2017 MonicaRodriguesBezerra TCC

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE QUÍMICA

Monica Rodrigues Bezerra

ARGUMENTOS DE LICENCIANDOS
PARA O ENSINO DE QUÍMICA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Brasília – DF
1.º/2017
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE QUÍMICA

Monica Rodrigues Bezerra

ARGUMENTOS DE LICENCIANDOS
PARA O ENSINO DE QUÍMICA

Trabalho de Conclusão de Curso em Ensino de


Química apresentado ao Instituto de Química
da Universidade de Brasília, como requisito
parcial para a obtenção do título de Licenciada
em Química.

Orientador: Ricardo Gauche


1.º/2017
“Só o acaso estende os braços a quem procura
abrigo e proteção” – trecho da música Há
Tempos – Legião Urbana (Renato Russo)

iii
AGRADECIMENTOS

Quero reconhecer a importância de pessoas especiais, que me mantiveram de pé nessa


caminhada e me fizeram ser forte. Em especial, minha saudosa mãe, Terezinha, que teve
pouco tempo nesse mundo, mas que me deu o dom da vida; ao meu pai, Wilson, que me
ensinou (não com palavras, mas com atitudes) que para viver nesse mundo é preciso ter
coragem; e a minha madrasta, Francinete, que me ensinou que ter zelo é fundamental. A essas
pessoas não há palavras para agradecer todo o apoio, suporte e sacrifícios que fizeram para
que eu pudesse estudar e realizar esse trabalho. O meu eterno e sincero obrigada! Ivana e
Ramon, obrigada por ser minha melhor e mais fiel torcida. Ramon, obrigada por toda a ajuda
que só um irmão mais velho pode dar. Ivana, obrigada por me inspirar a perseguir meus
sonhos, você não faz ideia de como me ajudou quando me dizia para continuar.

Devo agradecer a Daniel, meu melhor amigo e companheiro que viveu tudo de perto, o
início do trabalho, as minhas angústias, as minhas epifanias. Obrigada pela paciência, cuidado
e participação significativa nesse trabalho. E a todos os meus amigos que, em pelo menos
algum momento, fizeram parte desse trabalho, em especial Thamires, Pollyanna, Juliana,
Rhaysa, Gabriela e Thaís. E aqueles que provaram que a vida é surpreendente: Vinícius,
Sarah, Laís, Beatriz. Vocês me encheram de fé e luz.

Gostaria de registrar a minha gratidão aos meus professores, em especial ao meu


orientador professor Ricardo Gauche, a professora Patrícia Lootens, a professora Maria Stela
Gondim e ao professor Wildson Santos por “colocar caraminholas na minha cabeça”.
Obrigada por todos os ensinamentos, dedicação e suporte.

Por fim, gostaria de agradecer aos colegas que aceitaram participar dessa pesquisa e ao
professor Eduardo Cavalcanti, que me disponibilizou tempo de sua aula para coleta de dados.
E também a todos os meus colegas de curso.

iv
Sumário

Introdução...................................................................................................................................7
Capítulo 1 – Letramento científico...........................................................................................10
Capítulo 2 - Formação de Professores de Química e Letramento Científico...........................14
Capítulo 3 – Metodologia.........................................................................................................18
Capítulo 4 – Análise dos resultados..........................................................................................19
Considerações Finais................................................................................................................27
Referências................................................................................................................................30
Apêndices..................................................................................................................................32

v
RESUMO

O ensino de química na perspectiva da cidadania destaca uma atividade docente que


desenvolva habilidades necessárias para a tomada de decisão em uma sociedade considerada
tecnocientífica. A formação inicial de professores é parte fundamental para esse processo,
portanto esse trabalho analisou quais argumentos licenciandos do curso de química da
Universidade de Brasília apresentaram para defender o ensino de química na educação básica.
A partir dessa análise, foi possível conhecer também quais as percepções da natureza da
ciência e, por conseguinte percepções sobre letramento científico que esses estudantes
apresentaram, o que corroborou para uma reflexão sobre quais os impactos do curso de
licenciatura química nos estudantes. A metodologia utilizada consistiu na análise de cartas
redigidas pelos estudantes em resposta a uma publicação da atriz Denise Fraga, no jornal
Folha de São Paulo, na qual a atriz questiona a necessidade de ensinar química nas escolas.
Participaram dessa pesquisa alunos que cursavam o primeiro semestre no início de 2017 e
alunos formandos do final de 2016. Os resultados apontaram haver uma evolução no
pensamento dos estudantes em relação a letramento científico e percepções da natureza da
ciência, entretanto também apontaram haver uma necessidade de uma maior participação de
aspectos sobre epistemologia da ciência no currículo de licenciatura química. Conhecer a
natureza da ciência e suas relações com a sociedade deve ser parte fundamental de um curso
de formação inicial de professores, a fim de formar professores que busquem um real
letramento científico.

Palavras-chaves: letramento científico, alfabetização científica, CTS, cidadania.

vi
INTRODUÇÃO

É muito comum que os alunos perguntem a si mesmos ou aos seus professores qual a
necessidade de estudar Química e em que esse conhecimento será útil na sua vida. As
respostas podem ser das mais variadas e revelam informações importantes sobre o que
pensam esses professores. Identificar as concepções dos professores sobre o que justifica o
ensino de Química na escola é importante para compreender quais os fundamentos da sua
prática docente.
Alfabetização/Letramento científico são processos associados ao Ensino de Ciências.
O Ensino de Química é parte integrante do Ensino de Ciências. Dessa forma, ao identificar
que argumentos os licenciandos utilizam para defender o Ensino de Química é uma maneira
de compreender quais as percepções que têm sobre letramento/alfabetização científica.
Millar (2003) categoriza os principais argumentos que são utilizados para defender o
ensino de Ciências na educação básica. Os argumentos econômico, da utilidade, democrático,
sociocultural. O argumento econômico defende o ensino de Química como um mecanismo
que pode culminar no desenvolvimento econômico de uma nação, por meio do
desenvolvimento científico. O ensino de Ciências seria, então, o responsável por garantir um
conhecimento básico de Ciências para os estudantes que quisessem seguir na carreira
científica. Já o argumento da utilidade defende o ensino de Ciências como um instrumento
que pode facilitar a vida do indivíduo em vários momentos do seu cotidiano que se
relacionem com Ciência e Tecnologia. O argumento democrático defende o ensino de
Ciências como um conhecimento que pode ser necessário para o exercício da cidadania.
Compreender aspectos básicos da Ciência seria importante para conseguir formar opiniões
sobre questões da sociedade que envolvam Ciência e Tecnologia. O argumento sociocultural,
na verdade, são dois argumentos que estão intimamente interligados. Defendem que a
aquisição do conhecimento científico é importante, pois é um produto cultural.
Diante disso, convém questionar se necessariamente o desenvolvimento científico traz
o desenvolvimento econômico de uma nação. E se trouxer, esse desenvolvimento culmina no
8

desenvolvimento social? Essa ideia está relacionada com uma visão equivocada da natureza
da Ciência, mais especificamente associada a uma percepção salvacionista da tecnociência, a
qual pressupõe um modelo linear de desenvolvimento, que se inicia no desenvolvimento
científico e tem fim, necessariamente, no desenvolvimento social (AULER, DELIZOICOV,
2001). Auler e Delizoicov (2001) criticam esse modelo ao identificarem essa percepção
salvacionista da Ciência como equivocada, já que não é um saber neutro e imaculado, mas
está sujeito a interesses, contextos sociais e culturais.
Além disso, esses autores discorrem sobre o que é chamado de determinismo
tecnológico, que atribui ao desenvolvimento da tecnociência algo irreversível e inexorável,
sendo a participação da sociedade irrelevante para alterar esse curso. Nessa visão, a
tecnociência seria alheia a sociedade (AULER, 2011).
O determinismo tecnológico se propaga em duas perspectivas opostas e extremas:
mito da tecnociência salvacionista e o mito da tecnociência como o mal do século. Em
combate ao determinismo tecnológico, não se pode enxergar a Ciência e Tecnologia
dissociadas de sua natureza humana e do contexto de interesses, nas quais se encontram. Isso
significa dizer que o avanço da tecnociência deve ser visto de maneira crítica: nem como a
solução, nem como causa de todos os problemas atuais, mas como uma estrutura social
complexa que se correlaciona com a sociedade de diversas maneiras (AULER,
DELIZOICOV, 2001; CACHAPUZ, 2011).
Dessa forma, os argumentos democráticos e sociocultural condizem com uma visão
mais crítica da natureza da Ciência e da Tecnologia e atribuem ao ensino de Ciências uma
responsabilidade social que unido a outros conhecimentos é um instrumento que pode
desenvolver habilidades necessárias para o exercício da cidadania.
Santos e Schnetzler (2010) discorrem muito bem sobre o conceito de cidadania,
definindo esse termo basicamente como participação. Portanto, a cidadania é uma condição a
ser alcançada pelo indivíduo. Um instrumento para o alcance dessa condição é a educação,
como mostrado no trecho:

Assim constata-se que a formação da cidadania pode ser auxiliada pela


educação, sem, contudo, ser ela o único meio para tal, afinal, o processo de
conquista da cidadania ocorre por meio da atuação do indivíduo nas
diferentes instituições que compõe a sociedade, tais como: família, clubes,
associações, sindicatos, partidos políticos, etc. (SANTOS; SCHNELTZER,
2010, p. 31).
9

Dessa forma, o ensino de Ciências não deve ter por objetivo formar especialistas, mas
trabalhar para formar cidadãos conscientes e capazes de opinar e, mais do que isso, participar
das principais decisões que envolvam Ciência e Tecnologia (CACHAPUZ, 2011; SANTOS,
MORTIMER, 2000).
Pensando nisso, esse trabalho objetiva identificar quais argumentos os licenciandos do
curso de Química da Universidade de Brasília utilizam para defender a formação que
recebem.
Para tanto, foi utilizada uma metodologia proposta por Milaré e Francisco (2015) no
trabalho “Química, pra que te quero?”: argumentos de licenciandos na perspectiva da
Alfabetização Científica. Nesse trabalho, as autoras utilizam uma publicação da atriz Denise
Fraga em sua coluna no jornal Folha de São Paulo em 2014, intitulada de “Química, pra que
te quero?”, na qual a atriz faz uma crítica ao sistema educacional brasileiro, utilizando a
Química como exemplo. Nessa publicação, a atriz questiona qual a necessidade de ensinar
Química na escola.
A partir disso, as autoras pedem para que os alunos, que estão cursando uma
disciplina do currículo de Licenciatura em Química, elaborem uma carta para a atriz
explicando qual a necessidade do ensino de Química. O nosso trabalho utilizou a mesma
metodologia e a atividade foi realizada com licenciandos do primeiro semestre e formandos.
Então, o primeiro capítulo desse trabalho traz um breve revisão bibliográfica sobre
alfabetização/letramento científico; o segundo capítulo faz uma relação entre esses termos e a
formação de professores; o terceiro capítulo apresenta com mais detalhes os caminhos
metodológicos utilizados; o quarto capítulo faz uma análise dos dados coletados na pesquisa.
Por fim, o último capítulo faz uma abordagem geral da pesquisa e dos resultados alcançados.
Como o trabalho foi realizado com alunos do primeiro semestre e do último semestre
também pode ser uma ferramenta que pode sugerir uma possível a evolução do pensamento
dos alunos ao longo do curso. Portanto, conhecer como os futuros professores de Química
defendem o ensino dessa disciplina, a partir da alfabetização/letramento científico é uma
ferramenta que pode nos ajudar a compreender também suas práticas docentes, bem como
quais suas concepções sobre a responsabilidade social do professor de Química. Além disso,
permite também identificar concepções ingênuas sobre a natureza da Ciência e Tecnologia,
bem como o nível de problematização que os licenciandos fazem sobre essas relações.
10

CAPÍTULO 1 – LETRAMENTO CIENTÍFICO

Alfabetização/Letramento científico foram termos que surgiram inicialmente da


tradução do termo inglês scientific literacy. Na literatura é observado uma extensa discussão
sobre os significados desses termos, sua pertinência e em quais contextos podem ser
utilizados. De maneira geral, a alfabetização/letramento científico seria a finalidade do ensino
de Ciências (SASSERON, CARVALHO, 2011).
Dessa forma, os termos alfabetização/letramento científico são carregados de
significados, dada a sua origem histórica e desenvolvimento por estudiosos da educação.
Talvez por essa extensa carga semântica, existam também outros termos utilizados nessa área
para tratar dessa temática, como alfabetização científica, alfabetização científico-tecnológico
ou até mesmo enculturação científica.
Apesar de outros autores não necessariamente fazerem a distinção entre alfabetização
e letramento científico, é percebido uma diferenciação baseada no nível de compreensão sobre
Ciência e suas relações com Tecnologia e Sociedade. Auler e Delizoicov (2001) utilizam as
definições de alfabetização científica tecnológica como reducionista e ampliada. Na
perspectiva reducionista não há a preocupação em apresentar problematizações sobre a
natureza da Ciência e tão pouco sobre suas relações com a Tecnologia e Sociedade. Os
conceitos científicos aparecem como um fim em si mesmo. Na perspectiva ampliada, a
alfabetização científica consiste numa visão crítica da Ciência Tecnologia e Sociedade,
adquirida a partir dos conteúdos científicos apresentados a partir de temáticas. Esses autores
resumem dizendo: “Em síntese, concebemos ACT (alfabetização científico-tecnológica)
ampliada como a busca da compreensão sobre as interações entre Ciência-Tecnologia-
Sociedade.” (p.131).
Chassot (2000), ao considerar a Ciência como uma linguagem, afirma que a
alfabetização científica consiste na capacidade de fazer a leitura do universo e afirma que isso
só será realizado quando os estudantes, de qualquer nível, sejam capazes de compreender os
conceitos, processos e valores para tomada de decisão. Essa percepção da Ciência pelos
estudantes deve abranger também as diferentes e diversas consequências positivas e negativas
da Ciência e Tecnologia na sociedade.
11

No Brasil, no campo das linguagens destaca-se Soares (1998), diferenciando


alfabetização e letramento. Segundo ela, o sujeito alfabetizado difere-se do sujeito letrado, de
maneira que o sujeito alfabetizado sabe ler e escrever, entretanto não se insere em um estado
ou condição de quem sabe ler e escrever, isto significa que ele não é capaz de modificar sua
maneira de inserir-se na sociedade e na cultura. Já o sujeito letrado é aquele que atende as
demandas sociais de leitura e escrita, por ter se apropriado da escrita e práticas sociais.
É nesse contexto que Santos (2007) diferencia em seu artigo intitulado “Educação
científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios”
letramento e alfabetização científica.

Nesse sentido, o conceito de letramento científico amplia a função dessa


educação, incorporando a discussão de valores que venham a questionar o
modelo de desenvolvimento científico e tecnológico. Em outras palavras, o
que se busca não é uma alfabetização em termos de propiciar somente a
leitura de informações científicas e tecnológicas, mas a interpretação do seu
papel social. (SANTOS, 2007, p. 487).

Martins (2008), apoiada em Soares (1998), afirma que o surgimento do termo


1

letramento é decorrente da necessidade de nomear uma nova realidade. Essa nova realidade é
que não basta saber ler e escrever, mas é necessário utilizar essa habilidade como um
instrumento de transformação de sua condição. Portanto, não basta conhecer os conceitos
científicos, mas é necessário saber utilizar esses conceitos de maneira crítica como
instrumento de participação na sociedade.
Dessa forma, essa diferenciação é mais do que uma questão semântica, mas é
importante para que os professores consigam refletir sobre suas práticas docentes e quais
objetivos estão alcançando. Diante disso, utilizaremos nesse trabalho, a distinção sugerida por
Santos (2007).
Questiono então, se é possível alcançar a cidadania através do letramento científico.
Antes de tratarmos desse assunto considero necessário compreender o que é cidadania, bem
como seus mecanismos de atuação dentro da sociedade atual. Adicionalmente, é importante
também definir quais as principais características da tecnociência e como ela se insere nessa
sociedade.

1
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
12

Cachapuz (2011), baseado em Sclove (1995), define a tecnociência como uma


2

estrutura social, no sentido de que modifica e é modificada pela sociedade. Nesse contexto,
quaisquer avanços tecnocientíficos tem duas funções: focal e não focal. A função focal diz
respeito ao fim intencional que determinado avanço foi criado, já a função não focal define os
fins secundários desse avanço. Um bom exemplo disso é o automóvel. Inicialmente foi criado
com a intenção de facilitar e agilizar o deslocamento. Isso é a função focal dessa Tecnologia.
Entretanto, hoje também é utilizado como um instrumento de status, isso seria função não
focal dessa Tecnologia.
Dessa forma, é necessário criar mecanismos de participação de cidadãos nas decisões
referentes aos avanços da tecnociência. Isso significa ir de encontro ao modelo de decisões
tecnocráticas, no qual os especialistas, por possuírem o saber, são os únicos capazes de decidir
quais os melhores caminhos para todos os problemas da sociedade, sendo esse modelo
justificado pela atribuição do caráter de saber neutro e imaculado da Ciência (AULER,
DELIZOICOV, 2006).
Um dos mecanismos que pode proporcionar essa participação consiste na educação
científica. No entanto, não se pretende buscar formar cientistas, mas cidadãos que
compreendam mais do que somente os conceitos científicos, cidadãos capazes de identificar
como esses conceitos se articulam com a sociedade e quais as modificações causadas pela
tecnociência (CACHAPUZ, 2011; SANTOS, SCHNETZLER, 2010).
No entanto, vale ressaltar que o ensino de Ciências não é o único responsável pelo
desenvolvimento dessas competências. Tão pouco, a educação como um todo é a única
responsável por propiciar o exercício da cidadania. O ensino de Ciências, em conjunto com o
ensino de outras disciplinas, pode desenvolver nos alunos competências que promovam o
exercício da cidadania, entretanto não pode ser atribuída à educação, a única maneira pelo
qual essas competências são alcançadas, visto que a cidadania é alcançada pelo indivíduo, a
partir da sua maneira de se colocar na sociedade (SANTOS, SCHNETZLER, 2010).
Paula e Lima (2007), baseados em Rubba e Harkness (1993), afirmam que o processo
3

de tomada de decisão em questões que se articulam com o conhecimento científico deve vir
acompanhada de uma visão ampla e problematizadora que estabelece os limites do
conhecimento científico, bem como suas relações com a sociedade.

2
SCLOVE, R. Democracy and Technology. Nova York: Guilford Press, 1995.
3
RUBBA, P.A.; HARKNESS, W.L. Examination of preservice and in-service secondary
science teachers’ beliefs about Science-Technology-Society interactions. Science Education,
v. 77, p. 407-431, 1993.
13

Isso posto, o letramento científico pode ser usado para o alcance da cidadania, pois
pode desenvolver competências que auxiliam na tomada de decisão e desenvolvimento do
senso crítico. Essa perspectiva vai de encontro a ideia de scientific literacy proposta
inicialmente, dado ao contexto histórico no qual esse termo surgiu. O termo surge logo após o
lançamento do satélite Sputnik pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que foi um
marco para a corrida armamentista travada entre os EUA e o bloco dos países socialistas.
Sentindo-se desafiados, os EUA então começaram a incentivar a educação científica para
culminar no desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Portanto, nessa perspectiva o
scientific literacy seria para formar “pequenos cientistas” que possam seguir
profissionalmente nessa área (TEIXEIRA, 2013).
Apesar dessa visão surgir durante a chamada Guerra Fria que teve fim há pelo menos
seis décadas atrás, ainda é possível identificar essa concepção, quanto as justificativas da
educação científica em muitos professores. Essa concepção se relaciona com o argumento
econômico (MILAR, 2003).
No entanto, para terminar esse capítulo, vale a pena citar

Assim, se a prioridade da alfabetização for melhorar o campo de


conhecimento científico, preparando novos cientistas, o enfoque curricular
será centrado em conceitos científicos; se o objetivo for voltado para a
formação da cidadania, o enfoque englobará a função social e o
desenvolvimento de atitudes e valores. (RATCLIFFE; GRACE4, 2003, apud
SANTOS, 2007, p. 477).

4
RATCLIFFE, GRACE, Science education for citizenship: teaching socio-scientific issues.
Maidenhead: Open University Press, 2003.
CAPÍTULO 2 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA E

LETRAMENTO CIENTÍFICO

Nesse capítulo será apresentada uma reflexão sobre a formação dos professores de
Química e como essa formação pode contribuir para alcançar os objetivos de letramento
científico listados no capítulo anterior. Para tanto, dois aspectos da formação docente serão
abordados aqui com mais ênfase. Primeiro, a necessidade da compreensão das relações CTS e
de que maneira essa compreensão interage com o letramento científico na formação de
professores. Segundo, de que maneira, em termos práticos, é possível alcançar o letramento
científico.
Faz-se necessário, então, estabelecer a relação entre letramento científico e a
abordagem CTS. A abordagem CTS busca, por meio do letramento científico, uma educação
voltada para o exercício da cidadania, a partir da compreensão e portanto, problematização
das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (ZIMMERMANN; MAMEDE, 2005;
PAULA; LIMA, 2007; AULER; DELIZOICOV, 2001).
Essa busca se justifica, a partir da consciência de que o desenvolvimento da
tecnociência trouxe malefícios e benefícios para a sociedade. A compreensão da não
neutralidade da tecnociência e sua não autonomia é uma concepção que não só consegue
avaliar as relações CTS de maneira crítica, mas sugere um meio para o exercício da cidadania,
já que reconhece a tecnociência como uma estrutura social complexa, humana, sujeita a
interesses de diversas esferas sociais, estabelecendo, dessa forma, que a sociedade pode e
deve exercer controle sobre essa estrutura. Essa percepção foi chamada de adequação
sociotécnica por Feenberg (DAGNINO, SILVA, PADAVANNI, 2011, apud FEENBERG , 5

2003.).
Esse controle só é possível à medida que se encara a Tecnologia como um suporte para
estilos de vida diferenciados:

5
FEENBERG, Andrew. Do essencialismo ao construtivismo: a filosofia da Tecnologia numa
encruzilhada. São Carlos: UFSCar, 2003.
15

Para a adequação sociotécnica, as Tecnologias não são compreendidas como


ferramentas, mas como suportes para estilos de vida; o que abre a
possibilidade de submeter seu desenvolvimento e as escolhas que o
condicionam a controles mais democráticos. (FEENBERG, 2003, apud
DAGNINO, SILVA, PADOVANNI, 2011, p. 121).

Dessa forma, a tomada de consciência do professor a cerca da tecnociência em sua


complexidade é o primeiro passo para a busca e o exercício de uma educação científica para
o exercício da cidadania. Mais do que conseguir enxergar de forma crítica essa realidade, é
necessário também acreditar que é possível que a sociedade exerça controle sobre a
tecnociência.
Freire (1979) afirmou que se conscientizar consiste não apenas no conhecimento do
fenômeno em si, mas também na ação-reflexiva. Ou seja, se conscientizar frente aos
problemas sociais decorrentes da tecnociência é mais do que refletir sobre esses aspectos,
exige uma ação concreta diante dessa problemática. Portanto, a formação de professores deve
mais do que possibilitar conhecimento sobre Química e técnicas didáticas, deve possibilitar o
desenvolvimento de percepções críticas da realidade, a partir da conscientização que se
concretiza na ação. Em outras palavras, deve-se dar ênfase às relações CTS e mais do que
permitir a compreensão dessas relações, é preciso saber como fazer, quais práticas docentes
realizar em sala de aula que contribuem para o letramento científico nessa perspectiva.
A finalidade com a qual o professor ensina Química está absolutamente relacionado
com o tipo de compreensão que possui sobre Ciência e suas relações entre Tecnologia e
Sociedade. Se o professor não consegue enxergar as relações entre CTS, ou possui
perspectivas ingênuas sobre a ação da tecnociência na sociedade, o conhecimento químico
será reduzido a uma mera educação bancária.

E porque os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que neles entra, já


são seres passivos, cabe à educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao
mundo. Quanto mais adaptados, para a concepção “bancária”, tanto mais
“educados”, porque adequados ao mundo. (FREIRE, 1987, p. 29).

Então, se a formação de professores não possibilitar uma conscientização das


complexas relações CTS, não há como esses professores ensinarem Química na perspectiva
de letramento científico, mas irão limitar-se a alfabetizar, ou seja ensinar conceitos químicos,
desconexos da realidade social nas quais se inserem. Pois essa realidade não necessita ser
modificada, os alunos apenas precisam adequar-se a ela.
16

Neste sentido, a formação de professores se constitui em um eixo


fundamental para a transformação da realidade do ensino de Ciências em
nosso contexto educacional. Como promover o letramento científico dos
alunos, dentro de uma perspectiva CTS, se os professores, em sua maioria,
não são eles próprios letrados cientificamente? Ou ainda, se eles
compreendem a Ciência como um conjunto de verdades que devem ser
transmitidas aos alunos ou como um conjunto de técnicas e procedimentos
de investigação, e não como uma prática social sócio-historicamente
situada? (ZIMMERMANN; MAMEDE, 2005, p. 2).

Nesse contexto, a formação de professores deve possibilitar que o professor consiga


justificar o ensino de Química não apenas com argumentos econômico ou utilitários, mas
deve ser capaz de reconhecer argumentos sócio-culturais e principalmente democráticos
como prioritários, a medida que se conscientiza da complexidade das relações CTS.
O argumento econômico estabelece que o ensino de Química seria necessário para dar
uma formação inicial, na educação básica, para os estudantes que tenham intenção de seguir
na carreira científica, e dessa forma culminar em um desenvolvimento econômico para o país,
através do desenvolvimento da Ciência. Esse desenvolvimento econômico seria, por
conseguinte, o responsável pelo desenvolvimento social dessa nação. Essa perspectiva está
atrelada a uma concepção ingênua salvacionista da Ciência (AULER; DELIZOICOV, 2001)
O argumento utilitário justifica o ensino de Química a partir da sua utilidade no
cotidiano dos estudantes, visto que a sociedade atual é largamente tecnocientífica. Essa
concepção é criticada no trabalho de Milar (2003) por não necessariamente ser verdadeira. Ou
seja, o conhecimento químico que o aluno adquire na escola contribui de maneira muito
irrisória para melhor sua qualidade de vida.

Tanto quanto eu saiba, não há evidências de que físicos sofram menos


acidentes em estradas porque compreendam as leis newtonianas do
movimento ou que isolem termicamente melhor suas casas, em comparação
com outros grupos sociais, porque entendam as leis da termodinâmica [...]
Esses exemplos não sustentam, é claro, que nenhuma parte do conhecimento
científico seja sempre útil do ponto de vista prático. Mas eles sugerem que o
argumento da utilidade da compreensão da Ciência é supervalorizado.
(MILAR, 2003, p. 80).

Além dessa crítica proposta por Milar, é importante também lembrar que esse
argumento ignora parte potencial do ensino de Química na educação básica. O ensino de
Química, defendido apenas por esse argumento, é o mesmo que dizer que individualmente os
alunos precisam conhecer Química para melhorarem suas vidas particulares. Em outras
palavras, apenas o argumento utilitário reduz o ensino de Química à apenas um conhecimento
17

útil para a sua vida individual, entretanto ignora as problemáticas decorrentes do


desenvolvimento tecnocientífico na sociedade.
Outro argumento é o argumento sociocultural, no qual o conhecimento de Química é
justificado por ser um produto cultural da nossa sociedade. É inegável que a Ciência e
Tecnologia são integrantes da cultura da nossa civilização atual, logo conhecer sobre Ciência
é conhecer também um produto cultural importante.
O argumento democrático é que mais se identifica com o que se espera para
letramento científico. Utilizando esse argumento, o ensino de Química seria necessário para a
participação do indivíduo na sociedade, em outras palavras, o ensino de Química consistiria
em uma importante ferramenta para a construção da cidadania.
Diante disso, minha intenção não é de maneira alguma desqualificar qualquer um
desses argumentos identificados por Milar (2003), mas relacioná-los com o tipo de prática
docente. Mais precisamente, de fato o ensino de Química na educação básica pode ser o
primeiro contato com Química que um futuro cientista terá, entretanto não justificaria o
ensino de Química para todos. O ensino de Química também pode ajudar em questões
cotidianas da vida privada de muitos alunos, entretanto esse argumento por si só, ignora os
problemas referentes a tecnociência na sociedade. O argumento sociocultural pode promover
um saber sobre Ciências que é necessário para a percepção da natureza da Ciência, ao colocar
esse conhecimento como um produto cultural. Por fim, o argumento democrático, em si,
considera as problemáticas decorrentes do desenvolvimento da tecnociência. De maneira
resumida:

[...]a Educação em Ciência deve dar prioridade à formação de cidadãos


cientificamente cultos, capazes de participar ativamente e responsavelmente
em sociedades que se querem abertas e democráticas. Prioridade, não
exclusividade. (CHASSOT, 2000, apud CACHAPUZ, PRAIA e JORGE 6,
2004. p. 366-367).

6
CACHAPUZ, A. F.; PRAIA, J.; JORGE, M. Da Educação em Ciência às orientações para o ensino das
Ciências: um repensar epistemológico. Ciência & Educação, v. 10, n. 3, p. 363-381, 2004
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA

A metodologia utilizada aqui foi a mesma utilizada no trabalho “’Química, pra que te
quero?’: argumentos de licenciandos na perspectiva da Alfabetização Científica” de Tathiane
Milaré e Kelly R. Francisco (2015). Essa metodologia consiste em identificar os argumentos
dos licenciandos em Química, a partir de suas respostas a um texto publicado no jornal Folha
de São Paulo, pela atriz e colunista Denise Fraga em 2014.
Nesse texto, Denise Fraga compartilha a sua frustração e de seus filhos na escola com
a disciplina de Química. Apesar de a crítica ter sido feita a todo o sistema educacional
brasileiro, esse texto gerou bastante repercussão nas mídias sociais e inclusive foi digno de
uma resposta pública da Sociedade Brasileira de Química.
O texto foi apresentado aos alunos que estiveram cursando a disciplina de Estágio em
Ensino de Química 2, no 2.º semestre de 2016, por ser uma disciplina de final de curso. Além
disso, também foi apresentado aos alunos da disciplina de Introdução ao Curso de
Licenciatura Química, no 1.º semestre de 2017, por ser uma disciplina do primeiro semestre
do curso.
A partir da leitura do texto da atriz, os alunos deveriam então escrever uma resposta à
Denise Fraga, explicando qual a necessidade de ensinar Química no ensino básico. Foi pedido
para que os alunos apresentassem suas concepções de maneira simples, já que era para uma
pessoa leiga em ensino de Química. A atividade e o texto estão no apêndice. Essa atividade
deveria ser realizada no período da aula e ser entregue no mesmo dia, dessa forma os alunos
não consultaram nenhuma fonte de pesquisa, apenas suas ideais.
No total, 27 alunos realizaram a atividade, sendo 9 alunos formandos e 18 alunos do
primeiro semestre. As cartas foram exaustivamente lidas e relidas para que fosse possível
identificar os principais argumentos para defender o ensino de Química utilizados pelos
participantes.
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS RESULTADOS

O primeiro grupo de cartas analisadas foram as cartas dos alunos formandos do 2º


semestre de 2016, que cursavam a disciplina de Estágio em Regência em Ensino de Química
2. Para facilitar a análise, identificarei esse grupo como grupo F, composto por 9 alunos. O
segundo grupo de cartas analisadas foram as cartas dos alunos calouros do primeiro semestre
de 2017, que cursavam a disciplina Introdução ao curso de Licenciatura Química.
Identificarei esse grupo como grupo L, composto por 18 alunos.
Após ler as cartas exaustivamente, identifiquei os argumentos catalogados por Milar
(2003) utilizados pelos estudantes para defender o Ensino de Química na educação básica.
Sendo que na maioria das cartas foi possível identificar mais de um argumento. Essa análise
pode ser resumida na tabela 1.
No grupo F foi possível identificar pelo menos um argumento catalogado em cada
carta. Entretanto, a mesma realidade não foi observada no grupo L, em que 4 cartas não
continham nenhum argumento, apenas críticas à coluna da atriz Denise Fraga.
O argumento com maior predominância no grupo L foi o argumento utilitário,
quatorze entre dezoito cartas continham esse argumento. Se bem que, quatro cartas no grupo
L não continham nenhum argumento catalogado, logo excluindo essas cartas, o argumento
utilitário está presente em todas as cartas do grupo L com argumentos identificáveis. Já no
grupo F, os argumentos com maior predominância foram os argumentos democráticos e
utilitários, estando presente em quatro cartas de nove.

Tabela 1: Relação de argumentos nas cartas dos grupos L e F


Número de cartas Grupo L Grupo F
Total 18 9
Argumento sócio-cultural 0 2
Argumento democrático 0 4
Argumento econômico 4 0
Argumento utilitário 14 4
Sem argumentos 4 0
20

O argumento utilitário é um argumento que afirma a necessidade de ensinar Química


no ensino médio, pois é um conhecimento que será útil em algum momento da vida desses
estudantes. Porém, como é defendido por alguns autores essa utilidade é questionada devido
aos artefatos tecnológicos serem tão desenvolvidos na atualidade que não é necessário um
grande conhecimento científico para sua correta utilização. (MILAR, 2003; REIS, apud
OSBORNE , 2000). Portanto, essa utilidade pode ser entendida de uma maneira mais ampla,
7

assim o conhecimento químico pode ser útil para que a pessoa se sinta mais confortável na
vida cotidiana por entender determinados fenômenos pelo ponto de vista da Ciência.
(MILAR, 2003) E isso é facilmente perceptível em vários trechos de algumas cartas. Por
exemplo:

Trecho da carta F04: “essa pergunta pode ser respondida se no dia em que você
estiver comprando algum remédio quando estiver doente com dor de cabeça e se fazer a
seguinte pergunta – como esse remédio consegue diminuir minhas dores? Como esse remédio
interage com o meu corpo? – Ou quando estiver no ano novo e ver fogos de artifício e refletir
– Como eles conseguem ter explosões de artifício de várias cores? - São perguntas que
podem ser respondidas com o uso de conhecimento químico.”
Trecho da carta F01: “Posso lhe garantir que o conhecimento que se aprende dentro
de sala de aula é pra o cotidiano, para a vida. Provavelmente toda a sua família utilizada da
Química há anos e você ainda não se deu conta, tenho certeza que sua mãe ou sua avó
reutiliza óleo para fabricar sabão?!”.
Trecho da carta L01: “Então estudar Química é necessário para entender melhor o
mundo ao nosso redor. A Química tem um papel muito importante em nossas vidas.”.
Trecho da carta L02: “Aprender Química permite um acesso de como as pequenas
coisas da vida funcionam, por exemplo, como um simples uso de um sabão permite que o
mesmo faça seu trabalho de limpar as coisas.”.

Assim como Milar, acredito que esse argumento é supervalorizado. Em alguns trechos
das cartas citadas assim, os alunos citam que a Química pode explicar o processo de produção
e propriedades do sabão. A prática de fazer sabão e sua função, de fato pode ser explicada
pelo ponto de vista químico, mas vale lembrar que esse não é o único ponto de vista.Vale
lembrar ainda, que essa prática é muito antiga e não tem origem precisamente conhecida, mas
7
OSBORNE, J. Science for citizenship. In M. Monk & J. Osborne (Eds.), Good practice in science teaching. .
Buckingham: Open University Press: 2000
21

imagina-se que tenha sido descoberta por acidente quando nossos ancestrais ferviam gordura
animal com restos de cinzas, identificando um coalho branco na mistura. (BARBOSA,SILVA,
1995). Além disso, é uma prática muito comum e até mesmo tradicional em algumas culturas
brasileiras, e mesmo antes da consolidação da Química como Ciência já era um produto
utilizado pela humanidade. Então, questiono aqui qual a real utilidade de saber como um
sabão funciona do ponto de vista químico, sendo que muitas pessoas o fabricam sem possuir
nenhum conhecimento químico.
Portanto, a Química pode ser utilizada para entender o processo de produção do sabão,
bem como seu funcionamento, entretanto não seria de mais valor para o estudante, além disso,
conhecer como esse conhecimento foi utilizado pelas indústrias para produzir em larga escala
esse produto? Ou como essa prática pode ser uma alternativa para descarte de resíduos como
óleo de soja? ou como o saber científico interage com o saber popular em relação a essa
prática? Quando afirmo que esses outros conhecimentos seriam de mais valor, digo no
sentido de contribuir de maneira significativa para o letramento científico do aluno. E aqui
cito Freire:“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse
trabalho”(FREIRE, 1978, p. 70).
Mais do que conhecer como o sabão funciona do ponto de vista químico, é necessário
saber qual posição social que essa prática ocupa, quem trabalha para produzir esse sabão,
quem lucra, quem deixou de lucrar com esse trabalho, e mais, quais resíduos estão sendo
produzidos ou evitados com essa prática, entre outras possíveis relações entre Ciência e
Sociedade.
Portanto, é possível inferir nos trechos das cartas citadas que o argumento utilitário
parece estar mais preocupado com a vida individual do estudante. Enquanto que o argumento
democrático dá ênfase em como o indivíduo pode participar em discussões e debates frente a
assuntos relacionados à Ciência na sociedade, ou seja, é um argumento que valoriza a
inserção do indivíduo na sociedade. (MILAR, 2003; SANTOS; SCHNETZLER, 2010). Em
alguns trechos das cartas do grupo F é possível observar essa diferença entre o argumento
democrático e utilitário:

Trecho da carta F02: “São demonstrações de aplicações e que ajuda na formação


como pessoa e entender o próprio contexto que vive, para que possa entendê-lo e poder
posicionar-se em relação a tais aplicações[...] O conhecimento científico, antes restrito a
22

poucos, hoje é aberto às pessoas para que entendam como funciona esse ambiente e possam
interagir com esse meio, até para pedir melhorias na cidade em que vivem, basta refletir
sobre as consequências de tais conhecimentos.”.
Trecho da carta F07: “Infelizmente você, eu, seus filhos estão inseridos em um mundo
tecnológico, cheio de informações do tipo “comprovados cientificamente”, “testado por
especialistas”, e isto é aceito como verdade absoluta. É aqui que entra o conhecimento
científico. Teremos informações suficientes para contestarmos essas “verdades”[...] Pois a
madeira que a peça do xadrez é construída pode se constituir em uma questão ambiental
(espécie de árvores em extinção), uma questão de direitos humanos (trabalho escravo para
fazer a peça).”.
Trecho da carta F08: “O ensino de Química deve priorizar o desenvolvimento da
compreensão sobre Ciência e como ela se relaciona com a sociedade, basicamente. É a
forma como é conduzida a aula pelo professor que irá refletir na perspectiva do aluno sobre
Ciência.”.

Ou seja, nos trechos de argumentos democráticos é possível observar à menção a


relação entre a Ciência e a sociedade e não um conhecimento apenas reduzido a uma utilidade
para compreensão de aspectos da sua vida individual. Nesse ponto, quero dizer que o
argumento utilitário tem sem valor, entretanto quando o estudante apresenta somente esse
argumento para justificar o ensino de Química na educação básica, ele ignora as complexas
relações CTS e como conhecer essas relações pode desempenhar papel fundamental no
desenvolvimento da cidadania. (SANTOS, MORTIMER, 2000; SANTOS, SCHNETZLER,
2001).
Além dos argumentos identificados nas cartas, também foi possível identificar
algumas concepções sobre natureza da Ciência dos estudantes. E conhecer as concepções
sobre a natureza da Ciência é importante, pois como disse Lôbo e Moradillo (2003) “Há,
praticamente, um consenso entre pesquisadores de que as concepções dos professores de
Ciências, suas crenças, suas epistemologias, têm uma influência marcante sobre as suas
práticas pedagógicas e sobre as concepções dos alunos.”.
Observei duas concepções errôneas sobre a natureza da Ciência. Uma pode ser
resumida a partir de uma única frase “Tudo é Química”, inclusive é parte do texto de Denise
Fraga. Essa frase evidencia uma visão de que a Química é o único e verdadeiro conhecimento
que pode ser usado para explicar o mundo, quando na verdade a Química, ou qualquer
23

conhecimento científico, é uma maneira de interpretá-lo, podendo haver outras verdades a


partir de outras interpretações. Portanto, como que tudo pode ser Química quando na
realidade a Química consiste em uma Ciência que estabelece uma interpretação do mundo?
Para facilitar a análise, essa percepção será denominada percepção TEQ (percepção Tudo É
Química).
A outra percepção errônea identificada nas cartas é uma visão salvacionista da Ciência.
Algumas cartas afirmam que a partir do conhecimento químico é possível “salvar” o mundo,
ou resolver o problema da nossa sociedade. Quando, na verdade, o conhecimento químico
pode ser uma ferramenta para melhorar aspectos ou até mesmo resolver problemas da nossa
sociedade, entretanto também pode trazer conseqüências justamente opostas. (AULER,
DELIZOICOV, 2006; LÔBO, MORADILLO, 2003). Mencionar a possibilidade de o
conhecimento químico melhorar nossas vidas, sem citar a possibilidade contrária, é apresentar
uma visão errônea e salvacionista da Ciência. Para facilitar a análise, essa percepção será
denominada percepção S (percepção Salvacionista).
Todas as cartas que apresentaram essas percepções apresentaram argumentos
utilitários ou econômicos, isso significa que em nenhuma das cartas com percepções errôneas
identifiquei argumentos sócio-culturais ou democráticos. Isso é possível observar na tabela 2.
O argumento econômico se relaciona com a percepção S, quando dentro dessa visão o
desenvolvimento científico necessariamente culmina no desenvolvimento do bem estar social.
Logo é necessário que Química seja ensinada na educação básica para que haja mais
estudantes interessados em Ciência e um maior desenvolvimento científico. (AULER,
DELIZOICOV, 2006). Essa equivocada percepção S também se relaciona com o argumento
utilitário, pois é necessário que o aluno entenda como a Química é importante para melhorar
ou resolver os problemas da sociedade. Essa relação está descrita no trecho da carta L08.
Nesse trecho o estudante considera que ensinar Química é importante apenas pelos avanços
que essa Ciência trouxe a sociedade, ignorando quais foram os problemas que o
desenvolvimento dessa Ciência trouxe.
Trecho da carta L08: “posso dizer que a Química deve ser ensinada ou no mínimo
mostrada a todos, pois é uma área que trouxe muitos avanços a humanidade.”.
A percepção TEQ se relaciona com o argumento utilitário de maneira simples, se tudo
é Química, é necessário estudar Química para compreender tudo, como é identificado nesse
trecho de carta:
24

Trecho da carta L09: “Considere também, que, se Química é tudo, ou tudo é Química,
como viver em um mundo que não conhecemos ou estudamos?”.

Tabela 2: Relação entre percepções errôneas da Ciência e argumentos utilitários


Número de cartas Grupo L Grupo F
Com percepções errôneas 11 2
Com percepção TEQ 8 1
Com percepção S 5 1
Com argumento utilitário 8 2
Com argumento econômico 3 0

Enquanto isso, o argumento sócio-cultural quase não teve participação nas cartas.
(Tabela 1). No grupo L não identifiquei em nenhuma carta, já no grupo F, identifiquei em
apenas duas cartas. A pouca predominância desse argumento nas cartas pode ser explicada a
partir da identificação das percepções errôneas mencionadas anteriormente. Por esse ser um
argumento que exija uma percepção da Ciência como um produto cultural e assim como
qualquer cultura é influenciada por aspectos externos, pelo contexto sócio-histórico em que é
estabelecida e, além disso, é influenciada e influencia outras culturas. (PRAIA, PEREZ,
VILCHES, 2007; ZIMMERMAN, MAMEDE, 2005; PAULA, LIMA, 2007).
Isso fica mais claro ainda, quando analisamos a percepção de Ciência que são apresentados
pelas cartas que possuem argumento sócio-cultural. Ambas as cartas com esse argumento
apresentam uma visão um pouco mais madura da Ciência e até criticam as percepções
errôneas. Como é possível identificar nesses trechos:

Trecho da carta F07: “ O seu texto parece carregado de sentimentos e ideias que,
visivelmente discordo. “Tudo é Química”. Esta é de entristecer qualquer pessoa. Mas é
preciso entender que esta Ciência é uma construção humana, uma das formas que o homem
criou para se relacionar com o seu contexto.”.
Trecho da carta F06: “Assim, para mim o ideal seria pensar em um currículo comum
que abordasse o que é Ciência, já que os conhecimentos científicos influenciam a todos, e
que, uma compreensão “deformada” desta deixa as pessoas alienadas à sua realidade,
tornando-se mais manipulável neste mundo que transborda informações.”.
25

Portanto, quero fazer uma relação entre os argumentos utilizados para defender o
ensino de Química e a percepção da natureza da Ciência que os estudantes apresentam.
Com a análise dessas cartas foi possível estabelecer uma relação direta com o
argumento econômico e percepção S. Entretanto, não posso estabelecer uma relação direta
entre argumento utilitário e percepções errôneas, até porque a metodologia utilizada não
garante ficarem claro em todas as cartas as percepções dos estudantes sobre Ciência. Talvez
por esse motivo nem todas as cartas com argumentos utilitários apresentam percepções
errôneas, apesar de a grande maioria apresentar. Mas me parece lógico sugerir que quando o
estudante ignora as complexas relações existentes entre Ciência e Sociedade, ele se limita a
defender o Ensino de Química por argumentos utilitários. E isso está relacionado com a sua
percepção da natureza da Ciência. Parece-me quase impossível reconhecer os impactos
positivos e negativos da Ciência na história da humanidade e justificar o seu ensino apenas
com argumentos utilitários.
Agora, quando há uma percepção mais adequada da Ciência e da Tecnologia,
reconhecendo o seu papel como estrutura social, é possível desenvolver argumentos mais
pertinentes ao letramento científico (argumentos democráticos e sócio-culturais). Portanto, em
outras palavras, o que quero dizer é que a percepção da natureza da Ciência pelos estudantes
pode interferir nas futuras práticas docentes desses estudantes. (LÔBO, MORADILLO, 2003;
PRAIA, PEREZ, VILCHES, 2007). E isso acontece, pois o que dá sentido a sua prática
docente, isto é, o que justifica a sua prática docente é fortemente influenciado pelas suas
percepções da natureza da Ciência.
A partir desse resultado posso inferir algumas características da educação básica e do
curso superior de licenciatura Química na UnB. Analisando os resultados do grupo L, é
possível ter uma ideia de quais são as percepções de Ciência dos estudantes recém formados
na educação básica. É possível identificar uma visão ingênua e salvacionista da natureza da
Ciência nesses estudantes, visto que em 11 de 18 cartas identifiquei percepções errôneas, o
que pode estar relacionado com a maneira como a Ciência foi ensinada ao logo da sua
educação básica. (KOSMINKSKY, GIORDAN, 2002; LÔBO, MORADILLO, 2003; PRAIA,
PEREZ, VILCHES, 2007).
Fazendo um comparativo com as percepções errôneas do grupo L e F, posso inferir que
o curso superior de licenciatura em Química trouxe uma evolução das percepções dos
estudantes em relação à Ciência. Vale ressaltar, que os resultados são apenas inferidos, visto
que apenas esses dados não são suficientes para afirmar a evolução do pensamento no curso
26

superior ou generalizações adequadas à educação básica. Além disso, deve-se levar em


consideração que essas percepções de Ciência não são responsabilidade única e exclusiva dos
processos educacionais, mas a visão de mundo dos estudantes também é muito influenciada
pela mídia, familiares, experiências pessoas etc. (KOSMINSKY, GIORDAN,2002)
Outro fato interessante é a visão dos estudantes frente à crítica de Denise Fraga. Em
boa parte das cartas do grupo F, os alunos admitiram que o ensino de Química na educação
básica apresenta muitos problemas, principalmente em relação à formação de professores. Já
na maioria das cartas do grupo L identifiquei críticas à atriz e não ao sistema de ensino. Ou
seja, enquanto no grupo F há uma crítica ao sistema de ensino e associação da dificuldade dos
estudantes a esse sistema, no grupo L a crítica era à atriz por não ter se dedicado o suficiente
para entender Química. Isso também pode ser usado para inferir uma evolução do pensamento
dos estudantes durante o curso. Os aluno calouros apresentaram uma visão mais meritocrática,
culpando o estudante por não entender o conteúdo. Enquanto os formandos apresentam uma
visão mais crítica do processo de ensino, criticando os sistemas de ensino, formação dos
professores etc.
Dessa forma, levando em consideração que o argumento democrático é o argumento
que mais se relaciona com o letramento científico, pois é esse argumento que considera a
interface entre Ciência, Tecnologia e Sociedade como fundamental. (SANTOS, 2007;
MILAR, 2003). E apesar de inferir uma evolução nos estudantes ao longo do curso, acredito
que esse resultado está muito distante do que esperava para alunos formandos em um curso de
licenciatura Química, visto que apenas quatro cartas de nove apresentaram argumentos
democráticos. E isso me leva a refletir quais serão as bases que fundamentarão a sua futura
prática docente.
Portanto, não quero dizer que apenas justificar o ensino de Química com argumentos
democráticos seja suficiente, pois sei que mais do que saber defender o ensino de Química
com esses argumentos, é preciso de fato realizar uma prática docente comprometida com o
desenvolvimento da cidadania pelos estudantes. Porém, o que quero dizer é que saber
justificar o ensino de Química com argumentos democráticos é o primeiro passo para a
consolidação dessa prática docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentei como principais objetivos desse trabalho identificar os argumentos que os


licenciandos em Química apresentam para defender o ensino de Química na educação básica,
com a justificativa de que conhecer esses argumentos pode nos dar uma idéia de quais
fundamentos da sua futura prática docente. Além disso, como a metodologia consistia em
analisar alunos do primeiro semestre e do último semestre do curso, tinha como objetivo
também inferir uma possível evolução do curso de licenciatura Química nas percepções sobre
letramento científico e natureza da Ciência.
Como dito anteriormente, o letramento científico é uma forte ferramenta para o
desenvolvimento da cidadania pelos estudantes na educação básica, pois vivemos em uma
sociedade tecnocrática, a qual tenta excluir de muitas decisões relacionadas à Ciência e
Tecnologia os cidadãos comuns. (AULER, DELIZOICOV, 2001; SANTOS, MORTIMER,
2000; SANTOS, SCHELTZLER, 2010). Acredito então, que ensinar Química é fazer parte de
uma luta contra esse modelo de decisões tecnocráticas.
Entretanto, não é qualquer ensino de Química que cria meios para a cidadania. Ensinar
Química na perspectiva de letramento científico não se limita apenas a construção de saberes
científicos, mas é preciso ter como objetivo a apresentação das complexas relações entre
Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Para tanto, é necessário ter uma formação docente que se proponha a discutir e
conhecer essas complexas relações. Sei que a formação docente não é um processo acabado
com o fim do curso superior, mas é um processo que perdura durante toda a sua vida como
professor, entretanto reconheço a importância da formação inicial nesse processo.
Refletindo sobre os resultados desse trabalho, acredito que a formação inicial dos
professores de Química deva ter um enfoque maior em discussões sobre a natureza da
Ciência, mesmo reconhecido a dificuldade de trabalhar esse tema, visto que dentro da própria
literatura não existe um consenso exato sobre o que significa Ciência. (PRAIA, PEREZ,
VILCHES, 2007).
28

Apesar disso, os resultados obtidos sugeriram haver uma evolução na percepção da


natureza da Ciência dos estudantes ao longo do curso, o que foi uma influencia nos
argumentos apresentados pelos estudantes para defender o ensino de Química. Além disso, os
resultados também sugeriram que os estudantes recém-formados na educação básica possuem
uma percepção errônea da natureza da Ciência, o que pode indicar que esses aspectos não
foram tão bem discutidos na educação básica.
Visto que a percepção que os alunos têm sobre a natureza da Ciência é fortemente
influenciada pela visão de seus professores, esse resultado aponta a necessidade de uma
formação adequada dos professores de Ciências e consequentemente, professores de Química.
(PRAIA, PEREZ, VILCHES, 2007; LÔBO, MORADILLO, 2003; REIS, 2000). O que nos
leva a refletir sobre as percepções da natureza da Ciência dos alunos formandos, pois apesar
dessa aparente evolução, pois poucas cartas apresentaram argumentos democráticos na defesa
do ensino de Química (PRAIA, PEREZ, VILCHES, 2007).
Reconheço a limitação que a própria metodologia da pesquisa estabelece, pois não foi
realizada com um número significativo de alunos, tão pouco foi realizada com os mesmos
alunos ao logo do curso. Não é possível fazer uma análise curricular apenas com os dados
obtidos no trabalho, até porque isso não se constitui em um objetivo. Entretanto, refletir sobre
a influência da formação inicial de professores nos dados encontrados me parece inevitável.
Assim, acredito ser necessário que aspectos sobre a natureza da Ciência sejam
trabalhados com mais ênfase nos cursos de formação de professores, visto que essas
percepções estão relacionadas com a finalidade com a qual o professor ensina Química. Ou
seja, percebi na análise das cartas que as percepções da natureza da Ciência influenciam em
quais argumentos os estudantes utilizaram para defender o ensino de Química.
Assim, é necessário que os futuros professores reconheçam a estrutura social
complexa que é a tecnociência, analisando-a com um olhar crítico, que identifica de que
maneira ela interfere em diversas esferas sociais e os interesses que estão por trás de seus
chamados avanços.
Enfatizo aqui que mais do que reconhecer esses aspectos da Ciência e saber justificar o
ensino de Química com argumentos pertinentes, é necessário, de fato, realizar uma prática
docente pautada na abordagem CTS, mas trabalhar aspectos sobre a natureza da Ciência e
argumentos que justifiquem o ensino de Química é o primeiro passo para alcançar um ensino
de Química comprometido com a cidadania.
29

Acredito que um empecilho para uma formação de professores que contribua de


maneira significativa para a percepção da natureza da Ciência dos estudantes seja a dicotomia
entre disciplinas ditas pedagógicas e disciplinas que abordam aspectos teóricos e
experimentais da Química. (LÔBO E MORADILLO, 2003). Muitas vezes, as disciplinas que
abordam os conceitos da Química se distanciam muito do que pode construir uma visão mais
adequada da natureza da Ciência, trabalhando conceitos desconexos do contexto histórico nos
quais surgiram, apresentando-os como verdades absolutas e inquestionáveis, como conceitos
terminados. Como disse Lôbo e Moradillo (2003):
Essas questões, infelizmente, não fazem parte dos currículos de formação inicial do
professor, que apresentam o conhecimento científico como verdadeiro, acabado,
preciso e válido, levando a acreditar que basta um bom conhecimento da matéria a

ser ensinada e alguns recursos didáticos adequados. (LÔBO, MORADILLO,


pg. 39)
Portanto, a educação básica pode se constituir em uma importante ferramenta para construção
de uma sociedade amplamente participativa, e a Química é parte integrante dessa ferramenta.
Para tanto, é necessário que a Química dentro das escolas não seja limitada a uma mera
apresentação de conceitos, mas sim uma abordagem CTS, o que auxilia na tomada de decisão
dentro de uma sociedade tecnocientífica.
E para que isso de fato seja uma realidade, mais do que enfatizar o ensino de Química
com a perspectiva do letramento científico na educação básica, é preciso enfatizar essa
perspectiva na formação inicial dos professores. É a partir daí, que será possível que o futuro
docente consiga reconhecer a potencialidade do ensino de Química para o exercício da
cidadania, e assim, reconhecer a sua responsabilidade social como professor ou professora de
Química.
30

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32

APÊNDICE

Coluna da Denise Fraga na Folha de São Paulo

Química, pra que te quero?

3/8/2014
Meu filho vai mal em Química. Meu outro filho também vai mal em Química. Eu fui mal em Química. Que me
perdoem os químicos, mas alguém poderia me dizer por que ainda se estuda Química nas escolas?
É uma linda Ciência e concordo que deveríamos ter ao menos um ano de estudo da matéria para entender a
composição das coisas que juntas e inter-relacionadas compõem o Universo.
Tudo é Química e, pessoalmente, acredito que até as relações humanas o são. Mas não o afirmo baseada em nada
que tenha aprendido no estudo de tal matéria durante minha vida escolar. Aprende-se para esquecer. E, no meu
tempo, ainda se decorava a maldita tabela periódica. Não lembro de um bromo sequer e meus filhos ainda têm
todas as cadeias de carbono e hidrogênio pela frente.
Tenho uma antiga discussão com uma amiga professora a respeito das matérias que compõem o currículo
escolar. O acesso à informação anda no nosso bolso a um clique de nossos dedos e mesmo assim precisamos
decorar os nomes do aparelho reprodutor dos platelmintos?
Podemos saber de tudo navegando por aí. Tanto pra aprender! E quem nos ensina a escolher o que queremos
saber? Não poderíamos gastar o tempo de Química 3 com algo relacionado ao autoconhecimento e à capacidade
seletiva e deixar as cadeias de carbono e hidrogênio pra quem realmente precisasse delas?
Minha amiga insiste comigo defendendo o ensino das atuais matérias com o argumento de que tudo leva ao
desenvolvimento e à ampliação do raciocínio. Não tenho dúvida disso.
Mas por que não optar por xadrez, por exemplo? Você já viu alguém jogar cadeias de carbono e hidrogênio com
um amigo numa tarde chuvosa? Imagina que maravilha seria se todos nós fôssemos potenciais jogadores de
xadrez formados pela escola?
Raciocínio ampliado e prazer nas horas de lazer. Por que precisamos aprender coisas pra esquecer depois da
prova e não para nos ajudar a viver? Não esqueceríamos o que teríamos aprendido se houvesse uma matéria
chamada Diálogo, por exemplo. Poder de escuta, argumentação, retórica, articulação de raciocínio aprendidos
em anos de estudos semanais garantiriam com certeza melhores conversas por aí. Inclusive entre os químicos.

Cara(o) Colega,
Preciso de um enorme favor. Estou desenvolvendo meu TCC. Para isso, é fundamental ter a
sua colaboração, respondendo, SEM QUALQUER IDENTIFICAÇÃO PESSOAL, ao que exponho
a seguir. Desde já, muito obrigado por me ajudar!!!

A autora pergunta no primeiro parágrafo “...mas alguém poderia me dizer por que ainda se estuda
Química nas escolas?” Acho que ninguém melhor do que você, futuro(a) professor(a) de Química,
para responder tal questão. Pensando nisso, por favor, elabore uma carta respondendo à pergunta
feita por Denise na coluna acima transcrita. Lembre-se que está respondendo a uma pessoa leiga na
área de Ensino de Química. Portanto, tente ser o mais clara(o) possível na exposição de SUAS
ideias. O texto é seu, não tem limite.

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