51-Texto Do Artigo-130-1-10-20070524
51-Texto Do Artigo-130-1-10-20070524
51-Texto Do Artigo-130-1-10-20070524
DE ISTÓRIA
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ISSN 0103-6300
1. História – Ensino. 2. História – Metodologia 3. Políticas Educacionais
Revista Indexada na Biblioteca de Educação/INEPE/DFEC
Apresentação ................................................................................................ 05
7. O ensino de História nas 3as séries das escolas municipais: entre a proposta
curricular e as práticas
Nilza Aparecida da Silva Azevedo ................................................................. 99
8. Literatura e ensino de História: em torno do “1º de Maio”
Geni Rosa Duarte ........................................................................................ 119
Boa leitura!
Profa. Aléxia Pádua Franco
ESEBA/UFU
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 07-21, 2004/2005
Abstract: The paper deals with the academic space of the History teaching
as an interdisciplinary research field between History and Education, as well
as it deals with the disciplinary interfaces involved in the actual developments
and problems of this research field.
7
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O que é o ensino de História de que tanto falamos nestes últimos anos, principal-
mente desde o primeiro Encontro Perspectivas do Ensino de História, em 19882 ?
Naquele ano, o evento foi marcado pela ampla presença de professores do ensino de
1o. e 2o. Graus, e pelo caráter de balanço da História ensinada nas escolas e no ensino
superior. Seu caráter era mais o de um evento de professores de História em todos os
níveis, discutindo a sua prática e trocando experiências que um evento acadêmico,
esquadrinhando um objeto de pesquisa. Se por um lado, diremos, esta dicotomia é
falsa, por outro é sensível que o ensino de História como uma preocupação de pesquisa
acadêmica desenvolveu-se bastante desde então, sendo marcado inclusive pela cria-
ção de um outro evento voltado a essa temática, os Encontros de Pesquisadores do
Ensino de História (já ocorridos em Uberlândia, Campinas, Ijuí, João Pessoa e Londrina).
Um dado da realidade só torna-se um tema de estudos quando um ou mais
motivos estabelecem-no como problemático. A princípio, o que não está em
crise não é notado nem investigado. A crise do ensino de História, como já
destacaram vários textos (entre eles talvez o mais conhecido seja o artigo de
Elza Nadai, O Ensino de História no Brasil: Trajetória e Perspectiva3), decorre
tanto da derrocada da ditadura militar e sua influência sobre o ensino e a forma-
ção dos cidadãos na escola quanto dos deslocamentos epistemológicos da His-
1
ORTIZ, Renato. Um outro território. Ensaios sobre a mundialização. 2. ed. São Paulo: Olho
D’Água, 2000, p. 52.
2
SEMINÁRIO Perspectivas do Ensino de História (Anais). São Paulo: Faculdade de Educação
da USP, 1988.
3
NADAI, Elza. O Ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de
História. São Paulo, v. 13, n. 25/26, set.92 / ago.93, p. 143-162.
8
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4
LIMA, Lana Lage da Gama. Fronteiras da História. In: NODARI, PEDRO e IOKOI (orgs.). História:
fronteiras. XX Simpósio nacional da ANPUH. São Paulo: ANPUH; Humanitas / FFLCH / USP,
1999, p. 17 - 40.
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a oposição binária entre teoria e prática, com esta última tornando-se uma
categoria não- problemática para invocar a voz da autoridade pedagógica. Neste
caso a teoria é rejeitada como incidental à reforma educacional, ou,
simplesmente, como o discurso de acadêmicos pedantes que têm pouco a
dizer àqueles que trabalham no campo.5
5
GIROUX, Henry. Cruzando as fronteiras do discurso educacional. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1999, p. 12.
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Para Bergmann, o que ele chama de Didática da História (e que nós estamos
chamando, certamente de forma imprópria e incompleta mas arraigada pela
força do uso, de “ensino de História”) vai muito além da discussão sobre méto-
dos e técnicas, e o estudo da formação e da dinâmica da consciência histórica
é o móvel cuja investigação constitui a espinha dorsal da área. É importante
compreender a história que se aprende fora da relação pedagógica escolar,
porque esta é apenas um dos componentes do aprendizado da História por
parte dos alunos: muitas das suas noções e valores sobre o tempo, sobre iden-
tidade, sobre o passado, são aprendidos antes, fora e concomitantemente ao
ensino formal. Os alunos chegam à escola já carregados de uma História cujo
aprendizado não foi controlado pelo professor ou pela escola, mas que teve
origem na experiência pessoal, no convívio com os mais velhos, na prática da
religião, no contato diário com os meios de comunicação. Contribuir para a com-
preensão desses processos extra-escolares de aprendizado da História é im-
portante para a própria metodologia escolar do ensino de História, principal-
mente para identificar fatores que determinam, condicionam ou minam os limi-
tes de aprendizado e contingenciam a compreensão da História. A vantagem
dessa concepção é a de não ignorar as relações entre a escola, a História ensi-
nada e a cultura (principalmente a indústria cultural), que são sempre problemá-
ticas, mas mais ainda quando são ignoradas ou postas em segundo plano.
O texto de Bergmann ajuda a estender as fronteiras para muito além da
prática de ensino e da educação formal. Apesar de um normativismo que não
pode agradar à experiência educacional crítica brasileira (mas compreensível
numa sociedade que viveu o trauma da experiência nazista e convive com seus
ecos), o autor define a Didática da História como a própria investigação sobre o
significado da História no contexto social. Entendendo os focos de emanação
de discurso histórico (no sentido de atribuição de sentidos aos grupos humanos
no tempo) como múltiplos, isto dá a esse campo de investigação um objeto
significativamente amplo e ainda bastante inexplorado, o que nos deixa diante
de uma agenda de pesquisa que parece ser maior do que as forças que dispo-
mos no momento, bem como nos coloca a bordo de uma tendência atual na
historiografia, como reconhece, por exemplo, Stephen Bann (1994), sobre os
usos da História. Entretanto, assumir essa agenda passa por aceitar o desafio
de pensar o ensino de História não mais privilegiadamente na sala de aula e na
escola, mas também nestes espaços. Essa postura pode ser o salto, quantitati-
vo e qualitativo, que prenuncia-se em várias pesquisas na área do ensino de
História no Brasil, com o qual esta área tende a ganhar um referencial de análi-
se mais amplo e uma possibilidade crescente de relacionamento com outros
territórios do saber.
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6
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília:
EdUnB, 2001, p. 54.
7
Id., ibid., p. 57.
8
Idem. The didatics of History in West Germany: Towards a nem self-awareness of historical
studies. History and Theory. n. 26, 1987, p. 275-286.
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zagem. Assim, não era mais possível colocar o problema da educação histórica
do ponto de vista da “recepção” do conhecimento histórico, já que essa postura
implicava tomar a História como um objeto dado a ser meramente assimilado
pelo aluno, visão que se altera na medida em que o conteúdo da consciência
histórica passa a ser reconhecido como produto da atividade mental. A consci-
ência passou a ser convencionada não como um vazio do aluno que teria que
ser completado com “história”, mas como resultado de múltiplas experiências
referentes ao tempo ao longo da vida de cada indivíduo.9
Essa concepção de consciência histórica e de Didática da História constitui
mais um fator de diluição de fronteiras, recolocando o espaço da Didática: ela
não pode mais ser entendida como uma disciplina instrumentalizadora, apenas,
e pode ser entendida como um dos campos da reflexão teórica da História, na
medida em que coloca em foco aspectos como o uso, a utilidade e os fluxos
sociais do conhecimento histórico, a partir da idéia de que a academia não é a
única fonte de emissão acerca desse conhecimento, mas apenas uma fonte
emissora de um conhecimento histórico com características específicas.
Por fim, Gonçalves10 alerta-nos para mais um dos motivos pelos quais o
ensino de História precisa transpor seus muros e repensar suas fronteiras: a
crise do ensino de História não deve ser investigada apenas em seu próprio
campo ( o ensino de História ), mas precisa levar em conta uma crise mais
ampla e dupla: da Escola em si e da Escola Pública em particular. A reflexão
sobre o papel da História na escola não é uma reflexão isolada, e o
equacionamento das questões, embora possa valer-se substancialmente das
contribuições do pensamento histórico, está longe de esgotar-se nele.
9
Idem. What is historical Consciousness? A Theoretical approach to empirical evidence. Theoretical
Frameworks, University of British Columbia, Vancouver, BC, 2001. http://www.cshc.ubc.ca/pwias/
viewabstract.php?8
10
GONÇALVES, Jussemar Weiss. O campo da história na escola pública. Cadernos de Educação.
Pelotas, RS, v. 10, jan./jun. 1998, p. 57 - 67.
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traduzir por “quem - ou qual disciplina - tem legitimidade para pesquisar o ensino
de História e formar o seu professor”. Na verdade, considerando que a formação
do professor é uma soma de múltiplas contribuições, a disputa que se estabelece
é pelo comando, pela hegemonia do processo. Essa disputa ocorre em maior ou
menor grau, sendo quase inexistente em algumas instituições e beirando o paro-
xismo paralisante em outras. A brilhante discussão entre Ana Maria Monteiro,
Serlei Ranzi e Marlene Cainelli, no 3o. Perspectivas11, embora evitasse abordar
diretamente essa problemática (afinal ela é existente mas surda), acabou tendo
que abordá-la no momento do debate com a platéia, quando colocaram-se vanta-
gens e desvantagens da prática de ensino lotada nos próprios departamentos de
História ou nos departamentos / institutos / faculdades de Educação. Uma das
conclusões, se a memória não falha, era a de que a lotação pouco importava
quando havia uma prática profícua de diálogo entre os vários protagonistas, supe-
rando a postura de demarcação de espaços. Portanto, não é suficiente definir o
local, mas também é preciso não esquecer que o institucional cria sua própria
inércia, que acaba por só romper-se com iniciativas pessoais e fugazes, que não
se tornam estruturais e não se fazem reproduzir pela força da instituição.
O que temos chamado de ensino de História é uma área de investigação
cujas questões são pertinentes aos cursos de História que formam professores,
especialmente nas disciplinas que são em geral trabalhadas pelas Faculdades de
Educação (embora, em muitos cursos, essas disciplinas sejam trabalhadas pelos
professores dos próprios institutos ou departamentos de História). Já foi argu-
mentado também que a interface ocorre tendo como centro o saber histórico
comunicado (que freqüentemente tem sido o saber escolar). Epistemologicamente
(seguindo o raciocínio de Bergmann), estamos diante de uma nova disciplina
dentro da ciência histórica cujo motor principal é, como já foi argumentado aci-
ma, a compreensão, avaliação e melhoramento da circulação do conhecimento
histórico pela sociedade e seu uso pelos diferentes grupos, incluso aí o sistema
educacional e a educação informal. Ocorre que, na prática, o ensino de História
vem se constituindo do trabalho de pesquisadores que estão institucionalmente
ligados à História e à Educação, principalmente, valendo-se de conceitos, mé-
todos e técnicas dessas e de outras ciências, e, portanto, institucionalmente o
que existe, não é ainda uma disciplina, mas uma área de interesse interdisciplinar
que é compartilhada por profissionais diversos, dentro e fora da academia, e
isso é de uma riqueza ímpar. A história da ciência é pródiga em apontar exemplos
11
Trata-se da mesa redonda “O lugar da prática de Ensino na Formação do Professor de História”,
ocorrida em 21 de Julho de 1998, no III Encontro Perspectivas do Ensino de História, em
Curitiba.
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FURET, François. O nascimento da História. In: _____.A Oficina da história. Lisboa: Gradiva,
s.d.
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Fronteiras e alfândegas
13
Veja-se, por exemplo, os artigos “Ouvindo o Brasil: o ensino de História pelo rádio”, de Newton
D’Angelo, publicado na Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, p. 161-186, 1997; o artigo
“Ensino de História e Nação na propaganda do “Milagre econômico”, de minha autoria, publica-
do na Revista Brasileira de História, v. 22, n. 43, p. 195-228, 2002; a dissertação de mestrado
“Entre cantos e chibatas: a pobreza em rima rica nas canções de João Bosco e Aldir Blanc”, de
Alexandre Felipe Fiúza, defendida na Faculdade de Educação da Unicamp em 2001.
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Referências
AUDIGIER, François, et. al. La place des Savoirs scientifiques dans les didactiques
de l’histoire et de la géographie. Revue Française de Pédagogie. Paris, n. 106,
jan-mar. 1994, p. 12.
14
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 3 ed. São Paulo: Loyola, 1996.
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LIMA, Lana Lage da Gama. Fronteiras da História. In: NODARI, PEDRO e IOKOI
(orgs.). História: Fronteiras. XX Simpósio nacional da ANPUH. São Paulo: ANPUH;
Humanitas / FFLCH / USP, 1999, p. 17 - 40.
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Abstract: This article has the purpose to analyze the representations of the
teacher and of History that should be taught according to the elaborated
curriculum proposals between the years of 1984 and 1995 in Brazil, giving
special emphasis to historiography proposals in what regards the changes
in this discipline teaching.
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Adentrava pelos portões estreitos das escolas brasileiras uma nova reali-
dade que não dava para ser mais ignorada pela sociedade, impondo necessári-
as mudanças, as quais ainda não foram realizadas.
Nesse contexto, diversos profissionais envolvidos com a área do ensino
começaram a discutir e questionar de maneira intensa o sistema e a política
educacional adotadas pelo Estado e a elaborar novas alternativas de ensino. No
longo período de debates, os professores tiveram relevante papel na luta pela
constituição de um saber escolar mais adequado às reais condições da popula-
ção brasileira e na difícil tarefa de reduzir o poder e o monopólio dos chamados
técnicos educacionais do Ministério da Educação oriundos da política
centralizadora do Estado desde a ditadura Vargas (Abud, 1998, p. 107).
Durante esse momento de debates reforçou-se o diálogo e a aproximação
entre os pesquisadores e/ou docentes universitários com os professores do
ensino 1o e 2o graus.
O período posterior à volta da disciplina História ao currículo escolar do
ensino de 1o e 2o grau tem sido marcado por propostas, polêmicas, confrontos e
conflitos em relação a um novo currículo. Os atores sociais presentes nesses
debates têm trazido nas suas falas e argumentações a necessidade de
“aprofundar as questões relativas ao conhecimento que tradicionalmente vinha
sendo ensinado e às novas tendências e avanços nos campos historiográfico e
pedagógico” (Bittencourt, 1998, p. 13).
Essa aproximação entre a universidade e as escolas de 1o e 2o graus tem
contribuído de forma significativa para o enriquecimento dessas discussões,
contrariando, pois, o que havia sido marcante durante o período anterior, o am-
plo distanciamento entre os dois espaços.
As discussões em torno do ensino de História ganharam novo fôlego, ultrapas-
sando as fronteiras dos espaços acadêmicos e escolares, com a Reforma Curricular
para ensino de 1o e 2o graus realizada em todos os Estados brasileiros entre 1985 e
1995, Tal reforma veio com o objetivo de concretizar a readequação dos programas
curriculares e suas metodologias para o ensino básico de oito anos.
Para Elza Nadai, as propostas curriculares elaboradas durante esse perío-
do, na sua totalidade, apresentavam-se de maneira
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tanto por membros da academia quanto pelos órgãos de imprensa, que trouxe-
ram os debates de forma sensacionalista ao conhecimento do público, com os
rótulos de “esquerda radical”, “marxista”, “deturpadores da História “oficial””,
“populista”, “irracionalista”, entre outras adjetivações pejorativas. Tais análises
presentes na imprensa contribuíram para a instituição de um universo vocabular
para a rotulação da proposta da CENP e, também, para a inviabilização daquela
iniciativa. O projeto da proposta de História foi retomado a partir de 1990 pela
CENP, mas nesse momento sob a responsabilidade de uma equipe composta
apenas por professores universitários (Cf. Cordeiro, 1994).
A experiência paulista remete-nos à afirmação de Ivor Goodson de que a
elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa
uma tradição. Mas, segundo o autor,
“como acontece com toda tradição, não é algo pronto de uma vez por todas; é,
antes, algo a ser defendido, onde, com o tempo, as mistificações tendem a se
construir e reconstruir sempre de novo. Obviamente, se os especialistas em
currículo ignoram completamente a história e a construção social do currículo,
mais fáceis se tornam esta mistificação e a reprodução de currículo “tradicional”,
tanto na forma como no conteúdo” (1999, p. 78).
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Usar de uma história “moral”, que olhe para acontecimentos ditos negati-
vos das sociedades passadas como exemplos de conduta que as crianças não
devam seguir, também não resolve o problema. Como afirmou Eric Hobsbawm,
talvez o problema do século XX foi que ele ensinou o ser humano a apenas
julgar, e não compreender, pois compreender esteve sempre associado a per-
doar ou aceitar (1999, p. 15).
Mais do que “cidadãos críticos”, precisamos formar “cidadãos leitores”,
sujeitos capazes de realizar uma leitura interpretativa e compreensiva da Histó-
ria ou da “realidade”. Precisamos de cidadãos críticos, mas que sintam necessi-
dade e vontade de adquirir conhecimento. Talvez o prazer em aprender, em
adquirir cultura, devesse ser desenvolvido com maior intensidade. Um ensino
de História pautado apenas nas questões imediatas do cotidiano dos alunos
daria a impressão de que o passado só faria sentido na medida em que se
relacionasse diretamente com o local vivenciado pelo aluno.
Além disso, se analisarmos a história da disciplina desde sua constituição
no século XIX e, principalmente, depois da Segunda Guerra Mundial, veremos
que esse discurso de “formação do pensamento crítico”, a formação de “postu-
ras críticas” ou ainda “estudar o passado para compreender e transformar o
presente” (e planejar o futuro), não é tão inovador quando os autores das pro-
postas curriculares dos anos 1980 e 1990 proclamam.
A inovação que aparece nesse discurso, para Bittencourt, estaria na ênfa-
se dada ao papel da história ensinada para a compreensão do “sentir-se sujeito
histórico” e em sua contribuição para a “formação de um cidadão
crítico”(Bittencourt, 1998, p. 19).
Apesar de concordamos, em parte, com esses aspectos, apresentamos
algumas questões: por que caberia exclusivamente ao ensino de História a for-
mação de uma cidadania crítica? Não seria esse uma meta da educação como
um todo? E mais ainda, que tipo de cidadão crítico pretende-se se formar? Ao
invés de pensarmos numa cidadania universal, não poderíamos falar em cida-
dania plural?
Na maioria das propostas, segundo a autora, a explicitação do conceito de
cidadania é restringida à cidadania política, à formação do eleitor dentro das
concepções democráticas universalizantes do modelo liberal. Será que tal defi-
nição consegue admitir posturas diversas?
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Outro aspecto a ser analisado é que há uma certa convergência das pro-
postas na crítica às noções de tempo impostas pelos currículos de História an-
teriores, oriundos dos paradigmas positivistas e que precisam ser superados.
De maneira quase unânime,
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A partir dos anos 1980, em todos os debates nos quais se colocam questões
relativas ao ensino, pesquisa histórica e reforma curricular, começaram a emergir
com maior intensidade debates dentro e fora da academia sobre a formação e
prática do professor de História (Schmidt, In: Bittencourt, 1998, p. 54).
As recentes reformulações ocasionadas pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de dezembro de 1996, são identificadas como significati-
vas para a ampliação dos debates sobre a questão da reforma do sistema edu-
cacional nacional. No caso específico da disciplina História, os debates estão
centrados nas novas proposições apresentadas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) para o ensino fundamental e médio e nas determinações da
referida Lei para os cursos de graduação e pós-graduação, principalmente no
que concerne à formação dos professores.
Referências
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HOBSBAWM, E. J. Era dos Extremos: o breve século XX. 2a ed. São Paulo: Cia.
das Letras, 1999.
39
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Elaine Lourenço
Fábio Franzini2
1
A versão original deste texto foi apresentada no GT Formação de Professores do VI Encontro
Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH), realizado em Londrina (PR) em
setembro de 2003. Os autores agradecem à Profa. Dra. Sônia M. L. Nikitiuk, coordenadora do
GT, e aos colegas participantes pela oportunidade da discussão, bem como ao Prof. Dr. José
Miguel Arias Neto, da Comissão Organizadora do evento, pelo apoio à publicação. Depois, a
pertinência das críticas e sugestões da Profa. Alexia Pádua Franco foram decisivas para a sua
reformulação, tomando a forma com que aqui se apresenta.
2
Elaine Lourenço é graduada em História (PUC-SP), Mestre em Geografia Humana (FFLCH-
USP) e Coordenadora do curso de Estudos Sociais – História do Centro Universitário Nove de
Julho – Uninove (SP). Endereço eletrônico: [email protected]. Fábio Franzini é graduado em
História (FFLCH-USP), Mestre e Doutorando em História Social (FFLCH-USP), e professor do
Departamento de Educação do Centro Universitário Nove de Julho – Uninove (SP). Endereço
eletrônico: [email protected].
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or, cuja promulgação, em 2001, forçou, de fora para dentro, novas e imprevistas
mudanças na estrutura do curso.3
Até então, a regulamentação legal da formação pedagógica nas licenciatu-
ras tinha sua origem no Parecer 292/62, de 14 de novembro de 1962, alterado
pelo Parecer 672/69, de 4 de setembro de 1969, e fixado pela Resolução n° 9, de
10 de outubro de 1969, todos do Conselho Federal de Educação. Outros parece-
res surgiram posteriormente, mas sem alterar a essência do documento original,
cujo texto, assinado pelo relator conselheiro Valnir Chagas, começa por afirmar
que “todo professor é basicamente um educador; e só age como tal, o que faz de
cada ensino particularizado um instrumento para a formação integral do aluno”. A
partir e como conseqüência desta afirmação, conclui que o processo de aprendi-
zagem se dá em um tripé composto de aluno, matéria e método. Neste ponto, há
uma reflexão sobre as discussões entre a matéria e o método, que o autor resolve
de modo taxativo: “o ‘que ensinar’ preexiste ao ‘como ensinar’ e de certo modo o
condiciona, o que não implica negar validade à metodologia teórica e prática da
Educação”. Assim, havia uma opção pelo conteúdo específico a cada área do
saber em detrimento da forma pedagógica, tanto que o documento estabelecia a
carga horária das disciplinas pedagógicas em, no mínimo, 1/8 da carga horária
total do curso, sendo que o “no mínimo”, na prática e em geral, tornou-se regra.
Com as referidas novas Diretrizes para a formação de professores, regulamen-
tadas pelos Pareceres CNE/CP 9/2001, de 8 de maio de 2001, e CNE/CP 28/2001,
de 2 de outubro de 2001, a carga horária das disciplinas pedagógicas passa de 1/8
para 1/5 da carga total da graduação. Aparentemente, tal ampliação do número de
horas pode indicar apenas uma mudança quantitativa; ela é, no entanto, algo muito
mais profundo, referente a uma concepção diferente dos cursos de licenciatura e do
próprio sentido da formação de professores. Os currículos mínimos de 1962, embora
se propusessem a superar a dicotomia entre bacharelado e licenciatura no famoso
“esquema 3+1”, acabaram por não alcançar esse objetivo, uma vez que admitia que
as disciplinas pedagógicas pudessem ser estudadas em módulos à parte do bacha-
relado. As novas Diretrizes, por sua vez, são enfáticas ao anunciarem a extinção do
“esquema 3+1”, inclusive por tomarem como problema crucial a ser superado a “falta
de identidade” das licenciaturas, tradicionalmente vistas como apêndice dos bachare-
lados. Sob tal perspectiva, busca-se superar também a dicotomia entre conteúdo e
forma, à medida que ambas são pensadas como constitutivas de um processo que é
único – no nosso caso, o da formação de professores de História.
Para atender tanto às exigências da nova legislação quanto às expectativas da
instituição frente às suas licenciaturas, o projeto do bacharelado foi posto de lado,
3
Os dois parágrafos seguintes aproveitam a discussão apresentada por Lourenço (2002).
44
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4
Em mais um exemplo dos deslizes dessa grade, seu primeiro semestre tinha então apenas
duas disciplinas “de História”: História do Brasil I e História Antiga I, cada qual com apenas duas
horas-aula semanais. O restante da grade preenchia-se com disciplinas correlatas – Filosofia,
Sociologia, Metodologia, Língua Portuguesa –, sem dúvida importantes, porém mal articuladas
e mal dimensionadas para um curso de História em três anos.
45
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[...] É evidente que o professor precisa conhecer os conteúdos que tem por
objetivo ensinar. Mas é preciso mais. É preciso que ele tenha clareza da
concepção teórica que adota (e que os autores que utilizam adotam) – positivista,
historicista, baseada no materialismo histórico, na “história nova” – bem como
do processo de produção do conhecimento em sua disciplina, com suas
problemáticas e especificidades. [...] Assim, a formação teórica do professor
na área de conhecimentos em que atua torna-se fundamental, devendo merecer
mais atenção no currículo dos cursos de graduação. Essa formação é requisito
fundamental para que ele possa atuar com autonomia, superando o
espontaneísmo e/ou uma certa ingenuidade calcada no senso comum. Aquilo
que ele ensina somente se tornará conhecimento emancipador para seus alunos
se for resultado de um processo onde ambos utilizam o conhecimento de forma
autônoma como instrumento para a compreensão e/ou transformação do
contexto histórico-social. Esse é um pré-requisito essencial para que seja
possível desenvolver a consciência política desse professor, capacitando-o a
uma ação transformadora. Não se muda o que não se conhece.
5
Tal fato é – ou deveria ser – por demais evidente. No entanto, ainda é pouco assumido pelos
meios acadêmicos, em que pese os alertas e discussões que vêm sendo promovidos já há
muito tempo: basta lembrar, por exemplo, a importância e a atualidade das coletâneas
organizadas pelo professor Marcos Silva (1986 e 1990).
46
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6
O mesmo Severino ressalta que, em qualquer área, no que diz respeito aos conteúdos
específicos, a referência é própria cultura e saber científicos; daí não se tratar “apenas de uma
acumulação de informações pré-elaboradas, assumidas mecanicamente, mas de um domínio
que passa também pela assimilação do processo de produção do conhecimento” (idem: 78).
7
Somente para o ano de 2005 o curso de Estudos Sociais – Geografia voltou ao vestibular, tendo
formado uma turma com cerca de 50 alunos.
47
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8
A matriz de tal questionário foi elaborada ainda em 2000 pelo Prof. Dr. Odair da Cruz Paiva,
hoje na Unesp-Marília, e discutida com os autores deste texto, que, em conjunto, definiram sua
forma final. Depois, em 2002, foi reelaborado a partir de discussões com a Profa. Dra. Célia
Maíra da Silva Estrella, também docente da Uninove e da Universidade Cruzeiro do Sul –
Unicsul (SP), e com o Prof. Paulo Eduardo Dias de Mello, docente nas Faculdades de Guarulhos
(onde é também coordenador do curso de História) e da Universidade de Santo Amaro – Unisa
(SP).
48
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dos índices de outros cursos não só da própria instituição, como também das
demais particulares da capital (algo que foi, inclusive, tema de reportagem na
grande imprensa de São Paulo no correr do ano de 2004). Além disso, muito
comum que as turmas iniciais se reduzam ao longo do curso, especialmente na
virada do primeiro semestre, fato creditado, de maneira geral, ao desencanto –
ou aos desencontros – com a vida acadêmica e suas exigências, ou com o
curso em particular, e às dificuldades financeiras dos alunos. Tivemos então 79
respondentes, número expressivo, pois referente à maioria dos alunos que con-
tinuaram matriculados (cerca de 105).
A leitura dos dados referentes ao perfil socioeconômico já revela algumas
facetas do que é percebido em sala de aula, a começar da idade dos alunos: 51%
deles possuem mais de 26 anos, ou seja, metade dos alunos já está fora do que
se espera mais comumente, que é o ingresso na faculdade após o término do
ensino médio, por volta dos 18 anos. Daqui já se pode esperar que estes discen-
tes tenham condições diferentes de seus colegas recém-egressos do ensino médio;
podem já ter constituído família e ter outros encargos financeiros além da mensa-
lidade do curso, pela qual ainda devem ser os responsáveis. O levantamento das
profissões, por sua vez, nos mostra uma inserção marginal no mercado de trabalho:
uma grande parte se define como “auxiliar” de diferentes funções, não possuindo
nenhuma especialização; cerca de 10% define sua profissão como
“desempregado”, o que corrobora o dito anteriormente, pois, com a baixa
qualificação impedindo-os de ter um oficio, no momento de desemprego eles
procuram qualquer ocupação que os faça voltar ao mercado de trabalho, seja
formal ou informal. Outros 10% são de professores que atuam no ensino
fundamental, estes certamente com uma formação específica no ensino médio.
Apenas três são policiais militares, o que não deixou de ser surpreendente por ser
este um segmento que, talvez paradoxalmente, costuma fornecer um grande nú-
mero de alunos aos cursos de História. Os operários das indústrias também são
reduzidos: há apenas dois metalúrgicos, o que também mostra uma mudança
não só de perfil dos alunos, mas também da cidade, uma vez que as indústrias
são cada vez menos numerosas. E, mais uma vez reafirmando a análise feita em
relação à idade, surge o fato de que apenas dois discentes se definem como
estudantes, provavelmente porque têm o curso pago por alguém que não eles.
As razões que os levaram a escolher o curso são as mais variadas, indo da
tradicional fala “porque gosto/sempre gostei de História” a posturas mais prag-
máticas e realistas, como o preço da mensalidade (relação que será abordada
abaixo), a complementação de alguma formação anterior, a necessidade de
progredir, ou mesmo se estabilizar, no emprego etc. Estamos certos, entretanto,
de que há algo mais visceral por trás da opção, pois ninguém se dedica a estu-
49
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dar História por mero impulso, qualquer que seja ele. Embora o mesmo possa
ser dito de qualquer área, o fato da História ter relação direta com a produção de
identidades, tanto pessoais quanto coletivas, certamente a torna diferente e atra-
tiva, ainda que tal atração não consiga, num primeiro momento, ser externada
em toda a sua dimensão. Assim, pensamos que os alunos que permaneceram
no curso fizeram sua escolha porque se identificavam não apenas com a disci-
plina, mas, sobretudo, com as possibilidades de compreensão e atuação soci-
ais que ela oferece. E, retomando o apresentado anteriormente acerca dos prin-
cípios da organização do curso, é possível dizer que a discussão de tais possi-
bilidades está presente durante todo o tempo de sua formação.
Em questões específicas sobre a renda, 85% dos alunos declararam que
são eles que pagam o curso, sendo que a grande maioria, 79%, tem renda entre
R$ 600,00 e R$ 1.200,00. Já em relação à forma como vão para a faculdade,
72% usam o metrô, o ônibus ou ambos, enquanto apenas 5% vão de automó-
vel, excluído um caso, que se trata de carona. O percurso de ida e volta da
faculdade demora, no total, até uma hora para 66% deles, o que não é muito
tempo para uma cidade como São Paulo, ainda mais se considerarmos que os
alunos vêm de diferentes pontos da região metropolitana. Temos então que a
maioria dos alunos do curso é constituída de pessoas mais velhas do que em
cursos mais influenciados por modismos, e cuja renda média não é alta, che-
gando, no máximo, a R$ 1.200,00. Isto tem grande importância quando consi-
deramos que apenas de mensalidade eles pagavam R$ 285,00; se contarmos
transporte, alimentação, livros e cópias, veremos que o custo é bastante alto, só
se justificando em função de um interesse tão alto quanto – e, infelizmente, não
é possível dizer que esta condição não impõe limites ao acompanhamento das
aulas e do próprio curso.
Os dados relativos à vida escolar revelam outro ponto importante que deve
ser levado em consideração por aqueles que se dedicam a melhorar a relação
ensino-aprendizagem nos cursos superiores de História. A grande maioria dos
alunos, 90%, se alfabetizou até os sete anos de idade, quando ingressaram na
escola – o que era o esperado; 78% cursaram o ensino fundamental em escola
pública e 73% o fizeram no ensino médio. A conclusão dos estudos no ensino
fundamental por meio de cursos de suplência foi a saída de 11%, enquanto para
o ensino médio a taxa aumentou para 20%. A questão do tempo de duração da
escolarização básica mostra que exatos 50% deles levaram mais de 12 anos
nessa modalidade, o que revelaria ou uma interrupção dos estudos ou alguns
anos de repetência; no entanto, 75% deles revelam não terem interrompido
seus estudos nenhuma vez no período, ou seja, muitos levaram um tempo mai-
or que o esperado em função de repetência de séries.
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9
É forçoso notar que a exigência das 400 horas de atividades práticas colocadas pelas novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores levou o curso a passar, em
2003, por uma adequação de sua grade. O espírito motivador e os dois eixos apresentados
aqui como seus pilares foram mantidos intactos para as turmas que ingressaram a partir de
2004, mas muitas disciplinas correlatas perderam espaço (como História Antiga e História Me-
dieval, que ficaram sem um dos dois semestres que tinham) ou desapareceram (como História
do Pensamento Pedagógico, Antropologia, Sociologia), entrando em seu lugar disciplinas
intituladas “Práticas em...”. Esta, porém, é uma outra história...
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Referências
PIMENTA, Selma Garrido & ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência
no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002.
SILVA, Marcos Antônio da (org.). Repensando a História. 2. ed. São Paulo: Mar-
co Zero, 1986.
54
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Jeanne Silva.2
1
Título parônimo ao livro do cientista social Boaventura de Sousa Santos intitulado “A crítica da
razão indolente contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o
direito e a política na transição paradigmática”, 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2001.
2
Bacharel em Direito e História, Mestranda em História Social pela Universidade Federal de
Uberlândia na linha de pesquisa Imaginário e Política e Professora de História da Rede Privada
de Ensino há aproximadamente dez anos. Endereço eletrônico: [email protected]
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coisa, contar piadas de sexo picantes, fazer todo tipo de palhaçada, vale tudo na
corrida pela simpatia do aluno, pois é este, em última instância, que avalia, segun-
do seus critérios nem sempre muito claros e precisos, a qualidade do bom profes-
sor. É a aparência social mais uma vez sendo levada em consideração em detri-
mento de valores éticos, morais e profissionais, necessários ao exercício da pro-
fissão. Para esse tipo de atividade do “jovem professor” não é necessário ser um
profissional comprometido com a atividade educacional, com experiência de en-
sino, manejo de conteúdo e valores éticos-morais. Na prática nem se deseja um
profissional experiente, basta que “se pareça” com um, no cotidiano de nossas
salas o que muitas vezes encontramos é o charlatão sob o verniz de um profes-
sor, o embusteiro sob a capa de mestre, o resto é fácil: é a palhaçada, a
“embromação”, o “encher lingüiça”, expressões populares que traduzem bem o
tipo de trabalho realizado por esses “jovenzinhos”, em sua tarefa de fingir uma
educação escolar através de técnicas bem conhecidas que ludibriam o aluno. É o
engodo educacional do “fingir que ensina para quem finge que aprende”
No ensino de História essa prática dos “jovenzinhos” cria ainda dois outros
tipos de contextos ridículos: o primeiro diz respeito ao fato costumeiro de que
qualquer um pode ensinar História, que na visão corrente de muitos leigos é
uma disciplina que “não muda”, pois basta decorar algumas datas e fatos, de
preferência um livro didático bastante recheado de informações e sair por aí
“vomitando” o conhecimento... pode ser um advogado, um jornalista, um soció-
logo, ou até mesmo um médico ou engenheiro, ou também qualquer outro tipo,
todos por ironia “sabem” história, e acreditam saber muito bem. Mas existem os
tipos piores, aqueles que para esbanjarem charme e “gastar” conhecimento
histórico, se prendem a fatos pitorescos e inusitados da história, como fazem
muito bem, gastam horas discutindo se Napoleão ou Hitler eram homossexuais,
elaborando anedotas mirabolantes sobre portugueses, ou descrevendo históri-
as picantes sobre os romances amorosos de D. Pedro I, como se tais aconteci-
mentos fossem de fato o cerne dos problemas históricos.
Conheci uma escola (oxalá fosse apenas uma!) que possuía quase 80%
de seu corpo docente constituído por professores recém formados ou que esta-
vam prestes a se formarem, sem a experiência efetiva da prática em sala de
aula. Até aí, tudo bem! Poderíamos imaginar que a intenção de tais escolas
fossem atitudes de boa fé e credibilidade a esses profissionais que necessitam
de uma primeira oportunidade para provarem sua capacidade de trabalho, po-
deríamos pensar que o objetivo central de tais escolas fossem a de dar incenti-
vo e apoio a professores em início de carreira. Poderíamos assim pensar, agin-
do pelo princípio da boa fé. Entretanto não é esse o interesse da escola e o
próprio discurso de uma funcionária da escola desmente a nossa imaginação:
57
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3
Reprodução literal do discurso da coordenadora de ensino, responsável pela contratação de
professores de uma escola privada, justificando a opção da escola pela contratação de estagiários
e professores recém formados.
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Pelo teor do discurso também ser verifica qual o tipo de História que se
consegue trabalhar em tal ambiente. E também um certo medo presente de que
o professor de História possa devolver sonhos, esperanças e vontade de luta
contra o “já estabelecido” ou a dita “ordem”. Isso nos faz lembrar um trecho de
Paul Valéry:
4
reprodução literal do discurso da diretora de uma escola privada, no ato de uma entrevista para
preenchimento da vaga de professor de História de nível médio.
5
VALÉRY, Paul. Olhares sobre o mundo atual e outros ensaios. 1945
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“... quando olhamos o passado já não podemos captá-lo da mesma forma que
aqueles que o viveram, pois esse mesmo passado levou-nos mais longe que a
6
DE DECCA , Edgard S. O silêncio dos Vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
61
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7
HONDT, Jacques. A problemática Hegeliana. In: Hegel. Lisboa. 70 editora., p.21-30.
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Referências
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Elmiro L. da Silva(*)
65
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2
De acordo com programa da disciplina para o 1° semestre de 2004.
3
Esta palestra foi desenvolvida como desdobramento do trabalho de iniciação científica e de
monografia de Edeílson Matias de Azevedo: AZEVEDO, E. Matias de. Reflexões sobre a Temática
da Inconfidência Mineira nos Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries. Uberlândia: Universidade Federal
de Uberlândia, Instituto de História, 2003. (Monografia)
4
DAVIES, Nicholas. História Conceitual X História Factual; Raciocínio X Memorização – Oposições
Reais ou Farsas no Ensino de História. In: Cadernos de História. Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia, Departamento de História, Laboratório de Ensino e Aprendizado em
História, v. 07, n. 07, jan. 97 / dez. 98, p. 37-51. Nesse debate, as discussões dos artigos a
seguir também são significativas: GALO, Mariza Marra C. M.; FRANCO, Lúcia H. Pereira. Livro
Didático X Prática Pedagógica Alternativa: fragilidades e possibilidades. In: O Livro Didático em
Discussão. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Departamento de História,
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Laboratório de Ensino e Aprendizado em História, v. 02, ano II, 1995, p. 23-27; LIMA, S. C.
Fagundes de. O Livro Didático de História: Instrumento de Trabalho ou Autoridade Científica?.
In: História & Perspectivas. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Cursos de Histó-
ria, n. 18/19, jan. / dez. 98, p. 195-206.
5 No que diz respeito à questão de preparação e planejamento de aula, Paulo R. Padilha ressalta
que tratam-se de atividades intrínsecas à educação, sendo necessárias e de suma importância
para a construção e desenvolvimento de projetos político-pedagógicos. PADILHA, P. R. Concepções
de Planejamento. In: Planejamento Dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da
escola. 2 ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002, p. 45-59. (Capítulo 2). Com seme-
lhante preocupação, porém voltando-se para a questão da didática como algo elementar tanto
na preparação quanto no desenvolvimento de aulas, Vera M. Candau expõe relevantes consi-
derações acerca de uma didática fundamental e do fundamental da didática. CANDAU, V. M.
Da Didática Fundamental ao Fundamental da Didática. In: ANDRÉ, Marli Eliza D. A.; OLIVEI-
RA, Maria Rita N. S. Alternativas no Ensino de Didática. Campinas: Papirus, 1997, p. 71-95.
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Acredito que a contribuição mais valiosa do historiador passa por sua ca-
pacidade de trabalhar com os chamados documentos históricos — maneira pela
qual deve ser tratado todo o material didático. Fazendo o uso do livro como uma
das “leituras” (entre as diversas possíveis) acerca de um processo histórico, o
ofício do historiador vai além de uma reprodução sistematizada do conteúdo
abordado, uma vez que, conforme escreveu Marc Bloch, o vocabulário dos do-
cumentos não é, a seu modo, nada mais que um testemunho: precioso, sem
dúvida, entre todos; mas, como todos os testemunhos, imperfeito, sujeito à crítica.6
A possibilidade de ser bem sucedida, a utilização do livro didático pode ser
constatada por meio de diversas experiências de professores que, embora usando
somente este recurso em sala de aula, fazem produtivo trabalho com os alunos.
Todavia, outra face da experiência com livros didáticos também é verificada: ocorre
que muitos professores têm o recurso em questão não como um material que
completamenta seu roteiro de estudos da história, mas como via de saída para as
insuficiências de sua formação; sua indisponibilidade com a profissão, a carga ho-
rária que os sobrecarrega, ou mesmo para fazer de seu trabalho algo mais simples
e ao mesmo tempo cômodo. Entendemos que, para contrariar estas perspectivas
de trabalho, é necessário certa abertura por parte do professor no que diz respeito
à busca e aplicação de alternativas de apoio pedagógico.
A análise de livros didáticos usados por professores de História se deu em
conexão com a preparação de proposta de aula, que foi apresentada aos cole-
gas. Tendo como tema a questão da discriminação racial no contexto do Apartheid
na África, e sendo voltada para turma de 7ª série do ensino fundamental, busca-
mos (o trabalho foi feito em grupo) lançar um olhar diferenciado em relação a um
tratamento corrente acerca deste conteúdo no ensino de História.
Dessa forma, após a análise de livros que tratavam da temática da pro-
posta de aula, nos aproximamos de uma perspectiva que contraria uma tra-
dicional idéia – qual seja a de que a escravidão à qual os africanos foram
submetidos explicaria, mecanicamente, o desfavorecimento atribuído a es-
tes povos ao longo da história e também o preconceito racial que gerou o
Apartheid. Como embasamento para a perspectiva de que nos aproxima-
mos, está o fato de que os próprios africanos, em episódios de conflitos
entre comunidades alocadas em seu vasto território, exerciam as práticas
escravistas, mesmo antes da existência do tráfico negreiro. Em outras
6
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.
142.
7
Nessa perspectiva, de acordo com Adalberto Paranhos, um documento musical pode, conforme
as circunstâncias que se constituam como objeto de estudo, se configurar, por si só, enquanto
68
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palavras, significa dizer que a escravidão moderna não seria o único elemento
para se compreender o nascimento da discriminação racial, como está pos-
to em alguns livros analisados.
Para esta atividade de Oficina I, também usamos recursos complementares,
tais como documentos de jornais e revistas e uma música. As matérias de jor-
nais e revistas foram trabalhadas com o fim de oferecer olhares diversos acer-
ca da questão racial veiculados por meios de comunicação, além de suplemen-
to ao conteúdo dos livros didáticos e de tentativa de aproximação da temática
abordada com experiências cotidianas atuais. Trabalhamos com documentos
publicados na revista Veja e na Folha de S. Paulo.
Já o documento sonoro foi utilizado com a intenção de abrir a discussão e
gerar inquietações ao longo da apresentação, sendo ainda rico subsídio de re-
flexão acerca da discriminação racial. Antes de tudo, no entanto, é preciso res-
saltar que a música foi usada como uma das formas de discussão do racismo
na forma de uma prática social construída e vivida ao longo dos anos.7
Elegemos Mandamentos black, música do compositor e cantor de Madureira,
Rio de Janeiro, Gerson Combo, lançada no ano de 1977. Sendo um dos pioneiros
da música negra brasileira na segunda metade dos anos 70, Combo tornou-se
popular em bailes Funk realizados neste período no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Suas composições falavam em não-violência, não-racismo, de orgulho em ser ne-
gro e em liberdade de expressão – liberdade esta um tanto cerceada no Brasil
desde 1964, por causa da ditadura militar instaurada naquele ano.
O debate acerca da discriminação racial comporta certa polêmica e ainda
entra no terreno dos valores morais de cada pessoa. Na ocasião de utilização
de Mandamentos black não foi diferente. Antes de expor algumas tensões desta
experiência, vamos apresentar a letra da música - que foi ouvida, analisada e
debatida junto à professora e aos colegas de Oficina I:
69
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Mandamentos black
8
COMBO, Gerson; PEDRINHO; CÉSAR, Augusto. Mandamentos Black. In: COMBO, Gerson.
LP Gerson King Combo. Rio de Janeiro: Polydor, 1977. Nunca relançado em nenhum formato
de música gravada, este disco, primeiro da carreira de Gerson Combo, saiu em CD pela primei-
ra vez em maio de 2001, por meio da série Samba & Soul, da gravadora Universal.
70
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9
Monografia defendida por Flávio Christian Lemos junto ao Instituto de História/UFU, em dezembro
de 2003: LEMOS, Flávio C. Mídia e Catolicismo no Brasil: a Renovação Carismática Católica.
Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de História, 2003. (Monografia)
71
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10
ROSSI, Pe. Marcelo (Arranjo e adaptação). A Alegria (Aeróbica do Senhor). In: ROSSI, Pe.
Marcelo Rossi. CD Músicas para Louvar ao Senhor. Rio de Janeiro: Polygram, 1998. De acordo
com afirmação presente no site católico não-oficial <http://catolicanet.com.br/padremarcelo/>,
mais de 3,5 milhões de cópias deste CD foram vendidas.
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Igreja Universal
11
GORDO, João; PORÃO, Ratos de. Igreja Universal. In: PORÃO, Ratos de. LP Anarkophobia.
São Paulo: Eldorado, 1990.
73
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12
SILVA, Marcos A. da. Contra o Horror Pedagógico. Ensino de História, Exclusão Social e Cida-
dania Cultural. In: História & Perspectivas. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia,
Cursos de História e Programa de Mestrado em História, n. 23, jul. / dez. 2000, pp. 85-98, p.
98. Organizado pelo mesmo autor, a referência a seguir também é significativa para o “repen-
sar a História”: SILVA, Marcos A. da (org.). Repensando a História. São Paulo: Marco Zero,
1984.
13
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996, p. 102. (Grifo do autor)
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Referências
14
FONSECA, S. Guimarães. Saberes da Experiência, Histórias de Vida e Formação Docente. In:
CICILLINI, G. Aparecida; NOGUEIRA, S.Vidal (orgs.). Educação Escolar: políticas, saberes e
práticas pedagógicas. Uberlândia: EDUFU, 2002, p. 85-102, p. 86.
75
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GALO, Mariza Marra C. M.; FRANCO, Lúcia H. Pereira. Livro Didático X Prática
Pedagógica Alternativa: fragilidades e possibilidades. In: O Livro Didático em
Discussão. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Departamento de
História, Laboratório de Ensino e Aprendizado em História, v. 02, ano II, 1995, p.
23-27.
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77
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1
Este artigo é resultado de uma pesquisa financiada pela FAPEMIG – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais em 1988/1999 e atualizada em 2004.
2
Professora Aposentada pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora de História e Edu-
cação da Faculdade Católica de Uberlândia. Coordenadora do Curso de Pedagogia e Normal
Superior da FEESU/UNIPAC – Uberlândia/MG.
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3
Afirmação de uma das professoras entrevistadas nesta pesquisa.
4
Outra afirmativa, também proferida por outra das professoras entrevistadas.
5
Dito por uma das professoras entrevistadas, sujeito desta pesquisa.
82
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54,5% (cinqüenta e quatro vírgula cinco por cento), afirmaram que o livro didáti-
co era adotado. Porém, 45,4% (quarenta e cinco vírgula quatro por cento), dis-
seram que as professoras não adotavam livro didático.
Entre as diretoras, 44,4% (quarenta e quatro vírgula quatro por cento), afir-
maram que as professoras adotavam o livro didático. Entretanto, 22,2% (vinte e
dois vírgula dois por cento), afirmaram que o livro didático não era adotado.
Entre os alunos, as respostas a respeito do uso do livro didático se dividi-
ram. 50,0% (cinqüenta por cento) disseram que as professoras o adotavam e
50,0% (cinqüenta por cento) disseram que não.
A utilização dos livros didáticos pelas professoras das séries iniciais faz
com que o ensino de História seja trespassado pelos mesmos problemas apre-
sentados pelos livros. Dessa maneira, torna-se um ensino de concepção tradi-
cional, conservadora e positivista e que se apresenta de forma narrativa, factual,
acrítica e cronológica. Não raro, veicula preconceitos e estereótipos.
Apresenta a idéia de uma neutralidade histórica. Mas, na realidade defen-
de uma concepção de sociedade tradicional e conservadora, mantendo os prin-
cípios da sociedade de classes e reafirmando uma cultura hegemônica que não
leva em consideração as diferenças socioculturais dos alunos do primeiro ciclo
do ensino fundamental.
O quadro abaixo, mostrou quais os livros mais utilizados no ensino de His-
tória das séries iniciais do ensino fundamental em Minas Gerais e, a análise
desses livros confirmou a concepção de ensino de História que é ministrado
nessa etapa da educação fundamental.
Quase todos os livros apresentados no quadro abaixo foram criticados pela
análise do livro didático realizada pelo MEC. Análise essa, que resultou no catálo-
go intitulado “GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS – 1a a 4a séries”6, publicado pelo
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD -, enviado às escolas públicas para
a escolha dos livros a serem distribuídos pelo MEC às escolas públicas do país.
Como se pode observar, o livro mais utilizado pelas professoras do primeiro
ciclo das escolas estaduais das regiões pesquisadas, no Estado de Minas Gerais, é
o livro “Na roda: a História”. Sua autora é Kátia Peifer. 34,4% (trinta e quatro vírgula
quatro por cento) das professoras adotavam esse livro nas séries iniciais do ensino
fundamental. Livro esse, que não foi recomendado pelo MEC para ser adotado nas
escolas públicas. Por isso, sequer constava do catálogo publicado pelo MEC.
O MEC, ao enviar o Guia de Livros Didáticos para as unidades escolares
objetivando auxiliar o professor na escolha dos livros, explica qual o critério que
6
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS – 1a a 4a
séries. Brasília: PNLD 98, Imprensa Nacional, 1998.
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três por cento) das professoras das séries iniciais. Uma de suas autoras, Márcia
Mirtes, foi co-autora da proposta curricular de História do Estado de Minas Ge-
rais, elaborada em 1993 e ainda adotada na maioria das escolas de Minas Gerais.
Esse livro, composto de uma coleção de quatro volumes, dedicados às quatro
primeiras séries do ensino fundamental, foi recomendado com ressalvas, na análi-
se do MEC, recebendo apenas uma estrela. O livro foi editado em Belo Horizonte
procurando seguir as propostas curriculares de Geografia e de História do Estado
de Minas Gerais. A equipe que fez a análise dos livros de Geografia, de História e de
Estudos Sociais para o MEC, assim se manifestou a seu respeito, conforme o que
se encontra em MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO (1998: 379):
Por outro lado, o livro traz alguns problemas de conteúdo, aos quais o professor
deve estar atento, como no caso da afirmação de que “nós chamamos de
bairro a comunidade que nos rodeia dentro de uma cidade”. Percebe-se aí
uma confusão entre um conceito de natureza social, que é a comunidade, e
um conceito de natureza espacial, que é o bairro. (...).
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5. Análise dos livros mais utilizados no ensino de História das séries iniciais
do ensino fundamental
A análise dos livros adotados revelou que esses livros são estruturados,
praticamente, da mesma forma. A única exceção é o livro de Estudos Sociais,
que tem uma outra característica.
Nos volumes 1 e 2, escritos para os dois primeiros anos das séries iniciais do
ensino fundamental, trabalha-se com a História de vida da criança. Nesse sentido,
faz-se um esforço para destacar o autoconhecimento e o conhecimento do outro,
algumas noções básicas do tempo histórico e as relações sociais. Mas, há também
uma preocupação em trabalhar com as datas cívicas e os símbolos nacionais.
As noções de tempo histórico vêm descontextualizadas das noções de
espaço. As datas cívicas e os símbolos nacionais, embora constituam um apên-
7
Fala de uma das supervisoras, também sujeito da pesquisa.
8
Afirmativa de uma das diretoras, sujeito da pesquisa, mas presente na fala das outras
entrevistadas.
88
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dice dos livros, são trabalhados de acordo com as sugestões de atividade dos
próprios livros, quase sempre sugerindo que sejam trabalhados de acordo com
o calendário cívico tradicional e que revela uma concepção positivista e conser-
vadora de História.
As professoras, seguindo a tradicional prática herdada dos Estudos Soci-
ais e, também, as sugestões dos próprios livros, ministram uma História oficial,
factual, elitista e etapista. É a História dos heróis das camadas dominantes da
sociedade, ou seja, a História dos vencedores.
Não há preocupação em resgatar o outro lado da História, ou seja, a Histó-
ria dos vencidos. Por isso, é uma História autoritária e conservadora. Mesmo
quando o livro faz um esforço para trabalhar com a História de vida das crian-
ças, em uma abordagem mais significativa para os alunos, e menos tradicional,
esse esforço é praticamente apagado pela orientação contraditória que é dada
para o trabalho com as datas cívicas e com os símbolos nacionais.
Nos volumes 3 e 4, destinados aos dois últimos anos das séries iniciais (3a
a
e 4 séries), os conteúdos referem-se ao bairro, à cidade e também sobre as
datas comemorativas e os símbolos nacionais. Os livros são escritos de forma
genérica. Quase sempre, o que aparece são sugestões de atividades para o
trabalho das professoras.
Os livros, no que se referem à História do bairro e da cidade, tentam dar
ênfase para a História do cotidiano e resgatar um pouco a memória histórica
local, o que não deixa de ser uma abordagem interessante.
As sugestões de atividade conduzem à necessidade da pesquisa e à bus-
ca de fontes para essas pesquisas. Como as professoras não possuem forma-
ção de historiadoras e nem a prática da pesquisa, o que ocorre é que, geral-
mente, utilizam os dados e as informações já existentes sobre a História da
cidade e dos bairros e que, normalmente, é uma História oficial.
Ensina-se uma História descontextualizada da História do Estado, do Bra-
sil e do mundo. Dá-se a impressão de que a cidade é um espaço isolado em si
mesmo, sem nenhuma relação com o restante do mundo.
A parte dedicada às comemorações cívicas e aos símbolos nacionais se-
gue a mesma orientação dos livros produzidos para os dois primeiros anos das
séries iniciais. O trabalho das professoras de 3a e 4a séries também se realiza da
mesma forma que o trabalho das docentes dos dois primeiros anos das séries
iniciais do ensino fundamental.
Ao analisar os cadernos dos alunos, observei que as professoras davam
ênfase às datas comemorativas seguindo o conhecido e tradicional calendário
dessas datas. Também nas escolas e nas salas dos professores, encontrei bo-
nitos e caprichados cartazes com essas datas.
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90
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9
As palavras foram grafadas conforme a escrita da criança.
91
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10
A listagem dos recursos pedagógicos acima citados foi feita de acordo com todas as respostas
dadas pelas professoras quando elas foram interrogadas sobre quais os recursos didáticos que
a escola oferece para o seu trabalho em sala de aula.
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A maioria das professoras não soube explicar qual era a carga horária
oficial do referido componente curricular e nem dizer se trabalhava a mais ou a
menos do exigido pela legislação. Mesmo quando as professoras afirmaram
seguir uma carga horária semanal regular para o ensino da História nas séries
iniciais, ficou claro que, na prática, isso não era assim tão preciso.
As entrevistas realizadas com os alunos mostram, de forma inequívoca,
que as professoras trabalhavam o ensino da História, de vez em quando, sem
se preocuparem em seguir uma carga horária semanal. Nesse sentido, é
ilustrativa a fala de um aluno que disse o seguinte: “A professora só dá aula de
História quando a gente vai fazer prova.”11
Constatei, então, que as afirmativas de algumas professoras, de que o
componente curricular de História era ministrado, “dependendo da oportunidade”12
eram as respostas que correspondiam à realidade. Não existia, por parte da
maioria das professoras das séries iniciais, preocupação em ministrar o conteúdo
de História de forma regular. Assim, os conteúdos de História eram ministrados,
ocasionalmente, quase sempre às vésperas de atribuir uma avaliação, um
conceito ou uma nota para os alunos.
As direções das escolas, por sua vez, não definem regras para o cumpri-
mento da carga horária oficial. Essa só é cumprida no papel, ou seja, nos
históricos escolares e na documentação oficial das escolas. Ainda há, por parte
das professoras, das especialistas em educação e de algumas diretoras, a no-
ção de que se deve trabalhar mais os conteúdos de Língua Portuguesa e de
Matemática. A História, assim como a Geografia e a Ciências, ficam em segun-
do plano, sendo ministradas aos alunos somente às vésperas das avaliações
ou quando “sobra” tempo, conforme depoimento de uma das diretoras
entrevistadas.
Considerações finais
11
Citado por um aluno, objeto desta pesquisa.
12
Citado por uma das professoras entrevistadas.
94
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Esta conclusão deve-se ao fato de que estas regiões têm se esforçado para
fazer um ensino de boa qualidade e também porque é, de certa maneira, privilegia-
da pela existência de um considerável número de faculdades e uma universidade
federal que, de alguma maneira, facilita a formação dos profissionais da educação.
Além disso, há nessas regiões sete Superintendências Regionais de Ensino – SRE,
facilitando a relação das escolas estaduais com a esfera do poder estadual.
O debate sobre o ensino de História tem chegado à região por meio da
Universidade Federal de Uberlândia – UFU e, também, por outras instituições
de nível superior que se dedicam aos cursos de formação docente.
A pesquisa revelou que o ensino de História nas séries iniciais ainda passa por
período de adaptação, ou seja, não foi ainda consolidado. Embora a proposta
curricular de História da SEE / MG esteja nas escolas desde 1993, portanto a doze
anos, para ser implementada, na prática isso ainda não foi totalmente concretizado.
Também as discussões relativas aos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN -,
ainda não foram incorporadas às práticas pedagógicas do ensino de História.
Existem, também, as dificuldades relacionadas a outros fatores internos e
externos à escola. Está relacionado, por exemplo, à formação das professoras,
das especialistas em educação (supervisoras e orientadoras escolares) e das
diretoras das escolas que ministram o ensino nas séries iniciais, à organização
político-pedagógica das escolas, à distribuição e à qualidade dos recursos didá-
ticos para a rede estadual de ensino, à concepção de mundo das professoras e
também às políticas públicas de educação do próprio Estado.
Sobre a formação das professoras das séries iniciais constata-se que essa
é, ainda, muito precária. Embora mais da metade possuam curso superior, a
licenciatura que predomina entre essas professoras é de Pedagogia. Apenas
duas das professoras entrevistadas são licenciadas em outros cursos, sendo
uma em História e a outra em Geografia.
Do universo de professoras pesquisadas, um grupo reduzido tem curso de
pós-graduação lato senso. Além disso, quase quarenta por cento das professo-
ras que ministram aulas nas séries iniciais do ensino fundamental possui ape-
nas a habilitação mínima exigida por lei, ou seja, o magistério de segundo grau.
Em vários casos, as professoras iniciam um trabalho com o ensino da História
e de repente passam para os Estudos Sociais. Às vezes, essa confusão é consci-
ente. Em outros, é por desconhecimento teórico-metodológico a respeito da Histó-
ria, da historiografia e do quê ensinar nas séries iniciais do ensino fundamental.
Hoje, já existem vários livros de História editados para o ensino de História
para as séries iniciais. Inclusive, existe o catálogo oferecido pelo Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD do MEC para facilitar que as escolas façam
a escolha dos livros a serem adotados.
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Referências
ZAMBONI, E. História, que História é essa? – uma análise dos livros didáticos
em História. Campinas-SP: UNICAMP, 1991 (tese de doutorado).
98
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(*) Graduada em História pela UFU e profa. de 1ª a 4ª série na rede municipal de ensino de
Uberlândia - MG.
99
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1
UBERLÂNDIA. Secretária Municipal de Educação. Proposta Curricular. 1998, p.28.
2
Idem, p.6.
3
Eliana Leão: Coordenadora da Proposta Curricular. Entrevista 9/10/2003.
100
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Não se pode mais pensar na estruturação de uma proposta que não rompa
com o estudo de um passado estático e distante, do qual se recordam fatos,
datas e nomes a serem comemorados. O que se pode fazer é uma análise a
partir das inter-relações passado -presente-futuro, tendo como referencial básico
o homem e suas relações sociais, políticas e econômicas. A reflexão histórica
que se deseja, logicamente vai abandonar a análise unilateral dos fatos. Ela
deve conter as várias faces envolvidas no tema central abordado, como por
exemplo, a inclusão de todos os sujeitos e sua participação na construção
coletiva dos fatos históricos.5
4
UBERLÂNDIA.Secretaria Municipal de Educação. Proposta Curricular. 1998, p.6 e 7.
5
Idem, p.21.
101
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6
Ver mais sobre esse assunto: FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1995.
7
BRASÍLIA. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História e Geografia. 3ª ed. 2001, p.41.
102
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8
Guia Sei. Uberlândia 2003/2004, p.cidade, 1A.
9
CORREIO. Uberlândia.
10
NASCIMENTO, Dorivaldo Alves do. História de Uberlândia. Uberlândia: ed. Grafy, 2000.
11
DEGANI, Romilda de Novais e NUNES, Silma do Carmo. Experiência no Ensino de História
nas Séries Iniciais do 1º grau. Uberlândia: EDUFU, 1995.
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Em 1.835, quando chegou aqui Luiz Alves Carrejo com seus irmãos Antônio
Francisco e Felisberto Alves Carrejo (...) compraram terras e dividiram entre os
12
LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. A Oeste das Minas Escravos, Índios e Homens Livres
Numa Fronteira Oitocentista:Triângulo Mineiro. Dissertação de Mestrado. Instituto Geografia./
UFU, 1998.
13
Folha mimeografada. Escola Municipal Guarda Antônio R. do Nascimento. Uberlândia-MG, 2003.
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14
Folha mimeografada. Escola Municipal Mário Alves A. Silva. Uberlândia-MG, 2003.
15
UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de cultura. Museu Municipal de Uberlândia. Mostra Nossas
Raízes.2000.
16
Idem.
17
Idem.
106
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O caso específico de Uberabinha foi peculiar, pois não houve um doador, mas
sim várias pessoas da comunidade que se cotizaram e adquiriram tal patrimônio.
Esses doadores ficaram no anonimato e muito tempo depois, em 1969, a
Câmara Municipal de Uberlândia concedeu este título a um dos procuradores.20
18
CORREIO. Felisberto é tido como fundador. Uberlândia, 31/08/2000. p. D-13
19
Ver mais sobre esse assunto em LOURENÇO, Luis A. Bustamante. A Oeste das Minas, Índios
e Homens Livres Numa Fronteira Oitocentista. Dissertação de Mestrado. Instituto Geografia/
UFU, 1998.
20
UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de Cultura. Museu Municipal de Uberlândia. Mostra Nossas
Raízes. 2000.
21
UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de Educação. Proposta Curricular. 1998 p.21.
107
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para eles perceberem que a História não é uma verdade absoluta, independente
dos interesses de quem preserva as fontes, registra os fatos. Assim, estaríamos
concretizando o que a Proposta Curricular Municipal de História propõe ao afirmar
que “a reflexão histórica que se deseja, logicamente vai abandonar a análise
unilateral dos fatos. Ela deve conter as várias faces envolvidas no tema central
abordado, como por exemplo, a inclusão de todos os sujeitos e sua participação
na construção coletiva dos fatos históricos”.21
O aumento da população desse arraial é tratado pelos materiais didáticos
como resultado do constante progresso da região, como aparece no texto tra-
balhado com os alunos da E. M. Mário Alves Araújo Silva: “Com o passar do
tempo novas famílias chegaram de cidades distantes atraídas pelo progresso”.22
Novamente, pesquisas acadêmicas poderiam ajudar a ampliar esta dis-
cussão, oferecendo outras possíveis interpretações para a questão do aumento
da população local.
Na análise de GUIMARÃES e SAMPAIO, as migrações que ocorreram nessa
região, durante o século XIX, estavam relacionadas com a decadência das mi-
nas de ouro e a nova economia em ascensão: a atividade da agropecuária e
agricultura, sobretudo, cafeeira para fins lucrativos. GUIMARÃES afirma que:
A partir do final do século XIX uma nova orientação seria dada à economia
triangulina. Com o desenvolvimento da economia cafeeira e com a expansão
ferroviária, o triângulo ganhou uma nova geografia econômica. Estes novos
elementos viriam a reorientar os fluxos econômicos e migratórios estabelecendo
as bases de uma nova estrutura produtiva definitivamente voltada para o
mercado. 23
22
Folha mimeografada – Material didático da E. M. Mário Alves Araújo Silva.
23
GUIMARÃES, Eduardo Nunes. A transformação do Sertão da Farinha Podre: O Triângulo Mineiro
na divisão inter-regional do trabalho. História e Perspectivas. Uberlândia, v.4, Jan/jun. 1991,
p.11.
24
SAMPAIO, Roberto C.. Migrações Internas no Triângulo Mineiro: Análise Demográfica e Econô-
mica 1960-1970. Dissertação de Mestrado, Economia/UFMG, 1985.
108
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25
LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. A Oeste das Minas Escravos, Índios e Homens Livres
Numa Fronteira Oitocentista: Triângulo Mineiro.Uberlândia, 1998. Dissertação de Mestrado.
Instituto Geografia/UFU. p.93.
26
DEGANI, Romilda de Novais e NUNES, Silma do Carmo.Experiência no Ensino de História nas
Séries Iniciais. Uberlândia. EDUFU, 1995 p.44 - 47.
109
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ter uma seqüência da História lá do passado até nos dias de hoje. Assim, falta,
como é que eu falo pra você... um elo. Em cada série você trabalha um conteúdo,
chega na outra já pula. Então a gente fica trabalhando pedacinho(...) a gente
ensina os pedacinhos não tem aquele elo.27
Eu sou curumim. Curumim é como se chama uma criança índia. Eu nasci nas
terras desse lugar. Eu sou Uberlandense. Sou do tempo em que nenhum homem
branco havia chegado aqui. Mas, eu sou um curumim mágico, vivi, vivo e viverei
sempre... sempre. E como criança gosta de histórias, vou contar a você meu
amiguinho, pedacinhos de uma história verdadeira. Linda!... Linda! Você vai
adorá-la.28
27
Professora da 3ª série na Escola Municipal Guarda Antônio R. do Nascimento e Escola Estadual
Professora Juvenília Ferreira. Entrevista 13/01/2004.
28
Folha mimeografada utilizada como material didático na E. M. Mário Alves Araújo Silva.
110
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esta área, numa forma de resistir à ameaça que representavam aqueles que
aqui chegavam trazendo os “ideais do progresso”.
Não podemos esquecer que após a chegada dos bandeirantes na região
atual do Triângulo Mineiro iniciou-se o extermínio dos índios caiapós e a destrui-
ção da sua cultura. Por isso, o processo de colonização contada pelos indíge-
nas com certeza não será uma “história linda”, mas uma história marcada por
episódios trágicos vista com consternação e melancolia.
Há, ainda, um outro problema nesse texto que é a abordagem da história
como sendo uma verdade inquestionável, apresentando uma versão do passa-
do como se fosse única, o que fica evidente no trecho “pedacinhos de uma
história verdadeira”.
Ao inserir a questão indígena no ensino regional devemos estar atentos à
heterogeneidade de etnias que dividiam os espaços do antigo Sertão da Fari-
nha Podre. Cada etnia tinha sua própria língua, sua própria cultura. Assim a
palavra curumim que é de origem tupi, provavelmente não era utilizada pelos
caiapós para referir-se a suas crianças, pois o seu dialeto era outro. Ribeiro
discute esta visão tradicional de índio que permeia o imaginário popular. Segun-
do o autor:
29
RIBEIRO, Ricardo Ferreira. KAYAPOPÉIA. JAHUI Boletim. Uberlândia: Gráfica Universitária,
v.6, 2002. p.9.
111
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conseguem trabalhar, não têm escolas, não podem brincar e às vezes nem
mesmo têm o que comer. A cidade tem bairros ricos, com casas bonitas, ruas
e avenidas asfaltadas, lojas bem iluminadas, cheias de mercadorias caras.
Mas a cidade tem também bairros muito pobres, vilas e favelas onde não tem
nem mesmo uma rua aberta por onde se possa passar. Sem luz elétrica, rede
de água e esgotos e proteção policial. A divisão dos espaços na cidade é um
reflexo das diferenças que existem na própria sociedade, entre pessoas ricas
e pobres.
30
Textos utilizados como material didático na Escola M. Guarda Antônio R. do Nascimento.
112
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Como tribo foi conhecida, chegando a ser: sertão, fazenda, arraial e transformando-
se em metrópole. Unida, brancos, negros, mulatos, pardos, gente de todas as
raças e classes sociais. De camelôs a grandes comércios, de micro empresa a
grandes indústrias, destacando-se a Algar como marco desenvolvimento e
empreendimento. A população luta em prol do crescimento da cidade, que vem se
transformando em metrópole, com brilho, astúcia e garra! 32
31
UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de Educação. Proposta Curricular. 1998, p.38-39.
32
Alunos da 4ªsérie da E. E. Conjunto Habitacional Cruzeiro do Sul. Caderno Revistinha, p.3.
Correio, 31/09/2003.
113
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Conclui-se que a História ensinada nas 3ªs séries da rede municipal, muito
mais que despertar o aluno para um olhar crítico e reflexivo acerca da realidade
na qual se encontra inserido, tem formado mentalidades coniventes com o dis-
curso ideológico burguês, ao mesmo tempo em que naturaliza os problemas
sociais e as relações de dominação próprias do sistema capitalista, levando o
aluno à aceitação desse modelo social e não à sua superação.
Por tudo o que foi analisado até aqui, percebe-se que as orientações
metodológicas da Proposta Curricular Municipal de História não conseguem efe-
tivar-se pela fragilidade do material didático e pela dificuldade de acesso a ou-
tras fontes históricas e produções historiográficas não oficiais.
Diante desta conclusão reafirmamos a importância de delinearmos atitu-
des concretas que visem à transformação da prática nas aulas de história das
séries iniciais, contrapondo as diferentes interpretações históricas sobre a His-
tória local e conseqüentemente diversificando o material didático utilizado nas
escolas, que hoje é constituído basicamente da história oficial. Para isto, a pro-
33
SOUZA, Lorrana A.. Aluna da 4ª série. Escola Municipal Professora Gláucia Santos Monteiro.
Caderno Revistinha, P. 7. Correio, 31/09/2003.
34
FONSECA, Selva Guimarães. O Ensino de História e Geografia nas Séries Iniciais: a temática
regional. Ensino em Re-Vista. Uberlândia: v.1, n.1, p.46, jan/dez 1992.
114
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 99-118, 2004/2005
dução acadêmica sobre a História local poderia muito contribuir, conforme exem-
plos que discuti anteriormente, se não fosse seu distanciamento em relação à
prática docente do ensino fundamental. A formação docente também poderia
colaborar para a efetivação de uma educação histórica que supere o ensino
tradicional e positivista, é o que discutiremos a seguir.
A Proposta muito bem feita coletivamente, hora de ir para a prática, vem uma
nova gestão. Cada gestão que entra quer por o seu projeto e desconsidera
tudo que o outro fez.(...) Mas tem um marco. Quando entrou aqui a gestão que
ficou os últimos anos, ela realmente desconsiderou isso que foi feito. Então
não implementou a Proposta.36
35
UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de Educação. Proposta Curricular. 1998, p.9.
36
Coordenadoras da Proposta Curricular. Entrevista 19/10/2003.
115
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 99-118, 2004/2005
Geografia.
Uma das atuais coordenadoras da área de História no CEMEPE disse que
foi a partir do ano de 2.003 que sua equipe iniciou um trabalho mais intenso de
formação com as professoras das séries iniciais, pois esse trabalho era feito só
com professoras de 5ª a 8ª séries. Segundo ela, “em 2003 nós passamos a
atender o pessoal de 1ª a 4ª séries. De 2001 a 2002, nós não atendíamos esses
professores coletivamente, com oficinas. O atendimento era aleatório e individual,
a professora ia lá, marcava uma reunião e pedia material ou informação”. 37
A coordenadora disse, ainda, que no ano de 2003, foram oferecidas três
oficinas de História para os professores das séries iniciais, onde se discutiu
“sobre o que é História, a importância da História nas séries iniciais, as diferen-
tes correntes historiográficas, e depois a gente trabalhou a História Local tendo
como bibliografia aquele livro da ESEBA38 39. Para o ano de 2004 foram previs-
tas duas oficinas. Uma aconteceu no 1º semestre e a outra está programada
para o segundo. A oficina já realizada tratou do processo de formação do Triân-
gulo Mineiro, discutindo o texto de BACELAR40 e sugerindo atividades que po-
deriam ser aplicadas com as crianças. Enfim, a oficina foi bastante interessante
e constituiu-se num momento em que, além de trocas de experiências, as pro-
fessoras puderam colocar suas dúvidas e dificuldades acerca desse tema.
Percebe-se, nas oficinas, que a maioria das professoras que atua nas séries
iniciais têm muito interesse e estão abertas a novos conhecimentos que possam
contribuir para melhorar a sua prática pedagógica. No entanto, os cursos ofereci-
dos apresentam algumas deficiências que dificultam a efetivação de uma forma-
ção continuada aprofundada, sólida que alcance todo o corpo docente.
Em primeiro lugar, as oficinas de História para professoras de 1ª a 4ª séries
ocorrem geralmente duas vezes por ano, com quatro horas de duração cada.
Esse tempo é insuficiente para um estudo mais aprofundado sobre as questões
da História e seu ensino. Por outro lado, elas não atendem todas as professo-
ras, pois participam dos encontros apenas um profissional de cada escola mais
o pedagogo e nem sempre há, nas escolas, disponibilidade de dias para que as
participantes repassem para as colegas o que foi discutido nas oficinas.
Contudo, compreendemos que as oficinas podem ser uma “semente” que
37
Coordenadora da área de História do CEMEPE. Entrevista 12/02/2004.
38
Idem.
39
DEGANI, Romilda de Novais e NUNES, Silma do Carmo. Experiências no Ensino de História
nas Séries Iniciais do 1º grau. Uberlândia: EDUFU, 1995.
40
BACELAR, Winston Kleiber de Almeida. Os Mitos do “Sertão” e do Triângulo Mineiro: as cidades
de Estrela do Sul e de Uberlândia nas teias da modernidade. Uberlândia, 2003. Dissertação
Instituto de Geografia-UFU.
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Referências
Documentos
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Fontes Orais
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Absract: This paper discusses some questions about the use of literary
texts in History teaching. It analyzes the short story “Primeiro de Maio”, by
Mario de Andrade intending to raise some theoretical issues concerning the
recent historiographical debate about labor in Brazil. The text also analyzes
the point of view of some History textbooks.
119
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1
CHALHOUB & PEREIRA, 1998, p. 7.
2
ANDRADE, 1996. Para não repetirmos essa indicação, apontaremos no corpo do texto as
páginas referentes às citações feitas.
3
GOMES, 1994, p. 200
4
Idem, p. 201
120
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5
Ver observação a esse respeito de PAULILO, Maria Célia de Almeida , “Contos da Plenitude”, in
ANDRADE, op. cit., p. 11.
6
GOMES, op. cit. p. 201
121
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122
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liberdade, sem ruas abertas pra avançar, pra correr dos cavalarias, pra brigar...”
(p. 40) Na impossibilidade de passar da consciência à ação, ou seja, de sacrifi-
car-se, de tornar-se uma espécie de mártir da causa operária, o 35 apenas se
afasta dali – toma o bonde e vai tentar encontrar o seu espaço. Acaba indo parar
exatamente onde não era o espaço da comemoração – a Estação da Luz, seu
local de trabalho. Lá encontra o seu cotidiano. Lá está o seu velho companheiro
de trabalho, com quem se identifica a ponto de dar-lhe um soco e caírem os
dois na risada. É o espaço em que ele se reconhece, em que ele se encontra.
É interessante perceber que nesse conto, construindo a figura de um tra-
balhador qualquer, ou seja, de um personagem singular, Mário de Andrade con-
segue apontar questões historiograficamente significativas. Talvez fosse possí-
vel dizer que, no subjetivismo possível pelo tratamento ficcional, o escritor aponta
possibilidades só percebidas e discutidas pelos historiadores muito tempo depois.
A leitura e a discussão do conto em sala de aula, portanto, permitem ques-
tionar uma série de perspectivas que colocam os movimentos e reivindicações
operárias, no período estudado, restritas a uma relação exclusiva com o Esta-
do. Mário de Andrade não apresenta um “operário típico”, nem apresenta um
personagem alegórico capaz de “representar” toda uma categoria. Ao contrário,
traz-nos alguém que consegue quebrar esses padrões de representação, atra-
vés de quem se dá a emergência exatamente da diferença, da singularidade e
da heterogeneidade.
Para Maria Célia Paoli, essa percepção do cotidiano e das condições de
vida e trabalho das classes populares, inclusive das suas práticas políticas não
estruturadas, re-introduz o simbólico no centro das preocupações – “o simbólico
como representação e significado”. Dá-se, então, o reconhecimento de que “os
sujeitos históricos têm emoções, experiências, tradições e valores próprios que
os colocam numa relação consigo mesmos, diferenciada e se projetando no
tempo”, e em conseqüência, “uma redescoberta do cultural como central ao
entendimento da dominação – algo que não se esgota na ideologia, ou nas
lógicas e necessidades da produção e do poder, embora as suponha”.7 Ou seja,
não se trata de pensar as esferas do vivido, do cotidiano, como distintas das
próprias relações de dominação e de resistência, mas considerá-las enquanto
relações que expressam de forma heterogênea, tanto nos locais de trabalho
como em outros espaços, as experiências de proletarização a que estavam
submetidos os trabalhadores no período a que o conto se refere.
O uso da categoria cultura, nesse sentido, como categoria central para
discussão do próprio processo de dominação, permite expressar, no singular,
7
PAOLI, s/ data, pp. 57-8
123
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8
GINZBURG, 1989, p. 27
9
PAOLI, op. cit. p. 63
10
PAOLI,op. cit., p. 60
11
PAOLI,op. cit., p. 61
124
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12
Tomado o termo no sentido expresso por THOMPSON, 1987, em especial pp. 9-14.
13
THOMPSON, 1998.
14
CHAUÍ, 1993, p. 44
125
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manteiga, exigiu mais manteiga, tinha um fraco por manteiga, não se amolava de
pagar o excedente, gastou dinheiro, queria gastar dinheiro, queria perceber que
estava gastando dinheiro, comprou uma maçã bem rubra, oitocentão! foi comen-
do com prazer até os companheiros” (p. 41/42), talvez como forma de retomar o
controle sobre sua própria vida, antes de reentrar no local de trabalho.
Longe de enxergar esses pequenos atos como alienação, podemos
percebê-los como formas de resistência a um controle sobre o cotidiano operá-
rio que tomou força nos anos 30, através da promulgação da legislação traba-
lhista como doação. Ou seja, um exercício dos dominados dentro dos limites
do conformismo e resistência, nos termos expressos por Chauí – e não de con-
formismo ou resistência – ou seja, “apropriação da cultura instituída e das infor-
mações de massa, imprimindo-lhes um sentido inesperado” 14. Nesse sentido,
atos aparentemente sem sentido – esquecer em casa documentos de identifi-
cação para se contrapor às normas de controle da fábrica e fazer desse ato
uma verdadeira greve para obrigar os patrões a negociar – tornam-se essenci-
almente políticos.
A resistência dos trabalhadores fabris, nos anos da promulgação da legis-
lação trabalhista sob Getúlio, direcionou-se contra a instituição da Carteira de
Trabalho, que trazia dados de identificação pessoal e profissional do trabalha-
dor, admissões e dispensas do emprego, remuneração, tipo de serviço e, asso-
ciada claramente ao controle dos delinqüentes, fotografia e impressão digital.
Mais: a tentativa, em 1934, de apenas dar aos trabalhadores sindicalizados o
direito do gozo dos direitos trabalhistas expressa uma tentativa do governo de
deslocar a luta dos trabalhadores dos limites da fábrica para o controle das
organizações sindicais.15
A leitura do conto de Mário de Andrade e a discussão das questões propos-
tas pelo personagem central possibilitam ao professor discutir exatamente os
limites de uma historiografia que enxerga partes e as apresenta como totalida-
de. Pois se a luta organizada dos trabalhadores foi importante, e em muitos
momentos decisiva, ela não pode obscurecer a existência de tantos outros que,
de forma não organizada, também foram parceiros nessa luta. É importante
compreender que mesmo a luta organizada atinge a todos os trabalhadores
enquanto classe no seu fazer-se, para usar a expressão feliz de Thompson – e
não apenas a uma parcela, definida nesse processo enquanto vanguarda. E o
35 mostra isso quando, de forma difusa, identifica-se com outros trabalhadores
de que ele não tem nem idéia, mas que ele sabe que estão se manifestando
politicamente, mesmo que em lugares tão distantes como Chile, Madri, Paris.
15
PAOLI, op. cit., p.75
126
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...o pano de fundo da ideologia do Estado Novo foi o mito da nação e do povo,
duas entidades abstratas que por si só não significam absolutamente nada.
(...)
Identificando nação e povo, e ambos com o ditador, sem a distância interposta
dos partidos, o Estado Novo tinha a ilusão de que finalmente o povo governaria
a si próprio e a nação se reencontraria. O ditador era então a encarnação viva
do povo e da nação.17
16
ALENCAR, CARPI & RIBEIRO, 1979, p. 272 (grifos no original, citando palavras de Getúlio
Vargas in A nova política do Brasil, p. 122).
17
KOSHIBA & PEREIRA, s/data, p. 286.
127
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18
Idem, p. 288
19
Idem, p. 290
20
Idem, p. 290
21
CAMPOS, 1985, p. 79
22
Idem, p. 100
128
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A obra Nova História Crítica – 8a. série, de Mário Schmidt, refere-se a Ge-
túlio Vargas discutindo o “modo de governar” do mesmo, chamando-o de
populismo (apontando-o como equivalente do peronismo argentino). Prosse-
gue: “O populismo varguista também é chamado de trabalhismo”. Os termos
populismo e trabalhismo aparecem destacados em negrito, no original. A expli-
cação da legislação trabalhista, dentro da perspectiva populista, vem numa
linguagem coloquial, expressa nos seguintes termos:
E mais adiante:
23
Idem, p. 104.
24
MOTA & LOPEZ, s/data, p. 134.
25
SCHMIDT, 1999, p. 149
129
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26
Idem, p. 151
27
Idem, p. 151
28
MONTELLATO, CABRINI & COSTELLI JÚNIOR, 2000, p. 212
130
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Referências
ANDRADE, Mário. Contos Novos. Belo Horizonte / Rio de Janeiro: Villa Rica, 1996.
PAOLI, Maria Célia. “Os trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, es-
paço e classe na história operária brasileira”, in LOPES, José Sérgio Leite (org.)
Cultura & Identidade Operária – Aspectos da Cultura da Classe Trabalhadora.
São Paulo Marco Zero, s/ data.
Livros didáticos:
131
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SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica,8ª série, São Paulo: Ed. Nova Geração,
1999.
132
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Resumo: Este texto tem como objetivo buscar uma transposição das
reflexões entre História e Música para as metodologias didático-pedagógi-
cas de ensino de História do Brasil, com o intuito de tornar as aulas mais
dinâmicas e interativas; consequentemente mais prazerosas para alunos e
professores. Para tanto, nos servimos da produção musical caipira de
Cornélio Pires por se tratar de um convite inspirador para percorrermos o
cotidiano da metrópole São Paulo nos tempos da Belle Époque.
1
Graduando em História e pesquisador vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Cultura Popular Ima-
gem e Som (POPULIS-Universidade Federal de Uberlândia), bolsista PIBIC/FAPEMIG do projeto
“Retalhos de Saudades: Goiá e a música sertaneja do interior das Gerais”, orientado pela profª. Drª.
Maria Clara Tomaz Machado.
133
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2
Sobre as utilizações de novas linguagens e de canções no ensino de História ver: D’EUGENIO,
Marcos F. N., AMARAL, Maria C. & BORJA, Wagner C.. Linguagem e Canção: uma proposta
para o ensino de História. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, v. 07, n° 13,
1987.
134
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Anos Turbulentos
Mas não só no âmbito da vida privada o país vivia uma fase conturbada de sua
história. A sobreposição dos tempos se repetiu no cenário político nacional, marca-
do por rebeliões e revoltas tanto de civis quanto de militares, principalmente na
década de 1920 a 1930 que ficou conhecida como “os anos turbulentos”. Exemplo
disso é o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) que marcou o rompimento dos
militares com o velho regime por ocasião da eleição presidencial de 1922. Este
rompimento deveu-se ao fato de o então presidente nomear civis para postos no
3
Para Lucia Lippi Oliveira o sentido de pertencimento se constrói mediante processo que permita
uma atitude de familiaridade diante de uma imagem representada, tal sentimento, seja ele real
ou inventado, afasta a sensação de permanecer-se estrangeiro. Cf. OLIVEIRA, L. L. Questão
Nacional na Primeira República.In: LORENZO, H.C. e COSTA, W. P. (org). A década de 1920 e
as origens do Brasil moderno. São Paulo: Ed. UNESP, 1997. p.186.
4
SALIBA, E. T. A dimensão cômica na vida privada na República. In: SEVCENKO, N. (org).
História da Vida Privada no Brasil. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Cia
das Letras, 1998. p.292.
135
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Exército e na Marinha, habitualmente ocupados por militares, que ele desejava ver
afastados da cena política.5 Este episódio culminaria no evento que ficou conhecido
como Revolta do Forte de Copacabana. Dois anos mais tarde, agora em São Pau-
lo, ocorre a Revolução Militar de 19246, um levante contra o presidente Artur
Bernardes, que reprimido por um feroz contra-ataque das forças legalistas, obrigou
os revoltosos a abandonarem a cidade em direção ao oeste e ao sul, numa retirada
que futuramente foi denominada Coluna Prestes (1924-1927). Não podemos dei-
xar de mencionar como fatos também relevantes deste período a Semana de Arte
Moderna, a fundação do Parido Comunista e o início da campanha pelo voto femi-
nino, todos no ano de 1922.7
É neste contexto que reportamos a São Paulo, início do século XX onde viveu
o compositor e folclorista Cornélio Pires. Nascido em Tietê, pequena cidade nas
imediações da capital paulista, foi criado em meio aos costumes e tradições popu-
lares do meio rural. Desde criança assistia a festejos sagrados e profanos como os
Fandangos, Catiras e Folias de Santos Reis. Na adolescência quando se transfere
para São Paulo, não perde sua ligação com as raízes interioranas. Assim, na déca-
da de 1920 a 1930 é prestigiado como um grande conhecedor e defensor da cultura
da população caipira8 no estado de São Paulo, passando então, a conviver com os
igualmente expressivos folcloristas Silvio Romero e Amadeu Amaral.
No plano literário, que primava pela erudição gramatical, sua obra, nos primei-
ros anos não foi bem acolhida, a escrita regionalista rompia com o cânone vigente,
o que lhe rendeu diversos ataques de críticos literários, como Tristão de Athayde:
5
Foi neste quadro de crescente insatisfação, com as condições do exército e com a política do
governo, que eclodiram diversos levantes militares. A presença significativa de tenentes na
condução desses movimentos deu origem ao termo “tenentismo”. Os principais movimentos
tenentistas da década de 1920 foram os 18 do Forte, os levantes de 1924 e a Coluna Prestes.
Cf. CPDOC. Movimento Tenentista. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>. Acesso
em 18/05/2004.
6
Retomaremos a discussão a respeito da Revolução Militar de 1924 em São Paulo posterior-
mente, quando analisarmos a composição de Cornélio Pires intitulada “Moda da Revolução”.
7
CURRAN, Mark. História do Brasil em Cordel. São Paulo: Edusp, 2001. p.85-103.
8
Esta forma de viver do homem no campo é o que Antonio Candido denominou Cultura Rústica.O
termo rústico é empregado aqui não como equivalente de rural, ou de rude, tosco, embora os
englobe. Rural exprime localização, enquanto ele pretende exprimir um tipo social e cultural,
indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do campo. Cf.
CANDIDO, A. Os Parceiros do Rio Bonito: um estudo sobre o caipira paulista e a transformação
dos seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2001. p.26.
136
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E Cornélio realmente não era um “homem das letras”. Segundo Honório Filho,
divertido, perspicaz, alegre, musical, pitoresco, assim o caipira foi visto pelas
lentes de Cornélio Pires. No seu delicioso Conversas ao Pé do Fogo, de 1921,
o especialista de Tietê mostrou que o matuto era como feijão ou café: havia
vários tipos, cada qual com seu jeito de ser, mas quase sempre amoroso,
esperto, dissimulado, generoso, valente, arredio, tímido, debochado, cantador,
namorador, zeloso da família, dos filhos, do canivete e da viola – ou apenas
dos dois últimos. Abriu o livro ironizando “certos escritores” que julgaram o
nosso camponês como um “ser ridículo”.12
9
ATHAYDE, Tristão de. Apud, sem autor. Almanaque Jangada Brasil. Suplemento de Varieda-
des, n ° 15, novembro, 1999. Disponível em: < www.jangadabrasil.com.br> . Aceso em 10/06/
2004.
10
FILHO, W. H. Algumas Tonalidades Sobre o Homem do Sertão: Cornélio Pires e Monteiro
Lobato. In: Boletim Goiano de Geografia. 13 (1):11-27, jan./dez. 1993. p. 12-13.
11
PIRES, C. Conversas ao Pé do Fogo. São Paulo: Piratininga, 1921. s.p.
12
NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Ed. 34, 1999. p.96.
137
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O Cancioneiro do Cotidiano
13
LOBATO, M. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 147-148.
138
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14
Cf. CANDIDO, 2001.; MARTINS, J. S. Música sertaneja: a dissimulação na linguagem dos
humilhados. In: Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade
agrária no Brasil. São Paulo: Ed. Pioneira de Ciências Sociais, 1975. p.101-161.
15
Tomamos por representação a linguagem musical concebendo a música como forma de tornar
visível a realidade representada. Sobre métodos que trabalham as linguagens como forma de
representação Cf. CHARTIER, Roger. História Cultural Entre Práticas e Representações. Rio
de Janeiro: Difel / Bertrand Brasil, 1990. CHARTIER, Roger. Do Palco à Pagina: publicar teatro
e ler romances na época moderna. (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.
16
HONÓRIO FILHO, 1993, p.13.
17
SALIBA, 1998, p.334.
139
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140
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rural). Para Honório Filho, a vida no campo tende, dentro da imagem produzida
por Cornélio Pires, a se distanciar da vida na cidade.19 Em segundo lugar, essas
novas relações sociais, produzidas por um meio de transporte, em diversas
ocasiões coloca lado a lado pessoas com modos de viver diferentes que,
constrangidas pelas novas formas de sociabilidades, são incapazes de lidar
com as diferenças. Assim, as novas relações só se consolidam devido a uma
dupla interferência da máquina: promovendo o encontro dos passageiros atra-
vés da maior facilidade de locomoção e causando colisões e desequilíbrios nos
passageiros por meio de suas paradas e arrancos.
Com essa sensação de estranhamento é que o caipira criado por Cornélio Pires
vai narrando uma situação que foi vivida por milhares de brasileiros em tempos de
Primeira República. O relacionamento impessoal com o condutor do transporte, o
arranco que faz quebrar sua viola, o pagamento da passagem através do depósito do
dinheiro em um caixa e os desconfortos causados pelas situações indesejáveis oca-
sionadas pelo transporte, são representações das novas sociabilidades vividas na
República e demonstram também de que forma tais relações sobrepõem e até con-
jugam as vivências do público com o privado. Na última estrofe, o caipira ainda faz
alusão à possibilidade de uma guerra ocasionada pela consolidação do modelo eco-
nômico capitalista, na música representado pela Companhia Light (que os dente ferra
nos passagêro que grita e berra), mantenedora do sistema de transportes local. Des-
ta forma, os versos de O Bonde Camarão, também são construídos para representar
o cenário do desenraízamento social e, por que não, cultural20. Os versos sempre
mais próximos das camadas populares revelam que, estas eram as mais atingidas
pela ausência de pertencimento.
Apesar das peripécias por que passou com o bonde, o caipira criado por
Cornélio Pires volta a São Paulo, desta vez em um momento delicado de sua
história. Sua chegada na capital se dá durante os combates da Revolução Paulista
de 1924. A experiência do caipira, agora em meio às balas e bombas do levante
Tenentista, é narrado em Moda da Revolução:
19
HONÓRIO FILHO, 1993, p.14.
20
BOSI, Ecléia. Cultura e Desenraízamento. In: BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira: temas e
situações. São Paulo: Ática, 2003.
141
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Se os revoltoso ganhar
aí eu pulo e rolo no chão
Quando cheguei em São Paulo
o que cortou meu coração
Eu vi a bandeira de guerra
lá na torre da estação
Encontrava gente morto
por meio dos quarteirão
Dava pena e dava dó,
ai era só judiação
Na hora que nós seguimos,
perseguindo o batalhão
Saimo por baixo de bala,
sem ter aliviação
E a gente ali deitado
sem deixar levantar do chão
De bomba lá de São Paulo,
ai roncava que nem trovão
Zidoro se arretirou
lá pro centro do sertão
Potiguara acompanhou
ai prá fazer a traição
Zidoro mandou um presente
que foi feito por sua mão
Acabaram com Potiguara
e acabou-se o valentão
Nós tinha um 42
que atirava noite e dia
Cada tiro que ele dava
era mineiro que caía
E tinha um metralhador
que encangaiava com pontaria
Os mineiro com os baiano
ai c’os paulista não podia
142
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São três aviões. (...) Quinze minutos depois a cidade estremece, sacudida por
uma sucessão de explosões até então desconhecida. São Paulo está sofrendo,
pela primeira vez em sua história, um bombardeio aéreo. (...) Os rebeldes assistem
perplexos. A população, abandona as casas, enlouquecida com impacto das
explosões. Famílias inteiras, dominadas pela histeria, correm aos gritos pelas ruas,
sem destino.(...) O ataque dura pouco mais que cinco minutos. Os prejuízos são
rapidamente contabilizados e chega-se rapidamente à conclusão de que são bem
menores do que as desgraças causadas diariamente pelo fogo da artilharia.22
21
MEIRELES, D. As Noites da Grandes Fogueiras: uma história da Coluna Prestes. Rio de Janeiro:
Record, 1995. p.70.
22
Ibidem, p.135-136.
23
Cf. CPDOC. Levantes de 1924. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>. Acesso em
18/05/2004.
143
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24
NAPOLITANO, M. História e Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Ed.
Autêntica, 2002. p. 07.
25
PARANHOS, Adalberto. Saber e Prazer: a música como recurso didático-pedagógico. In: Álbum
Musical para o ensino de História e Geografia no 1° Grau. Uberlândia: ESEBA, 1996. p. IX.
26
WEIL, Simone. apud BOSI, 2003, p.29.
144
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Referências
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História. São Paulo: Maço Zero, v. 07, n° 13, 1987.
NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Ed. 34, 1999.
145
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BOSI, Ecléia. Cultura e Desenraízamento. In: BOSI, Alfredo (org.). Cultura Bra-
sileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 2003.
Documentos eletrônicos
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Abstract: This article discusses the importance of the study of Old History
and coins as valuable sources for the historiographical research and for the
teaching of History. For that, I use, as an example, the coins of Diocletian
and Constantine (characters of the Old Roman Empire), both belonging to
the collection of the National Historical Museum.
147
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1
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Renovação no Ensino de História Antiga. In: KARNAL, Leandro
(org.). História em Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2003, p. 96.
148
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2
VIEIRA, Rejane Maria Lobo. A Imagem do Rei e do Reino de Portugal Através das Moedas de
D. Fernando (1367 – 1383). Dissertação de Mestrado. Niterói: Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, 1994, p. 23.
149
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3.1.Diocleciano e as reformas
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procas de Galério e Constâncio Cloro como Césares. Ambos ligados por grau de
parentesco, através do matrimônio com as filhas dos respectivos Augustos (Galério
casou-se com Valéria, filha de Diocleciano, e Constâncio Cloro com Teodora, filha
de Maximiano).
A função destes Césares não era apenas administrativa, mas também for-
talecer o seu “Augustus”. Um deveria ajudar ao outro em caso de perigo imedi-
ato: o Augusto e o César Oriental viriam em socorro do colega ocidental. O voto
de amizade entre eles foi representado no monumento aos tetrarcas em Veneza,
onde os quatros aparecem abraçados.
Aliado a esses fatos, ocorreu uma inversão do eixo político. Roma passou
para um segundo plano após a oficialização das novas capitais: Aquilea e Tréveres
(Trier), no ocidente, Sírmio e Nicomédia, no oriente.
Numa tentativa de restabelecer o poder da economia romana, Diocleciano
realizou, ou pelo menos tentou fazer, uma reforma econômico-administrativa.
Além de emitir moedas de ouro e prata, colocou em circulação peças divisionárias
de bronze, com tenuíssimo invólucro de prata, vulgarmente “banho de prata”,
que serviam para as operações quotidianas (principalmente para pagamento
dos legionários), conhecidas como follis (mais ou menos do tamanho das nos-
sas moedas de um centavo).
Esta moeda que foi instituída entre os anos de 295-8, segundo Junge3,
apresenta em seu reverso, a imagem de Júpiter nu, com o parazõnium (cinturão
com a espada) e uma cornucópia simbolizando que a riqueza e abundância
estavam de volta ao império. As peças cunhadas no oriente vêm acompanha-
das de uma estrela em seu campo. Das 145 moedas de Diocleciano e 107 de
Maximiano pertencentes ao acervo do Museu Histórico Nacional, 15 peças ain-
da trazem esta característica, principalmente a conservação do invólucro de
prata, dando um destaque artístico muito importante.
Em 301, os tetrarcas tentaram através de um edito, Editum Diocletiani et
Collegarum de pretiis rerum venalium, ou Edito Máximo de Preços, restabelecer
a economia do Império, fixando os preços máximos para os produtos de consu-
mo. Conhecido na nossa sociedade “pós-moderna” como congelamento de pre-
ços e salários, ainda muito em voga pela nossa tradicional classe política. Como
hoje, não forneceu resultados favoráveis, estimulando o contrabando e a
corrupção.
Com a ampliação das casas monetárias, durante a tetrarquia, novas peças
3
JUNGE, Ewald. The Seaby Coin Encyclopaedia. Second Impression with revisions. London:
British Library, 1994, p. 107.
151
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4
CAYON, Juan R. Compendio de las Monedas del Imperio Romano. V.2. Madrid: Imprensa Fareso,
1985, p. 45.
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3.3.Constâncio II e as construções.
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Antioquia para Lutécia (França) a fim de combater o César Juliano que havia sido
proclamado Augusto pelas legiões, acabando por morrer de peste na Ásia Menor
(Turquia), em dezembro do mesmo ano.
A partir do século 3, aparece uma variação das amoedações que traziam
edifícios ou construções militares como tema. Destaca-se, nesse período, uma
certa originalidade na cunhagem, pois não foram encontradas outras represen-
tações iguais nas coleções referentes ao século 4, tanto no MHN quanto nos
catálogos mais antigos pesquisados.
Como podemos perceber através dos exemplos acima, através das moe-
das, o aluno terá contato com uma fonte primária, arqueológica e material, de
relevada importância para os estudos clássicos. Estudando e analisando, ou
melhor, decodificando, “lendo” a iconografia exposta nesse diminuto pedaço de
metal, ele terá subsídios para estabelecer um perfil da sociedade, economia,
5
HACQUARD, Georges. Guide Romain Antique. Paris: Hachette, 1952, p. 190.
6
CARLAN, Cláudio Umpierre. Moeda, Simbologia e Propaganda sob Constâncio II. Dissertação
de Mestrado. Niterói: Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 2000, p. 65.
154
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a moeda é um objeto palpável, que abre todas as portas e proporciona bem estar.
Nela pode-se contemplar o busto do soberano, enquanto os reversos mostram
suas virtudes e a prosperidade da época: Felicitas Temporavm, Restitvtio Orbis,
Victoria e Pax Augusta, são slogans, propaganda7, fazendo parte assim da má-
quina estatal, onde a numismática entra como um monumento de legitimação do
Estado, uma tentativa de manter inalterado o status quo.
A moeda, como documento, pode informar sobre os mais variados aspec-
tos de uma sociedade. Tanto político e estatal, como jurídico, religioso, mitológico,
estético.
Chartier destaca a importância da interpretação dessa simbologia, chama-
da por ele de “signos do poder”. Daí a necessidade de constituir séries homogê-
neas desses signos do poder: “sejam as insígnias que distinguem o soberano
dos outros homens (coroas, ceptros, vestes, selos, etc.), os monumentos que,
ao identificarem o rei, identificam também o Estado, até mesmo a nação (as
moedas, as armas, as cores), ou os programas que têm por objetivo represen-
tar simbolicamente o poder do Estado, como os emblemas, as medalhas, os
programas arquitetônicos, os grandes ciclos de pintura...”.8
A relação documento / monumento está presente no cotidiano do historiador.
Segundo o historiador francês Jacques Le Goff, os monumentos, herança do
passado, e os documentos, escolha do historiador.9 Cabe ao historiador identifi-
car e definir as suas fontes, pois o documento não é inócuo, é uma montagem,
consciente ou inconsciente, da história, da época, das sociedades que o
produziram. Um esforço para as sociedades históricas imporem ao futuro
determinada imagem de si próprias. É necessário haver uma interdisciplinaridade
para ser realizada uma desmontagem da ambivalência documento / monumento,
através do próprio ambiente que o produziu, auxiliado pela arqueologia, e não
baseado em uma única crítica histórica.
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles
existem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos escritos, se
não os houver, com tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe utili-
zar para fabricar o seu mel, à falta de flores habituais. Portanto, com palavras,
com signos, com paisagens e telhas, com formas de cultivo e ervas daninhas,
7
ROLDÁN HERVÁS, J. M. Introducción a la Historia Antigua. Madrid: Ediciones Istmo, 1975, p.
166.
8
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 220.
9
LE GOFF, Jacques. Documento / Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. V. 1. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1983, p. 103.
156
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com eclipses da lua e cangas de bois, com exames de pedras por geólogos e
análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com tudo aquilo
que pertence ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o
homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do
homem.10
O dever do historiador é ampliar a noção de documento: Segundo Febvre,“o
novo documento, alargado para além dos textos tradicionais, transformado —
sempre que a história quantitativa é possível e pertinente — em dado, deve ser
tratado como um documento/monumento. De onde a urgência de elaborar uma
nova erudição capaz de transferir este documento/monumento do campo da
memória para o da ciência histórica”.
Conclusão
Em Roma a moeda tinha uma função muito mais específica, e não apenas
comercial. Seus governantes precisavam legitimar o seu poder, através de mei-
os que todo o vasto mundo romano tomaria conhecimento. Através do contato
com as peças de bronze, prata e ouro, os súditos saberiam quem é o seu
governante (busto no anverso ou cara), quais os progressos conseguidos no
seu governo (imagem do reverso ou coroa). Os retratos (bustos, estátuas etc...)
em Roma seguiam um padrão mais realista possível. Defeitos, sinais de velhice
não eram escondidos. Nas cunhagens e bustos de Júlio César, sua calvície é
notada, como o nariz aquilino da família constantiniana ou a barba ao estilo
“filósofo grego de Juliano, o apóstata”.
Essas cunhagens transmitiam uma mensagem simbólica para toda a soci-
edade, representando e indicando os rumos políticos, religiosos, econômicos
que deveriam seguir.
Vários textos de época retratam os vestimentos consulares. Nós podemos
visualizá-los e estudá-los nas moedas de Maximiano.
Nesse artigo, tentamos mostrar que é possível estudar e trabalhar com
História Antiga no Brasil, utilizando a moeda como documento. Os alunos po-
dem visualizar séculos e séculos de História, comparando com atualidade, pois
muito dessa simbologia ainda está presente na nossa sociedade. A República
(figura feminina) com o barrete frígio (símbolo da liberdade) nas moedas republica-
10
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2a. ed. Tradução: Leonor Martinho Simões e Gisela
Moniz. Lisboa: Editorial Presença Ltda, 1985, p. 124.
157
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FONTES NUMISMÁTICAS
Moedas de Diocleciano, Constatntino I, o Grande e Constâncio II. Rio de Janei-
ro: acervo do Museu Histórico Nacional, Medalheiro de Número 3; Lote Núme-
ro: 11, Lâminas de Números: 2 e lote 16 número 5;
CATÁLOGOS E DICIONÁRIOS
CAYON, Juan R.Compendio de las Monedas del Imperio Romano. V.2. Madrid:
Imprenta Fareso, 1985.
Referências
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FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Roma Vida Pública e Vida Privada. 4a ed. São
Paulo: Atual, 1993
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2a. ed. Tradução de Leonor Martinho
Simões e Gisela Moniz. Lisboa: Editorial Presença Ltda, 1985.
159
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* Doutora em História Social pela USP e integrante do Núcleo de Estudos de Gênero e Pesquisa
sobre a Mulher da Universidade Federal de Uberlândia (NEGUEM/UFU).
161
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Os estudos das relações de gênero têm ganhado cada vez mais espaço
nas academias brasileiras impulsionados pela necessidade de revisão
epistemológica das ciências centradas em um saber neutro ou marcadamente
masculino. Além disso, esses estudos propõem a possibilidade de examinar e
transformar uma sociedade cunhada pela grande desigualdade existente entre
os sexos, que a suposta “neutralidade” das ciências imputou como “natural”.
A Teoria Feminista parte da proposta conceitual de distinguir sexo de gêne-
ro. Sexo é um dado biológico, anatômico que define macho e fêmea e sobre o
qual são construídas as práticas sócio-culturais de gênero. Gênero é o conjunto
das características sociais, culturais, psicológicas, econômicas, ou seja, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado, que define papéis e compor-
tamentos a serem seguidos pelo sexo biológico ou “próprios” a ele.
As características de gênero variam de acordo com as civilizações e mo-
mentos históricos e, referem-se aos traços que cada sociedade atribui ao
masculino e feminino.
A natureza biológica não determina que mulheres devam ser frágeis e or-
ganizadas, por exemplo, e, homens devam ser fortes e rudes. Portanto, tem-se
que questionar até que ponto as diferenças anatômicas se prestam para “natu-
ralizar” as relações de poder e de hierarquia de um sexo sobre o outro.
O enfoque de gênero remete a uma análise minuciosa e detalhada da organi-
zação e funcionamento das sociedades de tal modo a reconhecer e tornar visíveis
as relações de hierarquia, opressão, subordinação e desigualdade entre os sexos.
Nesta perspectiva, a Teoria Feminista incide seu foco de análise nas rela-
ções sociais, vistas como relações de poder e busca na filosofia pós-moderna
seu arcabouço constitutivo. A desconstrução e a noção de diferença que formatam
o pensamento pós-moderno permitem uma releitura do social uma vez que ques-
tionam as crenças oriundas do Iluminismo e revelam o que se “esconde por
trás de fachadas neutras e universalizantes”.1
Deste modo, o propósito fundante da Teoria Feminista é a análise das rela-
ções de gênero. Como estas foram e são constituídas, como estão presentes
nas normas discursivas e nas ciências e como permeiam o sexo, classe e raça.
O gênero enquanto uma categoria de análise torna-se a chave fundamental da
Teoria Feminista porque rompe com o biologismo e denuncia uma construção
social da diferença sexual. Por sua vez, traz uma visão dinâmica da sociedade
nas inter-relações sexistas.
É notório que a desigualdade, a discriminação e a hierarquia entres os
1
FLAX, Jane. Pós-modernismo e relações de gênero na teoria feminista. In: BUARQUE DE
HOLLANDA, Heloisa. Pós modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 224.
162
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2
BORGES, Dulcina T. B.; DAVI, Edmar H. D.; RODRIGUES, Jane de F. S. Impacto de los centros
y programas en el currículo educativo. Caderno Espaço Feminino. Uberlândia, UFU, 2003, n.
12-13, p. 9-54.
163
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3
PEREIRA, Marta Regina Alves. No jogo das diferenças: nuanças de gênero e a prática docente
na educação infantil e no ensino fundamental. 2004. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, UFU, Uberlândia, 2004.
164
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4
O NEGUEM compõe-se de pesquisadoras(es) e demais interessadas(os) nas questões de
gênero ligadas(os) ou não à UFU. Sua produção científica é considerável com dois veículos de
divulgação: Gênero em Pesquisa, já no vigésimo número e o Caderno Espaço Feminino com
quatorze edições publicadas. Tem assento em alguns órgãos como: o Conselho Municipal da
Mulher e as ONGs Banco da Mulher e SOS Mulher Família. Participa de inúmeros eventos
nacionais e internacionais, bem como ministra oficinas, palestras e cursos em nível regional e
local, atuando em várias frentes de trabalho. Entretanto, a sua inserção nos cursos de gradua-
ção da UFU é pequena, apesar de seus esforços em levar a discussão à comunidade acadêmi-
ca. Não foi realizada ainda uma pesquisa para verificar o por quê da questão. Acredita-se que
a desinformação, o desinteresse e até mesmo a possível mudança de paradigmas ao se intro-
duzir a questão de gênero sejam os obstáculos à inclusão de disciplinas vinculadas à temática
tanto na graduação quanto na pós.
5
O mini-curso: Educação, políticas e movimentos sociais: por uma pedagogia não sexista, foi
elaborado pelas professoras Cláudia Costa Guerra e Jane de Fátima Silva Rodrigues, sendo
ministrado pela última, integrantes do corpo docente do Curso de Pedagogia-Gestão e Tecnologia
Educacional da Uniminas e do NEGUEM/UFU.
165
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Estes, todavia, devem ser vistos como questões próprias do domínio de siste-
mas culturais e não biológicos. Portanto, enquanto tais podem ser desconstruídos
e a escola tem um papel fundamental nisto.
Moema Toscano6 indica também a necessidade de uma revisão imediata
da linguagem e ilustrações dos livros didáticos, uma vez que reiteram o sexismo
presente na sociedade. A autora analisou alguns livros utilizados nas séries ini-
ciais do ensino fundamental, apontando neles a discriminação sexista.
Para reverter esta situação, de uma linguagem totalmente masculina e que
muitas vezes descaracteriza e torna-se invisível o feminino, o Núcleo de Estu-
dos sobre a Mulher e Gênero(NEMGE) da Universidade de São Paulo, publicou
uma cartilha sugerindo possíveis soluções para o uso de uma linguagem não
sexista. Para evitar o uso genérico da palavra homem, utilizar: os seres huma-
nos, a humanidade, as pessoas, os homens e as mulheres, etc.
Já encontra-se disponível uma literatura7 básica sobre a temática que é capaz
de nortear educadoras(es) iniciantes no assunto, com inúmeras sugestões no sen-
tido de evitar o sexismo na linguagem, assim como também indicativos de exercíci-
os para a desconstrução de estereótipos nas várias disciplinas do currículo.
O Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero(GEERGE) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fundado por Guacira Lopes Louro;
o NEMGE da USP; o Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba
e o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher(NEIM) da Universidade
Federal da Bahia, além de outros, são referências nacionais na produção de
material acadêmico e didático sobre educação e gênero.
Outras iniciativas estão sendo tomadas como a indicação no calendário do
dia 21 de junho como o Dia de Luta por uma Educação não Sexista e sem
Discriminação, proposto pela Rede de Educação Popular entre Mulheres da
América Latina e Caribe(REPEM), com o objetivo de pensar a educação desde
uma perspectiva do poder, da diferença e da diversidade.
Nessa mesma direção do uso de uma linguagem masculina, Maria Luiza
Siqueira8, ao participar de uma reunião em uma escola pública do Recife fez as
seguintes anotações:
6
TOSCANO, Moema. Igualdade na escola: preconceitos sexuais na educação. Rio de Janeiro:
CEDIM, 1995, 95 p.
7
Ver bibliografia no final do texto.
8
SIQUEIRA, Maria Luiza N. O cenário escolar das relações de gênero. In: CARVALHO, Maria
Eulina P. de.; PEREIRA, Maria Zuleide da C. (Org.). Gênero e educação: múltiplas faces. João
Pessoa: EUFPB, 2003, p. 196.
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9
WHITELAW, Sarah. Questões de gênero e educação. In: CARVALHO, Maria E. de (Org.).
Consciência de gênero na escola. João Pessoa: EDUFPB, 2000, p. 39.
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Referências
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FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Olho d’água, 1993.
MICHEL, André. Não aos estereótipos: vencer o sexismo nos livros para crian-
ças e manuais escolares. São Paulo: CECF, 1989.
SOUSA, Valquíria A. Por uma educação escolar não sexista. João Pessoa: UFPB,
2003.
170
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Introdução
1
Profa. Ms. Geografia e Assessora Pedagógica da ESEBA/ Escola de Educação Básica da
Universidade Federal de Uberlândia
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Após a segunda metade do século XX, as crises nas relações sociais, po-
líticas, econômicas e familiares se seguiram e as mudanças foram ocorrendo
com maior rapidez, referendando as revoluções, entre elas, a cultural que signi-
ficou uma mudança estrutural entre as gerações.
Importante destacar que o comportamento cultural da juventude, após os
anos 1950, diferenciou-se das gerações anteriores através de algumas peculia-
ridades, singulares no processo histórico, que auxiliam a compreensão do que
Hobsbawm (1996) denomina de cultura jovem global .2
Uma primeira peculiaridade que a juventude assume e passa a expressar,
entrelaça três sentidos. Primeiro, a juventude tornou-se um grupo etário autôno-
mo ou um agente social independente, passando a ser reconhecida como uma
camada social e a definir um jeito de ser: ser jovem. Num segundo sentido,
essa camada social não se limita à faixa etária do tempo de adolescer, passan-
do a definir um jeito de viver: uma cultura jovem. Outro sentido cultural da juven-
2
Essa expressão e as peculiaridades no comportamento cultural da juventude são analisadas
por Eric Hobsbawm no capítulo Revolução Cultural do livro Era dos Extremos o breve século
XX, 1996, p. 314-362.
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175
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3
Para ampliar esta discussão, ver o livro A juventude na Sociedade Moderna, de Marialice
M.Foracchi.
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4
Estilo: são os símbolos que um grupo juvenil ostenta e que delimitam quem são, ou seja: a
identidade e os problemas que formulam, os quais expressam a sua posição no mundo.
5
Uma importante pesquisa sobre cultura juvenil está no livro: Cenas juvenis: punks e darks no
espetáculo urbano, de Helena W. Abramo, 1994.
179
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no Brasil dos anos 80. Tomaram como símbolos de identidade, sinais repugnan-
tes para os costumes e comportamentos dos padrões sociais, na tentativa de
que seu estilo6 escapasse à incorporação pelo mercado.
Esse estilo produz um estranhamento nas pessoas e representa, no universo
juvenil urbano, uma expressão simbólica às agressões da vida capitalista, sentida
pelo grupo, e por outros, dissimuladas nas relações cotidianas. São agressões so-
ciais, políticas e ideológicas que parecem não mais chocar as pessoas adultas ou
agredir sua cidadania. O estilo punk tornava os jovens visíveis e suas práticas são
estratégias para comunicar problemas com os quais se preocupam e os identificam
na situação de marginalidade e de exclusão da ordem social. Em suas práticas de
comunicação, com o mundo e com o grupo, expõem idéias e críticas à realidade,
trocam denúncias através de fanzines, fazem panfletagem em dias cívicos como 7
de setembro, movimentam-se e articulam-se em busca de respostas.
A identidade e os signos de choque trazidos pelo estilo punk, interagindo
com o mundo dos grupos juvenis de antigas e novas gerações, repercutiram no
espaço urbano e deram origem aos ‘carecas do subúrbio’ou skinheads.
Esse grupo se tornou hostil a esse movimento, havendo confronto entre punks
e carecas/skinheads. No Brasil, os carecas identificaram-se com os skinheads
ingleses pela postura ‘violenta’ de impor respeito a outros jovens, incorporando a
conduta de pessoa honesta, trabalhador pela ordem e pela moral, apoiando-se
em bases do pensamento integralista, posicionando-se contra os negros, judeus,
nordestinos e homossexuais, assimilando a postura fascista.
O movimento punk propiciou, também, a organização dos grupos darks.
Essa tribo de jovens do ensino médio e do meio universitário, articulada em
torno de bandas que ficaram conhecidas como rock paulista, tinham como lugar
de encontro, para dançar e fazer seus shows, os porões ou fundos de estabele-
cimentos em setores velhos e centrais, como a casa noturna Estação Madame
Satã (Bairro do Bexiga em São Paulo).
Esses jovens construíram um estilo batizado de dark7. Uma identidade que
simboliza o luto, negando àquela identidade que associa a juventude a vida e à
alegria. Juntos, punks e darks, se espalham pelo cenário social “se oferecendo
como espelhos da essência do seu tempo, buscando obrigar os outros a verem
6
Usam como símbolos, por exemplo: jaqueta preta, mangas e golas arrancadas, com buttons,
símbolos anarquistas, coturno pretos e calças surradas e marcadas por pregos, correntes,
cadeados e tachinhas, piercings na orelha, nariz, boca e os cabelos eriçados para o alto tingi-
dos em cores vivas.
7
Marcado pelo uso das roupas dos anos 40 e 50 em tom escuro, as faces pálidas, cabelos
curtos, geométricos e assimétricos, coloridos em cores como o ruivo, preto ou em tons berran-
tes e os lábios femininos com batom preto ou roxo.
180
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 173-187, 2004/2005
8
Cidades de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema situadas na região
metropolitana da capital do estado de São Paulo.
9
O rap (RAP - Rhythm and Poetry ou ritmo e poesia), proveniente dos guetos norte-americanos
(década de 80), assim como a prática da dança break e o grafite são práticas culturais que
foram inserindo-se no movimento hip-hop, nascido nos anos 70 com a juventude afro-norte
americana do Bronx nova-iorquino, se expandindo pela América Central e alguns lugares da
América do Sul.
10
O espaço público é reivindicado e marcado como lugar dos grupos juvenis segregados social-
mente e confinados espacialmente em guetos/periferia, expressando a identidade política e
espacial dos grupos juvenis. O grafitte surge como uma assinatura - tags - nos muros, pontes,
viadutos do espaço público contendo dois símbolos: o apelido (a identidade do grupo que inter-
vinha em um dado local público) e o número da rua (função territorial de demarcação da ação
do grupo). Hoje os ‘tags’ assumem formas mais elaboradas e multicoloridas, ampliando seus
significados e são definidas como arte das ruas.
181
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 173-187, 2004/2005
do pelo mercado e pela indústria cultural e divulgado como uma das expressões
jovens do mundo moderno. Mas as condições desses jovens da classe popular
geram suas práticas e oferecem, para aqueles dispostos a compreendê-las,
outras leituras da vida cultural e das condições de vida.
O que há em comum entre os diferentes grupos juvenis é a cultura como
via alternativa de expressar as condições do jovem no espaço urbano. Há tam-
bém em comum entre eles, a ausência da participação em partidos políticos,
uma vez que a política como atividade institucional passava a ser menospreza-
da pelos diversos grupos juvenis que manifestavam suas posturas políticas em
suas práticas e nos seus estilos.
Na configuração desses grupos há os vínculos de identidade territorial, a
estruturação em gangues ou não, o vínculo de pertencimento sócio-cultural e o
grau de coesão interna passando pelas questões apresentadas em cada grupo
e sua definição ideológica. São grupos que apresentam uma postura diante do
mundo, formam, elaboram e expressam questões relacionadas à vivência da
condição juvenil,
182
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venil dos anos 60, mas também carregam os símbolos e expressões das
gerações juvenis dos anos 70 e 80. E os reconstroem na dinâmica desse
seu vir-a-ser.
A herança dos jovens dos anos 60 é, talvez, a idealização de que essa
geração ofereceu um mundo, pensando no futuro, melhor: marcada pelo so-
nho, pelas bandeiras de transformação, pela utopia. A utopia, que “refere-se à
imaginação de algo que não existe, ou existe em lugar nenhum, numa dimen-
são fora do real. [...]. No entanto, a utopia é sempre imaginada com base em
tempo e lugar determinados, a partir do desejo de pensar uma alteridade em
relação ao que se vive”. (ABRAMO, 1994, p.151).
As culturas juvenis, ou as tribos juvenis dos anos 80, por meio do estilo fim
do mundo, do apocalipse, da ausência de futuro, agressivo dos ‘punks’ e mórbi-
dos dos ‘darks’, desenham os traços negativos da ordem social, encenam a
distopia: a “projeção de uma sociedade futura, negativa (...), e tem o propósito
principal de chamar a atenção para os traços negativos presentes ou com a ten-
dência a aumentar nas sociedades atuais” (ABRAMO, 1994, p.152-153).
Esta sensibilidade revelada por essas gerações para compreender os pro-
blemas da sua época (e se entenderem) lembra que, na explicação de ABRAMO:
a distopia também ‘inventa’ um mundo, que não está aí, que não corresponde
ao real. Ao contrário da utopia - que projeta o que se quer atingir, negando
dessa maneira o estado de coisas atual - a distopia procura a negação desse
estado de coisas projetando a ampliação dos traços e princípios negativos que
o constituem. Funciona, assim, não como um modelo ideal, mas como um
alerta crítico sobre o possível desenvolvimento futuro das tendências inscritas
no presente (ABRAMO, 1994, p.153).
183
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discursos identificava a maioria dos jovens dos anos 90 como alienados, depois
desta presença no espaço público, passam a ser exibidos como representantes
do comportamento político, em tempo midiático, de uma geração.
Da mesma forma efêmera como os jovens ‘caras-pintadas’ da ‘Era Collor’
entram na cena política, saem do espaço público. Reaparecem no cenário da
mídia como novo alvo das programações dirigidas a ‘explicar este fenômeno’ e/
ou ao público jovem.
A imagem do ser jovem ganha destaque nas linguagens, discursos e publi-
cidades: ora como de adolescente conservador, ora como objeto de pesquisas
mercadológicas e institucionais, das políticas públicas aos partidos políticos,
ora servem aos diversos gostos de consumo. Por meio dessas imagens são
estabelecidos os modelos de jovens adolescentes, construídos e vividos virtual-
mente ou realmente.
O movimento efêmero dos ‘caras pintadas’ marcou a manifestação política
e a sua própria geração 90. Na configuração dessa juventude são marcantes a
expressão individual, a ausência de lideranças políticas e de rigidez ideológica,
e o papel da mídia como espaço de sociabilidade.
Nesta configuração cabe resgatar o comportamento dos jovens adoles-
centes frente às outras manifestações políticas locais e mundiais, ressaltando,
além da mídia, a relação com a rede mundial de computadores – INTERNET,
como o outro espaço de sociabilidade cultural e política onde se estabelecem
relações entre lugar-mundo-lugar.
O ano 2000 foi marcado por manifestações públicas de protestos políticos
que, exibidas em tempo real em qualquer lugar do mundo, ocorriam diante das
reuniões políticas entre países mais ricos ou nas reuniões políticas entre os
mais pobres, em diversos lugares símbolos do controle da economia mundial
capitalista, como Seattle (dezembro de 1999), Washington (abril de 2000), Pra-
ga (setembro de 2000), onde se realizaram reuniões do Fundo Monetário Inter-
nacional - FMI e do Banco Mundial e, entre outras manifestações públicas, aque-
las do Fórum Mundial que, de Porto Alegre, geraram outros Fóruns.
Essas manifestações revelam que a pobreza não está mais confinada ge-
ograficamente no terceiro mundo e que há uma comunicação independente das
fronteiras nacionais, dos limites geopolíticos e da divisão norte-sul. Nestas co-
municações e manifestações, a cultura jovem global se interage, contribuindo
com o intercâmbio de informações sobre essas manifestações e ampliando a
participação nos protestos não só no espaço real como pelo espaço virtual,
garantindo a conexão local-global entre pessoas do mundo inteiro.
Presentes nesses espaços de sociabilidade – real ou virtual – estão diver-
sos segmentos da sociedade, sem a defesa de ordem partidária(s), que se
184
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manifestam com ou sem bandeiras: movimento dos ‘Sem-teto”, dos ‘Sem terra’,
ONGs (Organizações Não Governamentais), punks, anarquistas, comunistas,
ecologistas, aposentados, sindicalistas e, integrando-se individualmente ou em
grupos de estudantes, alguns jovens da geração ‘caras pintadas’ vestidos de
branco, o nariz de palhaço e nas mãos os livros e o lema: ‘destruir o capital, mas
com alegria’.
O que a mídia capta entre as manifestações e protestos políticos mundiais
e locais, e acentua como um dos traços da juventude é essa alegria. Uma ale-
gria que, como sinônimo de felicidade, passa a representar um ideal da e para a
juventude.
Essa luta com alegria, como um estilo e uma identidade associada ao ideal
da juventude, é estimulada como forma de enfrentar os novos contornos do
mundo do trabalho e “para enfrentar a acirrada disputa entre empresas, cidades
e países, neste mundo regido pelo desenvolvimento industrial, há algo mais
apropriado do que a competitividade juvenil?” (COSTA, 1997, p. 34).
Esse ideal de alegria sem compromisso da juventude, neste mundo onde
as pessoas se predispõem a experimentar mais e sem resistência ou
conservadorismo, parece substituir a utopia e a distopia. Nesse sentido, se o
legado da cultura jovem dos anos 60 foi romper com os dogmas estabelecidos,
buscando suas utopias, neste final de século XX, a
185
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como modelo de vida, pois a juventude criada nos anos 50 e 60, ancorada na mídia
internacional, foi divulgada e consumida. Trata-se sim, como diz Costa, “de uma
nova campanha para tornar a juventude imorredoura” (COSTA, 1997, p. 34).
Esse modelo de ser, ideal de juventude e de alegria, contrasta com o aces-
so à qualidade de vida escolar. O prolongamento da escolaridade não garante o
emprego e a entrada do jovem no mundo adulto, por meio do acesso ao traba-
lho, é adiada. Os jovens, por não ingressarem no mercado de trabalho diante
das condições do desemprego estrutural, adiam a independência financeira assim
como ampliam a dependência e a convivência com o grupo familiar de origem.
Se por um lado, a juventude dos anos 90, no campo cultural da cidadania,
enfrenta dificuldade de ser acolhida nos seus direitos, de se tornar um profissi-
onal, de conseguir um emprego, enfrenta a queda da qualidade do ensino, em
todos os níveis, por outro, os jovens são acolhidos pelo mercado marginal da
contravenção (das drogas, prostituições etc), e na midia:
186
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Referências
ABREU, Maria Célia. Geração Pioneira In: Folha Equilíbrio. Folha de S.Paulo.
26 de junho de 2003, p. 12.
COSTA, Cristina. A juventude eterna já existe. In: KUPSTAS, Márcia (org.) Jo-
vem Adolescente – Em Debate. São Paulo: Moderna, 1997, p. 21-35.
HOBSBAWM, Eric. A Era de Ouro. In: Era dos Extremos – o breve século XX –
1914 –1991. Trad. Marcos Santarrita, 2a ed. 3a reimpressão. Companhia das
Letras, 1996, p. 223 – 390.
SOUZA, Vera Lúcia Puga de. Encontros e desencontros: Vivências nos anos
60. História & Perspectiva. Uberlândia: UFU, no 8, 1996, p. 97 – 142.
187
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1
A autora agradece ao CNPq pelo apoio a este estudo e à Profª Drª Terezinha Alves de Oliva
pela orientação desta pesquisa.
2
Professora da rede estadual de ensino de Sergipe, licenciada em História pela Universidade
Federal de Sergipe e aluna do Mestrado em Educação da Universidade do Estado da Bahia.
3
SOUZA: 2000, 104-121.
4
SERGIPE. Mensagem ... 1893, 24.
189
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5
SERGIPE. Mensagem ... 1895, 9.
6
SERGIPE. Mensagem ... 1900, 8.
7
CARVALHO: 1989, 10.
8
ROCHA: 2000, 55-73.
9
GALVÃO: 2001.
10
SOUZA: 1998, 16.
11
FARIA FILHO: 2000, 147.
12
OLIVEIRA: 2001.
190
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o ato de conhecer tem início nas operações dos sentidos sobre o mundo exterior,
a partir das quais são produzidas sensações e percepções sobre fatos e objetos
13
Decreto 563 de 12 de agosto de 1911.
14
CARVALHO: 2000, 226.
15
DANTAS: 1999, 45.
16
SERGIPE. Mensagem...1913, 15.
17
CARVALHO: 1989, 28.
191
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18
VALDEMARIN: 2000, 74-87.
19
SERGIPE. Mensagem...1918, 28.
20
Nesse momento, o antigo prédio do Grupo Escolar General Valladão (transferido de endereço),
estava destinado à Faculdade Livre de Direito Tobias Barreto, porém, esta apesar de inaugura-
da nunca funcionou efetivamente, sendo as classes do Grupo General Siqueira nele alojadas.
Ver: SERGIPE. Mensagem...1925, 14.
21
Correio de Aracaju. Aracaju, 03/09/1918; O Imparcial. Aracaju, 22/08/1918; Diario da Manhã.
Aracaju, 31/08/1918; Diario da Manhã. Aracaju, 03/09/1918; Estado de Sergipe. Aracaju, 31/08/
1918; Estado de Sergipe. Aracaju, 01/09/1918; Estado de Sergipe. Aracaju, 03/09/1918.
22
CARVALHO: 1989, 25.
192
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 189-208, 2004/2005
23
SERGIPE. Mensagem...1914, 15. ROCHA: 2000, 55-73.
24
Diario da Manhã, 10/05/1917, n. 1771, p. 1.
25
SERGIPE. Mensagem... 1917, 8.
26
SERGIPE. Mensagem... 1918, 27.
27
SERGIPE. Mensagem... 1921,18.
28
idem, p.19.
29
NUNES: 1984a, 244; DANTAS: 1999, 49-50.
193
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30
NUNES: 1984a, 258.
31
SERGIPE. Mensagem... 1920, 18.
32
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário...Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1915,
p.13.
194
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33
Decreto n. 563 de 12 de agosto de 1911.
34
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário...Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1915, p. 5.
35
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário...Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1916, p. 4.
36
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário...Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1915,
p.13.
37
SERGIPE. Mensagem... 1919, 44.
38
ANDRADE: 1931, 17.
195
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39
ANDRADE: 1926, 2/3.
40
VIEIRA & GONÇALVES NETO: 2003.
41
ANDRADE: 1926, 7.
42
O Estado de Sergipe. 07/09/1915, n. 4721, p. 1/2.
43
SERGIPE. Mensagem... 1916, 10.
44
Como complemento ao Regimento do ensino primário, foi elaborado, em 1913, um livro de
hinos – Hymnario dos Grupos Escolares e Escolas Singulares do Estado de Sergipe – com
hinos patrióticos e escolares para serem executados pelos alunos e professores nas suas
atividades cotidianas.
196
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 189-208, 2004/2005
sala de aula. Mas é verdade que nesse contexto está se buscando construir
uma nova escola, a qual deveria formar o cidadão brasileiro e republicano; logo,
os professores também estão em formação.
Ao observarmos, através dos Programas, os conteúdos e a forma como
estes deveriam ser trabalhados, visualizamos a imagem que a República fez da
escola, qual seja, a de que ela fosse objeto contribuinte para a construção da
nacionalidade e da formação do cidadão republicano. Denunciam isso vários
exemplos, no ensino da Música, da Ginástica, da História, dentre outras discipli-
nas. A Música estava presente em todas as classes do ensino primário em
forma de hinos patrióticos e escolares.45 Já a Ginástica, era praticada com o fim
de provocar e desenvolver alegremente, a agilidade e a força, educar os órgãos
de locomoção. A disciplina Trabalhos Manuais visava desenvolver tudo o que
fosse útil às futuras ocupações da vida comum. Em relação à História pedia-se
claramente que fossem trabalhados os “fatos mais importantes”, bem como a
biografia dos homens mais célebres da localidade e o amor à Pátria.46
No entanto, não é somente nos conteúdos de certas disciplinas que o ideário
republicano de construção da nacionalidade e formação do cidadão aparece.
Ele está presente na direção geral que o professor deve imprimir aos seus alu-
nos. Por exemplo, o professor deveria observar se os alunos estavam com rou-
pas e mãos limpas, cadernos arrumados, entre outras coisas, fazendo-lhes con-
siderações, dando-lhes conselhos, [...].47 Lições orais versavam bastante sobre
noções de ordem e asseio. Além disso, nos vários momentos de contato com
os alunos, o professor deveria falar por exemplo sobre: Deus, Trabalho, Justiça,
Pátria, Economia, Perseverança, Energia, Família e grandes Datas Nacionais.48
– A Higiene Escolar
45
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário... Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1912, p.
7-8.
46
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário... Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1917, p. 4.
47
SERGIPE. Programma para o Ensino Primário... Aracaju:Typ. do O Estado de Sergipe, 1915, p. 25.
48
FARIA FILHO: 2000, 147.
197
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deveria cultivar um corpo belo, forte, saudável, higiênico, ativo, ordeiro, racional
[...]. Para essa ‘educação physica’ das crianças, em sentido alargado, muitos
dispositivos foram mobilizados. O primeiro deles foi a construção de prédios
próprios para as escolas, imponentes, majestosos, higiênicos e assépticos –
os grupos escolares, considerados templos do saber [...].51
49
VIDAL: 1998, 126-140.
50
VAGO: 1999, 30-51.
51
Correio de Aracaju, 03/06/1917, n. 2057, p.1.
198
Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 189-208, 2004/2005
deixaram o estabelecimento.52
52
FARIA FILHO: 2001, 44.
53
SERGIPE. Mensagem... 1916, 10.
54
SERGIPE. Mensagem... 1918, 28.
55
São exemplos dessas encomendas: a de 1915 referente a 520 carteiras duplas e a nova de
1916 de mais 400 do mesmo tipo. Em 1917, a de 1.090 carteiras americanas, duplas, da
fabrica E.H. Stafford Co., de Chicago, sendo esperadas mais 1.009 carteiras. Ao mesmo tempo
o Presidente informava que todo o mobiliário recebido vinha acompanhado de relógios, mesas
e cadeiras apropriadas para os professores. Ver: SERGIPE. Mensagem... 1915, 16; SERGIPE.
Mensagem... 1915, 10; SERGIPE. Mensagem... 1917, 9.
56
ESTADO DE SERGIPE. Regulamento do Ensino Primário ... de 1911, p.7-8.
199
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Os Rituais Escolares
57
SERGIPE. Mensagem... 1928, 27.
58
O Instituto Coelho e Campos consistia em uma instituição de ensino profissionalizante. Ao final
do ano letivo, os alunos das várias oficinas existentes na escola, colocavam em exposição para
venda o resultado dos seus trabalhos. O dinheiro era revertido para o Instituto. Com a existên-
cia de um estabelecimento sergipano confeccionando, dentre outros objetos, mobiliário esco-
lar, supomos que o governo do Estado substitua a compra feita aos Estados Unidos pela do
Instituto sergipano. Porém, não foi encontrado nas fontes pesquisadas registro que confirme
essa hipótese.
59
SERGIPE. Mensagem... 1929,20.
60
Entrevista concedida à autora por Normélia M. de Araújo em 20/08/2003 para a pesquisa sobre
os Grupos Escolares em Aracaju. A ex-aluna estudou no Grupo Escolar General Siqueira em
1924.
200
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falava, dizia umas palavras, aí entravam nas classes. Todos os dias, todos os dias
tinha a formatura dos alunos e canto; na saída cantava também, saía cantando”.61
Inúmeras festividades também faziam parte do cotidiano dessas institui-
ções, por motivos vários. Além das datas cívicas e das homenagens, podem ser
citados, principalmente os exames e as exposições de prendas dos alunos.
Entre as inovações pedagógicas implantadas nas escolas pela República,
merecem destaque, os exames escolares, que passaram a ter regulamentação
e rígida fiscalização oficial. Na escola seriada, graduada, fez-se necessária a
elaboração de mecanismos de ordenamento dos alunos em classes e séries. A
forma encontrada para essa organização foi a instituição de exames, os quais,
conforme Regulamento da Instrução, deveriam ser presididos na capital, pelo
diretor da Instrução, versar sobre as matérias do programa e constar de provas
escrita e oral, servindo de examinadores o professor da cadeira e mais uma
pessoa habilitada e designada pelo presidente do ato.62
O resultado dos exames era registrado em ata assinada pela comissão exami-
nadora juntamente com a autoridade de ensino presente e, em seguida, o docu-
mento era enviado à Secretaria da Instrução com o parecer do presidente do ato
sobre o exame e outras formalidades. Além de meio para a organização das clas-
ses, os exames serviram para um maior controle sobre o trabalho dos professores
e sobre os alunos, uma vez que, agora, tudo deveria estar estritamente relacionado
com o programa oficial de ensino, sob os olhares do diretor da instrução pública.
A instituição dos exames escolares merece destaque não apenas pela novida-
de em termos do trabalho entre os envolvidos com a instrução (aluno, professor,
diretor), uma vez que passa a haver uma maior fiscalização do trabalho escolar por
parte do Estado, mas pelo seu significado maior de mostrar o resultado da escola
para a sociedade, constituindo-se o momento de execução das provas, um evento
público ao qual os Grupos Escolares emprestavam solenidade e brilho.
O momento de apresentação das prendas e trabalhos manuais dos alunos
também era algo para ser visto por todos os aracajuanos. Era mais um instante
em que o sucesso, a qualidade e o rigor do ensino dessas instituições modela-
res estaria sendo provado. Após as diversas atividades da cerimônia de exa-
mes – discursos, poesias, músicas, recitativos, representações, entrega de prê-
mios aos alunos, seguia-se a exposição dos trabalhos.
Nessas festas escolares não se comemorava apenas a aprovação dos
estudantes, com a recepção do seu respectivo diploma de formatura; elas eram
também momentos de celebração do civismo, com a propaganda das autorida-
61
SERGIPE. Regulamento do Ensino Primário ... 1911, p. 9.
62
Correio de Aracaju. Aracaju, 23/11/1919, n. 2744, p. 1.
201
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63
SERGIPE. Mensagem..1927, 7.
202
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64
SERGIPE. Relatório do Diretor da Instrução Pública, Manuel Luís Azevedo d’Araujo, [...] de
1871, p.4 – citado em NUNES: 1984b, 38.
203
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204
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a ser alvo de uma nova Reforma em 1931, pautada, agora, nos ideais da Escola
Nova.
Mas o que certamente podemos afirmar é que o objetivo de desenvolver
nas crianças o amor à Pátria e aos seus heróis, foi alcançado e inclusive, disse-
minado. Eventos como a realização de exames finais e homenagens a perso-
nalidades do Estado, eram vivenciados não apenas pelo alunado dos Grupos.
Estes se abriam a toda a sociedade que podia usufruir os rituais escolares,
assistindo às cerimônias, emocionando-se com discursos, músicas escolares e
hinos patrióticos. Difundiam-se assim, entre a população da cidade, o culto aos
heróis e a crença no Progresso, o amor à Pátria, à Educação e ao Trabalho.
Enfim, os Grupos Escolares mudaram a face do ensino primário em Aracaju.
Atingiram não somente às crianças, mas a sociedade aracajuana do início do
século XX, que passava a identificar a escola como um lugar próprio, de ativida-
des específicas, diferente de antes, quando ela se confundia com a casa do
professor.
Mas, certamente, transformações mais significativas na educação não viri-
am a ocorrer imediatamente à elevação dos prédios e à promulgação das leis e
regulamentos. Permaneceram hábitos prejudiciais ao bom funcionamento do
ensino. Como lembrava Manoel Luís, um educador do Império, “o progresso
não corre, caminha; a lei que lhe rasga os horizontes consulta as circunstânci-
as, que lhe aparecem como obstáculos; os hábitos, os preconceitos, os abusos
são resistências, que não se vencem em um dia, mas que se entrincheiram até
nos seus últimos redutos”65.
Referências
FARIA FILHO, Luciano M. de. Instrução Elementar no século XIX. In: LOPES,
Eliane M. T.; FARIA FILHO, Luciano M. de; VEIGA, Cynthia G.. 500 anos de
205
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GALVÃO, Ana Maria de O. A palmatória era sua vara de condão. In: FARIA
VAGO, Tarcísio Mauro. Início e fim do século XX: maneiras de fazer educação
física na escola. Cadernos Cedes. v. 19, n. 48, Campinas, Ago. 1999, p. 30-51.
206
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Fontes
SERGIPE. Regulamento do Ensino Primário expedido pelo Exm. Snr. Dr. José
Rodrigues da Costa Dória presidente do Estado por decreto n. 563 de 12 de
agosto de 1911. Aracaju: Typ. Commercial, 1911.
1
Jornais
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Cad. História, Uberlândia, 12/13(1): 189-208, 2004/2005
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DAS NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS
- título de trabalho;
- nome completo do(s) autor(es);
- titulação acadêmica máxima;
- instituição onde trabalha(m) e a atividade exercida na mesma;
- endereço completo para correspondência;
- telefone para contato;
- endereço eletrônico, se for o caso;
- apontar (caso julgue necessário) a origem do trabalho, a vinculação a outros
projetos, a obtenção de auxílio para a realização do projeto e quaisquer
outros dados relativos à produção do mesmo.