2017 MonicaRodriguesBezerra TCC
2017 MonicaRodriguesBezerra TCC
2017 MonicaRodriguesBezerra TCC
INSTITUTO DE QUÍMICA
ARGUMENTOS DE LICENCIANDOS
PARA O ENSINO DE QUÍMICA
Brasília – DF
1.º/2017
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE QUÍMICA
ARGUMENTOS DE LICENCIANDOS
PARA O ENSINO DE QUÍMICA
iii
AGRADECIMENTOS
Devo agradecer a Daniel, meu melhor amigo e companheiro que viveu tudo de perto, o
início do trabalho, as minhas angústias, as minhas epifanias. Obrigada pela paciência, cuidado
e participação significativa nesse trabalho. E a todos os meus amigos que, em pelo menos
algum momento, fizeram parte desse trabalho, em especial Thamires, Pollyanna, Juliana,
Rhaysa, Gabriela e Thaís. E aqueles que provaram que a vida é surpreendente: Vinícius,
Sarah, Laís, Beatriz. Vocês me encheram de fé e luz.
Por fim, gostaria de agradecer aos colegas que aceitaram participar dessa pesquisa e ao
professor Eduardo Cavalcanti, que me disponibilizou tempo de sua aula para coleta de dados.
E também a todos os meus colegas de curso.
iv
Sumário
Introdução...................................................................................................................................7
Capítulo 1 – Letramento científico...........................................................................................10
Capítulo 2 - Formação de Professores de Química e Letramento Científico...........................14
Capítulo 3 – Metodologia.........................................................................................................18
Capítulo 4 – Análise dos resultados..........................................................................................19
Considerações Finais................................................................................................................27
Referências................................................................................................................................30
Apêndices..................................................................................................................................32
v
RESUMO
vi
INTRODUÇÃO
É muito comum que os alunos perguntem a si mesmos ou aos seus professores qual a
necessidade de estudar Química e em que esse conhecimento será útil na sua vida. As
respostas podem ser das mais variadas e revelam informações importantes sobre o que
pensam esses professores. Identificar as concepções dos professores sobre o que justifica o
ensino de Química na escola é importante para compreender quais os fundamentos da sua
prática docente.
Alfabetização/Letramento científico são processos associados ao Ensino de Ciências.
O Ensino de Química é parte integrante do Ensino de Ciências. Dessa forma, ao identificar
que argumentos os licenciandos utilizam para defender o Ensino de Química é uma maneira
de compreender quais as percepções que têm sobre letramento/alfabetização científica.
Millar (2003) categoriza os principais argumentos que são utilizados para defender o
ensino de Ciências na educação básica. Os argumentos econômico, da utilidade, democrático,
sociocultural. O argumento econômico defende o ensino de Química como um mecanismo
que pode culminar no desenvolvimento econômico de uma nação, por meio do
desenvolvimento científico. O ensino de Ciências seria, então, o responsável por garantir um
conhecimento básico de Ciências para os estudantes que quisessem seguir na carreira
científica. Já o argumento da utilidade defende o ensino de Ciências como um instrumento
que pode facilitar a vida do indivíduo em vários momentos do seu cotidiano que se
relacionem com Ciência e Tecnologia. O argumento democrático defende o ensino de
Ciências como um conhecimento que pode ser necessário para o exercício da cidadania.
Compreender aspectos básicos da Ciência seria importante para conseguir formar opiniões
sobre questões da sociedade que envolvam Ciência e Tecnologia. O argumento sociocultural,
na verdade, são dois argumentos que estão intimamente interligados. Defendem que a
aquisição do conhecimento científico é importante, pois é um produto cultural.
Diante disso, convém questionar se necessariamente o desenvolvimento científico traz
o desenvolvimento econômico de uma nação. E se trouxer, esse desenvolvimento culmina no
8
desenvolvimento social? Essa ideia está relacionada com uma visão equivocada da natureza
da Ciência, mais especificamente associada a uma percepção salvacionista da tecnociência, a
qual pressupõe um modelo linear de desenvolvimento, que se inicia no desenvolvimento
científico e tem fim, necessariamente, no desenvolvimento social (AULER, DELIZOICOV,
2001). Auler e Delizoicov (2001) criticam esse modelo ao identificarem essa percepção
salvacionista da Ciência como equivocada, já que não é um saber neutro e imaculado, mas
está sujeito a interesses, contextos sociais e culturais.
Além disso, esses autores discorrem sobre o que é chamado de determinismo
tecnológico, que atribui ao desenvolvimento da tecnociência algo irreversível e inexorável,
sendo a participação da sociedade irrelevante para alterar esse curso. Nessa visão, a
tecnociência seria alheia a sociedade (AULER, 2011).
O determinismo tecnológico se propaga em duas perspectivas opostas e extremas:
mito da tecnociência salvacionista e o mito da tecnociência como o mal do século. Em
combate ao determinismo tecnológico, não se pode enxergar a Ciência e Tecnologia
dissociadas de sua natureza humana e do contexto de interesses, nas quais se encontram. Isso
significa dizer que o avanço da tecnociência deve ser visto de maneira crítica: nem como a
solução, nem como causa de todos os problemas atuais, mas como uma estrutura social
complexa que se correlaciona com a sociedade de diversas maneiras (AULER,
DELIZOICOV, 2001; CACHAPUZ, 2011).
Dessa forma, os argumentos democráticos e sociocultural condizem com uma visão
mais crítica da natureza da Ciência e da Tecnologia e atribuem ao ensino de Ciências uma
responsabilidade social que unido a outros conhecimentos é um instrumento que pode
desenvolver habilidades necessárias para o exercício da cidadania.
Santos e Schnetzler (2010) discorrem muito bem sobre o conceito de cidadania,
definindo esse termo basicamente como participação. Portanto, a cidadania é uma condição a
ser alcançada pelo indivíduo. Um instrumento para o alcance dessa condição é a educação,
como mostrado no trecho:
Dessa forma, o ensino de Ciências não deve ter por objetivo formar especialistas, mas
trabalhar para formar cidadãos conscientes e capazes de opinar e, mais do que isso, participar
das principais decisões que envolvam Ciência e Tecnologia (CACHAPUZ, 2011; SANTOS,
MORTIMER, 2000).
Pensando nisso, esse trabalho objetiva identificar quais argumentos os licenciandos do
curso de Química da Universidade de Brasília utilizam para defender a formação que
recebem.
Para tanto, foi utilizada uma metodologia proposta por Milaré e Francisco (2015) no
trabalho “Química, pra que te quero?”: argumentos de licenciandos na perspectiva da
Alfabetização Científica. Nesse trabalho, as autoras utilizam uma publicação da atriz Denise
Fraga em sua coluna no jornal Folha de São Paulo em 2014, intitulada de “Química, pra que
te quero?”, na qual a atriz faz uma crítica ao sistema educacional brasileiro, utilizando a
Química como exemplo. Nessa publicação, a atriz questiona qual a necessidade de ensinar
Química na escola.
A partir disso, as autoras pedem para que os alunos, que estão cursando uma
disciplina do currículo de Licenciatura em Química, elaborem uma carta para a atriz
explicando qual a necessidade do ensino de Química. O nosso trabalho utilizou a mesma
metodologia e a atividade foi realizada com licenciandos do primeiro semestre e formandos.
Então, o primeiro capítulo desse trabalho traz um breve revisão bibliográfica sobre
alfabetização/letramento científico; o segundo capítulo faz uma relação entre esses termos e a
formação de professores; o terceiro capítulo apresenta com mais detalhes os caminhos
metodológicos utilizados; o quarto capítulo faz uma análise dos dados coletados na pesquisa.
Por fim, o último capítulo faz uma abordagem geral da pesquisa e dos resultados alcançados.
Como o trabalho foi realizado com alunos do primeiro semestre e do último semestre
também pode ser uma ferramenta que pode sugerir uma possível a evolução do pensamento
dos alunos ao longo do curso. Portanto, conhecer como os futuros professores de Química
defendem o ensino dessa disciplina, a partir da alfabetização/letramento científico é uma
ferramenta que pode nos ajudar a compreender também suas práticas docentes, bem como
quais suas concepções sobre a responsabilidade social do professor de Química. Além disso,
permite também identificar concepções ingênuas sobre a natureza da Ciência e Tecnologia,
bem como o nível de problematização que os licenciandos fazem sobre essas relações.
10
letramento é decorrente da necessidade de nomear uma nova realidade. Essa nova realidade é
que não basta saber ler e escrever, mas é necessário utilizar essa habilidade como um
instrumento de transformação de sua condição. Portanto, não basta conhecer os conceitos
científicos, mas é necessário saber utilizar esses conceitos de maneira crítica como
instrumento de participação na sociedade.
Dessa forma, essa diferenciação é mais do que uma questão semântica, mas é
importante para que os professores consigam refletir sobre suas práticas docentes e quais
objetivos estão alcançando. Diante disso, utilizaremos nesse trabalho, a distinção sugerida por
Santos (2007).
Questiono então, se é possível alcançar a cidadania através do letramento científico.
Antes de tratarmos desse assunto considero necessário compreender o que é cidadania, bem
como seus mecanismos de atuação dentro da sociedade atual. Adicionalmente, é importante
também definir quais as principais características da tecnociência e como ela se insere nessa
sociedade.
1
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
12
estrutura social, no sentido de que modifica e é modificada pela sociedade. Nesse contexto,
quaisquer avanços tecnocientíficos tem duas funções: focal e não focal. A função focal diz
respeito ao fim intencional que determinado avanço foi criado, já a função não focal define os
fins secundários desse avanço. Um bom exemplo disso é o automóvel. Inicialmente foi criado
com a intenção de facilitar e agilizar o deslocamento. Isso é a função focal dessa Tecnologia.
Entretanto, hoje também é utilizado como um instrumento de status, isso seria função não
focal dessa Tecnologia.
Dessa forma, é necessário criar mecanismos de participação de cidadãos nas decisões
referentes aos avanços da tecnociência. Isso significa ir de encontro ao modelo de decisões
tecnocráticas, no qual os especialistas, por possuírem o saber, são os únicos capazes de decidir
quais os melhores caminhos para todos os problemas da sociedade, sendo esse modelo
justificado pela atribuição do caráter de saber neutro e imaculado da Ciência (AULER,
DELIZOICOV, 2006).
Um dos mecanismos que pode proporcionar essa participação consiste na educação
científica. No entanto, não se pretende buscar formar cientistas, mas cidadãos que
compreendam mais do que somente os conceitos científicos, cidadãos capazes de identificar
como esses conceitos se articulam com a sociedade e quais as modificações causadas pela
tecnociência (CACHAPUZ, 2011; SANTOS, SCHNETZLER, 2010).
No entanto, vale ressaltar que o ensino de Ciências não é o único responsável pelo
desenvolvimento dessas competências. Tão pouco, a educação como um todo é a única
responsável por propiciar o exercício da cidadania. O ensino de Ciências, em conjunto com o
ensino de outras disciplinas, pode desenvolver nos alunos competências que promovam o
exercício da cidadania, entretanto não pode ser atribuída à educação, a única maneira pelo
qual essas competências são alcançadas, visto que a cidadania é alcançada pelo indivíduo, a
partir da sua maneira de se colocar na sociedade (SANTOS, SCHNETZLER, 2010).
Paula e Lima (2007), baseados em Rubba e Harkness (1993), afirmam que o processo
3
de tomada de decisão em questões que se articulam com o conhecimento científico deve vir
acompanhada de uma visão ampla e problematizadora que estabelece os limites do
conhecimento científico, bem como suas relações com a sociedade.
2
SCLOVE, R. Democracy and Technology. Nova York: Guilford Press, 1995.
3
RUBBA, P.A.; HARKNESS, W.L. Examination of preservice and in-service secondary
science teachers’ beliefs about Science-Technology-Society interactions. Science Education,
v. 77, p. 407-431, 1993.
13
Isso posto, o letramento científico pode ser usado para o alcance da cidadania, pois
pode desenvolver competências que auxiliam na tomada de decisão e desenvolvimento do
senso crítico. Essa perspectiva vai de encontro a ideia de scientific literacy proposta
inicialmente, dado ao contexto histórico no qual esse termo surgiu. O termo surge logo após o
lançamento do satélite Sputnik pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que foi um
marco para a corrida armamentista travada entre os EUA e o bloco dos países socialistas.
Sentindo-se desafiados, os EUA então começaram a incentivar a educação científica para
culminar no desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Portanto, nessa perspectiva o
scientific literacy seria para formar “pequenos cientistas” que possam seguir
profissionalmente nessa área (TEIXEIRA, 2013).
Apesar dessa visão surgir durante a chamada Guerra Fria que teve fim há pelo menos
seis décadas atrás, ainda é possível identificar essa concepção, quanto as justificativas da
educação científica em muitos professores. Essa concepção se relaciona com o argumento
econômico (MILAR, 2003).
No entanto, para terminar esse capítulo, vale a pena citar
4
RATCLIFFE, GRACE, Science education for citizenship: teaching socio-scientific issues.
Maidenhead: Open University Press, 2003.
CAPÍTULO 2 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA E
LETRAMENTO CIENTÍFICO
Nesse capítulo será apresentada uma reflexão sobre a formação dos professores de
Química e como essa formação pode contribuir para alcançar os objetivos de letramento
científico listados no capítulo anterior. Para tanto, dois aspectos da formação docente serão
abordados aqui com mais ênfase. Primeiro, a necessidade da compreensão das relações CTS e
de que maneira essa compreensão interage com o letramento científico na formação de
professores. Segundo, de que maneira, em termos práticos, é possível alcançar o letramento
científico.
Faz-se necessário, então, estabelecer a relação entre letramento científico e a
abordagem CTS. A abordagem CTS busca, por meio do letramento científico, uma educação
voltada para o exercício da cidadania, a partir da compreensão e portanto, problematização
das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (ZIMMERMANN; MAMEDE, 2005;
PAULA; LIMA, 2007; AULER; DELIZOICOV, 2001).
Essa busca se justifica, a partir da consciência de que o desenvolvimento da
tecnociência trouxe malefícios e benefícios para a sociedade. A compreensão da não
neutralidade da tecnociência e sua não autonomia é uma concepção que não só consegue
avaliar as relações CTS de maneira crítica, mas sugere um meio para o exercício da cidadania,
já que reconhece a tecnociência como uma estrutura social complexa, humana, sujeita a
interesses de diversas esferas sociais, estabelecendo, dessa forma, que a sociedade pode e
deve exercer controle sobre essa estrutura. Essa percepção foi chamada de adequação
sociotécnica por Feenberg (DAGNINO, SILVA, PADAVANNI, 2011, apud FEENBERG , 5
2003.).
Esse controle só é possível à medida que se encara a Tecnologia como um suporte para
estilos de vida diferenciados:
5
FEENBERG, Andrew. Do essencialismo ao construtivismo: a filosofia da Tecnologia numa
encruzilhada. São Carlos: UFSCar, 2003.
15
Além dessa crítica proposta por Milar, é importante também lembrar que esse
argumento ignora parte potencial do ensino de Química na educação básica. O ensino de
Química, defendido apenas por esse argumento, é o mesmo que dizer que individualmente os
alunos precisam conhecer Química para melhorarem suas vidas particulares. Em outras
palavras, apenas o argumento utilitário reduz o ensino de Química à apenas um conhecimento
17
6
CACHAPUZ, A. F.; PRAIA, J.; JORGE, M. Da Educação em Ciência às orientações para o ensino das
Ciências: um repensar epistemológico. Ciência & Educação, v. 10, n. 3, p. 363-381, 2004
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA
A metodologia utilizada aqui foi a mesma utilizada no trabalho “’Química, pra que te
quero?’: argumentos de licenciandos na perspectiva da Alfabetização Científica” de Tathiane
Milaré e Kelly R. Francisco (2015). Essa metodologia consiste em identificar os argumentos
dos licenciandos em Química, a partir de suas respostas a um texto publicado no jornal Folha
de São Paulo, pela atriz e colunista Denise Fraga em 2014.
Nesse texto, Denise Fraga compartilha a sua frustração e de seus filhos na escola com
a disciplina de Química. Apesar de a crítica ter sido feita a todo o sistema educacional
brasileiro, esse texto gerou bastante repercussão nas mídias sociais e inclusive foi digno de
uma resposta pública da Sociedade Brasileira de Química.
O texto foi apresentado aos alunos que estiveram cursando a disciplina de Estágio em
Ensino de Química 2, no 2.º semestre de 2016, por ser uma disciplina de final de curso. Além
disso, também foi apresentado aos alunos da disciplina de Introdução ao Curso de
Licenciatura Química, no 1.º semestre de 2017, por ser uma disciplina do primeiro semestre
do curso.
A partir da leitura do texto da atriz, os alunos deveriam então escrever uma resposta à
Denise Fraga, explicando qual a necessidade de ensinar Química no ensino básico. Foi pedido
para que os alunos apresentassem suas concepções de maneira simples, já que era para uma
pessoa leiga em ensino de Química. A atividade e o texto estão no apêndice. Essa atividade
deveria ser realizada no período da aula e ser entregue no mesmo dia, dessa forma os alunos
não consultaram nenhuma fonte de pesquisa, apenas suas ideais.
No total, 27 alunos realizaram a atividade, sendo 9 alunos formandos e 18 alunos do
primeiro semestre. As cartas foram exaustivamente lidas e relidas para que fosse possível
identificar os principais argumentos para defender o ensino de Química utilizados pelos
participantes.
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS RESULTADOS
assim o conhecimento químico pode ser útil para que a pessoa se sinta mais confortável na
vida cotidiana por entender determinados fenômenos pelo ponto de vista da Ciência.
(MILAR, 2003) E isso é facilmente perceptível em vários trechos de algumas cartas. Por
exemplo:
Trecho da carta F04: “essa pergunta pode ser respondida se no dia em que você
estiver comprando algum remédio quando estiver doente com dor de cabeça e se fazer a
seguinte pergunta – como esse remédio consegue diminuir minhas dores? Como esse remédio
interage com o meu corpo? – Ou quando estiver no ano novo e ver fogos de artifício e refletir
– Como eles conseguem ter explosões de artifício de várias cores? - São perguntas que
podem ser respondidas com o uso de conhecimento químico.”
Trecho da carta F01: “Posso lhe garantir que o conhecimento que se aprende dentro
de sala de aula é pra o cotidiano, para a vida. Provavelmente toda a sua família utilizada da
Química há anos e você ainda não se deu conta, tenho certeza que sua mãe ou sua avó
reutiliza óleo para fabricar sabão?!”.
Trecho da carta L01: “Então estudar Química é necessário para entender melhor o
mundo ao nosso redor. A Química tem um papel muito importante em nossas vidas.”.
Trecho da carta L02: “Aprender Química permite um acesso de como as pequenas
coisas da vida funcionam, por exemplo, como um simples uso de um sabão permite que o
mesmo faça seu trabalho de limpar as coisas.”.
Assim como Milar, acredito que esse argumento é supervalorizado. Em alguns trechos
das cartas citadas assim, os alunos citam que a Química pode explicar o processo de produção
e propriedades do sabão. A prática de fazer sabão e sua função, de fato pode ser explicada
pelo ponto de vista químico, mas vale lembrar que esse não é o único ponto de vista.Vale
lembrar ainda, que essa prática é muito antiga e não tem origem precisamente conhecida, mas
7
OSBORNE, J. Science for citizenship. In M. Monk & J. Osborne (Eds.), Good practice in science teaching. .
Buckingham: Open University Press: 2000
21
imagina-se que tenha sido descoberta por acidente quando nossos ancestrais ferviam gordura
animal com restos de cinzas, identificando um coalho branco na mistura. (BARBOSA,SILVA,
1995). Além disso, é uma prática muito comum e até mesmo tradicional em algumas culturas
brasileiras, e mesmo antes da consolidação da Química como Ciência já era um produto
utilizado pela humanidade. Então, questiono aqui qual a real utilidade de saber como um
sabão funciona do ponto de vista químico, sendo que muitas pessoas o fabricam sem possuir
nenhum conhecimento químico.
Portanto, a Química pode ser utilizada para entender o processo de produção do sabão,
bem como seu funcionamento, entretanto não seria de mais valor para o estudante, além disso,
conhecer como esse conhecimento foi utilizado pelas indústrias para produzir em larga escala
esse produto? Ou como essa prática pode ser uma alternativa para descarte de resíduos como
óleo de soja? ou como o saber científico interage com o saber popular em relação a essa
prática? Quando afirmo que esses outros conhecimentos seriam de mais valor, digo no
sentido de contribuir de maneira significativa para o letramento científico do aluno. E aqui
cito Freire:“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse
trabalho”(FREIRE, 1978, p. 70).
Mais do que conhecer como o sabão funciona do ponto de vista químico, é necessário
saber qual posição social que essa prática ocupa, quem trabalha para produzir esse sabão,
quem lucra, quem deixou de lucrar com esse trabalho, e mais, quais resíduos estão sendo
produzidos ou evitados com essa prática, entre outras possíveis relações entre Ciência e
Sociedade.
Portanto, é possível inferir nos trechos das cartas citadas que o argumento utilitário
parece estar mais preocupado com a vida individual do estudante. Enquanto que o argumento
democrático dá ênfase em como o indivíduo pode participar em discussões e debates frente a
assuntos relacionados à Ciência na sociedade, ou seja, é um argumento que valoriza a
inserção do indivíduo na sociedade. (MILAR, 2003; SANTOS; SCHNETZLER, 2010). Em
alguns trechos das cartas do grupo F é possível observar essa diferença entre o argumento
democrático e utilitário:
poucos, hoje é aberto às pessoas para que entendam como funciona esse ambiente e possam
interagir com esse meio, até para pedir melhorias na cidade em que vivem, basta refletir
sobre as consequências de tais conhecimentos.”.
Trecho da carta F07: “Infelizmente você, eu, seus filhos estão inseridos em um mundo
tecnológico, cheio de informações do tipo “comprovados cientificamente”, “testado por
especialistas”, e isto é aceito como verdade absoluta. É aqui que entra o conhecimento
científico. Teremos informações suficientes para contestarmos essas “verdades”[...] Pois a
madeira que a peça do xadrez é construída pode se constituir em uma questão ambiental
(espécie de árvores em extinção), uma questão de direitos humanos (trabalho escravo para
fazer a peça).”.
Trecho da carta F08: “O ensino de Química deve priorizar o desenvolvimento da
compreensão sobre Ciência e como ela se relaciona com a sociedade, basicamente. É a
forma como é conduzida a aula pelo professor que irá refletir na perspectiva do aluno sobre
Ciência.”.
Trecho da carta L09: “Considere também, que, se Química é tudo, ou tudo é Química,
como viver em um mundo que não conhecemos ou estudamos?”.
Enquanto isso, o argumento sócio-cultural quase não teve participação nas cartas.
(Tabela 1). No grupo L não identifiquei em nenhuma carta, já no grupo F, identifiquei em
apenas duas cartas. A pouca predominância desse argumento nas cartas pode ser explicada a
partir da identificação das percepções errôneas mencionadas anteriormente. Por esse ser um
argumento que exija uma percepção da Ciência como um produto cultural e assim como
qualquer cultura é influenciada por aspectos externos, pelo contexto sócio-histórico em que é
estabelecida e, além disso, é influenciada e influencia outras culturas. (PRAIA, PEREZ,
VILCHES, 2007; ZIMMERMAN, MAMEDE, 2005; PAULA, LIMA, 2007).
Isso fica mais claro ainda, quando analisamos a percepção de Ciência que são apresentados
pelas cartas que possuem argumento sócio-cultural. Ambas as cartas com esse argumento
apresentam uma visão um pouco mais madura da Ciência e até criticam as percepções
errôneas. Como é possível identificar nesses trechos:
Trecho da carta F07: “ O seu texto parece carregado de sentimentos e ideias que,
visivelmente discordo. “Tudo é Química”. Esta é de entristecer qualquer pessoa. Mas é
preciso entender que esta Ciência é uma construção humana, uma das formas que o homem
criou para se relacionar com o seu contexto.”.
Trecho da carta F06: “Assim, para mim o ideal seria pensar em um currículo comum
que abordasse o que é Ciência, já que os conhecimentos científicos influenciam a todos, e
que, uma compreensão “deformada” desta deixa as pessoas alienadas à sua realidade,
tornando-se mais manipulável neste mundo que transborda informações.”.
25
Portanto, quero fazer uma relação entre os argumentos utilizados para defender o
ensino de Química e a percepção da natureza da Ciência que os estudantes apresentam.
Com a análise dessas cartas foi possível estabelecer uma relação direta com o
argumento econômico e percepção S. Entretanto, não posso estabelecer uma relação direta
entre argumento utilitário e percepções errôneas, até porque a metodologia utilizada não
garante ficarem claro em todas as cartas as percepções dos estudantes sobre Ciência. Talvez
por esse motivo nem todas as cartas com argumentos utilitários apresentam percepções
errôneas, apesar de a grande maioria apresentar. Mas me parece lógico sugerir que quando o
estudante ignora as complexas relações existentes entre Ciência e Sociedade, ele se limita a
defender o Ensino de Química por argumentos utilitários. E isso está relacionado com a sua
percepção da natureza da Ciência. Parece-me quase impossível reconhecer os impactos
positivos e negativos da Ciência na história da humanidade e justificar o seu ensino apenas
com argumentos utilitários.
Agora, quando há uma percepção mais adequada da Ciência e da Tecnologia,
reconhecendo o seu papel como estrutura social, é possível desenvolver argumentos mais
pertinentes ao letramento científico (argumentos democráticos e sócio-culturais). Portanto, em
outras palavras, o que quero dizer é que a percepção da natureza da Ciência pelos estudantes
pode interferir nas futuras práticas docentes desses estudantes. (LÔBO, MORADILLO, 2003;
PRAIA, PEREZ, VILCHES, 2007). E isso acontece, pois o que dá sentido a sua prática
docente, isto é, o que justifica a sua prática docente é fortemente influenciado pelas suas
percepções da natureza da Ciência.
A partir desse resultado posso inferir algumas características da educação básica e do
curso superior de licenciatura Química na UnB. Analisando os resultados do grupo L, é
possível ter uma ideia de quais são as percepções de Ciência dos estudantes recém formados
na educação básica. É possível identificar uma visão ingênua e salvacionista da natureza da
Ciência nesses estudantes, visto que em 11 de 18 cartas identifiquei percepções errôneas, o
que pode estar relacionado com a maneira como a Ciência foi ensinada ao logo da sua
educação básica. (KOSMINKSKY, GIORDAN, 2002; LÔBO, MORADILLO, 2003; PRAIA,
PEREZ, VILCHES, 2007).
Fazendo um comparativo com as percepções errôneas do grupo L e F, posso inferir que
o curso superior de licenciatura em Química trouxe uma evolução das percepções dos
estudantes em relação à Ciência. Vale ressaltar, que os resultados são apenas inferidos, visto
que apenas esses dados não são suficientes para afirmar a evolução do pensamento no curso
26
REFERÊNCIAS
AULER, D. Novos caminhos para a educação CTS: ampliando a participação. In: SANTOS,
W. L. P. dos; AULER, D. (Orgs.). CTS e educação científica: desafios, tendências e
resultados de pesquisas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011.
BARBOSA, A.; SILVA, R. Xampus. Química Nova na Escola, n. 2, novembro, 1995, pp. 3-
5.
______. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira
de Educação, ANPEd, n. 26, p. 89-100, 2003.
DAGNINO, R.; SILVA, R.; PADOVANNI, N. Por que a educação em Ciência, Tecnologia e
sociedade vem andando devagar? In: SANTOS, W. L. P. dos; AULER, D. (Orgs.). CTS e
educação científica: desafios, tendências e resultados de pesquisas. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2011.
______. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
PRAIA, J.; GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. O papel da natureza da Ciência na educação para
a cidadania. Ciência e Educação, v.13, n. 2, p. 141-156, 2007.
TEIXEIRA, F. Alfabetização Científica: questões para reflexão. Ciência & Educação, v. 19,
n. 4, p. 795-809, 2013.
32
APÊNDICE
3/8/2014
Meu filho vai mal em Química. Meu outro filho também vai mal em Química. Eu fui mal em Química. Que me
perdoem os químicos, mas alguém poderia me dizer por que ainda se estuda Química nas escolas?
É uma linda Ciência e concordo que deveríamos ter ao menos um ano de estudo da matéria para entender a
composição das coisas que juntas e inter-relacionadas compõem o Universo.
Tudo é Química e, pessoalmente, acredito que até as relações humanas o são. Mas não o afirmo baseada em nada
que tenha aprendido no estudo de tal matéria durante minha vida escolar. Aprende-se para esquecer. E, no meu
tempo, ainda se decorava a maldita tabela periódica. Não lembro de um bromo sequer e meus filhos ainda têm
todas as cadeias de carbono e hidrogênio pela frente.
Tenho uma antiga discussão com uma amiga professora a respeito das matérias que compõem o currículo
escolar. O acesso à informação anda no nosso bolso a um clique de nossos dedos e mesmo assim precisamos
decorar os nomes do aparelho reprodutor dos platelmintos?
Podemos saber de tudo navegando por aí. Tanto pra aprender! E quem nos ensina a escolher o que queremos
saber? Não poderíamos gastar o tempo de Química 3 com algo relacionado ao autoconhecimento e à capacidade
seletiva e deixar as cadeias de carbono e hidrogênio pra quem realmente precisasse delas?
Minha amiga insiste comigo defendendo o ensino das atuais matérias com o argumento de que tudo leva ao
desenvolvimento e à ampliação do raciocínio. Não tenho dúvida disso.
Mas por que não optar por xadrez, por exemplo? Você já viu alguém jogar cadeias de carbono e hidrogênio com
um amigo numa tarde chuvosa? Imagina que maravilha seria se todos nós fôssemos potenciais jogadores de
xadrez formados pela escola?
Raciocínio ampliado e prazer nas horas de lazer. Por que precisamos aprender coisas pra esquecer depois da
prova e não para nos ajudar a viver? Não esqueceríamos o que teríamos aprendido se houvesse uma matéria
chamada Diálogo, por exemplo. Poder de escuta, argumentação, retórica, articulação de raciocínio aprendidos
em anos de estudos semanais garantiriam com certeza melhores conversas por aí. Inclusive entre os químicos.
Cara(o) Colega,
Preciso de um enorme favor. Estou desenvolvendo meu TCC. Para isso, é fundamental ter a
sua colaboração, respondendo, SEM QUALQUER IDENTIFICAÇÃO PESSOAL, ao que exponho
a seguir. Desde já, muito obrigado por me ajudar!!!
A autora pergunta no primeiro parágrafo “...mas alguém poderia me dizer por que ainda se estuda
Química nas escolas?” Acho que ninguém melhor do que você, futuro(a) professor(a) de Química,
para responder tal questão. Pensando nisso, por favor, elabore uma carta respondendo à pergunta
feita por Denise na coluna acima transcrita. Lembre-se que está respondendo a uma pessoa leiga na
área de Ensino de Química. Portanto, tente ser o mais clara(o) possível na exposição de SUAS
ideias. O texto é seu, não tem limite.