Apostila - Capítulos 1 e 2
Apostila - Capítulos 1 e 2
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OBRAS DE TERRA:
Estruturas de Contenção
Ana Cristina Castro Fontenla Sieira
CONTEÚDO
1 EMPUXOS DE TERRA..................................................................................................................... 1
1 Empuxos de Terra
1.1 Generalidades
Nos problemas de fundações, a interação das estruturas com o solo implica na transmissão de
forças predominantemente verticais. Contudo, são também inúmeros os casos em que as estruturas
interagem com o solo através de forças horizontais. Neste último caso, as interações dividem-se em duas
categorias.
A primeira categoria verifica-se quando determinada estrutura é construída para suportar um maciço
de solo. Neste caso, as forças que o solo exerce sobre as estruturas são de natureza ativa. O solo
“empurra” a estrutura, que reage, tendendo a afastar-se do maciço. Na Figura 1.1 estão apresentadas
algumas obras deste tipo.
Na segunda categoria, ao contrário, é a estrutura que é empurrada contra o solo. A força exercida
pela estrutura sobre o solo é de natureza passiva. Um caso típico deste tipo de interação solo-estrutura é o
de fundações que transmitem ao maciço, forças de elevada componente horizontal, como é o caso de
pontes em arco (Figura 1.2).
Em determinadas obras, a interação solo-estrutura pode englobar simultaneamente as duas
categorias referidas. É o caso da Figura 1.3, onde se representa um muro-cais ancorado. As pressões do
solo suportado imediatamente atrás da cortina são equilibradas pela força Ft de um tirante de aço
amarrado em um ponto perto do topo da cortina e pelas pressões do solo em frente à cortina. O esforço de
tração no tirante tende a deslocar a placa para a esquerda, isto é, empurra a placa contra o solo,
mobilizando pressões de natureza passiva de um lado e pressões de natureza ativa no lado oposto.
O cômputo da resultante e da distribuição das pressões, sejam de natureza ativa, sejam de natureza
passiva, que o solo exerce sobre a estrutura, assim como do estado de deformação associado, é quase
sempre muito difícil. Contudo, a avaliação do valor mínimo (caso ativo) ou máximo (caso passivo) é um
problema que pode ser resolvido de forma satisfatória através das teorias de Rankine e Coulomb.
Nas teorias propostas, admite-se que a resistência ao cisalhamento do solo é integralmente
mobilizada, ou seja, que o maciço encontra-se em um estado de equilíbrio limite. Por isso, as teorias de
Rankine e Coulomb são genericamente designadas por “Teorias dos Estados de Equilíbrio Limite”.
Figura 1.2 – Exemplos de obra em que as pressões do solo são de natureza passiva
Figura 1.3 – Muro-cais ancorado – caso em que se desenvolvem pressões ativas e passivas.
1.2 Definição
Entende-se por empuxo de terra a ação produzida por um maciço de solo sobre as obras com ele
em contato.
A determinação do valor do empuxo de terra é fundamental para a análise e o projeto de obras como
muros de arrimo, cortinas de estacas-prancha, construção de subsolos, maciços de solo reforçado,
encontro de pontes, etc. O valor do empuxo de terra, assim como a distribuição de tensões ao longo do
elemento de contenção, depende da interação solo-elemento estrutural durante todas as fases da obra. O
empuxo atuando sobre o elemento estrutural provoca deslocamentos horizontais que, por sua vez, alteram
o valor e a distribuição do empuxo, ao longo das fases construtivas da obra.
Esta expressão representa uma condição pouco realista, uma vez que perfis de solo são
normalmente anisotrópicos, não homogêneos e de comportamento não-elástico.
A incerteza do conhecimento prévio das tensões e deformações correspondentes, as quais
permitem obter diretamente ko, e as limitações da teoria da elasticidade, têm contestado a avaliação de ko
através de . O coeficiente de empuxo no repouso é uma característica do material e, principalmente, do
processo de formação do solo.
x
1
E
' x (' y ' z )
y
1
E
' y (' x ' z )
z
1
E
'z (' y ' x )
Considerando a condição de repouso (x = y = 0) e que as tensões horizontais são iguais
(’y = ’x), obtém-se:
1
0 ' x (' x ' z )
E z
’z
' x .' z
1 ’y
' x ’x
ko
' z 1
Existe uma explicação física para que o valor de ko seja dependente de ’: as duas propriedades
dependem do atrito entre as partículas. O ângulo de atrito dos solos costuma ser tanto menor quanto mais
argiloso for o solo, confirmando a tendência de ko ser tanto maior quanto mais plástico o solo.
Para argilas pré-adensadas, o atrito entre as partículas age no sentido de impedir o alívio da tensão
horizontal quando as tensões verticais são reduzidas. Em conseqüência, o coeficiente de empuxo no
repouso é tanto maior quanto maior for a razão de pré-adensamento, podendo ser superior a 1,0. Dados de
diversos pesquisadores permitiram a extensão da fórmula de Jaky, para esta situação, que pode ser
apresentada da seguinte forma:
k o (1 sen ' )(OCR ) sen ' (1.5)
Sendo ’ geralmente próximo de 30º, é comum que o valor de ko seja estimado pela equação:
k o 0,5(OCR ) 0,5 (1.6)
Alpan (1967) concluiu que, para solos pré-adensados, o valor de ko aumenta com o valor de OCR,
resultando a seguinte formulação:
k o (OC) k o (NC).OCR (1.7)
onde: ko (OC) = valor de Ko do material pré-adensado;
ko (NC) = valor de ko do material normalmente adensado;
= constante, em regra entre 0,4 e 0,5.
O estado de tensão em qualquer ponto a uma profundidade z pode ser representado pela
circunferência de Mohr de diâmetro AB ilustrada na Figura 1.6.
Suponha agora que a estrutura rígida se afasta progressivamente do solo (Figura 1.7a). Em
conseqüência, o maciço se deforma e aparecem tensões de cisalhamento, conduzindo a uma diminuição
da tensão horizontal, sem alteração da tensão vertical. Para este deslocamento da estrutura, o maciço
sofrerá deformações de tração.
Neste caso, as tensões verticais e horizontais continuarão sendo as tensões principais máxima e
mínima, respectivamente. Os círculos de Mohr correspondentes aos sucessivos estados de tensão têm
como ponto comum o ponto A, enquanto o ponto representativo da tensão principal menor se desloca para
a esquerda (Figura 1.6). Este processo tem um limite, que corresponde à situação para a qual o maciço
entra em equilíbrio plástico e, por maiores que sejam os deslocamentos da parede, não é possível reduzir
mais o valor da tensão principal menor (’ha). Neste caso, o solo terá atingido a condição ativa de equilíbrio
plástico.
O coeficiente de empuxo ativo é definido como a razão entre a tensão efetiva horizontal no estado
ativo e a respectiva tensão efetiva vertical, ou seja:
' ha
ka (1.9)
' v
A Figura 1.6 permite determinar as direções das superfícies de ruptura nos estados de equilíbrio
limite ativo e passivo, ou seja, as direções dos planos onde a resistência ao cisalhamento do solo é
integralmente mobilizada. Em ambos os casos, as superfícies de ruptura fazem um ângulo de 45º'/2
com a direção da tensão principal máxima (que no caso ativo é a tensão vertical e no caso passivo é a
tensão horizontal).
A seguir, serão apresentadas as deduções das expressões de ka e kp, com base nos círculos de
Mohr ilustrados na Figura 1.6.
R = OP sen '
1 k a 1 k a
' v ' v sen '
2 2
1 sen ' k a (1 sen ' )
1 sen '
ka
1 sen '
R = OP sen '
kp 1 1 k p
' v ' v sen '
2 2
(k p 1) (1 k p ) sen '
1 sen '
kp
1 sen '
ii) A evolução do estado de repouso para o estado limite passivo verifica-se se mantendo a
tensão efetiva vertical constante e aumentando-se progressivamente a tensão efetiva
horizontal.
A Figura 1.8 apresenta as trajetórias de tensões efetivas correspondentes à mobilização dos estados
limites ativo e passivo. Estas trajetórias podem ser obtidas a partir da execução de ensaios de compressão
traixial (com diminuição da tensão média) e ensaios de extensão triaxial (com aumento da tensão média)
em amostras consolidadas sob o estado de tensão efetiva no repouso.
Figura 1.8 – Trajetórias de tensões efetivas associadas aos estados ativo e passivo
Na Figura 1.9, estão apresentados os resultados de dois ensaios sobre amostras de uma areia
compacta em que foram seguidas as duas trajetórias. A partir dos resultados, pode-se observar que:
i) São necessárias deformações muito pequenas, da ordem de 0,5%, para atingir o estado
limite ativo;
ii) Deformações horizontais da ordem de 0,5% são necessárias para mobilizar metade da
resistência passiva;
iii) São necessárias deformações da ordem de 2%, para atingir o estado limite passivo.
Resultados deste tipo são característicos de solos granulares compactos. Em solos fofos, as
deformações correspondentes à mobilização da resistência ao cisalhamento são mais elevadas.
Figura 1.9 - Resultados de ensaios triaxiais em uma areia compacta sob trajetórias de tensões do tipo ativo
e passivo (Lambe e Whitman, 1969)
De certa forma, é intuitivo concluir que as deformações necessárias para mobilizar o estado ativo
devem ser menores do que as necessárias para mobilizar o estado passivo. No estado ativo, o solo sofre
uma solicitação de tração. No estado passivo, ocorre a compressão do solo. Os solos possuem resistência
à compressão, mas não suportam esforços de tração. Sendo assim, basta um pequeno alívio de tensões
horizontais para que ocorra a ruptura do solo por tração. A Tabela 1.1 apresenta as deformações mínimas
necessárias para a mobilização dos estados plásticos.
2 Teoria de Rankine
1) Solo isotrópico;
2) Solo homogêneo;
3) Superfície de ruptura plana;
4) Superfície do terreno plana;
5) A ruptura ocorre em todos os pontos do maciço simultaneamente;
6) A ruptura ocorre sob o estado plano de deformação;
7) Muro perfeitamente liso (atrito solo-muro: = 0)
Considere um maciço não coesivo no estado de repouso e com superfície horizontal (Figura 2.1a).
Imagine que uma parte do maciço seja eliminada e substituída por uma parede imóvel, indeformável e sem
atrito. Nestas condições, a tensão atuante sobre a parede será horizontal, crescerá com a profundidade z e
valerá:
’ho = ko ..z (2.1)
Admitindo-se que a parede AB se afaste do terreno, a pressão horizontal ’h diminuirá até atingir um
valor mínimo:
’ha = ka ..z (2.2)
ruptura forma um ângulo de 45º-’/2 com a direção da tensão principal maior, ou 45º +’/2 com a direção
da tensão principal menor.
O valor do empuxo ativo Ea é igual à área do triângulo ABD e pode ser obtido pela expressão:
h
h 2 .k a
E a k a ..z.dz
o
2
(2.4)
O ponto de aplicação do empuxo, caso o maciço seja homogêneo estará a uma profundidade de
2/3h.
Admitindo-se agora, que a parede se desloque contra o terrapleno (Figura 2.1b). Para que se
produza o deslizamento, o empuxo deverá ser maior do que o peso do terrapleno. Assim, pode-se supor
que a tensão principal maior seja a horizontal. Neste caso, o coeficiente de empuxo passivo será dado por:
1 sen ' '
kp tan 2 45 º (2.5)
1 sen ' 2
O valor do empuxo ativo Ep é igual a área do triângulo ABD e pode ser obtido pela expressão:
h
h 2 .k p
E p k p ..z.dz
o
2
(2.6)
Na Tabela 2.1 indicam-se valores de ka e kp para diferentes valores de ângulo de atrito. Pode-se
observar que:
kp = 1/ka (2.7)
’ ka kp
0 1,00 1,00
30 0,33 3,00
45 0,17 5,83
60 0,07 13,90
Em síntese, as pressões sobre a parede a uma profundidade z, serão como indica a Figura 2.2:
’h(z) = K. ’v(z) = K..z (2.8)
onde: K é o coeficiente de empuxo (ativo ou passivo, conforme o caso). As expressões de K podem ser
obtidas pelas equações (2.3) e (2.5).
h
h 2 .K
E K..z.dz
o
2
(2.9)
Figura 2.3 – Aplicação do Método de Rankine a casos em que existe uma sobrecarga uniforme
Ana Cristina Castro Fontenla Sieira 15
Tópicos Especiais em Geotecnia
É interessante notar que, no ponto de contato entre as duas diferentes camadas de solo, a tensão
horizontal vale K1..h1 no ponto imediatamente acima e K2.1.h1 no ponto imediatamente abaixo, gerando a
descontinuidade. Em maciços estratificados, devem-se calcular as tensões horizontais nas interfaces entre
os diferentes solos, de forma a levar em consideração as descontinuidades.
Considere as distribuições das tensões horizontais (’ha e ’hp) apresentadas na Figura 2.6. Como
pode ser observado, quando o solo apresenta uma componente coesiva, o valor da tensão horizontal no
estado ativo (’ha ) se anula para z = zo, sendo negativa acima dessa profundidade.
As tensões que resultarem negativas são desconsideradas, uma vez que o solo não resiste à tração.
O valor de zo pode ser estimado por semelhança de triângulos:
zo H zo
(2.16)
2.c' k a k a ..(H z o )
2.c'
zo (2.17)
ka
Os valores de empuxo ativo e passivo são dados, portanto, por:
1 2
Ea k a ..(H2 z o ) 2c ' k a .(H z o ) (2.18)
2
1
Ep k p ..H2 2c' k a .H (2.19)
2
A seguir, serão apresentadas as deduções das equações de ’ha e ’hp para o caso de maciços coesivos.
2. c'.ka 2.c'.kp
Ep1
H
Ea
H/2 Ep2
H/3
(H - zo)/3
ka. .H k p. .H
1 3 3 1 3 sen '
cos ' c ' 1 sen ' .
2 2 2 cos '
3 1.k a 2c' k a
Sendo assim, os círculos de Mohr representativos das tensões nas duas faces do prisma pertencem
a retas que passam pela origem e têm uma inclinação em relação à horizontal, como ilustrado na Figura
18.
Os valores dos empuxos ativo e passivo serão, segundo dedução analítica de Rankine,
respectivamente:
zcos
Figura 2.7 – Aplicação do Método de Rankine para maciços com superfície inclinada
Como:
sen sen 2
sen w e, portanto, cos w 1
sen sen 2
2 2
cos cos cos
OB P a . z . cos .
2 2
cos cos cos
Exercícios
6,1m
3,6 m
4) Para um muro com paramento vertical e retroaterro inclinado de 14,5º, pede-se, para um ponto
situado a 2,80m de profundidade:
a) Desenhar os círculos ativo e passivo;
b) Determinar os planos de ruptura para as condições ativa e passiva;
c) Determinar a direção dos planos principais.
Considere o solo com =18kN/m3, ’ = 35º e c’=0.
Resolução do Exercício 4:
Caso ativo
Na condição ativa, a tensão vertical a uma profundidade z, em um plano de inclinação com a horizontal é
dada por:
z = .z.cos18.2,80.cos14,5º = 48,79kN/m2 (Este ponto está representado graficamente na
Figura 2.9 – ponto A)
Se a condição de movimentação do solo mobiliza o equilíbrio plástico, haverá um círculo de Mohr
passando pelo ponto A e tangenciando a envoltória de ruptura. Passando pelo ponto A uma reta com
inclinação encontra-se o pólo coincidente com o ponto B.
Assim, passando uma vertical por B, determina-se a tensão correspondente ao empuxo ativo Ea.
Graficamente, determinamos Ea = 14,86kN/m2.
Analiticamente, determina-se Ea pela expressão:
H
1 cos cos 2 cos 2
E a Pa .dz
0
2
.H 2 . cos .
2
cos cos cos 2
= 14,86kN/m2
Pelo Círculo de Mohr, verifica-se que a tensão principal menor 3 é igual a 14,48kN/m2 e atua em um
plano que faz 63º com o plano horizontal.
Em relação à tensão principal maior (1), observa-se graficamente que apresenta magnitude de
53,42kN/m2 e atua a 153º com o plano horizontal.
Caso Passivo
Na condição passiva, a tensão vertical a uma profundidade z, em um plano de inclinação com a
horizontal é dada por:
z = .z.cos18.2,80.cos14,5º = 48,79kN/m2 (No entanto, trata-se agora de uma tensão horizontal
máxima. Este ponto está representado graficamente na Figura 2.10 – ponto A)
Se a condição de movimentação do solo mobiliza o equilíbrio plástico, haverá um círculo de Mohr
passando pelo ponto A e tangenciando a envoltória de ruptura. Passando pelo ponto A uma reta com
inclinação encontra-se o pólo coincidente com o ponto B.
Assim, passando uma vertical por B, determina-se a tensão correspondente ao empuxo ativo Ep.
Graficamente, determinamos Ep = 160,14kN/m2.
Analiticamente, determina-se Ea pela expressão:
Pelo Círculo de Mohr, verifica-se que a tensão principal menor 3 é igual a 47,53kN/m2 e atua em um
plano que faz 70º com o plano vertical.
Em relação à tensão principal maior (1), observa-se graficamente que apresenta magnitude de
175,36kN/m2 e atua a 20º com o plano vertical.