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FEMINICÍDIO NO BRASIL1

Eloisa Botelho da Silveira Conceição2

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO; 2 FEMINICÍDIO NOBRASIL; 2.1TIPOS DE


FEMINICÍDIO; 2.2 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA; 3 DIREITO COMPARADO
NOS PAÍSES DA AMERICA DO SUL; 3.1 ARGENTINA; 3.2 CHILE; 3.3
COLOMBIA; 4 CONTROVÉRSIAS NA APLICAÇÃO DO FEMINICÍDIO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 5 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

RESUMO: A violência doméstica e familiar contra a mulher viola os direitos


humanos.A lei do feminicídio antes de entrar em vigor no país, já era uma questão
regulamentada em alguns países da América Latina, não sendo o Brasil, o primeiro
país a tratar da matéria.O feminicídio no Brasil é um problema que decorre da
violência doméstica contra a mulher.Neste sentido busca-se também demonstrar as
causas de ocorrência deste crime em alguns países da América Latina, que
ensejaram a criação do instituto legal do feminicídio nos países como Argentina,
Chile e Colômbia, além de analisar peculiaridades do texto legal de cada um, com
relação à lei do Brasil.
Importante salientar que nem todo assassinato de mulher se caracteriza com sendo
feminicídio. O crime configura-se quando uma mulher se torna vítima de homicídio
apenas em razão de ser do sexo feminino. Contudo, o feminicídio e sua
aplicabilidade faz surgir no ordenamento jurídico brasileiro controvérsias quanto ao
momento em que se passou a qualificar o homicídio, no qual sendo este cometido
contra a mulher por razões do sexo feminino, como também ser tipificado por motivo
torpe, entretanto, no caso de homicídio contra transexuais, não se configura o crime
de feminicídio e sim por motivo torpe, por discriminação e intolerância. A vítima de
feminicídio somente se consumará se for do sexo feminino, estando presentes a
violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

PALABRAS-CHAVES: Feminicídio; América Latina; Violência Doméstica.

RESUMEN: La violencia doméstica y familiar contra la mujer viola los derechos


humanos. La ley femicidio mucho antes de que entre en vigor enel país, se ha
regulado la matéria em varios países de América Latina, Brasil no fue el primer país
en tratar el asunto. El feminicidio en Brasil ES un problema que surge de la violencia
doméstica contra las mujeres, en este sentido, se busca demostrar las causas de la
aparición de la delincuencia en América Latina, que dio lugar a la creación del
instituto de femicidio fresco en países como Argentina, Chile y Colombia, además de
analizarlas peculiaridades del texto legal de cada uno conrespecto a la legislación en
Brasil. Importante tener encuenta que no todas lãs mujeres asesinato de se
caracteriza por ser el femicidio. El crimen se configura cuando una mujer se
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito, do Curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana – FACNOPAR.
Orientação a cargo do Prof. DRª. Fernanda Eloise Schmidt Ferreira Feguri.
2
Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana – FACNOPAR.Turma
do ano de 2012. Email para contato: [email protected].
2

convierte en víctima de asesinato sólo por ser mujer. Sin embargo femicidio como su
aplicabilidad plante a la controversia sistema legal brasileño como a la hora de
calificar el asesinato, en el que este ser cometidos contra lãs mujeres por razones de
sexo femenino, también podría ser-tipificado como motivo indigno, y em el caso de
asesinato contra transgénero no constituy el razón feminicidio pero torpe, la
discriminación y la intolerancia. La víctima feminicidio solo puede ser una mujer
cuando está presente la violencia o el desprecio o la discriminación a la condición de
mujer doméstica y familiar.

PALABRAS CLAVE: Feminicidio; América Latina;Violencia Doméstica.

1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar é uma das formas de violação dos


direitos, expressando costumes e comportamentos socioculturais, trazidos desde os
primórdios, com a idéia de superioridade masculina, em relação a mulher.
Com a promulgação da Lei Maria da Penha nº 11.340 sancionada
em 07 de agosto de 2006, exigiu-se uma mudança de postura, pois se estabelece a
obrigatoriedade do respeito e da igualdade. A mesma cria mecanismo para coibir a
violência doméstica e familiar que consiste em: violência física, psicológica, sexual,
patrimonial e a moral.
A lei 13.104/2015 promulga o chamado feminícidio, que fora incluído
no Código Penal Brasileiro passando a ser agravante ao crime de homicídio, além
de ser classificado como hediondo.
O interesse pelo tema se dá, em razão, deste assunto, estar em
evidência, sendo debatido pela sociedade, pelos meios de comunicação,
principalmente após a promulgação da referida lei e seus avanços.
Este estudo se torna relevante, uma vez que, nove anos, após a
sanção da Lei Maria da Penha, pouco se tem constatado a eficácia desta, no
combate e prevenção a violência contra a mulher, portanto a preocupação do
presente estudo pauta-se na nova lei sancionada, lei 13.104/2015 que trata do
feminicídio, caracterizando-se como violência contra mulher, com resultado morte.
Neste trabalho será estudado o feminicídio no Brasil, os tipos de
feminicídio, causas de aumento de pena, fazendo assim um direito comparado aos
países da América Latina, Argentina, Chile e Colômbia, além da análise de
controvérsias na aplicação do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro.
3

No desenvolvimento do presente estudo aplicou-se o método


comparativo sobre legislações vigentes em alguns países da América Latina tais
como: Argentina, Chile e Colômbia relacionadas às formas de penalização do crime
de homicídio qualificado, resultado morte da mulher, vítima de violência doméstica e
familiar, caracterizando o crime de feminicídio.

2 FEMINICÍDIO NO BRASIL

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui-se como


uma das formas de violação dos direitos, sendo uma manifestação de relação de
poder culturalmente expressa nos costumes e comportamentos sócio-culturais,
fundamentado na crença da superioridade masculina e nos estudos das relações de
gêneros.
A lei Maria da Penha Maia nº 11.340 foi sancionada em 07 de
agosto de 20063 exigiu-se uma mudança de postura, pois se estabelece a
obrigatoriedade do respeito e da igualdade, criando mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar que consiste em: violência física, psicológica, sexual,
patrimonial e a moral, elencados no artigo 7º da lei.
Neste sentido o relatório mundial de saúde define violência como
sendo:

Uso intencional da força física ou do poder ou ameaça, contra si próprio,


contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte
ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
4
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação .

3
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência domestica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art.226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Domestica e Familiar contra a Mulher, altera o Código e Processo Penal, o Código Penal e
a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:
<htttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/I11340.htm>. Acesso em: 20 jan.2016.
4
KRUG, E.G.et al. (Org).Relatório mundial sobre violência e saúde.Geneva: organização mundial
de saúde, 2002. p. 5. Disponível em: <http://www.opas.org.br/relatorio-mundial-sobre-violencia-e-
saude/>. Acesso em: 01 out. 2015.
4

Contudo a lei 13.104/2015promulga o chamado feminicídio que fora


incluído no Código Penal Brasileiro passando a ser qualificadora do crime de
homicídio, além de ser classificado como hediondo5.
O vocábulo feminicídio refere-se ao neologismo da expressão
inglesa feminicide, que foi pela primeira vez utilizada em público no ano de 1976 em
um discurso feito pela escritora sul-africana Diana Russel perante o tribunal
Internacional Sobre Crimes Contra As Mulheres, em Bruxelas6.
A lei do feminicídio em seu artigo 1º, § 2º-A no Brasil, considera o
assassinato de mulher, como sendo uma condição especial da vítima, quando
presentes “violência doméstica e familiar” ou “menosprezo ou discriminação à
condição de mulher”7.
O feminicídio de acordo com Debelak, Dias e Garcia, possui uma
relação com a violência sofrida pela mulher dentro de seu próprio lar, neste sentido
explicam que:

Embora o feminicídio não aconteça somente como a expressão máxima de


um ciclo de violência vivido pela mulher dentro de seu próprio lar, a relação
entre eles é inegável: 43,4% dos assassinatos femininos cometidos em
2011 no Brasil tiveram autoria do parceiro ou ex-parceiro da vítima, segundo
o mapa de violência publicado no ano de 2012 – pesquisas mais recente
sobre o tema, que ainda é de difícil apuração em decorrência da
subnotificação dos casos e da falta de um padrão nacional para o registro
destes dados.
Aproximadamente uma em cada cinco brasileiras reconhece já ter sido
vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem, de
acordo com o Data senado. Isto, no entanto, não quer dizer que elas foram
ou são violentadas todos os dias. Este tipo de agressão costuma acontecer
depois de uma serie de investidas psicológicas contra sua integridade
8
mental .

Desta forma percebe-se que feminicídio no Brasil é um problema


que decorre da violência doméstica contra a mulher (estabelecidos na Lei Maria da
Penha).
5
BRASIL. Lei nº 13.104, de março de 2015.Altera o art. 121 do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstancia qualificadora do
crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol
dos crimes hediondos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03_Ato2015-
2018/2015/lei/L13104.HTM>>. Acesso em: 24 ago. 2015.
6
MOTA, Thiago. Feminicídio: comentários sobre a lei 13.1014/2015. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/37297/feminicidio-comentarios-sobre-a-lei-n-13-104-2015>. Acesso em: 19
nov.2015.
7
BRASIL, loc. cit.
8
DEBELAK, Catherine;DIAS,Letícia;GARCIA,Marina.Feminicídio no Brasil: Cultura de matar
mulher. Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo e Rádio e Televisão – Faculdade Cásper
Líbero, São Paulo. Disponível em: <http://feminicidionobrasil.com.br>. Acesso em 30 dez.2015.
5

O Brasil no ano de 2012 já se encontrava, no rol dos países com o


maior índice de homicídios femininos do mundo, ocupando a 7ª posição entre 84
países de acordo com o Mapa da Violência deixando evidente que a violência contra
mulher em sua maioria, são oriundas do ambiente doméstico9.
Tem-se que a lei do feminicídio é um avanço e tem por objetivo
diminuir os índices dos assassinatos contra mulher, visando sua proteção, e com
esta finalidade vislumbra-se comparar sua aplicabilidade no Brasil com relação aos
países da América Latina, porém, é necessário conhecer os tipos possíveis de
feminicídio e as causas de aumento de pena.

2.1 TIPOS DE FEMINCÍDIO

Importante salientar que nem todo assassinato de mulher se


caracteriza com sendo feminicídio. O crime configura-se quando uma mulher se
torna vítima de homicídio apenas por ser do sexo feminino.
Neste sentido conceitua Miranda que:

[...] “femicídio” ou “feminicídio”, é caracterizado na forma extrema de


violência de gênero que resulta na morte da mulher em três situações:
quando há relação intima de afeto ou parentesco entre a vítima e o
agressor; quando há pratica de qualquer violência sexual contra a vítima e
em casos de mutilação ou desfiguração da mulher que seria o assassinato
10
da mulher em razão do seu gênero feminino .

Em decorrência destas características surgem ainda três tipos


possíveis de feminicídio: íntimo, não íntimo e por conexão11.
No feminicídio íntimo, o autor do crime é o atual ou ex companheiro
da mulher com o qual a ela manteve algum tipo de relacionamento ou convivência
conjugal, extraconjugal ou familiar12

9
CEBELA, Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos; FLACSO, faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais. Mapa da violência 2012- atualização: homicídios de mulheres no Brasil.
Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/pesquisa/mapa-da-violencia-2012-
atualização-homicidios-de-mulheres-no-brasil-cebelaflacso-2012>. Acesso em: 20 dez.2015.
10
MIRANDA M, Carolina. Reflexões acerca da tipificação do femicídio da PUC Rio: Monografia
(bacharelado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Programa de graduação em
Direito, Rio de Janeiro. Disponível em: <www.maxwell.vrac.puc-rio.br/22487//22487.pdf>. Acesso em:
09 out.2015.
11
GRECO,Rogério.Feminicídio- comentários sobre a lei nº 13.104, de 9 de março de 2015.
Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/?p=2906>. Acesso em: 09 out. 2015. p. 02.
12
GRECO, loc, cit.
6

Feminicídio não íntimo: o autor do crime e a vítima mulher não


possuíam qualquer ligação familiar, de convivência ou de relacionamentos13.
Já, o feminicídio por conexão, ocorre quando o homem tem por
objetivo assassinar outra mulher, no entanto, a vítima que não era alvo, vem a ser
assassinada por estar na hora errada e no lugar errado pode-se dizer14.
No entanto, o crime de feminicídio só se qualifica se presentes as
qualificadoras elencadas no artigo 1º, § 2º- A

Art. 121. [...]


§ 2º-A. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o
crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
15
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher .

Portanto, sem as qualificadoras mencionadas pela Lei o crime de


homicídio de mulher não se configura feminicídio, ou seja, se não estiverem
presentes os requisitos qualificadores do crime.

2.2 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Explanado o que vem a ser feminicídio e seus tipos, passa-se a


verificar as causas de aumento de pena na ocorrência do crime.
Poderá ocorrer o aumento da pena em 1/3 de acordo com o Código
Penal Brasileiro em seu artigo 121, § 7º, incisos I; II; e III, se o crime de feminicídio
ocorrer nas seguintes circunstâncias: durante a gestação ou três meses posterior ao
parto, se a vítima for menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, e se o
crime ocorrer na presença de descendente ou ascendente da vítima 16.
Na hipótese do inciso I, é necessário que o autor do crime tenha
conhecimento do estado gestacional da mulher ou de que dera a luz, e, mesmo
tendo conhecimento do fato, tenha incorrido na conduta de cometer o feminicídio.
Desta forma, se o autor desconhecer o fato, é impossível aplicar a majoração da
13
GRECO,Rogério.Feminicídio- comentários sobre a lei nº 13.104, de 9 de março de 2015.
Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/?p=2906>. Acesso em: 09 out. 2015. p. 02.
13
GRECO, loc, cit.
14
GRECO, loc, cit.
15
BRASIL. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.plamalto.gov.br/ccivil_03_decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 jan.2016.
16
BRASIL. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.plamalto.gov.br/ccivil_03_decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 jan.2016.
7

pena, no caso da mulher e do feto sobreviverem, responderá o agente pela tentativa.


Enquanto que, se os dois vierem a morrer, responderá o agente pelo feminicídio. Na
hipótese da mulher sobreviver e o feto morrer, responderá o agente por tentativa de
feminicídio em concurso com aborto consumado. E por último, se a mulher morrer e
o feto sobreviver, responderá por feminicídio consumado em concurso com tentativa
de aborto17.
No inciso II o autor do crime precisa ter conhecimento de todos os
elementos contidos no inciso, do contrário acarretará erro de tipo e
consequentemente a majorante não poderá vir ser aplicada. A idade das vítimas
somente poderá ser comprovada por prova documental (que comprove a
idade).Enquanto que, no caso de a vítima ser deficiente (que pode ser qualquer
deficiência), deverá ser comprovado por laudo pericial18.
No inciso III, também é necessário que o autor do crime tenha
conhecimento de que o praticou na presença de descendentes ou ascendentes, que
por si só, já aumenta o juízo de reprovação. Pois, um ente familiar que assiste a um
ato violento como este,poderá a vir conviver, o resto da vida traumatizado com as
cenas do crime em sua memória,podendo lhe trazer sérios danos psicológicos.No
entanto, não basta apenas o conhecimento do autor, é necessária a produção de
provas documentais que comprovem a relação de parentesco da vítima com os
telespectadores do crime19.
Feitas tais considerações acerca do feminicídio, as formas em que o
crime pode ocorrer e as causas de aumento de pena, tais peculiaridades evitam-se
interpretações errôneas e equivocadas que poderiam acarretar em ofensa ao
Princípio da Legalidade20.
Também restou demonstrado que as causas de motivação a criação
da nova tipificação penal é resultante dos altos índices de violência contra mulher no
Brasil e que na maioria dos casos registrados são oriundos do ambiente doméstico,
ou seja, no Brasil ocorre o feminicídio íntimo, desta forma passa-se analisar no
próximo capítulo alguns países da América Latina tais como: Argentina, Chile e
Colômbia,quanto ao tipo de feminicídio e aplicabilidade da Lei com relação ao Brasil.
17
GRECO, Rogério. Feminicídio- comentários sobre a lei nº 13.104, de 9 de março de 2015.
Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/?p=2906>. Acesso em: 09 out. 2015. p.04.
18
GRECO, loc. cit.
19
GRECO, loc, cit.
20
GRECO, Rogério. Feminicídio- comentários sobre a lei nº 13.104, de 9 de março de 2015.
Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/?p=2906>. Acesso em: 09 out. 2015. p. 03.
8

3 DIREITO COMPARADO NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA

A penalização do feminicídio na América Latina é recente, sendo


necessário analisar as experiências legislativas sobre esta penalização nos países
como Argentina, Chile e Colômbia com objetivo de avaliar os impactos e as
contribuições para com a legislação brasileira.

3.1 ARGENTINA

Os autos índices de violência contra mulher no país fez com que a


modalidade de feminicídio fosse inserida no Código Penal.
A criação de legislação sobre o feminicídio no país ocorreu graças
ao trabalho desenvolvido pela organização não governamental Casa Del Encuentro
na luta contra a violência de gênero na Argentina, que desde sua fundação no ano
de 2003 em Buenos Aires, vem fomentando a conscientização sobre a violência
contra mulher no país, iniciando debates na sociedade, pleiteando reforma na
legislação para proteger as mulheres21.
Segundo Fabiana Tuñez diretora da organização não governamental
Casa Del Encuentro, os assassinatos de mulheres eram classificados como crimes
passionais, e não existia a preocupação de se investigar a fundo a origem de tanta
violência contra a mulher22.
Explica ainda que a definição mais correta sobre o feminicídio é
“assassinato por misoginia, por desprezo ou ódio contra as mulheres e por sexismo”,
pois os homens que cometem este crime sentem-se superiores e com propriedade
sobre a mulher, existente também o feminicídio vinculado, que ocorre quando a
vítima é outro homem ou os próprios filhos, por vingança, punição ou simplesmente
por estarem presentes no momento da agressão, pois também não seriam vítimas
se esta violência não existisse23.
A Casa Del Encuentro passou a elaborar registros estatísticos no
ano de 2008, monitorando a ocorrência de crimes por meios de comunicação da

21
MARCHIARO, Verônica. ONG luta contra feminicídio na argentina.DW, 03 jun. 2015. Disponível
em: <http://www.dw.com/pt/ong-luta-contra-o-feminicidio-na-argentina/a-18490832>. Acesso em: 28
jan.2016.
22
MARCHIARO, loc. cit.
23
MARCHIARO, loc. cit.
9

Argentina, além de coleta de dados de casos na justiça, com base nestas


informações, puderam concluir que a cada 30 horas uma mulher era assassinada
por violência de gênero, em 2015 foram 140 assassinatos de mulheres, em 2013
foram registrados 295 casos e em 2014 foram 277 registros24.
O feminicídio passou a ser uma grave realidade no país atingindo
todas as classes sociais, de 10% a 12% dos agressores pertenciam as forças de
segurança nacional, e que 9 a cada 10 casos registrados, o agressor era o
companheiro ou ex-companheiro da vítima25.
O trabalho desenvolvido pela Casa Del Encuentro foi fundamental
para o incremento da modalidade do crime de feminicídio a ser inserido no Código
Penal da Argentina, acarretando na reforma do mesmo com modificação no artigo
80, a lei foi promulgada em 11 de dezembro de 2012, com pena de reclusão ou
prisão perpétua26com a seguinte redação:

Artículo 80- se impondráreclusion perpetua o prision perpetua,


pudiendoaplicarselodispuesto em elaticulo 52, al que matare:
1º a susascendientes, descendientes o cónyuge, o conviviente, sabiendo
27
que loson

Na legislação argentina ao tratar da violência de gênero não faz


referência que a vítima seja mulher, dando a entender na interpretação do
dispositivo que a lei também acolhe os direitos violados da população LGBTI
(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais)28.
Enquanto que no Brasil o crime de feminicídio somente se
configurará quando presentes os requisitos do artigo 1º, § 2º- A da lei 13.104/2015,
portanto a norma não alcança aplicabilidade, se o ato de violência for praticado

24
MARCHIARO, Verônica. ONG luta contra feminicídio na argentina.DW, 03 jun. 2015. Disponível em:
<http://www.dw.com/pt/ong-luta-contra-o-feminicidio-na-argentina/a-18490832>. Acesso em: 28
jan.2016.
25
MARCHIARO, loc. cit.
26
COMPROMISSO E ATITUDE.Legislações da América Latina que penalizam o feminicídio, 23
jun. 2015. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/legislações-da-america-latina-que-
penalizam-o-feminicidio>. Acesso em: 28 jan. 2016.
27
ARGENTINA. Ley 11.179 (1984). Codigo Penal de lanacion argentina. Disponível em:
<http://www.infoleg.gov.ar/infoleginternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm#15>. Acesso em: 20
jan. 2016.
28
MACHADO, M. R. A. Et. al. A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil.
Diálogos Sobre Justiça, Brasília: ministério da justiça, 2015. p. 19. Disponível em:
<http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/pesquisa/a-violencia-domestica-fatal-o-problema-do-
feminicidio-intimo-no-brasil-cejus-srj-mjfgv-2015/>. Acesso em: 09 out. 2015.
10

contra a população LGBTI, se a vítima não for mulher e o agressor não for um
homem.

3.2 CHILE
No Chile a violência contra a mulher também tem suas origens mais
intensificadas no âmbito doméstico, sendo comum no país a ocorrência do
feminicídio íntimo.
Dados registrados sobre os índices de violência contra a mulher no
país entre os anos de 2010 e 2012 revelam que cerca dos 50;6% dos feminicídios
ocorridos, a mulher assassinada mantinha uma relação de convivência com o
agressor, enquanto que 22,4% das vítimas haviam rompido o relacionamento, outros
tipos de relacionamentos (relações extra-conjugais, vizinhos) foram registrados
como homicídio e não como feminicídio, cerca de 14,1%, além de outras situações
ligados ao consumo de álcool e drogas alcançaram 5,8%29.
O crime de feminicídio no país é regulamentado pela lei nº 20.480,
de 14 de dezembro de 2010 que modificou o artigo 390 do Código Penal do Chile
com a seguinte redação:

Art. 390. El que, conociendolas relaciones que losligan, mate a su padre,


madre o hijo, a cualquier outro de susascendientes o descendientes o a
quienes o ha sido sucónyuge o suconviviente, será castigado, como
parricida, conla pena de presidio mayorensu grado máximo a presidio
perpetuo calificado. Si lavíctimadel delito descrito enel inciso precedente es
o ha sido lacónyuge o laconviviente de su autor, el delito tendráelnombre de
30
femicidio .

A mudança na redação do artigo alterou as expressões “a seu


cônjuge ou convivente” recebendo a expressão “a quem é ou tenha sido seu cônjuge
ou seu convivente31, ampliou o rol para as vítimas de parricídio e se a vítima for
mulher será feminicídio.

29
NAZARIT, Paula Santana; PÉREZ, Lorena Astudillo.Violencia extrema hacialasmujeresen Chile:
(2010-2012).Santiago: Red Chilena, 2014, p. 46. Disponível em:
<www.feminicidio.net/sites/default/files/chile_estudio-violencia_extrema-finalde.pdf>. Acesso em: 10
fev. 2016.
30
CHILE, Ministério da Justiça. Código Penal. Santiago: BCN, 1874. Disponível em:
<http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1984&r=6>. Acesso em: 10 fev. 2016.
31
CHILE. Lei 20.480 de 14 de dezembro 2010. Modifica o Código Penal e a Lei nº 20.066 sobre
Violência Intrafamiliar, estabelecendo o “Feminicídio”, aumentando as penas aplicáveis a este delito e
reforma as normas sobre Parricídio. Disponível em:<
http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1021343&idParte-90805991&idVersion=2010-12-18>.
Acesso em: 10 fev. 2016.
11

Contudo a lei não tratou dos casos de violência contra mulher


referentes às situações em que não se encontra relação de convivência com o
agressor, e da mesma forma que a legislação argentina, refere-se apenas ao
cônjuge como vítima, não importando também qual seja o sexo do mesmo.

3.3 COLÔMBIA

Na Colômbia segundos dados oficiais, em 2014 a cada três dias


uma mulher era assassinada por seu parceiro ou homem com quem havia tido
algum relacionamento afetivo, o feminicídio foi sancionado em 06 de julho de 2015 a
Lei Rosa Elvira Cely nº 1.761, cujo nome é de uma mulher que foi brutalmente
violentada e assassinada no ano de 2012, gerando grande comoção no país, e com
previsão de pena de até 50 anos de detenção32.
A Lei 1.761 alterou o Código Penal colombiano para a seguinte
redação:

Artículo 104A. Feminicidio. Quiencausarelamuerte a una mujer, por


sucondición de ser mujer o por motivos de suidentidad de gênero
(grifo nosso) o en donde hayaconcurrido o antecedido cualquiera de
lassiguientes circunstancias, incurriráenprisión de dosdentoscincuenta (250)
meses a quinientos (500) meses.
a) Tener o habertenido una relación familiar, íntima o de
convivenciaconlavíctima, de amistad, de compañerismo o de trabajo y ser
perpetrador de un ciclo de violencia física, sexual, psicológica o patrimonial
que antecedióelcrimen contra ella.
b) Ejercer sobre elcuerpo y la vida de lamujeractos de instrumentalización
de género o sexual o acciones de opresión y dominio sobre sus
decisionesvitales y susexualidad.
c) Cometer el delito enaprovechamiento de las relaciones de poder
ejercidas sobre lamujer, expresadoenlajerarquizaciónpersonal, económica,
sexual, militar, política o sociocultural.
d) Cometer el delito para generar terror o humillación a quien se considere
enemigo.
e) Que existan antecedentes o indicios de cualquier tipo de violencia o
amenazaenelámbito doméstico, familiar, laboral o escolar por parte
delsujetoactivoen contra de lavíctima o de violencia de género cometida por
el autor contra lavíctima, independientemente de que elhechohaya sido
denundado o no.
f) Que lavíctimahaya sido incomunicada o privada de sulibertad de
33
locomoción, cualquiera que seaeltiempoprevio a lamuerte de aquella .

32
SILVA, Vanessa Martin a. Com punição de até 50 anos, lei que tipifica o feminicídio é sancionada
na Colômbia. Operamundi, São Paulo 06 jul. 2015. Disponível
em:<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40944/com+punicao+de+ate+50+anos+lei+que+t
ipifica+o+feminicidio+e+sancionada+na+colombia.shtml>. Acesso em: 17 mar. 2016.
33
ESPANHA, Ley nº 1671. 06 jul. 2015. Por lacual se creael tipo penal de feminicidio como delito
autónomo y se dictanotrasdisposiciones (Rosa Elvira Cely). Disponível em:
12

A redação dada ao Código Penal colombiano trata melhor a questão


do feminicídio, alcançando sem dúvidas a definição do crimeao trazer
expressamente o objetivo que busca atingir o agressor, o crime se configura pelo
simples fato da vítima ser mulher, deixando claro na interpretação de que se trata de
violência impetrada por discriminação e gênero34.
A lei colombiana, diferentemente da legislação argentina e
chilenatratou da matéria de forma mais detalhada sobre o crime de feminicídio na
qual o sujeito passivo só pode ser mulher, na mesma linha da lei brasileira.

4 CONTROVÉRSIAS NA APLICAÇÃO DO FEMINICÍDIO NO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO

A lei do feminicídio antes de entrar em vigor no país, já era questão


regulamentada em vários países da America Latina, não sendo o primeiro a tratar da
matéria.
O Brasil foi o 16º país da America Latina a prever o crime de
feminicídio, alterando-se o artigo 121 do Código Penal Brasileiro incluindo-o como
causas de aumento de pena do crime cujos requisitos são: durante a gestação e até
três meses após o parto, mulher menor de 14 anos e maior de 60 anos, portadora de
deficiência, se o crime for cometido na presença de ascendente ou descendente da
vítima35.
Pertinente esclarecer que a legislação brasileira ao tratar do
feminicídio não se refere há uma característica biológica, mas sim, ao gênero ligado
diretamente aos papéis sociais desempenhados pelo homem e pela mulher na
sociedade, na qual pode-se dizer que, apesar da evolução histórica em nossa

<http://wp.presidencia.gov.co/sitios/normativa/leyes/Documents/LEY%201761%20DEL%2006%20DE
%20JULIO%20DE%202015.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2016.
34
XXIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI /DOM HELDER CÂMARA, 25., 2015, Belo
Horizonte. A lei n.º 13.104/2015 (feminicídio): simbolismo penal ou uma questão de direitos
humanos? Belo Horizonte:UFMG, 2015. p. 339. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/278k6xco/15daJp4p1BszHNm5.pdf>. Acesso em: 21
jan.2016.
35
BIANCHINE, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei
13.104/2015. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-
entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015>. Acesso em: 19 abr. 2016.
13

sociedade, ainda, ocorre uma supervalorização do papel do homem com relação ao


da mulher36.
Neste sentido explica Teles e Melo, que na violência de gênero há a
dominação do homem e a submissão da mulher, que foram impetrados
historicamente promovendo violência entre os sexos com fundamentos
ultrapassados em ideologias patriarcais37.
Contudo o feminicídio quanto a sua aplicabilidade faz surgir no
ordenamento jurídico brasileiro controvérsias quanto ao momento em que passou a
qualificar o homicídio, na qual sendo este cometido contra mulher por razões de
sexo feminino, poderia-se também ser tipificado como motivo torpe 121, § 2º, I do
Código Penal ou no artigo 121, § 2º, II motivo fútil38.
O doutrinador Luiz Reges Prado leciona acerca do motivo torpe
como sendo “motivo abjeto indigno e desprezível, que repugna ao mais elementar
sentimento ético. O motivo torpe provoca acentuada repulsa, sobretudo pela
ausência de sensibilidade moral do executor”39.
Enquanto que o motivo fútil explica Heleno Fragoso que:

O motivo fútil é aquele que apresenta, como antecedente psicológico,


desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se em vista a
sensibilidade moral média. O motivo fútil envolve maior reprovabilidade (e,
pois, maior culpabilidade), por revelar perversidade e maior intensidade no
40
dolo com que o agente atuou. A opinião do réu é irrelevante .

As classificações das categorias de qualificadoras referentes aos


motivos do crime estão elencadas no Código Penal em seu artigo 121, § 2º, nos
incisos I e II; quanto aos meios de execução inciso III; aos modos inciso IV, e quanto
aos fins inciso V41.

36
BIANCHINE; GOMES. Loc. cit.
37
TELES, Maria A. de Almeida; MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher. São Paulo:
Brasiliense, 2002, p. 30.
38
XXIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI /DOM HELDER CÂMARA, 25., 2015, Belo
Horizonte. A lei n.º 13.104/2015 (feminicídio): simbolismo penal ou uma questão de direitos
humanos? Belo Horizonte: UFMG, 2015. p.339. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/278k6xco/15daJp4p1BszHNm5.pdf>. Acesso em: 21
jan. 2016.p. 341.
39
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal, volume 2: parte especial. 4.ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005, p.62.
40
FRAGOSO. Heleno. Homicídio qualificado. Motivo torpe e motivo fútil. Disponível em:
<http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11330-11330-1-PB.pdf>. Acesso em: 19 abr.
2016. p. 02.
41
BRASIL. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.plamalto.gov.br/ccivil_03_decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 jan.2016.
14

Desta forma, compreende-se que o inciso VI, leva em consideração


como motivo do crime também a qualidade da vítima, portanto o motivo torpe já foi
tratado no inciso I, não tendo porque existir o inciso VI.

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)


VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela
Lei nº 13.104, de 2015).
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O feminicídio é um homicídio doloso praticado contra mulher


simplesmente pela sua condição de sexo feminino, não se admitindo a modalidade
culposa, exige o animus necandi, que para Damásio de Jesus é a vontade de se
atingir um resultado específico, que não se confunde com o dolo genérico trazido no
artigo 121 caput do Código Penal42, ou “vontade consciente de eliminar uma vida
humana, não se exigindo nenhum fim especial”43.
No feminicídio o agente possui a intenção de se atingir um resultado
que é um elemento subjetivo específico, ou seja, um delito de intenção que para
Fernando Capez é definido como sendo aquele resultado perseguido pelo autor do
crime, e que não necessita ser atingido de fato para que o crime se consuma 44,
sendo esta a finalidade especial de matar pela condição de sexo feminino.
O legislador brasileiro fez questão de esclarecer o que seria a
condição de sexo feminino, que é quando o crime envolver violência doméstica e
familiar, menosprezo ou discriminação simplesmente pela condição de ser mulher45,
desta forma compreende-se que, se a vítima do feminicídio não for mulher, o crime é
atípico, pois somente se configurará se tiver como vítima uma mulher.
Sobre a questão de gênero e a violência sofrida pela mulher
esclarece Diniz e Alves que está diretamente ligado aos “parâmetros que foram
referendados no contexto do patriarcado e preservados pela divisão de papéis e da
organização de tarefas que estruturam a vida conjugal e familiar”46.

42
JESUS, Damásio de. Direito Penal, parte geral. 20ªed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 286.
43
MIRABETE, JulioFabrini. Manual de direito penal, parte especial. 23ª ed. São Paulo: atlas, 2005,
p. 64.
44
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume I, parte geral. 16.ªed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 292.
45
BRASIL. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.plamalto.gov.br/ccivil_03_decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 jan.2016.
46
DINIZ, Gláucia Ribeiro Starling; ALVES, Cláudia Oliveira. Gênero, conjugalidades e violência: uma
proposta de intervenção sistêmica-feminista. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues
15

Neste sentido o legislador utilizou o conceito de violência doméstica


e familiar o inserido na lei n.º 11.340/2006 prevista no artigo 5°, explicando que esta
violência pode ocorrer por ação ou omissão baseada no gênero, lhe causando
morte, sofrimento físico ou psicológico, violência sexual, dano patrimonial e
extrapatrimonial, que aconteçam no convívio permanente, com ou sem vínculo
familiar, mesmo que esporadicamente agregadas, que família compreende-se como
comunidade formada por indivíduos que parentes ou não, se consideram por
afinidade, independente da relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou
tenha convivido47.
Já o artigo 7º do mesmo diploma legal descreve as formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher, violência física é aquela impetrada
contra a mulher lhe ofendendo a integridade física ou saúde corporal; enquanto que
a psicológica lhe causa dano de ordem emocional; violência sexual conduta que a
constranja e a obrigue a praticar atos sexuais contra vontade, sob ameaças ou
qualquer tipo de coação ou força, atentando contra a sua sexualidade, ou ações que
limitem ou anulem o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; violência
patrimonial configurando a retenção, subtração, destruição parcial ou total de
quaisquer bens, valores e direitos econômicos, inclusive àqueles destinados a
satisfação de suas necessidades e violência moral decorrentes de calúnia,
difamação ou injúria48.
Verifica-se que o inciso II, traz o conceito subjetivo de ordem
emocional da qual na maioria dos casos a mulher fica exposta a uma situação de

de; ZANELLO, Valeska. Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas. Ilha de Santa
Catarina: Mulheres, 2014. p. 162.
47
BRASIL, lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal,
o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 07 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 20 jan. 2016.
48
BRASIL, lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal,
o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 07 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 20 jan. 2016.
16

violência psicológica o que acarreta uma hipossuficiência e vulnerabilidade, que é


exatamente a tutela do feminicídio49.
Segundo Alimena, “para participar como vítima do rito judicial
previsto na Lei Maria da Penha, a princípio o sexo que consta no registro civil do
indivíduo deve ser o feminino, o que possibilitaria a proteção de alguns
transexuais”50.
No entanto, por se tratar de norma incriminadora é vedado aplicação
de analogia que desfavoreça a situação do réu, devendo-se respeitar o princípio da
legalidade,“se a norma penal visa incriminar ou a punir mais drasticamente, certo
seria que, aumentar seu espectro de abrangência criaria situações impeditivas pelo
princípio da legalidade, por conceder ao jurista o poder de definir crimes e penas”51.
Analisado tais peculiaridades compreende-se que a vítima de
feminicídio somente poderá ser do sexo feminino, a lei não alcança aplicabilidade
em caso de homicídio de transexuais, pois do contrário ocorrerá afronta ao princípio
da legalidade, além de estar significativamente piorando a situação do réu com
aplicação de analogias.

5 CONCLUSÃO

Diante da crescente realidade de violência contra mulher no âmbito


familiar, verifica-se que a inserção da referida Lei no Código Penal Brasileiro é um
avanço e tem por objetivo diminuir os índices de assassinatos contra mulher visando
sua proteção, pois conforme demonstrado o feminicídio no Brasil, é uma
problemática decorrente da violência doméstica contra a mulher, por sua vez
estabelecidos na Lei Maria da Penha.
Neste cenário de violência constatou-se que nos países da América
Latina, já citados,a violência impetrada contra as mulheres são na sua maioria

49
XXIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI /DOM HELDER CÂMARA, 25., 2015, Belo
Horizonte. A lei n.º 13.104/2015 (feminicídio): simbolismo penal ou uma questão de direitos
humanos? Belo Horizonte: UFMG, 2015. p. 339. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/278k6xco/15daJp4p1BszHNm5.pdf>. Acesso em: 21
jan. 2016. p. 342.
50
ALIMENA, Carla Marrone. A tentativa do impossível: Feminismos e criminologias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 81.
51
SILVA, Rêidric Víctor da Silveira Condé Neiva e. O uso da analogia nas normas penais
incriminadoras para extensão do tipo penal. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7178>. Acesso em: 20 abr.
2016.
17

decorrentes do ambiente doméstico, ou seja, o feminicídio íntimo, já que em grande


parte dos casos, a vítima mantinha ou manteve alguma convivência com seu
agressor, da mesma forma que ocorre no Brasil.
Já no que se refere ao contexto do direito comparado a estes
países, destaca-se a lei colombiana, pois abrange de forma mais detalhada a
questão, do que vem a ser o feminicídio, deixando clara a finalidade especial do
agente, além de exigir que o crime praticado, tenha como vítima a mulher, não
sendo aplicável na ocorrência de homicídio de transexuais, assim como no Brasil.
Portanto, apesar dos questiona mentos com relação ao instituto
feminicídio, no tocante de sua inclusão como qualificadora no Código Penal
Brasileiro, tornou-se um meio de combate e prevenção a violência contra a mulher
pela condição de sexo feminino, sendo uma forma do Estado estar ciente a
problemática, assumindo e confirmando o compromisso de garantir a mulher que
seus direitos sejam preservados e respeitados, já que muitas vezes o simples fato
de ser mulher faz com que exista esta violência, não devendo o Estado ficar omisso
diante de tal realidade.

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domestica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art.226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação
contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Erradicar
a Violência contra a Mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Domestica e Familiar contra a Mulher, altera o Código e Processo Penal, o Código
Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:
18

<htttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/I11340.htm>. Acesso
em: 20 jan.2016.

_______. Lei nº 13.104, de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como
circunstancia qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25
de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03_Ato2015-2018/2015/lei/L13104.HTM>>.
Acesso em: 24 ago. 2015.

_______. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.


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