A Fraude Do Código Da Vince

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a

úo
Código Oatfinci
• Jesus se casou com Maria Madalena, sua legítim a sucessora e tíder
da igreja primitiva,
• Jesus nunca foi Deus. Trata-se de uma mentira inventada pelo
imperador Constantino no Concilio de Nicéia.
• Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João não ensinam a
verdade sobre Jesus. A igreja teria escondido os verdadeiros
evangelhos escritos pelas seitas gnósticas.
• Leonardo da Vinci manteve essas informações em suas pinturas
mundialmente famosas.

Essas afirmações fazem do cristianism o o m aior e mais bem engendrado


em buste de todos os tempos. Será? Dan Brown, autor do eletrizante
romance O código Da Vincir alega que sua obra é baseada em fatos
históricos. Milhões de pessoas têm acreditado nessas inverdades, crendo
tratar-se de pesquisa segura e correta.

Neste livro, o eminente teólogo Erwin W. Lutzer examina as afirmações de


Dan Brown e apresenta respostas claras e bem fundam entadas para
esclarecer a confusão em torno da vida de Jesus e da fé cristã. De forma
meticulosa e perspicaz, eíe desmascara os m itos por trás dessas e de outras
lendas, revelando a verdadeira história que existe nesse romance.

A fraude do código Da Vinci é uma defesa clara e contundente da


historicidade do cristianism o e da pessoa de Jesus. É também um alerta para
que aprendamos sempre a separar a verdade da mentira e a realidade da
fantasia.

Erwln W. Lutzer é pastor-titular da Moody Church em Chicago, e u a , É bacharel em


Artes pela Winnipeg Btbie College, mestre em Teologia pelo Daflas Theologicai Seminary,
mestre em Artes pela Loyola University e doutor em Direito pela Simon Greenleaf
School of Law. Escreveu vários livros, entre eles A cruz de Hitler (ganhador do prêmio
ABEC), Os brados da cruz, 7 cazões para confiar na Bíblia, Um minuto depois da morte,
Dez mentiras sobre Deus, De pastor para pastor e A serpente do parafso, todos
sucessos publicados pela Editora Vida. Seus programas de rádio são transmitidos por
mais de 700 emissoras espalhadas pelos Estados Unidos e pelo mundo. Vive com
Rebecca, sua esposa, na região de Chicago. Têm três filhos e seis netos.

IS B N 85-7 367-879-8

9 7 8 8 5 7 3 6 7 8 7 9 6 >

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Vida

Eciirora do g r u p o Direção executiva


ZüNDERVAN i Eudk M a r t in s
|
H arperC o lu n s

j S u p e r v is ã o de p ro d u ção

S a n d r a L f.itf .

E ditora filia d a a
G e rên c ia f in a n c e ir a
C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o S é r g i o L im a

A s s o c ia ç ã o B r a s il e ir a

de E di to res C r is t ã o s G e rê n c ia de c o m u n ic a ç ã o e m a r k e tin g
A s s o c ia ç ã o N a c io n a l ,
S é r g io P a v a r in i

de L iv r a r i a s
G e rê n c ia e d ito r ia l
A s s o c i a ç ã o N a c i o n a l d i;
S o la n g f . M o n a c o
L iv r a r ia s E v a n g é l ic a s

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Obras d e in te r e s s e g e ra l V e r a V i u a r
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Bíblias - R o s a F e r r é j r a

Digitalizado por - Mazinho Rodrigues

Reeditado por - Esdras Digital


Pelo m e sm o a u to r

A cruz d e H itler
Os brados da cruz
10 m entiras sobre Deus
Um m inuto depois dã m orte
©2004, de Erwin I.I'Ixhr
D e pastor p a ra pastor Título do original The
7 razões p ara con fia r na Da Vinci deception ,
edição publicada pela
Bíblia T y n d a le H o u s e P u b lls h e r s ,
A serpente do Paraíso (Wheaton, Illinois, eua)

Cristo entre outros Deuses ■

(cpad) Todos os direitos em língua portuguesa reservados p o r


A prenda a viv er bem com E d it o r a V id a

Deus e com seus im pulsos Rua Júlio de Castilhos, 280 : Belenzinho


cf.p 03059-000 !i São Paulo, si>
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com Doris van Stone
P r o ib id a a r e p r o d u ç ã o p o r q u a is q u e r m e io s ,

SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTF.

Não tive on d e cho? a r Todas as citações bíblicas foram extraídas da


Nova Versão Internacional (nvi),
(1)2001, publicada por Editora Vida,
] ' T* - /•
S d iv u A iiu ic a ^ c iu c m

Dados Internacionais de C atalogação na Publicação ( c ip )


(C âm ara B rasileira do Livro, SP , Brasil)

Lutzer, Erwit^W. - - —~ "


A fiauds/do código Da Vinci : toda a verdade sot>itTkficção
do m o n jâ|^|^^vji^v^A !tzer ; tradução James Montt dos
R e jj^ ^ ^ ^ a u lo : Editora Vida, 2004.

Título original: The Da Vinci deception.


B ib lio g rafia
isbn 85-7367-879-8

1 . Brown, Dan, 1964 - O Código Da Vinci - Crítica e


interpretação 2. Cristianismo na literatura 3. Jesus Cristo na
i literatura 4. Maria Madalena, Santa, na literatura 5. Santos
cristãos na iiterarura 1. Título. ■
r..
0 4 -^ 0 ?0 _ _ . _ .. _ c:nr
IndU a p a r i logo sistem ático
rjSlUmo

M A Z IN H O RODRIGUES
A nossos bons amigos, David e Nancy Lagerfeld,
que me alertaram para o fato de alguns leitores de
0 código Da Vinci estarem confundindo lendas com
fatos e superstições com história séria. O compro­
misso deles com o Jesus autêntico ajudou outras
pessoas a encontrar o caminho.
Agradeço a Erwin Lutzer por lançar esse petardo
sobre o rematado embuste apresentado em O códi­
go Da Vinci. As heresias do gnosticismo dos séculos
II e III estão vivas e em plena forma. Que este livro
possa liquidar com essas heresias em nossos dias.
DR. R. C . S p r o u l
Fundador e presidente do Ligonier Ministries
e autor de Salvo de quê? (Vida)

Erwin Lutzer apresenta uma resposta bastante


oportuna a quem é tentado a confiar na frouxa areia
da cultura popular, desprezando a rocha sólida da
verdade imutável de Deus. Afraude do código Da
Vinci o ajudará a navegar em meio às alegações de
uma cultura que, tendo abandonado o Jesus ver­
dadeiro, apegou-se a uma imagem feita à semelhan­
ça dele.
T h o m a s H. L. C o r n m a n , p h d
Historiador especializado em história da igreja
Vice-Diretor e deão da escola de graduação
do Moody Bible Institute
A fraude do código Da Vinci

O dr. Lutzer conseguiu mais uma vez. No que se refere a


esclarecer a confusão filosófica e moral de nossos dias, nin­
guém obtém melhor êxito. Sua análise de O código Da Vinci
é meticulosa, perspicaz e irretorquível.
S a n d y R io s
Presidente da Concerned Women for America

Se Lutzer escreve, eu leio. Pastor perito em teologia e


pregador vigoroso, trata-se de um escritor atento à cultura,
que expõe provas nítidas e cativantes em defesa da verdade.
Possibilita ao leitor separar a verdade da ficção, os fatos da
8 fantasia, a realidade do mito. Afra u d e do código Da Vinci é
um livro de leitura obrigatória. Decifra os códigos da cons­
piração e nos capacita a crer com firmeza na “fé de uma vez
por todas confiada aos santos” (Jd 3).

D r. J a c k G rah am
Pastor da Prestonwood Baptist Church, Plano, Texas
Presidente da Southern Baptist Convention
sumár i o

nofa do autor
O enigma de Jesus 11

pre fá cio
Um breve exame de O código Da Vinci 13

um
O cristianismo, um político e um credo 25

dois
Aquela outra Bíblia 45

três
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo
Santo Graal 67

qu a tro
Banidos da Bíblia: por quê? 87

cinco
Uma bem-sucedida busca por Jesus 107

seis
Caminhos discordantes: a igreja
e seus adversários 125

epílogo
Do meu coração para o seu 145
n o t a do a u t o r

0 enigma de Jesus

uem vocês dizem que eu sou?”


Os discípulos sabiam o que se dizia sobre Jesus.
Para alguns, ele era João Batista ou um dos profe­
tas, mas Jesus queria a resposta deles: “Quem vocês
dizem que eu sou?”.
Jesus insistiu em obter uma resposta, mas não a
respeito do que fazia ou dizia. Tampouco pergun­
tou se os discípulos gostavam dele ou não. Sua per­
gunta abordava a essência de quem ele era como
pessoa. Seria ele apenas um homem extraordiná­
rio ou algo mais?
Essa questão nos assombra até os dias de hoje.
A controvérsia em torno do lançamento do fil­
me A paixão d e Cristo comprova que essa dúvida
ainda clama por resposta. Justin Pope, em um arti­
go recente no Chicago Sun Times, afirma que Jesus
é um símbolo remoto com muitas interpretações.
A fraude do código Da Vinci

“Há um Jesus negro e um Jesus branco. Sem parecer e com


formosura, capitalista e socialista, austero e hippie. Dedica­
do transformador social e consolador místico .” 1
O código Da Vinci sugere uma resposta diferente: Jesus,
o homem casado; Jesus, o feminista; Jesus, o profeta mortal.
E evidente que todos têm uma opinião sobre Jesus.
Neste livro, investigaremos as raízes históricas do cristia­
nismo primitivo. Procuraremos dar respostas dignas de cré­
dito às seguintes questões: “Quem é Jesus? Os documentos
que compõe o Novo Testamento são relatos confiáveis de
sua vida e ministério? O que isso pode significar para nós,
^ que vivemos no século XXI?” .
Examinaremos como os dissidentes dos primeiros sécu­
los tinham uma interpretação própria e radical da vida e da
missão de Jesus. Tinham seus próprios documentos, convic­
ções religiosas e mestres. Neste estudo, avaliaremos suas afir­
mações e como elas ainda nos influenciam nos dias de hoje.
Acompanhe-me nesta jornada, enquanto exploramos as
origens da fé cristã.
D r . E r w in W. L u t z e r

'Books examine Jesus, as part of U. S. history, culture, The


C hicago Sun Times, 13 fev. 2004, p. 48.
prefacio

Um breve exame
de 0 (óêigo Da Vinci

em-vindo ao misterioso mundo das conspirações,


códigos secretos e documentos históricos escondi­
dos desde os primórdios da igreja!
Se você não leu O código Da Vinci, permita-
me apresentar a história e algumas idéias origi­
nais que você pode nao ter ouvido antes, como,
por exemplo:

• Jesus foi casado com M aria Madalena!


• Deixaram descendentes que, por meio de
casamentos, se misturaram à fam ília real
francesa!
• Há séculos tudo isso é conhecido, mas a ver­
dade foi mantida longe do conhecimento
público por se temer a destruição do poder
da igreja! Aliás, há uma organização secreta
A fraude do código Da Vinci

responsável por guardar documentos que, se trazidos


a público, destruiriam o cristianismo como o conhe­
cemos!

“Os rumores dessa conspiração vêm transparecendo há


séculos”, diz o bem-sucedido escritor Dan Brown, em O
código Da Vinci. Aliás, esse rumores têm se revelado “em
inúmeras linguagens, incluindo as artes, a música e a litera­
tura”. Também somos informados de que algumas das pro­
vas mais impressionantes se encontram nas pinturas de Leo­
nardo da Vinci.
Há meses O código Da Vinci se encontra nas listas dos
mais vendidos, e, com um filme a ser lançado em um futu­
ro próximo, o romance certamente se tornará ainda mais
conhecido. Se você não leu o livro, certamente conhece al­
guém que o tenha lido. Muitas pessoas estão pensando que
ele contém alguma verdade. As evidências históricas podem
ser questionáveis, mas, como disse um crítico: “Por que não
podemos crer que isso poderia ter acontecido?”.
Antes de responder a essa pergunta, vamos fazer um exa­
me das premissas do livro. A história, em suma, é a seguin­
te: O código Da Vinci começa com o curador do Louvre
caindo morto em uma poça do próprio sangue. Nesse ínte­
rim, Robert Langdon, professor de Harvard e especialista
em símbolos esotéricos, está em Paris a negócios. A polícia
francesa localiza Langdon em seu hotel e lhe pede que in­
terprete um código deixado próximo ao cadáver da vítima
assassinada. Em sua investigação, Langdon é acompanhado
por uma jovem criptóloga chamada Sophie Neveu.
Quando Sophie, em segredo, alerta Robert de que ele
é o principal suspeito do assassinato, eles fogem. Mas a
Um breve exame de 0 código Da Vinci

vítima havia intencionalmente deixado pistas para que eles


seguissem. Ao decifrarem as instruções em código deixadas
pelo curador, Robert e Sophie rapidamente percebem que
o crime está ligado à lendária busca pelo Santo Graal. Pro-
videncialmente, o casal consegue se associar a um fanático
do Graal, sir Leigh Teabing, cuja vasta pesquisa e conheci­
mento auxilia seus esforços na busca do Graal.
Teabing, de forma entusiástica, apresenta ao casal os as­
suntos que cercam os acontecimentos do Novo Testamento,
o que inclui uma compreensão alternativa de Jesus, de Maria
Madalena e da natureza do Santo Graal. Ele cita os evange­
lhos gnósticos — documentos antigos que presumivelmente 15
trazem relatos mais confiáveis sobre a vida e os ensinos de
Cristo do que o Novo Testamento que conhecemos hoje.
Ainda procurados pelas autoridades, Robert, Sophie e
agora sir Leigh escapam para Londres e depois para a Escó­
cia, na esperança de encontrar mais indícios sobre o assassi­
nato e sua relação com o Santo Graal. O leitor fica em
suspense enquanto as personagens, determinadas e inteli­
gentes, penetram em um mundo secreto de mistério e cons­
piração, na tentativa de desmascarar séculos de engano e
silêncio. Sempre um passo à frente da polícia, eles conse­
guem se valer de códigos secretos e manuscritos que a igreja
tem tentado esconder do público.
E possível que a parte mais interessante do livro, a qual
forma sua essência, seja a idéia de que Jesus se casou com
Maria Madalena, união da qual lhes nasceu uma filha. Reza
a lenda que, após a crucificação de Jesus, M aria e a filha,
Sara, partiram para a Gália, onde fundaram a linhagem
A fraude do código Da Vinci

dos merovíngios, na monarquia francesa. Lemos ainda que


essa dinastia perdura até hoje na misteriosa organização
conhecida por Priorado de Sião, organização secreta que
tinha os templários como braço militar. Há a suposição de
que Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Victor Hugo te­
nham figurado entre os membros dessa organização. Até
hoje, afirma Teabing, os restos de Maria Madalena e os re­
gistros escavados pelos templários estão guardados, envol­
tos em segredo e mistério.
E não pára por aí: O código Da Vinci reinterpreta o San­
to Graal como nada mais, nada menos que os restos da es­
posa de Jesus, Maria Madalena, que reteve o sangue de
Cristo em seu útero enquanto carregava sua filha.
Segundo o livro, Jesus tinha a intenção de que Maria
Madalena liderasse a igreja, mas “Pedro não via isso com
bons olhos”. Assim, ela foi declarada prostituta e afastada
do papel de liderança. Ao que tudo indica, a igreja queria
um salvador celibatário que perpetuasse o domínio mascu­
lino. Por esse motivo, após seu marido ter sido crucificado,
Maria desapareceu com a filha e tornou a aparecer na Gália.
Fosse verdadeira essa teoria, ainda teríamos descendentes
de Jesus entre nós.
Robert e sir Leigh contam a Sophie que a verdadeira
história sobre Maria fora preservada por meio de códigos e
símbolos cuidadosamente encobertos, a fim de evitar a ira
da Igreja Católica. Nesses códigos secretos, o Priorado de
Sião tem conseguido preservar a própria versão da vida con­
jugal de Jesus e Maria, sem jamais contar toda a verdade.
Também lemos que Leonardo da Vinci sabia tudo a res­
peito dessa história, tendo usado sua famosa pintura, A
Um breve exame de 0 código Da Vinci

Última Ceia, para ocultar diversos significados. Nessa pintu­


ra, João está sentado à direita de Jesus, mas carrega caracte­
rísticas femininas. No fim das contas, constata-se que ã pes­
soa ao lado de Jesus não é João, mas Maria Madalena. E, de
forma reveladora, Leonardo não pintou um copo ou cálice
sobre a mesa, outra pista de que o verdadeiro Graal é M a­
ria, sentada à direita de Jesus!
Enquanto Robert, Sophie e sir Leigh prosseguem em sua
investigação, a poderosa organização católica Opus Dei está
pronta para se utilizar de todos os meios necessários a fim
de manter o segredo encoberto, incluindo-se o assassinato.
Dispondo dos amplos recursos financeiros da igreja, a Opus 17
Dei está decidida a obrigar os líderes do Priorado a revelar
0 mapa que traz a localização do Graal. Se os segredos do
Priorado fossem revelados, a igreja seria desmascarada como
uma fraude edificada sobre séculos de falácias.
Os objetivos de Dan Brown não são tão sutilmente vela­
dos. Esse livro é um ataque direto contra Jesus Cristo, a igreja
c aqueles de nós que o seguem e o chamam Salvador e Se­
nhor. De acordo com o romance de Dan Brown, o cristia­
nismo foi inventado para reprimir as mulheres e afastar as
pessoas do “sagrado feminino”. Como seria de esperar, o
1ivro atrai as feministas que vêem no retorno à adoração da
deusa algo necessário no combate à supremacia masculina.
A conclusão dessa teoria é que o cristianismo se baseia
*m uma grande mentira ou, mais exatamente, em várias
!',rundes mentiras. Antes de tudo, Jesus não era Deus, mas
loram seus seguidores que lhe atribuíram divindade a fim
«Ir reforçar o domínio masculino e reprimir quem adorasse
A fraude do código Da Vinci

o sagrado feminino. Aliás, segundo Dan Brown, foi no


Concilio de Nicéia que Constantino introduziu o concei­
to da divindade de Cristo com o fim de elim inar toda a
oposição, declarando herege quem discordasse. Além dis­
so, Constantino também escolheu Mateus, Marcos, Lucas
e João como os únicos evangelhos que se encaixavam em
seus planos machistas. Oitenta outros evangelhos foram
rejeitados, uma vez que apontavam M aria M adalena como
a verdadeira líder da igreja. “Era tudo uma questão de po­
der”, diz o livro.
Por mais incrível que pareça, descobrimos que Israel,
18 no Antigo Testamento, adorava tanto o Deus masculino
Jeová como sua correspondente fem in in a , Shekinah. Sécu­
los mais tarde, a igreja oficial, que odeia o sexo e a mulher,
reprim iu essa adoração à deusa e elim inou o sagrado fe­
minino.
Esse conceito de sagrado feminino que a igreja tentou
reprimir é, na verdade, a idéia pagã de que em ritos sexuais
o homem e a mulher experimentam comunhão com Deus.
“A união física com a mulher era o único meio pelo qual o
homem podia se tornar espiritualmente completo e che­
gar a atingir a gnose — o conhecimento do divino .” 1 Mas
esse uso do sexo para entrar em comunhão com Deus re­
presentava uma ameaça à Igreja Católica, visto que m ina­
va seu poder. “Por motivos óbvios, a igreja fez de tudo
para demonizar o sexo e reinterpretá-lo como um ato peca-

'Dan B ro w n , O cód igo Da Vinci, Rio de Janeiro: Sextante,


2004, p. 328.
Um breve exame de 0 código Da Vinci

minoso e repulsivo. Outras religiões importantes fizeram


o mesmo .” 2
“... quase tudo o que nossos pais nos ensinaram sobre
lesus Cristo é m entira , lamenta Teabing. O Novo Testa­
mento não passa do produto de uma liderança machista
que, para controlar o Império Romano e reprimir a m u­
lher, inventou o cristianismo. O Jesus verdadeiro era um
genuíno feminista, mas seus desejos foram desconsiderados
para proteger os objetivos masculinos.
Se O código Da Vinci fosse anunciado como apenas um
romance, seria meramente uma leitura interessante para fa­
náticos por conspirações que se agradam de suspenses agi­
tados. O que torna o livro preocupante é a alegação infun­
dada de que se baseia em fatos. Nas páginas preliminares,
lemos que o Priorado de Sião existe, assim como a Opus
Dei: seita profundamente católica e um tanto controversa
em virtude de relatos de lavagem cerebral, coerção e “mor­
tificação corporal” .3 Por fim, podemos ler: “Todas as des­
crições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais
secretos neste romance correspondem rigorosamente à rea­
lidade”.
Em seu site , Dan Brown faz ainda outras declarações
sobre a confiabilidade histórica da obra. Alguns críticos
enalteceram o livro por sua “pesquisa impecável”. Uma
mulher, ao ouvir que o livro era uma fraude, contestou: “Se
não fosse verdade, não teria sido publicado!”. Um homem

2Ibid ., p. 309.
5Busca da purificação espiritual por meio do flagelo físico.
(N. do T.)
A fraude do código Da Vinci

disse que, agora que tinha lido o livro, jamais conseguiria


voltar a entrar em uma igreja.
Os leitores devem saber que a trama central desse livro já
existe há séculos e pode ser encontrada na literatura esotérica
e da Nova Era, como em O Santo Graal e a linhagem sagra­
da , de Michael Baigent,4 que serviu de referência para o
romance. A diferença consiste no fato de Brown ter em­
brulhado essas lendas em um conto aparentemente históri­
co hoje lido por milhões de pessoas. Muitos que lêem o li­
vro ficam imaginando se o que ele afirma poderia, ao me­
nos em parte, ser verdade.
Quando a ABC5 realizou um documentário sobre O có­
digo Da Vinci, deu credibilidade ao livro e, na maior parte
das vezes, desprezou estudiosos a favor de rumores sensacio­
nalistas e especulações sem fundamento. Embora o progra­
ma tenha terminado com a declaração “Não temos nenhu­
ma prova”, fica claro que o livro recebe certo respeito ao
sugerirem que, com ou sem provas, Dan Brown pode ter
esbarrado em alguma coisa.
Pouco tempo atrás li The Templar revelation: secretguar-
dians ofth e true identity ofChrist,(' escrito por Lynn Pickett e
Clive Prince, que apresenta temática semelhante à de O códi­
go Da Vinci, supostamente baseada em pesquisas históricas.

4Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.


American Broadcasting Company [Empresa Americana de
Difusão], uma das empresas televisivas oficiais dos Estados Uni­
dos. (N. do E.)
6Publieado em português com o título A gra n d e heresia: o se­
gredo da identidade de Cristo (São Paulo: Beca, 2000). (N. do T.)
Um breve exame de 0 código Da Vinci

I'ssc livro tenta legitimar a idéia de que M aria Madalena


loi a mulher designada por Jesus para iniciar a igreja. Ain­
da sustenta que o Novo Testamento teve toda a questão
ritualística censurada, incluindo-se os ritos sexuais.
Até que ponto é plausível que uma conspiração tenha
mantido em segredo a verdadeira história de M aria e Je­
sus? Se isso for verdade, toda a estrutura da teologia cristã
é uma trama para enganar as massas. Se for fato, todos os
apóstolos fizeram parte dessa trama e estavam dispostos a
dar a vida pelo que sabiam ser mentira. Se for verdade,
nossa fé, a fé dos que confiam em Cristo, não tem funda­
mento. 21

REVELANDO 0 EMBUSTE
Considerando que O código Da Vinci afirma ser semi-his-
tórico, é importante perguntar: “Esse livro é digno de cré­
dito?”. Muitos se perguntam onde Brown cruza a linha en­
tre a verdade e a ficção, o fato e a fantasia. Há a possibilida­
de de que algum dia, em algum lugar, venhamos a desco­
brir que sua versão da história tem credibilidade?
Escrevi este livro na tentativa de responder a essas e a
outras perguntas. Examinaremos temas como o Concilio
de Nicéia, os evangelhos gnósticos, o cânon do Novo Testa­
mento e as pinturas de Leonardo da Vinci. Poderia Jesus
não ter passado de um líder inspirado que fundou um mo­
vimento religioso? Os gnósticos representam uma forma
primitiva de cristianismo usurpada pelos apóstolos machistas
do Novo Testamento? Ao responder a essas questões, creio
que sua fé será não apenas desafiada, mas fortalecida.
A fraude do código Da Vinci

Não tenho intenção de listar todos os erros históricos de


O código Da Vinci — o que seria uma lista realmente longa.
Entre suas afirmações infundadas encontramos: “Jesus Cris­
to foi uma figura histórica de uma influência incrível [... que]
inspirou multidões” quando estava na terra e, “Durante 300
anos de caça às bruxas, a Igreja queimou na fogueira a quan­
tidade impressionante de cinco milhões de mulheres”.7 Essas
e outras falsas afirmações não são realmente o mais impor­
tante no principal ataque que o livro faz à fé cristã. Minha
intenção é concentrar-me, em vez disso, nas observações obs­
cenas feitas a respeito de Jesus e da Bíblia.
Eis algumas das principais questões a que tentarei res-
^ ponder:

• Constantino inventou a divindade de Cristo? Foi o


Concilio de Nicéia, convocado por ele, que determi­
nou que livros deviam ser incluídos no Novo Testa­
mento?
• Os evangelhos gnósticos são fontes confiáveis da his­
tória neotestamentária?
• Quem definiu os livros que constituiriam o Novo Tes­
tamento e qual foi o critério utilizado? Quando essas
decisões foram tomadas?
• É admissível que M aria Madalena tenha casado com
Jesus?
• A Opus Dei foi encarregada de destruir o Priorado
de Sião a fim de esconder segredos sobre o Jesus ver­
dadeiro?

7P. 135.
Um breve exame de 0 código Da Vinci

• Será verdade que o gnosticismo (definido mais adian­


te) é um “cristianismo alternativo” aceitável, que po­
deria representar a verdadeira fé crista?
• Se concordamos a respeito de Deus, precisamos tam­
bém concordar a respeito de Jesus?

Acompanhe-me na jornada que nos levará à fascinante


história das origens do cristianismo e aos fatos que defini­
ram a igreja.
Tenha ou não lido O código Da Vinci, acredito que você
se beneficiará de uma resposta cristã aos ataques desferidos
contra o Jesus histórico.
0 cristianismo, um político

ao nos faltam boas razões para reagir com ceticis­


mo quando um político abraça a religião, princi­
palmente se a religião o ajuda a alcançar suas am­
bições políticas.
Vejamos o imperador Constantino, apontado
em O código Da Vinci como o inventor da divin­
dade de Cristo visando a consolidar o próprio po­
der. O livro também afirma que ele eliminou do
Novo Testamento os livros que não se encaixavam
em seus objetivos políticos.
Em O código Da Vinci, Brown afirma que, ao
declarar a divindade de Cristo, Constantino soli­
dificou seu domínio e adquiriu o direito de decla­
rar herege quem discordasse. O imperador convo­
cou o Concilio de Nicéia em 325 d.C". para rati­
ficar essa nova doutrina que lhe traria o respaldo
desejado. Sir Leigh Teabin, um apaixonado pelo
A fraude do código Da Vinci

Santo Graal, explica a Sophie que os delegados presentes


no concilio tinham concordado sobre a divindade de Jesus.
Ele então acrescenta: “... até aquele momento da história,
Jesus era visto pelos seus discípulos como um mero profeta
mortal... um grande e poderoso homem, mas que não pas­
sava de um homem. Um mortal”.
Por razões políticas, portanto, Constantino “promoveu
Jesus a divindade quase [três] séculos depois da sua morte ” .1
Ao mesmo tempo, assegurou o domínio masculino e a re­
pressão da mulher. Ao forçar os outros a aceitar sua visão,
comprovou seu poder e ficou livre para destruir seus ad-
^ versários.
A segunda alegação presente no romance é que Constan­
tino rejeitou os outros evangelhos por considerá-los favorá­
veis ao sagrado feminino. Voltando a citar Teabing: “Mais
de 80 evangelhos foram estudados para compor o Novo
Testamento, e no entanto apenas alguns foram escolhidos
— Mateus, Marcos, Lucas e João. [...] A Bíblia, conforme a
conhecemos hoje, foi uma colagem composta pelo impera­
dor romano Constantino, o Grande” .2
Em outras palavras, Constantino reconheceu um bom
negócio quando o viu. Por isso, convocou o conselho para
assegurar o domínio masculino e aceitar os documentos
canônicos favoráveis a seus planos. No romance, Langdon
diz: “O Priorado acredita que Constantino e seus sucesso­
res do sexo masculino conseguiram converter o mundo do

1Ibid., p. 251. [A edição brasileira traz erroneamente “quase


quatro séculos”.]
2Ibid., p. 248.
0 cristianismo, um político e um credo

paganismo matriarcal para o cristianismo patriarcal através


de uma campanha de demonização do sagrado feminino,
eliminando a deusa da religião moderna para sempre”.3
( iom esse feito, o curso da história da igreja foi consolidado
de acordo com os desejos de Constantino. Ainda lemos:
“Lembre-se de que era tudo uma questão de poder”.
Comecemos a investigar essas afirmações. Neste capítu­
lo, separaremos os fatos da ficção, examinaremos os regis-
(tos antigos e descobriremos exatamente o que Constantino
lez, e o que não fez.
Os historiadores cristãos concordam que, depois dos fa-
i os do Novo Testamento, o mais importante acontecimento j]
da história cristã é a conversão do Imperador Constantino
ao cristianismo em 312 d.C. Em poucas palavras, eis a his­
tória: as tropas de Constantino estavam estacionadas na
ponte Mílvio, próximo aos portões de Roma, onde se pre­
paravam para depor o imperador romano Maxêncio. A vi­
tória faria com que Constantino se tornasse efetivamente o
único governante do império. Todavia, na noite anterior à
batalha, Constantino teve uma visão que transformou sua
vida e a história da igreja.
Nas palavras de Eusébio de Cesaréia, que foi tanto histo­
riador como confidente de Constantino, o imperador esta­
va orando a um deus pagão quando “viu com os próprios
olhos a imagem de uma cruz iluminada nos céus, acima do
sol, trazendo a inscrição: Com este sinal vencerás [...] Então
o Cristo de Deus apareceu-lhe em sonho com o sinal que

3Ibid., p. 134.
A fraude do código Da Vinci

ele havia visto nos céus. Ordenou-lhe que reproduzisse o


sinal, utilizando-o como proteção em todas as batalhas con­
tra seus inimigos ” .4
Para encurtar a história, Constantino cruzou a ponte e
ganhou a batalha, lutando sob a bandeira da cruz cristã.
Posteriormente, promulgou o Edito de M ilão, decretando
que os cristãos não poderiam mais ser perseguidos. Após
isso, embora fosse um político, assumiu a liderança em dis­
putas doutrinárias que estavam perturbando a unidade do
Império.
Voltemos a Nicéia (atual Iznik, na Turquia, cerca de 200
quilômetros de Istambul) para descobrir o que aconteceu
naquele lugar há 1 700 anos.

BEM-VINDO AO CONCILIO
Pessoas criadas em um país em que a religião, em grande
medida, é de caráter privado e a diversidade é aceita de
bom grado, podem achar difícil acreditar que, no início do
século IV, as disputas doutrinárias estivessem dividindo o
Império de Constantino. Conta-se que, se você comprasse
um pão no mercado de Constantinopla, poderiam lhe per­
guntar se você cria que Deus Filho fora ou não gerado. E,
se perguntasse sobre a qualidade do pão, poderiam dizer-
lhe que o Pai é maior e o Filho, menor.
Contribuindo para essas controvérsias, havia um homem
chamado Ario, que vinha ganhando muitos seguidores ao

4Mark A . N O LL, T urningpoints: decisive moments in the history


of Christianity, Grand Rapids: Baker, 1997, p. 50. [Publicado em
português com o título M om entos decisivos na história do cristianis­
m o (São Paulo: Cultura Cristã, 2000).]
0 cristianismo, um político e um credo

ensinar que Cristo não era Deus em todos os seus atributos,


mas um deus criado e inferior. Ele cria que Cristo era mais
que um homem, mas menos que Deus. Era um grande- ora­
dor e, criando frases sonoras e de fácil fixação para sua dou-
trina, suas idéias se tornaram amplamente aceitas. Apesar
de muitos bispos o declararem herege, o debate não tinha
fim. Na esperança de resolver as discórdias e unificar o cris­
tianismo, Constantino convocou o primeiro concilio da
cristandade em Nicéia. Na verdade, o imperador até pagou
as despesas dos bispos que compareceram.
Constantino não se importava com pontos teológicos mais
sutis. Logo, praticamente qualquer credo o teria deixado
satisfeito, com a condição de que unificasse seus súditos.
Como disse um historiador: “O cristianismo tornou-se tan­
to um caminho para Deus como um caminho para a unifi­
cação do Império ” .5 O próprio Constantino fez o discurso
de abertura, dizendo que a desunião doutrinária era pior
que a guerra.
Alguns delegados se ressentiram dessa intromissão de um
político nas doutrinas e procedimentos da igreja, enquanto
outros a acolheram de forma positiva. Veja que, para os que
atravessaram um período de intensa perseguição, essa con­
ferência, realizada sob a bandeira imperial, era o céu sobre
a terra.

0 GRANDE DEBAIE
Mais de trezentos bispos se reuniram em Nicéia a fim de
solucionar as questões sobre cristologia, ou seja, a doutrina

'Ibid., p. 51.
A fraude do código Da Vinci

acerca de Cristo. Tão logo Constantino encerrou o discur­


so de abertura, os debates tiveram início.
A assembléia, de forma maciça, declarou Ário herege.
Ainda que Ario tivesse a oportunidade de defender suas
concepções, os delegados reconheceram que, se Cristo
não era completamente Deus, Deus não era o Redentor
da humanidade. Dizer que Cristo fora criado seria negar
um claro ensino das Escrituras: “Pois nele foram criadas
todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis,
sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; to­
das as coisas foram criadas por ele e para ele” (Cl 1.16). E
30 evidente que, se ele criou todas as coisas, não podia ele mes­
mo ter sido criado! Muitas outras passagens que ensina­
vam a divindade de Cristo foram acrescentadas, extraídas
tanto dos evangelhos como das epístolas (Jo 1.1; Rm 9.5;
Hb 1.8 etc.).
Após terem confirmado a divindade de Cristo, os dele­
gados passaram a considerar como ele se relacionava com o
Pai. Eusébio, o historiador, apresentou sua visão, afirman­
do que Jesus tinha uma natureza semelhante à de Deus Pai.
Embora não tivesse sido convidado a participar dos de­
bates, o teólogo Atanásio estava presente. Ele cria que até
mesmo dizer que Cristo é semelhante a Deus é não perceber
a plenitude do ensino bíblico sobre a divindade de Cristo.
Seu raciocínio de que Cristo só poderia ser Deus em sua
plenitude se sua natureza e a do Pai fossem a mesma foi ex­
presso por seu representante, Marcelo, bispo da Ásia Menor
presente na conferência. Constantino, vendo que o debate
seguia em conformidade com a posição de Atanásio, aceitou
0 cristianismo, um político e um credo

a sugestão de um bispo mais erudito e sugeriu que os dele­


gados usassem a palavra grega homoousion, que significa
“exatamente a mesma coisa”. Em outras palavras, Jesus te­
ria exatamente a mesma natureza do Pai.
O conselho concordou e, hoje, temos o famoso Credo
niceno. Qualquer pessoa que já tenha citado o credo sabe
que Jesus é descrito como “Luz de Luz, verdadeiro Deus,
de verdadeiro Deus; gerado, não feito; consubstanciai com
o Pai; por quem todas as coisas foram feitas” (grifo do au­
tor). Não há dúvida alguma de que os delegados ratifica­
ram a divindade de Cristo no sentido mais amplo.
E por que esse debate deveria nos interessar? Alguns crí­
ticos têm achado curioso que o Concilio de Nicéia tenha
discutido tão insignificante questão. A diferença entre as
palavras gregas para sem elhante e mesmo se resume em uma
única letra: a letra i. Alguns defendem que isso se asseme­
lha aos teólogos que discutem minúcias, debatendo peque­
nos detalhes com quase nenhuma relação com o mundo
real. Teria sido muito melhor que ajudassem aos pobres ou
se envolvessem na política da época!
Mas W illiam E. Hordern conta uma história que mostra
como uma única letra, ou vírgula, pode alterar o significa­
do de uma mensagem. No passado, quando as mensagens
eram enviadas por telégrafo, havia um código para cada
sinal de pontuação. Uma mulher que viajava pela Europa
enviou uma mensagem ao marido, perguntando se podia
comprar um belo bracelete de 75 000 dólares. O marido
respondeu com a seguinte mensagem: “No, p rice too high
|Não, p reço muito elevado] ”. O telegrafista, ao transmitir a
A fraude do código Da Vinci

mensagem, deixou de incluir a vírgula. A mulher recebeu


a resposta: “No p r ice too high [N enhum p reço é m uito eleva-
do\\ Ela comprou o bracelete, o marido processou a em­
presa de telégrafos e ganhou! Afinal de contas, as pessoas
que usam código Morse devem transm itir toda a pontua­
ção. Sem dúvida alguma, uma vírgula ou uma m inúcia
podem fazer grande diferença na transmissão de uma men­
sagem !6
Embora o Concilio de Nicéia estivesse dividido entre as
palavras gregas sem elhante e m esm o , a questão era de extre­
ma importância. Se Cristo fosse uma criatura, ainda que a
32 mais nobre e elevada dentre elas, Deus estaria apenas indi­
retamente envolvido na salvação do homem. Como disse
um historiador, Atanásio percebeu que “somente se Cristo
for Deus, sem qualquer limitação, Deus terá se tornado
homem, e assim, a comunhão com Deus, o perdão de peca­
dos, a verdade de Deus e a imortalidade teriam sido com
certeza trazidos ao homem ” .7
Em O código Da Vinci, lemos que a doutrina da divinda­
de de Cristo passou por uma “votação bastante renhida”.
Isso não passa de ficção, visto que, dentre os mais de 300
bispos (acredita-se que eram na verdade 318), somente
cinco protestaram contra o credo. Aliás, no fim das contas,

bA laymarís gu id e to Protestant theology, New York: Macmillan,


1955, p. 15-6. [Publicado em português com o título Teologia
protestante ao alca n ce d e todos (Rio de Janeiro: JUERP, 1986).]
Reinhold SEEBF.RG, The history ofd octrin e, Grand Rapids: Baker,
1964, p. 211.
0 cristianismo, um político e um credo

somente dois se recusaram a assinar. O resultado da vota-


i,ao não foi exatamente envolto em suspense.
Isso não quer dizer que o Concilio de Nicéia tenha solu-
cíonado todas as diferenças. O arianismo continuou a ter
seus adeptos e os imperadores posteriores apoiaram a visão
que lhes parecia mais oportuna a sua época. M as, desse
momento em diante, a ortodoxia cristã continuou a susten-
iar que Jesus era “verdadeiro Deus, de verdadeiro Deus”.
Quanto a ser ou não genuína a conversão de Constan-
i ino, é algo que merece reflexão e debate. Não sabemos se
ele foi um adorador do Sol antes de sua “conversão”. E apa­
rentemente seguiu tal adoração durante o resto de sua vida.
Além de tudo, atribui-se a ele a padronização da adoração
cristã com o estabelecimento do domingo 8 como dia de
m ito. Ele sem dúvida se utilizou do cristianismo para fo­
mentar seus objetivos políticos.
Mas será que ele inventou a divindade de Jesus? Antes
daquele concilio, acreditava-se que Jesus não passava de um
liomem extraordinário? Não há o menor traço de compro­
vação histórica dessa idéia. A divindade de Cristo não ape­
nas era um consenso entre os delegados, mas, como pode
ser facilmente demonstrado, uma doutrina sustentada pela
igreja séculos antes desse concilio se reunir.
Ao contrário da afirmação de Teabing em O código Da
Vinci, ainda antes do concilio de 325 d.C ., m uitas pesso­
as acreditavam que Cristo era mais que um “profeta mor-
ial”. Devemos separar alguns momentos para ler o legado

sO dia do deus Sol na cultura pagã. (N. do E.)


A fraude do código Da Vinci

dos pais apostólicos: aqueles que conheceram os apóstolos


e foram ensinados por eles. Então poderemos examinar os
escritos da segunda e da terceira geração de líderes, cada
um confirmando a seu modo a divindade de Jesus.

OS PAIS DA IGREJA
Permita-me apresentar alguém que ansiava morrer por Je­
sus. Essa era a atitude de Inácio, bispo de Antioquia, na
Síria. Em 110 d.C., escreveu uma série de cartas a diversas
igrejas enquanto era levado para ser martirizado em Roma.
O ponto central de sua doutrina era a convicção de que
34 Cristo era Deus encarnado. “Há um único Deus que se
manifesta por meio de Cristo Jesus, seu filho .”9 Outra fon­
te é ainda mais específica: Inácio fala a respeito de Jesus
como “Filho de M aria e Filho de Deus [...] Jesus Cristo,
nosso Senhor”, e chama a Jesus “Deus encarnado”. Na ver­
dade, chega a referir-se a ele como “Cristo Deus” .10 Lembre-
se de que isso foi escrito completos duzentos anos antes do
Concilio de Nicéia!
Dentre outros exemplos, figuram os seguintes:

• Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo João,


enviou uma carta à igreja de Filipos entre 112 e 118
d.C. Nessa carta, ele supõe que aqueles a quem a car­
ta se dirige reconhecem a divindade de Jesus, sua

9E. H. KLOTSCHE, The history ofd octrin e, Grand Rapids: Baker,


1979, p. 18.
10Geoffrey BROMILEY, H istorica l th eology: an introduction,
Grand Rapids: Eerdmans, 1978, p. 4.
0 cristianismo, um político e um credo

exaltação aos céus e posterior glorificação. Policarpo


foi martirizado por volta de 160 d.C., dando teste­
munho de sua fé na presença de seus executores.11
• Justino M ártir nasceu na Palestina e ficou im pres­
sionado com a capacidade que tinham os cristãos de
enfrentar a morte de forma heróica. Quando ouviu o
evangelho, converteu-se ao cristianismo e se tornou
defensor da fé que amava. Disse que Cristo fora “filho
e apóstolo de Deus Pai, e mestre de todos”. 12 Nasceu
em torno de 100 d.C., sendo martirizado em 165 d.C.
• Ireneu tornou-se bispo de Lião em 177 d.C . Passou
grande parte da vida combatendo a heresia do gnos­
ticismo, o qual examinaremos no próximo capítulo.
Dissertando sobre passagens como João 1.1, ele es­
creveu que “qualquer distinção entre o Pai e o Filho é
inútil, pois o Deus uno fez todas as coisas por inter­
médio de sua Palavra .13

A essa lista, poderíamos acrescentar mestres como Tertulia-


uo (150-212) que, cem anos antes de Constantino, defendia
que Cristo era completamente humano e completamente
divino. Dezenas de outras obras, escritas nos primeiros sécu­
los, provam que a igreja primitiva declarava a divindade de
lesus. Suas convicções estavam alicerçadas nas Escrituras do
Novo Testamento, cuja autoridade já era aceita pela igreja.

1‘ SEEBERG, The history o f doctrine, p. 6 9 .


i2BROMILEY, Historical theology, p. 14.
MIbid., p. 2 0 .
A fraude do código Da Vinci

Durante os dois séculos e meio que antecederam o Concilio


de Nicéia, a opinião quase universal da igreja era favorável
à divindade de Cristo, tal qual ensinavam as Escrituras.

0 TESTEMUNHO DOS MÁRTIRES


Quando nos lembramos das perseguições em Roma, en­
contramos mais provas de que a divindade de Cristo não foi
idéia de Constantino. Se tivéssemos pertencido a uma pe­
quena congregação na Roma dos séculos II e III, teríamos
ouvido o seguinte anúncio: “O imperador [César Augusto]
expediu nova ordem, determinando que todos os cidadãos
romanos compareçam à cerimônia político-religiosa plane­
jada para unificar a nação e reavivar o decaído patriotismo
dentro do Império”. Os romanos acreditavam que, se alguém
tivesse um Deus acima de César, não seria confiável duran­
te uma emergência nacional como em, por exemplo, a guer­
ra. Era ordenado que todos os bons cidadãos “adorassem
o espírito de Roma e o talento do imperador”, conforme o
texto do decreto. Na prática, essa cerimônia se resumia a
queimar incenso e dizer: “César é Senhor”.
Por vezes, a perseguição era especificamente dirigida
contra os que adoravam a Jesus. Todavia, na m aior parte
dos casos, César não se importava com o Deus que uma
pessoa adorava. Após fazer a confissão anual obrigatória
de que César era “Senhor”, a pessoa ficava livre para ado­
rar o Deus que desejasse, incluindo-se Jesus. As congrega­
ções cristãs — e havia muitas delas — tinham de fazer
uma escolha difícil: ou cumpriam sua obrigação de cida­
dão, ou enfrentavam uma cruel punição. M uitos cristãos
assistiram a seus parentes e amigos serem atirados às feras
0 cristianismo, um político e um credo

mi chacinados por gladiadores por se recusarem a confes-


'..ii o senhorio de César.
Se Jesus fosse visto como uma dentre muitas opções, os
<i istaos poderiam oferecer lealdade a outras manifestações
do divino. Por que não chegar a um denominador comum
( <>mo conjunto de todas as religiões? Isso não apenas teria
l.ivorecido a harmonia, mas também o bem com um do
Kstado. Assim, a escolha, em rigor, não era se os cristãos
•ulorariam a Cristo ou a César, mas se adorariam a Cristo e
.1 ( 'ésar.
Se você algum dia tiver a oportunidade de conhecer
Roma, não deixe de visitar o Panteão: uma das mais anti-
j-as e belas construções ainda de pé hoje, concluída em
I 26 d.C . Uma obra prim a de perfeição com um enorme
domo hemisférico. Era considerado o “templo dos deu­
ses” para Roma. Um lugar onde todos os diversos deuses
d.i Antigüidade romana estavam dispostos. Cheio de está­
dias e artefatos, era ali que ocorria a adoração das muitas
icligiÕes romanas.
Curiosamente, os pagãos não viam nenhum conflito en-
i iv a adoração ao imperador e a adoração a seus próprios
deuses. O paganismo, tanto o antigo como o atual, sempre
loi tolerante com outros deuses finitos. Afinal, se seu deus
i iao é uma divindade suprema, não lhe resta escolha. É pre-
i iso adm itir outros deuses e celebrar o esplendor da diver­
sidade.
Mas os cristãos compreendiam algo com bastante clare­
za: se Cristo era realmente Deus, e eles assim criam — se
era “verdadeiro Deus, de verdadeiro Deus” — não lhes era
possível adorá-lo juntam ente com outros deuses. Assim,
A fraude do código Da Vinci

embora alguns sé curvassem diante de César a fim de salvar


a vida e a família, muitos — milhares deles — estavam dis­
postos a desafiar as autoridades políticas e pagar caro por
seu comprometimento.
Após um tempo de intensa perseguição para quem de­
clarava a divindade de Jesus, aconteceu o inesperado. O
imperador decidiu que a perseguição aos cristãos deveria
cessar. Para cumprir sua palavra, autorizou que uma está­
tua de Jesus fosse posta no Panteão para expressar sua boa
vontade e provar que Jesus era agora considerado um deus
legítimo, juntam ente com os outros. Mas os cristãos disse­
ram: “M uito obrigado, mas não queremos isso”. Eles com­
preendiam que a divindade de Jesus significava a impossi­
bilidade de abrigá-lo sob o mesmo teto com deuses pagãos.
Quero apenas destacar que, séculos antes de Constantino,
esses primeiros cristãos já tinham comprovado crer na di­
vindade de Jesus. E, por suas convicções, passaram por re­
presálias, perseguições e, muitas vezes, a morte. A afirma­
ção de O código Da Vinci, segundo a qual Constantino “pro­
moveu Jesus a divindade” é pura ficção.
Não é de admirar que a marca dos hereges nos tempos do
Novo Testamento era a negação da encarnação. “... todo es­
pírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne procede
de Deus; mas todo espírito que não confessa Jesus não proce­
de de Deus” (ljo 4.2,3). A convicção de que, em Cristo, Deus
se fez homem era o cerne da fé dos primeiros cristãos.

0 CONCÍLIO DE NICÉIA £ 0 CÂNON DO NOVO TESTAMENTO


O código Da Vinci, assim como muitos textos ocultistas,
afirma que Constantino e seus representantes decidiram
0 cristianismo, um político e um credo

eliminar livros específicos do Novo Testamento, excluindo


i Lido o que se opusesse a sua teologia do domínio masculino
c a seu esforço pela repressão sexual. Já citamos sir Leigh
leabing dizendo que mais de oitenta evangelhos foram
apreciados na formação do Novo Testamento e que a Bíblia
como a conhecemos foi compilada por Constantino.
Pude ler visão semelhante em The Templar revelation [A
revelação dos tem plários ], livro em harmonia com O código
Da Vinci que alega apresentar a plausibilidade histórica
desses acontecimentos. Os autores asseveram: “Em nossa
opinião, a Igreja Católica jamais quis que seus membros
soubessem do relacionamento entre Jesus e M aria. Eis o
motivo de os evangelhos gnósticos jamais terem sido incluí­
dos no Novo Testamento, razão também de a maioria dos
cristãos nem saber que eles existem. O Concilio de Nicéia,
ao rejeitar os muitos evangelhos gnósticos e votar para in ­
cluir somente Mateus, Marcos, Lucas e João, não dispunha
de um mandato divino para perpetrar esse enorme ato de
censura. Agiram visando à própria preservação, pois naquela
época, no século IV, o poder de Madalena e seus seguidores
já estava por demais difundido para que o patriarcado pu­
desse lidar com isso” .14
M ais adiante, examinaremos com detalhes a formação
do cânon e a vida de M aria Madalena. Por ora, no entanto,

1‘Lynn PlCKNETT & Clive PRINCE, The Templar revelation: secret


r.uardians of the true identity of Christ, New York: Touchstone
llooks, Simons & Schuster, 1998, p. 261. [Publicado em portu-
r.uês com o título A gra n d e heresia: o segredo da identidade de
< listo (São Paulo: Beca, 2000).]
A fraude do código Da Vinci

atente para o seguinte: os dados históricos sobre Nicéia não


trazem prova alguma de que Constantino e os representan­
tes tivessem sequer discutido os evangelhos gnósticos ou qual­
quer outra coisa a respeito do cânon. Por mais que tentasse,
não achei uma única linha nos documentos sobre Nicéia
que registrasse algum debate sobre os livros que deveriam
ou não entrar no Novo Testamento. Praticamente tudo o
que sabemos sobre Nicéia vem do historiador Eusébio. Ora,
nem ele nem mais ninguém dá qualquer sinal de que tais
assuntos tivessem sido debatidos. Vinte decretos foram pro­
mulgados em Nicéia, e o conteúdo de cada um deles ainda
está disponível. Nem um único diz respeito ao cânon.
Por sorte, consegui rastrear a fonte desse engano. O ba­
rão D’Holbach, em Ecce homo , escreve: “A definição dos
evangelhos autênticos e espúrios não foi debatida no pri­
meiro Concilio de Nicéia. Essa história é fictícia” .15 D’Hol-
bach identifica Voltaire como a origem da ficção, mas, ao
pesquisar mais profundamente, descobrimos uma fonte ain­
da mais antiga para esse boato.
Um documento anônimo chamado Vetus synodicon, es­
crito por volta de 887 d.C., tem um capítulo dedicado a
cada concilio realizado até aquela data. Todavia, o compila­
dor acrescenta detalhes ausentes nos registros históricos. Em
seu relato sobre Nicéia, ele escreve que o concilio tratou de
assuntos como a divindade de Jesus, a Trindade e o cânon.
Ele diz: “Os livros canônicos e apócrifos foram diferencia­
dos da seguinte maneira: na casa de Deus, os livros eram

15http://www. tertullian.org
0 cristianismo, um político e um credo

colocados no chão, ao lado do altar sagrado. Então o conse­


lho orava ao Senhor, pedindo que as obras inspiradas fos­
sem encontradas em cima do altar, como de fato aconte­
cia”.16 Está mais do que claro que isso não passa de lenda.
Não há menção alguma de tais procedimentos nos docu­
mentos principais que dizem respeito a Nicéia.
Ainda que essa história fosse verdadeira, continuaria sem
comprovação a afirmação de que o concilio rejeitou de­
terminados livros do Novo Testamento por promoverem
o feminismo ou a idéia de que Maria Madalena fora casada
com Jesus. Esses assuntos simplesmente não entraram em
debate. 41
Por falar em lendas, há outra em torno do Credo de Nicéia.
Essa lenda conta que, após a morte dos dois bispos que não
assinaram o credo, os pais da igreja, não querendo alterar o
milagroso número 318 (supostamente o número de dele­
gados presentes), depositou o credo sobre suas tumbas du­
rante toda uma noite, “onde suas assinaturas foram mira-
culosamente acrescentadas”.17 Esse tipo de superstição pu­
lulava na era medieval.
Mais adiante veremos que Constantino solicitou que cin­
qüenta Bíblias fossem copiadas para as igrejas de Constan-
tinopla. Mas é falsa a afirmação encontrada em O código
Da Vinci de que Constantino manipulou as Escrituras ou
excluiu determinados livros. E um bom lembrete de que as
lendas são muitas vezes confundidas com os fatos, de tal

l6Ibid.
,7Ibid.
A fraude do código Da Vinci

modo que chegam a suplantá-los. Quando se apresenta uma


história sem consulta às fontes, pode-se escrever qualquer
coisa que venha à mente. No panteão das falsificações, O
código Da Vinci está bem ao lado das aparições de Elvis.

A HISTÓRIA St RfP tTE


Já vimos que o governo oficial romano abominava o ex-
clusivismo do cristianismo: a idéia de que Cristo era o único
caminho para Deus. Os romanos ficavam encolerizados di­
ante da simples menção de que Cristo estava acima dos ou­
tros deuses — ou, ainda, de que nenhum outro deus se-
42 quer existia. Para eles, era insuportável, tanto do ponto de
vista político quanto religioso, a insistência cristã de haver
um só redentor legítimo disposto a vir salvar a humanida­
de. Os romanos eram tolerantes com todos, menos com os
intolerantes.
No próximo capítulo, veremos que outro poderoso ata­
que contra a fé cristã não veio da classe dominante, mas de
fanáticos religiosos que queriam mudar a doutrina cristã.
Apesar de o gnosticismo ser um movimento religioso e não
político, partilhava das mesmas motivações do governo ro­
mano: não podia tolerar as afirmações exclusivistas feitas por
Jesus. Os gnósticos, de maneira cínica, usaram o que lhes
aprouve na fé cristã, negando o que consideravam doutri­
nas tacanhas ensinadas pela igreja primitiva.
Ao investigarmos o gnosticismo, verificaremos notáveis
semelhanças com a busca pela espiritualidade encontrada
hoje em dia. O gnosticismo convida seus seguidores a di­
vidir a lealdade entre Jesus e as divindades conflitantes
0 cristianismo, um político e um credo

inferiores. Afirma que nossa verdadeira necessidade não é


o perdão, mas a auto-iluminaçao. Jesus, afirmam os gnós-
licos, pode ajudar-nos nessa empreitada, mas não é indis­
pensável em nossa busca pela salvação.
O gnosticismo rejeita a conclusão de Nicéia, a menos, é
elaro, que todos sejamos vistos como divindades. Como os
adeptos da Nova Era em nossos dias, os gnósticos acredita­
vam que cada pessoa pode encontrar Deus em sua vida.
Não é de admirar que Paulo escrevesse: “Pois virá o tempo
em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentin­
do coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos,
segundo os seus próprios desejos” (2Tm 4.3).
Acompanhe-me na investigação dos documentos gnós-
dois

Aquela outra Bíblia

ocê sabia que há outra B íblia à venda nas livrarias

V de sua cidade? Não estou me referindo a um a nova


tradução da Bíblia, mas a um a versão completa­
mente diferente: um a Bíblia com cerca de cinqüen­
ta livros. Alguns desses livros trazem nomes como
E vangelho d e Tomé , E vangelho d e F ilipe , E vangelho
d e M aria e E vangelho da verdade.
Seja bem-vindo à B íblia gn óstica, que mantive
aberta na m inha frente enquanto escrevia este ca­
pítulo. Algum as pessoas gostam mais dessa Bíblia
do que aquela com que estamos familiarizados. Gos­
tam do que ela ensina sobre Deus, Cristo, a hum a­
nidade e a mulher. Essa B íblia permite-nos trans­
formar Deus no que quisermos que ele (ou ela) seja.
Essa Bíblia aceita o sagrado fem inino e o conheci­
mento esotérico pessoal. Enfim, estamos livres de
A fraude do código Da Vinci

doutrinas coibitivas como o nascimento virginal, a divinda­


de exclusiva de Jesus e sua ressurreição. Essa Bíblia é sufi­
cientemente ampla para abranger toda a nossa cultura, per­
mitindo-nos crer no que desejarmos.
Há um sentimento cada vez maior de que descobrimos
um cânon alternativo, o qual nos apresenta um jeito dife­
rente de “ser cristão”. Argumenta-se que os chamados evan­
gelhos gnósticos trazem relatos da vida de Jesus e de seus
ensinamentos mais confiáveis que os presentes nos evange­
lhos canônicos. Os evangelhos gnósticos, diriam algumas
pessoas, representam melhor o cristianismo primitivo que
aquela Bíblia com que a maioria de nós foi criado.
46 A introdução da Bíblia gnóstica diz: “Apresentamos estes
textos como livros sagrados e escrituras sagradas dos gnósti­
cos, formando assim, no todo, a literatura gnóstica sagra­
da”.1 Desse modo, de par da nossa Bíblia clássica, temos
agora textos “sagrados” que competem com ela.
Em O código Da Vinci, os evangelhos gnósticos forne­
cem a base histórica para o suposto casamento entre Jesus
e Maria Madalena, aparentemente presente no E vangelho
d e Filipe. No romance, sir Leigh Teabing cita a passagem
e fala: “Infelizmente, para os primeiros editores, um tema
terreno particularmente perigoso vivia aparecendo nos
evangelhos. Maria Madalena. [...] Mais especificamente,

'Willis BARNSTONE & Marvin MEYER, The gnostic Bible, Boston/


London: Shambhala, 2003, p. 19. Existem ainda outras tradu­
ções dos E vangelhos gnósticos, como a editada por James M.
ROBINSON, The Nag H ammadi Library (3. ed., Leiden: Brill,
1988). [Recém-lançada em português, o livro Apócrifos e pseudo -
epígrafos da Bíblia (São Paulo: Novo Século, 2004) contém todos
os evangelhos gnósticos mencionados nesta obra. (N. do R.)]
Aquela outra Bíblia

o casamento dela com Jesus Cristo”.2 Mais adiante no ro­


mance, o Evangelho d e M aria é citado para demonstrar
que Jesus tencionava que M aria Madalena se tornasse a
líder da igreja.
Visto que o tal casamento entre Jesus e Maria Madalena
é o cerne de O código Da Vinci, examinaremos essa questão
com mais detalhes no capítulo seguinte. Por ora, quero ape­
nas fazer uma rápida apresentação dos evangelhos gnósticos,
a fim de compreendermos melhor suas origens e doutrinas.
A palavra gnóstico origina-se do grego gnosis, que signifi­
ca “conhecimento”. A palavra é utilizada, mais exatamente,
com o sentido de conhecimentos ocultos acessíveis somente
aos iluminados. Os gnósticos acreditavam compartilhar de
experiências espirituais secretas que lhes punham em posi­
ção privilegiada para interpretar a religiosidade do mundo.
Sua versão do cristianismo era, dentre outras coisas, femi­
nista. Deus é às vezes descrito como um ser andrógino, ou
seja, com características tanto masculinas quanto femininas.
Alguns desses textos descrevem ritos sexuais, outros fazem
referências confusas a ensinamentos sobre Jesus e seus discí­
pulos. Naturalmente, esses textos são usados na literatura
feminista na tentativa de redefinir o cristianismo, revelan­
do a “verdadeira história” por trás de suas origens.
“Dezenas de textos cristãos já foram considerados sagra­
dos, depois, heréticos e, por fim, esquecidos. Por que estamos
voltando a procurá-los?”3 Essa dúvida foi apresentada na

2P. 2 6 1 .
3D avid van BlEMA, T h e lo st G ospels, T im e, 22 dez. 2 0 0 3 ,
p. 56.
A fraude do código Da Vinci

revista Time, cuja matéria de capa tratava desses evange­


lhos. Lemos ali que esses evangelhos “preenchem uma
necessidade evidente de visões alternativas da história cris-
ta, tanto por parte de prosélitos da Nova Era como por par­
te de fiéis heterodoxos incomodados com algumas restri­
ções teológicas em sua fé”.4 O artigo afirma que alguns gru­
pos de estudo de igrejas estão lendo esses evangelhos alter­
nativos e descobrindo que estão em harmonia com o atual
espírito de tolerância, endossando a religião do tipo “faça
você mesmo”.
Visto que a Bíblia — a tradicional — sobreviveu ao teste
do tempo e os discípulos sobreviveram ao teste da história e
da arqueologia, não seria minimamente justo passarmos a
Bíblia gnóstica pelo mesmo exame histórico recebido pela
Bíblia mais conhecida? Infelizmente, isso é ao mesmo tem­
po mais difícil e mais fácil. É mais difícil porque a Bíblia
gnóstica não traz referência alguma a rios, vales ou seqüên­
cias de acontecimentos específicos, como faz a Bíblia tradi­
cional. Na maior parte, os evangelhos gnósticos não têm
nenhuma pretensão de ser um registro fidedigno de qual­
quer fato. São mais exatamente meditações de vários mes­
tres. Na verdade, como veremos mais adiante, os escritores
gnósticos não acreditavam que os fatos históricos fossem
realmente relevantes à busca espiritual.
Não obstante, é fácil fazer uma crítica desses evangelhos,
visto que sabemos bastante sobre os gnósticos e seu m odus
operandi para pôr em dúvida sua confiabilidade. Falando

4Ibid., p. 56.
Aquela outra Bíblia

de forma gentil, não há motivo para aceitar o valor históri­


co dos evangelhos gnósticos. Seu mérito se restringe a in ­
formar sobre a crença dos gnósticos, embora não tragam
mais informações sobre Jesus, M aria Madalena ou o cristia­
nismo primitivo.
No entanto, considerando o fato de esses evangelhos se­
rem constantemente citados em O código Da Vinci, além
de am plam ente utilizados em diversas interpretações
ocultistas do Novo Testamento, precisamos observar mais
atentamente sua origem e conteúdo. Travamos assim uma
batalha por nada menos que a verdadeira Bíblia.
49
DESCOBRINDO OS ESCRITOS GNÓSTICOS
Km 1945, no Egito, um camponês que cavava em busca de
fertilizantes encontrou um jarro de cerâmica vermelha.
Imaginou ter achado ouro, mas, como alguém já disse, na
verdade achou algo muito mais precioso que ouro. Dentro
do jarro havia treze rolos de papiro, envoltos em couro, es­
critos em copta. Ainda que alguns manuscritos estivessem
queimados ou estragados, muitos estavam intactos. E lógico
que ninguém sabe quando foram enterrados, mas as datas
de origem dos originais vão de 150 d.C. ao século IV ou V.
Especialistas traduziram esses documentos para os idiomas
modernos, de modo que nós mesmos pudéssemos lê-los. To­
dos esses escritos, juntamente com outros de origem chine­
sa e judaica, são encontrados na B íblia gnóstica.
Um rápido histórico se faz necessário. Os gnósticos eram
um grupo de pensadores grandemente influenciados por
I'latão. Discordavam entre si em muitos assuntos, tornando
A fraude do código Da Vinci

difícil resumir suas crenças exatas em poucas frases. Basta


dizer que a maioria negava a idéia de um Deus tornando-se
carne, pois a matéria era considerada má e, com base nisso,
Deus não podia tornar-se homem. Especulavam sobre a
origem do mal e seu relacionamento com a criação. Afir­
mavam que o homem deve achar seu próprio caminho para
a salvação, e seu problema não é o pecado, mas, sim, sua
necessidade d e autoconhecim ento.
Alguns gnósticos aceitavam abertamente uma divinda­
de que era tanto feminina quanto masculina. Quase todos
negavam a ressurreição física de Jesus. Alguns chegavam a
ensinar que Jesus não morrera na cruz, mas outro homem
50 tomou seu lugar. Embora discordassem sobre o modo de
alcançar a salvação, concordavam em que estava a nosso al­
cance. A redenção, para eles, podia ser alcançada pelo en­
contro direto com o divino, sem nenhuma mediação de
Cristo ou da igreja.
Como era de esperar, os ensinamentos gnósticos têm sido
conhecidos e estudados desde o início de nossa era. Por sinal,
Ireneu escreveu no século II o livro Contra as heresias , no
qual desmascara os ensinos gnósticos e apresenta as razões
para os cristãos os considerarem hereges. Assim, de certa for­
ma, os documentos atuais trazem muito pouco de novo. No­
vidade é a fascinação popular por esses textos por causa do
ambiente religioso dos Estados Unidos. Citando Marcus Borg,
autor de The heart o f Christinity [A essência do cristianismo]:
“Há grande interesse nas divergências entre os primeiros cris­
tãos porque muitas pessoas que saíram da igreja e algumas
que ainda estão nela buscam outra forma de ser cristãs” .5

5Ibid., p. 56.
Aquela outra Bíblia

UMA AVALIAÇÃO DA BÍBLIA SNÓSM


1'açamos juntos um passeio pela B íblia gnóstica. Como já
vimos, alguns dos livros trazem nomes com os quais estamos
lamiliarizados: E vangelho d e P edro , Evangelho d e M aria ,
Fvangelho d e Filipe e Evangelho d e Tomé. Logo, indepen­
dentemente do que sejam esses “evangelhos”, não há dúvi­
da de que os autores tentaram passar a nítida impressão de
que se baseavam em fontes cristãs.
Mas até que ponto essas fontes são confiáveis?

Auloria espúria
Para começo de conversa, nem mesmo o pesquisador mais ^
radicalmente liberal acredita com seriedade que o E vange­
lho de Tomé tenha sido escrito pelo Tomé do Novo Testa­
mento, ou que o Evangelho d e Filipe tenha sido escrito pelo
1'ilipe do Novo Testamento. Pode-se afirmar o mesmo dos
outros evangelhos gnósticos que ostentam o nome de após­
tolos. Como poderemos ver, as datas dos documentos e os
locais em que foram escritos demonstram terem sido não
mais que meramente atribuídos aos apóstolos. Isso tinha por
linalidade emprestar-lhes credibilidade, dando assim a im ­
pressão de serem uma versão remota do cristianismo.
A igreja primitiva rejeitava completamente qualquer li­
vro escrito sob pseudônimo, ou seja, por alguém usando o
nome de um apóstolo a fim de ganhar credibilidade. O
apóstolo Paulo, já a par desses escritos em sua época, escre­
veu: “Irmãos, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo
r à nossa reunião com ele, rogamos a vocês que não se dei­
xem abalar nem alarmar tão facilmente, quer por profecia,
A fraude do código Da Vinci

quer por palavra, quer por carta supostamente vinda de


nós, como se o dia do Senhor já tivesse chegado” (2 Ts 2 . 1 ,2 ).
Os hereges, já naquela época, escreviam cartas usando o
nome de Paulo. Tais fraudes não condizem com a inspira­
ção divina creditada aos documentos do Novo Testamento.
Um dos motivos pelos quais a segunda epístola de Pedro
era rejeitada por algumas pessoas na igreja primitiva eram
as dúvidas sobre Pedro ser de fato seu autor.
Aqui não é lugar para tratarmos dos motivos de tal con­
trovérsia, mas podemos dizer que Origines, por volta de
240 d.C., afirmou que tal epístola era contestada, sem no
^2 entanto rejeitá-la. Eusébio, que já tivemos oportunidade de
conhecer, também o incluiu em uma lista de livros contes­
tados, mas não o deixou de fora do cânon. Caso tivesse sido
escrito por outro autor, ele provavelmente não teria come­
çado com a saudação: “Simão Pedro, servo e apóstolo” (2Pe
1.1). Pedro, mais que qualquer outro autor que quisesse usar
seu nome para atribuir autoridade ao livro, teria maior ten­
dência a referir-se a si mesmo como Simão.
Ademais, suas doutrinas estão de acordo com os outros
livros do Novo Testamento. Tal concordância é mais um si­
nal positivo de sua canonicidade. A natureza pessoal de sua
experiência também confirma que o livro foi escrito por
Pedro, discípulo de Jesus. A história demonstrou a sabedo­
ria da igreja em incluir esse livro em seu cânon. Nenhum
livro, cuja autoria fosse considerada espúria, teria sido acei­
to no cânon sagrado.
Acredito não haver dificuldades para concordar que
qualquer escritor, ao atribuir sua obra a alguém mais famo­
so com o fito de conseguir aceitação, não inspira confiança
Aquela outra Bíblia

alguma. Discordo de John Dominic Crossan, da DePaul


University. Em recente especial de televisão, ele afirmou tra-
lar-se apenas de um procedimento convencional que obje­
tivava atingir um público maior, sugerindo que nao era
antiético os autores usarem um pseudônimo famoso .6 Essa
prática até poderia ser aceita entre os gnósticos, mas, se a
Bíblia é a palavra de Deus, algo de que muitos de nós estão
convencidos, um texto inspirado jamais aprovaria tal ardil,
ainda que fosse prática comum.
Podemos ler no Antigo Testamento: “As palavras do SE­
NHOR são puras, são como prata purificada num forno, sete
vezes refinada” (SI 12.6; grifo do autor). E no Novo Testa- ^
mento Paulo escreveu: “Também agradecemos a Deus sem
cessar o fato de que, ao receberem de nossa parte a palavra
de Deus, vocês a aceitaram, não como palavra de homens,
mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus,
que atua com eficácia em vocês, os que crêem” (lT s 2.13).
1[ inconcebível que essa Palavra de Deus pudesse se valer de
um engodo.

As dalas íardias dos livros


Ksses textos gnósticos não foram escritos por testemunhas
oculares dos fatos do Novo Testamento. Mesmo estudiosos
que preferem atribuir credibilidade a esses documentos afir­
mam que a data mais antiga não se situa antes de 150 d.C.
São pelo menos cem anos ou, mais provavelmente, 150 anos

hB an n ed fro m the Bible, especial do H istory C hannel, 25 dez.


.'003.
Á fraude do código Da Vinci

após a época da crucificação de Jesus. Como já disse, outros


textos têm sido atribuídos aos séculos IV, V ou mesmo VI —
muitas centenas de anos depois dos dias de Jesus.
Cada livro presente na B íblia gn óstica traz um a rápida
introdução escrita por algum estudioso contemporâneo.
Embora saibamos que o E vangelho d e Tomé pode ter sido
escrito no século I (outros especialistas consideram sua ori­
gem muito mais recente), lemos que o E vangelho d e F ilipe
foi provavelmente “escrito no século III e, possivelmente,
na Síria ” .7 Considera-se que o Evangelho de M aria foi pro­
vavelmente escrito no século II.8 A questão é a seguinte: al-
54 guns desses evangelhos foram escritos diversos séculos após
a crucificação de Jesus. Compare isso com os evangelhos
canônicos, escritos por testemunhas oculares e escritos an­
tes de 70 d.C. (apesar de o evangelho de João provavel­
mente não ter sido completado antes de 95 d.C .).
Se você tivesse escolha, em que descrição de Abraham
Lincoln acreditaria? Na formulada por seus contemporâ­
neos ou na de pessoas que, 150 anos após sua morte, tecem
conjecturas sobre sua vida privada e filosofia política? A in­
da mais quando esses especuladores estão decididos a pôr as
próprias teorias políticas na boca de Lincoln.

0 coníeúdo dos livros


Se você ler os evangelhos gnósticos, não ficará impressiona­
do com semelhanças entre eles e o Novo Testamento, mas,

' The G nostic B ible, p. 259.


8Ibid„ p . 478.
Aquela outra Bíblia

sim, com as mais incríveis discrepâncias. Esses evangelhos


não são apenas desprovidos de conteúdo histórico, mas che­
gam a ser ^«íz-históricos. Contêm pouco conteúdo narrati­
vo e nenhum senso cronológico. Não demonstram interes­
se algum em pesquisa, geografia ou contexto histórico. Não
trazem nenhuma pretensão de estar em harmonia com os
evangelhos canônicos. Apresentam algumas citações e alu­
sões ao Jesus do Novo Testamento, juntamente com muitas
(rases absurdas atribuídas a ele.
Para provarmos um pouco de alguns desses livros, veja as
seguintes sentenças atribuídas a Jesus no mais famoso den­
tre os evangelhos gnósticos, o Evangelho de Tomé\ ^
Jesus [Yeshua] disse: “Bem-aventurado o leão a quem o
homem consome; torna-se o leão homem. Maldito o ho­
mem a quem o leão consome; torna-se o leão homem”.

Jesus [Yeshua] lhes disse: “Quando fizerem do dois um e


quando fizerem o interior como o exterior, o exterior como
o interior, o acima como o embaixo, e quando fizerem do
macho e da fêmea uma só coisa, de forma que o macho
não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea, e quan­
do formarem olhos em lugar de um olho, uma mão em
lugar de uma mão, um pé em lugar de um pé e uma ima­
gem em lugar de uma imagem, então entrarão no Reino”.

Jesus [Yeshua] disse: “Aquele que conseguiu compreender


o mundo encontrou uma carcaça, e daquele que encon­
trou uma carcaça o mundo não é digno”.9

9P. 46, 51 e 57.


A fraude do código Da Vinci

Parece realmente Jesus falando?


Os evangelhos gnósticos contêm conceitos especulativos.
A m aioria poderia ter sido elaborada a despeito da vinda
de Jesus C risto. M uitas das citações presentes no Evan­
gelho de Tomé, por exem plo, poderiam ter sido proferi­
das por qualquer líder religioso ou pretenso profeta. Os
gnósticos, no entanto, a fim de autenticar suas especula­
ções, procuravam vincular suas doutrinas a Jesus e aos
apóstolos. E m conseqüência, aproveitavam-se de algumas
palavras de Jesus, mas desprezavam com pletam ente sua
obra de redenção. O que im portavam eram as idéias, não
56 os acontecimentos.
Com o alguém já disse, é simplesmente m entira que o
gnosticismo represente o movimento cristão primitivo, mais
tarde usurpado pelos primeiros líderes da igreja (tal qual
Constantino), os quais impingiram sua versão do cristianis­
mo por razoes políticas. A idéia de Jesus desejar que M aria
M adalena fosse a líder da igreja, com a adoração do sagra­
do feminino, bem como a informação de que suas inten­
ções foram suprimidas por dirigentes da igreja ávidos pelo
poder, apegados a dogmas e avessos ao sexo, é negada por
dezenas de documentos antigos e averiguáveis, com o será
demonstrado mais adiante neste livro.
Longe de ser um a versão autêntica do cristianismo, o
gnosticismo era um parasita que tentava vincular seus con­
ceitos platônicos ao incipiente e popular movimento cris­
tão. Temos todos os motivos para crer que a igreja prim itiva
estava correta em insistir que o gnosticismo era um a cor­
rupção da verdade original, e não um a fonte legítim a e
Aquela outra Bíblia

imparcial de informações sobre Jesus e a fé crista. A con-


i cpçao atual de que os gnósticos foram vítimas do cristia-
nismo, sendo então absorvidos por um a igreja ávida.por
poder, é simplesmente mentirosa.
N o capítulo 6, examinaremos com mais detalhes os mo-
i ivos de não podermos conciliar o gnosticismo com o cristia­
nismo histórico. Verificaremos que são, na verdade, abor­
dagens completamente diferentes da busca religiosa. Por
ora, basta observar que os documentos do Novo Testamen-
to não registram apenas os ensinamentos de Cristo, mas
principalmente o que Jesus fez. Ele não veio para apenas
ensinar, mas — o que é mais importante — para morrer na
cruz em um sacrifício pessoal pelos pecadores, ressuscitan- 57
do ao terceiro dia para confirm ar suas afirmações. E m ou-
rras palavras, o cristianismo é um a religião histórica, com
suas raízes em fatos específicos e verificáveis. O gnosticismo
é um a teoria baseada em idéias — conflitantes, devo acres­
centar — , sem nenhum a fundamentação em fatos com lo­
cais e épocas específicos.
Por falar nisso, é importante não confundir os evangelhos
gnósticos com os livros chamados apócrifos.10 Estes são en­
contrados nas versões católicas da Bíblia e ausentes das pro­
testantes. N a m aior parte, estes livros adicionais foram es­
critos antes do tempo de Cristo. Ganharam credibilidade
ao ser incluídos por Jerônim o na Vulgata, a tradução latina

l0Os apócrifos ( T obias, J u d ite , B a ru q u e, S a b ed oria , E clesiástico,


l e 2 M a ca b eu s - além de algun s acréscim os feitos em D aniel [caps.
13 e 14]) são todos livros escritos em grego, referentes ao A ntigo
Testamento. N ão dizem respeito, p ortan to , ao Novo '1 estam ento
e a seu cânon (N . do R.)
A fraude do código Da Vinci

das Escrituras. Não dispomos de tempo ou espaço para de­


bater se são ou não textos inspirados, portanto basta deixar
claro que os apócrifos em nada se relacionam com os textos
gnósticos.

m m DA HISTÓRIA
Podíamos passar mais tempo examinando os evangelhos
gnósticos; o que não deixaremos de fazer no próximo capí­
tulo. Por ora, cabe perguntar: por que há o desejo cada vez
maior de aceitar esses textos? Vivemos na era pós-moderna,
na qual alguns historiadores afirmam que a história já não
deve ser a busca de fatos objetivos, mas, sim, da interpreta­
ção desses fatos. A história, dizem eles, devia ser revisada
com o fim de reforçar a auto-estima e promover intenções
politicamente corretas.
Com base nessa mentalidade, a história pode ser molda­
da conforme o desejo do indivíduo, a fim de alcançar os
objetivos desejados. Os registros do passado devem ser es­
miuçados, editados e modificados para se amoldarem a nossa
época. Esse foi o motivo de um escritor pós-moderno dizer
que devemos fazer a sociedade reagir à “história imaginária
do passado” .11 Em outras palavras, o esforço de descobrir os
fatos deveria ser abandonado a favor de histórias de valor
psicológico.
Em 0 código Da Vinci, sir Leigh Teabing, o especialista
no Graal, diz que “a história sempre é escrita pelos vence­
dores. Quando duas culturas entram em conflito, o perde­
dor é obliterado, e o vencedor escreve a história — livros

"Esse comentário de Traian Stoianovich foi citado em The death


oftru th , de Dennis McCallum (Minneapolis: Bethany, 1996, p. 139).
Aquela outra Bíblia

que glorificam sua própria causa e menosprezam a do in i­


migo perdedor. Como Napoleão disse certa vez: ‘O que é
história, senão uma fábula sobre a qual todos concordam ?”’.12
Ne Napoleão estava certo, chegamos à conclusão lógica de
que a pesquisa história é desnecessária e contraproducente.
Km um mundo assim, a ficção transforma-se em história.
IVecisamos apenas achar uma mentira com que concorde­
mos e seguir com ela.
Essa ânsia por aceitar os evangelhos gnósticos não se ba­
seia em pesquisa histórica séria, mas cm um compromisso pré­
vio com o feminismo e no desejo de ter um Jesus mais pare­
cido conosco. E, como seria de esperar, no conceito de que a
comunhão com Deus é alcançada por meio do êxtase sexual 59
encaixa-se perfeitamente à obsessão pelo sexo de nossa era
moderna. Uma mentira que alguns escolheram abraçar.
O famoso estudioso do Novo Testamento Raymond
Brown (sem relação alguma com Dan Brown) disse que
nesses evangelhos “não vemos nem um único novo fato
verificável sobre o ministério do Jesus histórico, e no máxi­
mo umas poucas novas frases que poderiam ter sido ditas
por ele ” .13
Sobre O código Da Vinci, o escritor católico Andrew
Greeley disse: “Trata-se de um livro interessante. Com cer­
teza, uma vez iniciada a leitura, o leitor não pára até seu
encerramento. No entanto, o leitor devia refletir sobre quan­
to disso é fantasia. Eu diria que praticamente o livro todo é
uma grande fantasia. De tempos em tempos, surge um novo

,2P. 273.
13The Gnostic Gospels, The N ew York Times Book R eview, 20
jan. 1980, p. 3.
& fraude do código Da Vinci

livro que promete contar quem Jesus realmente era e/ou


como a igreja escondeu o “verdadeiro” Jesus durante deze­
nove séculos. De certo modo, nenhum deles se vale de uma
pesquisa história séria” .14

CONHEÇA UM HISTORIADOR
Quando abrimos o Novo Testamento, ficamos impressio­
nados com a diferença entre ele e os evangelhos gnósticos.
A diferença é, quase literalmente, a existente entre as trevas
e a luz. O escritor Lucas, por exemplo, apresenta a metodo­
logia utilizada em seu trabalho histórico. Ele detalhou o que
os historiadores costumavam fazer quando os fatos eram
relevantes.
Ao ler a Bíblia, você descobrirá que a Palavra de Deus
chegou até nós de diversas formas. Algumas vezes Deus fa­
lava diretamente com os profetas, revelando coisas que não
tinham como ser conhecidas de outra forma. Outras vezes
ele mesmo escrevia as palavras, como no caso dos Dez M an­
damentos. Todavia, Deus também se utilizou de recursos
naturais, como no caso de Lucas, cujo livro foi escrito após
cuidadosa pesquisa.
No parágrafo de abertura, Lucas explica como seu livro
foi escrito:

Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que


se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos
por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares

l4Da Vinci is more fantasy than fact, resenha literária, N ational


C atholic R epórter, 3 out. 2003.
Aquela outra Bíblia

e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidado­


samente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato
ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a cer­
teza das coisas que te foram ensinadas (Lc 1.1-4).

Lucas realizou uma investigação cuidadosa. E como se ele


i ivesse dito: “Estou escrevendo a maior história do mundo,
i' isso merece a melhor pesquisa que eu possa realizar”.
Embora outros tivessem escrito sobre Cristo, e Lucas não
despreza esses relatos (aliás, deve ter se beneficiado das pes­
quisas neles conduzidas), ele estava decidido a escrever com
grande cuidado e atenção aos detalhes.
E como ele fez sua pesquisa? Em primeiro lugar, Lucas 61
menciona as fontes e os documentos utilizados. Mesmo que
essas fontes já existissem, queria escrever ele mesmo um re­
lato sobre Jesus, visto que toda grande personalidade mere­
ce mais de uma biografia. Faz referência então a testemu­
nhas oculares que estavam disponíveis para a verificação de
detalhes. Lucas era médico, logo faz sentido que tenha efe­
tivamente conversado com Isabel e M aria sobre o nasci­
mento de seus filhos.
Lucas foi companheiro de Marcos e, mais tarde, do após­
tolo Paulo. Dessa forma, podia fazer perguntas que esclare­
cessem e verificassem os fatos. Como Lucas menciona ou­
tras testemunhas oculares presentes “desde o início”, estava
em posição de pesquisar a história toda.
Q uando afirma que verificou os fatos cuidadosamente
(da palavra grega akribos), quer dizer que se manteve con­
centrado na exatidão da tarefa. O bom historiador não abor­
da sua história com um conceito preconcebido; não começa
A fraude do código Da Vinci

seu trabalho procurando adequar a história a seu gosto pes­


soal. Ele segue os fatos até onde o levarem.
Em seguida, Lucas organizou seu m aterial segundo cer­
tas características. Afirmou querer escrever um “relato or­
denado” dos acontecimentos. Sua organização nem sem­
pre foi cronológica: vez ou outra, organizou seu material
conforme o tema. Algumas vezes agrupou os fatos para
tornar o material mais compreensível. Todavia, de forma
geral, seguiu a cronologia dos fatos, juntando o que se re­
lacionava mutuamente, a fim de que Teófilo pudesse ter
melhor compreensão da história. E o mais importante é
que há uniformidade e coerência em seu relato; há uma
progressão lógica.
Por fim, escreveu de m odo que o leitor pudesse tom ar uma
decisão inteligente baseada no material. Não sabemos muito
sobre Teófilo (cujo nome significa aquele que ama a Deus),
mas parece claramente alguém de destaque, visto que Lucas
se refere a ele como “excelentíssimo Teófilo”. Somos gratos
por Lucas ter escrito a ele e, com efeito, a todos nós sobre a
maravilhosa história de Jesus.
Ao escrever a seu amigo, deixou claras suas intenções:
“para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensina­
das”. Escreveu abertamente, pois sabia que seu amigo pre­
cisava ter certeza (do grego asphaleia ). Ao pé da letra, a pa­
lavra grega significa alguém “capaz de sustentar-se em local
firme”, evitando assim cometer algum erro nesses assuntos
de tão grande importância. O objetivo da carta era dissipar
qualquer dúvida que Teófilo tivesse, pois, naquele momen­
to, o homem provavelmente ainda não era cristão.
Aquela outra Bíblia

Será que Lucas era capaz de ser um historiador impar-


i ial? E lógico que sim. Ele nutria convicções profundas so-
I>ic o que escrevia? Sim. E isso o desacredita? Não mais do
i|iie seria desacreditado um sobrevivente do Holocausto ao
(Iescrever o que passou, visto que escreve com a convicção e
<)desejo de informar as pessoas sobre coisas importantes.
Então, até que ponto Lucas era um historiador fidedig­
no? Ele ainda escreveu Atos dos Apóstolos, repleto de por­
menores históricos: cidades, mares, navios e detalhes geo­
gráficos. Sir W illiam Ramsey, célebre historiador e arqueó­
logo do século XIX, esforçou-se por demonstrar que a histó­
ria de Lucas estava cheia de erros. Após toda uma vida de
i rabalho e estudos, porém, ele escreveu: “A história de Lucas
é insuperável quanto a sua fidedignidade” .15 Sua avaliação
lambém é confirmada pela arqueologia moderna.

A ESCOLHA DIANTE DE NÓS


1’or que alguém preferiria os evangelhos gnósticos em lugar
dos relatos verificáveis encontrados nos livros canônicos? A
resposta só pode ser encontrada no espírito da época: o an­
seio pela diversidade doutrinária, a pressão do feminismo e
a obstinada insistência de que podemos ter uma experiên­
cia direta com Deus sem contemplarmos a pessoa de Cris­
to. Somente esse desejo de “estar na moda” pode explicar o
lato de as pessoas se precipitarem estupidamente rumo às
i ntrincadas doutrinas da Bíblia gnóstica.

n The bearing o fr e c e n t discovery on the trustworthiness o fth e N ew


Testament, reed., Grand Rapids: Baker, 1953, p. 81.
A fraude do código Da Vinci

Se a historicidade do Novo Testamento não fosse supe­


rior à dos evangelhos gnósticos, todos os esforços em defesa
do cristianismo já teriam desmoronado há muito tempo. A
revista Time está certa quando diz: “Os textos recuperados
também suprem o cada vez mais voraz apetite por espiritua­
lidade mística nos Estados Unidos” .16 As pessoas estão bus­
cando um relacionamento com Deus que não esteja vincu­
lado a doutrinas ou religião formal. Buscam um cristianis­
mo alternativo que consiga associar a reinterpretação de Jesus
com discernimentos esotéricos, mais o melhor das outras
religiões.
Elaine Pagels, que escreveu um livro resumindo as dou­
trinas dos evangelhos gnósticos, admite que esses textos são
atraentes para quem busca a espiritualidade. Isso ocorre por­
que eles “trazem ecos do budismo e de Freud, com um ain­
da maior apreço pelo papel da mulher ” .17 Nesses documen­
tos, ela afirma haver encontrado um “cristianismo menos
em harmonia com crenças dogmáticas, como o nascimento
virginal e mesmo a divindade de Cristo, além de maior con­
cordância com a salvação por intermédio de uma experiên­
cia espiritual contínua ” .18
O Jesus de O código Da Vinci não é um salvador; foi
relegado ao papel de homem. Quiçá um homem até mes­
mo extraordinário, mas, apesar de tudo, um homem. De
acordo com os gnósticos, ele é apenas uma dentre as muitas
emanações de Deus. Todavia, no Novo Testamento, vemos

,6P. 56.
17Time, p. 57.
, 8Ib id .
Aquela outra Bíblia

um retrato completamente diferente de um homem divi­


no, capaz de selar a brecha existente entre Deus e nós.
Voltaremos ao gnosticismo no capítulo 6 para demons­
trar as razoes por que não podemos classificá-lo como outra
lorma de cristianismo. O Jesus gnóstico e o Jesus do Novo
Testamento são radicalmente distintos. E nosso destino eter­
no depende de saber diferenciá-los.

Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o


cam inho que leva à perdição, e sáo m uitos os que entram
por ela. Como é estreita a porta, e apertado o cam inho que
leva à vida! São poucos os que a encontram (M t 7.13,14).
65
]esus, Maria Madalena
e a busca pelo Sanfo Graal

sse romance, O código Da Vinci, traz esse nome em


virtude da afirmação de que Leonardo da Vinci
foi membro do Priorado de Sião. O Priorado era
um pequeno bando de conspiradores que sabia a
verdade sobre o casamento de Jesus e Maria Mada­
lena. No entanto, por causa da oposição da igreja,
esse explosivo segredo precisava ser escondido. A
fim de escapar à ira do Vaticano, os membros do
Priorado teriam codificado seu estimado conheci­
mento em pinturas, livros e obras arquitetônicas,
de forma que apenas os iniciados pudessem deci­
frar o significado. No livro, como seria de esperar,
a poderosa organização católica Opus Dei está de­
terminada a intimidar o Priorado, esforçando-se
para abafar os fatos que destruiriam o cristianismo
como o conhecemos.
Desse modo, continua o livro, podemos encon­
trar mensagens ocultas nas pinturas de Leonardo
A fraude do código Da Vinci

da Vinci. Aliás, suas pinturas trazem a prova codificada de


que Da Vinci sabia que Jesus era casado com M aria
Madalena e que ela, não um cálice, era o Santo Graal. Le­
mos ainda que “o casamento de Jesus e Maria Madalena faz
parte dos registros históricos” .1
Mas será mesmo?
Responderemos a essa dúvida neste capítulo, à medida
que formos debatendo diversas outras questões: teria Leo­
nardo pintado Maria Madalena, e não João, em A Ultima
Ceia, sua obra-prima? Seria a própria Maria Madalena o
Santo Graal? O que dizer das evidências históricas que vin-
j culam os dois em um relacionamento especial? E, por fim,
^ I seria possível que Jesus tivesse sido casado?

LEONARDO, Á ÚLÍIMA Cf IA £ MARIA


Leonardo foi um filho bastardo, que, de acordo com o
diário de seu avô, nasceu em 15 de abril de 1452, um
sábado, em Vinci, vilarejo que distava cerca de trinta qui­
lômetros a oeste de Florença. (Portanto, “Da Vinci” não é
seu sobrenome, mas uma referência ao vilarejo em que
nasceu.) Esse jovem precoce foi levado para Florença, onde
se tornou aprendiz de um dos mestres pintores. O entusi­
asmo de Leonardo era tal, que ele trabalhava de sol a sol
para aprender seu ofício. Não causa surpresa que Leonar­
do estivesse seguro de que a pintura era a mais elevada
vocação humana. Acreditava que se deve pintar “tudo o
que o olho pode ver”. Além disso, passava seu tempo vago
projetando brocas, guindastes e equipamentos militares.

P. 262.
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

Não dava a menor importância à religião, a não ser como


veículo para sua expressão artística.
Achando que seu mentor em Florença não lhe dava o
devido valor, Da Vinci apelou a Ludovico, o duque de M i­
lão, perguntando se seus serviços não poderiam beneficiar
o duque. Foi lá que Da Vinci passou vinte anos de sua vida.
Fm 1495, Ludovico encarregou Leonardo de p in tará Úl­
tima Ceia para o refeitório do mosteiro dominicano na ci­
dade de Santa Maria da Graça, a fim de que os monges
tivessem algo agradável para ver enquanto comiam.
Em O código Da Vinci, lemos que Leonardo, que estava
por dentro do segredo, na verdade pintou Maria Madalena,
e não João, à direita de Jesus em seu retrato da Ultima Ceia. 69
Além disso, não há cálice algum sobre a mesa porque Leo­
nardo queria que as pessoas compreendessem que Maria era
o cálice, o Santo Graal. Robert Langdon, uma das principais
personagens do romance de Brown, afirma que a presença
de M aria na tela representa “o sagrado feminino e a deusa,
o que, naturalmente, se perdeu nos dias de hoje, pratica­
mente eliminado pela igreja ”.2
Em seu livro Humanists an d reformers: a history o f the
Renaissance and Reformation [Humanistas e reform ado­
res: uma história sobre a Renascença e a Reforma], Bard
Thompson afirma que a pintura de Da Vinci é uma obra
de teor psicológico, visto que ele não está interessado em dou­
trinas, como a da ceia do Senhor. Em vez disso, Leonardo
está interessado no impacto da traição de Judas. Ao obser­
varmos a pintura, podemos ver a expressão aturdida no ros­
to de cada discípulo depois de Jesus anunciar que um deles

2Ibid., p. 255.
A fraude do código Da Vinci

o trairia. Judas é o único que não se surpreende. Encolhe-se


nas sombras e come nervosamente .3
Se já faz algum tempo que você viu uma réplica de A
Ultima Ceia, ache alguma e você concordará que João, sen­
tado à direita de Jesus, realmente apresenta uma aparência
efeminada. Mas Bruce Boucher do Instituto de Artes de
Chicago discorda da interpretação de Dan Brown, consi-
derando-a “um exagero e tanto”. ‘A criação de Leonardo,
na verdade, aponta em outra direção. Confirma a descri­
ção florentina tradicional da Última Ceia, enfatizando a
traição e o sacrifício, em lugar do cálice e da instituição do
sacramento” ,4 continua Boucher. Ele ainda acrescenta que
essa representação de João condiz com outros retratos de
origem florentina. Talvez pudéssemos observar que a figura
não tem nenhum sinal de seios. Jack Wasserman, professor
aposentado de História da Arte naTemple University, sim­
plesmente diz: “Quase tudo que Dan Brown afirma sobre
Leonardo está errado ” .5
Mas isso leva-nos a explorar a seguinte questão: “Em que
consistia a busca pelo Santo Graal, e de que provas dispo­
mos para garantir que M aria Madalena era o cálice que
guarda o sangue de Cristo?”.

A BUSCA P£L0 SANTO GRAAL


Ninguém sabe o que aconteceu com o cálice em que Jesus
bebeu na noite em que instituiu a ceia do Senhor. Lendas

3Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p. 141-3.


■*Does “The Da Vinci code” crack Leonardo?, The N ew York
Times, Arts a n d Leisure, 2 ago. 2003.
5Patrick R . REARDON, “The Da Vinci code” unscramble, Tem­
po, The Chicago Tribune, 5 fev. 2004, seção 5, p. 4.
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

afirmam que foi dado a José de Arimatéia, mas não pode­


mos ter certeza disso. O que realmente sabemos é que, no
século X II, circulavam histórias sobre o cálice, chamado.San-
to Graal, o qual, acreditava-se, teria poderes mágicos.
Tais lendas, na verdade, baseavam-se em superstições
celtas sobre o cálice como símbolo de transformação e re­
novação espiritual. Aliás, muitas dessas lendas podem ser
encontradas na mitologia grega anterior aos tempos de
Cristo. Imaginava-se que determinados cálices e caldei­
rões podiam trazer conhecimentos secretos e benefícios es­
pirituais para quem os possuísse. Desse modo, esses objetos
passaram a ser associados à adivinhação e a várias práticas
ocultas.
Tais lendas foram associadas às histórias do rei Artur e
dos Cavaleiros da Távola-Redonda. Um relato diz que o
Graal chegou de fato a aparecer, lançando um encanto so­
bre todos os presentes. O rei Artur jurou achá-lo com a
ajuda de seus cavaleiros. Lancelot era o mais valente dentre
eles, mas, por azar, apaixonou-se pela esposa do rei Artur.
Por causa de seu pecado, Lancelot só conseguia ter vislum­
bres do Graal. Visto que só aparecia aos que fossem mais
puros, o Graal o evitou e a todos os outros que o procura­
ram. De acordo com a história, acreditou-se que um sem-
número de taças fossem o cálice sagrado.
Durante muitos séculos, houve a convicção de que o
Graal era um objeto — mais especificamente o copo, ou
cálice, utilizado na Ultima Ceia. Mas, lá pelo século X V ,
surgiu a idéia de que o Graal não era um objeto, mas uma
linhagem familiar. Em O código Da Vinci, o Graal é apon­
tado como o sang réal, a linhagem familiar que descende de
A fraude do código Da Vinci

Jesus. Segundo se supunha, Maria Madalena teria dado


continuidade à linhagem de Jesus ao dar a luz sua filha, e
um dos descendentes de Jesus deu origem à dinastia dos
merovíngios, no trono francês. O livro termina com a per­
sonagem principal em frente à pirâmide invertida, no mu­
seu do Louvre de Paris, orando no que poderia ser o túmulo
de Maria. Uma das últimas frases do livro é: “A busca pelo
Santo Graal é a busca para se ajoelhar diante dos ossos de
Maria Madalena. Uma jornada para orar aos pés da exi­
lada” .6 Isso teria aturdido os cavaleiros que procuravam o
Santo Graal e acreditavam que se tratasse de um cálice.
12 Mas existe alguma prova razoável de que Maria tenha
sido casada com Jesus? Ela é mencionada em passagens dos
evangelhos gnósticos apresentados no último capítulo do
romance. Como sabemos, a Bíblia não trata de seu relacio­
namento com Jesus. Foi a primeira testemunha da ressur­
reição e, por algumas pessoas na igreja, era conhecida por
“Apóstolo dos Apóstolos”.
Portanto, quem foi Maria Madalena? Vamos primeiro
ver o que o Novo Testamento diz a seu respeito, e depois ve­
rificar as referências encontradas nos evangelhos gnósticos.

MARIA MADALENA E 0 NOVO TESTAMENTO


Lucas, o escritor do Novo Testamento, apresenta um grupo
de mulheres que seguia Jesus e seus discípulos, ajudando a
sustentá-los financeiramente. Algumas dessas mulheres “ha­
viam sido curadas de espíritos malignos e doenças: Maria,

6P. 475.
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

chamada Madalena, de quem haviam saído sete demônios;


Joana, mulher de Cuza, administrador da casa de Herodes;
Susana e muitas outras. Essas mulheres ajudavam a sustentá-
los com os seus bens” (Lc 8.2,3).
Aqui cabe uma pausa para ponderarmos no que essa
passagem mostra. Vemos que Jesus rompeu a tradição ao
permitir que mulheres viajassem com ele, ajudando a sus­
tentar seu ministério. Os rabinos da época jamais tolera­
riam que as mulheres tivessem tamanha abertura, nem a
honra advinda de uma associação tão direta. Em regra, as
mulheres eram identificadas por seus maridos, mas Maria
era chamada Madalena — era identificada por sua cidade
de origem (Magdala situava-se na costa ocidental da Gali-
léia). É possível que não fosse casada.
No capítulo anterior, Lucas inclui a história de uma pros­
tituta não-identificada que veio até Jesus. Algumas pessoas
conjecturam que essa seria Maria Madalena. Em 591 d.C.,
o papa Gregório, o Grande, proferiu um sermão na Páscoa
em que declarou que a prostituta de Lucas 7 era a Maria
Madalena mencionada em Lucas 8 . Todavia, não há real­
mente razão alguma para fazermos tal associação.
Talvez a identificação hipotética do papa Gregório visas­
se a suprimir qualquer lenda em torno do papel de Maria
na igreja primitiva. Ainda assim, é exagero supor que ela
lenha sido estigmatizada como prostituta com o propósito
de eliminar uma suposta rivalidade com o apóstolo Pedro.
Segundo O código Da Vinci, Jesus pretendia que a igreja
losse estabelecida a partir de Maria, mas a igreja primitiva
adulterou os documentos e declarou-a prostituta com a fi­
nalidade de torná-la inadequada para tão elevada posição.
A fraude do código Da Vinci

De qualquer modo, em 1969, o Vaticano corretamente


rem ediou séculos de deturpação e reconheceu não haver
razão algum a para identificar M aria com a prostituta arre­
pendida.
Vez ou outra, M aria M adalena também é erroneamente
identificada como M aria de B etânia, irm ã de M arta e
Lázaro. Não há duvida algum a de que ela é cham ada M a­
ria M adalena com o propósito específico de diferenciá-la
das outras M arias dos evangelhos. De um a coisa podemos
ter certeza: ela teve um a maravilhosa história de conversão
e foi a prim eira testemunha da ressurreição do Senhor a
que amava.
O ministério de M aria junto a Jesus colocou-a em conta­
to com Salomé, mãe de Tiago e João, e também com M aria,
mãe do Senhor (Jo 19.25). Essas corajosas mulheres esta­
vam ao pé da cruz quando Jesus morreu. M aria M adalena
ficou velando até que o corpo fosse descido, envolto em
linho e depositado no sepulcro de José de Arim atéia (M t
27.61; M c 15.47; Lc 23.55).
Então, no primeiro dia da semana, ela e outras mulheres
“compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de
Jesus” (M c 16.1). Ao chegar, viram o sepulcro vazio e um
anjo, o qual lhes disse que Jesus tinha ressuscitado dos m or­
tos. M aria correu para contar a Pedro e a João, voltando
com eles para o sepulcro. Embora estivesse vazio, não pu­
deram encontrar Jesus, então M aria permaneceu lá mesmo
após a partida dos dois homens.
Examinando o interior do sepulcro, viu anjos que lhe per­
guntaram o motivo de seu pranto. Ela respondeu: “Levaram
embora o meu Senhor e não sei onde o puseram” (Jo 20.13).
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

Ela continuou olhando a escuridão da tum ba até ficar


i onvencida de qu e estava vazia. Pode-se im aginar que ela
estivesse pensando no que fazer em seguida. Ela, a passos
lentos, recuou. Aprumou-se enquanto seus olhos se ajusta­
vam à luz ao redor.

Nisso ela se voltou e viu Jesus ali, em pé, mas não o reco­
nheceu.
Disse ele: “Mulher, por que está chorando? Quem você
está procurando?”
Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: “Se o senhor
o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o levarei”.
Jesus lhe disse: “Maria!” 75
Então, voltando-se para ele, M aria exclamou em
aramaico: “Rabôni!” (que significa “Mestre!”).
Jesus disse: “Não me segure, pois ainda não voltei para
o Pai. Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou vol­
tando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus
de vocês” (Jo 20.14-17).

M aria M adalena quis agarrar-se aos pés de Jesus como


uma criança que teme a partida dos pais. Agora que o tinha
achado, não queria perdê-lo.
Naquele momento, porém, Jesus disse: “Não faça isso”.
Jesus estava efetivamente dizendo: “Você voltará a me ver,
pois ainda não subi para o Pai. Não pense que me perderá,
pois estaremos juntos pelos próximos quarenta dias. Não
precisa entrar em pânico”. Sim, era o mesmo Jesus, mas a
natureza da relação havia mudado.
Algumas pessoas diriam, em defesa de O código Da Vinci,
que naqueles tempos uma mulher era proibida de tocar um
A fraude do código Da Vinci

homem; logo, esse relato indicaria que ela e Jesus eram ca­
sados. Mas trata-se sem dúvida de um ato espontâneo de
devoção. Jesus podia, com toda a certeza, ser tocado. Note
que mais tarde, quando as mulheres deixaram o sepulcro,
encontraram-no e “se aproximaram dele, abraçaram-lhe os
pés e o adoraram” (M t 28.9). Evidentemente, M aria não
era a única mulher com permissão para tocar Jesus. Nosso
Salvador não se deixava limitar por costumes culturais, quan­
to mais um que impedisse uma mulher de tocar um ho­
mem com decência.
M aria, com certeza, amava Jesus profundamente, mas
não há indício algum de um romance entre os dois. Foi
76 deveras uma mulher privilegiada e honrada por atrair a
misericórdia e o carinho do Salvador. E podemos nos rego­
zijar pelo fato de serem da mesma forma aceitos todos os
que se achegam a Jesus. Após a ressurreição, M aria desapa­
rece das páginas do Novo Testamento, voltando a surgir so­
mente séculos mais tarde, na mitologia de ensinos ocultistas
vinculados ao movimento Nova Era.
Concordo que, de uma perspectiva histórica, a igreja fa­
lhou em não dar à mulher seu lugar de direito no ministé­
rio cristão. No entanto, não podemos aceitar a afirmação
de O código Da Vinci de que “Jesus foi o primeiro feminis­
ta”, em virtude do significado que essa expressão assume na
sociedade atual. Jesus realm ente desprezou os tabus cultu­
rais que atribuíam posição ignominiosa às mulheres, consi­
derando-as cidadãs de segunda classe no Reino de Deus.
Nas Escrituras, as mulheres são iguais aos homens, ainda
que com funções diferentes.
Nao é preciso dizer que aqui não é lugar para debatermos
o papel da mulher na igreja. De qualquer forma, devemos
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

ivssaltar que Jesus rompeu padrões, pondo a mulher em um


lugar de honra e respeito. O fato de mulheres como M aria
Madalena serem convidadas a viajar com ele, bem como o
lato de conversar a sós com a mulher imoral no poço de Jacó
demonstram sua disposição de passar por cima dos tabus da
época, convidando mulheres para sua esfera de influência.

MARIA MADALENA E OS EVANGELHOS GNÓSTICOS


1 ;,m O código Da Vinci, lemos que, ao ocultar a verdade sobre
o casamento de Jesus e Maria, a igreja realizou “a maior ope­
ração de dissimulação de toda a história”. As provas desse
casamento são supostamente encontradas nos evangelhos 77
gnósticos. Já aprendemos que esses escritos sao erroneamente
denominados “evangelhos”, pois na realidade não são abso­
lutamente “evangelhos”. Em todo caso, devemos examinar
o que eles têm a dizer sobre Jesus e M aria Madalena.
Em primeiro lugar, o Evangelho d e Filipe diz:

Sua companheira é M aria de M agdala. Jesus a am ava mais


que aos outros discípulos. Beijava-a freqüentemente na face,
mais que a todos os outros discípulos. Eles lhe disseram:
— Por que a amas m ais que a todos nós?
O Salvador respondeu dizendo:
— Com o é possível que eu não os am e tanto quanto
a ela? Se um hom em cego anda nas trevas ju n to a outro
que pode ver, ambos estão na m esm a situação. Q uando
vier a luz, aquele que vê, verá a luz. O cego con tinuará
em trevas.7

7BARNSTONE & MEYER, The Gnostic Bíble, p . 273.


A fraude do código Da Vinci

Deve-se ter consciência de que, por causa da má quali­


dade dos papiros, falta uma ou outra palavra nos originais.
O texto diz: “Beijava-a freqüentemente no(a) [texto ilegí­
vel]...”, de modo que os estudiosos preenchem o espaço em
branco com palavras como boca, fa ce, testa etc. Na verdade,
todos sabemos que o texto devia dizer “mão”, ou mesmo
“bochecha”, pois o relato afirma que ele também beijava os
outros discípulos, ao que tudo indica, na bochecha, como
ainda se faz no Oriente Médio.
O relato, ainda que fosse verdadeiro, não diz nada sobre
casamento. Mas O código Da Vinci faz a seguinte afirma­
ção: “Como qualquer estudioso do aramaico poderá lhe
explicar, a palavra com panheira, naquela época, literalmen­
te significava esposa”.8 Naturalmente, poderíamos observar
que esse texto não nos chegou em aramaico, mas em copta.
Além do mais, a palavra “companheira”, em ambas as lín­
guas, é muitas vezes usada em referência a “amizade” — de
modo algum terá o significado invariável de “esposa”. ^
Esse relato detém alguma credibilidade? Antes de respon­
der, precisamos lembrar que os estudiosos situam a autoria
do Evangelho d e Filipe por volta do século III, cerca de du­
zentos anos depois de Jesus. Não se trata exatamente de uma
testemunha ocular!
Leia esse evangelho e você verá um amontoado de inco­
erências. Textos desconexos que mudam abruptamente de
assunto. São apresentadas doutrinas como: “Existem mui­
tos animais no mundo que se apresentam de forma huma­
na”. Também diz: “O inverno é o mundo, o verão é o outro

8P. 2 6 3 .
Jesus, M aria Madalena e a busca pelo Santo Graal

reino. Por essa razão é apropriado que não oremos no in­


verno”. Se quiser mais sabedoria, veja isso:
Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes', os
corantes autênticos, dissolvem-se nas coisas que são tin gi­
das por eles, o mesmo também ocorre com aqueles a quem
Deus tingiu. Seus corantes são imortais por causa de suas
cores. O que Deus mergulha, ele mergulha em água .9

Os gnósticos criam em dois deuses, e o deus criador era


mau. “O mundo foi criado por engano. Porque aquele que
o criou queria fazê-lo imperecível e imortal. Ele falhou.”10
No resto do livro, Jesus é apresentado como uma dentre
muitas criaturas que procedem de Deus. Esse tipo de texto
tem a clara intenção de expressar uma filosofia paga, não
de dizer algo confiável sobre Jesus. Você pode escrever o
que desejar se não estiver preocupado com os fatos.
Lembre-se de que não temos pista alguma sobre quem
escreveu esse evangelho. Com toda a certeza não foi o Filipe
do Novo Testamento, mas algum pseudo-escritor que cos­
turou uma enorme quantidade de idéias gnósticas descone­
xas. Pode ter escrito esse texto por causa das lendas sobre Maria
Madalena que já circulavam no século III. De qualquer ma­
neira, esse escritor desconhecido podia apenas especular so­
bre o relacionamento entre Jesus e Maria. E, ao que parece,
fez uso dessas especulações para os propósitos que tinha.
O E vangelho d e M aria gnóstico descreve uma revela­
ção especial dada a Maria Madalena por seu Salvador.

9BARNSTONE & MEYER, T he G n ostic B ib le, p. 270.


10Ib id „ p. 2 8 6 .
A fraude do código Da Vinci

Atendendo a um pedido de Pedro, ela conta aos outros dis­


cípulos sobre uma visão que teve de Jesus. Conta ainda ter
perguntado a ele se alguém, ao ter uma visão, a tinha com a
alma ou com o espírito. O Salvador respondeu: “Não vê
nem com a alma nem com o espírito. Mas é a consciência,
que vive entre ambos, que tem a visão”.
Após algumas explicações um tanto esotéricas sobre a
alma, Pedro perguntou: “Será que ele realmente conversou
em particular com uma mulher e não abertamente conosco?
Devemos mudar de opinião e ouvir a ela? Ele a preferiu a
nós?”. M aria começou a chorar e garantiu a Pedro que não
gg tinha inventado tudo aquilo.
Nesse momento, Levi se intromete na conversa e diz:
“Pedro, você sempre foi exaltado. Agora o vejo competindo
com uma mulher como contra um adversário. Mas, se o
Salvador a fez merecedora, quem é você para rejeitá-la? Cer­
tamente o Salvador a conhece bem. Daí tê-la amado mais
do que a nós” .11 Então os discípulos são exortados a sair e i
pregar, ao que obedecem.
Essa história é mais uma tentativa dos gnósticos de legiti­
mar suas doutrinas esotéricas de conhecimento perante seu
círculo fechado de iniciados. Essa narração foi provavelmen­
te incluída por duas razões: em primeiro lugar, defender o
argumento de que as mulheres eram capazes de pregar; em
segundo, ensinar que as revelações de Deus a uma pessoa
possuem o mesmo status das doutrinas ensinadas pelos bis­
pos. M aria Madalena, que desfruta de posição de destaque

n Ibid., p. 479-81.
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

nos evangelhos canônicos como a primeira testemunha da


ressurreição, seria a escolha natural para esse diálogo.
Ainda que essas informações dos evangelhos gnósticos
fossem fiéis, continua sendo um exagero afirmar que M aria
tinha uma relação romântica com Jesus, quanto mais dizer
que eles foram casados. Nessa parte, como em muitas ou­
tras, O código Da Vinci fundamenta suas conclusões em
dados imaginários, esperando que leitores crédulos lhe dêem
crédito.
H á uma grande controvérsia em torno do Priorado de
Sião, que foi sem dúvida fundado em 1099. Embora não
tenhamos conhecimento sobre quais lendas circulavam na
época, sabemos não haver nenhum texto, produzido por
testemunha ocular, que ateste o casamento de Jesus e M a­
ria. E é bastante improvável que a Opus Dei, fundada em
1928, tenha qualquer ligação com alguma pressão imposta
sobre o Priorado para manter o segredo encoberto. Como
literatura de ficção, o livro funciona; como livro histórico, é
um castelo de cartas que pode desmoronar ao mais leve so­
pro da verdade.

MARIA £ AS LENDAS
The Templar revelation [A revelação dos templários ]12 afirma
que Jesus e Maria eram casados, ou pelo menos parceiros
sexuais. Enquanto escreviam o livro, os autores passearam
por locais consagrados a M aria Madalena no sul da França,

12Publicado em português com o título A gra n d e heresia: o se­


gredo da identidade d e Cristo (São Paulo: Beca, 2000). (N. do T.)
A fraude do código Da Vinci

onde lendas sobre essa personagem começaram a surgir no


século IX. O livro tem o propósito de avaliar esse folclore e
defender sua plausibilidade. Ao mesmo tempo, procura de­
sacreditar o que se ensina tradicionalmente a respeito de Je­
sus, ou seja, o que encontramos no Novo Testamento.
Em suas viagens, os autores descobriram que as lendas
em torno de M aria M adalena estão vinculadas à deusa
pagã Isis. Além disso, relacionam-se também ao culto da
mãe com seu filho, associado a Maria, mãe de Jesus. E não
pára por aí: em todos os lugares em que há núcleos de
culto a M aria, existem também locais sagrados e mitos so­
bre João Batista. Os autores defendem que João Batista,
na verdade, não se submeteu à autoridade de Jesus como
afirma o Novo Testamento. Aliás, Jesus é que foi discípulo
de João. E o verdadeiro sucessor ungido de Joao foi o feiti­
ceiro sexual gnóstico Simão, o Mago, mencionado em Atos
dos Apóstolos 8.9-25!
Se você não ouviu o suficiente, ficará surpreso em saber"'
que, segundo algumas pessoas, Jesus, João Batista e M aria
Madalena, todos eles tinham uma “percepção gnóstica do
sagrado”. Batizavam as pessoas e, desse modo, as iniciavam
na “tradição oculta ancestral”. Os milagres de Simão, o
Mago, tal qual os de Jesus, eram os intrínsecos a essa prática
religiosa. “O ritual era fundamental nesse movimento, des­
de o primeiro batismo até a representação dos mistérios
egípcios. No entanto, a suprema iniciação ocorria por in­
termédio do êxtase sexual.” 13

,3Lynn PlCKNETT &c Clive PRINCE, The Templar revelation, New


York: Touchstone Books, Simons & Schuster, 1998, p. 350.
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

Se você está imaginando aonde os autores podem ter ido


buscar essas informações, compreenda que juntaram todas
as lendas e práticas ocultistas dos tempos antigos e interpre­
taram os relatos neotestamentários à luz dessa mitologia
esotérica. Assim, não nos deveria espantar que o próprio
Jesus acabe virando o filho de uma deusa e que a unção de
Maria de Betânia (que os autores acreditam ser M aria
Madalena) seja um ritual sexual realizado por uma sacer­
dotisa. “A unção de Jesus foi um ritual pagão: a mulher que
o realizou — Maria de Betânia — era uma sacerdotisa.
Considerando esse novo panorama geral, é mais do que
provável que seu papel no círculo íntimo de Jesus fosse o de
uma mistagoga sexual” .14 ^
Todo cristão devia ficar estarrecido com essas alegações!
Mas, uma vez que os mitos recebam status de história, com
vínculos imaginários entre acontecimentos sem nenhuma
relação entre si, qualquer distorção pode ser imposta aos
registros do passado. Daí, pode-se chegar a afirmar que o
motivo pelo qual a “verdade” genuína foi banida da Bíblia
reside no fato de a igreja desde sempre ter defendido a re­
pressão sexual e a degradação da mulher. A igreja, ávida
pelo poder e apegada às riquezas, sempre apoiou a supre­
macia masculina e o controle rígido, rejeitando perempto-
riamente o sagrado feminino.
E inacreditável que escritores ocultistas possam distorcer
de tal forma o Novo Testamento e transformá-lo em um de
seus textos! Os mesmos escritores que nos chamam para uma
vida de santidade e pureza, forçados e distorcidos, são uti-

14Ibid., p. 258.
A fraude do código Da Vinci

lizados para confirmar uma filosofia paga e imoral. Imagi­


ne o Jesus que disse “Qualquer que olhar para uma mulher
para desejá-la já cometeu adultério com ela no seu coração”
(M t 5.28) aprovando e logicamente participando de um
rito sexual ocultista!
Não se esqueça de que os ritos sexuais sempre foram pra­
ticados em religiões pagas, quer nos tempos antigos, quer
na atualidade. Ora, a idéia de ser esse o caminho para a
santidade ou de que por meio de tais rituais é possível ter
comunhão com Deus é exatamente o tipo de doutrina des­
mascarada por Jesus e pelos escritores do Novo Testamento
por ser falsa. Eles alertam contra tais práticas, violadoras da
santidade do matrimônio e da pureza moral que se espera
dos cristãos. “Porque vocês podem estar certos disto: ne­
nhum imoral, ou impuro, ou ganancioso, que é idólatra,
tem herança no Reino de Cristo e de Deus. N inguém os
engane com palavras tolas.” (Ef 5.5,6) Como veremos em
um capítulo adiante, estabelecemos um vínculo espiritual
com Deus por intermédio de Jesus, nao por meio do êxtase
sexual.
Podemos compreender os motivos de Ireneu, que, ao
comentar sobre como os gnósticos usavam a Bíblia em sua
época, afirmou que o gnosticismo é como tomar um belo
quadro de um rei e remontá-lo com o fito de formar a im a­
gem de uma raposa. Não se admira que Pedro, ao falar so­
bre os falsos mestres, tenha escrito: “Muitos seguirão os cami­
nhos vergonhosos desses homens e, por causa deles, será di­
famado o caminho da verdade. Em sua cobiça, tais mestres
os explorarão com histórias que inventaram” (2Pe 2.2,3).
Assim como era naquela época, ainda é nos dias de hoje!
Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal

WS £ 0 CASAMENTO
Seria possível que Jesus tivesse se casado?
Dan Brown afirma que, na época de Jesus, era raro um
homem não ser casado. Além de tudo, sustenta que, por ser
humano, Jesus teria desejado relações sexuais e a compa­
nhia de um a mulher. Todavia, isso não prova que Jesus era
casado. Sabemos com certeza que escritores do Novo Testa­
mento como Mateus e João, os quais conheciam muito bem
a Jesus, não fazem nenhuma referência a esse casamento.
Ora, se tal casamento tivesse ocorrido, seria com certeza
mencionado.
Poderíamos especular a possibilidade de Jesus ter se casa-
do, um a vez que o casamento é “honrado e imaculado”.
Considerando que era um ser humano, ainda que sem pe­
cado, podemos presumir que ele poderia ter se casado. No
entanto, tendo em mente que sua natureza era tanto hu­
mana como divina, precisamos adm itir que é impensável
que Jesus, o homem-Deus, pudesse unir-se a uma pecadora
no mais íntimo elo físico possível ao ser humano. Caso tives­
se casado, é de supor que teria sido com alguém tão santo
quanto ele, o que limitava suas opções de maneira drástica!
É lógico que algum dia Jesus se casará. Todos ansiamos
por seu futuro casamento. Jesus já está noivo de nós, a
igreja, sua noiva. Ele nao teria se casado na terra, sabendo
que seu casamento vindouro seria no céu. Naquele dia,
nós, juntam ente com M aria M adalena, seremos convida­
dos para a ceia do casamento do Cordeiro, onde o casa­
mento será consumado. Isso não acontecerá com uma
união física e sexual, mas na mais sagrada e íntim a comu­
nhão que se pode conceber. Sim , Jesus se casará. Não com
A fraude do código Da Vinci

um a m ulher, m as com todos nós, que form am os a n oiva


de C risto .

“ ... Regozijemo-nos! Vamos alegrar-nos


e dar-lhe glória!
Pois chegou a hora
do casamento do Cordeiro,
e a sua noiva já se aprontou.
Para vestir-se, foi-lhe dado
linho fino, brilhante e puro” .

O linho fino são os atos justos dos santos.

E o anjo me disse: “ Escreva: Felizes os convidados para


o banquete do casamento do Cordeiro!” (Ap 19.7-9).

C onsiderando essa perspectiva mais am pla, o óbvio celi­


bato de Jesus era tanto necessário com o adequado.
O convite para esse casamento não vem do Jesus gnóstico,
mas do Jesus que é R ei dos reis e Senhor dos senhores. “ Por
isso D eus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nom e
que está acim a de todo nom e, para que ao nom e de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e
toda língua confesse que Jesus C risto é o Senhor, para a
glória de D eus Pai” (Fp 2 .9 - 1 1 ) .
Som ente os que aceitam seu convite se reunirão para
desfrutar do banquete.
quatro

Banidos da Bíblia: por quê?

B íb lia é um produto do hom em , m in ha querida.

A N ão de D eus” , afirm a sir Leigh Teabing

O hom em a criou com o relato histórico de um a


em
digo Da Vinci. “ N ão caiu m agicam ente das nuvens.

época conturbada e ela se desenvolveu através de


O có­

incontáveis traduções, acréscim os e revisões. A his­


tória jam ais teve um a versão definitiva do livro” .1
Sim , é verdade que a B íb lia não caiu m agica­
m ente das nuvens. E tam bém é verdade que o h o ­
m em escreveu a Bíblia em determ inado contexto
histórico, muitas vezes em tempos tumultuosos. M as
tam bém existem fortes evidências de que a Bíblia é
mais que um livro escrito por homens. Provas de que
é um livro escrito por hom ens inspirados por Deus.
Tem os todos os m otivos para crer que a B íb lia traz

’ P. 2 4 8 .
h fraude do código Da Vinci

informações confiáveis sobre tudo o que ensina. Tais moti­


vos estão disponíveis a todos os que se interessam pela busca
da verdade.2
Todavia, este capítulo nos levará a uma direção ligeira­
mente diferente. Abordaremos as seguintes questões: “Quais
foram os critérios utilizados para definir que livros seriam
incluídos ou excluídos do cânon? Será verdade que, como
afirma O código Da Vinci, os evangelhos gnósticos foram
banidos por homens que queriam transformar a igreja de
uma comunidade matriarcal em patriarcal? É verdade que
alguns livros deixaram de ser incluídos no cânon por causa
de um injustificável ato de censura?”.
No Natal de 2003, o History Channel [Canal de Histó­
ria]3 levou ao ar um especial intitulado Banned from the
Bible [Banidos da Bíblia\. Era um debate sobre os vários
livros que, apesar de escritos na época do Novo Testamento,
foram excluídos do cânon. Ficou a nítida impressão de que
alguns livros foram afastados simplesmente por ser feminis­
tas ou um tanto indecentes para ser incluídos. O documen­
tário ainda insinua que pelo menos alguns desses livros se­
riam de grande auxílio para as Escrituras se tivessem sido
incluídos. Afinal, declara o programa, considerando que a
Bíblia é um livro escrito por homens, seus textos foram in­
cluídos ou vetados por pessoas poderosas que agiam por
razões políticas ou religiosas.

2Desejando encontrar provas sobre a confiabilidade da Bíblia,


leia o livro de Erwin Lutzer 7 razões pa ra con fia r na Bíblia (São
Paulo: Vida, 2001).
3Canal de televisão especializado em história local e geral.
(N. do T.)
Banidos da Bíblia: por què?

Neste momento, é preciso esclarecer que existem dois


!’,rupos de livros que não foram incluídos no cânon. Um
grupo é o dos evangelhos gnósticos, já abordados aqui em
alguns de seus aspectos. M as o History Channel, em essên­
cia, referiu-se a um segundo grupo de livros notórios há
séculos, sendo acessíveis a quem desejar lê-los. Trata-se dos
icxtos apócrifos, já conhecidos desde a Antigüidade. Devo
mais uma vez destacar que esses livros não podem ser con-
Iundidos com os livros acrescentados às versões católicas da
lUblia, os quais antecedem esses “livros banidos”.
Alguns desses “livros banidos” ensinam que:
• Quando Jesus era menino, matou outra criança em- 39
purrando-a do telhado. Ao ser acusado, reagiu usando
seu poder para ressuscitá-la. Pelo jeito, Jesus utilizou
seus poderes para travessuras e interesses pessoais até
crescer, só então passando a usá-los para fazer o bem.
• Após a queda, Adão formulou um plano para que ele
e Eva retornassem ao jardim do Éden. O plano con­
sistia em eles permanecerem em rios diferentes. Ele
ficou no rio Jordão por quarenta dias, e Eva, por ser
mais fraca, deveria permanecer no rio Tigre por 34
dias. Mas o Diabo voltou a aparecer para Eva, e ela
saiu da água no décimo oitavo dia, arruinando o pla­
no e causando um enorme desgosto em Adão.
• No inferno, os blasfemadores ficam pendurados pela
língua, ao passo que os fornicadores, pela genitália.
Mas, se as pessoas pedissem a Deus que as libertasse, o
inferno ficaria vazio. No entanto, ninguém sabe dis­
so, porque, se soubessem, pecariam ainda mais.
A fraude do código Da Vinci

Naturalmente, também existem outros livros, que, embo­


ra mais harmonizados com a Bíblia, jamais foram incluídos
no cânon. Existiam dezenas de textos circulando quando o
Novo Testamento foi coligido. Muitos deles apresentavam
histórias alternativas sobre Jesus. Somente um número re­
duzido deles pôde disputar uma posição no cânon.
O especial de T V B annedfrom the Bible também sugeria
que, somente após a conversão de Constantino, houve um
real esforço por compilar o Novo Testamento. Também que,
após o Concilio de Nicéia, foram necessários mais quarenta
anos para que a igreja canonizasse todos os 27 livros que
constituem o Novo Testamento (367 d.C.). O documentário
dá a impressão de que, durante séculos, a igreja não chegou
a um acordo sobre o cânon.
Quanto disso é verdade? Quanto disso foi distorcido para
se encaixar nos conceitos populares sobre a natureza da Bí­
blia e o processo de canonização? Vamos examinar rapida­
mente os livros “banidos” da Bíblia e então falar sobre como
o cânon foi realmente formado.

OS LIVROS BANIDOS
Os livros excluídos da Bíblia eram considerados pela igreja
primitiva pseudepigráficos, ou seja, textos fraudulentos que
os primeiros líderes da igreja consideravam fábulas produ­
zidas por imaginações férteis. A história demonstra não ser
incomum o surgimento de lendas em torno de figuras fa­
mosas, e não devíamos estranhar o fato de algumas pessoas
criarem superstições infundadas em torno de Jesus. Esses
são os livros que trazem os relatos mencionados há pouco:
narrativas fictícias sobre a infância de Jesus, entendimentos
Banidos da Bíblia: por quê?

alternativos a respeito do inferno e textos semelhantes. Ao


contrário dos evangelhos gnósticos, essas lendas são conhe­
cidas desde a Antigüidade.
A questão resume-se no seguinte: “Por que alguns livros
foram incluídos no cânon, enquanto outros foram rejeita­
dos?”. E, mais importante: “Quem tomou essas decisões e
quando foram tomadas? Será verdade que não houve con­
cordância a respeito do cânon senão quarenta anos após a
época de Constantino? E seria correto considerar o cânon
aberto, ou seja, teria alguém o direito de insistir na inclusão
de outros livros nas Sagradas Escrituras?”.

0 DESENVOLVIMENTO DO CANON n
A Bíblia é um extraordinário conjunto de 66 livros unidos
em torno de um tema comum. Como uma tapeçaria, eles
tecem juntos a história da redenção provida por Deus para
a raça humana. O fato de esses livros terem sido reunidos,
aprovados e aceitos como a Palavra de Deus já é em si um
milagre da providência divina. Esboçar mais amplamente a
situação nos ajudará a manter os detalhes em perspectiva.
Muitas pessoas presumem que as decisões sobre quais li­
vros incluir ou excluir foram tomadas por um concilio ecle­
siástico reunido a portas fechadas, a debater os méritos de
cada livro, aceitando uns e rejeitando outros. Outros ima­
ginam que esses livros foram reunidos “por acaso”, sem ne-
11hum critério específico que definisse se eram ou não dig­
nos de constituir as Escrituras. Outros ainda pensam que as
• lecisoes foram tomadas segundo um sinistro plano de cen­
sura, como alega O código Da Vinci.
Antes de tudo, vamos resumir a forma em que os livros
do Antigo Testamento foram reunidos. Isso nos fornecerá
A fraude do código Da Vinci

uma estrutura importante no debate sobre a seleção dos


livros do Novo Testamento.

0 cânon do Antigo Testamento


Quando Deus autorizava que um manuscrito fosse produzi­
do, e o povo de Deus o reconhecia como tal, esse manuscrito
era preservado. Moisés, por exemplo, escreveu “tudo o que o
SENHOR dissera” (Ex 24.4), e tudo o que foi escrito foi cui­
dadosamente depositado na arca da aliança (Dt 31.26). O
mesmo aconteceu com os textos de Josué (Js 24.26) e
Samuel, cujas palavras foram postas “num livro e [coloca­
das] perante o SENHOR” (ISm 10.25). Pode-se dizer o
mesmo dos livros de Jeremias e Daniel (Dn 9.2).
E evidente que o número de livros foi crescendo, e as
gerações posteriores os honraram como Palavra do Senhor.
Esdras, por exemplo, tinha uma cópia da lei de Moisés e
dos profetas (Ne 9.14,26-30). Essa lei era lida e reverencia/
da como Palavra de Deus.
Nem todo escrito religioso judaico era considerado ins­
pirado. Havia, por exemplo, o Livro de Jasar (Js 10.13), o
Livro das Guerras do SENHOR (Nm 21.14) e outros (lR s
11.41). Esses livros não sobreviveram à passagem dos sécu­
los, por isso não sabemos o que continham.
A medida que o cânon ia crescendo, muitas vezes rece­
bia a designação “Moisés e os profetas”. Tempos depois era
mencionado como “a Lei, os Profetas e os Escritos” (ou “os
Salmos”). O próprio Jesus aludiu a essa divisão em três par­
tes quando falou da “Lei de Moisés, [...] Profetas e [...] Sal­
mos” (Lc 24.44).
Banidos da Bíblia: por quê?

Para ser justo, é preciso deixar claro que a canonicidade


de cinco livros do Antigo Testamento foram vez ou outra
questionados, de cada um por uma razão específica. Para
alguns, o Cântico dos Cânticos era sensual demais, Eclesias-
tes era cético demais e, como Ester não menciona o nome
de Deus, alguns o consideravam sem espiritualidade. Ou­
tras pessoas punham em dúvida o livro de Provérbios, visto
que certos aforismos parecem contradizer outros. Por fim,
alguns estudiosos judeus consideravam o livro de Ezequiel
contrário a Moisés, afirmando que suas visões tendiam ao
gnosticismo.
Apesar dessas objeções, a maioria dos estudiosos judeus
não questionou esses livros. Foram considerados canônicos
logo após serem escritos e, quando corretamente interpre­
tados, verifica-se que estão em perfeita harmonia com os
demais livros do Antigo Testamento. Os séculos provaram
ser sábio mantê-los no cânon bíblico.
Até onde sabemos, os judeus concordam que o cânon
do Antigo Testamento foi encerrado em torno de 400 a.C.,
com a profecia de Malaquias. Aliás, o período entre o Anti­
go e o Novo Testamento é freqüentemente mencionado
como os “quatrocentos anos de silêncio”. Deus cessou de
falar diretamente a seu povo e nenhuma outra palavra sua
foi registrada.
E de que podemos ter certeza? Em primeiro lugar, sabe­
mos que nosso Antigo Testamento se baseia no cânon do
Antigo Testamento hebraico aceito pelos judeus. Em segun­
do lugar, esse é o mesmo cânon ratificado por Cristo em
suas constantes referências ao Antigo Testamento como
a sólida Palavra de Deus. Tendo sua aprovação para esses
A fraude do código Da Vinci

livros, podemos confiar que o Antigo Testamento é fidedig­


no e sua formação está concluída.4
Podemos ver nesse processo a providência de Deus. Lem­
bre-se de que esses livros do Antigo Testamento foram sele­
cionados diretamente pelo povo de Deus, sem o benefício
de um concilio para debater os méritos de cada livro. Os
próprios líderes responsáveis pela vida espiritual de Israel
decidiam quais livros compunham o Antigo Testamento.
Embora possam ter discordado de vez em quando, tais de­
cisões nunca foram submetidas a uma comissão selecionada
para tal fim.
Sim, houve um concilio em Jâmnia em 90 d.C., e a defi­
nição do cânon veterotestamentário constava da pauta, mas
apenas ratificaram livros já aceitos pelos judeus quinhentos
anos antes. Os livros autênticos provaram seu valor; o trigo
havia sido separado do joio.

0 cânon do Novo lesfam enfo ^


A mesma autoridade observada no Antigo Testamento é
atribuída aos escritores do Novo Testamento. Tal autorida­
de não se baseia em especulações ou na genialidade huma­
na, mas no caráter de Deus. Paulo foi capaz de dizer à con­
gregação de Corinto que o que lhes escrevia era manda­
mento do Senhor (lC o 14.37).
Jesus delegou aos discípulos a responsabilidade de trans­
mitir a verdade que lhes havia ensinado: “Tudo isso lhes

^D. A. CARSON, Douglas M O O & Leon MORRIS, An introduction


to the New Testament, Grand Rapids: Zondervan, 1992, p. 491.
[Publicado em português com o título Introdução ao Novo Testa­
m ento (São Paulo: Vida Nova, 1997).]
Banidos da Bíblia: por quê?

tenho dito enquanto ainda estou com vocês. Mas o Conse­


lheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome,
lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que
eu lhes disse” (Jo 14.25,26). Naturalmente, precisamos com­
preender que a igreja primitiva não tinha locais específicos
de adoração onde pudesse, a exemplo dos judeus, guardar
seus livros. O cristianismo ultrapassou as fronteiras do ju ­
daísmo e se tornou uma religião internacional. Não havia
local especial que fosse o centro de toda a autoridade. A
perseguição espalhou a igreja em todas as direções.
Os livros do Novo Testamento foram escritos durante a
segunda metade do século I. A maioria dos livros foi escrita
para igrejas locais (a maioria das epístolas de Paulo foi escri­
ta para igrejas de cidades como Efeso, Filipos etc.), enquan­
to alguns se destinavam a indivíduos. Outros livros, escritos
por diversas pessoas, visavam a um público maior da Ásia
oriental (1 Pedro), da Ásia ocidental (Apocalipse) ou ainda
da Europa (Romanos).
Com tamanha variedade de destinatários e remetentes,
é compreensível que nem todas as igrejas tivessem, de ime­
diato, cópias de todas as diversas cartas. E, com os empeci­
lhos que limitavam viagens e comunicações, foi necessário
algum tempo para averiguar os diversos livros considerados
confiáveis.
Sem dúvida, o processo de seleção e verificação era im­
portante para os primeiros crentes. Enquanto os após-
lolos estavam vivos, tudo podia ser verificado (Lc 1.2;
Ai 1.21,22). João, por exemplo, podia afirmar: “A vida se
manifestou; nós a vimos e dela testemunhamos, e procla­
ma mos a vocês a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi
A fraude do código Da Vinci

manifestada. Nós lhes proclamamos o que vimos e ouvimos


para que vocês também tenham comunhão conosco. Nossa
comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (ljo
1.2,3). Pedro nos assegurou ter sido testemunha da transfi­
guração, e sua descrição se baseava em experiência própria
(2Pe 1.16-18).
Tais quais os livros acrescentados ao Antigo Testamento,
os diversos livros do Novo iam ganhando aceitação à medi­
da que eram escritos e circulavam entre os crentes. Desde
seus primórdios, a igreja já possuía um cânon operacional,
ou seja, alguns textos j á tinham sua autoridade reconhecida,
enquanto outros nem tinham sido escritos.
Paulo ordenou aos tessalonicenses: “Diante do Senhor,
encarrego vocês de lerem esta carta a todos os irmãos” (lTs
5.27). E tornou a escrever aos colossenses: “Depois que esta
carta for lida entre vocês, façam que também seja lida na
igreja dos laodicenses” (Cl 4.16). João prometeu uma bên­
ção a todos os que ouvissem a leitura do livro de Apocalipse
(Ap 1.3). As cartas apostólicas eram nitidamente destina­
das a toda a igreja. Era como um revezamento de livros,
que crescia entre as igrejas de forma regular.
O fato de alguns livros serem aceitos como parte das Es­
crituras logo após serem escritos pode ser confirmado pelas
palavras de Pedro. Ele possuía um conjunto das cartas de
Paulo e as considerava parte das Escrituras. Veja sua fasci­
nante confirmação da autoridade de Paulo. Pedro escre­
veu: “Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor
significa salvação, como também o nosso amado irmão Pau­
lo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele
escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando
Banidos da Bíblia: por quê?

nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas di­


fíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem,
como também o fazem com as demais Escrituras, para a
própria destruição deles” (2Pe 3.15,16). As cartas de Pau­
lo, quase de imediato, eram consideradas fidedignas e parte
das Escrituras.
Outros livros desfrutaram da mesma aceitação. A cita­
ção de Pedro em Judas 17 e 18 (extraída de 2Pe 3.3); em
lTimóteo 5.18, Paulo cita o evangelho de Lucas como Es­
critura (Lc 10.17). Fica claro que os crentes da igreja pri­
mitiva aceitavam como Palavra de Deus um conjunto de
escritos cada vez maior. No fim do primeiro século, mais
de dois terços do Novo Testamento atual já era considerado
inspirado por Deus. Os outros textos eram conhecidos e
citados como fidedignos, embora não tivessem alcançado
ampla circulação.
Com certeza existem algumas discordâncias. Algumas
pessoas consideravam Hebreus um livro suspeito, visto que
a autoria do livro é desconhecida; outros duvidavam de
que 2Pedro tivesse sido escrito por Pedro, atribuindo-o a
um autor desconhecido que buscou seu conteúdo no livro
de Judas. Apocalipse não consta em algumas das primeiras
relações de livros inspirados, provavelmente por ser desco­
nhecido em alguns lugares.
Quando o herege conhecido por Marcião, opondo-se
aos textos cristãos, apareceu com sua versão das Escrituras
em 135 d.C ., a igreja viu-se obrigada a definir os livros
considerados confiáveis. Marcião era totalmente avesso à
fé judaica e se opunha à lei bíblica. Convicto de que o Deus
do Antigo Testamento era diferente do Deus do Novo
A fraude do código Da Vinci

Testamento, ele eliminou o Antigo Testamento e escolheu


os livros do Novo Testamento que se adequavam a sua fan­
tasia. A igreja precisou reagir e declarar quais eram os livros
oficiais.
Um documento chamado Fragmento m uratório, datado
de cerca de 175 d.C ., avalia os vários livros canônicos jun ­
tamente com os rejeitados pela igreja. Infelizmente, parte
desse antigo documento foi destruído. Todavia, embora fal­
tem algumas partes, os estudiosos conseguem identificar uma
lista que contém 23 dos atuais 27 livros. O documento tam­
bém lista alguns textos forjados atribuídos ao apóstolo Pau­
lo. Ao falar desses textos falsos, o autor observa que tais li­
vros não podem ser recebidos pela igreja “por não ser apro­
priado misturar veneno com m e l”.5 Tais textos não foram
banidos da Bíblia, mas postos de lado por serem reconheci­
damente falsificações.
Em verdade, podemos dizer que alguns poucos livros
foram banidos da Bíblia, como O pastor, de Hermas. Esse
livro era aceito como canônico por algumas igrejas, mas,
após algum tempo, foi rejeitado por ter sido escrito muito
tarde e por conter uma teologia que contradizia os demais
textos do cânon. O livro ensina que, se continuarmos pe­
cando, não poderemos ser salvos; também, que temos ape­
nas uma oportunidade de arrependimento. Devíamos ficar
agradecidos pelo fato de O pastor, de Hermas, não fazer
parte das Escrituras! Algumas pessoas acham que a Epístola
de B arnabé e um texto conhecido como D idaquê (ensino

5F. F. BRUCE, The canon o f Scripture, Downers Grove: InterVar-


sity, 1988, p. 160.
Banidos da Bíblia: por quê?

dos apóstolos) deveriam constar do cânon. Esses e outros


livros nao-canônicos eram lidos em algumas igrejas.

0 CÂNON £ ENCERRADO
Que dizer então sobre a alegação de que os livros do Novo
Testamento só foram definidos quarenta anos depois do
Concilio de Nicéia, o qual foi realizado em 325 d.C.? É
bem verdade que a lista completa dos 27 livros aceitos apa­
rece pela primeira vez na mensagem de Páscoa de Atanásio,
em 367 d.C. No entanto — e isso é muito importante —
naquela altura, esse cânon de 27 livros, com algumas varia­
ções, já vinha funcionando como regra na igreja por mais 99
de 250 anos!
Vimos no capítulo 1 que Constantino não decidiu quais
livros seriam incluídos no cânon; na verdade, o assunto do
cânon nem foi abordado no Concilio de Nicéia. Naquela
época, a igreja primitiva lia um cânon de livros já conside­
rado Palavra de Deus havia duzentos anos.
No entanto, o que Constantino efetivamente fez foi in­
cumbir o historiador Eusébio de Cesaréia de produzir cin­
qüenta Bíblias, para serem copiadas em pergaminhos de
boa qualidade, por escribas capacitados, e utilizadas nas igre­
jas de Constantinopla. Seria ótimo termos uma lista do ma­
terial incluído, para então verificar quais livros do Novo Tes­
tamento foram incluídos nessas cópias.
No entanto, ainda que não haja cópias dessas Bíblias,
temos todos os motivos para crer que a lista dos livros in­
cluídos no Novo Testamento era a mesma do nosso cânon
atual. E E Bruce, que ocupou durante vinte anos a cátedra
Rylands de Crítica Bíblica e Exegese na Universidade de
A fraude do código Da Vinci

Manchester, afirma que, embora não saibamos quais li­


vros estavam no Novo Testamento dessas Bíblias, “a res­
posta não constitui uma verdadeira dúvida. As cópias con­
tinham todos os livros que Eusébio listava como univer­
salmente reconhecidos [...] em suma, os mesmos 27 livros
que aparecem nas cópias atuais do Novo Testamento ” .6 As
evidências levam à conclusão de que Eusébio aceitava tão-
somente os livros já reconhecidos pela igreja como Escritu­
ra inspirada.
Por favor, entenda que tudo o que a igreja podia fazer
era reconhecer esses livros como inspirados pelo Espírito
100 Santo. Nenhum concilio ou igreja poderia tomar livros sem
autoridade e dotar-lhes de autoridade divina. Um livro tem
ou não autoridade intrínseca; provém ou não de Deus. Uma
carta escrita por George Washington seria autêntica mes­
mo que os historiadores não a reconhecessem como tal. E,
se não tivesse sido escrita por ele, nem todos os concílios e
declarações de homens poderiam torná-la escrita por suas
mãos. Tudo que a igreja primitiva podia fazer era apurar se
um livro era ou não inspirado por Deus.
Devemos ser gratos pelo fato de que, após os atuais 27
livros do Novo Testamento terem sido aceitos, não existiu
nenhum movimento digno de crédito dentro da igreja que
retirasse ou acrescentasse um livro. Existem boas razões para
crer que a igreja primitiva discerniu corretamente os livros
inspirados por Deus. O resultado desse processo não foi
forjado.

ííb id .) p. 204.
Banidos da Bíblia: por quê?

CRITÉRIOS PARÁ ACEIÍACÃO


Analisando em retrospecto, quais foram os critérios u tili­
zados na definição de quais livros seriam incluídos no
cânon? Em primeiro lugar, havia a apostolicidade , ou seja,
se o livro era escrito ou endossado por um apóstolo. Em­
bora Marcos não fosse apóstolo, seus ensinos revelam a as­
sociação com Pedro; Lucas viajava com Paulo. Esse foi um
dos motivos por que O pastor , de Hermas, foi rejeitado: foi
escrito demasiadamente tarde para ser vinculado a um dos
apóstolos.
Em segundo lugar, havia a conform idade com a regra de
fé; ou seja, se as doutrinas do livro condiziam com os profe- 101
tas do Antigo Testamento e os apóstolos do Novo. Desse
modo, embora a autoria de Hebreus seja desconhecida, o
livro era visto como uma exposição inspirada sobre como
Jesus cumpriu a lei e os rituais do Antigo Testamento.
Em terceiro lugar, um documento precisava ter sido acei­
to de forma ampla e ininterrupta para ser incluído. Jerô-
nimo apresenta suas razoes para demonstrar que não im ­
porta quem realmente escreveu o livro de Hebreus: é obra
de um “escritor da igreja” e está em harmonia com a verda­
de das igrejas em que é regularmente lido e aceito.7
Nunca é demais ressaltar o seguinte: os vários livros não
foram aceitos ou rejeitados por um concilio ou comissão. O
processo não foi o que O código Da Vinci apresenta como
a tomada de poder. Os concílios apenas ratificavam o que

7C A R S O N , M O O & M O R R I S , An introduction to the N ew Testa-


ment, p. 492-5.
A fraude do código Da Vinci

a igreja já praticava; •nenhum concilio ou papa impôs às igre­


ja s quaisquer livros que o p ovo j á não tivesse aceitado.
Veja esse rápido esboço de como o Novo Testamento foi
formado:
1. As cartas dos apóstolos eram escritas e recebidas nas
igrejas; cópias eram feitas e distribuídas.
2 . Desenvolveu-se um grupo crescente de livros reco­
nhecidos como Escritura inspirada. Dentre as consi­
derações importantes para sua aceitação estavam: o
livro foi escrito por um apóstolo ou então por alguém
que conhecia os apóstolos, contando assim com a
102 marca da autoridade apostólica? O livro estava em
harmonia com as outras doutrinas aceitas?
3. No fim do primeiro século, todos os 27 livros presen­
tes no cânon atual já tinham sido escritos e aceitos
pelas igrejas. Ainda que algumas das listas de livros
canônicos fossem incompletas, isso não pode ser sem­
pre interpretado como rejeição a alguns livros. Muir
tas vezes, apenas informa que alguns livros eram des­
conhecidos em alguns locais.
4. Como indicação tanto de concordância como de am­
pla aceitação dos livros do Novo Testamento, devemos
observar que, na geração seguinte ao fim da era apos­
tólica, todos os livros do Novo Testamento foram cita­
dos como oficiais por algum pai da igreja.8

8Norman GEISLER & William E. N lX , A gen era l introduction to


the Bible, Chicago: Moody, 1986, p. 430. [Publicado em portu­
guês com o título Introdução bíblica (São Paulo: Vida, 1997).]
Banidos da Bíblia: por quê?

5. Dúvidas ou debates sobre determinados livros conti­


nuaram a existir até o século IV . Vale repetir que, até
onde sabem os historiadores, a lista de 27 livros apa­
rece pela primeira vez na mensagem de Páscoa de Ata-
násio, destacado líder da igreja, em 367 d.C.
6 . Os 27 livros de nosso Novo Testamento foram ratifi­
cados pelo Concilio de Hipona (393 d.C.) e pelo III
Concilio de Cartago (397 d.C.).

A New Catholic encyclopedia [Nova enciclopédia cató­


lica]9 afirma: “O cânon, já indiscutivelmente implícito na
era apostólica, tornou-se aos poucos manifesto por causa de
diversos fatores providenciais que o formaram e determi­
naram”.10 Os concílios da igreja não tinham nenhum co­
nhecimento ou poder que não estivesse ao alcance de todos
os cristãos. Não houve nenhum processo de canonização
politicamente engendrado.

s ír ia po ssível q u e a ig reja tiv esse se enganado ?


Vimos neste capítulo como o povo de Deus reconheceu de­
terminados livros como Escritura inspirada tão logo iam
sendo escritos. Esse povo foi cuidadoso na observância de
tudo o que os apóstolos ensinaram e escreveram, crendo
estes serem representantes do Cristo que, por sua vez, co­
nheceram pessoalmente.

''Publicada no Brasil com o título Nova enciclopédia católica, Rio


<11* Janeiro: Renes, 1969.
10Cit. Don KlSTLER, org., Sola Scriptura!: the Protestant position
nu the Bible, Morgan: Soli Deo Gloria Publications, 1995, p. 19.
A fraude do código Da Vinci

Mas será possívelque a igreja tenha se equivocado? Cre­


mos que foi a igreja fa lív el que escolheu a lista infalível dos
livros que compõem nosso Novo Testamento. Em teoria, a
igreja poderia ter errado, pois a igreja não é infalível. Mas
não existe razão para crer que isso tenha acontecido. Em
primeiro lugar, nenhum outro livro apresenta alegações
plausíveis para ser incluído no cânon do Novo Testamento.
Os evangelhos gnósticos, como o Evangelho de Tomé, sim­
plesmente não passam nos testes necessários para inclusão,
sendo o mais importante o fato de não estarem em harmo­
nia com a regra de fé. A quem pensa que a igreja errou, eu
digo: “Exponha seus argumentos, mostre-me qual livro de­
veria ser incluído e por quê”.
Em segundo lugar, existem muitas provas circunstan­
ciais demonstrando a condução divina do processo de sele­
ção dos livros que a igreja concordou serem canônicos. Con­
siderando as distâncias geográficas, as dificuldades de co­
municação e a diversificada formação cultural das igrejas,
tal concordância é extraordinária.
Ainda lhe perturba o fato de crermos serem infalíveis as
Escrituras selecionadas pela igreja falível? Isso não devia
surpreendê-lo. Afinal de contas, foram seres humanos fa líveis
que escreveram as Escrituras infalíveis. O rei Davi, no Antigo
Testamento, e o apóstolo Pedro, no Novo Testamento, são
exemplos de escritores cujos pecados e fracassos são notó­
rios. Ainda assim, Davi escreveu Salmos infalíveis, e Pedro,
que negou a Cristo, escreveu duas epístolas infalíveis. Da
mesma forma, uma igreja falível poderia ser liderada por
Deus na escolha de uma lista infalível de livros.
Banidos da Bíblia: por quê?

Se você tem dúvidas quanto à inclusão de outros livros,


digo-lhe que passe algum tempo lendo os evangelhos gnósti-
cos ou os supostos livros perdidos da Bíblia. Você descobri­
rá que estão repletos de doutrinas sem nexo, superstições e
heresias ridículas. Então examine as Escrituras e ficará im­
pressionado, não pelas semelhanças entre os livros bíblicos
e esses textos deploráveis, mas pelas enormes diferenças.
Afirma-se que as Escrituras foram “inspiradas por Deus”.
Não se reconhece a mesma autoridade em concílios da igreja
ou em “palavras de conhecimento”. Voltemo-nos para as pa­
lavras de Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a
instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e
plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17).
So m en te u m seleto grupo de livros satisfaz critério s tão
elevados.
ci nco

Uma bem-sucedida
busca por Jesus

as você me disse que o Novo Testamento se baseou


em um monte de invencionices.
Langdon sorriu.
— Sophie, toda fé do mundo se baseia em in­
vencionices. E essa a definição d e f é — aceitação
daquilo que imaginamos ser verdade, que não po­
demos provar.1
Logo em seguida, a discussão em O código Da
Vinci passa à suposta existência de milhares de
documentos secretos que provariam cientificamen­
te que o Novo Testamento é um depoimento frau­
dulento. No entanto, por mais incrível que pare­
ça, Langdon não é a favor de trazer à tona docu­
mentos que destruiriam o cristianismo. Ele não

'B r o w n , O cód igo Da Vinci, p. 362.


A fraude do código Da Vinci

deseja arruinar a fé dos cristãos e, por sinal, nem de nenhu­


ma outra religião.
Então continua: “Aqueles que realmente entendem suas
religiões compreendem que essas histórias são metafóricas
[...] A alegoria religiosa tornou-se parte do tecido da reali­
dade. E viver nessa realidade ajuda milhões de pessoas a
enfrentarem os desafios da vida e a serem melhores”.2 Em
outras palavras, a história de Jesus não é verdadeira, mas é
útil para a vida neste mundo. Como poderemos ver no ca­
pítulo seguinte, isso eqüivale dizer que é possível desfrutar
das folhas ainda que não existam árvores!
E então? Será verdade que o Novo Testamento é baseado
108 em fantasias e que a fé cristã se resume em aceitar o que
“imaginamos ser verdade” e “não podemos provar”? O que
respondemos a quem nos diz que o Novo Testamento não é
confiável? Quão confiáveis são os dados que fundamentam
a fé cristã? Você sente sua fé estremecer quando lê que po­
deria haver, em algum lugar, algo que refute o Novo Testa­
mento?
Esse capítulo responderá às seguintes questões: “Existem
boas razões para ainda crer no Jesus tradicional, no Jesus
dos credos? Seria verdade que as recentes ações revisionistas
prejudicam de tal forma o perfil de Jesus apresentado no
Novo Testamento, que ficamos livres para moldá-lo confor­
me a imagem que desejarmos?”.

MSUS M A R
Talvez nenhum grupo de estudiosos tenha feito mais para
tentar desacreditar o perfil do Jesus apresentado no Novo

2Ibid., p. 3 6 2 -3 .
Uma bem-sucedida busca por Jesus

Testamento que o Jesus Seminar [Seminário sobre Jesus].


Eles se reúnem com regularidade na Califórnia para votar
se crêem ou nao na veracidade de cada ato ou palavra de
Cristo. Os participantes inventaram uma forma criativa de
realizar as votações: cada um deposita sua bolinha de plásti­
co em um balde. A cor da bolinha significa a opinião do
estudioso. Vermelho significa “Foi Jesus!”; rosa, “Parece ter
sido Jesus”; cinza, “Bem, é possível”; preto, “Deve haver algo
errado”.
Eles chegaram à conclusão de que apenas 18% das pala­
vras atribuídas a Jesus nos evangelhos podem realmente ter
sido ditas por ele. O resto das palavras foi aparentemente
forjado pela igreja primitiva e posto na boca de Jesus. É
óbvio que a ressurreição de Jesus foi rejeitada, juntamente
com todos os outros milagres. Não é de admirar que te­
nham chegado à conclusão de que Jesus não disse “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não
ser por mim” (Jo 14.6). Somente feitos e palavras politica­
mente corretos são atribuídos a ele.
O propósito declarado desses estudiosos liberais é trans­
formar o modo de as pessoas pensarem sobre Jesus. Suas
posições são tornadas públicas e os jornais estão sempre
noticiando suas conclusões. Eles querem “libertar a Bíblia
dos conservadores religiosos” e crêem que nossa cultura pre­
cisa de uma nova visão de Jesus. Vêem a necessidade do
Jesus que trate de preocupações modernas como o feminis­
mo, o multiculturalismo, a ecologia e a honestidade na po­
lítica. O Jesus que não passa de um homem.
Se você, como eu, crê na Bíblia, posso assegurar-lhe que
não temos nada a temer com essas especulações subjetivas.
A fraude do código Da Vinci

Aliás, se nossa compreensão for correta, esses estudiosos, em


vez de minar nossa fé, acabam por fortalecê-la! Pois, sem
dúvida, tais críticas acabam sendo mais uma razão para crer
que Cristo é quem o Novo Testamento afirm a ser!
Deixe-me explicar.
Em primeiro lugar, não se esqueça de que visões tão ra­
dicais como essas são totalmente baseadas nos palpites sub­
jetivos de cada estudioso. Na verdade, cada decisão é toma­
da com o mais resoluto preconceito contra os milagres. Na
introdução de The fi v e Gospels [Oj cinco evangelhos\ (que
inclui o Evangelho de Tome), escrita por Robert Funk, fun­
dador do Jesus Seminar, o autor afirma: “O Cristo dos cre-
110 dos e dogmas que vigoraram durante a Idade Média já não
pode exigir a aquiescência de quem viu os céus pelo telescó­
pio de Galileu”.3
O raciocínio prossegue afirmando que, como vimos os
céus por um telescópio, já não podemos crer no Jesus mila­
groso. E não se esqueça de que eles não são forçados a essas
conclusões por descobertas históricas ou arqueológicas, mas,
sim, por convicções preconcebidas e suposições naturalistas "
conscientemente escolhidas. Sim, esses estudiosos examina­
ram intensamente a vida e a época de Jesus, mas apenas
para dar forma a sua própria visão de quem Jesus realmente
foi: Jesus, o homem, o simples homem.
Nenhuma evidência histórica faria com que revissem suas
conclusões, visto que sua visão naturalista precede a inves­
tigação histórica. Movidos pelo forte preconceito contra o

3Robert W . FUNK, Roy W . HOOVER & THE JESUS SEMINAR,


The f iv e gospels: what did Jesus really say?, New York: Scribner,
1993, p. 2.
Uma bem-sucedida busca por ]csus

sobrenatural, terminam exatamente onde começam: na


mente deles não é possível existir um Jesus sobrenatural.
Uma vez que Jesus é isolado dos relatos de testemunhas
oculares, fica-se livre para interpretá-lo conforme o desejo
do freguês, com toda a imaginação e criatividade que al­
guém puder reunir. Jesus é transformado no que desejar­
mos. Ao comentar sobre o Jesus Seminar, Howard Clark
Kee, professor emérito de Novo Testamento na Universida­
de de Boston, chamou o trabalho feito por eles “desgraça
acadêmica”. Disse que seus membros “parecem decididos
a descobrir o Jesus livre de todas as características que trazem
desconforto aos intelectuais modernos, como demônios, mi- ^
lagres e previsões do futuro”.4 Colocamo-nos em terreno
muito mais firme quando cremos nos homens que lá esta-
vam, em vez de dar ouvidos a revisionistas de 2 000 anos
após esses acontecimentos.

A BUSCA PELO M J S HISTÓRICO


O esforço para desacreditar o Jesus do Novo Testamento
vem de longa data. Os intelectuais liberais vêm tentando
durante séculos separar o Jesus histórico (Jesus, o simples
homem) daquele a quem chamam “o Cristo da fé”; ou seja,
o Cristo das lendas e mitos. Vêm tentando eliminar todas as
frases e feitos sobrenaturais encontrados nos evangelhos,
com o fim de encontrar esse homem, Jesus. Com isso, acaba­
ram chegando a muitos e diferentes “Jesus históricos”; tan­
tos quanto o número de estudiosos. Em vez de escrever uma

4Í/. S. News & World Report, 1.° jul. 1991, p. 58.


A fraude do código Oa Vinci

biografia de Cristo, cada estudioso acabou por escrever a


dele mesmo!
Essa busca pelo Jesus histórico assemelha-se aos testes psi­
cológicos em que nos mostram uma mancha de tinta, per­
guntando o que conseguimos ver. Visto que o Novo Testa­
mento era considerado implausível, importando apenas a
concepção que a própria pessoa tinha de Jesus, surgiram
muitos e distintos perfis de Cristo. Alguns escritores o re­
trataram como um hippie adepto da contracultura; outros
o viram como um judeu reacionário, um rabino carismático
ou mesmo um feiticeiro homossexual. Albert Schweitzer, o
famoso humanitário, escreveu sua biografia de Cristo, con­
cluindo que foi a insanidade de Jesus que o levou a procla­
mar a própria divindade.
A vida de Cristo é o espelho em que cada estudioso vê o
reflexo das próprias dúvidas, ambições e propósitos.
No final das contas, os escritores revelam mais sobre si
mesmos que sobre Jesus. Suas contradições imprecisas e
opiniões subjetivas acabaram fazendo com que muitos inte­
lectuais se exasperassem, admitindo que a busca pelo Jesus
histórico redundou em fracasso. Descobriram que o perfil
de Cristo no Novo Testamento é como uma túnica sem
emendas; ou seja, não foram capazes de localizar a costura
que separaria “Jesus, o simples homem” de “Jesus, o celestial
operador de maravilhas”. Nenhuma navalha é bastante afia­
da para dividir o Novo Testamento com alguma objetivi­
dade. Compreendendo que a busca pelo Jesus histórico não
levaria a nada, alguns chegaram a concluir que a melhor
opção era tão-somente admitirmos não saber absolutamen­
te nada sobre ele.
Uma bem-sucedida busca por Jesus

Você talvez tenha ouvido a história da famosa pintura de


Edward Burne-Jones, Love am ong the ruins [Amor entre as
ruínas\. A obra foi destruída por uma empresa contratada
para restaurá-la. Embora fossem alertados de que se tratava
de uma aquarela, o que inspirava a maior atenção, fizeram
uso do líquido errado e dissolveram a pintura.
Ao longo das eras, os homens têm tentado reduzir a tons
de cinza o brilho da imagem de Cristo no Novo Testamen­
to. Têm se esforçado para apagar seus milagres e humanizar
suas afirmações. No entanto, até aqui, ninguém encontrou
um solvente forte o suficiente para afetar o original, capaz
de transformá-lo em uma tela fria e apagada. Independen­
temente de quem tente misturar seus matizes aos tons de
homens comuns, sua imagem permanece inalterada, im u­
ne aos que desejam achar uma diferença entre o original e
uma pretensa revisão atualizada.
Por mais que tentem, esses incrédulos não conseguem
achar o Jesus meramente humano em parte alguma do
Novo Testamento. O subjetivismo demonstrado deixou-
os com fragmentos aleatórios de informações, mas sem ne­
nhuma visão coerente de Jesus. Vêem-se diante de uma
escolha clara: ou o aceitam com o é retratado no Novo Testa­
mento, ou confessam ignorância a seu respeito. Na prática,
deparam com a compreensão de que o Evangelho é ou
completamente falso, ou completamente verdadeiro. Deci­
didos a não aceitar o Cristo miraculoso, alguns estudiosos
têm optado por afirmar que não deve ter existido Jesus his­
tórico algum!
A questão é que, por mais que nos esforcemos para vol­
tar e achar o verdadeiro Jesus, sempre encontraremos o Jesus
A fraude do código Da Vinci

sobrenatural. É a incredulidade, não a erudição, que leva


as pessoas a dizer que o Novo Testamento se baseia em “in­
venções” e que a fé é a “aceitação do que imaginamos ser
verdade”.
Agostinho viveu antes de os estudiosos terem atacado as
Escrituras com seus caprichos. No entanto, ainda em sua
época, as pessoas criam no que queriam e desprezavam o
resto. Ele escreveu: “Se você crê na parte dos evangelhos
que lhe agrada, rejeitando o que lhe traz desconforto, não é
no Evangelho que você crê, mas em si mesmo”.
E isso aí!

114 m AVALIAÇÃO DOS DOCUMÍNTOS DO NOVO TESTAMENTO


O melhor modo de confirmar a exatidão dos registros neotes-
tamentários é testá-los com os mesmos padrões utilizados
na investigação de outros documentos históricos. John
W arw ick M ontgomery, em seu livro H istory a n d Christia-
nity [H istória e cristianism o ], explica com clareza três testes
que podem ser aplicados ao Novo Testamento.5
Em primeiro lugar, há um teste biográfico, que analisa a
tradição textual de um documento. Esse teste responde às
seguintes perguntas: “Como não estamos de posse do do­
cumento original, o texto atual se baseia em cópias confiá­
veis? Considerando que existe um intervalo de cerca de 250
anos entre os originais e as cópias ainda existentes, é pos­
sível ter certeza de que dispomos de um a tradição textual
confiável?”.

5Downers Grove: InterVarsity, 1971.


Uma bem-sucedida busca por Jesus

A resposta é um inequívoco sim. Veja as palavras de sir


Frederic Kenyon, ex-diretor e bibliotecário chefe do M u­
seu Britânico:

Em nenhum outro caso, o intervalo de tem po entre a


com posição do texto e a m ais antiga cópia existente é tão
curto com o no caso do Novo Testam ento [...] A credita­
mos ter cópias exatas, em todos os aspectos, das sete peças
com pletas escritas por Sófocles; todavia, o m ais antigo
m anuscrito confiável em que o texto atual se baseia foi
escrito m ais de 1 4 0 0 anos após a m orte do poeta. Esquilo,
Aristófanes e Tucídides encontram -se na m esm a situação,
ao passo que com Eurípedes o intervalo chega a 1 60 0 ^
anos. Para Platão podem os chegar a 1 30 0 anos e, para
D em óstenes, m enos de 1 2 0 0 anos.6

Se o intervalo de 250 anos ainda o preocupa, lembre-se


de que podemos confirmar o texto do Novo Testamento, de
forma independente, por diversos meios. Primeiro, pelos
manuscritos em papiros descobertos no Egito. Tais m anus­
critos são datados de 125 d.C. e trazem fragmentos do Novo
Testamento. Segundo, pelas extensas citações do Novo Tes­
tamento que encontramos na obra dos primeiros pais da
igreja. Isso é visto como mais um a prova de que estavam
familiarizados com o Novo Testamento e que o texto que ele
continha naquela época é o mesmo que ainda hoje possuí­
mos. Citando Kenyon mais um a vez:

Portanto, o intervalo entre as datas da com posição o rigi­


nal e da m ais antiga cópia confiável é tão pequeno que

6Ib id ., p. 2 6 -7 .
A fraude do código Da Vinci

chega a ser, na verdade, insignificante. Foi destruído o úl­


tim o fundam ento para qualquer dúvida em relação à pre­
cisão existente entre o texto escrito e o que temos em
mãos. Tanto a autenticidade quanto a integridade geral
dos livros do Novo Testamento devem ser consideradas
irrevogavelmente consagradas.7

Mesmo considerando os erros cometidos por copistas e


levando em conta que os diversos manuscritos trazem va­
riações mínimas, ainda temos um texto bíblico confiável,
no qual podemos fundamentar nossa fé. Nenhuma doutri­
na é afetada por variações de grafia, ordem das palavras ou
^ acréscimo de paíavras ou frases explicativas.
O segundo teste é o da p rova intrínseca , ou seja, as afir­
mações dos próprios escritores. Eles afirmam ter testemu­
nhado os acontecimentos registrados ou que ao menos re­
ceberam suas informações de fonte confiável? João afirmou
ter presenciado os fatos do Novo Testamento e diz clara­
mente que estava presente na crucificação (Jo 19.35). Lucas
contou dispor de muitos relatos da vida de Cristo e então
continuou: “Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente,
desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó
excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas
que te foram ensinadas” (Lc 1.3,4).
Os escritores do Novo Testamento não caem em descré­
dito, contradizendo uns aos outros ou descambando para
divagações místicas. Seus momentos cie dúvida e ceticismo
serviram de incentivo para que buscassem a verdade, a fim
de que pudessem escrever com credibilidade. Muitos dos

7I b id . , p. 28.
Uma bem-sucedida busca por Jesus

livros do Novo Testamento foram escritos estando as teste­


munhas dos acontecimentos ainda vivas. Em alguns casos,
os escritores recorriam uns aos outros para verificar se o. que
escreviam era correto. Quando Paulo defendeu a ressurrei­
ção física de Cristo, citou pessoas ainda vivas que podiam
comprovar o que dizia (IC o 15.6).
Para terminar, há o teste da p rova extrínseca. Existem ou­
tros documentos históricos que confirmem ou neguem o
conteúdo do material em questão? Não dispomos de espa­
ço para recorrer à arqueologia, a não ser para dizer que, na
maioria dos casos, ela confirma os registros bíblicos. Seja a
história d e Abraão, a existência d o s hititas, o u detalh es soh re
o reinado de Salomão, o Antigo Testamento tem repetida­
mente comprovado que seus relatos históricos são confiáveis.
Quanto ao Novo Testamento, a cada ano ocorrem novas
descobertas que atestam a fidedignidade de seus registros.
E não podemos deixar de acrescentar que o famoso histo­
riador Josefo mencionou a ressurreição de Cristo. “Naque­
la época vivia Jesus, homem sábio, de excelente conduta e
virtude reconhecida [...] Pilatos ordenou que fosse crucifi­
cado e morto, mas aqueles que foram seus discípulos não
voltaram atrás. Afirmaram que ele lhes havia aparecido três
dias após sua crucificação e que estava vivo”.8

SERIA POSSÍVEL QUE OS DISCÍPULOS TIVESSEM F0R3AD0 A HISTÓRIA?


Não teria sido possível, como sugerem os teólogos liberais,
que os seguidores de Jesus tivessem inventado histórias a

&The essential w ritings, tradução de Paulo Maier, Grand Rapids:


Kregel, 1988, p. 264. [Publicado em português com o título
História dos hebreus (Rio de Janeiro: C PA D , 1998).]
A fraude do código Da Vinci

respeito dele por desejarem transformar um simples homem


no Filho de Deus? Obviamente, é isso que aprendemos com
o Jesus Seminar e com outros que tentam despojar a divin­
dade de Jesus.
Montgomery observou que essa teoria é simplesmente
inadmissível. Em primeiro lugar, Jesus teria sido um péssi­
mo candidato à de ifi cação. Seus ensinos contradiziam as
expectativas messiânicas existentes na época. Os judeus da
época esperavam um messias que viesse com uma espada
para expulsar os romanos, restaurando a nação judaica.
Como explica S. W. Baron, em Social a n d religious history o f
the Jew s [História social e religiosa dos judeus\, o consenso
118 comum era de que o Messias uniria Israel e Judá contra os
romanos.9 Isso passa longe de Jesus, que disse: “O meu
Reino não é deste mundo” (Jo 18.36). Como disse Montgo­
mery: “Somente o fato de os oficiais judeus crucificarem a
Jesus por blasfêmia já é prova suficiente para rejeitar a idéia
de que Jesus satisfazia os sonhos messiânicos da época”!10
Em segundo lugar, os seguidores de Jesus jamais teriam
declarado que um homem era Deus; tamanho delito seria
impensável. Isso teria contrariado as doutrinas da ideologia
judaica do primeiro século. Duas leis eram fundamentais
para a fé judaica: 1) a unidade de Deus e 2) o primeiro
mandamento, que diz: “Não terás outros deuses além de
mim” (Êx 20.3). Tomar um simples homem e atribuir-lhe
divindade seria sacrilégio do mais alto grau. A punição para
tal crime era o apedrejamento.

92. ed., New York: Colombia University Press, 1952, apud


M ON TGOM ERY, H istory a n d C hristianity, p. 6 8 .
10M O N T G O M E R Y , H istory a n d Christianity, p. 68-9.
Uma bem-sucedida busca por Jesus

Só há um motivo sensato para Jesus ter sido retratado


como Deus no Novo Testamento: o próprio Jesus afirmou
isso e o peso das provas convenceu os discípulos de que ele
dizia a verdade. Os discípulos eram pescadores, pessoas prá­
ticas e relutantes, cujo ceticismo precisou ser superado por
um homem que afirmava ser o Messias e dispunha de m ila­
gres e sabedoria para prová-lo!
Tomé, por exemplo, não estava propenso a crer na res­
surreição, ainda com o testemunho de dez homens. Ele dis­
se: “Se eu nao vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não
colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a
m inha mão no seu lado, não crerei” (Jo 20.25).
Jesus, graciosamente, atendeu o seu pedido. Atravessou
um a porta trancada e disse: “Coloque o seu dedo aqui; veja
as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado.
Pare de duvidar e creia”. E a resposta de Tomé? “Senhor
meu e Deus meu!” (Jo 20.26-28).
Não parece tratar-se de um homem crédulo, disposto a
crer em histórias fantasiosas sobre um pretenso messias. O
perfil de Jesus nos evangelhos não poderia ter sido inventa­
do. A exemplo do centurião que viu Cristo expirar, somos
levados a juntar nossas vozes aos que dizem: “Realmente
este homem era o Filho de Deus!” (M c 15.39).

TESTEMUNHO OCULAR
O apóstolo Pedro, sabendo que sua morte se aproximava,
quis deixar para seus leitores o último testemunho sobre a
historicidade de Jesus. Ele escreve: “Considero importante,
enquanto estiver no tabernáculo deste corpo, despertar a
memória de vocês, porque sei que em breve deixarei este
A fraude do código Da Vinci

tabernáculo, como o nosso Senhor Jesus Cristo já me reve­


lou. Eu me empenharei para que, também depois da m i­
nha partida, vocês sejam sempre capazes de lembrar-se des­
tas coisas” (2Pe 1.13-15). Em seguida, apresenta um elo­
qüente relato do que viu enquanto estava com Jesus.
Nos tempos de Pedro, os falsos mestres — e cada época
tem os seus — atacavam a doutrina da volta de Jesus em
glória. Considerando a estabilidade das leis naturais, eles
diziam: “Desde que os antepassados morreram, tudo conti­
nua como desde o princípio da criação” (2Pe 3.4).
Agora já havia uma resposta de Pedro.

^ Vimos a transform ação do Filho


Prevendo quem não creria no Jesus operador de milagres,
Pedro disse: “De fato, não seguimos fábulas engenhosamente
inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, nós fomos
testemunhas oculares da sua majestade” (2Pe 1.16). Pode­
ríamos traduzir a expressão grega como “não seguimos len­
das capciosas”. Os apóstolos não foram arrebatados pelo fa­
natismo, nem estavam inclinados a aceitar relatos questio­
náveis que não pudessem ser verificados.
Pedro continua: “Ele recebeu honra e glória da parte de
Deus Pai, quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz
que disse: ‘Este é o meu filho amado, em quem me agrado’”
(2Pe 1.17). Ele tinha o direito de falar, pois estava no mon­
te da transfiguração e viu com os próprios olhos a glória e a
honra dadas a Jesus.
Pedro afirma que eles não viram um milagre por estar
procurando algum, mas foram surpreendidos assim como
Uma bem-sucedida busca por Jesus

qualquer outra pessoa seria! Isso está de acordo com o que


nos diz João, que também foi testemunha ocular da majes­
tade de Jesus: “Vimos a sua glória, glória como do Unigênito
vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14).
Assim, Pedro, Tiago e João viram em primeira mão a gló­
ria que o Filho de Deus terá no Reino vindouro. Não eram
apenas homens curiosos explorando a possibilidade da fé
cristã, mas foram convidados a vislumbrar Jesus sem as lim i­
tações da carne. Tiveram experiências pessoais com Deus e
sabiam que a promessa feita por Jesus do Reino vindouro
não morreria com ele.

Ouvimos a voz do Pai


Pedro continua: “Nós mesmos ouvimos essa voz vinda dos
céus, quando estávamos com ele no monte santo” (2Pe 1.18).
Pedro afirma que eles viram e ouviram . Imagine a arro­
gância das pessoas que acreditam ter a melhor compreen­
são de fatos ocorridos há mais de 2 000 anos em detrimen­
to dos que testemunharam sua majestade! Em quem acre­
ditaremos? Creremos naqueles com um forte preconceito
contra o sobrenatural ou em quem estava lá e viu tudo?
Pessoalmente, espero que você me acompanhe e creia na­
queles que nos asseguram não ter ido atrás de mitos sofis­
ticados!

Confirmamos o que foi d ifo pelo Espírifo


Então Pedro lembra aos leitores que as experiências dos dis­
cípulos confirmaram as profecias. “Assim, temos ainda mais
firme a palavra dos profetas, e vocês farão bem se a ela pres­
tarem atenção, como a uma candeia que brilha em lugar
A fraude do código Da Vinci

escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça no


coração de vocês” (2Pe 1.19). Alguns interpretam essa pas­
sagem como a forma de Pedro dizer que a profecia era ga­
rantia ainda maior que seu relato. Em outras palavras, as
previsões dos profetas eram o argumento ainda mais forte a
favor da segunda vinda de Jesus.
Essas palavras também podem ser interpretadas da se­
guinte maneira: “O que vimos no monte da transfiguração
nos dá certeza ainda maior de que as profecias sobre a se­
gunda vinda devem ser verdadeiras”. A glória que viram no
monte é a prova mais forte de que os profetas falaram a
verdade. Moisés e Elias também estavam lá. Moisés repre­
sentava a Lei e Elias representava os Profetas. Tanto a Lei
como os Profetas apontavam para Cristo.
E Pedro acrescenta: “Antes de mais nada, saibam que
nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação
pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade hu­
mana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos
pelo Espírito Santo” (2Pe 1.20,21). No Antigo Testamento,
o falso profeta era reconhecido por inventar mensagens e
confundir seus pensamentos com os pensamentos de Deus
(Ez 13.3). O verdadeiro profeta, não raro, precisava pro­
ferir palavras contra a própria vontade. Muitas vezes trazia
mensagens duras que ninguém ousaria inventar.
No final, Pedro diz que a Trindade confirmou a divinda­
de de Jesus. Os discípulos viram o Filho, ouviram o Pai e
confirm aram que as profecias eram inspiradas pelo Espírito
Santo. Desse modo deparamos com uma decisão: “Em qual
opinião devemos crer? Nos que querem desacreditar o Cristo
politicamente incorreto ou nas testemunhas fidedignas dos
Uma bem-sucedida busca por Jesus

acontecimentos do primeiro século?”. Se o Novo Testamen­


to estivesse baseado em mentiras, sua credibilidade já teria
sido destruída há muito tempo.
Vejamos as palavras de Bernard Ramm:

Por mais de mil vezes, soou o dobre de sepultamento da


Bíblia. O cortejo fónebre foi formado, as inscrições da lá­
pide foram feitas e a encomenda da alm a foi lida. De algu­
ma forma, porém, o corpo nunca fica quieto no lugar.
Nenhum outro livro foi tão picado, fatiado, peneira­
do, examinado e difam ado. Q ue livro sobre filosofia, re­
ligião ou psicologia tem sofrido ataque sem elhante ao en­
frentado pela Bíblia? Q ue bela obra clássica ou m oderna
tem sido alvo de tal peçonha e ceticismo? O nde temos
visto ataques tão esmerados e eruditos? A taques a cada
capítulo, linha e princípio?
A Bíblia ainda é am ada por m ilhões e estudada por
m ilhões.11

Talvez possamos achar o motivo da longevidade da Bí­


blia nao nos homens que a escreveram, mas no Deus que a
inspirou. “A relva murcha, e as flores caem, mas a palavra
de nosso Deus permanece para sempre” (Is 40.8).
Em O código Da Vinci, Dan Brown afirma a existência
de milhares de documentos secretos que contestam o cristia­
nismo. Vamos pagar para ver e insistir na apresentação des­
ses documentos ao mundo! Não passa de um golpe baixo
fazer tal afirmação sem oferecer a menor prova. E preciso

u P ro tes ta n t C hristian e v i d e n c e s , C hicago: M oody, 1957,


p. 232-3.
A fraude do código Da Vinci

estar realmente desesperado para defender o ceticismo com


base em documentos imaginários.
Fazemos bem em nos curvar diante do Cristo do Novo
Testamento, aceitando suas afirmações e crendo que sua
crucificação foi um sacrifício pelos pecadores. Ao assim fa­
zer, desfrutamos da seguinte promessa: “Contudo, aos que
o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o di­
reito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram
por descendência natural, nem pela vontade da carne nem
pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus”
(Jo 1.12,13).

124
Caminhos discordantes:
a igreja e seus adversários

ada é original no cristianismo. O Deus pré-cristão


Mitras — chamado Filho de Deus e Luz do M undo
— nasceu no dia 25 de dezembro, morreu, foi
enterrado em um sepulcro de pedra e depois res­
suscitou em três dias”.1 Essa afirmação de sir Leigh
Teabing, personagem de O código Da Vinci, acusa
a igreja do Novo Testamento de tomar suas doutri­
nas “emprestadas” da história de outro deus pre­
sente nas tradições pagãs. É natural concluir daí
que o cristianismo se baseia em mitologia e, diga-se
de passagem, de mitologia roubada.
Podemos afirmar com segurança que o cristianis­
mo não tomou suas doutrinas sobre Jesus por em­
préstimo das lendas de Mitra, populares na Roma

^ROWN, O código Da Vinci, p. 249.


A fraude do código Da Vinci

antiga. Em primeiro lugar, o Antigo Testamento previu a


vida, morte e ressurreição de Jesus centenas de anos antes
de surgirem as superstições a respeito de Mitra. No livro de
Isaías, escrito cerca de setecentos anos antes da época de
Cristo, encontramos profecias sobre o nascimento virginal
de Jesus (7.14), seu martírio (52.14) e sua crucificação (53.1-
11). Em Salmos, temos uma prévia de sua ressurreição
(16.10). Podemos acrescentar dezenas de outras profecias
que se cumpriram na vida e na morte de Jesus. De forma
singular, o Novo e o Antigo Testamento se encaixam como
uma luva. Como alguém já disse: “O Novo está escondido
no Antigo, e o Antigo se revela no Novo”.
Diversas superstições contraditórias são associadas a M i­
tra. Isso se deve em grande parte ao fato de os seguidores de
M itra não manterem registros escritos, preferindo transmi­
tir sua fé por meio de rituais secretos. Tudo o que sabemos
sobre esse movimento vem de adversários que se opunham
a essas lendas.
Em linhas gerais, acredita-se que M itra foi um deus tan­
to dos antigos persas como dos arianos da fndia, que fize­
ram dele um de seus doze principais deuses. No zoroastrismo,
ele era um anjo, o deus da “luz celestial”. Em Roma, M itra
era associado às religiões de mistério e honrado pelos m ili­
tares como o deus da guerra.
Graças a essas diversas visões, o culto a M itra estava em
constante evolução, adaptando-se às necessidades específi­
cas de grupos ou culturas. Naturalmente, essa religião pode
ser interpretada de diversas formas, sendo difícil definir suas
doutrinas. O mais provável é que essas lendas, envolvendo
M itra num nascimento miraculoso e tornando-o um “deus
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

salvador”, tenham sido formadas a partir de histórias sobre


Jesus, passando a existir após o surgimento do cristianismo
na Roma do primeiro século.
Já demonstramos que a fé cristã tem suas raízes firmadas
em fatos históricos, não em mitologia. A igreja primitiva
opunha-se ao paganismo de forma resoluta e fez todo o
possível para garantir que a igreja não adotasse seus mitos e
práticas. Neste capítulo, examinaremos mais provas que sus­
tentam a originalidade do cristianismo.
Talvez a melhor forma de demonstrar a diferença radi­
cal entre o cristianismo e todas as demais religiões e supers­
tições seja compará-lo ao gnosticismo antigo, apresentado
hoje em dia como “outra forma de cristianismo”. Veremos o
motivo por que alguns leitores de O código Da Vinci prefe­
riram seus ensinos ao cristianismo. Embora muitas pessoas
acreditem que todas as religiões do mundo são essencial­
mente a mesma coisa, existindo apenas diferenças superfi­
ciais, veremos que a verdade é justamente o oposto: o cristia­
nismo é essencialmente distinto, sendo apenas superficialm en­
te semelhante a outras religiões e filosofias. É na verdade algo
bastante original.

CRENÇAS PREDOMINANTES
Hoje em dia, é notório que as pessoas procuram conectar-
se ao mundo metafísico. Caminhe por uma livraria e verá
muitas prateleiras dedicadas à busca espiritual. Temos li­
vros e programas de televisão que falam sobre cura e espi­
ritualidade, autoconhecimento e espiritualidade e, lógico,
sexo e espiritualidade. Existem muitos caminhos, e todos
A frau d e do código Da Vinci

slo convidados a escolher um caminho próprio para a rea­


lização pessoal.
Milhões de pessoas que jamais ouviram falar da palavra
gnosticism o são seguidoras de suas doutrinas básicas. Com­
preender o gnosticismo é compreender o porquê de ele ser
tão atraente para a geração atual, comprometida com a di­
versidade e com a espiritualidade do tipo “faça você mes­
mo”. Ao compararmos as crenças dos gnósticos com a fé
cristã histórica, estamos na verdade fazendo uma crítica do
ambiente religioso atual.
Embora o gnosticismo fosse um movimento extremamen­
te heterogêneo, detentor de muitos ensinamentos compli­
cados, abordaremos sua doutrina sobre Jesus em sua forma
mais conhecida. O tempo e o espaço exigem que limitemos
o assunto a apenas alguns ensinos sobre Jesus, os quais apa­
recem em apenas alguns dos textos. Para uma abordagem
mais ponderada do gnosticismo, existem excelentes obras à
disposição.2

Q UALM JS?
Em geral, podemos dizer o seguinte: os gnósticos acredita­
vam que a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus
eram irrelevantes. Acreditavam que esses acontecimentos
não tinham nenhum efeito sobre a nossa salvação. O que
lhes interessava era a presença imediata de Cristo, acessível

2Edwin M. Y A M A U C H I, Pre-Christian Gnosticism: A survey of


the proposed evidences, Grand Rapids: Eerdmans, 1973. Esse
ótimo livro analisa o gnosticismo primitivo e seu relacionamento
com a igreja.
C am inhos discordantes: a ig reja e seus adversários

a todos os que experimentassem a gnosis, ou seja, a ilumina­


ção disponível a todos os despertados para ela. Desse modo,
eles incentivavam a experiência direta com Deus, sem a in­
termediação de Cristo e sem as restrições da igreja.
Os gnósticos não viam a morte de Jesus como o ato de
expiação, mas, sim, a oportunidade para descobrir o eu di­
vino dentro de cada um.3 Até mesmo os gnósticos para
quem Jesus morrera a favor de outras pessoas não viam ex­
piação alguma nesse ato, mas, sim, a forma de despertar os
outros para as possibilidades divinas deles mesmos. Como
logos, Jesus podia transcender a morte e trazer a gnosis. (Mui­
tas vezes, a palavra logos era usada pelos gnósticos com res­
peito à razão, ou em relação a um tipo especial de conhe­
cimento.)
Quanto à ressurreição, os gnósticos eram unânimes em
rejeitar a ressurreição física de Jesus. Certo escritor referiu-
se a isso como “fé de tolos”. Por esse motivo, a ressurreição
não era considerada um acontecimento singular, em que
um homem venceu a morte e retornou de fato de sua se­
pultura. Em vez disso, era interpretada simbolicamente,
como metáfora que explicava como a presença de Cristo
podia ser experimentada. O importante não era ver uma
forma física voltar dos mortos, mas, sim, experimentar a “vi­
são espiritual”. Por isso, no Evangelho d e M aria, as apari­
ções posteriores à ressurreição são retratadas como visões,
sonhos e transes.4

3E la in e PAGELS, The G nostic Gospels, New York: Random,


1979, p. 95.
4Ibid., p. 11.
A fraude do código Da Vinci

Ainda que os gnósticos cressem que essas visões eram


acontecimentos reais, permanece o fato de eles negarem a
historicidade do Novo Testamento, ou a considerarem
irrelevante. Para eles, o que importava era a experiência
imediata de Cristo, não os acontecimentos relacionados às
experiências dele na terra.
Cristo é um auxílio para nós, mas não fez nada que fosse
indispensável a nossa salvação. Na mente deles, a vida de
Jesus na terra não foi um acontecimento indispensável, ocor­
rido no passado, no qual Deus veio à terra para resgatar a
humanidade. Jesus devia ser honrado, mas não adorado
I^Q como mediador ou redentor divino.

AUTO-SALVACÃO
Para os gnósticos também, quando encontramos a Deus,
estamos na verdade encontrando a nós mesmos, pois o co­
nhecimento do eu é o conhecimento de Deus. Assim, a te­
ologia é na verdade antropologia. O que realmente faze­
mos é acender a chama do sagrado existente em cada um
de nós. Deus, independentemente do modo que o definir­
mos, seja masculino, seja feminino, é na verdade uma ex­
tensão de nós mesmos.
No Evangelho d e Tomé, quando os discípulos perguntam
a Jesus sobre aonde deveriam ir, ele responde: “Há luz no
interior do homem de luz e ele ilumina o mundo inteiro. Se
ele nao brilha, ele é escuridão”.5 Dessa forma, não somos
conduzidos para Cristo, que existe fora de nós como nosso

5Ibid„ p. 120.
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

salvador. Em vez disso, a fim de nos salvar, devemos olhar


para a luz que há dentro de nós.
No Evangelho de Filipe, descobrimos uma visão ainda mais
radical de nosso relacionamento com Deus. Ele diz: “Deus
criou o homem; [mas agora os homens] criaram Deus. É
desta maneira que são as coisas no mundo: os homens criam
deuses e adoram sua criação. Seria apropriado que os deu­
ses adorassem os homens!”.6
De acordo com essa teoria, nem Jesus nem qualquer
outro líder religioso é Deus de forma exclusiva. Todos po­
demos ser deuses e, na verdade, podemos fazer nosso deus!
O problema do homem, de acordo com os gnósticos, não ]3]
é o pecado, mas a ignorância. Precisamos apenas saber
como acessar a gnosis e então experimentar nossa ilum ina­
ção. Em vez de ser salvo por uma força exterior, o homem
deve resgatar a si mesmo. As pessoas são completamente
livres para criar o próprio Deus conforme sua imagem e
semelhança.
É desnecessário dizer que não precisamos crer em de­
terminado conjunto de doutrinas para ser salvos. Mestres
podem servir ao propósito específico de liderar-nos na di­
reção da verdade, mas, para termos a suprema experiên­
cia da gnosis , precisamos prosseguir por conta própria.
Aliás, para alguns gnósticos, submeter-se à hierarquia re­
ligiosa significa submeter-se a “guias cegos”, cuja autori­
dade provém do criador maligno.7 Na prática, os sistemas

6Ibid., p. 122.
7Ibid„ p. 110-1.
A fraude do código Da Vinci

doutrinários são vistos como obstáculos para o progresso


pelo caminho gnóstico.

OS GNÓSTICOS ONTEM í T O
Os gnósticos com certeza aprovariam o Parlamento das Reli­
giões Mundiais, a que compareci em 1993. No total, cerca
de 6 500 representantes de todas as partes do mundo se
reuniram para discutir a possibilidade de unificação das re­
ligiões mundiais. As premissas básicas eram as seguintes:

• Nenhuma religião é superior às demais.


• As doutrinas deveriam ser vistas como caminhos sub­
jetivos necessitados de revisão, não como verdades in­
flexíveis.
• O proselitismo deveria ser proibido, pois tentar per­
suadir outras pessoas a crer em uma religião especí­
fica só serve para despertar o fantasma da exclusivi­
dade e a temível palavra superioridade.
• O que mais importa é procurar a experiência religio­
sa conforme os gostos e as inclinações pessoais.

Os gnósticos concordariam em que o caminho tomado


não importa, contanto que experimentemos nossa gnosis
— o centro místico onde experimentamos a iluminação.
No Parlamento encontrei pessoas que diziam: “Eu sou
budista cristão” ou “Faço parte do cristianismo da Nova
Era”. As pessoas falavam sobre tirar o melhor da cada reli­
gião e criar sua mistura, formando uma religião com as
crenças de sua preferência. Em muitas seções, Jesus era
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

falsamente louvado. Algumas pessoas afirmavam sua impor­


tância para o Ocidente, mas não para o Oriente. Outros
diziam que ele foi um grande mestre e até mesmo uma ex­
cepcional revelação de Deus, mas apenas uma dentre m ui­
tas revelações semelhantes.
O retorno do gnosticismo aos círculos cristãos deve-se a
sua sintonia com a atual tendência da igreja. Um movimen­
to rumo à diversidade religiosa e ao encontro de uma pos­
tura que insiste em que o caminho para Deus não pode ser
bem definido. Nessa visão, ninguém tem o direito de dizer:
“Este é o caminho errado!”. A autoridade reside em cada
indivíduo e não deve ser imposta por ninguém, nem mes­
mo por Jesus. Em outras palavras, é perfeitamente aceitável
termos experiências místicas não vinculadas a nenhum fato
importante na vida do Jesus histórico.
H á pouco tempo, ouvi em um programa de entrevistas
um médium que afirmava se comunicar com os mortos.
Quando lhe perguntaram se havia algum julgamento após
a morte, ele disse: “Não. Quando morremos, nós mesmos
nos julgamos”. Se os gnósticos tivessem crido no juízo final
(a maioria não cria), teriam certamente concordado com
essa opinião. Se somos capazes da salvar a nós mesmos, tam­
bém podemos julgar a nós mesmos.
Assim, se cada pessoa busca a Deus a sua maneira e se
há algum a verdade em toda e qualquer religião, por que
falar de Jesus como se ele fosse a única opção sensata? Já
ouvi pessoas me dizerem que, se Jesus funciona para mim,
tudo bem; mas, se alguma coisa funciona melhor para ou­
tra pessoa, não há problema. Por que não sermos tolerantes
A fraude do código Da Vinci

e aceitarmos as opções disponíveis em nossa cultura diver­


sificada e heterogênea?

0 GRANDE DIVISOR DE ÁGUAS


Então, o que diferencia o cristianismo da mitologia mitraica
e do misticismo gnóstico? Como podemos ter certeza de
que temos algo original e não a cópia de alguma outra fé?
Sem dúvida é possível que pessoas de várias crenças tenham
alguma espécie de experiência religiosa, mas, deixados por
conta própria, somos como formigas passeando sobre um
quadro de Rembrandt. Percebemos a aspereza da tela e as
134 cores mudando sob nossos pés, mas somos incapazes de com­
preender o que vemos. A revelação de Deus no Novo Testa­
mento nos ajudará a encontrar o caminho.
Começamos por observar que o cristianismo distingue-
se das outras crenças em sua compreensão do pecado. Lon­
ge de crer que Deus é essencialmente como nós, os cristãos
compreendem a clara doutrina bíblica de que transgredi­
mos as leis de Deus e não somos capazes de, por conta pró­
pria, voltar a ter comunhão com nosso Criador. Essa dou­
trina do pecado original (e nosso conseqüente comporta­
mento ímpio) repercute profundamente em nossas experi­
ências. Ninguém que tenha lido estas páginas escapou do
sofrimento da injustiça, dos efeitos sufocantes do egoísmo e
das dores lancinantes do remorso.
Creio que foi G. K. Chesterton quem afirmou não con­
seguir compreender por que alguém negaria o pecado ori­
ginal, visto que é a única doutrina que pode ser comprova­
da no dia-a-dia ao lermos um jornal! Lemos sobre o mal
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

perpetrado por outras pessoas e, se formos honestos, sabe­


mos intuitivamente que somos capazes de atos essencialmente
iguais. Tam bém sabemos por intuição que, além de nós
mesmos, somos responsáveis perante m ais alguém . A culpa
não é um sentim ento que pode ser esquecido. U m a cons­
ciência culpada indica o reconhecim ento íntim o de que v i­
olamos nossos padrões e de que, algum dia, seremos cha­
mados a prestar contas perante o Ú nico que conhece os
segredos de nossa alma.
Agora ju n te isso com a doutrina bíblica da santidade de
Deus. As Escrituras o apresentam como puro, im aculado e
sem defeito. Ele é o Criador, Provedor e Juiz a quem deve­
mos prestar contas. A B íblia nega a idéia de que podemos
cham ar a nós mesmos de Deus, agindo como se tivéssemos
os sinais da divindade. Aliás, essa foi a prim eira m entira da
religião dem oníaca encontrada em Gênesis 3. C om certeza
somos criaturas feitas à im agem de D eus, mas em nossa es­
sência jam ais seremos como ele.
Então entra Jesus.
Jesus é o único que possui as qualificações de um salva­
dor; ou seja, a capacidade de selar a brecha existente entre
nós e o Deus da Bíblia. Jesus pode contar-nos sobre Deus,
dizer o que espera de nós e em que termos está disposto a se
associar a nós. Para resumir, descobrimos em Jesus alguém
com inform ações privilegiadas. A lguém apto a falar em
nom e de Deus. Graças a Jesus, podemos ter a fé que supre
perfeitam ente nossas necessidades. Nele, encontram os o
Deus redentor.
Para ser claro, Jesus insistia que sua vinda a esse m undo
foi um acontecim ento histórico único que jam ais voltará a
A fraude do código Da Vinci

se repetir, no qual a salvação foi com prada para os que nele


confiam . Ele precisava estar fisicam ente presente p ara que
esse ato de expiação fosse consum ado. Tão fisicam ente pre­
sente como os bombeiros que salvaram vidas na tragédia
que ocorreu em Nova York, em 11 de setembro. D outrinas
e idéias maravilhosas não podem salvar alguém preso em
um incêndio.
Embora um simples hom em possa resgatar outro ser
hum ano de um prédio em chamas, somente um hom em
divino pode nos reconciliar com Deus. Logo, som ente o
Jesus divino e hum ano pode nos trazer à presença do Deus,
contra cuja justiça pecamos. Esse Jesus precisou nascer como
hom em , morrer e se sacrificar por nossos pecados. O sacri­
fício recebido pelo Pai durante as seis horas que esse ho-
m em -D eus ficou pendurado na cruz.
Nossos pecados sao tão reais quanto os de um ladrão
que rouba dinheiro de um a caixa-forte. E, como a com ­
pensação exige que o dinheiro seja reposto, tam bém o p a­
gam ento pelo nosso pecado precisou ser feito antes de nos
reconciliarm os com D eus. Idéias não podem fechar a bre­
cha existente entre nós e D eus. Som ente um ato de expia­
ção pode fazer isso.
N aturalm ente, não quero dizer que o pagam ento feito
por Jesus na cruz teve um a conotação física, como se fosse
um bolo de notas de cem dólares. No entanto, lemos: “Pois
vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como
prata ou ouro que vocês foram redim idos da sua m aneira
vazia de viver, transm itida por seus antepassados, mas pelo
precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem m an ­
cha e sem defeito” (lP e 1.18,19). Jesus teve de m orrer; seu
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

sangue teve de ser derram ado; ele teve de suportar nosso


pecado; a justiça do Pai precisava ser satisfeita.
Q ue os pagãos, antigos ou modernos, peguem o que
quiserem das palavras de Jesus. M as, se negam que sua morte
e ressurreição foi a parte principal de sua missão, estão ne­
gando o que significa ser cristão. Reduza o im pacto de Jesus
a seus ensinamentos, e você estará extirpando o cerne do
que o Novo Testamento continuam ente cham a Evangelho:
as boas novas.
Essa insistência obstinada em confirm ar a vinculaçao do
cristianism o à historicidade de Jesus levou Paulo a m encio­
nar que a ressurreição física poderia ser verificada pelas
quinhentas pessoas que efetivam ente viram a Jesus. Levou-
o tam bém a afirm ar que m uitas testem unhas continuavam
vivas na época. Ele então acrescenta: “E, se Cristo não res­
suscitou, in ú til é a fé que vocês têm , e ainda estão em seus
pecados” (IC o 15.17).
A encarnação é a grande lin h a divisória entre o cristia­
nismo e o gnosticismo e, a propósito, tam bém entre o cristi­
anism o e o islam ism o. N a fé islâm ica, a encarnação é um a
grande blasfêm ia. Os m uçulm anos acreditam que A lá não
pode ter contato direto com o m undo. Já o cristianism o
ensina que não somos salvos pelos exemplos ou idéias de
C risto; nem somos salvos por termos um a revelação ou vi­
são com ele. Nossa gnosis, por mais que tenha sido bem ela­
borada e experim entada, não pode elim inar os obstáculos
que nosso pecado fez surgir entre Deus e nós.
Isso explica por que os prim eiros escritores cristãos se
recusaram a m isturar o cristianism o com as outras reli­
giões. C o m certeza não estavam interessados em “tom ar
A fraude do código Da Vinci

emprestado” qualquer coisa das crenças pagãs, opondo-se


fortemente a elas. Embora outras religiões possam ter dou­
trinas éticas semelhantes às do cristianismo, elas diferem
em uma questão fundamental: a encarnação e o que ela
realizou.
Todas as formas de espiritualidade que afirmam sermos
capazes de chegar a Deus (independentemente de como o
definam) por conta própria opÕem-se claramente à obra
salvadora de Deus por intermédio de Cristo. Esse abismo,
infinito e intransponível, opõe o gnosticismo ao cristianis­
mo sem nenhuma esperança de chegar ao meio-termo. So­
mente quem não compreende a verdadeira natureza do
cristianismo pode chamar o gnosticismo “forma alternativa
de cristianismo”.
As boas novas do Novo Testamento dizem que Deus nos
deu o ministério de reconciliação, “ou seja, que Deus em
Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não levando
em conta os pecados dos homens” (2Co 5.19). O cristianis­
mo declara que a salvação de Deus para o mundo compre­
ende a encarnação e os atos subseqüentes de Jesus sobre a
terra.

DEUS, SIM... MÁS POR Q U E M ?


M uitas vezes ouvimos “Gosto de Deus, mas não de Jesus”,
como se existissem muitos caminhos para chegar a Deus. A
Bíblia faz duas advertências. Em primeiro lugar, alerta para
não adequarmos Deus a nossas preferências: “Não terás
outros deuses além de m im” (Ex 20.3), o primeiro m an­
damento. As palavras tinham acabado de ser escritas na tá­
bua de pedra de Moisés, e os israelitas já tinham violado o
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

mandamento fabricando um bezerro de ouro. Também co­


metemos idolatria quando idealizamos um deus conforme
nosso entendimento.
M as a Bíblia apresenta um segundo alerta: devemos nos
achegar ao Deus certo da m aneira correta. Caim e Abel di­
rigiram-se ao Deus certo, mas um trouxe uma oferta que
foi aceita, enquanto a do outro foi rejeitada. O Novo Testa­
mento fala dos que “seguiram o caminho de Caim” (Jd 1.11),
ou seja, que imaginam poder vir a Deus da forma que dese­
jam e em seus termos.
Nadabe e Abiú eram filhos de Arão e sobrinhos de Moisés.
Eram consagrados a Deus, como se fossem seminaristas em
treinamento para o ministério em tempo integral. Certo
dia, “trouxeram fogo profano perante o SENHOR, sem que
tivessem sido autorizados”, e Deus respondeu à altura: “En­
tão saiu fogo da presença do SENHOR e os consumiu. M or­
reram perante o SENHOR” (Lv 1 0 .2 ).
Somos tentados a dizer que Deus exagerou. Eram jovens
e mereciam segunda oportunidade; além disso, eram filhos
de Arão, o sumo sacerdote. Esperaríamos um pouco de to­
lerância. Mas bem ali, diante do altar de Deus, Nadabe e
Abiú foram imediatamente aniquilados — sem julgamento
ou segunda oportunidade.
Por que Deus fez isso? Ele mesmo explicou: “Aos que de
m im se aproximam santo me mostrarei; à vista de todo o
povo glorificado serei” (Lv 10.3). O erro desses homens não
foi a aproximação do Deus errado, mas tê-la feito da ma­
neira errada. Eles aprenderam, da pior maneira possível-,
que não podiam se achegar d e qualquer jeito.
A fraude do código Da Vinci

Todo acesso à presença de Deus deve ser mediado. Nós,


pecadores, não podemos simplesmente nos aproximar dele
por conta própria. E por que devemos chegar por intermé­
dio de Jesus? Sendo o homem-D eus, Jesus é perfeitam en te
im aculado. Por isso, ele é o único que p o d e nos dar a ju stiça
m ediante a qual podem os entrar na santa presença d e Deus.
O cristianismo opõe-se inexoravelmente a qualquer cren­
ça de que a salvação envolva esforços próprios. Todo mérito
humano — atos que nos fazem sentir melhor a respeito de
nós mesmos — precisa ser permanentemente afastado para
que nos reconciliemos com Deus. Atos de compaixão e gen-
140 tileza podem ser encontrados em todas as religiões do mun­
do. E lógico que é muito melhor sermos boas pessoas, e não
más. Mas o cristianismo assevera a incapacidade dessas obras
de mudar o conceito divino sobre nosso pecado.
Gostamos de pensar em nossa superioridade sobre os ou­
tros. Quando, porém, nos comparamos a Deus — único
padrão aceito por ele — , percebemos haver pouca diferen­
ça entre todos nós, membros da família humana. Não te­
mos nada em comum com a santidade de Deus. Como dis­
se Agostinho: “Quem compreende a santidade de Deus,
desespera-se tentando apaziguá-lo”. Se Deus não tomasse a
iniciativa de nos salvar, não haveria meios de sermos salvos.
Como Deus pode se associar a pecadores e ainda m an­
ter sua honra? A santidade de Deus não poderia ser m acu­
lada ou comprometida na realização de seu intento. D aí
concluím os que som ente Deus poderia satisfazer as suas exigên­
cias, e fo i exatamente o que fe z em Cristo. Nenhuma outra
religião alega existir um único Deus criador transformado
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

em homem para nos redimir. Nessas importantes questões,


o cristianismo é único e original.
Naturalmente, quando Tomé perguntou a Jesus “Como
então podemos saber o caminho?”, ele recebeu uma res­
posta clara: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Nin­
guém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14.6). Um turista
atravessando um deserto pergunta a seu guia “Onde é o
caminho?”, ao que o guia responde: “Eu sou o caminho”.
Alguém já disse que Cristo é o caminho desde a ruína do
homem até Deus Pai, desde a cidade de destruição até a
cidade celestial.
Quando Filipe pediu a Jesus “Mostra-nos o Pai, e isso
nos basta”, Jesus simplesmente respondeu: “Quem me vê,
vê o Pai” (Jo 14.8,9). Deus entrou em uma despretensiosa
casa judaica, não se envergonhou em trabalhar como um
homem e soube o que era ser tentado. Deus foi pendurado
na cruz.
Na verdade, Jesus estava dizendo a Filipe: “Ouça minhas
palavras! Olhe para mim! Creia em mim! Então você co­
nhecerá o Pai. Eu posso levá-lo por todo o caminho, até em
casa”.

A TEOLOGIA DO GATO RISONHO8


Os religiosos liberais, em especial os ministros, debatem-se
com o que dizer no Natal e na Páscoa. As narrativas do Novo
Testamento ficam ali, encarando-os fixamente, mas, se eles

8Personagem de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.


(N. do T.)
A fraude do código Da Vinci

não crêem em anjos, estrelas guias ou na ressurreição de


Jesus, o que podem dizer de forma honesta? Não causa es­
panto que em uma igreja da Califórnia tenham escrito a
seguinte faixa de Páscoa: “Páscoa é tempo de flores”.
No Natal passado, um ministro de Chicago disse a sua
imensa congregação: “E o que fazemos com os relatos de
pastores, estrelas e magos [...] Precisamos acreditar que tudo
isso aconteceu? Não, não precisamos. O que importa é o
espírito do N atal!”. Assim, embora supostamente esses fa­
tos não tenham acontecido, somos convidados a buscar o
espírito do Natal ou da Páscoa. Os gnósticos teriam ado­
rado isso!
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H á mais de sessenta anos, Helmut Richard Niebuhr fez
uma descrição do cristianismo nos Estados Unidos que, nos
dias de hoje, é ainda mais verdadeira que naquela época:
“O Deus sem ira trouxe o homem sem pecado para o reino
sem juízo, por meio da ministração do Cristo sem cruz”.
Isso me faz recordar o Gato Risonho de Alice no País das
M aravilhas. Lembre-se que, ainda que o gato desapareces­
se, seu sorriso podia ser visto na escuridão. Obviamente,
quero destacar que o “espírito” do Natal ou da Páscoa não
significa nada, a menos que os fatos relacionados tenham
realmente acontecido. E como dizer que podemos ter la­
ranjas sem laranjeiras, ou uma roda sem eixo. E mais do que
claro que, se esses fatos da salvação não aconteceram, preci­
samos nos salvar da melhor forma que pudermos.
Ao descrever os falsos mestres de sua época, Judas escre­
veu: “São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores
de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela
raiz. São ondas bravias do mar, espumando seus próprios
Caminhos discordantes: a igreja e seus adversários

atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão re­


servadas para sempre as mais densas trevas” (Jd 1.12,13).
Ele prossegue dizendo o que é mais do que óbvio, esses
mestres “seguem os seus próprios desejos impuros” (1.16).
M itra não é Jesus, nem o Jesus dos gnósticos é o Jesus do
cristianismo. O Jesus do Novo Testamento nasceu de uma
virgem, morreu por nossos pecados e ressurgiu. Ele agora
nos convida a participar de sua vitória. Se repelirmos a luz,
quão imensas são as trevas!
Falando novam ente ao povo, Jesus disse: “Eu sou a luz do
m undo. Q uem me segue, nunca andará em trevas, mas
terá a luz da vida” (Jo 8.12).
Do meu coração para o seu

erta feita, li que o diretor sueco Ingmar Bergman


sonhou estar de pé em uma catedral européia, con­
templando uma pintura de Jesus. Desesperado por
ouvir uma palavra que não pertencesse a seu mun­
do, ele sussurrou: “Fale comigo!” .
Reinava o mais absoluto silêncio.
Fiquei então sabendo que essa resposta incenti­
vou a fazer Silence [Silêncio], filme que retratava
pessoas já sem esperanças de encontrar a Deus. Em
nosso mundo, acreditamos poder ouvir somente a
nós mesmos. Não nos chega nenhuma voz exterior
à situação humana que nos fale sobre a realidade
final. Ao buscar uma palavra de Deus, deparamo-
nos muitas vezes com o mais absoluto silêncio.
Será que Deus falou ou o universo mantém si­
lêncio a respeito de questões fundamentais? Se Deus
não falou, nós mesmos devemos nos manter em
A fraude do código Da Vinci

silêncio, pois não temos a menor idéia do significado da


vida. Nem podemos julgar questões morais ou especular
sobre a possibilidade de vida após a morte. Também deve­
mos manter silêncio em nossa busca por justiça, pois, se não
há Deus, não há como ter certeza de que a balança da justi­
ça algum dia funcionará.
A boa notícia é que temos claríssimas provas de que
Deus falou, e falou de forma inequívoca. A B íblia ensina
que Deus tem falado na natureza. M as a natureza não nos
diz se Deus am a o mundo, nem nos conta como podemos
nos reconciliar com nosso Criador.
Q uando Deus quis falar em um a linguagem hum ana,
veio na pessoa de Jesus. Lemos: “H á m uito tempo Deus fa­
lou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassa­
dos por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-
nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas
as coisas e por meio de quem fez o universo” (Hb 1.1,2).
Q uando Cristo apareceu em forma hum ana, houve a
explosão de revelação. Ele foi a últim a e mais completa men­
sagem de Deus para a hum anidade. E, se formos honestos,
precisamos adm itir que as provas de que ele é o Filho de
Deus são esmagadoras.
Em um estudo bíblico em que participei, conheci um a
m ulher judia que me contou quão desesperadamente que­
ria descobrir a verdade sobre Deus. Disse-me orar todos os
dias para que Deus lhe mostrasse como ter um relacio­
namento pessoal com ele. O simples pensamento, porém,
de que Jesus podia ser o Filho de Deus, o Messias, deixava-
a apavorada. “O Deus”, orava ela, “por favor, que seja qual­
quer um menos Jesus!”.
Do meu coração para o seu

No entanto, ao findar sua busca, essa m ulher contou-me


que seu pior medo se tornou realidade: no fi m das contas,
Deus era Jesus! Temos muitas e boas razões para crer que ela
estava certa. Lênin afirmava que, se o comunismo fosse
implem entado, haveria pão em todos os lares. Nunca, po­
rém, ele pôde dizer: “Eu sou o pão da vida. Aquele que vem
a m im nunca terá fome; aquele que crê em m im nunca terá
sede” (Jo 6.35).
Buda ensinava a ilum inação; todavia, ao morrer, busca­
va por mais luz. Ele nunca disse: “Eu sou a luz do mundo.
Q uem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da
vida” (Jo 8.12). Sigm und Freud acreditava que a psicologia
poderia curar todas as dores espirituais e emocionais. Não
podia, no entanto, dizer: “Deixo-lhes a paz; a m inha paz
lhes dou. Nao a dou como o mundo a dá. Não se perturbe
o seu coração, nem tenham medo” (Jo 14.27).
Sempre que encontro um ateu ou agnóstico, lanço o
desafio para fazer um a experiência de 21 dias. Em resumo,
peço que leia um capítulo do evangelho de João a cada dia,
m antendo a mente aberta. Aliás, já cheguei a desafiar in ­
crédulos a orar assim: “Deus, se você existe, mostre-me!”.
Aqueles que tiveram a coragem de aceitar m inha sugestão,
acabaram adm itindo, envergonhados, que as histórias so­
bre Jesus não poderiam ter sido inventadas. Acreditar que
quem nos deu o Sermão do M onte poderia m entir sobre
sua identidade simplesmente não faz sentido. O u reconhe­
cemos que ele é o Filho de Deus, ou apresentamos provas
de que ele foi um fanático delirante.
H á alguns anos, vi a famosa pintura de Rem brandt,
The n igh tw a tch [O gu a rda n oturno ], no Rijksm useum , em
A fraude do código Da Vinci

Amsterdã. Se tivesse dito à guia que a pintura devia ser re­


feita para satisfazer meu gosto e expectativas, ela teria tido
todo o direito de dizer: “Não é a pintura que está em julga­
mento, é v o c ê r .
Assim como amadores são rápidos em apresentar um
veredicto diante de uma obra-prima, as pessoas de hoje em
dia não se incomodam de julgar superficialmente a pessoa
de Jesus. Se ao menos esperassem um pouco mais, percebe­
riam que são elas que estão em julgamento, não Jesus.
Nenhuma outra religião no mundo ensina o que Cristo
ensinou: nossa reconciliação com Deus deve ser um dom
gratuito para pecadores indignos. O motivo? Não temos o
tipo de justiça que Deus aceita; não nos podem os tornar sufi­
cientem ente bons para Deus. Visto que não temos como cor­
rigir nosso relacionamento com Deus, precisamos de gran­
de dose de graça.
H á esperança para todos, até mesmo para quem se con­
sidera além de qualquer esperança. Deus pode salvar gran­
des pecadores da mesma forma que salva os “melhorzinhos”.
A questão não é a grandeza de nosso pecado, mas a precio­
sidade da justiça creditada a nosso favor. Imagine uma tri­
lha suja e com terríveis buracos. A seu lado, corre uma bela
estrada bem pavimentada e bem cuidada. Se cair meio metro
de neve, você não poderá dizer a diferença entre os dois
caminhos! Da mesma forma, quando confiamos em Cris­
to, ele cobre nossa “sujeira” (seja grande, seja pequena) com
seu perdão e graça.
E evidente que essa graça precisa ser um dom gratuito.
Gratuito porque não há nada que possamos acrescentar com
nossa bondade e promessas de regeneração. “Pois vocês são
Do meu coração para o sei

salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, e
dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie’
(Ef 2.8,9).
Ao fechar este livro, eu o convido a curvar a cabeça di­
ante de Cristo — não do Cristo de O código Da Vinci, mas
diante do Cristo do Novo Testamento, que a todos convida
para si, onde há graça e perdão. A um paralítico ele disse
“Filho, os seus pecados estão perdoados” (Mc 2.5), e a uma
mulher imoral ele deu este consolo: “Sua fé a salvou; vá em
paz” (Lc 7.50).
Após sua ressurreição e exaltação aos céus, Jesus afirmou:
“Não tenha medo. Eu sou o Primeiro e o Ultimo. Sou Aque­
le que Vive. Estive morto mas agora estou vivo para todo o
sempre! E tenho as chaves da morte e do Hades” (Ap 1.17,18).
Essas são as palavras do Salvador em quem vale a pena
confiar.

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