Proposta Artístico-Pedagógica

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DOI 10.

14393/OUV-v18n2a2022-66189

Proposta artístico-pedagógica de Ilo Krugli no Teatro


Ventoforte: o que dizem as produções científicas?
ANA PAULA GOMES MARQUES
DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

Ana Paula Gomes Marques é professora de teatro, atriz e iluminadora. Mestre em Artes
Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC), da Universidade do
Estado de Santa Catarina (Udesc). Possui formação em Licenciatura em Teatro e
Bacharelado em Artes Cênicas - habilitação em Interpretação Teatral, ambas as graduações
pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisa as relações entre teatro e
infâncias, com foco em abordagens participativas com crianças. Atua como professora na
rede estadual de ensino de Santa Catarina.
Afiliação: Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1883269142550589
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7176-6885

Diego de Medeiros Pereira é Doutor e Mestre em Teatro (2015 e 2011), Licenciado em Artes
Cênicas (2007), pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Docente do
Departamento de Artes Cênicas da UDESC, do Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas (PPGAC) e do Mestrado Profissional em Artes (Prof-Artes). Líder do Grupo de
Estudos sobre Teatro e Infâncias (getis/CNPq). Pesquisa relações entre teatro e infâncias,
Drama e formação de professores/as. Ator, dançarino e diretor de teatro. Autor dos livros:
“Teatro na Formação de Professores da Educação Infantil” (Appris, 2015) e “Que Drama é
Esse?!? – práticas teatrais na educação infantil” (Hucitec, A2, 2021).
Afiliação: Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7952493975205748
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6655-0211
•RESUMO:
O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão de literatura das produções científicas - dissertações
e teses - que têm como tema o trabalho desenvolvido por Ilo Krugli no Teatro Ventoforte. O interesse
principal, ao olhar para essas produções, é identificar elementos que compõem a proposta artístico-
pedagógica do grupo, tais como: a integração das linguagens artísticas, o teatro de formas animadas,
o fazer artesanal e as culturas populares. Ao adentrar as produções é possível perceber o modo como
a vida e as experiências pessoais de Ilo se mesclam, de modo profundo, às escolhas artísticas,
poéticas, pedagógicas e políticas do grupo.

•PALAVRAS-CHAVE:
Ilo Krugli, Teatro Ventoforte, Proposta artístico-pedagógica, Revisão de literatura.

•ABSTRACT:
The objective of this article is to present a literature review of scientific productions - dissertations and
theses - whose themes are the work developed by Ilo Krugli with the Teatro Ventoforte. The main
interest, when looking at these productions, is to identify elements that make up the artistic-pedagogical
proposal of the group such as the integration of artistic languages, the theater of animated forms,
craftsmanship and popular cultures. When getting into the productions, it is possible to perceive the
way in which Ilo's life and his personal experiences are mixed, in a deep way, with the artistic, poetic,
pedagogical and political choices of the group.

•KEYWORDS:
Ilo Krugli, Teatro Ventoforte, Artistic-pedagogical proposal, Literature Review.
• 248

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1. Considerações iniciais
O Teatro Ventoforte, ao longo de mais de quarenta e cinco anos de
(re)existência no cenário nacional, construiu uma linguagem única, fundamentada
em processos artísticos e pedagógicos que priorizam a integração das linguagens
artísticas, o teatro de formas animadas, o fazer artesanal e as culturas populares.
Esses são alguns elementos que se destacam na poética construída pelo grupo,
tornando-se tema de produções científicas, dissertações e teses, de pesquisadoras
e pesquisadores brasileiros.
O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão de literatura das produções
científicas que encontraram, em Ilo Krugli e no seu trabalho no Teatro Ventoforte,
seus temas de pesquisa. Nossa análise tenta identificar elementos que compõem a
proposta artístico-pedagógica do grupo. O presente texto é um recorte de uma
dissertação de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (MARQUES, 2022).
Para o levantamento bibliográfico foram escolhidos repositórios on-line de
teses, dissertações e monografias. A busca se deu a partir de dois descritores:
Teatro Ventoforte e Ilo Krugli, em duas plataformas de busca digital: a Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e a Biblioteca Universitária da
249 • Udesc.

2. Caminhos de Ilo Krugli até o Ventoforte


O Teatro Ventoforte foi fundado em 1974 por Ilo Krugli, na companhia de
Alice Reis, Beto Coimbra, Caíque Botkay e Silvia Aderne (KRUGLI apud ABREU,
2009). O espetáculo “História de lenços e ventos” foi o marco inicial dessa história
repleta de poesia e comprometimento com um teatro brasileiro. Como a história do
Ventoforte se mistura à de seu criador, vamos percorrer brevemente os caminhos
que conduziram Ilo até o Brasil. Só assim, poderemos contar essa história.
Em 10 de dezembro de 1930, nasceu Elias Kruglianski em Buenos Aires,
Argentina. Os pais, Jaime Kruglianski e Rosa Zacharias, eram imigrantes poloneses

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que saíram de seu país após os avanços das forças alemãs sobre a Europa, durante
a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) (REZENDE, 2009). Residiam em um bairro
operário na periferia de Buenos Aires, rodeados por famílias de imigrantes que, em
sua maioria, eram operários da indústria têxtil. Os imigrantes europeus, assim como
a família de Ilo, apreciavam muito as artes, principalmente o teatro e a música.
Foi na escola que o encontro com uma professora o marcaria
profundamente. Helena Verrilho, professora do “primário”, foi aluna de Javier
Villafañe1, grande titereiro argentino que, por sua vez, havia estudado com o poeta
e dramaturgo espanhol Federico García Lorca. Em sua passagem pela Argentina,
em 1933-1934, Lorca influenciou uma geração de artistas, deflagrando um
movimento de teatro de bonecos que rapidamente espalhou-se pela América do Sul.
Esse movimento reunia artistas plásticos, poetas e atores em torno da criação
poética através dos bonecos (KRUGLI apud ABREU, 2009). A professora Helena,
herdeira dessa tradição, ensinava as crianças a fazer e manipular bonecos em suas
aulas. Ilo tinha oito anos quando recebeu da professora um livro de histórias escrito
por Villafañe, que o acompanhou em sua caminhada por muito tempo, tornando-se
uma referência em seu trabalho, posteriormente.
Anos depois, outras experiências com arte cruzaram os caminhos do jovem
• 250
Ilo. Dos quatorze aos dezesseis anos sua formação foi em uma escola técnica de
artes gráficas, na qual teve o primeiro contato com litografia, escultura, pintura e
cerâmica (KRUGLI apud ABREU, 2009). Entre dezesseis e dezoito anos desenvolveu
trabalhos com cerâmica e teatro de bonecos. Foi nesse período que abriu um ateliê
de cerâmica em Buenos Aires, lugar onde aconteceu sua primeira prática
pedagógica, nos cursos de cerâmica e pintura que realizava aos domingos (LUNA,
2007). Também foi nesse período que formou o grupo Ta Te Ti, na companhia de
alguns amigos. Muito influenciado pelo trabalho de Villafañe, o grupo circulou por

1
Javier Villafañe (1909-1996) nasceu em Buenos Aires, Argentina. Titereiro, poeta e contador de
histórias. A passagem de Lorca pela Argentina influenciou uma geração de artistas. O dramaturgo
espanhol compartilhou seu entusiasmo pelos bonecos, a paixão por sua terra andaluza e a impactante
poesia do seu teatro. Villafañe, herdeiro dessa tradição, percorreu a América Latina com sua La
Andariega, uma carroça na qual apresentava teatro de bonecos.

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mais de dez anos pela periferia da capital argentina, apresentando teatro com
bonecos (KRUGLI apud ABREU, 2009).
O grupo Ta Te Ti posteriormente passou a se chamar Cocuyo. Foi com esse
grupo e com o amigo Pedro Dominguez que Ilo percorreu países da América Latina,
apresentando teatro com bonecos, realizando oficinas com professores e crianças.
Essas experiências mambembes foram essenciais para aproximar o trabalho de Ilo
das culturas populares.
Ilo e Pedro viajaram. Até que em 1961 chegaram ao Brasil. O destino era o
Rio de Janeiro. Segundo Ilo (apud ABREU, 2009), fixaram residência na capital para
trabalhar na Escolinha de Arte do Brasil (EAB), projeto criado e desenvolvido pelo
artista plástico e educador Augusto Rodrigues2. O movimento que convergiu na EAB
ficou conhecido como Educação pela Arte, ou Arte-educação. A ideia de que as
crianças podem se expressar livremente, a partir de manifestações espontâneas por
meio da arte, sem padrões pré-estabelecidos ou modelos de comparação, era o que
norteava os caminhos da EAB. Desse modo, a escolinha foi organizada como um
espaço de educação informal, com propostas de atividades abertas, voltadas para
o ensino das artes a partir da experimentação (REZENDE, 2009).
Após passar um curto período no Chile e assistir ao golpe que destituiu
Salvador Allende da presidência do país, instaurando a ditadura de Augusto
251 •
Pinochet, Ilo retornou ao Brasil no final de 1973. Logo que chegou, recebeu um
convite para participar do Festival Nacional de Teatro Infantil e Festival de Teatro de
Bonecos, organizado pelo Teatro Guaíra, em Curitiba, capital paranaense. Na
ocasião ele não tinha nenhum trabalho “pronto” para apresentar, nem sequer um
grupo de teatro (KRUGLI apud ABREU, 2009). Foi então que reuniu alguns amigos
e, em poucos dias, nasceu o espetáculo “História de lenços e ventos”, que mudaria

2
Augusto Rodrigues (1913-1993) nasceu em Recife, capital do estado de Pernambuco. Foi professor,
pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta. Nas diversas atividades
artísticas que desenvolveu, pode-se apontar como característica comum a permanente preocupação
com a função da arte. A criação da Escolinha de Arte do Brasil (EAB) é um exemplo do seu empenho
em renovar os métodos da educação artística para crianças e adultos.

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os rumos da trajetória artística de Ilo, bem como a trajetória do teatro para crianças
no Brasil.

3. Ilo Krugli e o Teatro Ventoforte: uma revisão de literatura


Para dar seguimento a esta escrita trataremos de apresentar a revisão de
literatura realizada por conta de pesquisa de mestrado. Nossa intenção é reunir
informações para responder à pergunta que norteia esta reflexão: o que as
produções científicas dizem sobre a proposta artístico-pedagógica desenvolvida por
Ilo Krugli no Teatro Ventoforte?
A dissertação de Andrea Aparecida Cavinato, “Uma experiência em Teatro e
Educação: a história do menino navegador Ilo Krugli e seu indomável Ventoforte”
(2003), compartilha um olhar sobre o Teatro Ventoforte a partir da experiência da
pesquisadora como participante do grupo. O objetivo de Cavinato foi “[...] situar e
aprofundar a reflexão sobre as manifestações estético-pedagógicas do grupo de
teatro Ventoforte a partir da visão de mundo da figura central do grupo: Ilo Krugli.”
(2003, p. 4). Dessa forma, Cavinato recorreu a entrevistas, pesquisa histórica,
depoimentos, experiência e observações pessoais para responder à pergunta: “[...] • 252
o que faz com que estes espetáculos se tornem momentos de aprendizagem
estética?” (2003, p. 20).
O primeiro capítulo de seu trabalho inicia com uma entrevista de Ilo Krugli,
que vai contando sua história a partir de uma fala que passeia pela infância, adultez,
viagens, sonhos, memórias e fabulações.
A partir dessa entrevista conhecemos Ilo, sua história de vida e de formação.
Por mais que ele afirme que aprendeu a fazer teatro fazendo e experimentando, é
possível perceber que as influências que recebeu de Federico Garcia Lorca, Javier
Villafãne e da professora Helena Verrilho foram essenciais para sua formação -
questões essas apontadas por diferentes pesquisadores/as.
De maneira geral, é perceptível no trabalho de Cavinato que a proposta
pedagógica do grupo está fortemente calcada no teatro popular, na cultura popular

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brasileira, na integração das linguagens artísticas, na experimentação e na
improvisação. Além desses aspectos, o trabalho com o teatro de formas animadas
também deve ser ressaltado, bem como o fazer artesanal (fazer com as mãos).
Em relação à proposta estética do Ventoforte, a pesquisadora ressaltou
alguns elementos e suas influências: o Teatro Épico, salientando a presença da
narração; os usos do espaço da cena, dialogando com o teatro contemporâneo; as
influências da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e de Nise da Silveira - uso de
símbolos, arquétipos e o inconsciente coletivo; e a estética andaluza3, que trazia um
clima visual cigano para alguns espetáculos.
Para finalizar, a pesquisadora apresentou depoimentos de artistas que
passaram pelo grupo e que carregaram consigo muitas marcas do encontro com
Ilo. O foco desses relatos recaiu sobre os elementos da estética e da pedagogia do
grupo, sob a percepção desses artistas.
Na dissertação “Música de festa para o encontro com Ilo Krugli” (2007), Ive
Novaes Luna realizou uma reflexão sobre a música do Teatro Ventoforte. Nos anos
de 1991 e 1992 ela participou do curso de formação de atores “Teatro da
Imaginação”, desenvolvido pelo grupo. Nesse contexto, percebeu uma aproximação
da música com a cena teatral e, posteriormente, tornou esse seu objeto de estudo.
Para tanto, movimentou-se a partir da pergunta sobre o lugar da música na cena do
253 •
Ventoforte. Realizou viagens sistemáticas à cidade de São Paulo, onde fica a Casa
Ventoforte, e entrevistou “[...] músicos que atuam ou atuaram no grupo, indagando
deles a prática teatral desenvolvida por Ilo Krugli e a relação desta com o fenômeno
sonoro que participa das composições de seus espetáculos” (LUNA, 2007, p. 14).
A pesquisadora realizou dois movimentos de pesquisa: primeiro analisou a
poesia das canções dos espetáculos do grupo, procurando proximidades com as
poesias de Federico García Lorca. As evidências dessa aproximação são
demonstradas a partir de três elementos presentes nas obras de ambos: o humano,
o onírico e o popular. A pesquisadora destacou ainda como cada um desses

3
Andaluzia é uma comunidade autônoma localizada na parte meridional da Espanha. Concentra
grande parte da população cigana do país.

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elementos era trabalhado nas composições musicais do grupo, sempre caminhando
com a poesia de Lorca ao lado.
Em um segundo movimento, analisou a aproximação das músicas do
Ventoforte com as de festas populares brasileiras. Segundo a autora, a festa que o
Ventoforte transporta para a cena, através de suas músicas, danças, figurinos e
movimentos corporais, tem raízes nas culturas populares brasileiras.
Além do estudo sobre a festa popular e seus usos no Ventoforte, outros
elementos foram considerados fundamentais na construção poética e simbólica das
músicas do grupo, são eles: mito, rito e símbolo. Luna (2007) desenvolveu um
estudo sobre esses conceitos e, em paralelo, observou como eles se manifestavam
em alguns espetáculos do grupo. Cabe ressaltar que a dissertação de Luna é o
resultado da primeira pesquisa realizada sobre a música no Teatro Ventoforte,
considerando os processos de criação das canções e as influências da poesia de
Federico García Lorca e das culturas populares brasileiras.
A dissertação “Brincadeira de Feira: Por uma poética teatral no folguedo
popular” (2018), de Juan Carlos Suarez Copa Velasquez, teve por objetivo
cartografar e problematizar as produções teatrais realizadas em São Paulo no final
do século XX e início do século XXI. Velasquez realizou uma compilação de
• 254
produções artísticas de vários grupos de teatro da metrópole e percebeu algumas
semelhanças. O que chamou sua atenção foi o fato de que, no período acima
referido, centenas de grupos procuravam na cultura popular brasileira referências
para criar seus espetáculos.
Ele realizou entrevistas com os diretores dos grupos investigados, tendo
como objetivo analisar as produções artísticas que tinham no folguedo popular suas
inspirações poéticas e estéticas. O interesse do pesquisador se direcionou para a
pedagogia (metodologia) de cada grupo, ou seja, pela maneira “[...] como se dá a
criação teatral dentro deles” (VELASQUEZ, 2018, p. 127). No caso do Ventoforte, o
espetáculo “Ladeira da Memória ou Labirinto da Cidade” (2012) foi o escolhido. Esse
espetáculo é uma remontagem de “Labirinto do Januário” (1985), inspirado no
folguedo das Cavalhadas.

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Sobre o processo de criação desse espetáculo, Ilo destacou em entrevista
que apresentou ao pesquisador alguns elementos que considerou fundamentais no
processo criativo. Segundo Velasquez, esses elementos também podem ser
considerados como parte fundamental na pedagogia do grupo. São eles: o cortejo
inicial, “[...] símbolo de alegria, de chegança, de comunhão, está presente em
muitos festejos populares” (VELASQUEZ, 2018, p. 129), a construção da
dramaturgia a partir do folguedo das Cavalhadas, as improvisações, a musicalidade
do espetáculo (seja das falas ou dos instrumentos) e a brincadeira.
A dissertação de Velasquez (2018) foi muito importante para
compreendermos as relações com as culturas populares e a influência dessas no
trabalho de Ilo Krugli no Teatro Ventoforte. O pesquisador retomou um assunto
abordado em outras pesquisas4, sobre a importância das andanças de Ilo por alguns
países da América Latina e como isso influenciou, posteriormente, o seu trabalho.
Dessa maneira, pode-se afirmar que as culturas populares fazem parte da
pedagogia do grupo; estão enraizadas nos processos artísticos, nas práticas
artístico-pedagógicas e na estética dos espetáculos.
O livro “Teatro com meninos e meninas de rua: nos caminhos do grupo
Ventoforte” (2008), de Marcia Pompeo Nogueira, resultou de sua pesquisa de
mestrado intitulada “Teatro com meninos de rua” (1993). No período de 1987 a 1993,
255 •
a pesquisadora acompanhou as atividades desenvolvidas pelo Teatro Ventoforte em
São Paulo, entre as quais, projetos sociais mantidos por instituições públicas
municipais e estaduais. O público-alvo dessas atividades eram as crianças, não
somente as que estavam em situação de rua, mas também, crianças pobres e todas
aquelas que se encaixassem no perfil de “menor”5.
Nogueira realizou um mapeamento dos projetos que ofereciam “[...] teatro
como alternativa educacional no trabalho com as crianças marginalizadas em São
Paulo.” (NOGUEIRA, 2008, p. 36) e foi assim que chegou até o Ventoforte. Para
conhecer mais profundamente a prática de teatro com crianças e adolescentes,

4
Luna (2007); Rezende (2009) e Oliveira (2010).
5
O termo “menor” apareceu pela primeira vez no Código de Menores de 1927, como uma categoria
para classificar a infância pobre.

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Nogueira optou por acompanhar as atividades desenvolvidas pelo grupo, em
diferentes projetos. Dessa maneira, compartilhou relatos de três experiências que
acompanhou: o projeto “Enturmando” (1988) e o projeto “A turma faz arte” (1989),
ambos promovidos pela Secretaria do Menor, e o projeto “Casa de Cultura Mutirão
São Francisco”, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (1990).
A dissertação de Nogueira e, posteriormente o seu livro supracitado, são
referências essenciais para compreender os elementos da proposta pedagógica
desenvolvida pelo Ventoforte. O que podemos destacar, a partir de Nogueira, é que
o grupo, sempre próximo das crianças, optou por desenvolver práticas artístico-
pedagógicas que integravam as linguagens artísticas, proporcionando experiências
sensíveis com a arte e criando um espaço onde era possível, para cada participante,
desenvolver suas expressividades.
Na dissertação “Ilo Krugli e a construção de um novo espaço poético para o
teatro infantil no Brasil” (2008) Miguel Vellinho Vieira realizou um resgate histórico
do teatro para crianças no Brasil a partir da década de 1970. O objetivo da pesquisa
era “[...] reunir elementos e analisar um ponto específico de mudança de tom no
contato com a criança, ocorrido nos palcos cariocas em 1974” (2008, p. 12). Essa
“mudança de tom” estaria relacionada a estreia do espetáculo “História de lenços e
• 256
ventos”, com texto e direção de Ilo Krugli.
Ao analisar a cena teatral brasileira na década de 1970, período de grande
privação de liberdade artística no país, de repressão, de censura, em decorrência
da Ditadura Militar instaurada a partir de um golpe antidemocrático em 1964, Vellinho
constatou que o teatro brasileiro estava em crise, assim como o teatro para crianças.
O livro “No reino da desigualdade” (1991), de Maria Lúcia Pupo, serviu como
base para o pesquisador analisar como esse período histórico influenciou as
produções de teatro para crianças no país. Pupo analisou as dramaturgias dessa
década e constatou que elas colaboravam para “[...] a manutenção de privilégios de
ordem social, ao subestimar ou ignorar o tratamento de temas que, de algum modo,
incitassem ao questionamento tanto das relações entre os homens, quanto das
instituições por eles criadas.” (PUPO apud VIEIRA, 2008, p. 18). É nesse panorama,
em que as produções teatrais destinadas às crianças reforçavam desigualdades

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sociais, como apontou Pupo, e estavam repletas de “[...] didatismos e moralismos
extremamente discutíveis”, como observou Clóvis Levi6 (apud VIEIRA, 2008, p. 19),
que estreou o espetáculo “História de lenços e ventos”, em 1974, marcando o
nascimento do Teatro Ventoforte e agitando os ventos do teatro para crianças no
Brasil.
“História de lenços e ventos” traz para a cena objetos simples do cotidiano
ressignificados, como lenços de tecido, jornal e guarda-chuva que, no espetáculo,
tornam-se personagens com objetivos e sentimentos; são humanizados. Um lenço
de tecido azul chamado Azulzinha, deseja ser livre para voar alto; um papel, que
apesar de frágil, morre e volta à vida para lutar contra a tirania do Rei Metal Mau e
pela liberdade de todos os lenços. Temas como morte, liberdade e repressão estão
presentes no espetáculo e, muito provavelmente, só sobreviveram à censura da
época em função da forma poética com que foram abordados. Segundo Vieira, esse
espetáculo é um marco histórico porque trouxe revoluções e renovações para a
cena teatral do período, tanto em relação aos temas presentes na dramaturgia,
quanto à estética e poética do espetáculo.
Na dissertação “Ventoforte e o espaço da imaginação: os processos poéticos
e o espaço cênico no teatro Ventoforte” (2006), Roberto Mello da Costa Pinto oferece
ao leitor uma reflexão sobre a relação do Ventoforte com os espaços; sejam espaços
257 •
de representação ou de brincadeira, de experimentação, espaços tradicionais ou
pouco convencionais e espaços de luta e resistência. O pesquisador pretende, por
meio do resgate da história e das produções artísticas do grupo, afirmar sua
importância para o teatro brasileiro. O objetivo de sua pesquisa foi realizar uma
investigação do espaço - cênico e poético - a partir do qual o Ventoforte criou sua
linguagem.
O pesquisador apresenta ainda, a relação do grupo com dois espaços: o
espaço da diferença e o espaço da luta e resistência. Como salientou Pinto, o
Ventoforte pode ser considerado um espaço da diferença, pois pretendeu, desde a
sua formação, construir um espaço de criação e experimentação, de produção

6
Crítico de teatro para crianças na década de 1970 no Brasil.

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artística e pedagógica, que atendesse às sensibilidades e necessidades das
pessoas, sejam elas artistas, educadoras, crianças ou membros de uma
comunidade; também porque compartilhava todo seu conhecimento, seja em forma
de espetáculo teatral ou oficina, com as pessoas mais pobres, moradoras de
comunidades periféricas, esquecidas pelo poder público, muitas delas carentes de
experiências com a arte.
O espaço da luta e resistência é o espaço ocupado pelo grupo no Parque do
Povo, localizado no bairro Itaim Bibi, em São Paulo, onde foi construída a Casa
Ventoforte - Centro de Arte e Cultura Integrada. Pinto resgatou a história do parque
para demonstrar que aquela área sempre foi palco de disputas, seja por parte de
corporações imobiliárias ou do poder público. Em 1982, o grupo ocupou uma área
no Parque do Povo e iniciou a construção do “tão sonhado” espaço. Após inúmeras
disputas judiciais, em 1995 o Parque do Povo foi reconhecido como Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. Com o tombamento do
parque, o Teatro Ventoforte pode permanecer em sua sede. Para o grupo,
permanecer nesse espaço é um ato de resistência.
A dissertação “Teatro Ventoforte de 1985 a 1995 - a formação de um artista
e arte-educador” (2009), de Wilton Carlos Amorim Rezende, apresenta reflexões
• 258
acerca da formação artística e pedagógica proporcionada pelo Teatro Ventoforte.
Rezende participou intensamente das atividades realizadas pelo grupo, por um
período de dez anos (1985-1995). Desse modo, as experiências que vivenciou
durante essa década geraram relatos sobre o desenvolvimento da linguagem
artística e pedagógica do grupo, tanto no curso de formação de atores quanto nos
projetos de arte-educação.
A partir do relato das experiências de Rezende nesses projetos, encontramos
detalhes sobre a realização das oficinas e sobre os objetivos pedagógicos das
práticas teatrais desenvolvidas. De maneira geral, pode-se perceber que o objetivo
dessas práticas era o desenvolvimento sensível e criativo dos participantes. O grupo
partia do entendimento de que todos poderiam se expressar a partir de diferentes
linguagens artísticas. Cabe ressaltar que cada projeto tinha suas especificidades:
seu público-alvo, sua metodologia de trabalho, o espaço no qual acontecia, entre

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outras. Percebe-se, a partir dos relatos do pesquisador, que a pedagogia do
Ventoforte pressupõe que não há apenas uma maneira de desenvolver um trabalho
e que o melhor caminho é construir uma relação horizontal com os participantes.
Na tese “Processos de criação: Teatro e Imaginário” (2011), Andrea Cavinato
relatou alguns processos de criação a partir do imaginário pessoal e coletivo, sendo
a corporeidade e a improvisação fios condutores desses processos. O objetivo da
pesquisadora se construiu a partir do desejo de propor uma Pedagogia do
Imaginário, articulando os conceitos de imaginário, educação e teatro. É importante
ressaltar que a tese em questão se construiu a partir das experiências que a
pesquisadora vivenciou no Teatro Ventoforte e que se desdobraram em uma nova
abordagem metodológica para o ensino-aprendizagem das linguagens artísticas.
“Jogos Rapsódicos: a música e a dança popular na aprendizagem das Artes
Cênicas” (2016), tese de Luís Carlos Ribeiro dos Santos (Luís Carlos Laranjeiras),
apresenta uma abordagem metodológica para o ensino-aprendizagem das artes
cênicas; mas também, um resgate das culturas populares brasileiras. Santos
construiu a abordagem dos jogos rapsódicos a partir das vivências que teve nos
grupos Teatro Ventoforte e Andaime, unindo, dessa forma, a pesquisa dos saberes
e experiências das tradições musicais, corporais e narrativas brasileiras adquiridas
ao longo de sua formação artística.
259 •
Em relação à proposta artístico-pedagógica do grupo, Santos destacou a
importância da integração das linguagens artísticas na pedagogia do Ventoforte e o
pioneirismo no cenário nacional do teatro para e com crianças. Como o pesquisador
participou do grupo por anos, trouxe para a escrita relatos sobre os processos de
criação no Ventoforte e, também, sobre os trabalhos de arte-educação que
desenvolviam com crianças em comunidades periféricas de São Paulo nas décadas
de 1980 e 1990. No trecho abaixo, ele resume os principais direcionamentos
pedagógicos do grupo, oferecendo-nos muitas pistas sobre os caminhos do
Ventoforte.

[...] Ilo trabalhou com processos criativos coletivos, com ênfase na


descoberta das qualidades musicais, corporais, narrativas e

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plásticas/visuais do elenco, na improvisação, na presença, na ludicidade e
na prontidão dos artistas nas etapas de experimentação/preparação,
criação/construção e apresentação/manutenção dos espetáculos do
repertório. Na efervescência do teatro de grupo no Brasil nas décadas de
70, 80 e 90 do século passado, o artista do Ventoforte estuda e
experimenta variadas linguagens artísticas, canta, conta, toca
instrumentos musicais, dança, cria cenários, bonecos, máscaras, sombras
e objetos, vem dos quatro cantos do Brasil com suas experiências, seus
‘jeitos de corpo’, musicalidades, plasticidades e imaginários. (SANTOS,
2016, p. 120).

Parece-nos evidente que a pedagogia do Ventoforte ultrapassa a


aprendizagem da linguagem teatral, tanto em relação aos processos de criação que
culminaram em espetáculos, quanto nos processos de arte-educação que
envolviam crianças e adolescentes. A proposta de integração das linguagens
artísticas é o fio condutor das atividades desenvolvidas pelo grupo, bem como a
busca pela expressividade, pela autonomia e autoconhecimento dos participantes.
A pesquisadora Maria Cristina Moreira de Oliveira, em sua tese “Militância e
linguagem na rota da educação - Experiências de três grupos teatrais: TUOV,
Ventoforte (SP) e GUTAC (MS)” (2010), realizou um estudo sobre a linguagem do
teatro de militância, a partir da atuação dos grupos TUOV (Teatro Popular União e • 260
Olho Vivo), Teatro Ventoforte e GUTAC (Grupo Teatral Amador Campograndense).
A investigação dos grupos considerou tanto “[...] o contexto sociopolítico e a
estética, ambos como norteadores intrínsecos para a compreensão da linguagem e
para a observação do processo de concepção cênica” (OLIVEIRA, 2010, p. 13),
quanto a utilização de recursos do teatro de formas animadas e a construção de
dramaturgias próprias.
Em relação ao Ventoforte, são ressaltados aspectos históricos sobre a
criação do grupo, sobre a vida de Ilo, sobre as atividades de formação desenvolvidas
e as relações que estabeleciam com a comunidade e com as crianças. Oliveira
(2010, p. 82) observou dois pilares de sustentação da linguagem do Ventoforte: a
trajetória artística de Ilo (desde sua formação étnico-cultural, suas andanças pela
América Latina com o grupo Cocuyo, as experimentações com os bonecos) e a
filosofia da Escolinha de Arte do Brasil (EAB).

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Oliveira (2010) dedicou um espaço na escrita para enfatizar os projetos
pedagógicos desenvolvidos pelo grupo. Os projetos realizados em comunidades
periféricas da cidade de São Paulo, quase sempre chamavam a atenção,
prioritariamente, de crianças, mas em alguns deles, os adultos também adentravam
nos caminhos do Ventoforte. Oliveira identificou que em todos os projetos há um
caminho norteador que surge a partir do ato de contar histórias. Essas histórias
misturavam aspectos reais e ficcionais e viravam material muito potente para todas
as atividades desenvolvidas.
A militância do Teatro Ventoforte, sua luta, parece-nos que sempre foi por
liberdade, por poesia para todos, pelas culturas populares, pelo acesso à arte
através do fazer - ter a oportunidade de experimentar com as mãos. Desse modo,
sua luta política, para além da cena, invadia outros espaços para conversar, festejar,
teatrar com as pessoas e, também, para ajudar a organizar a luta, como no caso do
movimento Mutirão São Francisco. Estar na rua com as pessoas e construir um
teatro popular, parece-nos ser essa a luta do Ventoforte.
4. Considerações finais
Depois da estreia de “História de lenços e ventos” (1974), que marcou o
nascimento do grupo, o Ventoforte seguiu produzindo espetáculos. Em 1982, iniciou
261 • a construção da Casa de Cultura Ventoforte. Nesse período, o grupo cresceu e suas
atividades se multiplicaram em novos projetos, como o curso de formação de atores
chamado “Teatro da imaginação” e os projetos de arte-educação realizados com
crianças e comunidades periféricas de São Paulo, a partir de projetos sociais
vinculados a instituições públicas municipais e estaduais.
As contribuições do Teatro Ventoforte para a área do teatro para crianças
foram reconhecidas nacionalmente e internacionalmente através dos inúmeros
prêmios que recebeu no meio acadêmico por meio de pesquisas científicas,
reunidas nesta breve revisão de literatura e, no meio artístico, contribuindo para a
formação de diversos artistas brasileiros e de grupos de teatro, como o Teatro Jabuti
(Florianópolis/SC), Cia do Tijolo (São Paulo/SP) e Grupo Hombu (Rio de Janeiro/RJ).

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Em 2019, o menino navegador fechou seus olhos azuis. Partiu rodeado de
amigos, com muita música e dança, deixando um legado repleto de poesia. Aos que
ficaram, restaram os sonhos de um argentino, apaixonado pela cultura popular
brasileira, que lutou incansavelmente pelo teatro. Ilo Krugli construiu, ao longo de
anos de intenso trabalho, uma linguagem única, que chamou a atenção de vários
pesquisadores e que virou tema de muitas pesquisas. Esse foi o principal objetivo
deste artigo: resgatar a memória desse teatro popular brasileiro construído por Ilo e
por tantos outros artistas.

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Recebido em 30/06/2022 - Aprovado em 08/11/2022

Como Citar

MARQUES, A. P. G.; DE MEDEIROS PEREIRA, D. Proposta artístico-pedagógica de Ilo • 264


Krugli no Teatro Ventoforte: o que dizem as produções científicas?. ouvirOUver, [S. l.], v.
18, n. 2, [s.d.]. DOI: 10.14393/OUV-v18n2a2022-66189. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/66189

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