Cristiano Barbosa de Moura
Cristiano Barbosa de Moura
Cristiano Barbosa de Moura
Rio de Janeiro
2013
Cristiano Barbosa de Moura
Rio de Janeiro
2013
REVISITANDO O ENSINO DE MODELOS ATÔMICOS NO ENSINO MÉDIO:
Aprovado por:
_______________________________________________
Profa. Cássia Curan Turci – IQ-UFRJ (Orientadora)
_______________________________________________
Prof. Waldmir Nascimento de Araujo Neto – IQ-UFRJ
_______________________________________________
Prof. Wilson Botter Junior – FE-UFRJ
Rio de Janeiro
Março de 2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que influenciaram a minha formação pessoal e acadêmica até
o presente momento.
A minha opção de vida, de profissão e de ideologia não teriam sido as mesmas se não
tivesse conhecido a professora Tânia (1º segmento), que me ensinou o que é educar com amor
muito antes de eu conhecer os textos e a história de Paulo Freire. Agradeço às professoras Wagnar
e Regilene e ao professor Luis Cezar pela luta e empenho diários por uma educação pública de
qualidade, pelo exemplo pessoal e pelas diversas conversas que, sem dúvida, deram outro rumo ao
futuro de tantos jovens que passaram por suas salas. Agradeço aos professores do CEFET/RJ:
Joel, Mário, Marcela, Odemar, Marisa, Regina, Kátia, Denise, e Ellen, que me apresentou o
maravilhoso mundo da química no ano do meu vestibular. Agradeço também à Sueli, pela
amizade, pelo apoio, pelas longas conversas, que foram aprendizados e sabedoria para mim. O
exemplo e entusiasmo de todos vocês, mesmo os que não estão citados aqui, servem de estímulo
para que um dia eu consiga ser tão bom quanto vocês nesta profissão que escolhi. O CEFET/RJ
foi, certamente, um divisor de águas e onde eu fiz os meus melhores amigos que espero carregar
para toda a vida.
Agradeço também a eles, meus amigos (Perdoem-me por não citá-los nominalmente, temo
omitir alguém. Mas vocês se reconhecerão), por toda dedicação, pelas horas de conversas jogadas
fora (mesmo por internet), viagens, festas, almoços, cervejas, compartilhamento de alegrias e
apoio em momentos difíceis. Graças ao nosso convívio, tenho um pouco de cada um de vocês em
mim e isso me faz ser uma pessoa melhor.
Agradeço à minha família, por ter me dado o apoio necessário para que eu pudesse
caminhar até aqui e pela educação fornecida, que só reforça minha convicção de que educação de
verdade se faz com exemplos. Espero que o cumprimento de mais esta etapa sirva como amostra
da minha gratidão e carinho por vocês.
Agradeço ao professor Wilson Botter pelas estimulantes aulas, pelas discussões homéricas
em temas desde política a educação, por ter conseguido lembrar meu nome sem recorrer à lista de
presença, (se bem que eu acho que esse ato era mais um vício que uma necessidade, rs) pelo aceite
em participar da banca e pelas sugestões na correção do texto. À professora Marciela Scarpellini
por sua simplicidade na forma de lidar com os seus alunos, por suas excelentes aulas e por ter me
aturado como seu monitor em Química Inorgânica II.
Agradeço à professora Cássia Turci por ter aceitado me orientar mesmo com tempo
escasso e ao professor Waldmir Neto por ter aceitado fazer parte da banca e também pelas
sugestões.
A utopia está lá no horizonte. Me
aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o
horizonte corre dez passos. Por mais que
eu caminhe, jamais alcançarei. Para que
serve a utopia? Serve para isso: para
que eu não deixe de caminhar.
Fernando Birri
RESUMO
O presente trabalho está dividido em duas partes. Na primeira delas é feita uma análise
descritiva sobre o tema modelos atômicos de cinco livros do Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Na segunda parte é exposta a controvérsia em torno
do modelo atômico de Dalton, que representou uma revolução científica na época de sua
publicação. Ainda nessa parte, mostra-se que esse grande debate científico instaurado no final
do século XIX pode servir de motivação para abordagens diferenciadas em sala de aula sobre
modelos atômicos, de forma a ajudar a resgatar a curiosidade e o gosto pela ciência no
estudante de ensino médio.
This work is divided in two sections. In the first one we analyze how the atomic model topic
is discussed in five different books inserted into the "National Program on High School
Textbooks" (PNLEM, in Portuguese). In the second section we discuss the controversy around
the atomic model of Dalton, considered a scientific revolution at the time it was published.
Further, in the second part, we show that this great scientific debate, that took place at the
end of nineteenth century, may motivate different approaches on the atomic model subject in
the classroom, making the high school students willing to study sciences.
1 Introdução ......................................................................................................................... 9
2 A abordagem do tema “modelos atômicos” nos livros didáticos do Ensino Médio ....... 14
2.1 Análise dos livros ........................................................................................................ 15
2.1.1 “Química na Abordagem do Cotidiano” ................................................................... 15
2.1.2 “Química – Meio Ambiente – Cidadania – Tecnologia” .......................................... 17
2.1.3 “Ser Protagonista Química” ..................................................................................... 19
2.1.4 “Química” ................................................................................................................. 21
2.1.5 “Química Cidadã”..................................................................................................... 25
2.2 Considerações sobre a abordagem de modelos atômicos nos livros analisados.......... 26
3 O Modelo de Dalton e suas possibilidades de exploração no ensino médio .................. 32
3.1 As controvérsias em torno do modelo de Dalton......................................................... 32
3.2 Possibilidade de exploração das controvérsias do modelo atômico
de Dalton no Ensino Médio ......................................................................................... 37
4 Conclusão ....................................................................................................................... 40
Referências Bibliográficas ................................................................................................. 43
9
1 INTRODUÇÃO
Um mundo cada vez mais complexo, com tantas possibilidades diferentes, tem tornado
a escola, aos olhos dos adolescentes e crianças, cada vez menos atrativa. Este fato tem
motivado muitos professores a repensar a forma de ensinar ciências, sobretudo a química.
Utilizando-se os resultados mais recentes (SOARES e NASCIMENTO, 2011) do PISA
(Programme for International Student Assessment, em português “Programa Internacional de
Avaliação de Alunos”), pode-se notar que, embora tenha havido uma pequena evolução no
resultado dos alunos brasileiros na prova de ciências, este ainda está muito aquém do ideal e
nos alerta para o fato de que a nossa educação científica não parece ir bem.
substancialista e verbal.
Os obstáculos primeiros consistem no obstáculo gerado pelo conhecimento primeiro
do educando, de expectador acrítico da natureza, de senso comum. Bachelard defende que o
espírito científico deve formar-se contra esta informação inicial, acrítica, da natureza.
Os obstáculos verbais dizem respeito à utilização de palavras ou imagens inadequadas,
hábitos de natureza verbal, que podem levar a uma compreensão equivocada dos fenômenos,
por trazer um problema abstrato ao mundo concreto, impedindo a visão abstrata e nítida do
problema real. Bachelard argumenta que “por mais que se faça, as metáforas seduzem a
razão”. Incrementando: “a intuição primeira é um obstáculo para o pensamento científico;
apenas a ilustração que opera depois do conceito, acrescentando um pouco de cor aos traços
essenciais, pode ajudar o pensamento científico”.
Os obstáculos substancialistas acontecem quando o educador atribui às substâncias
características que não condizem com a mesma, distorcendo a sua realidade e afastando os
alunos da visão científica da mesma.
O obstáculo realista discute (BACHELARD apud MELZER et al. 2009) como o
indivíduo entende conceitos científicos por meio do concreto sem chegar ao abstrato,
enquanto o obstáculo animista ocorre quando se atribuem características de seres vivos a
objetos inanimados, biologicamente inativos.
O ensino de química no ensino médio, em particular da teoria atômica, traz grandes
desafios ao professor pois trata de uma realidade abstrata. Assim, corre-se grande risco de
incorrer em algum dos obstáculos epistemológicos citados acima, dificultando a
aprendizagem efetiva ou mesmo induzindo à construção de concepções alternativas pelos
alunos. Além disso, por se tratar de um dos primeiros contatos com a ciência química na
organização atual da maioria dos currículos, torna-se crucial que esta etapa, além de não
fomentar concepções alternativas dos modelos atômicos, da química e da ciência de uma
forma mais geral, possa conquistar os educandos para a construção de um saber científico
investigativo e questionador.
Neste trabalho, nossas principais propostas resumem-se na investigação de como se
apresenta, atualmente, o ensino de teoria atômica e na proposta de uma abordagem do modelo
de Dalton do átomo que leve em consideração a perspectiva de um ensino menos conteudista
e tecnicista. Entendemos que o conteúdo deve ser abordado de forma a promover uma
aprendizagem significativa, no sentido defendido por Ausubel (apud MOREIRA et al, 1997),
12
definido como o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta
quantidade de ideias e informações representadas em qualquer campo do conhecimento.
Segundo Moreira:
A essência do processo da aprendizagem significativa está, portanto, no
relacionamento não-arbitrário e substantivo de ideias simbolicamente expressas a
algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento do sujeito, isto é, a algum
conceito ou proposição que já lhe é significativo e adequado para interagir com a
nova informação. É desta interação que emergem, para o aprendiz, os significados
dos materiais potencialmente significativos (ou seja, suficientemente não arbitrários
e relacionáveis de maneira não arbitrária e substantiva a sua estrutura cognitiva). É
também nesta interação que o conhecimento prévio se modifica pela aquisição de
novos significados. (MOREIRA et ali, 1997)
Por fim, vale considerar os objetivos do ensino de química no ensino básico segundo
os documentos oficiais do ministério da educação – os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e os PCN+, uma extensão dos PCN com ideias mais objetivas para o ensino de cada
disciplina em específico. Segundo os PCN:
O aprendizado de Química pelos alunos de Ensino Médio implica que eles
compreendam as transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma
abrangente e integrada e assim possam julgar com fundamentos as informações
advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões
autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos. Esse aprendizado deve possibilitar
ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de
um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e
13
Procurando refletir sobre que tipo de perfil pedagógico e que práticas pedagógicas são
sugeridas pelos conteúdos disponíveis aos professores e alunos de ensino médio, analisamos
de forma descritiva os livros didáticos de ensino médio indicados pelo governo através dos
Programas PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e PNLEM (Programa Nacional do
Livro para o Ensino Médio) do ano 2012. Utilizamos ainda esta análise de forma a obter um
parâmetro de comparação com a nossa proposta de abordagem do modelo atômico de Dalton
no ensino médio.
A seguir, listamos os livros consultados em nossa pesquisa, ao mesmo tempo em que
trazemos um panorama da utilização destes livros nas escolas públicas de ensino médio do
Brasil.
apenas o volume 1 de cada coleção explica-se pelo fato de que o tema teoria atômica é
abordado no primeiro ano do ensino médio, onde é utilizado o primeiro volume.
Ainda que não seja nosso interesse específico, é interessante notar que esse percentual
de mercado é bastante semelhante para os outros volumes (com variações apenas nos
centésimos percentuais). Convém pontuar também que os livros oriundos de grupos de
pesquisa em Ensino de Química e com propostas inovadoras – segundo o próprio guia do
PNLD – ainda ocupam posições tímidas em relação as outras obras, a saber: “Química”, de
Mortimer e Machado, do grupo de pesquisa da UFMG (Universidade Federal de Minas
Gerais) e “Química para uma nova geração”, de Santos e Mól, do grupo de pesquisa da UnB
(Universidade de Brasília). Esse fato pode indicar uma posição ainda conservadora dos
professores de química em relação a estas obras, embora seja necessária uma investigação
mais cuidadosa para se chegar a uma análise mais criteriosa e aprofundada da questão.
Procedendo-se à análise dos livros didáticos acima listados, pôde-se fazer as seguintes
observações:
Após este prelúdio, a primeira seção traz algumas ilustrações como o famoso e simples
experimento de eletrização de bastões de vidro. Este experimento é articulado no sentido de
mostrar a insuficiência do modelo de Dalton para explicar fenômenos elétricos. Segue-se a
isto uma explicação simplificada do funcionamento do Tubo de Crookes, onde o autor não
chega a mencionar o detalhe do experimento (o “cata-vento”) que permitiu deduzir que o raio
catódico era formado por partículas. Neste sentido, cabe a reflexão sobre a falta de cuidado
com os detalhes do experimento pois isto pode acabar por reduzir a discussão dos modelos, e
os experimentos que forneceram subsídios à criação destes, para apenas uma apressada
associação entre cientistas e os pontos principais de suas teorias, indo na contramão de um
ensino que leve em conta a natureza da ciência.
17
cujos temas centrais são, nessa ordem: mudanças climáticas, oxigênio e ozônio, poluição
eletromagnética, poluição de interiores e chuva ácida. As teorias atômicas são abordadas nas
unidades 2 e 3. É interessante notar que os modelos atômicos são desenvolvidos na medida
em que são necessários para explicar os fenômenos do cotidiano. Até a unidade 2, onde são
tratados assuntos como estados de agregação da matéria, misturas e substâncias, separação de
misturas e reações químicas (leis ponderais), o livro não discute nenhum modelo atômico para
explicar estes temas. O modelo de Dalton só é apresentado no capítulo 7, juntamente com
conceitos fundamentais da metodologia científica, sobre como os cientistas se utilizam de
resultados de experimentos até chegar em regras, leis e teorias, além de definições bastante
satisfatórias sobre estes itens. Após este prelúdio o livro traz uma conceituação bastante
completa de modelo, antes de partir para a apresentação do modelo atômico de Dalton. A
autora chega, inclusive, a citar a dualidade partícula-onda como exemplo de modelo:
Você já ouviu falar, por exemplo, no comportamento dualístico onda-partícula do
elétron? Pois bem, não existe um modelo que explique ao mesmo tempo esses dois
comportamentos. Assim, dependendo do que queremos estudar ou explicar,
adotamos um modelo diferente.
Isso significa dizer inclusive que, se não estivermos trabalhando especificamente
com fenômenos como eletricidade e radioatividade, podemos utilizar o modelo de
Dalton, pois ele é muito bom para explicar certos fenômenos, como as reações
químicas, por exemplo. (FONSECA, 2010)
da eletricidade e suas diversas teorias até chegar a questões fundamentais como “o que são
prótons e elétrons e como se sabe que eles existem?” desenvolvidas em duas seções distintas,
através da explicação dos experimentos utilizando a ampola de Crookes, o tubo de raios
catódicos, idealizados por Thomson, Goldstein e o próprio Crookes. A autora termina o
capítulo conceituando íons, da mesma forma que fez ao apresentar a lei de Gay-Lussac;
propondo um experimento antes de desenvolver a seção. Esta seção termina com um box
falando sobre as controvérsias geradas pela tese de doutorado de Arrhenius, o que ajuda a
desmistificar um pouco a visão do senso comum sobre a ciência. Pois, em geral, pensa-se que
as novas teorias produzidas a partir de evidências mais precisas sobre determinado fenômeno
são prontamente aceitas pela comunidade científica, o que é um mito (McCOMAS, 1998). O
caso da tese de Arrhenius ajuda a quebrar esta visão ao expor as dificuldades pelas quais sua
teoria passou antes de ser aceita pela comunidade científica.
Na última seção do capítulo a autora aborda o tema radioatividade, subvertendo uma
prática tão comum quanto antiga dos currículos e livros didáticos de tratar o tema no final da
parte de físico-química, onde, diga-se de passagem, fica completamente avulso e sem sentido.
No capítulo 12, a autora parte para a exposição tradicional dos modelos atômicos de
Thomson, Rutherford (e o seu famoso experimento) e, antes de apresentar o modelo de Bohr,
enfoca determinados fundamentos da natureza da luz e, depois, da espectroscopia. Ao
apresentar a teoria dos quanta de Max Planck, é relembrada a dualidade partícula-onda,
deixando claro que a ciência ainda não explica satisfatoriamente esse efeito dual e por isso é
necessário utilizar as duas teorias.
O modelo mais refinado explicado no livro da autora é o de Bohr-Sommerfeld, na
seção 12.5. Nos capítulos 13 e 14 não há nenhuma menção ao modelo atômico mais moderno,
que leva em consideração a existência de orbitais. Para explicar a distribuição eletrônica, é
utilizado o diagrama de Pauling e a autora lança mão da equação de Rydberg para relacionar
os níveis de energia ao número máximo de elétrons por nível, sem aprofundar e refinar o
modelo de Bohr.
Este livro de José Foschini Lisboa é novo dentro das opções do PNLEM e a sua
organização o aproxima mais dos livros didáticos de organização mais ortodoxa do que os
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livros ditos mais “inovadores”. Na unidade 3, em que trata de modelos atômicos, que coincide
com o capítulo 7 (uma unidade de apenas um capítulo), o autor do livro, a exemplo das outras
unidades, inicia sugerindo questões para reflexão dos alunos, logo abaixo de uma imagem de
impacto (no caso da unidade 3, a imagem é a de um violão). São 4 questões gerais, que
procuram conduzir o aluno por uma reflexão científica a partir de temas corriqueiros e servem
como ponto de partida para abordar a estrutura da matéria em nível atômico.
O texto inicial do capítulo procura sintetizar a abordagem dada pelo livro ao tema,
contextualizando a importância de modelos atômicos com aspectos atuais da tecnologia,
ciência e sociedade, o que não configura, entretanto, a utilização da abordagem Ciência-
Tecnologia-Sociedade (Santos e Mortimer, 2002), mas apenas uma contextualização. O autor
então começa com uma abordagem histórica sobre os modelos atômicos, partindo das
primeiras ideias surgidas na Grécia com Leucipo e Demócrito, em uma passagem bem rápida
até chegar no primeiro grande modelo – o de Dalton. Na explicação deste modelo o autor traz
a representação utilizada por Dalton para os primeiros supostos elementos químicos e também
aborda isto de uma forma interessante, ressaltando principalmente o sucesso do modelo em
explicar evidências experimentais, como as lei ponderais no caso do modelo de Dalton. O
leitor é, então, conduzido por este raciocínio até a ruptura, quando surgem novas evidências
que não possíveis de serem explicadas com o modelo proposto por Dalton, como a condução
de corrente elétrica por metais e por certas soluções.
O autor, então, apresenta o tubo de raios catódicos de Crookes e os experimentos que
levaram Thomson a determinar a relação entre a carga e a massa das partículas que formavam
os raios catódicos. São apresentadas as conclusões e hipóteses de Thomson para construir o
seu modelo e ainda uma comparação entre os modelos de Thomson e de Dalton, mostrando de
que forma o primeiro explica as questões referentes à condutividade.
Na seção seguinte, o assunto é o modelo de Rutherford e o papel do famoso
experimento de Geiger e Marsden na identificação das partículas fundamentais do átomo.
Depois de uma representação esquemática do experimento e a explicitação dos resultados, o
autor discute quais as conclusões que poderiam ser tiradas daquele experimento. A descoberta
dos nêutrons é resumida em duas linhas. Daí em diante, são apresentados aos alunos diversos
conteúdos técnicos com definições e tabelas comparativas entre prótons, nêutrons e elétrons,
de íons e de número atômico, este último com a explicação do experimento de Moseley com
raios X, que comprovou que para elementos iguais, os números atômicos são iguais. Outros
21
conceitos como número de massa, isotopia, elemento, substâncias simples e compostas são
apresentados na sequência.
Na terceira seção do capítulo, o autor problematiza o modelo planetário de Rutherford,
já que este não explica a estabilidade do átomo. Conceitos básicos de óptica e espectroscopia
antecedem o texto sobre modelo de Rutherford-Bohr, onde são apresentados os postulados de
Bohr e um pequeno esquema resumindo estes postulados. Há ainda neste capítulo dois boxes
explicando os fenômenos da fosforescência e bioluminescência. Os últimos dois textos do
capítulo destinam-se a sistematizar o conhecimento sobre a distribuição eletrônica e não
apresentam o diagrama de Linus Pauling, limitando-se à distribuição por camadas / níveis de
energia.
Essa omissão, embora possa ser entendida por alguns como uma escolha equivocada
do autor, na verdade vai ao encontro de pesquisas no ensino de química que dão conta que
estes princípios da mecânica quântica que são apresentados no ensino médio forçam os alunos
a memorizar em vez de entender, trazendo reflexos negativos na curiosidade do aluno
(Shiland, 1995). Além disso, Shiland argumenta ainda que trata-se de uma teoria muito
abstrata e que pouco é utilizada ao longo dos conteúdos de ensino médio para explicar
fenômenos naturais. Quando é utilizada, não raro, poderia ser substituída por um modelo mais
simples. Ou seja, seu ensino traria mais malefícios do que benefícios.
Este livro, embora bastante tradicional e compacto em sua abordagem de modelos
atômicos, traz em alguns momentos alguma preocupação com a abordagem sobre a natureza
da ciência e o pensamento científico envolvido em alguns conceitos, mas não é algo muito
presente. Em linhas gerais, o livro se prende mais a uma lógica conteudista do que ao
desenvolvimento de competências e de uma lógica científica no aluno.
2.1.4 “Química”
O livro tem uma visão pedagógica bastante diferente do que estamos habituados nos
livros didáticos tradicionais e sugere que o professor trabalhe com a formação de grupos em
sala de aula, transferindo o centro do processo de ensino-aprendizagem do professor (comum
em aulas expositivas) para o aluno. Isso é bastante claro na organização dos capítulos, que
estão estruturados em atividades e textos que são respostas e expansão das ideias trabalhadas
nas atividades propostas.
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Através dos textos, o leitor viaja através da história desde as primeiras concepções de
átomo, na Grécia antiga, até as ideias do modelo atual – sendo o único dos livros analisados a
abordar a dualidade partícula-onda, o princípio da incerteza e a noção de orbital. Conforme já
citado, um ponto positivo do livro é inserir no meio da abordagem histórica a sugestão de
experimentos que fazem com que os alunos possam aproximar-se mais, através da ação
concreta de realização dos experimentos, dos conceitos tratados teoricamente no capítulo. Um
bom exemplo disso é na transição da hipótese atômica de Dalton para o modelo de Thomson,
onde é sugerida uma experiência simples mas bastante interessante sobre a eletrização de
pequenos pedaços de papel, objetos de plástico e bastões de vidro. Sobretudo a forma
investigativa como se sugere a condução do experimento é muito rica. Como se observa em
outros livros, o tema radioatividade também foi colocado junto à seção que trata dos modelos
atômicos.
Em relação ao modelo de Thomson, o autor inova na analogia, substituindo a
famigerada comparação com o “pudim de passas” (“plum-pudding”, sobremesa típica do
Natal inglês) por uma analogia com o panetone que, embora não tenha origem brasileira, é
algo bastante difundido em nossas ceias natalinas. Lopes e Martins (2009) sinalizam para os
problemas da analogia com o “pudim de passas”, já que para que esta seja um objeto útil de
ensino é necessário que haja um conteúdo familiar aos alunos e outro desconhecido por eles e,
no caso do plum-pudding, tanto a sobremesa quanto o modelo que se pretende explicar são
desconhecidos pelo aluno. Portanto, a substituição da analogia clássica pela analogia com o
23
O capítulo 5 do primeiro volume do livro Química Cidadã, que trata sobre modelos
atômicos, inicia com um tema recorrente em nosso dia a dia: o papel da camada de ozônio e a
sua destruição por conta da utilização de CFC em produtos do nosso dia a dia como
desodorantes. O texto traz uma variada gama de informações e propõe um debate e um estudo
dirigido no final deste texto introdutório ao capítulo. Essa contextualização social da química
antes da introdução de conceitos e teorias científicas é encontrada em todos os capítulos e
deve ajudar na motivação do estudo dos conceitos químicos.
Depois desta introdução, a seção 1 do capítulo é dedicada à abordagem conceitual de
modelos e teorias. É proposta uma atividade para ajudar na compreensão do tema: em grupos,
os alunos são convidados e embalar uma caixa com um objeto qualquer dentro e entregá-la a
outro grupo para que adivinhem o que há dentro da caixa, enquanto tentam também adivinhar
o que há na caixa lacrada do outro grupo. A atividade ajuda a tornar mais concreto o trabalho
de criação de modelos científicos, que consiste em criar modelos de realidades inacessíveis
(como o átomo) através de determinadas caraterísticas e evidências acessíveis. Em uma
linguagem acessível, o autor traz a ideia de construção do conhecimento científico:
O estudo da constituição da matéria para a ciência é como a atividade que acabamos
de realizar, ou seja, os cientistas observam, estudam, levantam hipóteses para
explicar, imaginam e realizam experimentos. Depois analisam dados e verificam se
as suas hipóteses são plausíveis e se estão de acordo com o esperado. Se estiverem,
então eles passam a ter evidências de que aquela hipótese inicialmente levantada
pode estar correta. Sendo aceita pela comunidade científica, essa hipótese se
transforma em uma nova teoria científica. (SANTOS e MOL, 2010)
Conforme podemos perceber na análise dos cinco livros, eles possuem perfis e
filosofias de ensino diferentes. Alguns ainda mantêm o foco do ensino nos conteúdos por si só
enquanto outros livros procuram discutir problemas atuais utilizando conteúdos de química.
Um exemplo de livro que aborda problemas cotidianos da sociedade sob o espectro do
conhecimento químico é o “Química Cidadã” de Santos e Mól. O que o difere dos demais é
que ele coloca as questões sobre a química na sociedade em um plano de igual importância
em relação aos conteúdos puramente químicos. Essa tendência, que é o cerne da abordagem
CTS, começa a ser adotada também por outros livros de química de ensino médio, como pode
27
ser visto na coleção da autora Martha Reis, bem mais difundida e tradicional que o livro do
grupo de pesquisa da UnB. Segundo Santos e Mortimer (2002), a abordagem CTS pode ser
definida como:
Segundo HOFSTEIN, AIKENHEAD e RIQUARTS (1988: 358), CTS pode ser
caracterizado como o ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu
meio tecnológico e social, no qual os estudantes integram o conhecimento científico
com a tecnologia e o mundo social de suas experiências do dia-a-dia. A proposta
curricular de CTS corresponderia, portanto, a uma integração entre educação
científica, tecnológica e social, em que os conteúdos científicos e tecnológicos são
estudados juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e
sócio-econômicos (LÓPEZ e CEREZO, 1996).
É uma surpresa positiva que os autores de livros didáticos envidem esforços para
contextualizar mesmo um tema tão abstrato quanto modelos atômicos.
O livro “Química”, de Mortimer e Machado, traz como principal destaque a sugestão
de abordagem diferenciada, com alunos organizando-se em grupos menores e tendo em seu
layout basicamente textos e atividades experimentais, em vez de mapas conceituais, esquemas
e resumos, que são a base de livros como o de Foschini Lisboa e Peruzzo e Canto. A
experiência dos autores na área de ensino de química certamente faz diferença quando da
abordagem de conceitos abstratos como os modelos atômicos. Certas analogias impróprias
como a do pudim de passas para o modelo de Thomsom foram substituídas por outras mais
adequadas (o que também foi verificado em “Química Cidadã”) e os autores desta coleção
têm uma preocupação especial com a definição (por meio de exemplos e da aplicação destes
exemplos) de modelo científico, evidenciando um cuidado com a abordagem da natureza da
ciência no ensino médio e contribuindo para a promoção de uma verdadeira alfabetização
científica.
Algo que é comum a todos os livros-texto analisados é que, em algum momento, eles
dedicaram ao menos algumas linhas para a definição de modelo científico. Tomando como
parâmetro a definição de Ferreira e Justi (2008) abaixo comparamos as definições para
modelo científico apresentadas em cada um dos livros analisados.
Um modelo pode ser definido como uma representação parcial de um objeto, evento,
processo ou ideia, que é produzida com propósitos específicos como, por exemplo,
facilitar a visualização; fundamentar elaboração e teste de novas ideias; e possibilitar
a elaboração de explicações e previsões sobre comportamentos e propriedades do
sistema modelado (Gilbert e Boulter, 1995). Assim, um modelo não é uma cópia da
realidade, muito menos a verdade em si, mas uma forma de representá-la originada a
partir de interpretações pessoais desta.
dedicado a esta discussão sobre o modelo científico, que embora inicie um caminho coerente
com a literatura, traz uma definição incompleta, todos os demais livros trazem definições
coerentes com a literatura e, em alguns casos, até bastante completas. É importante ressaltar
que estas definições foram procuradas nos capítulos que tratavam de modelos atômicos (ou
capítulos adjacentes) pois, ao nosso ver, é o assunto da química onde o contato com esta
faceta da natureza da ciência é mais crítico para o sucesso na aprendizagem dos conceitos
relacionados a modelos atômicos. Cabe observar que o livro “Química” de Machado e
Mortimer, possui um capítulo dedicado exclusivamente a construção de modelos para explicar
fenômenos naturais estudados em capítulos iniciais, de forma que não há uma seção apenas
em que este conceito é explorado.
Abaixo seguem extratos dos cinco livros, onde foram encontradas as suas definições
de modelo científico:
D) Química, p. 136
No capítulo 5, construímos o modelo de partículas para explicar as
propriedade de sólidos, líquidos e gases, Esse modelo, pode ser designado,
genericamente, com um modelo atomista.
O modelo de partículas que construímos é limitado e não explica muitas
propriedades que os materiais apresentam. A condutividade elétrica de materiais
como metais e soluções, por exemplo, não pode ser explicada recorrendo-se apenas
à ideia de que a matérias seja constituída por partículas e espaços vazios. Serão
necessários modelos mais sofisticados para a explicação dessa e de outras
propriedades. Nosso modelo, no entanto, revelou-se útil na explicação dos estados
físicos dos materiais, e ao mesmo tempo nos ensinou a respeito da própria noção de
modelo.
Uma das principais conclusões a que chegamos é de que nunca devemos
enxergar um modelo como uma cópia da realidade. Um modelo é apenas uma
representação, uma aproximação do que ocorre na realidade. Ao mesmo tempo, cada
modelo é util na explicação de certas propriedades e transformações que a realidade
apresenta. Se algumas transformações ou propriedades não puderem ser explicadas
por um modelo, ele deve ser substituído ou modificado. Isso não impede que ele
continue sendo usado nas situações mais simples.
Até agora, não empregamos a palavra átomo porque na ciência moderna esse
termo tem um sentido preciso. Já a palavra partícula, que estamos empregando, é
mais genérica e pode ser aplicada a toda uma classe de corpos submicroscópicos,
inclusive aos próprios átomos. Ao continuarmos nosso curso de Química,
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Os livros de Peruzzo e Canto e Foschini Lisboa não fazem uso das possibilidades de
exploração destas definições de modelos científicos pois limitam-se a apresentar os diversos
modelos atômicos de forma cronológica, sucinta e apenas ressaltando os principais aspectos
de cada uma das teorias.
O livro de Fonseca apresenta os modelos atômicos na medida em que eles são
necessários para explicar algum fenômeno natural, fazendo excelente uso do seu próprio
discurso, quando diz que “desde que não entre em conflito com outros fenômenos ou
experimentos conhecidos, um modelo não precisa ser descartado, se ele for adequado para
explicar um fenômeno específico”. Esta forma de apresentação do conteúdo exemplifica e
fortalece o método de construção da ciência.
Mortimer e Machado têm o seu mérito ao dedicar um capítulo inteiro apenas à
construção de modelos científicos para fenômenos naturais, promovendo na prática uma
sólida alfabetização científica ao lidar diretamente com um exemplo de construção do
conhecimento científico.
Por último, Santos e Mól trazem uma sugestão de atividade que certamente é bastante
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ilustrativa e vai direto ao ponto. A abordagem dos modelos atômicos ainda segue uma linha
mais ou menos tradicional, mas já corrige alguns equívocos de outras publicações que, por
exemplo, tentam explicar o experimento de Rutherford sem ter apresentado nenhuma noção
de radioatividade.
O quadro a seguir resume a avaliação sobre as definições de “modelo científico” explícitas em
cada livro:
Conforme Braga, Guerra e Reis (2012), a história da ciência está cheia de exemplos
em que as teorias de dois ou mais cientistas sobre um mesmo experimento divergem
completamente. Essas controvérsias podem fornecer um rico arcabouço para o entendimento
do desenvolvimento da ciência e mesmo para o ensino de ciências em nível médio. Ainda
segundo Braga, uma análise dos currículos e livros didáticos traz à tona o fato de praticamente
não haverem controvérsias explícitas nestes (percepção que endossamos com a nossa análise
dos livros didáticos do PNLEM 2012), muito embora elas estejam fortemente presentes na
evolução da ciência. Segundo o autor (tradução e grifos nossos):
“Comte (1978) used to say that the best way to introduce a youth to the
fundamentals of science is by making him/her think such knowledge had been
elaborated by a single mind. Controversies could trigger doubt in the learning
process […] This option [pela filososofia de ensino de Comte] should be rejected if
the aim is a broader education where concepts are introduced together with science
being a human construction. Controversies tend to demolish beliefs that were built
on top of discovered knowledge in the benefit of constructed knowledge.
Discoveries are unquestionable truths. Constructions are temporal truths and
can be changed throughout time.” (BRAGA; GUERRA; REIS; 2012)
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Neste sentido, a história e a filosofia da ciência (HFC) podem ser extremamente úteis
em um ensino de ciências diferente, que seja apresentado mais como um modo de enxergar e
pensar o mundo do que como um amontoado de conhecimentos acumulados através dos
tempos. Conforme aponta Matthews (1995): “A ciência é uma das maiores conquistas da
cultura humana. Portanto, o ensino de ciências [...] deveria comunicar 'mais sobre o espírito e
menos sobre o vale dos ossos secos' dessa conquista.”
Isso posto, voltamos ao início do século XIX, para a revolução científica que estava
ocorrendo naquele momento. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a historiografia científica
da época não está completa pois muitos documentos foram destruídos durante a segunda
guerra mundial. O próprio Dalton apresentou versões contraditórias para a trajetória que
originou sua teoria e houve alterações entre a apresentação pública e a publicação dos
documentos de sua teoria (OKI, 2009).
Dalton iniciou a sua carreira acadêmica estudando a atmosfera, algo correlacionado
aos seus grandes interesses, que eram meteorologia e física do estado gasoso. Ainda nesta
última área, Dalton resolveu investigar a dissolução de gases na água. Depois de diversos
experimentos, ele acreditava que a absorção de gases na água era um processo físico, não
envolvendo afinidade química e que dependia dos pesos relativos das partículas que
formavam cada gás, a que ele chamava de “partícula última dos corpos”. (naquela época,
termos como partícula, corpúsculo e molécula eram preferidos em relação à palavra átomo)
(OKI, 2009).
Uma das inovações de Dalton na explicação do experimento de dissolução de gases
em água foi adotar alguns pressupostos, como a “regra da simplicidade”: existindo um único
tipo de composto formado por dois elementos diferentes, este seria binário (um átomo de cada
elemento) em virtude da estabilidade mecânica ser maior para um menor número de átomos
na molécula. Outros compostos que envolvessem os mesmos elementos seriam combinados
em proporções distintas, com números inteiros e pequenos como 1:2 e 1:3. Dalton pensava
ainda que os átomos, ou “as últimas partículas”, que eram a menor porção de matéria que
ainda preservava suas propriedades, tinham forma esférica e pesos diferentes, dependendo do
elemento em questão. O cientista inglês levava em consideração a teoria do calórico, que era
concebida como um fluido bastante rarefeito e capaz de penetrar ou escapar de todo lugar do
espaço. Para ele, cada átomo estaria envolvido nesta atmosfera de calórico. John Dalton
contribuiu ainda com um novo simbolismo para a representação das substâncias químicas,
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colisões moleculares ainda não encontrava suporte experimental e mesmo teórico. Neste
contexto, de 1905 a 1912, depois, portanto, da brilhante contribuição de Einstein para a
elucidação teórica do movimento browniano (SALINAS, 2005), Perrin realizou diversos
experimentos em que estudava a distribuição vertical de partículas coloidais depois que elas
alcançavam o equilíbrio, o deslocamento translacional das partículas e a rotação das
partículas. Estes experimentos foram feitos com muita precisão e Perrin utilizou a teoria
cinética dos gases para determinar os valores obtidos para as diversas condições
experimentais testadas, de modo que os treze valores do número de Avogadro encontrados nos
experimentos de Perrin eram convergentes e estavam compreendidos entre 6,0 x 10²³ e 7,5 x
10²³ (OKI, 2009). Colocando-se sobre o seu trabalho no livro “Les Atomes” e em defesa do
atomismo, Perrin comenta:
“Penso, ele diz, que é impossível a um espírito livre de todo preconceito, de
refletir sobre a extrema diversidade dos fenômenos que convergem dessa maneira
para o mesmo resultado, sem ficar impressionado, e acho que, por consequência,
será difícil defender com argumentos racionais, uma posição hostil em relação às
hipóteses moleculares.” (OKI, 2009)
Através da análise dos livros didáticos do ensino médio pôde-se perceber que a
história e filosofia da ciência raramente são utilizadas como eixo condutor de um capítulo, em
que pese o “colorido” que este tema pode fornecer à abordagem de temas tão abstratos como
os modelos atômicos.
O trabalho de Braga et al. (2012) nos aponta uma possibilidade de inserção da história
e filosofia da ciência nas aulas de física. Um modelo análogo poderia ser pensado para a
química, com o desenvolvimento de um projeto onde os alunos pudessem ver, através da
história da química, o seu desenvolvimento, a ascensão de uma corrente de pensamento e a
decadência de outra, as disputas ocorridas no período de transição e sua inserção no contexto
histórico. Abordar a química, em específico o desenvolvimento dos modelos atômicos, por
esta faceta ajuda a expor de forma mais convincente e lógica para o aluno quais foram os
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argumentos, experimentos e fatos científicos que possibilitaram o triunfo de uma teoria sobre
a outra, o que certamente é mais interessante do que o atual modelo de ensino, que é calcado
na fria apresentação de definições objetivas relacionadas com determinados cientistas,
conforme ainda podemos perceber em alguns dos livros didáticos do PNLEM 2012.
Essa perspectiva de ensino vai ao encontro também da inserção de noções de natureza
da ciência em currículos de ensino básico, defendida por muitos pesquisadores em ensino de
ciências (PRAIA et. al, 2007). As pesquisas na área dão conta de que, atualmente, o ensino
transmite visões da ciência que se afastam notoriamente da forma como se constroem e
evoluem os conhecimentos científicos (FERNANDEZ et al, 2002, apud PRAIA, 2007), que
acabam por se converter em obstáculo a aprendizagem das ciências e repercutem
negativamente na compreensão das relações existentes entre a ciência, a tecnologia e a
sociedade.
Portanto, o ensino do modelo de Dalton através de suas controvérsias históricas e
filosóficas traduz-se num importante modo de abordar este problema. É um representativo
estudo de caso que permite abordar todas estas questões acerca do conhecimento científico.
Além disso, seguindo ainda o modelo de projeto desenvolvido por Braga, Guerra e Reis
(2012), os próprios artefatos utilizados neste processo de ensino-aprendizagem, como debates,
leitura de textos e aos quais poderíamos incluir atividades em grupo e atividades
experimentais, ajudariam no desenvolvimento de conteúdos não apenas técnicos, mas também
atitudinais e procedimentais, promovendo uma educação científica mais completa e
rompendo os muros da lista de definições e conteúdos memorizados que costuma ser o ensino
de modelos atômicos.
A escolha do modelo de Dalton para abordar estes diversos conteúdos é estratégica na
medida em que é um modelo concebido em um momento importante, estando num contexto
histórico bastante relevante no que diz respeito a avanços científicos, como visto na seção 3.1,
sem contar que é capaz de explicar diversos fenômenos químicos, embora seja bastante
simples comparativamente ao modelo quanto-mecânico atual.
A implementação desta proposta esbarra no fato de muitos currículos dos cursos de
formação de professores não possuírem uma carga de ensino adequada em história e filosofia
da ciência. Conforme aponta Matthews (1994), o conhecimento de história e filosofia da
ciência deveria ser parte da bagagem intelectual de todo professor de ciência em nível básico,
pois ajuda a promover um ensino mais coerente, estimulante, crítico e humano e ainda,
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mesmo que esse conhecimento não seja utilizado em sua pedagogia em sala de aula, ela
proporciona ao professor um conhecimento crítico de sua disciplina que é imprescindível. “Há
mais em um professor do que aquilo que se pode ver em sala de aula”, conclui Matthews.
Além disso, há ainda uma outra barreira que se opõe não só a projetos pedagógicos em
HFC como também constitui o grande gargalo do ensino público brasileiro: o investimento
inadequado ou mesmo falta de investimento em educação. Esse fator impacta diretamente a
qualidade do ensino, através de professores mal remunerados que têm que dar conta de cargas
horárias semanais exageradamente grandes, e por isso não têm tempo para se qualificar e nem
de preparar suas aulas adequadamente; trazendo consequências negativas para o processo de
ensino-aprendizagem. O mesmo motivo (os baixos salários) faz com que a carreira de
professor seja cada vez menos atrativa aos jovens, diminuindo drasticamente a procura por
cursos de licenciatura que é, de certa forma, marginalizado dentro do ambiente acadêmico.
Tudo isso traz consequências como a baixa qualidade dos mesmos e na formação deficiente
dos egressos destes cursos, causando uma catástrofe no ensino de ciências em específico e na
educação brasileira de uma forma geral.
Estas observações são produto da minha própria vivência em escolas públicas e dentro
do ambiente acadêmico, porém é certo que encontrem suporte dentro de trabalhos científicos
publicados e acredito que merecem atenção especial dentro dos programas de pesquisa em
educação das universidades brasileiras.
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4 CONCLUSÃO
O modelo de Dalton, visto hoje como bastante simples em relação ao modelo atômico
atual, representou, como mostra Oki (2004, 2009), uma grande revolução tanto do ponto de
vista do conhecimento científico como dos próprios métodos da química e do papel das
hipóteses nesses métodos. Toda a discussão em torno da controvérsia atômica mobilizou
diversos cientistas de grande importância e o debate em torno do modelo de Dalton junto com
os trabalhos de Perrin, foram, sem dúvida, ingredientes importantes no rompimento de
paradigma científico ocorrido: a transição do mundo contínuo para o mundo quântico.
Baseado no trabalho de Braga, Guerra e Reis (2012), sugerimos uma possibilidade de
abordagem do modelo de Dalton no ensino médio, tendo em vista a forma de abordagem
inadequada, ao nosso ver, que foi encontrada em boa parte dos livros analisados. A proposta é
um meio para fugir da abordagem tradicional de associação de pequenas frases a cientistas e
depois cobrar exatamente isso na prova, num tipo de educação bancária, como dizia Paulo
Freire. A ideia consiste num projeto multimodal – com aulas de discussões, textos, aulas
expositivas, possivelmente exposição de filmes para contextualização histórica, entre outros –
onde tão importante quanto saber o cerne do modelo de Dalton é conhecer o percurso
histórico do seu desenvolvimento, promovendo um verdadeiro avanço na construção do saber
científico nos alunos.
É claro que antes de reproduzir este projeto como modelo básico para o ensino do
modelo atômico de Dalton é necessário conduzi-lo de forma experimental no intuito de
conhecer sobre a sua eficácia nos objetivos pretendidos, quais sejam: aumento no nível de
conhecimento sobre a natureza da ciência, aumento da curiosidade e do interesse pela
disciplina química e pela ciência, entre outros.
Além disso, o objetivo do trabalho não é promover a ideia de que este ou aquele
método, utilizando HFC no ensino de química, é a panaceia para todos os problemas da
educação científica, mas sim uma estratégia que se combinada oportunamente com outros
métodos e estratégias, como a abordagem CTS, pode ser bem-sucedida na tarefa de ensinar
química aos estudantes de ensino médio.
Por fim, sugere-se como possibilidades de trabalhos futuros a condução de algum
projeto de pesquisa-ação que implemente a sugestão de abordagem do modelo de Dalton,
monitorando os seus resultados. Encoraja-se também a outros estudantes de nível superior que
procurem investigar que tipo de abordagens são possíveis para cada conteúdo conceitual da
área de química, procurando incluir, nesta investigação, a possibilidade de trabalhar outros
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conteúdos que não meramente conceituais. Não necessariamente a HFC é a melhor estratégia
de ensino, mas ela pode ser bastante útil onde um ensino mais contextualizado é difícil de
implementar. Todas estas possibilidades de pesquisas a serem desenvolvidas combinadas com
uma nova postura dos governos em relação à educação pública, podem ajudar a promover o
salto de qualidade que esperamos ver na educação básica.
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