Cristiano Barbosa de Moura

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CRISTIANO BARBOSA DE MOURA

Revisitando o Ensino de Modelos Atômicos no Ensino Médio:

Análise de Livros Didáticos e uma

Proposta para o Modelo de Dalton usando História e Filosofia da Ciência

Rio de Janeiro
2013
Cristiano Barbosa de Moura

Revisitando o Ensino de Modelos Atômicos no Ensino Médio:

Análise de Livros Didáticos e uma

Proposta para o Modelo de Dalton usando História e Filosofia da Ciência

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Instituto de Química da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Licenciado em Química

Orientadora: Cássia Curan Turci

Rio de Janeiro
2013
REVISITANDO O ENSINO DE MODELOS ATÔMICOS NO ENSINO MÉDIO:

ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS E UMA PROPOSTA

PARA O MODELO DE DALTON USANDO HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Cristiano Barbosa de Moura

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Química da Universidade


Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Licenciado em Química

Aprovado por:

_______________________________________________
Profa. Cássia Curan Turci – IQ-UFRJ (Orientadora)

_______________________________________________
Prof. Waldmir Nascimento de Araujo Neto – IQ-UFRJ

_______________________________________________
Prof. Wilson Botter Junior – FE-UFRJ

Rio de Janeiro
Março de 2013
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que influenciaram a minha formação pessoal e acadêmica até
o presente momento.
A minha opção de vida, de profissão e de ideologia não teriam sido as mesmas se não
tivesse conhecido a professora Tânia (1º segmento), que me ensinou o que é educar com amor
muito antes de eu conhecer os textos e a história de Paulo Freire. Agradeço às professoras Wagnar
e Regilene e ao professor Luis Cezar pela luta e empenho diários por uma educação pública de
qualidade, pelo exemplo pessoal e pelas diversas conversas que, sem dúvida, deram outro rumo ao
futuro de tantos jovens que passaram por suas salas. Agradeço aos professores do CEFET/RJ:
Joel, Mário, Marcela, Odemar, Marisa, Regina, Kátia, Denise, e Ellen, que me apresentou o
maravilhoso mundo da química no ano do meu vestibular. Agradeço também à Sueli, pela
amizade, pelo apoio, pelas longas conversas, que foram aprendizados e sabedoria para mim. O
exemplo e entusiasmo de todos vocês, mesmo os que não estão citados aqui, servem de estímulo
para que um dia eu consiga ser tão bom quanto vocês nesta profissão que escolhi. O CEFET/RJ
foi, certamente, um divisor de águas e onde eu fiz os meus melhores amigos que espero carregar
para toda a vida.
Agradeço também a eles, meus amigos (Perdoem-me por não citá-los nominalmente, temo
omitir alguém. Mas vocês se reconhecerão), por toda dedicação, pelas horas de conversas jogadas
fora (mesmo por internet), viagens, festas, almoços, cervejas, compartilhamento de alegrias e
apoio em momentos difíceis. Graças ao nosso convívio, tenho um pouco de cada um de vocês em
mim e isso me faz ser uma pessoa melhor.
Agradeço à minha família, por ter me dado o apoio necessário para que eu pudesse
caminhar até aqui e pela educação fornecida, que só reforça minha convicção de que educação de
verdade se faz com exemplos. Espero que o cumprimento de mais esta etapa sirva como amostra
da minha gratidão e carinho por vocês.
Agradeço ao professor Wilson Botter pelas estimulantes aulas, pelas discussões homéricas
em temas desde política a educação, por ter conseguido lembrar meu nome sem recorrer à lista de
presença, (se bem que eu acho que esse ato era mais um vício que uma necessidade, rs) pelo aceite
em participar da banca e pelas sugestões na correção do texto. À professora Marciela Scarpellini
por sua simplicidade na forma de lidar com os seus alunos, por suas excelentes aulas e por ter me
aturado como seu monitor em Química Inorgânica II.
Agradeço à professora Cássia Turci por ter aceitado me orientar mesmo com tempo
escasso e ao professor Waldmir Neto por ter aceitado fazer parte da banca e também pelas
sugestões.
A utopia está lá no horizonte. Me
aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o
horizonte corre dez passos. Por mais que
eu caminhe, jamais alcançarei. Para que
serve a utopia? Serve para isso: para
que eu não deixe de caminhar.

Fernando Birri
RESUMO

O presente trabalho está dividido em duas partes. Na primeira delas é feita uma análise
descritiva sobre o tema modelos atômicos de cinco livros do Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Na segunda parte é exposta a controvérsia em torno
do modelo atômico de Dalton, que representou uma revolução científica na época de sua
publicação. Ainda nessa parte, mostra-se que esse grande debate científico instaurado no final
do século XIX pode servir de motivação para abordagens diferenciadas em sala de aula sobre
modelos atômicos, de forma a ajudar a resgatar a curiosidade e o gosto pela ciência no
estudante de ensino médio.

Palavras-chave: ensino de química, Dalton, modelos atômicos, livros didáticos


ABSTRACT

This work is divided in two sections. In the first one we analyze how the atomic model topic
is discussed in five different books inserted into the "National Program on High School
Textbooks" (PNLEM, in Portuguese). In the second section we discuss the controversy around
the atomic model of Dalton, considered a scientific revolution at the time it was published.
Further, in the second part, we show that this great scientific debate, that took place at the
end of nineteenth century, may motivate different approaches on the atomic model subject in
the classroom, making the high school students willing to study sciences.

Key words: Chemistry teaching, Dalton, atomic models, books


SUMÁRIO

1 Introdução ......................................................................................................................... 9
2 A abordagem do tema “modelos atômicos” nos livros didáticos do Ensino Médio ....... 14
2.1 Análise dos livros ........................................................................................................ 15
2.1.1 “Química na Abordagem do Cotidiano” ................................................................... 15
2.1.2 “Química – Meio Ambiente – Cidadania – Tecnologia” .......................................... 17
2.1.3 “Ser Protagonista Química” ..................................................................................... 19
2.1.4 “Química” ................................................................................................................. 21
2.1.5 “Química Cidadã”..................................................................................................... 25
2.2 Considerações sobre a abordagem de modelos atômicos nos livros analisados.......... 26
3 O Modelo de Dalton e suas possibilidades de exploração no ensino médio .................. 32
3.1 As controvérsias em torno do modelo de Dalton......................................................... 32
3.2 Possibilidade de exploração das controvérsias do modelo atômico
de Dalton no Ensino Médio ......................................................................................... 37
4 Conclusão ....................................................................................................................... 40
Referências Bibliográficas ................................................................................................. 43
9

1 INTRODUÇÃO

Um mundo cada vez mais complexo, com tantas possibilidades diferentes, tem tornado
a escola, aos olhos dos adolescentes e crianças, cada vez menos atrativa. Este fato tem
motivado muitos professores a repensar a forma de ensinar ciências, sobretudo a química.
Utilizando-se os resultados mais recentes (SOARES e NASCIMENTO, 2011) do PISA
(Programme for International Student Assessment, em português “Programa Internacional de
Avaliação de Alunos”), pode-se notar que, embora tenha havido uma pequena evolução no
resultado dos alunos brasileiros na prova de ciências, este ainda está muito aquém do ideal e
nos alerta para o fato de que a nossa educação científica não parece ir bem.

Gráfico extraído de Soares e Nascimento (2011), p. 24

Segundo o relatório e o que se pode observar no gráfico, houve um aumento em 30


pontos na nota média dos estudantes na prova de ciências em relação ao ano 2000. Este
resultado pouco animador suscita diversas reflexões: o problema é a formação de professores
e o ensino? Os currículos? A aprendizagem? Questões de políticas públicas para a educação?
Procurando responder a estes e outros questionamentos, que datam de muito antes do início
10

da aplicação do PISA, começou a surgir em meados da década de 60 (SCHNETZLER, 2004)


a pesquisa em Ensino de Química, que tem contribuído também para a evolução dos
indicadores educacionais internacionais do Brasil e, sobretudo, para a formação de cidadãos
mais participativos.
Um ponto que merece destaque refere-se aos currículos arcaicos e às práticas de
ensino igualmente antiquadas, ou ainda ao ensino de conceitos antigos e ultrapassados em sala
de aula.
Com respeito aos currículos arcaicos podemos dizer que, com a introdução de novos
conceitos, objetivos e métodos para o ensino de química, muitas escolas reescreveram os seus
currículos acrescentando palavras mais adequadas às novas tendências mas sem reavaliar, em
conjunto com o seu corpo docente, o próprio objetivo do ensino ou a sua práxis na disciplina.
Isto resulta em um ensino que privilegia a memorização de fatos científicos em detrimento de
um raciocínio lógico-investigativo, tão presente na química, uma ciência nascida basicamente
de métodos empíricos.
Esta situação fica bastante clara na abordagem do tópico teoria atômica no ensino
médio, foco deste trabalho. Em geral, o percurso histórico de criação de diversos modelos
para explicar a constituição da matéria é muito mal explorado: os alunos não são convidados a
entender e problematizar a construção de cada modelo, nem situar, historicamente, a
importância e a evolução de pensamento com o surgimento de um novo modelo. Atualmente,
o ensino de teoria atômica resume-se a uma rápida síntese do que foi a evolução desse
conceito, apenas relacionando cada cientista ou filósofo a uma analogia ou metáfora sobre
como pode ser entendido o modelo proposto por este. Essas analogias são, por vezes, bastante
imprecisas ou confusas.
Para Gomes e Oliveira (GOMES e OLIVEIRA apud MELZER et al, 2009) trabalhar
com metáforas, analogias e imagens pode conduzir o educando a substituir a sua linha de
raciocínio por esquemas e resultados prontos, o que acaba por levar ao desenvolvimento pelo
aluno de um raciocínio inadequado, criando um obstáculo epistemológico. O modelo de J. J.
Thomson para o átomo é conhecido, por exemplo, como “O pudim de passas”, o que conduz o
aluno a associações impróprias como a consistência pastosa do núcleo e que pode levar,
segundo Bachelard (2002), “o conhecimento pré-científico para um caminho concreto e
imediato, impedindo a abstração necessária para a formação do espírito cientifico”. Para
Bachelard, os obstáculos epistemológicos são de cinco tipos: primeiro, animista, realista,
11

substancialista e verbal.
Os obstáculos primeiros consistem no obstáculo gerado pelo conhecimento primeiro
do educando, de expectador acrítico da natureza, de senso comum. Bachelard defende que o
espírito científico deve formar-se contra esta informação inicial, acrítica, da natureza.
Os obstáculos verbais dizem respeito à utilização de palavras ou imagens inadequadas,
hábitos de natureza verbal, que podem levar a uma compreensão equivocada dos fenômenos,
por trazer um problema abstrato ao mundo concreto, impedindo a visão abstrata e nítida do
problema real. Bachelard argumenta que “por mais que se faça, as metáforas seduzem a
razão”. Incrementando: “a intuição primeira é um obstáculo para o pensamento científico;
apenas a ilustração que opera depois do conceito, acrescentando um pouco de cor aos traços
essenciais, pode ajudar o pensamento científico”.
Os obstáculos substancialistas acontecem quando o educador atribui às substâncias
características que não condizem com a mesma, distorcendo a sua realidade e afastando os
alunos da visão científica da mesma.
O obstáculo realista discute (BACHELARD apud MELZER et al. 2009) como o
indivíduo entende conceitos científicos por meio do concreto sem chegar ao abstrato,
enquanto o obstáculo animista ocorre quando se atribuem características de seres vivos a
objetos inanimados, biologicamente inativos.
O ensino de química no ensino médio, em particular da teoria atômica, traz grandes
desafios ao professor pois trata de uma realidade abstrata. Assim, corre-se grande risco de
incorrer em algum dos obstáculos epistemológicos citados acima, dificultando a
aprendizagem efetiva ou mesmo induzindo à construção de concepções alternativas pelos
alunos. Além disso, por se tratar de um dos primeiros contatos com a ciência química na
organização atual da maioria dos currículos, torna-se crucial que esta etapa, além de não
fomentar concepções alternativas dos modelos atômicos, da química e da ciência de uma
forma mais geral, possa conquistar os educandos para a construção de um saber científico
investigativo e questionador.
Neste trabalho, nossas principais propostas resumem-se na investigação de como se
apresenta, atualmente, o ensino de teoria atômica e na proposta de uma abordagem do modelo
de Dalton do átomo que leve em consideração a perspectiva de um ensino menos conteudista
e tecnicista. Entendemos que o conteúdo deve ser abordado de forma a promover uma
aprendizagem significativa, no sentido defendido por Ausubel (apud MOREIRA et al, 1997),
12

definido como o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta
quantidade de ideias e informações representadas em qualquer campo do conhecimento.
Segundo Moreira:
A essência do processo da aprendizagem significativa está, portanto, no
relacionamento não-arbitrário e substantivo de ideias simbolicamente expressas a
algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento do sujeito, isto é, a algum
conceito ou proposição que já lhe é significativo e adequado para interagir com a
nova informação. É desta interação que emergem, para o aprendiz, os significados
dos materiais potencialmente significativos (ou seja, suficientemente não arbitrários
e relacionáveis de maneira não arbitrária e substantiva a sua estrutura cognitiva). É
também nesta interação que o conhecimento prévio se modifica pela aquisição de
novos significados. (MOREIRA et ali, 1997)

Desta forma, promover um ensino que se conecte a um conhecimento prévio do


estudante pode tornar-se decisivo para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Ainda
nesse contexto, os esforços de docentes e produtores de materiais didáticos devem ser no
sentido de produzir objetos de ensino que cumpram este objetivo de promover a
aprendizagem significativa dos estudantes. Para isso, o processo de mediação didática, o
processo de (re)construção de saberes na instituição escolar, como define Lopes (1997), deve
evitar um didatismo que cria objetos de ensino que se distanciam demais do conhecimento
científico, aproximando-se do senso comum pelo uso de metáforas que contêm diversos
obstáculos epistemológicos e pedagógicos. Neste processo, as analogias são de central
importância e, citando Duit, Alice Lopes ressalta:
Dentre as desvantagens e potenciais perigos das analogias, Duit aponta para os
seguintes aspectos: 1) como nunca existe equivalência absoluta entre a analogia e o
objeto alvo, as diferenças entre os mesmos podem ser fonte de enganos; 2) o
raciocínio analógico pressupõe um bom conhecimento da analogia, pois o que for
compreendido incorretamente na analogia será transferido para o objeto alvo
também incorretamente; 3) apesar das analogias serem muito frequentes no
cotidiano, o uso de analogias no ensino nunca é espontâneo; exige considerável
orientação.

Por fim, vale considerar os objetivos do ensino de química no ensino básico segundo
os documentos oficiais do ministério da educação – os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e os PCN+, uma extensão dos PCN com ideias mais objetivas para o ensino de cada
disciplina em específico. Segundo os PCN:
O aprendizado de Química pelos alunos de Ensino Médio implica que eles
compreendam as transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma
abrangente e integrada e assim possam julgar com fundamentos as informações
advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões
autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos. Esse aprendizado deve possibilitar
ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de
um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e
13

suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas. (BRASIL, 2000)

Com estes subsídios de trabalhos de pesquisa na área de ensino de química e de


documentos oficiais de orientações curriculares nacionais, analisaremos os livros didáticos de
química do ensino médio com vistas a traçar um perfil da abordagem atual do tema modelos
atômicos neste nível de ensino. Proporemos ainda uma abordagem que seja mais coerente
com os referenciais teóricos utilizados neste trabalho e que contribua na construção de
modelos de ensino mais adequados à formação de cidadãos mais críticos e socialmente
participativos.
14

2 A ABORDAGEM DO TEMA “MODELOS ATÔMICOS” NOS LIVROS


DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO

Procurando refletir sobre que tipo de perfil pedagógico e que práticas pedagógicas são
sugeridas pelos conteúdos disponíveis aos professores e alunos de ensino médio, analisamos
de forma descritiva os livros didáticos de ensino médio indicados pelo governo através dos
Programas PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e PNLEM (Programa Nacional do
Livro para o Ensino Médio) do ano 2012. Utilizamos ainda esta análise de forma a obter um
parâmetro de comparação com a nossa proposta de abordagem do modelo atômico de Dalton
no ensino médio.
A seguir, listamos os livros consultados em nossa pesquisa, ao mesmo tempo em que
trazemos um panorama da utilização destes livros nas escolas públicas de ensino médio do
Brasil.

Tabela 1 – “Livros de Química Vol. 1 – PNLD 2012”


Nome do Livro Autor(es) Informação Percentual de
Editorial mercado
Química na abordagem do Tito Miragaia Peruzzo, Editora Moderna, 51,87
Cotidiano, Vol. 1 Eduardo Leite do Canto 4ª Edição
Quimica – Meio Ambiente Martha Reis Marques da Editora FTD, 18,68
– Cidadania – Tecnologia, Fonseca
Vol. 1
Ser Protagonista Química, Julio Cezar Foschini Editora Edições 14,97
Vol. 1 Lisboa SM
Química, Vol. 1 Eduardo Fleury Mortimer Editora Scipione 8,20
e Andréa Horta Machado
Química Cidadã, Vol. 1 Wildson Santos e Gerson Editora Nova 6,28
Mól (coords.), Geração

O percentual de mercado, apresentado na Tabela 1, foi calculado através da razão entre


o quantitativo distribuído do livro em questão e o total de livros de química (volume 1)
distribuídos aos alunos no ano de 2012. A razão de termos priorizado em nossa contagem
15

apenas o volume 1 de cada coleção explica-se pelo fato de que o tema teoria atômica é
abordado no primeiro ano do ensino médio, onde é utilizado o primeiro volume.
Ainda que não seja nosso interesse específico, é interessante notar que esse percentual
de mercado é bastante semelhante para os outros volumes (com variações apenas nos
centésimos percentuais). Convém pontuar também que os livros oriundos de grupos de
pesquisa em Ensino de Química e com propostas inovadoras – segundo o próprio guia do
PNLD – ainda ocupam posições tímidas em relação as outras obras, a saber: “Química”, de
Mortimer e Machado, do grupo de pesquisa da UFMG (Universidade Federal de Minas
Gerais) e “Química para uma nova geração”, de Santos e Mól, do grupo de pesquisa da UnB
(Universidade de Brasília). Esse fato pode indicar uma posição ainda conservadora dos
professores de química em relação a estas obras, embora seja necessária uma investigação
mais cuidadosa para se chegar a uma análise mais criteriosa e aprofundada da questão.

2.1 Análise dos livros

Procedendo-se à análise dos livros didáticos acima listados, pôde-se fazer as seguintes
observações:

2.1.1 “Química na Abordagem do Cotidiano”

O livro de Peruzzo e Canto (2010) é, conforme listado na Tabela 1, o livro mais


difundido em escolas de nível médio da rede pública nacional. É um dos livros-texto mais
amplamente utilizado e conhecido em nossas escolas e a sua organização segue uma linha
mais canônica, por conteúdos e não por eixos temáticos. No que diz respeito ao assunto
“modelos atômicos”, o livro o divide em três capítulos contíguos: capítulos 4, 5 e 6. No
capítulo 4, o autor faz uma pequena introdução do assunto a ser abordado. Destaque para um
box logo no início do capítulo dedicado à explicação dos conceitos de Teoria e Lei / Princípio.
Em seguida, é apresentada a teoria de Dalton para o átomo, de uma forma que deixa de fora
importantes elementos da história da ciência e a gênese do pensamento científico, que ocorreu
na Grécia antiga. Essas questões são resumidas a um parágrafo de três linhas antes de serem
elencados os princípios da teoria de Dalton. De posse da teoria de Dalton, o autor define ou
redefine diversos conceitos como substância química (simples e compostas), fórmulas de
16

substâncias e elemento químico.


Na seção 3 o autor fala sobre equações químicas e coeficientes estequiométricos, além
de balanceamento de equações. Na seção 4, utilizando o modelo de Dalton, é traçada uma
explicação das leis de Lavoisier e de Proust. Na última seção formal do capítulo chama a
atenção uma pequena explicação sobre os níveis de trabalho da Química, em que é utilizado
um mapa conceitual que remete ao conhecido triângulo de Johnstone (FINZI et al., 2005). O
autor representa, através deste mapa, a química como ciência, trabalhando nos níveis
“macroscópico e microscópico” e utilizando “representações” para expressar essas relações
entre o macroscópico e o microscópico. Após o fechamento do capítulo, o autor traz uma
discussão sobre a dimensão dos átomos, citando o avanço mais recente utilizado “para
enxergar o átomo”, que é o microscópio de tunelamento. Embora tenha tido o cuidado de
tentar explicar o que, na realidade, significa a “imagem” obtida pelo microscópio de
tunelamento, talvez o autor tenha perdido uma boa oportunidade de discutir questões sobre
modelagem no fazer científico.
O capítulo 5, chamado “Introdução à estrutura atômica”, inicia-se com um box
introdutório ao conceito de modelos científicos. A seguir, um extrato deste box:
Em Química, a ideia de modelo é muito importante. Modelo, de um modo bem
simples, consiste de uma maneira como imaginamos que é algo que não temos
acesso direto.
Se vamos comprar um melão, por exemplo, não podemos abrir todos os que estão à
venda para decidir qual está melhor. Observando o aspecto externo da fruta,
apalpando e dando batidinhas, é possível escolher uma que esteja em boas condições
(desde que tenhamos, obviamente, um pouco de experiência na compra de melões).
Ao proceder dessa forma estamos criando um modelo ao imaginar em que condições
está o interior de uma fruta, sem tê-lo visto. [...] (PERUZZO E CANTO, 2010)

Após este prelúdio, a primeira seção traz algumas ilustrações como o famoso e simples
experimento de eletrização de bastões de vidro. Este experimento é articulado no sentido de
mostrar a insuficiência do modelo de Dalton para explicar fenômenos elétricos. Segue-se a
isto uma explicação simplificada do funcionamento do Tubo de Crookes, onde o autor não
chega a mencionar o detalhe do experimento (o “cata-vento”) que permitiu deduzir que o raio
catódico era formado por partículas. Neste sentido, cabe a reflexão sobre a falta de cuidado
com os detalhes do experimento pois isto pode acabar por reduzir a discussão dos modelos, e
os experimentos que forneceram subsídios à criação destes, para apenas uma apressada
associação entre cientistas e os pontos principais de suas teorias, indo na contramão de um
ensino que leve em conta a natureza da ciência.
17

A segunda seção é destinada ao modelo de Rutherford. Embora traga uma interessante


analogia entre o átomo e um caixote com conteúdo inacessível para explicar a intenção do
experimento, o livro oculta detalhes da história, como o fato do experimento não ter sido
executado por Rutherford. Esta omissão acaba por a reforçar a ciência como construção
individual e não coletiva, uma vez que parece ao leitor que Rutherford conduziu toda a
investigação de forma solitária. São apresentadas, ainda, representações esquemáticas e
informações extras para ajudar na compreensão do leitor sobre a dimensão do átomo e sobre
propriedades do ouro, que permitem sua ductibilidade.
Nas seções seguintes, e até o final do capítulo, são tratados temas mais técnicos como
relações entre prótons, nêutrons e elétrons, número de massa, isotopia, íons, entre outros.
Verifica-se a utilização recorrente de mapas conceituais. Um grande texto sobre
nanotecnologia fecha o capítulo.
No último capítulo da tríade sobre modelos atômicos, nomeado de “Noção mais
detalhada da estrutura atômica”, o autor inicia retomando o modelo de Rutherford explorado
no capítulo anterior e começa a falar sobre como espectros atômicos influenciaram no
trabalho de Bohr para a elaboração de seu modelo. Na seção 1 deste capítulo o autor dá uma
visão geral sobre a física envolvida no conceito de luz e fornece exemplos de alguns espectros
de elementos químicos. Na seção 2 são enunciados os postulados de Bohr e o seu modelo é
explicado de forma convincente, seguido pela seção 3 e seus diversos exemplos do cotidiano
com explicações utilizando o modelo de Bohr, recém-explorado. O capítulo é fechado com o
modelo de subníveis de energia como recurso para explicar a estrutura fina de espectros
atômicos e com a apresentação das regras para a distribuição eletrônica nos átomos. No final,
após os exercícios sugeridos, há um texto falando sobre proteína fluorescente e sua aplicação
na ciência contemporânea. Ainda após esse texto, há mais um mapa conceitual geral sobre o
átomo.

2.1.2 “Química – Meio Ambiente – Cidadania – Tecnologia”

O livro apresenta uma organização um pouco heterodoxa, colocando em primeiro


plano assuntos de relevância ambiental e social como eixo central norteador e ponto de
partida para a abordagem dos conhecimentos químicos. O livro é dividido em cinco unidades
18

cujos temas centrais são, nessa ordem: mudanças climáticas, oxigênio e ozônio, poluição
eletromagnética, poluição de interiores e chuva ácida. As teorias atômicas são abordadas nas
unidades 2 e 3. É interessante notar que os modelos atômicos são desenvolvidos na medida
em que são necessários para explicar os fenômenos do cotidiano. Até a unidade 2, onde são
tratados assuntos como estados de agregação da matéria, misturas e substâncias, separação de
misturas e reações químicas (leis ponderais), o livro não discute nenhum modelo atômico para
explicar estes temas. O modelo de Dalton só é apresentado no capítulo 7, juntamente com
conceitos fundamentais da metodologia científica, sobre como os cientistas se utilizam de
resultados de experimentos até chegar em regras, leis e teorias, além de definições bastante
satisfatórias sobre estes itens. Após este prelúdio o livro traz uma conceituação bastante
completa de modelo, antes de partir para a apresentação do modelo atômico de Dalton. A
autora chega, inclusive, a citar a dualidade partícula-onda como exemplo de modelo:
Você já ouviu falar, por exemplo, no comportamento dualístico onda-partícula do
elétron? Pois bem, não existe um modelo que explique ao mesmo tempo esses dois
comportamentos. Assim, dependendo do que queremos estudar ou explicar,
adotamos um modelo diferente.
Isso significa dizer inclusive que, se não estivermos trabalhando especificamente
com fenômenos como eletricidade e radioatividade, podemos utilizar o modelo de
Dalton, pois ele é muito bom para explicar certos fenômenos, como as reações
químicas, por exemplo. (FONSECA, 2010)

Mais à frente, no mesmo texto, a autora sintetiza a explicação: “O modelo de átomo


não é o átomo, certo?”. Na seção seguinte do mesmo capítulo é apresentado o modelo atômico
de Dalton com os diversos postulados estabelecidos por ele, detalhes interessantes sobre a
história do modelo (como as representações dos elementos utilizadas pelo cientista inglês) e
uma preocupação em destacar não só os métodos e conclusões, mas também o modo de
pensar do cientista. Mais do que uma teoria pronta, cientistas como Dalton deixaram um
legado na forma de fazer ciência. São detalhes que o livro consegue abordar de forma
satisfatória. A forma de organizar o capítulo também estimula o leitor a “reconstruir” pedaços
da evolução científica, como é feito com a lei de Gay-Lussac, quando o leitor é convidado a
fazer a eletrólise da água e comparar o seu resultado com os obtidos pelo cientista.
Na seção seguinte, após a discussão dos resultados obtidos, a autora expõe a
contradição existente entre as conclusões do experimento e o modelo proposto por Dalton, o
que serve de mote para a formulação do conceito de molécula. O livro continua nos capítulos
seguintes usando o modelo de Dalton ao abordar notações e fórmulas químicas e alotropia,
nos capítulos de 8 a 10. No capítulo 11, o primeiro da Unidade 3, a autora percorre a história
19

da eletricidade e suas diversas teorias até chegar a questões fundamentais como “o que são
prótons e elétrons e como se sabe que eles existem?” desenvolvidas em duas seções distintas,
através da explicação dos experimentos utilizando a ampola de Crookes, o tubo de raios
catódicos, idealizados por Thomson, Goldstein e o próprio Crookes. A autora termina o
capítulo conceituando íons, da mesma forma que fez ao apresentar a lei de Gay-Lussac;
propondo um experimento antes de desenvolver a seção. Esta seção termina com um box
falando sobre as controvérsias geradas pela tese de doutorado de Arrhenius, o que ajuda a
desmistificar um pouco a visão do senso comum sobre a ciência. Pois, em geral, pensa-se que
as novas teorias produzidas a partir de evidências mais precisas sobre determinado fenômeno
são prontamente aceitas pela comunidade científica, o que é um mito (McCOMAS, 1998). O
caso da tese de Arrhenius ajuda a quebrar esta visão ao expor as dificuldades pelas quais sua
teoria passou antes de ser aceita pela comunidade científica.
Na última seção do capítulo a autora aborda o tema radioatividade, subvertendo uma
prática tão comum quanto antiga dos currículos e livros didáticos de tratar o tema no final da
parte de físico-química, onde, diga-se de passagem, fica completamente avulso e sem sentido.
No capítulo 12, a autora parte para a exposição tradicional dos modelos atômicos de
Thomson, Rutherford (e o seu famoso experimento) e, antes de apresentar o modelo de Bohr,
enfoca determinados fundamentos da natureza da luz e, depois, da espectroscopia. Ao
apresentar a teoria dos quanta de Max Planck, é relembrada a dualidade partícula-onda,
deixando claro que a ciência ainda não explica satisfatoriamente esse efeito dual e por isso é
necessário utilizar as duas teorias.
O modelo mais refinado explicado no livro da autora é o de Bohr-Sommerfeld, na
seção 12.5. Nos capítulos 13 e 14 não há nenhuma menção ao modelo atômico mais moderno,
que leva em consideração a existência de orbitais. Para explicar a distribuição eletrônica, é
utilizado o diagrama de Pauling e a autora lança mão da equação de Rydberg para relacionar
os níveis de energia ao número máximo de elétrons por nível, sem aprofundar e refinar o
modelo de Bohr.

2.1.3 “Ser Protagonista Química”

Este livro de José Foschini Lisboa é novo dentro das opções do PNLEM e a sua
organização o aproxima mais dos livros didáticos de organização mais ortodoxa do que os
20

livros ditos mais “inovadores”. Na unidade 3, em que trata de modelos atômicos, que coincide
com o capítulo 7 (uma unidade de apenas um capítulo), o autor do livro, a exemplo das outras
unidades, inicia sugerindo questões para reflexão dos alunos, logo abaixo de uma imagem de
impacto (no caso da unidade 3, a imagem é a de um violão). São 4 questões gerais, que
procuram conduzir o aluno por uma reflexão científica a partir de temas corriqueiros e servem
como ponto de partida para abordar a estrutura da matéria em nível atômico.
O texto inicial do capítulo procura sintetizar a abordagem dada pelo livro ao tema,
contextualizando a importância de modelos atômicos com aspectos atuais da tecnologia,
ciência e sociedade, o que não configura, entretanto, a utilização da abordagem Ciência-
Tecnologia-Sociedade (Santos e Mortimer, 2002), mas apenas uma contextualização. O autor
então começa com uma abordagem histórica sobre os modelos atômicos, partindo das
primeiras ideias surgidas na Grécia com Leucipo e Demócrito, em uma passagem bem rápida
até chegar no primeiro grande modelo – o de Dalton. Na explicação deste modelo o autor traz
a representação utilizada por Dalton para os primeiros supostos elementos químicos e também
aborda isto de uma forma interessante, ressaltando principalmente o sucesso do modelo em
explicar evidências experimentais, como as lei ponderais no caso do modelo de Dalton. O
leitor é, então, conduzido por este raciocínio até a ruptura, quando surgem novas evidências
que não possíveis de serem explicadas com o modelo proposto por Dalton, como a condução
de corrente elétrica por metais e por certas soluções.
O autor, então, apresenta o tubo de raios catódicos de Crookes e os experimentos que
levaram Thomson a determinar a relação entre a carga e a massa das partículas que formavam
os raios catódicos. São apresentadas as conclusões e hipóteses de Thomson para construir o
seu modelo e ainda uma comparação entre os modelos de Thomson e de Dalton, mostrando de
que forma o primeiro explica as questões referentes à condutividade.
Na seção seguinte, o assunto é o modelo de Rutherford e o papel do famoso
experimento de Geiger e Marsden na identificação das partículas fundamentais do átomo.
Depois de uma representação esquemática do experimento e a explicitação dos resultados, o
autor discute quais as conclusões que poderiam ser tiradas daquele experimento. A descoberta
dos nêutrons é resumida em duas linhas. Daí em diante, são apresentados aos alunos diversos
conteúdos técnicos com definições e tabelas comparativas entre prótons, nêutrons e elétrons,
de íons e de número atômico, este último com a explicação do experimento de Moseley com
raios X, que comprovou que para elementos iguais, os números atômicos são iguais. Outros
21

conceitos como número de massa, isotopia, elemento, substâncias simples e compostas são
apresentados na sequência.
Na terceira seção do capítulo, o autor problematiza o modelo planetário de Rutherford,
já que este não explica a estabilidade do átomo. Conceitos básicos de óptica e espectroscopia
antecedem o texto sobre modelo de Rutherford-Bohr, onde são apresentados os postulados de
Bohr e um pequeno esquema resumindo estes postulados. Há ainda neste capítulo dois boxes
explicando os fenômenos da fosforescência e bioluminescência. Os últimos dois textos do
capítulo destinam-se a sistematizar o conhecimento sobre a distribuição eletrônica e não
apresentam o diagrama de Linus Pauling, limitando-se à distribuição por camadas / níveis de
energia.
Essa omissão, embora possa ser entendida por alguns como uma escolha equivocada
do autor, na verdade vai ao encontro de pesquisas no ensino de química que dão conta que
estes princípios da mecânica quântica que são apresentados no ensino médio forçam os alunos
a memorizar em vez de entender, trazendo reflexos negativos na curiosidade do aluno
(Shiland, 1995). Além disso, Shiland argumenta ainda que trata-se de uma teoria muito
abstrata e que pouco é utilizada ao longo dos conteúdos de ensino médio para explicar
fenômenos naturais. Quando é utilizada, não raro, poderia ser substituída por um modelo mais
simples. Ou seja, seu ensino traria mais malefícios do que benefícios.
Este livro, embora bastante tradicional e compacto em sua abordagem de modelos
atômicos, traz em alguns momentos alguma preocupação com a abordagem sobre a natureza
da ciência e o pensamento científico envolvido em alguns conceitos, mas não é algo muito
presente. Em linhas gerais, o livro se prende mais a uma lógica conteudista do que ao
desenvolvimento de competências e de uma lógica científica no aluno.

2.1.4 “Química”

O livro tem uma visão pedagógica bastante diferente do que estamos habituados nos
livros didáticos tradicionais e sugere que o professor trabalhe com a formação de grupos em
sala de aula, transferindo o centro do processo de ensino-aprendizagem do professor (comum
em aulas expositivas) para o aluno. Isso é bastante claro na organização dos capítulos, que
estão estruturados em atividades e textos que são respostas e expansão das ideias trabalhadas
nas atividades propostas.
22

Antes de abordar os modelos atômicos no capítulo 6, o livro dedica um capítulo inteiro


a construir modelos “de partículas” para explicar fenômenos do cotidiano e introduzir
conceitos sobre estados de agregação da matéria e mudanças de estado além de relacionar
estes modelos desenvolvidos no capítulo a temas abordados anteriormente como solubilidade,
densidade e pressão. Esta abordagem é a chave do capítulo seguinte, o qual o autor inicia
sintetizando ideias construídas ao longo capítulo 5. Um trecho da introdução do capítulo 6
sintetiza essa ideia:
Uma das principais conclusões a que chegamos é de que nunca devemos enxergar
um modelo como uma cópia da realidade. Um modelo é apenas uma representação,
uma aproximação do que ocorre na realidade. Ao mesmo tempo, cada modelo é útil
na explicação de certas propriedades e transformações que a realidade apresenta. Se
algumas transformações ou propriedades não puderem ser explicadas por um
modelo, ele deve ser substituído ou modificado. Isso não impede que ele continue
sendo usado nas situações mais simples. (MORTIMER & MACHADO, 2010)

Através dos textos, o leitor viaja através da história desde as primeiras concepções de
átomo, na Grécia antiga, até as ideias do modelo atual – sendo o único dos livros analisados a
abordar a dualidade partícula-onda, o princípio da incerteza e a noção de orbital. Conforme já
citado, um ponto positivo do livro é inserir no meio da abordagem histórica a sugestão de
experimentos que fazem com que os alunos possam aproximar-se mais, através da ação
concreta de realização dos experimentos, dos conceitos tratados teoricamente no capítulo. Um
bom exemplo disso é na transição da hipótese atômica de Dalton para o modelo de Thomson,
onde é sugerida uma experiência simples mas bastante interessante sobre a eletrização de
pequenos pedaços de papel, objetos de plástico e bastões de vidro. Sobretudo a forma
investigativa como se sugere a condução do experimento é muito rica. Como se observa em
outros livros, o tema radioatividade também foi colocado junto à seção que trata dos modelos
atômicos.
Em relação ao modelo de Thomson, o autor inova na analogia, substituindo a
famigerada comparação com o “pudim de passas” (“plum-pudding”, sobremesa típica do
Natal inglês) por uma analogia com o panetone que, embora não tenha origem brasileira, é
algo bastante difundido em nossas ceias natalinas. Lopes e Martins (2009) sinalizam para os
problemas da analogia com o “pudim de passas”, já que para que esta seja um objeto útil de
ensino é necessário que haja um conteúdo familiar aos alunos e outro desconhecido por eles e,
no caso do plum-pudding, tanto a sobremesa quanto o modelo que se pretende explicar são
desconhecidos pelo aluno. Portanto, a substituição da analogia clássica pela analogia com o
23

panetone é um acerto do livro. Entretanto, segundo análises da história do modelo de


Thomson feitas também por Lopes e Martins no mesmo artigo de 2009, tal analogia
amplamente difundida em todo o mundo para representar o modelo de Thomsom para o
átomo, na verdade, distancia-se bastante do modelo científico proposto em si. Porém, em
virtude de ser uma analogia amplamente difundida convém que ela seja substituída
gradualmente por uma metáfora mais aceitável ou mesmo por algum modelo de ensino não-
alegórico que se aproxime tanto quanto possível do modelo científico proposto por Thomson.

Figura 1: O pudim de passas inglês, ou "plum-pudding”


Fonte: http://whatscookingamerica.net/Cake/plumpuddingTips.htm (acessado em 31/01/2013)

Em ordem cronológica, o livro segue apresentando o modelo de Rutherford, com a


representação esquemática do clássico experimento conduzido por Geiger e Marsden, que
expôs as fragilidades do modelo de Thomson, até então amplamente aceito, e conduziu ao que
ficou conhecido como modelo planetário de Rutherford para o átomo, por analogia ao sistema
solar. Em seguida o autor continua tecendo algumas comparações no sentido de dar a ideia da
dimensão do núcleo em relação ao volume total do átomo, entre outras, e reitera o caminho de
evolução científico, quando explica que os modelos anteriores foram suficientes para explicar
alguns fenômenos naturais mas falharam em outros, o que suscitou novas dúvidas e novos
modelos mais completos como resposta.
No texto 7, logo após o modelo de Rutherford, o autor apresenta a tabela periódica e
seu desenvolvimento histórico até culminar no formato que utilizamos hoje em dia. No texto
8, o autor começa a problematizar o modelo de Rutherford e a aplicação da mecânica clássica
para explicar a estabilidade do átomo. O livro conta, numa perspectiva histórica, quais foram
as bases para o nascimento da mecânica quântica, porém, como o assunto envolve conceitos
da física como ondas, radiações, entre outros, os textos seguintes são dedicados à explicação
destes, com vistas à introdução do modelo de Bohr. A explicação dos conceitos é bastante
detalhada em alguns pontos e foge ao tradicional de livros de ensino médio, que é a
24

simplificação extrema de conceitos que são importantes no entendimento dos modelos


atômicos mais recentes.
Após isto, já no texto 11, é apresentado o modelo atômico de Bohr e são enunciados,
em um box à parte, os seus postulados, que explicam o espectro de emissão dos átomos e a
sua estabilidade. Este texto termina com uma interessante analogia com uma escada para
explicação da quantização da energia no átomo de Bohr. Como desdobramento do modelo
atômico de Bohr, o livro propõe três atividades: uma de introdução aos íons, outra que
consiste num trabalho com uma tabela de energias de ionização e uma terceira que propõe
exercícios com gráficos e tabelas sobre a variação de energia de ionização e raio atômico na
tabela periódica.
O texto 13, já encaminhando-se para o final do capítulo, dedica-se a explicar o modelo
atual, com os diversos conceitos envolvidos – como a dualidade partícula-onda, o princípio da
incerteza e os orbitais atômicos. Cabe destacar que este é o único dos livros de ensino médio a
abordar o modelo atômico atual. É interessante notar também que o livro não se furta a
explicar os conceitos básicos da mecânica quântica, evitando a simplificação excessiva. É
evidente que a própria organização do livro em textos e atividades faculta ao professor, como
mediador do processo, a escolher os textos mais adequados ou a forma de trabalhar com esses
textos dependendo do público-alvo. Deste gancho do texto 13, é iniciado o texto 14 que se
dedica a abordar os números quânticos, quebrando um antigo paradoxo dos livros de química
que era ensinar os números quânticos sem sequer mencionar o modelo atual, como se estes
número se referissem ao modelo de Bohr. O restante do capítulo é dedicado a explicar a
organização da tabela periódica e suas propriedades, o que não será comentado neste capítulo,
já que nosso objetivo é analisar a questão dos modelos atômicos.
Embora seja um livro inovador, bem escrito e que traz a carga de bagagem da pesquisa
em ensino de química dos seus autores em cada texto e cada capítulo, certamente encontrará
barreiras na implementação da sua proposição pedagógica, levando em consideração nosso
sistema educacional, com salas de aula superlotadas e com diversos problemas estruturais e
conjunturais. No que diz respeito à abordagem dos modelos atômicos, o livro possui
qualidades evidentes, como a constante preocupação com os aspectos históricos das teorias e
o fato de trazer o modelo atômico mais recente.
25

2.1.5 “Química Cidadã”

O capítulo 5 do primeiro volume do livro Química Cidadã, que trata sobre modelos
atômicos, inicia com um tema recorrente em nosso dia a dia: o papel da camada de ozônio e a
sua destruição por conta da utilização de CFC em produtos do nosso dia a dia como
desodorantes. O texto traz uma variada gama de informações e propõe um debate e um estudo
dirigido no final deste texto introdutório ao capítulo. Essa contextualização social da química
antes da introdução de conceitos e teorias científicas é encontrada em todos os capítulos e
deve ajudar na motivação do estudo dos conceitos químicos.
Depois desta introdução, a seção 1 do capítulo é dedicada à abordagem conceitual de
modelos e teorias. É proposta uma atividade para ajudar na compreensão do tema: em grupos,
os alunos são convidados e embalar uma caixa com um objeto qualquer dentro e entregá-la a
outro grupo para que adivinhem o que há dentro da caixa, enquanto tentam também adivinhar
o que há na caixa lacrada do outro grupo. A atividade ajuda a tornar mais concreto o trabalho
de criação de modelos científicos, que consiste em criar modelos de realidades inacessíveis
(como o átomo) através de determinadas caraterísticas e evidências acessíveis. Em uma
linguagem acessível, o autor traz a ideia de construção do conhecimento científico:
O estudo da constituição da matéria para a ciência é como a atividade que acabamos
de realizar, ou seja, os cientistas observam, estudam, levantam hipóteses para
explicar, imaginam e realizam experimentos. Depois analisam dados e verificam se
as suas hipóteses são plausíveis e se estão de acordo com o esperado. Se estiverem,
então eles passam a ter evidências de que aquela hipótese inicialmente levantada
pode estar correta. Sendo aceita pela comunidade científica, essa hipótese se
transforma em uma nova teoria científica. (SANTOS e MOL, 2010)

As seções seguintes são dedicadas à abordagem cronológica dos principais modelos


atômicos, começando por Dalton. Nas seções 2 e 3, sobre os modelos de Dalton e Thomson, a
gênese das ideias é abordada de uma forma histórica, relacionando-as ao surgimento do
pensamento científico, na Grécia antiga. Destaca-se também a contribuição de outros
importantes cientistas da época na consolidação de determinados aspectos como a natureza
elétrica da matéria (Faraday, 1791-1867) e o próprio nome “elétron” (Stoney, 1826-1911),
além da determinação da carga do elétron (Millikan, 1868-1953) e dos estudos com o tubo de
raios catódicos (Crookes, 1832-1919), ajudando a reforçar a ciência como construção
coletiva. Assim como no livro de Mortimer e Machado, os autores preferem a utilização da
analogia do panetone para explicar o modelo atômico de Thomson. Já na seção 4, sobre o
26

modelo de Rutherford, inicia-se com uma introdução à radioatividade, mostrando o percurso


histórico desde a descoberta dos Raios X até outros tipos de radiação como α e β. Depois de
apresentar esta parte do conteúdo, o livro apresenta o experimento clássico de Geiger e
Marsden, com os respectivos resultados e discussão sobre estes resultados. Ainda nesta seção
há um interessante box com a bibliografia do cientista.
Depois da abordagem clássica do modelo atômico de Rutherford, os autores dão
algumas definições como a de elemento químico, número atômico, isótopos, entre outras. A
seção “tema em foco” que vem logo após isso, trata do funcionamento do mercado de créditos
de carbono, mostrando novamente a posição inovadora do livro, ao tratar concomitantemente
conteúdos técnicos e temas atuais do cotidiano.
Na seção seguinte, a de numero 6, o livro dedica-se a explicar algumas noções de
espectroscopia e o modelo de Bohr. Vale observar que, ao contrário dos demais livros, não há
uma ênfase nos postulados de Bohr. O modelo é explicado naturalmente no decorrer do texto
da seção. Na última seção do capítulo, é abordado o modelo quântico e configuração
eletrônica, trazendo inclusive as superfícies de contorno dos orbitais s e p, até chegar ao
diagrama de Linus Pauling para distribuição eletrônica.
Este livro pode ser considerado, portanto, um meio-termo entre os livros mais
tradicionais e os mais inovadores pois, ao mesmo tempo que traz uma forma diferente de
abordagem, mais contextualizada e preocupada com a aplicação direta dos conceitos
apresentados, a obra não abandona alguns aspectos de livros tradicionais do ensino médio.

2.2 Considerações sobre a abordagem de modelos atômicos nos


livros analisados

Conforme podemos perceber na análise dos cinco livros, eles possuem perfis e
filosofias de ensino diferentes. Alguns ainda mantêm o foco do ensino nos conteúdos por si só
enquanto outros livros procuram discutir problemas atuais utilizando conteúdos de química.
Um exemplo de livro que aborda problemas cotidianos da sociedade sob o espectro do
conhecimento químico é o “Química Cidadã” de Santos e Mól. O que o difere dos demais é
que ele coloca as questões sobre a química na sociedade em um plano de igual importância
em relação aos conteúdos puramente químicos. Essa tendência, que é o cerne da abordagem
CTS, começa a ser adotada também por outros livros de química de ensino médio, como pode
27

ser visto na coleção da autora Martha Reis, bem mais difundida e tradicional que o livro do
grupo de pesquisa da UnB. Segundo Santos e Mortimer (2002), a abordagem CTS pode ser
definida como:
Segundo HOFSTEIN, AIKENHEAD e RIQUARTS (1988: 358), CTS pode ser
caracterizado como o ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu
meio tecnológico e social, no qual os estudantes integram o conhecimento científico
com a tecnologia e o mundo social de suas experiências do dia-a-dia. A proposta
curricular de CTS corresponderia, portanto, a uma integração entre educação
científica, tecnológica e social, em que os conteúdos científicos e tecnológicos são
estudados juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e
sócio-econômicos (LÓPEZ e CEREZO, 1996).

É uma surpresa positiva que os autores de livros didáticos envidem esforços para
contextualizar mesmo um tema tão abstrato quanto modelos atômicos.
O livro “Química”, de Mortimer e Machado, traz como principal destaque a sugestão
de abordagem diferenciada, com alunos organizando-se em grupos menores e tendo em seu
layout basicamente textos e atividades experimentais, em vez de mapas conceituais, esquemas
e resumos, que são a base de livros como o de Foschini Lisboa e Peruzzo e Canto. A
experiência dos autores na área de ensino de química certamente faz diferença quando da
abordagem de conceitos abstratos como os modelos atômicos. Certas analogias impróprias
como a do pudim de passas para o modelo de Thomsom foram substituídas por outras mais
adequadas (o que também foi verificado em “Química Cidadã”) e os autores desta coleção
têm uma preocupação especial com a definição (por meio de exemplos e da aplicação destes
exemplos) de modelo científico, evidenciando um cuidado com a abordagem da natureza da
ciência no ensino médio e contribuindo para a promoção de uma verdadeira alfabetização
científica.
Algo que é comum a todos os livros-texto analisados é que, em algum momento, eles
dedicaram ao menos algumas linhas para a definição de modelo científico. Tomando como
parâmetro a definição de Ferreira e Justi (2008) abaixo comparamos as definições para
modelo científico apresentadas em cada um dos livros analisados.
Um modelo pode ser definido como uma representação parcial de um objeto, evento,
processo ou ideia, que é produzida com propósitos específicos como, por exemplo,
facilitar a visualização; fundamentar elaboração e teste de novas ideias; e possibilitar
a elaboração de explicações e previsões sobre comportamentos e propriedades do
sistema modelado (Gilbert e Boulter, 1995). Assim, um modelo não é uma cópia da
realidade, muito menos a verdade em si, mas uma forma de representá-la originada a
partir de interpretações pessoais desta.

À exceção do livro de Foschini Lisboa, em que há apenas um parágrafo pequeno


28

dedicado a esta discussão sobre o modelo científico, que embora inicie um caminho coerente
com a literatura, traz uma definição incompleta, todos os demais livros trazem definições
coerentes com a literatura e, em alguns casos, até bastante completas. É importante ressaltar
que estas definições foram procuradas nos capítulos que tratavam de modelos atômicos (ou
capítulos adjacentes) pois, ao nosso ver, é o assunto da química onde o contato com esta
faceta da natureza da ciência é mais crítico para o sucesso na aprendizagem dos conceitos
relacionados a modelos atômicos. Cabe observar que o livro “Química” de Machado e
Mortimer, possui um capítulo dedicado exclusivamente a construção de modelos para explicar
fenômenos naturais estudados em capítulos iniciais, de forma que não há uma seção apenas
em que este conceito é explorado.
Abaixo seguem extratos dos cinco livros, onde foram encontradas as suas definições
de modelo científico:

A) Química na abordagem do Cotidiano, p.79


Em Química, a ideia de modelo é muito importante. Modelo, de um modo
bem simples, consiste na maneira como imaginamos que é algo a que não temos
acesso direto.
Se vamos comprar um melão, por exemplo, não podemos abrir todos os que
estão à venda para decidir qual está melhor. Observando o aspecto externo,
apalpando e dando batidinhas, é possível escolher uma que esteja em boas condições
(desde que tenhamos, obviamente, um pouco de experiência na compra de melões).
Ao proceder dessa forma estamos criando um modelo ao imaginar em que condições
está o interior de uma fruta, sem tê-lo visto.
De forma análoga, os químicos dispõem, desde o início do século XIX, de
evidências sobre a existência de átomos. O modelo atômico de Dalton (isto é, a
concepção de Dalton a respeito do átomo), que estudamos no capítulo anterior, foi
muito útil no desenvolvimento da Química.
No entanto, à medida que novas evidências surgem, teorias e modelos têm,
muitas vezes, de ser aperfeiçoados ou substituídos por outros. E foi isso que
aconteceu com a Teoria de Dalton e com o seu modelo.
Átomos são muito pequenos para serem vistos até nos melhores microscópios
convencionais. Isso sempre dificultou o estudo da sua estrutura, que deve ser feito
por meio de evidências indiretas e, às vezes, bastante complexas. […]

B) Química – Meio Ambiente – Cidadania – Tecnologia, p. 197-198


O que é um modelo?
O modelo é uma imagem mental que o cientista utiliza para explicar uma
teoria a respeito de um fenômeno que não pode ser observado diretamente. Os
modelos ilustram a teoria, mas não possuem necessariamente uma existência física
real.
Por exemplo, John Dalton elaborou uma teoria de que a matéria é constituída
de átomos (partículas maciças [sic] e indivisíveis). Como não é possível ver os
átomos, Dalton criou modelos para ilustrá-los. A teoria e os modelos de Dalton
foram usados para explicar as leis ponderais.
Mais tarde, com estudos mais detalhados sobre o fenômeno da eletricidade e
29

com a descoberta da radioatividade (fenômeno em que o átomo pôde ser dividido),


surgiu a necessidade de se criar um outro modelo atômico compatível com esses
novos conhecimentos.
Atualmente os conhecimentos novos já são tantos que não temos mais um
único modelo capaz de explicar todos os fenômenos ao mesmo tempo. O que
fazemos então? Utilizamos um modelo adequado para cada fenômeno particular que
queremos estudar ou explicar.
Você já ouviu falar, por exemplo, no comportamento dualístico onda-
partícula do elétron? Pois bem, não existe um modelo que explique ao mesmo tempo
esses dois comportamentos. Assim, dependendo do que queremos estudar ou
explicar, adotamos um modelo diferente.
Isso significa dizer inclusive que, se não estivermos trabalhando
especificamente com fenômenos como eletricidade e radioatividade, podemos
utilizar o modelo de Dalton, pois ele é muito bom para explicar certos fenômenos,
como as reações químicas, por exemplo.
Portanto, desde que não entre em conflito com outros fenômenos ou
experimentos conhecidos, um modelo não precisa ser descartado, se ele for
adequado para explicar um fenômeno específico.
O importante é não confundir o modelo com a entidade física que ele
representa. O modelo do átomo não é o átomo, certo? […]

C) Ser Protagonista Química, p. 111


Um modelo científico é uma representação da natureza, uma imagem
construída, que permite a compreensão de alguns fenômenos. Quando adequado,
permite previsões acerca dos fenômenos estudados e torna possível a melhor
compreensão da natureza.
Por outro lado, quando um modelo não é capaz de explicar adequadamente
determinado(s) fenômeno(s), sua reformulação torna-se necessária. Isso é
claramente observado nos modelos propostos para representar propriedades e
características da matéria, denominados modelos atômicos, os quais, ao longo da
História, sofreram modificações.

D) Química, p. 136
No capítulo 5, construímos o modelo de partículas para explicar as
propriedade de sólidos, líquidos e gases, Esse modelo, pode ser designado,
genericamente, com um modelo atomista.
O modelo de partículas que construímos é limitado e não explica muitas
propriedades que os materiais apresentam. A condutividade elétrica de materiais
como metais e soluções, por exemplo, não pode ser explicada recorrendo-se apenas
à ideia de que a matérias seja constituída por partículas e espaços vazios. Serão
necessários modelos mais sofisticados para a explicação dessa e de outras
propriedades. Nosso modelo, no entanto, revelou-se útil na explicação dos estados
físicos dos materiais, e ao mesmo tempo nos ensinou a respeito da própria noção de
modelo.
Uma das principais conclusões a que chegamos é de que nunca devemos
enxergar um modelo como uma cópia da realidade. Um modelo é apenas uma
representação, uma aproximação do que ocorre na realidade. Ao mesmo tempo, cada
modelo é util na explicação de certas propriedades e transformações que a realidade
apresenta. Se algumas transformações ou propriedades não puderem ser explicadas
por um modelo, ele deve ser substituído ou modificado. Isso não impede que ele
continue sendo usado nas situações mais simples.
Até agora, não empregamos a palavra átomo porque na ciência moderna esse
termo tem um sentido preciso. Já a palavra partícula, que estamos empregando, é
mais genérica e pode ser aplicada a toda uma classe de corpos submicroscópicos,
inclusive aos próprios átomos. Ao continuarmos nosso curso de Química,
30

aprenderemos a aplicar esse temos com mais precisão.

E) Química Cidadã, p. 174-175


[…] Na tentativa de explicar o mundo que nos rodeia, os cientistas
elaboraram modelos. O uso desses permite compreender processos químicos
envolvidos na destruição da camada de ozônio, entre outros processos da poluição
atmosférica. Antes de estudar os modelos usados na Química, vamos entender o que
vem a ser um modelo científico. Para isso comecemos realizando uma atividade.
(Aqui é sugerida a atividade descrita na seção 2.1.5)
Como foi possível observar, os modelos não correspondem à forma real dos
objetos. Eles se aproximam dela à medida que são aperfeiçoados. Mas como
reconheecemos se um modelo está próximo da realidade?
No caso desse experimento, é possível abrir a caixa e comparar o que há
dentro com o modelo proposto. Em muitos casos com os quais as Ciências
trabalham, o objeto de estudo está em “caixas” que não podem ser abertas.
O estudo da constituição da matérias para a Ciência é como a atividade que
acabamos de realizar, ou seja, os cientistas observam, estudam, levantam hipóteses
para explicar, imaginam e realizam experimentos. Depois analisam dados e
verificam se as suas hipóteses são plausíveis e estão de acordo com o esperado. Se
estiverem, então eles passam a ter evidências de que aquela hipótese inicialmente
levantada pode estar correta. Sendo aceita pela comunidade científica, essa hipótese
se transforma em uma nova teoria científica.
Algumas vezes, há mais de uma teoria que consegue explicar o objeto de
estudo e que foi testada experimentalmente ou aceita por evidências teóricas. As
teorias são, na verdade, modelos explicativos, como os elaborados para os objetos
dentro das caixas. Sendo teorias ou modelos, eles vão corresponder, em maior ou
menor grau, à realidade. Algumas teorias não podem ser testadas
experimentalmente, mas muitas vezes são aceitas pela sua consistência teórica. […]

Os livros de Peruzzo e Canto e Foschini Lisboa não fazem uso das possibilidades de
exploração destas definições de modelos científicos pois limitam-se a apresentar os diversos
modelos atômicos de forma cronológica, sucinta e apenas ressaltando os principais aspectos
de cada uma das teorias.
O livro de Fonseca apresenta os modelos atômicos na medida em que eles são
necessários para explicar algum fenômeno natural, fazendo excelente uso do seu próprio
discurso, quando diz que “desde que não entre em conflito com outros fenômenos ou
experimentos conhecidos, um modelo não precisa ser descartado, se ele for adequado para
explicar um fenômeno específico”. Esta forma de apresentação do conteúdo exemplifica e
fortalece o método de construção da ciência.
Mortimer e Machado têm o seu mérito ao dedicar um capítulo inteiro apenas à
construção de modelos científicos para fenômenos naturais, promovendo na prática uma
sólida alfabetização científica ao lidar diretamente com um exemplo de construção do
conhecimento científico.
Por último, Santos e Mól trazem uma sugestão de atividade que certamente é bastante
31

ilustrativa e vai direto ao ponto. A abordagem dos modelos atômicos ainda segue uma linha
mais ou menos tradicional, mas já corrige alguns equívocos de outras publicações que, por
exemplo, tentam explicar o experimento de Rutherford sem ter apresentado nenhuma noção
de radioatividade.
O quadro a seguir resume a avaliação sobre as definições de “modelo científico” explícitas em
cada livro:

Tabela 2 – “Definições de Modelo Científico”


Nome do Livro Avaliação
Química na abordagem do Cotidiano, Vol. 1 Coerente com a literatura
Quimica – Meio Ambiente – Cidadania – Tecnologia, Vol. 1 Coerente com a literatura
Ser Protagonista Química, Vol. 1 Coerente, mas incompleto
Química, Vol. 1 Coerente com a literatura
Química Cidadã, Vol. 1 Coerente com a literatura
32

3 O MODELO DE DALTON E SUAS POSSIBILIDADES DE EXPLORAÇÃO NO


ENSINO MÉDIO

O modelo atômico proposto por Dalton, conhecido simplificadamente no ensino


médio como o “modelo das bolas de bilhar” representou um grande avanço e suscitou grandes
discussões e controvérsias na época de sua proposição. O debate instaurado entre figuras
iminentes na época era em torno da dicotomia entre a matéria como ente discreto ou contínuo.
Muitos cientistas como Gay-Lussac e Ostwald não comungavam das ideias atomistas e outros
como Jean Dumas, um influente químico francês, chegaram a declarar: “[eu] apagaria a
palavra átomo da ciência, persuadido que ele vai mais longe que a experiência; e na química
nunca devemos ir mais longe que a experiência”. (OKI, 2009). Esta declaração ilustra bem o
momento de quebra de paradigmas (no sentido de Thomas Kuhn) que estava sendo vivido
naquele momento. Todas estas questões constituem uma rica possibilidade de abordagem no
ensino médio, que promova um processo ensino-aprendizagem a partir de perguntas, de
reflexões e não de certezas e verdades inquestionáveis.

3.1 As controvérsias em torno do modelo de Dalton

Conforme Braga, Guerra e Reis (2012), a história da ciência está cheia de exemplos
em que as teorias de dois ou mais cientistas sobre um mesmo experimento divergem
completamente. Essas controvérsias podem fornecer um rico arcabouço para o entendimento
do desenvolvimento da ciência e mesmo para o ensino de ciências em nível médio. Ainda
segundo Braga, uma análise dos currículos e livros didáticos traz à tona o fato de praticamente
não haverem controvérsias explícitas nestes (percepção que endossamos com a nossa análise
dos livros didáticos do PNLEM 2012), muito embora elas estejam fortemente presentes na
evolução da ciência. Segundo o autor (tradução e grifos nossos):
“Comte (1978) used to say that the best way to introduce a youth to the
fundamentals of science is by making him/her think such knowledge had been
elaborated by a single mind. Controversies could trigger doubt in the learning
process […] This option [pela filososofia de ensino de Comte] should be rejected if
the aim is a broader education where concepts are introduced together with science
being a human construction. Controversies tend to demolish beliefs that were built
on top of discovered knowledge in the benefit of constructed knowledge.
Discoveries are unquestionable truths. Constructions are temporal truths and
can be changed throughout time.” (BRAGA; GUERRA; REIS; 2012)
33

Neste sentido, a história e a filosofia da ciência (HFC) podem ser extremamente úteis
em um ensino de ciências diferente, que seja apresentado mais como um modo de enxergar e
pensar o mundo do que como um amontoado de conhecimentos acumulados através dos
tempos. Conforme aponta Matthews (1995): “A ciência é uma das maiores conquistas da
cultura humana. Portanto, o ensino de ciências [...] deveria comunicar 'mais sobre o espírito e
menos sobre o vale dos ossos secos' dessa conquista.”
Isso posto, voltamos ao início do século XIX, para a revolução científica que estava
ocorrendo naquele momento. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a historiografia científica
da época não está completa pois muitos documentos foram destruídos durante a segunda
guerra mundial. O próprio Dalton apresentou versões contraditórias para a trajetória que
originou sua teoria e houve alterações entre a apresentação pública e a publicação dos
documentos de sua teoria (OKI, 2009).
Dalton iniciou a sua carreira acadêmica estudando a atmosfera, algo correlacionado
aos seus grandes interesses, que eram meteorologia e física do estado gasoso. Ainda nesta
última área, Dalton resolveu investigar a dissolução de gases na água. Depois de diversos
experimentos, ele acreditava que a absorção de gases na água era um processo físico, não
envolvendo afinidade química e que dependia dos pesos relativos das partículas que
formavam cada gás, a que ele chamava de “partícula última dos corpos”. (naquela época,
termos como partícula, corpúsculo e molécula eram preferidos em relação à palavra átomo)
(OKI, 2009).
Uma das inovações de Dalton na explicação do experimento de dissolução de gases
em água foi adotar alguns pressupostos, como a “regra da simplicidade”: existindo um único
tipo de composto formado por dois elementos diferentes, este seria binário (um átomo de cada
elemento) em virtude da estabilidade mecânica ser maior para um menor número de átomos
na molécula. Outros compostos que envolvessem os mesmos elementos seriam combinados
em proporções distintas, com números inteiros e pequenos como 1:2 e 1:3. Dalton pensava
ainda que os átomos, ou “as últimas partículas”, que eram a menor porção de matéria que
ainda preservava suas propriedades, tinham forma esférica e pesos diferentes, dependendo do
elemento em questão. O cientista inglês levava em consideração a teoria do calórico, que era
concebida como um fluido bastante rarefeito e capaz de penetrar ou escapar de todo lugar do
espaço. Para ele, cada átomo estaria envolvido nesta atmosfera de calórico. John Dalton
contribuiu ainda com um novo simbolismo para a representação das substâncias químicas,
34

utilizando círculos, traços e pontos. (OKI, 2009).


A teoria de Dalton recebeu diversas críticas, muitas de natureza experimental, embora
estas contra-provas experimentais fossem misturadas com hipóteses auxiliares ou injunções
epistemológicas e metodológicas ocasionais contra “entidades que não podiam ser vistas”.
(NYE, 1975).
Respeitados cientistas da época procuraram realizar experimentos que refutassem as
ideias de Dalton, que se difundiram rapidamente no meio científico da época. Berzelius, por
exemplo, adotou as leis empíricas de Dalton para desenvolver um simbolismo alfabético para
representar os átomos elementares, mas demonstrava insatisfação com as ideias básicas de
Dalton sobre as formas geométricas do átomo, que ele classificava como imaginativas e
fantasiosas. Já as objeções experimentais assentavam-se em sua própria teoria de
combinações e reações: como dois hidrogênios carregados positivamente ou dois átomos de
cloro carregados negativamente poderiam estar em contato para formar a partícula de gás
hidrogênio ou gás cloro? (OKI, 2009)
Jean Dumas utilizou as hipóteses de Dalton e Avogadro para calcular pesos atômicos
através da análise da densidade dos vapores, utilizando uma hipótese auxiliar de que todos os
gases elementares seriam formados por 2 metades, separáveis através de uma reação química.
Tendo achado discrepâncias para o mercúrio (Hg), enxofre (S6) e fósforo (P4), Dumas
começou a desacreditar da hipótese atômica. Dumas também tentou demonstrar, com a ajuda
da química analítica, que o peso atômico eram múltiplos da massa do hidrogênio. Conforme
ele convenceu-se da impossibilidade de determinar os números reais de átomos envolvidos
em reações ou de obter outros dados empíricos a partir da hipótese atômica, Dumas deixou
clara a sua visão anti-atomista a partir de então. Para ele, deveria-se apagar a palavra “átomo”
da ciência, uma vez que “vai além da experiência e, em química, nunca devemos ir além da
experiência” (NYE, 1975).
O químico francês Louis J. Gay-Lussac apresentou à comunidade científica, em 1809,
sua lei de proporções nas combinações entre gases. Ele observou que na combinação entre os
gases havia uma regularidade, de forma que eles combinavam entre si em proporções simples,
de 1:1, 1:2 ou 1:3, no máximo. Entretanto, por não compartilhar das ideias de Dalton e por ter
uma formação mais tradicional e empirista, Gay-Lussac não interpretou seu experimento a
partir da hipótese atômica de Dalton, embora haja uma latente semelhança entre as duas (OKI,
2009).
35

Em 1811, Amedeo Avogadro de Quarenga, um cientista italiano, formulou duas


hipóteses que uniam os trabalhos de Dalton e Gay-Lussac, procurando conciliar as duas
ideias: ele questionou a possibilidade de interpretar o experimento de Gay-Lussac utilizando
as ideias de Dalton. Tendo usado preferencialmente o termo molécula em vez de átomo,
Avogadro formulou sua primeira hipótese:
“A primeira hipótese que se apresenta a esse respeito, e que parece mesmo a
única admissível, é supor que o número de moléculas integrantes num gás qualquer
é sempre o mesmo a volumes iguais, ou é sempre proporcional aos volumes[...]”
(AVOGADRO, 1811 apud OKI, 2009).

A segunda hipótese tratava da possibilidade de substâncias simples serem formadas


por moléculas poliatômicas.
“[...] Mas um meio de explicar fatos deste tipo, em conformidade com a
nossa hipótese se apresenta de modo bastante natural. A saber, vamos supor quer as
moléculas constituintes de qualquer gás simples não são formadas de uma molécula
elementar solitária, mas são feitas de um certo número dessas moléculas
elementares, unidas por atração para formar uma molécula única. E mais, supomos
também que, quando moléculas dessas substâncias vão se combinar com moléculas
de uma outra, para formar a molécula de um composto, a molécula integral que se
deveria formar quebra em duas ou mais partes... compostas da metade ou da quarta
parte, etc..., do número de moléculas elementares que formavam a molécula
constituinte da segunda substância. Assim sendo, o número de moléculas integrais
do composto se torna o dobro ou o quádruplo, etc... do que seria, caso houvesse a
quebra da molécula integral e passa a ser exatamente o número que é necessário para
satisfazer o volume do gás resultante.” (AVOGADRO, 1811 apud OKI, 2009).

A hipótese de Avogadro só depois, em 1860, foi reconhecida. Certamente um


reconhecimento tardio. Rocke (1978 apud OKI, 2009) acreditava que os conflitos sobre o
atomismo não aconteceram em virtude de divergências envolvendo aspectos metafísicos ou
científicos, mas da falta de uma definição precisa de certos termos, que foi justamente a
contribuição de Avogadro, ao desambiguar os termos “átomo” e “molécula”, o que nos leva a
crer que um reconhecimento imediato das ideias de Avogadro no meio científico teria levado
a um desenvolvimento mais rápido do atomismo.
No âmbito deste debate, outros pontos de vista surgiram e se opuseram, de certa
forma, ao atomismo de Dalton, como, por exemplo, o equivalentismo e o energeticismo. A
controvérsia foi resolvida apenas com o trabalho de Jean Perrin, que foi um importante Físico-
Químico da Universidade de Paris. O objetivo do trabalho de Perrin foi determinar
experimentalmente por um método confiável o número de Avogadro; a formatação do
experimento partiu do movimento browniano, que ainda não estava completamente elucidado
no início do século XX. Em especial, a ideia de que este movimento seria ocasionado por
36

colisões moleculares ainda não encontrava suporte experimental e mesmo teórico. Neste
contexto, de 1905 a 1912, depois, portanto, da brilhante contribuição de Einstein para a
elucidação teórica do movimento browniano (SALINAS, 2005), Perrin realizou diversos
experimentos em que estudava a distribuição vertical de partículas coloidais depois que elas
alcançavam o equilíbrio, o deslocamento translacional das partículas e a rotação das
partículas. Estes experimentos foram feitos com muita precisão e Perrin utilizou a teoria
cinética dos gases para determinar os valores obtidos para as diversas condições
experimentais testadas, de modo que os treze valores do número de Avogadro encontrados nos
experimentos de Perrin eram convergentes e estavam compreendidos entre 6,0 x 10²³ e 7,5 x
10²³ (OKI, 2009). Colocando-se sobre o seu trabalho no livro “Les Atomes” e em defesa do
atomismo, Perrin comenta:
“Penso, ele diz, que é impossível a um espírito livre de todo preconceito, de
refletir sobre a extrema diversidade dos fenômenos que convergem dessa maneira
para o mesmo resultado, sem ficar impressionado, e acho que, por consequência,
será difícil defender com argumentos racionais, uma posição hostil em relação às
hipóteses moleculares.” (OKI, 2009)

As ideias de Perrin promoveram a ampla aceitação da comunidade científica e


puseram fim à dicotomia atomistas versus anti-atomistas. “A teoria atômica triunfou”,
declarou Ostwald (OKI, 2009), um eminente cientista de visão anti-atomista.
Este breve relato do percurso histórico da aceitação da realidade atômica no meio
científico deixa claro uma revolução científica que estava ocorrendo na época, no sentido
atribuído por Thomas Khun à expressão. Para este importante filósofo, um paradigma
científico é o conjunto de “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante
algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes
de uma ciência.” (KHUN, 1995 apud OKI, 2004). Para Khun, a ciência vive períodos de
relativa tranquilidade no meio científico, onde progride basicamente através do acúmulo de
conhecimentos, o que ele classifica como “ciência normal”. Entretanto, vão-se acumulando
determinados fatos científicos que não podem ser explicados com as teorias existentes durante
o período de ciência normal, e então, essas anomalias e dificuldades em explicar determinados
fenômenos com o conhecimento acumulado até então podem gerar uma crise e fomentar um
período de “ciência revolucionária”, no qual o conhecimento científico avança rapidamente e
acaba causando uma quebra, uma ruptura do paradigma vigente até então.
O trabalho de John Dalton possui características que permitem classificá-lo como um
trabalho revolucionário no sentido “kuhniano”: em primeiro lugar, ele redefine o papel das
37

hipóteses na ciência, possibilitando o avanço desta e dando um passo além do que o


empirismo – que era característica marcante do paradigma vigente até então – permitia ir.
Além disso, a própria existência de uma forte controvérsia em torno da nova teoria de Dalton,
é característica, segundo Kuhn, das revoluções científicas. Sobretudo esta, que perdurou por
tanto tempo.
Evidentemente que a química, enquanto produção da cultura humana, está sujeita a
ação de fatores externos e não poderia ser diferente neste episódio. Seria um erro isolar a
revolução científica ocorrida na química ignorando a profunda mudança que, por exemplo, a
física vinha sofrendo concomitantemente. Acreditamos que seja mais razoável classificar os
trabalhos de Dalton sobre o atomismo como parte de um processo maior de ruptura que se
desenhava nas ciências físicas e químicas no final do século XIX e que teve seu ápice no
início do século XX, com os experimentos de Perrin e os trabalhos de Einstein, que
promoveram uma transição do mundo contínuo para o mundo discreto, quântico. É claro
também que esta observação não diminui a importância dos trabalhos de Dalton para a
evolução e consolidação da química enquanto ciência autônoma, mas há que se observar,
também, o contexto mais amplo (e a revolução mais ampla) em que essa ruptura de
paradigmas estava inserida.

3.2 Possibilidades de exploração das controvérsias do modelo


atômico de Dalton no Ensino Médio

Através da análise dos livros didáticos do ensino médio pôde-se perceber que a
história e filosofia da ciência raramente são utilizadas como eixo condutor de um capítulo, em
que pese o “colorido” que este tema pode fornecer à abordagem de temas tão abstratos como
os modelos atômicos.
O trabalho de Braga et al. (2012) nos aponta uma possibilidade de inserção da história
e filosofia da ciência nas aulas de física. Um modelo análogo poderia ser pensado para a
química, com o desenvolvimento de um projeto onde os alunos pudessem ver, através da
história da química, o seu desenvolvimento, a ascensão de uma corrente de pensamento e a
decadência de outra, as disputas ocorridas no período de transição e sua inserção no contexto
histórico. Abordar a química, em específico o desenvolvimento dos modelos atômicos, por
esta faceta ajuda a expor de forma mais convincente e lógica para o aluno quais foram os
38

argumentos, experimentos e fatos científicos que possibilitaram o triunfo de uma teoria sobre
a outra, o que certamente é mais interessante do que o atual modelo de ensino, que é calcado
na fria apresentação de definições objetivas relacionadas com determinados cientistas,
conforme ainda podemos perceber em alguns dos livros didáticos do PNLEM 2012.
Essa perspectiva de ensino vai ao encontro também da inserção de noções de natureza
da ciência em currículos de ensino básico, defendida por muitos pesquisadores em ensino de
ciências (PRAIA et. al, 2007). As pesquisas na área dão conta de que, atualmente, o ensino
transmite visões da ciência que se afastam notoriamente da forma como se constroem e
evoluem os conhecimentos científicos (FERNANDEZ et al, 2002, apud PRAIA, 2007), que
acabam por se converter em obstáculo a aprendizagem das ciências e repercutem
negativamente na compreensão das relações existentes entre a ciência, a tecnologia e a
sociedade.
Portanto, o ensino do modelo de Dalton através de suas controvérsias históricas e
filosóficas traduz-se num importante modo de abordar este problema. É um representativo
estudo de caso que permite abordar todas estas questões acerca do conhecimento científico.
Além disso, seguindo ainda o modelo de projeto desenvolvido por Braga, Guerra e Reis
(2012), os próprios artefatos utilizados neste processo de ensino-aprendizagem, como debates,
leitura de textos e aos quais poderíamos incluir atividades em grupo e atividades
experimentais, ajudariam no desenvolvimento de conteúdos não apenas técnicos, mas também
atitudinais e procedimentais, promovendo uma educação científica mais completa e
rompendo os muros da lista de definições e conteúdos memorizados que costuma ser o ensino
de modelos atômicos.
A escolha do modelo de Dalton para abordar estes diversos conteúdos é estratégica na
medida em que é um modelo concebido em um momento importante, estando num contexto
histórico bastante relevante no que diz respeito a avanços científicos, como visto na seção 3.1,
sem contar que é capaz de explicar diversos fenômenos químicos, embora seja bastante
simples comparativamente ao modelo quanto-mecânico atual.
A implementação desta proposta esbarra no fato de muitos currículos dos cursos de
formação de professores não possuírem uma carga de ensino adequada em história e filosofia
da ciência. Conforme aponta Matthews (1994), o conhecimento de história e filosofia da
ciência deveria ser parte da bagagem intelectual de todo professor de ciência em nível básico,
pois ajuda a promover um ensino mais coerente, estimulante, crítico e humano e ainda,
39

mesmo que esse conhecimento não seja utilizado em sua pedagogia em sala de aula, ela
proporciona ao professor um conhecimento crítico de sua disciplina que é imprescindível. “Há
mais em um professor do que aquilo que se pode ver em sala de aula”, conclui Matthews.
Além disso, há ainda uma outra barreira que se opõe não só a projetos pedagógicos em
HFC como também constitui o grande gargalo do ensino público brasileiro: o investimento
inadequado ou mesmo falta de investimento em educação. Esse fator impacta diretamente a
qualidade do ensino, através de professores mal remunerados que têm que dar conta de cargas
horárias semanais exageradamente grandes, e por isso não têm tempo para se qualificar e nem
de preparar suas aulas adequadamente; trazendo consequências negativas para o processo de
ensino-aprendizagem. O mesmo motivo (os baixos salários) faz com que a carreira de
professor seja cada vez menos atrativa aos jovens, diminuindo drasticamente a procura por
cursos de licenciatura que é, de certa forma, marginalizado dentro do ambiente acadêmico.
Tudo isso traz consequências como a baixa qualidade dos mesmos e na formação deficiente
dos egressos destes cursos, causando uma catástrofe no ensino de ciências em específico e na
educação brasileira de uma forma geral.
Estas observações são produto da minha própria vivência em escolas públicas e dentro
do ambiente acadêmico, porém é certo que encontrem suporte dentro de trabalhos científicos
publicados e acredito que merecem atenção especial dentro dos programas de pesquisa em
educação das universidades brasileiras.
40

4 CONCLUSÃO

Os desafios que se impõem no ensino de química em nível médio exigem de nós,


professores, um esforço extra no sentido de produzir estratégias de ensino e materiais
didáticos que se adequem às novas realidades da escola. Neste sentido, a pesquisa em ensino
de ciências e, em específico, no ensino de química (abordada na introdução), tem se dedicado
a discutir o ensino da disciplina e produzir estas novas abordagens a partir da visão de
teóricos da educação, de filósofos da ciência e procurando inserir elementos de história da
ciência, de abordagens mais interdisciplinares e voltadas a um ensino relevante para a
formação científica de cidadãos mais atuantes e capazes de participar em discussões
tecnocientíficas (PRAIA et al., 2007).
A análise dos livros didáticos de química do PNLEM 2012 nos permitiu traçar alguns
paralelos com a própria pesquisa em ensino de química e observar que os livros que são
responsáveis pela maior fatia do mercado editorial das escolas públicas de ensino médio
estejam ainda defasados em relação à utilização de abordagens mais modernas utilizando
HFC no ensino de química. Emergem neste mesmo mercado novas obras que trazem isso
como princípio norteador de boa parte de seus capítulos ou unidades, impactando não só na
organização destes mas também na abordagem de definições, teorias, no cuidado com deixar
claro e diferenciar para o estudante-leitor o que é a entidade física e o que é a sua
representação. Isto fica evidente quando em todas as figuras são colocadas ressalvas do tipo
“cores e tamanhos relativos fictícios”, ou algo que o valha.
No que diz respeito aos modelos atômicos, ficou evidente a partir da análise descritiva
feita que a “receita” de usar nomes de cientistas associados a ideias curtas que remetem aos
modelos propostos por eles ou até mesmo o emprego de analogias impróprias ainda é
observada. A história da química raramente é utilizada como eixo condutor das definições e
modelos apresentados. A evolução das ideias fica em um segundo plano e, portanto, questões
importantes sobre a natureza da ciência deixam de ser abordadas nestes livros.
Merece atenção especial o fato de o conceito de modelo ter um espaço e até o
desenvolvimento de um capítulo inteiro dedicado a ele, o que pode indicar uma
movimentação no sentido de promover um ensino mais completo sobre a natureza da ciência,
já que modelos são as ferramentas e os produtos da própria ciência (FERREIRA & JUSTI,
2008).
41

O modelo de Dalton, visto hoje como bastante simples em relação ao modelo atômico
atual, representou, como mostra Oki (2004, 2009), uma grande revolução tanto do ponto de
vista do conhecimento científico como dos próprios métodos da química e do papel das
hipóteses nesses métodos. Toda a discussão em torno da controvérsia atômica mobilizou
diversos cientistas de grande importância e o debate em torno do modelo de Dalton junto com
os trabalhos de Perrin, foram, sem dúvida, ingredientes importantes no rompimento de
paradigma científico ocorrido: a transição do mundo contínuo para o mundo quântico.
Baseado no trabalho de Braga, Guerra e Reis (2012), sugerimos uma possibilidade de
abordagem do modelo de Dalton no ensino médio, tendo em vista a forma de abordagem
inadequada, ao nosso ver, que foi encontrada em boa parte dos livros analisados. A proposta é
um meio para fugir da abordagem tradicional de associação de pequenas frases a cientistas e
depois cobrar exatamente isso na prova, num tipo de educação bancária, como dizia Paulo
Freire. A ideia consiste num projeto multimodal – com aulas de discussões, textos, aulas
expositivas, possivelmente exposição de filmes para contextualização histórica, entre outros –
onde tão importante quanto saber o cerne do modelo de Dalton é conhecer o percurso
histórico do seu desenvolvimento, promovendo um verdadeiro avanço na construção do saber
científico nos alunos.
É claro que antes de reproduzir este projeto como modelo básico para o ensino do
modelo atômico de Dalton é necessário conduzi-lo de forma experimental no intuito de
conhecer sobre a sua eficácia nos objetivos pretendidos, quais sejam: aumento no nível de
conhecimento sobre a natureza da ciência, aumento da curiosidade e do interesse pela
disciplina química e pela ciência, entre outros.
Além disso, o objetivo do trabalho não é promover a ideia de que este ou aquele
método, utilizando HFC no ensino de química, é a panaceia para todos os problemas da
educação científica, mas sim uma estratégia que se combinada oportunamente com outros
métodos e estratégias, como a abordagem CTS, pode ser bem-sucedida na tarefa de ensinar
química aos estudantes de ensino médio.
Por fim, sugere-se como possibilidades de trabalhos futuros a condução de algum
projeto de pesquisa-ação que implemente a sugestão de abordagem do modelo de Dalton,
monitorando os seus resultados. Encoraja-se também a outros estudantes de nível superior que
procurem investigar que tipo de abordagens são possíveis para cada conteúdo conceitual da
área de química, procurando incluir, nesta investigação, a possibilidade de trabalhar outros
42

conteúdos que não meramente conceituais. Não necessariamente a HFC é a melhor estratégia
de ensino, mas ela pode ser bastante útil onde um ensino mais contextualizado é difícil de
implementar. Todas estas possibilidades de pesquisas a serem desenvolvidas combinadas com
uma nova postura dos governos em relação à educação pública, podem ajudar a promover o
salto de qualidade que esperamos ver na educação básica.
43

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