Eleições 2018 e a Crise da Democracia Brasileira
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Eleições 2018 e a Crise da Democracia Brasileira - Carolina de Paula
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
LEGISLATIVO
1.1 O DESAFIO DA REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
REFERÊNCIAS
1.2 EFEITOS PRÁTICOS DA SUB-REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
1.3 O QUE AFASTA PRETOS E PARDOS DA POLÍTICA?
1.4 SUB-REPRESENTAÇÃO E INSATISFAÇÃO COM A DEMOCRACIA
1.5 COMO LEGISLAM OS DEPUTADOS FEDERAIS: CLIMA E MEIO AMBIENTE
1.6 O QUE AS AGENDAS DE CLIMA E CIÊNCIA DIZEM SOBRE O CONGRESSO
1.7 POR QUE SE PREOCUPAR COM AS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS?
1.8 OS PARTIDOS NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS NO ESTADO DO RIO
1.9 AINDA SOBRE A IMPLOSÃO DA CENTRO-DIREITA TRADICIONAL
1.10 AINDA SOBRE A IMPLOSÃO DA CENTRO-DIREITA, NO RIO E EM SÃO PAULO
CAPÍTULO 2
ECONOMIA
2.1 ELEIÇÕES 2018 E AGENDA ECONÔMICA: O QUE ESTÁ EM PAUTA?
2.2 PARTIDOS DE EMPRESÁRIOS: PARTIDO NOVO E SEUS PARES NA AMÉRICA DO SUL
REFERÊNCIAS
2.3 AUSTERIDADE ECONÔMICA E O 2º TURNO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
2.4 QUAL O FUTURO DO BOLSA FAMÍLIA?
CAPÍTULO 3
JUDICIÁRIO
3.1 JUSTIÇA ELEITORAL: O PROCESSO (JURÍDICO) ELEITORAL BRASILEIRO
3.2 LEI DA FICHA LIMPA
3.3 A PRISÃO DO LÍDER DAS PESQUISAS
3.4 A MANUTENÇÃO DA PRISÃO DE LULA E O APROFUNDAMENTO DA POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA 83
3.5 POLITIZAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO DAS FAKE NEWS
CAPÍTULO 4
MÍDIA E REDES SOCIAIS
4.1 O PAPEL DAS MÍDIAS SOCIAIS NAS ELEIÇÕES DE 2018
4.2 FACT-CHECKING A SERVIÇO DA GRANDE IMPRENSA
4.3 O COMBATE ÀS FAKE NEWS NAS ELEIÇÕES DE 2018: RUMO À PÓS-DEMOCRACIA?
4.4 POLARIZAÇÃO POLÍTICA, FAKE NEWS E JORNALISMO: DOIS LADOS DE UMA MESMA MOEDA
4.5 POLÍTICA, ENTRETENIMENTO E POLÊMICA: BOLSONARO NOS PROGRAMAS DE AUDITÓRIO
4.6 ANÁLISE POLÍTICA, ECONOMIA E VALORES: O PARADOXO DA ELEIÇÃO DE 2018
4.7 A GALINHA DOS OVOS DE OURO DO FACEBOOK
4.8 LULISMO, PERONISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL DAS ELEIÇÕES
4.9 AS ESTRATÉGIAS DE IMPULSIONAMENTO DE POSTS DE JOÃO AMOEDO NO FACEBOOK
4.10 O TSE NO LABIRINTO DA MENTIRA
4.11 BOLETIM DO WHATSAPP – Nº 1
4.12 BOLETIM DO WHATSAPP – Nº 2
4.13 BOLETIM DO WHATSAPP – Nº 3
4.14 DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA: UM PONTO FORA DE PAUTA
CAPÍTULO 5
OPINIÃO PÚBLICA E CAMPANHA ELEITORAL
5.1 O QUE ESPERAM OS ELEITORES INDECISOS PROGRESSISTAS PARA O PLEITO PRESIDENCIAL?
5.2 AS MUDANÇAS NO FINANCIAMENTO DE CAMPANHA PARA AS ELEIÇÕES DE 2018
REFERÊNCIAS
5.3 RESUMO DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL (HGPE) - 1° SEMANA (31/8/2018 A 8/9/2018)
5.4 RESUMO DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL (HGPE) – 2° SEMANA (10/9/2018 A 15/9/2018)
5.5 RESUMO DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL (HGPE) – 3ª SEMANA (17/9/2018 A 22/9/2018)
5.6 RESUMO DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO – 4ª SEMANA (25/9 A 29/9/2018)
5.7 RESUMO HORÁRIO ELEITORAL DE PROPAGANDA PARA GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (01/10 – 03/10)
5.8 UM BALANÇO DO HORÁRIO ELEITORAL NO PRIMEIRO TURNO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
5.9 A IMPLOSÃO DA CENTRO-DIREITA E O VOTO EM BOLSONARO
CAPÍTULO 6
POLÍTICA EXTERNA
6.1 POLÍTICA EXTERNA E ELEIÇÕES
6.2 A POLÍTICA EXTERNA NA PRÉ-CAMPANHA À PRESIDÊNCIA
6.3 AS AGENDAS DOS PARTIDOS PARA A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA EM 2018
6.4 A INFLUÊNCIA DAS COALIZÕES E DOS PARTIDOS NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
6.5 HÁ IDEOLOGIZAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA?
6.6 O PAPEL DO BRASIL NA BALANÇA DE PODER INTERNACIONAL E A ELEIÇÃO DE 2018
6.7 POLÍTICA E DIPLOMACIA: A CAMPANHA BRASILEIRA POR UM ASSENTO PERMANENTE NO CONSELHO DE SEGURANÇA
6.8 NARCOTRÁFICO, DIPLOMACIA E DEFESA NO DEBATE ELEITORAL BRASILEIRO: O QUE DIZEM O PT E O PSDB
6.9 ELEIÇÕES NO PARAGUAI, NA VENEZUELA E NA COLÔMBIA E SEUS IMPACTOS PARA O BRASIL
6.10 ELEIÇÃO DE LÓPEZ OBRADOR, POLÍTICA EXTERNA MEXICANA E POSSÍVEIS EFEITOS NO BRASIL
SOBRE OS AUTORES
INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2018, vários professores, pesquisadores e alunos dos programas de pós-graduação em Ciência Política e Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj deram início ao projeto Iesp nas Eleições
. Desde os tempos do antigo Iuperj, os membros da instituição participavam como analistas do processo eleitoral como consultores, analistas e colaboradores dos órgãos de imprensa, mas seu engajamento era muito dependente da demanda externa. O objetivo do Iesp nas Eleições
foi criar um meio para a divulgação de análises baseadas no trabalho científico desenvolvido no instituto, mas em linguagem acessível ao público em geral. Assim, desenvolvemos uma plataforma multimídia a fim de transmitir conteúdo textual, vídeos e animações gráficas por meio de site do projeto, canal próprio no YouTube e páginas próprias no Facebook e Twitter.
O projeto teve o suporte institucional de sete laboratórios Lemep, Necon, Labmundo, Doxa, Deciso, Neaape e Opsa, todos baseados no Iesp. Os laboratórios ficaram responsáveis por elaborar textos e vídeos de fundamentos e conceitos das instituições e atores da política brasileira; análise das pesquisas eleitorais; tendências do noticiário semanal da grande mídia e do Facebook; evolução das campanhas dos candidatos; análise da pauta de política externa; e análises de decisões do judiciário.
O presente volume contém uma seleção do material textual produzido pelo Iesp nas Eleições
de abril a outubro de 2018. O conteúdo aqui reunido é especial em mais de um sentido. Ele se diferencia em profundidade analítica dos textos de imprensa que circularam durante a eleição, ao passo que documenta o esforço dos especialistas em lidar com uma eleição que foi bastante diferente do padrão até então observado na Nova República. O livro está organizado em seis capítulos, cada um representando um eixo temático da cobertura eleitoral realizada pelos pesquisadores e convidados do Iesp.
O capítulo 1 trata do legislativo. São dez textos que destacam a importância das eleições legislativas, muitas vezes pouco valorizada e deixada à sombra dos pleitos Executivos, tanto pela imprensa quanto pelos eleitores. As analistas levantaram dados sobre o problema da sub-representação de mulheres, pobres, pretos e pardos no Congresso; o comportamento parlamentar dos deputados federais; sobre a crescente fragmentação partidária e, por fim, já com os resultados do pleito em mãos, avaliaram a implosão do centro direita na Câmara dos Deputados.
Na sequência, o assunto é a economia. Os quatro textos da temática mostram como a dimensão econômica permeou os acontecimentos recentes que abalaram a democracia brasileira. As análises tratam, por exemplo, da acusação de crime de responsabilidade fiscal que motivou o impeachment de Dilma Rousseff em 2016; discutem o fracasso da agenda econômica do sucessor, Michel Temer; e incluem o debate sobre o surgimento de partidos ultraliberais capitaneados por representantes de maior poder aquisitivo, como o partido Novo.
No capítulo 3, o leitor encontra textos sobre o judiciário. Antes praticamente ausente da análise eleitoral, esse poder tornou-se peça fundamental do jogo político do país. Os autores afirmam que sua capacidade de intervenção na política atingiu seu ponto mais alto. Os textos versam sobre os motivos de uma governança eleitoral exclusivamente judiciária; a interferência do judiciário em definir a elegibilidade por meio da Lei da Ficha Limpa
; o impacto da decisão da prisão do líder das pesquisas às vésperas do início da campanha; e a jurisdição imputada pelo STF até mesmo na consequência das chamadas fake news..
Já o tema do Capítulo 4 são as mídias e seu papel na eleição. Os textos cobrem uma ampla gama de temas relacionados a esse tópico tão fundamental ao processo eleitoral, inclusive o comportamento da mídia tradicional, a ascensão dos fake news como potente instrumento de propaganda política, o surgimento das agências de checagem de fatos, quatorze textos que compõe a temática mídia e redes sociais
, e as novas dinâmicas políticas nas mídias sociais, inclusive no WhatsApp, suspeito de ter desempenhado papel fundamental no resultado eleitoral da eleição presidencial.
O acompanhamento das pesquisas de opinião pública é tema do penúltimo capítulo da coletânea. Baseado em pesquisa qualitativa elaborada exclusivamente para o Iesp nas Eleições
, o texto inicial discute as expectativas dos eleitores progressistas ante a indefinição da candidatura do líder das pesquisas, Lula. As novas regras de financiamento de campanha e o impacto nas estratégias de campanha também foram discutidos nesse capítulo. O leitor terá ainda um resumo do horário eleitoral ao longo da campanha para o Executivo federal. Um último texto analisa as intenções de voto na reta final da campanha para a presidência, apontando resultado confirmado pelas urnas. Os autores contestam a tese de uma crescente polarização, segundo a qual tanto a esquerda quanto a direita estariam cada vez mais afastadas do centro.
O último capítulo do livro traz contribuições dos pesquisadores estudiosos da política externa. Os autores apresentam argumentos e exemplos de como a política externa brasileira foi objeto de politização, revelando uma disputa entre distintos projetos e visões sobre como o país deveria desenvolver-se e inserir-se no sistema internacional e no entorno regional. Os textos recorrem à leitura minuciosa dos programas dos candidatos; tratam da influência das coalizões e dos partidos na política externa brasileira; além de análises prospectivas da influência dos resultados das eleições dos vizinhos regionais e continentais.
Vale destacar que os textos publicados, com a exceção da abertura dos capítulos, foram escritos na conjuntura da campanha e não sofreram adaptações após a posse dos novos eleitos em 2019. Gostaríamos de deixar registrado o nosso agradecimento ao numeroso coletivo de pesquisadores que colaboraram com o projeto Iesp nas Eleições
, que demonstraram com seus atos, a excepcional força do trabalho coletivo da Casa. Iniciativas como o Iesp nas Eleições
revelam a enorme contribuição que o debate público qualificado, a partir do trabalho acadêmico, traz para a saúde da democracia. Isso é particularmente importante em um momento que a educação superior pública de qualidade está sofrendo ataques por parte daqueles que não presam o conhecimento, nem tampouco a democracia.
Lista de todos os participantes do Iesp nas Eleições
Afonso Albuquerque, Amanda Evelyn Lima, Ana Carolina Castro, André Felix, André Leão, Andrea Ribeiro, Anna Carolina Venturini, Argelina Cheibub Figueiredo, Ariel Goldstein, Bernardino Bilério, Carlos Machado, Carlos R. S. Milani, Carolina de Paula, Cynthia Cunha, Diogo Ives, Douglas Curvelo, Edgar Andrés Londoño Niño, Eleonora Magalhaes, Fabiano Santos, Felipe Albuquerque, Fernanda Nanci, Fernando Fontainha, Fernando Guarnieri, Flavia Bozza Martins, Gabriel Melo, Giovana Esther Zucatto, Hugo Bras, Jana Martins Leal, João Feres Júnior, Thiago Moreira, João Pedro Pacheco, Jonas Conceição, Juliana Pinto Lemos, Juliana Gagliardi, Júlio Canello, Leandro Wolpert, Leonardo Martins Barbosa, Leonardo Weber, Letícia Pinheiro, Lívia Alcântara, Luã Braga, Luiz Augusto Campos, Luiza Bastos, Marcelo Alves, Maria Regina S. de Lima, Mariani Ferri, Marianna Albuquerque, Marília Closs, Mateus Pestana, Murilo Gomes da Costa, Natalia Leão, Natália Maciel, Nara Salles, Nicholas Moreno, Paulo Joaquim da Silva Rodrigues, Pedro Costa, Pedro de Araújo Fernandes, Raul Nunes, Renato Vasconcellos, Rodolfo Darrieux, Rodrigo Mayer, Tadeu Henriques Jr., Thiago Moreira da Silva, Tiago Nery, Victor Piaia e Vinicius Israel.
CAPÍTULO
1
LEGISLATIVO
As eleições para os cargos do Poder Legislativo costumam receber reduzida atenção da imprensa quando comparadas as disputas de cargos ao Executivo. As pesquisas de opinião junto ao eleitorado também revelam que o processo de escolha do candidato a deputado – federal e estadual – geralmente é tardio, na véspera do pleito.
O Iesp nas Eleições
esteve preocupado com esse fato e se propôs a confeccionar uma série de textos e vídeos introdutórios, revelando a importância das diversas Casas que compõe o Poder Legislativo nacional e subnacional.
O conjunto de dez análises que engendram este capítulo do livro representa apenas uma amostra do material, que se encontra integralmente disponível no site do projeto e nas diversas redes sociais.
O eixo Legislativo
foi beneficiado pela parceria junto ao portal NEXO, em que colunas semanais foram publicadas. Os dados produzidos pelos nossos pesquisadores receberam aperfeiçoamento visual elaborado pela equipe da plataforma, além, obviamente, do considerável aumento da circulação dos textos.
Os primeiros textos discutem a questão da representação política, em especial os problemas para uma representação parlamentar substantivam de mulheres, pobres, pretos e pardos. O texto inicial mostra dados sobre o gap de candidatas mulheres para a Câmara dos Deputados, apesar da existência da Lei das Cotas, que prevê um mínimo de 30% de vagas para mulheres nas chapas dos partidos e coligações. O problema é ainda mais grave quando os dados da eleição de 2014 indicam que menos de 10% das vagas na Câmara dos Deputados foram ocupadas por mulheres. Dentro dessa mesma discussão, o texto O que afasta pretos e pardos da política?
sugere que a causa da sub-representação racial não diz respeito à escassez de candidaturas, mas ao reflexo do ciclo cumulativo de desigualdades socioeconômicas de que são vítimas.
Um segundo conjunto de textos foi elaborado pela equipe do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Os textos apresentam uma metodologia desenvolvida para a classificação do comportamento parlamentar. No que diz repeito às temáticas de clima e meio ambiente, por exemplo, é possível observar o impacto da questão geográfica na defesa, ou não, de projetos favoráveis ao assunto. Estudos dessa natureza são importantes para desmistificar a visão de que políticos sãos todos iguais
, favorecendo, inclusive, uma escolha eleitoral mais conectada à própria visão de mundo do cidadão.
Na sequência, o leitor acompanhará a discussão sobre a importância das Assembleias Legislativas, em que o autor revela com grande detalhamento as importantes funções dessas Casas tão esquecidas durante a campanha. Temas vitais como a segurança pública e a educação, que estão a cargo, prioritariamente, dos estados, emergem à cena.
A discussão sobre fragmentação partidária também não ficou de fora. Utilizando o caso da bancada fluminense na Câmara dos Deputados, o texto mostra o impacto da eleição para o Executivo do estado no crescimento, ou redução, das forças partidárias de 1999 a 2014. As autoras sugerem que o desempenho dos partidos pareceu depender mais da sua relação com os governos do que de um vínculo mais estável com o eleitor.
Por fim, dois textos encerram a seção ao discutirem a implosão da centro-direita
nos pleitos Legislativos de 2018. O primeiro mostra que o encolhimento do PSDB e MDB na Câmara dos Deputados pode ser observado também por aspectos comunicacionais. Em pesquisa feita na rede social Facebook, os autores apresentam dados da incapacidade da centro-direita tradicional circular suas ideias na plataforma, mesmo com o investimento pago. Já o segundo texto, um estudo do caso das Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e de São Paulo, sugere que o efeito coattail
‒ aquela tendência de uma liderança política conseguir arrebatar votos para o seu partido e aliados em uma eleição ‒ proporcionado por Jair Bolsonaro (PSL) não foi fundamental para reconfigurar a Câmara de Deputados apenas, como também impactou os respectivos estados.
Em 2018, vimos nascer na Câmara dos Deputados um gigantesco
partido de extrema direita, o PSL, que representa a segunda maior bancada da Casa. São deputados, em sua maioria, novatos e advindos de fora do mundo da política. Quais as consequências dessa nova configuração de forças partidárias na vida parlamentar brasileira? Haverá retrocesso de importantes reduções das desigualdades obtidas nas últimas décadas? Ainda é cedo para saber, mas, certamente, o conjunto de artigos a seguir permitirá um monitoramento qualificado do que se passa em todas as esferas do Legislativo.
Carolina de Paula.
Fabiano Santos.
1.1 O DESAFIO DA REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Natalia Maciel Block
O recente avanço dos movimentos feministas tem evidenciado a sujeição das mulheres nos espaços de poder, dentre eles o político. Relegadas aos afazeres domésticos e aos cuidados com a família, as mulheres têm suas vidas e corpos sujeitos a regras culturais e de sociabilidade com alto potencial para serem normatizadas pela maioria masculina representada nos espaços políticos de poder. Aborto, proteção a gestantes e lactantes em condições de trabalho insalubres, punições mais severas ao assédio moral e sexual são apenas alguns dos temas mais atuais do debate público e da agenda feminista que urgem por uma presença mais igualitária das mulheres nas arenas políticas. Quais são as possíveis razões para o déficit de representação política das mulheres? Sem negar os diversos obstáculos sociais, econômicos e culturais que as afastam da vida política, focarei esta análise em aspectos institucionais do nosso sistema político e como eles podem influenciar o acesso delas ao Congresso brasileiro,¹ mais especificamente à Câmara dos Deputados.
A literatura tem apontado o sistema proporcional como o mais favorável às mulheres. Uma vez que as listas comportam um número de candidatos considerável, os partidos têm o incentivo de compô-las com candidatos que apresentam diferentes bases de apoio sociais e territoriais, a fim de maximizar o ganho eleitoral e conquistar o maior número de cadeiras possível. Assim, esse sistema seria o mais acessível para minorias, o que, teoricamente, produziria uma representação mais diversificada. O sistema proporcional de lista aberta,² pelo qual elegemos deputadas e deputados, seria ainda mais inclusivo uma vez que, ao contrário da lista fechada, não existe pré-ordenamento dos candidatos na lista. Dessa forma, a candidata não precisa se preocupar em garantir uma posição no topo da lista, o que lhe demandaria a construção de considerável capital político dentro da estrutura partidária. O sistema majoritário, por sua vez, seria o mais restritivo já que o partido seleciona apenas um candidato por distrito para concorrer às eleições.
Apesar de nosso sistema eleitoral ser o mais acessível para a candidatura de mulheres, os dados empíricos mostram outra realidade. O abismo entre homens e mulheres fica evidente quando comparamos os dados da competição para Câmara com a proporção de eleitores de ambos os sexos. Os gráficos 1, 2 e 3 mostram a proporção de homens e mulheres no eleitorado, a proporção de candidatos e candidatas e de eleitos e eleitas nas últimas cinco eleições.
Gráfico 1 – Proporção de homens e mulheres no eleitorado
Fonte: TSE
Gráfico 2 – Proporção de candidaturas por sexo
Fonte: TSE.
Gráfico 3 – Proporção de eleitas(os) por sexo
Fonte: TSE.
A presença das mulheres na competição política e nas bancadas da Câmara está longe dos 50% que elas representam do eleitorado brasileiro. Em 2014, ano em que houve maior porcentagem de candidatas mulheres, elas representavam um pouco menos que 30% do total de candidatos. A situação é ainda pior quando se observa a proporção de eleitas: elas conquistaram apenas 10% das cadeiras dessa casa legislativa. Se o sistema proporcional é o mais propício para a diversidade da representação, por que a presença delas nas eleições e nas bancadas da Câmara é tão pequena? A resposta está no papel das organizações partidárias nas eleições. A crença de que partidos não são importantes na arena eleitoral mascara a importância dessas organizações na decisão de quem serão os seus candidatos. Não me refiro apenas quanto à decisão de quem fará parte da lista, mas também quais candidatos são viáveis e compensam o investimento do partido.
Partidos e coligações podem lançar uma grande quantidade de candidatos, mas os recursos como tempo de aparição no horário eleitoral,³ espaço em palanque de candidatos majoritários, apoio jurídico e financeiro são limitados. Cabe lembrar que neste ano (2018), as campanhas foram totalmente financiadas com recursos públicos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). As chaves dos cofres ficaram nas mãos dos líderes partidários. Nesse sentido, os partidos preferem destinar seus recursos para candidatos que julgam ter reais condições de serem eleitos. Ao mesmo tempo, os candidatos precisam ter presença ativa na política partidária para ter acesso a esses recursos. A construção de capital político na arena intrapartidária é um fator essencial para o sucesso eleitoral.
Para as mulheres, o acesso aos recursos do partido é mais difícil. Primeiro porque, como a literatura já tratou, os partidos preferem investir em candidatos à reeleição que são, em grande medida, homens. Segundo, porque o envolvimento das mulheres na vida partidária é condicionado pelas diversas dimensões que demandam sua presença simultaneamente, quais sejam, a política, a profissional e a doméstica, colocando-as em posição de desvantagem na competição política com relação aos homens (ARAÚJO, 2005).
A minirreforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034) determinou que os partidos devem preencher ao menos 30% das vagas de suas listas com candidaturas femininas. No dia 22 de maio de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que pelo menos 30% dos recursos do FEFC deveriam ser destinados às campanhas de mulheres nas eleições daquele ano. A reação contrária de líderes partidários, como a do presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evidenciam a falta de interesse em dar apoio efetivo às candidaturas femininas. Afinal, serão 30% de recursos a menos para os candidatos de preferência da legenda. A justificativa oficial
dada por Maia é que essa decisão não caberia ao Judiciário, que acabou legislando
sobre o tema.
Apenas assegurar vagas para candidaturas de mulheres por meio de cotas não garante maior presença delas no Legislativo. De forma mais clara, o aumento do número de candidaturas não necessariamente produz um aumento de mulheres eleitas, como os gráficos apresentados demonstram. Apesar de ser um avanço assegurar que elas tenham lugar na lista, é preciso que os partidos tenham consciência do seu papel na promoção dessas candidaturas e tenham vontade política de tornar a representação mais democrática. Tendo em vista os últimos acontecimentos, isso parece estar longe de acontecer.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na representação política. Revista Sociologia Política, n. 24, 2005.
1.2 EFEITOS PRÁTICOS DA SUB-REPRESENTAÇÃO POLÍTICA⁴
Thiago Moreira da Silva
Em um contexto típico de representação eleitoral, os governantes devem obter sua autoridade mediante o voto popular, conferido, periodicamente, a fim de garantir a responsividade das lideranças. Essa cadeia de responsividade
visa a transportar as demandas sociais para as instituições formais que, idealmente, traduzirão os interesses da população em políticas públicas. O encadeamento descrito, no entanto, não funciona de forma exatamente linear por conta de motivos diversos, como a mudança das predileções dos legisladores, aspectos relacionados aos bastidores da política ou fatores que distorcem esse nexo em algum sentido – casos da influência de grupos ou da tecnocracia.
Neste artigo trato de uma das faces da sub-representação política: o desalinhamento das preferências entre representantes e representados. Para dar contornos empíricos ao assunto, selecionei dois bancos de dados, um relativo às opiniões dos legisladores – o Survey Legislativo Brasileiro (BLS), da Universidade de Oxford –, e outro relativo às opiniões da população em geral – o Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), da Unicamp. As perguntas selecionadas, configuradas como escalas de 10 pontos, tocam temas atinentes à economia, com formulações estritamente semelhantes. Os maiores valores indicam posicionamentos à direita do espectro político. São elas:
Concorrência. A concorrência é uma coisa boa porque estimula as pessoas a trabalhar muito e a desenvolver novas ideias (1). A concorrência é uma coisa ruim porque desperta o que há de pior nas pessoas (10).
Iniciativa privada. Deveria haver mais participação do governo na indústria e no comércio (1). Deveria haver mais iniciativa privada na indústria e no comércio (10).
Riqueza. Só se pode ficar rico à custa dos outros (1). O crescimento da riqueza pode beneficiar a todos (10).
Trabalho. Nem sempre quem trabalha muito consegue uma vida melhor (1). No longo prazo, quem trabalha muito sempre vai ter uma vida melhor (10).
Liberalismo. Escala fatorial com agregação dos itens 1 a 4.
Em um exercício simples, ponderei a média das predileções das partes consideradas em todos os itens. Os resultados explicitam as distâncias ideológicas de governantes e governados no tocante aos aspectos mencionados, com os parlamentares tendo