
O PROFHISTÓRIA já alterou profundamente o
campo do Ensino de História, mas é necessário ir além,
refletindo sobre a especificidade da produção do conhe-
cimento histórico em um Mestrado Profissional. Essa
diferenciação pode nos aproximar ainda mais da com-
plexidade da vida, afinal, somos plurais e assim deve ser
também a produção dos saberes, inclusive, acadêmicos.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
128
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; FREITAS, Itamar. Desafios
do Mestrado Profissional na reinvenção do campo do Ensino de His-
tória: uma avaliação preliminar dos programas de ensino de Teoria
da História e de história do Ensino de História. Clio: Revista de
Pesquisa Histórica. Recife, v.38, p.27-46, 2020.
129
POR UMA NOVA FORMA DE
PRODUZIR CONHECIMENTO NO
PROFHISTÓRIA1
N
este texto2, apresentamos desafios e possibili-
dades para a sistematização de conhecimento
produzido no âmbito do Mestrado Profissional
em Ensino de História (PROFHISTÓRIA), de modo a
atender o regimento do Programa e evitar solução domi-
nante em uso nos Núcleos da rede: a combinação de uma
dissertação acadêmica com um produto de aplicação
imediata. Tratamos, portanto, da rememoração sobre a
natureza do mestrado profissional, o necessário diálogo
de saberes e a constituição das novas dissertações dos
mestrandos do PROFHISTÓRIA.
130
sejam elas públicas ou privadas. Consequentemente, as
propostas de cursos na modalidade Mestrado Profissional
devem apresentar uma estrutura curricular que enfatize
a articulação entre conhecimento atualizado, domínio da
metodologia pertinente e aplicação orientada para o cam-
po de atuação profissional específico.
Para cumprir esses objetivos, uma parcela do
quadro docente deve ser constituída de profissionais re-
conhecidos por sua qualificação e atuação em campo per-
tinente ao da proposta do curso. Além disso, o trabalho
final do curso deve estar vinculado a problemas reais da
área do campo do profissional-aluno e de acordo com a
natureza da área e a finalidade do curso, podendo ser
apresentado nos seguintes formatos: “texto dissertativo,
documentário, exposição; material didático; projeto de
intervenção em escola, museu ou espaço similar”.
Após oito anos de práticas de orientação e de pro-
dução de dezenas dissertações, notamos que a resistência
em relação à dimensão propositiva (produto) diminuiu,
sendo até transformada em grande novidade e diferen-
cial do Programa. Por outro lado, a dissertação permane-
ce uma junção do formato acadêmico e de um produto de
aplicação no cotidiano docente da escolarização básica.
Esse não seria um problema se produto e a dis-
sertação acadêmica fossem elementos interagentes e
constituíssem um todo orgânico. Mas não é o que ocorre.
Em geral, mestrandos empregam muito tempo e espaço
na demonstração e na apropriação do saber acadêmico,
reservando aproximadamente ¼ do tempo total do mes-
trado à reflexão, planejamento, pesquisa e elaboração fi-
nal do produto. Grande parte desses construtos não pas-
sa por experimentação ou aplicação integral, impedindo
131
os docentes de produzirem conhecimento especializado
sobre os problemas de ensino deflagradores da sua par-
ticipação no curso de pós-graduação.
A arquitetura da informação e o suporte da pes-
quisa também são empecilhos à circulação do conheci-
mento entre os profissionais das redes. São longas dis-
sertações (com mais de 100 páginas), organizadas no
formato coletânea de textos que não demonstram o po-
tencial da dimensão propositiva que seria o mais ade-
quado para divulgação.
É muito provável que esse modelo seja apropria-
do porque, infelizmente, como já denunciamos em outras
ocasiões, professores formadores e alunos de pós-gradu-
ação, em geral, conservam uma visão hierarquizada em
relação a escola e ao seu principal profissional, conce-
bendo o Mestrado Profissional como instrumento de atu-
alização historiográfica, ao contrário de um ambiente de
diálogo entre profissionais de distinta função.
Esses problemas nos impõem reflexão e tomadas
de posição. Se quisermos, de fato, atender aos requisitos
do regimento em seus princípios básicos – a apropriação
dos estudos a criticidade do conhecimento e capacidade
de intervenção –, disseminando uma nova cultura para o
Ensino de História, deveremos fazer cumprir essas duas
primeiras orientações, considerando os saberes constru-
ídos na prática e as demandas reais dos espaços de tra-
balho na escola básica.
132
dois tipos profissionais: docentes da educação básica e do-
centes formadores de professores. Essa ocasião se reveste
de muitos significados posto que a formação continuada
é entendida como espaço de reflexão do profissional em
exercício na educação básica sobre como sua formação na
graduação funcionou para sua prática e como nessa últi-
ma se constituíram as experiências e reflexões que refor-
mularam seus conhecimentos. Isso requer a desconstru-
ção de um dos aspectos da relação hierarquizada entre
universidade e escola, construída em dupla via: dos do-
centes formadores para os docentes da escola básica e dos
docentes da escola básica para os docentes formadores.
No primeiro caso, a hierarquia é construída sob
o princípio de que a Universidade é a instituição-mãe
de onde partem todos os fundamentos da ciência e todas
as possibilidades de inovação. Sob tal visão, professores
formadores organizam seus cursos de formação conti-
nuada exclusivamente focados no seu horizonte de ex-
pectativas de erudição ou na última novidade apontada
pela teoria da área. Essa atitude demarca uma visão de
Universidade e uma visão de formação, pois exclui deli-
beradamente, tanto as demandas dos docentes da escola
básica como os saberes da prática gerados em anos de
atividades com crianças, jovens e adolescentes por esses
mesmos demandantes.
No segundo caso a hierarquia é construída sob
mesmo princípio, mas com total assentimento do pro-
fessor da escola básica que não reconhece, repetimos, os
saberes da prática gerados em anos de atividades com
crianças, jovens e adolescentes como conhecimento (e
conhecimento relevante) para a formação docente. E as-
sim pensam, não obstante reclamarem da Universidade,
133
durante os primeiros dois anos da sua vida profissional,
por não terem aprendido o mínimo para atuarem diante
de uma turma de 40 alunos em idade escolar.
Essa visão de Universidade, de conhecimento e,
principalmente, compartilhada entre professores da es-
cola básica e docentes universitários é simultaneamen-
te encantadora e enganosa. Investigadores sensatos (da
escola básica e da universidade) sabem que a concessão
de um lapso de tempo entre leituras e aprofundamen-
to, experimentação com materiais didáticos e retorno às
leituras de aprofundamento, agora, acompanhadas de
respostas da realidade escolar, podem resultar em avan-
ços significativos na resolução de problemas típicos da
docência escolar.
Sobre (re)inventar as dissertações
para o Profhistória
134
A predisposição e a cartografia das práticas con-
tribuem para a melhor gestão do conteúdo das disciplinas
obrigatórias do Mestrado. Teoria da História, por exem-
plo, não deve ser a enumeração de escolas históricas nem
o tratamento aleatório de autores ditos canônicos, mas
a relação dessas teorias e autores com os elementos que
conduzem ao conhecimento sistematizado da História, à
fundamentação das práticas de ensino-aprendizagem na
educação básica e às conexões com os demais saberes en-
volvidos nessas mesmas práticas de aprender e ensinar
(Psicologias da Aprendizagem, Teorias do Currículo, His-
tórias da Educação, Neurociências etc.).
O momento das escolhas por questões de investi-
gação também pede outra atitude por parte dos docentes
formadores. É fundamental a diminuição (e diminuição
drástica) do peso que tem o interesse imediato do orien-
tador nas escolhas do professor orientado. Essa mudança
é um pouco mais difícil porque a mística de um orienta-
dor que sabe tudo e de um orientando que pouco sabe ha-
bita a mente de ambos. Contudo, se o docente formador
empreende a cartografia das demandas dos seus alunos
e se partilha dos compromissos das finalidades do PRO-
FHISTÓRIA, ele deve estar aberto a ouvir, a discutir e
a contribuir com a eleição de questões e formatação de
objetos de pesquisa intrinsecamente voltados às deman-
das do profissional da escola básica. É até provável que
a ausência dessa nova atitude seja um dos motivos para
a manutenção do modelo que reclamamos logo no início
desse texto: dissertação acadêmica + produto.
Outra medida positiva nesse processo de orienta-
ção está relacionada à revisão da literatura. Os mestran-
dos sabem que o conhecimento acadêmico é socialmente
135
produzido, mas devem ser estimulados a vivenciarem esse
princípio, conhecendo autoridades e citando autoridades.
Nesse sentido, revisões de literatura devem primar pela
exaustividade e representatividade, lançando mão de
toda espécie de gêneros textuais (verbetes de dicionários,
resenhas, trabalhos em anais, artigos, dissertações e te-
ses etc.) que atentam, exclusivamente, aos temas e pro-
blemas de pesquisa que selecionou. Dissertações do PRO-
FHISTÓRIA não devem cobrir as lacunas das sínteses
historiográficas, por exemplo, sobre a história do Ensino
de História no Brasil ou sobre a história das ditaduras
na América Latina. Dissertações são contribuições loca-
lizadas (estudos monográficos) e assim devem continuar
a ser no nosso Mestrado Profissional. As revisões que se
confundem com sínteses eruditas são, portanto, um vício
do mestrado acadêmico que deve ser combatido.
A gestão do tempo de cada percurso individual no
Mestrado é também algo a ser modificado. Nossa ideia é a
de que a maior parte do tempo, ao menos metade (dois pe-
ríodos letivos) seja reservada à produção e à experimenta-
ção dos planos e/ou das intervenções na docência escolar.
Uma das marcas do mestrado acadêmico (que trata com
noviços em pesquisa) é o estabelecimento de um longo
tempo de reflexão e maturação das questões de pesquisa
e dos recortes de objeto. No PROFHISTÓRIA, mestran-
dos tem demandas de sobra, que podem ser trabalhadas
durante os primeiros seis meses no curso. O emprego de
três períodos letivos para levar um aluno à defesa de seu
projeto de pesquisa (com 20 páginas) é, praticamente, um
pedido de postergação do prazo de defesa.
Uma última medida, talvez a de mais complexa
execução, tem a ver com a arquitetura da informação dos
136
trabalhos. Já anunciamos que a maioria das dissertações
do Mestrado acopla um texto dissertativo e uma proposta
de aplicação (produto). Em tese, não há nada de vicioso
em um texto dissertativo que é seguido de uma proposta
de intervenção, se o plano da dissertação expressar um
diálogo efetivo entre as partes: uma introdução que anun-
cia questão, objetivos e capítulos + capítulos que cum-
prem objetivos anunciados + conclusões que respondem
às questões de modo sintético. O que vemos nos trabalhos
dos colegas não é esse diálogo. O que ocorre, em boa par-
te dos casos, é uma separação formal e real entre textos
voltados à banca de defesa (plenos de erudição) e textos
voltados aos colegas da educação básica (ainda que não
sejam plenos de inteligibilidade e aplicabilidade).
No nosso entendimento, o que os colegas enxer-
gam como “a dissertação” é a história da resolução de um
problema de pesquisa demandado pela docência escolar,
enquanto o que os colegas enxergam como “produto” é a
resposta à questão que formaliza uma demanda da do-
cência escolar. O que define a localização de um “produ-
to” no terceiro capítulo ou nos apêndices é a natureza
física (o suporte) que ganha a resposta à questão, trans-
formada em objetivo interventor: um jogo de tabuleiro
para desenvolver empatia, uma sequência didática para
ampliar o sentimento de pertença, um vídeo para orien-
tar o professor a trabalhar fósseis como fonte histórica
ou de um podcast para que os alunos experimentem o
passado por meio de canções. Com isso queremos reite-
rar que o jogo de tabuleiro, a sequência didática, o filme
e o podcast devem estar presentes na introdução, nos
capítulos, nas conclusões e (se for o caso) nos apêndices)
da dissertação. Pensamos que os defeitos da arquitetura
137
da informação (a separação real e formal entre “disser-
tação” e “produto”) podem ser extintos em grande par-
te se auxiliarmos os mestrandos a diferenciarem o pro-
blema de pesquisa que eles formalizam a partir da sua
demanda escolar do desejo (antigo ou recente, confesso
ou latente) de experimentar uma estratégia de ensino
encarnada em determinado suporte.
Considerações finais
138
SOBRE OS AUTORES
139
Educação e do Mestrado Profissional em História (UFS),
membro da Equipe Multidisciplinar da Universidade
Aberta do Brasil (UAB/UFS), editor executivo da revista
“Crítica Historiográfica” (ISSN 2764-2666) e coeditor do
blog “Resenha Crítica” (ISSN 2764-0302). Tem experi-
ência nas áreas de Ensino de História, Teoria e Metodo-
logia da História, foi parecerista do Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) em sete edições e da primeira
versão da Base Nacional Curricular Comum (PNLD).
Atuou como gestor na educação superior pública, com
passagens pela direção do Centro de Educação Superior
a Distância (CESAD/UFS), presidência da Fundação de
Apoio à Pesquisa de Sergipe (FAPESE) e Pró-reitoria de
Gestão de Pessoas na UFS.
140
[2022]
EDITORA CABANA
Trav. WE 11, N º 41 (Conj. Cidade
Nova I)
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