Ana Elisa Alves de Oliveira: O Tesouro Nas Franjas Do Mar
Ana Elisa Alves de Oliveira: O Tesouro Nas Franjas Do Mar
Ana Elisa Alves de Oliveira: O Tesouro Nas Franjas Do Mar
brasileira
BELO HORIZONTE
2007
2
brasileira
BELO HORIZONTE
2007
Dedico esta monografia a todos que acreditam na televisão brasileira
como forma de orientar e levar cultura ao povo.
Agradeço ao professor Juarez Dias por me ensinar tanto sobre sua arte, o
teatro, e por suas palavras de conforto nas sextas-feiras exaustivas. A
todos os outros mestres, por terem criado em mim – cada um a seu modo
- a vontade de me aprofundar nos estudos do veículo que mais me tocou
desde a infância. E à minha família, origem de tanta curiosidade e
dedicação.
Constança, meu bem constança
Constante sempre serei
Constante até a morte
Constante eu morrerei
Cantiga de roda
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................7
CONCLUSÃO..............................................................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................70
INTRODUÇÃO
Em tempos em que o conteúdo da televisão brasileira se torna cada vez mais dependente
da publicidade, uma microssérie foi ao ar com idéias ousadas e inovadoras. Hoje é Dia de Maria,
exibida pela Rede Globo em 2005, é uma produção singular na televisão aberta do Brasil. Desde
o surgimento dessa mídia no país, na década de 1950, até hoje, foram raras as teledramaturgias
Hoje é Dia de Maria é considerada uma microssérie, minissérie em curta temporada, que
linguagem e estética teatrais, cinematográficas, literárias e da cultura popular, entre outros, para
A série teve duas temporadas e foi ao ar em janeiro de 2005 e outubro do mesmo ano –
esta última acrescentada pelo subtítulo “segunda jornada”. Foi aclamada pela crítica, como no
site Digestivo Cultural, em que o crítico Marcelo Maroldi1 diz que esse foi o melhor programa de
TV que ele já assistiu em toda a sua vida. Ele elogia história, cenário, e atuação, principalmente.
Os altos índices de audiência confirmam também o sucesso de público que a Hoje é Dia
2005, o Ibope registrou 34 pontos na Grande São Paulo com 51% share (participação no total de
TVs ligadas), na primeira jornada. A microssérie foi indicada em duas categorias ao Emmy
história de uma menina que sai de casa para encontrar o segredo nas franjas do mar, e seu
televisão nesta pesquisa para poder compreender mais sobre o veículo que atinge o maior número
de pessoas no mundo inteiro. Essa mídia me atraiu muito cedo – minhas mais antigas lembranças
são das telenovelas Barriga de Aluguel e Top Model, exibidas na Rede Globo em 1990, quando
Por meio de minha especialização, o jornalismo, pude compreender até agora como se
trabalha com histórias da vida real. Tive a oportunidade de participar de produções audiovisuais
ficcionais no curso de cinema da Escola Livre de Cinema, em três curtas metragens como
No curso, descobri como é montar uma história e personagens e escrever um roteiro que
possa ser filmado; trabalhar cores por meio de cenários, figurinos e maquiagem; criar pontos de
luz e sombra; trabalhar a construção dos personagens nos atores e ensaiar cenas; dar continuidade
do roteiro e dos outros elementos dos curtas, para captar recursos financeiros e de apoio.
Por meio deste projeto, pretendo conhecer mais e estudar uma área do audiovisual que
agrupa elementos das duas mídias pelas quais mais me interesso: a televisão e o cinema. Quero
entender como a minissérie utiliza recursos cinematográficos ignorados pelas telenovelas, por
serem considerados artísticos demais e pouco comerciais. Além disso, quero compreender a
(2000), Max Horkheimer (2000), Edgar Morin (1997), Mauro Wolf (1999), John B. Thompson
(1998), Gilles Lipovetsky (2001) e Douglas Kellner (2001). A discussão sobre a indústria
cultural, nesta pesquisa, não é nova, mas mantém a sua atualidade por ser ela a base das questões
levantadas.
autores Dominique Wolton (1996), Arlindo Machado (2005), Valério Cruz Brittos (1999),
Gabriel Priolli et al (2000), Umberto Eco (1989), Renato Ortiz et al (1989), Ciro Marcondes
Filho (1999), Mônica Almeida Kornis (2001), Daniel Filho (2001) e Ana Maria C. Figueiredo
(2003).
Priolii et al (2000) explicam que no Brasil a televisão nasceu com caráter jornalístico. Em
cria a programação-sanduíche, em que o prime time reside a novela das sete, o Jornal Nacional e
a novela das oito. Desse modo, a telenovela se torna âncora da programação da emissora.
Assim, nasceu a importância da ficção seriada para a cultura brasileira. Dessa forma,
horários fixos semanais e mensais. A novela, então, é o programa que mais possui horários
durante a semana.
Mas o formato das telenovelas começou a se desgastar no início dos anos 1990. O prime
time começou a perder audiência, o que persiste até hoje. Pensando em novas formas de ficção
seriada, a Rede Globo começou a investir em seriados e, mais tarde, em minisséries. Estas
últimas ganharam relevância na grade da emissora por terem maior requinte na produção, em
todos os aspectos.
No terceiro capítulo, discutiremos as várias linguagens que Hoje é Dia de Maria possui,
com os autores Margot Berthold (2001), Patrice Pavis (1999), Fernando Peixoto (2006), Bakhtin
(1999), J. Guinsburg et al (2006), Erwin Panofsky (2000), V. Pudovkin (1983), Ivete Huppes
No quarto capítulo, será realizada a análise de Hoje é Dia de Maria por meio dos autores
e conceitos pesquisados.
Hoje é Dia de Maria tem relevância na história da produção televisiva brasileira por ser
ter tido tantos aspectos artísticos e por ter feito tanto sucesso. Por isso, é de extrema importância
analisar a estrutura narrativa e estética de um formato de ficção seriada que nasceu para inovar a
linguagem televisiva por meio de uma microssérie que realmente teve impacto e trouxe
(por meio de uma corrente de estudos originada do livro Propaganda: Techniques in the World
War, de Harold D. Lasswell3). Os estudiosos precursores, como Theodor Adorno (2000), Max
Horkheimer (2000) e Edgar Morin (1997), foram mais atentos aos efeitos negativos que esse
novo movimento causou. Suas críticas atingiram desde a padronização dos produtos culturais até
(2000), tem uma visão pessimista e apocalíptica sobre a mídia e a comunicação. No texto A
Indústria Cultural: o Iluminismo como mistificação de massas, baseados nas teorias dos autores
Karl Marx e Sigmund Freud, os frankfurtianos defendem que a padronização dos produtos
próprio domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena” (ADORNO et al, 2000, p.
170). A sociedade perde a identidade por seguir um padrão ideal, o que, segundo eles, garantirá a
Essa escola diz que, após a Revolução Industrial, no início do século XX, ocorreu a
segunda industrialização, no âmbito da cultura, originando a indústria cultural. Este termo foi
utilizado por Adorno e Horkheimer (2000) para substituir a expressão “cultura de massa”,
3
LASSWELL, H. Techniques in the World War. Knopf, New York: 1927.
adicionando ao significado de cultura que nasce da própria massa o sistema gerado pelos meios
repetições contínuas da forma como ele é feito. A fórmula chega ao consumidor, maior vítima da
Horkheimer (2000), o consumidor não tem o poder de escolha. Ele é, ao contrário, o escolhido
para ser atingido pela indústria cultural. Compra produtos que não custaram esforço criativo
algum, são totalmente desprovidos de espontaneidade e têm uma receita básica de produção. Por
essa fórmula facilita a sedução do consumidor pelo meio. Assim, ele se encontra em freqüente
estado de inércia intelectual, incapaz de refletir sobre aquilo que lhe foi transmitido.
estereotipização. Este divide os produtos culturais em vários gêneros, o que gera normas fixas. Os
realidade.
Edgar Morin (1997), em Cultura de massas do século XX: neurose, faz um estudo mais
pelo cinema, pelo rádio e pela televisão, entre outros meios. Denominada pelo autor como cultura
Morin (1997) explica que a cultura orienta uma sociedade. Ela impõe hábitos e regras em
forma de símbolos, mitos e imagens que encaixam seus membros em um senso comum. O autor
diz que podem existir várias culturas vivendo paralelamente. A cultura de massa é uma delas e
não anula as já existentes, apenas as complementa. No entanto, ela também compete com as
A cultura de massa contrapõe-se às idéias dos intelectuais. Eles vêem essa nova vertente
como totalmente inferior às artes. Segundo o autor, a “direita” a enxerga como “barbarismo
plebeu”. A crítica dos filósofos de “esquerda”, influenciados pelo marxismo, considera a cultura
produzidos em série e necessitam de técnicas cada vez mais avançadas, o que leva Morin (1997)
número possível de pessoas, tanto no sistema privado (máximo de lucro, com a intenção de
entreter) quanto no sistema estatal (interesse político e ideológico, para educar e convencer).
Para ele, ao mesmo tempo em que a cultura de massa precisa de produções padronizadas,
é necessário dar espaço a inovações artísticas para se sustentar, como em filmes e músicas, por
de estruturas simples e diretas. Mas, quando essa mistura atinge as gerações, domina a
juventude. Isso pode ser explicado porque, atualmente, os jovens e adultos jovens são os maiores
audiovisual, que une imagem, som, palavra e escrita. Essa linguagem desenvolve o campo
imaginário do homem comum, meio adulto e meio criança. Seu gosto varia entre jogo,
Morin (1997) estuda também a democratização e a banalização da alta cultura gerada pela
sua industrialização. Clássicos da literatura, da música, das artes plásticas, por exemplo,
encaixaram-se em compactos e linguagem simples para atingir o grande público. Essa atitude,
muitas vezes, leva à vulgarização da obra. De acordo com o autor, os processos elementares da
momento em que estão livres para se firmar enquanto indivíduos privados, o público pensa que se
afasta da indústria, mas é aí que mais têm a possibilidade de ter uma vida consumidora.
O espetáculo é um elemento importante no lazer. As novas técnicas, como diz o autor,
O espectador tem uma necessidade arcaica de se satisfazer com o jogo, o canto, a dança, a
poesia, a imagem e a fábula. Apesar disso, a relação estética que ele desenvolve com o meio de
comunicação surgiu somente na nova cultura. O ser humano se encanta com todas as formas de
projeção, porque nelas há uma certa forma de libertação psíquica. Portanto, a identificação do
público com os produtos da indústria cultural é totalmente profunda, ainda que estes difamem a
Lipovetsky (2001) e Douglas Kellner (2001) vêem esse movimento não só como padronizador
das idéias, mas também como democratizador das informações. Alguns deles defendem que há
interação entre espectador e veículo na indústria cultural, mesmo que insatisfatória para o
primeiro.
Em A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, John B. Thompson (1998) faz
social, criando novas formas de ação e interação, e novas formas de exercer o poder”
(THOMPSON, 1998, p. 14). O texto analisa os fundamentos de uma teoria social da mídia,
A obra abrange tanto o caráter significativo das formas simbólicas da mídia quanto sua
contextualização social, já que o desenvolvimento dos veículos são uma reelaboração do caráter
simbólico da vida social. A comunicação é um tipo de ação, e não apenas um relato ou uma
descrição. Por isso, “a análise da comunicação deve se basear, pelo menos em parte, na análise da
Dentro de uma sociedade, cada indivíduo estabelece seus objetivos e fins a serem
seguidos, tendo cada um sua função. Nesse contexto, o poder aparece de acordo com o cargo que
o indivíduo possui, assim tendo ou não a capacidade de intervir para que seus objetivos sejam
alcançados.
Existem várias formas de poder e entre elas estão os poderes econômico, político,
força física para subjugar ou conquistar um oponente implicam no poder coercitivo. As maneiras
como esse poder pode ser aplicado são variadas, do menor grau ao pior, ou seja, a morte. As
social, pois “nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas
simbólicas” (THOMPSON, 1998, p. 24). Este é o poder de que o autor trata, mas não é só a mídia
que o usa, e sim outras instituições, como as religiosas e as educacionais. Afinal, essas também se
Este é usado em qualquer tipo de intercâmbio simbólico, mesmo o de afirmação lingüística face a
face (órgãos do corpo humano usados para esse objetivo). Entre as questões ligadas ao meio
técnico está o grau de fixação da forma simbólica. Numa conversa, o que foi dito pelo locutor só
poderá ser gravado na memória do receptor, ou seja, a mensagem transmitida será esquecida em
pouco tempo. Mas, com a ajuda de aparelhos eletrônicos, a mensagem poderá durar mais, como
Outro atributo do meio técnico é o grau de reprodução a que a forma simbólica está
destinada. A capacidade de multiplicar cópias e a facilidade com que são feitas e conservadas dão
às formas simbólicas meios de comercialização, no sentido de que uma mensagem poderá ser
absorvida por várias pessoas, sendo que cada cópia custará um valor. Mais ainda, há vezes em
que as primeiras cópias tiradas do original custam mais caro que as seguintes.
O distanciamento espaço-temporal é outra questão dos meios técnicos. Com a ajuda dos
aparelhos eletrônicos usados para a comunicação, pode-se produzir uma forma simbólica em um
lado do globo terrestre e esta mesma obter uma resposta instantânea de um receptor que está do
outro lado. São o tempo e o espaço quase totalmente ignorados pelas novas tecnologias.
O último aspecto dos meios técnicos trabalhado pelo autor são os tipos de habilidades,
competências e formas de conhecimento exigidos por eles. Tanto pode acontecer de uma pessoa
saber codificar e decodificar uma mensagem (o que acontece com línguas) ou não (uma pessoa
que entende o que se passa no programa de televisão, mas não tem idéia de como é sua
produção). Para o receptor, as formas de conhecimento são um importante item, pois elas
estruturam as mensagens de como “entendem, se relacionam com elas e as integram em suas
variado de concepções. Por exemplo, o termo “massa” pode referir-se a milhões de pessoas que
absorvem a mesma mensagem. Mas, “o que importa na comunicação de massa não está na
quantidade de indivíduos, e sim no fato de que estes produtos estão disponíveis em princípio para
Outro aspecto seria o de perceber os destinatários dos produtos de massa como passivos,
pois não respondem ou questionam a mensagem recebida. Em parte, não há como obter resposta
imediata nesses casos e por isso o termo “comunicação” não é a melhor definição, e sim
“transmissão” ou “difusão”. Mas eles podem recorrer a cartas à redação do jornal ou revista, a um
clara a visão de que esse termo é usado para identificar uma “produção institucionalizada e
mídia, que gerou a produção e a difusão generalizada das formas simbólicas; (2) a forma
recepção das formas simbólicas; (4) a extensão da disponibilidade das formas simbólicas no
alguns benefícios, mas também problemas conseqüentes delas. São eles: singularidade da rotina
de cada comunidade que, com a chegada de veículos mais modernos, tiveram que ser
padronizadas; a visão e distorção que uma sociedade tinha de cultura da outra foram
Hoje pode-se perceber algumas características da mídia que não eram tão claras. Como os
assuntos pautados para serem publicados, não são totalmente analisados por aqueles que os
produzem, talvez porque se estendem a uma segunda característica da mídia moderna: seu
consumo tem caráter rotineiro, faz parte da vida cotidiana dos indivíduos assim como suas
Outra característica seria a de que a receptividade das formas simbólicas tem relação
fundamental com o contexto sócio-histórico. Ele é que vai definir as habilidades e competências
o processo hermenêutico. “Os indivíduos que recebem os produtos da mídia são geralmente
envolvidos num processo de interpretação através do qual esses produtos adquirem sentido”
recebidas. Muitas delas são discutidas durante e após sua recepção. Por isso, elas se incorporam à
vida do indivíduo, “construindo uma compreensão de si mesmo, uma conseqüência daquilo que
ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço” (THOMPSON, 1998, p. 46).
afirmar que essa tinha como objetivo principal referenciar a indústria cultural à sociedade
capitalista da época (anos 1930 a 1950). Para o autor, os frankfurtianos queriam somente
enquadrar a indústria cultural como grande manipuladora das massas. Tal escola dividiu a cultura
entre superior e inferior, criticando-as diferentemente, como se cultura popular fosse algo ruim
para a sociedade.
Em O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, Gilles
Lipovetsky (2001) explica como a mídia faz da cultura algo efêmero. “A uma indústria cultural
dos gostos” (LIPOVETSKY, 2001, p. 205). O autor diz que o tempo de exploração de um
produto cultural desde seu lançamento no mercado tem diminuído consideravelmente através dos
anos.
produto cultural no mercado. Algumas músicas, livros e filmes têm sucesso tão arrebatador que
levam o público ao êxtase. Essa emoção é proporcionalmente intensa quanto mais original e
O sucesso desses produtos não tem como ser previsto, pois as escolhas do público são
totalmente aleatórias, o que leva ao aumento da produção de novidades. Isso acontece para que
haja muitas opções e variedades, o que gera escolhas diferentes da audiência. O lucro obtido em
apenas alguns produtos cobre o restante gasto pela produção dos outros. Mas há outro modo de
resultado nas vendas. Outra estratégia para obter o máximo de lucro é investir em outras mídias.
Por exemplo: um best seller pode ser adaptado para o cinema, que por sua vez, garantirá um CD
Lipovestsky (2001) cita Edgar Morin (1997) quando fala que os produtos são uma mera
repetição do que já existiu, mas há sempre criação dentro dele para ser uma novidade. O que
importa para o público é o prazer imediato, já que tudo gira em torno do presente. A readaptação
de outras épocas é sempre moderna, atual para o momento. E essa cultura será esquecida
audiovisual, principalmente, exibe imagem sobre imagem, efeitos e cortes constantes, para atrair
olhos fascinados. É a imagem substituindo o conteúdo. Mesmo nas telenovelas, o que importa é a
velocidade do que está sendo exibido. A preocupação não está mais na ideologia da história ou na
uma nova figura da individualidade moderna, absorvida por sua realização privada e seu bem-
estar” (LIPOVETSKY, 2001, p. 222). Com o acesso a tantas idéias, culturas e ideais variados, a
mídia disponibiliza ao indivíduo a reflexão para ter diferentes posições sobre cada assunto.
Por isso, o autor discorda da escola de Frankfurt ao dizer que a comunicação de massa não
aceitas, a fazer ler, a desenvolver o uso crítico da razão; é máquina de tornar complexas as
4
Em capítulo específico, discutiremos visões distintas acerca do conteúdo da TV e dos meios auiovisuais.
2 A GENTE SE VÊ POR AQUI
com uma pesquisa de 1999, realizada por Priolli apud Bucci (2000)5, 90% da população brasileira
liga o aparelho de televisão para assistir a algum canal, pelo menos uma vez por semana. Tantas
Wolton (1996), em O elogio do grande público, “o que caracteriza a televisão é ser um objeto
que não deixa ninguém indiferente, que é o foco de controvérsias políticas desde a sua aparição,
Mas o autor afirma que há certa aversão, por parte do público e de estudiosos, de
entender o quê é televisão. Seu caráter pejorativo e popular a elimina de discussões intelectuais –
o que é ruim, porque a constante evolução desse veículo exige reflexão. Wolton (1996) revela
alguns motivos pelos quais isso ocorre. O público é o maior mistério e o único inimigo da
televisão, porque não há pesquisa que revele precisamente dados qualitativos sobre sua audiência.
Além disso, os telespectadores têm muito pouco espaço para se expressarem (basicamente,
5
PRIOLLI, Gabriel. Participação no seminário internacional Uma Cultura para a Democracia, promovido pelo
Ministério da Cultura em Parceria com o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Maryland
(EUA), sob o patrocínio do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Os mais antigos estudos sobre televisão possuem aspecto crítico e são fortemente ligados
às idéias marxistas. A Escola de Frankfurt, encabeçada por Theodor Adorno e Max Horkheimer
foi tão intensamente difundida que, durante 30 anos, todos os estudos que ousavam se interessar
por algum tema contrário (como, por exemplo, a opção que o público possuía de escolher o
triagem entre os aspectos negativos e positivos da televisão pública” (WOLTON, 1996, P. 54). O
pesquisador relata que, até a década citada, poucos profissionais e dirigentes de emissoras se
dispuseram a defender seu meio de comunicação. Somente a partir dos anos 1990 estudos
Arlindo Machado (2005), em A televisão levada a sério, concorda com Wolton (1996) ao
afirmar que, dos estudos sobre televisão, a minoria cita e analisa programas de TV ou, então,
discorre sobre os mais comuns, como seriados norte-americanos e telejornais. Para ele, os
trabalhos sobre esse assunto são mais voltados para a estrutura genérica do veículo do que para as
produções audiovisuais.
Machado (2005) também critica o modelo de pesquisa adorniano. O autor ousa imaginar a
análise do pensador alemão por meio de textos escritos, e não programas de TV de fato, ao
revelar a falha no texto Quartely of film, radio and television 6, em que Adorno descreve trabalhar
com “amostragens”.
6
THEODOR, W. Adorno. Television and the mass culture patterns. In: Quaterly of film, radio and television.
University of California Press, 1954.
“Adorno examina a televisão não a partir de uma observação sistemática do que esse
meio efetivamente exibe, menos ainda a partir de um critério de seleção tão rigoroso
quanto o que ele próprio adotou, por exemplo, para a análise musical, mas a partir de
uma ‘amostragem’ escrita e, o que é pior, uma ‘amostragem’ nitidamente tendenciosa,
pois o objetivo indisfarçável era demonstrar que a televisão era ‘mau’ objeto”.
(MACHADO, 2005, p. 18)
No estudo, Arlindo Machado (2005) enfatiza programas de televisão que ele considera de
qualidade. Poucos dos citados são brasileiros. Mas a história da televisão brasileira revela
duas obras distintas. A primeira faz um levantamento histórico da TV brasileira a partir de suas
fases. A outra mostra como a emissora mais lucrativa da televisão brasileira, a Rede Globo de
(1999) faz uma análise da fase pela qual a televisão brasileira passa na época da edição da obra.
Segundo ele, a década de 1990 foi marcada pela fase da multiplicidade da oferta, em que a
escolha para o público. A inserção da TV paga na programação brasileira foi um dos maiores
foram concebidas por Mattos apud Brittos (1999). De 1950 a 1964, a fase elitista foi marcada
pela escassez de televisores nas residências, em decorrência do alto preço dos aparelhos.
Programas e propagandas eram feitos ao vivo e regionalmente, porque ainda não havia o
videoteipe. Até 1955, as transmissões só chegavam ao Rio e a São Paulo e expandiram-se para
todo o país quatro anos depois. Caparelli apud Brittos (1999) denomina uma fase de transição
antes da segunda de Mattos apud Brittos (1999), chamada de o capital estrangeiro, quando a
Globo assinou acordo com a empresa norte-americana Time Life e adaptou vários modelos
técnicos e administrativos.
A segunda fase é denominada populista, de 1964 a 1975. Nela, a televisão estava nas
mãos dos militares, que a utilizavam para alcançar e controlar ao máximo o povo brasileiro. É
nessa fase, em 1965, que surgiu a TV Globo, fundamental para o crescimento econômico do país,
fortemente na programação. Nessa fase, a TV brasileira começou a ser vista como indústria e a
programação tornou-se mais popular, com novelas e shows de auditório, além de “enlatados”
americanos.
massas e começou a nacionalizar sua programação. Além disso, a concorrência aumentou com a
da Bandeirantes.
A fase da transição e da expansão internacional, de 1985 a 1990, foi marcada pelo fim da
censura e pela aproximação política de candidatos a certas emissoras. Nessa época, cresceu a
relacionada à globalização. Segundo ele, ocorreram nos anos 1990 “a formação e expansão de
desterritorializados” (BRITTOS, 1999, p. 18). Ou seja, nessa fase o importante era disponibilizar
para o mundo inteiro a informação, que cada vez mais estava envolvida com a valorização dos
disponibilizados. Isso se deve, principalmente, à proliferação das TVs por assinatura. Essa
tornaram-se individualizadas, o que separou os familiares na hora de ver TV. Cada membro tinha
parabólica, como a Rede Vida, a Rede Mulher e a CNT, com pouca expressão no mercado. A
forte disputa pelo público gerou a queda na qualidade da programação das emissoras de TV
aberta. Programas como Aqui Agora e Ratinho Livre abusaram de temas de exploração humana,
como bizarrices, miséria, brigas particulares, entre outros. Isso aconteceu também aos domingos,
em programas como Domingo Legal e Domingão do Faustão, e até mesmo no diário Jornal
Nacional.
Outra característica da quinta fase é a abertura para o capital estrangeiro realizada pelo
telecomunicações, em agosto de 1995. Tanto a Globo como o SBT co-produziram novelas com
redes de outros países. Isso se deu também nos telejornais, que começou a ter participações de
Rebouças apud Brittos (1999) denomina uma sexta fase, considerada atual para a época
deste artigo (possivelmente, após 1995), nomeada “diversificação”. Nela, televisão e computador
O livro A deusa ferida: por que a rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência,
de Gabriel Priolli et al (2000), é resultado de uma pesquisa, feita entre maio e julho de 1999 por
uma equipe, cujo foco era “a avaliação do comportamento dos índices de audiência da Rede
Globo de Televisão, do final dos anos 60 aos 90” (PRIOLLI et al, 2000, p. 13 - 14). Na pesquisa,
foi privilegiado o prime time, hora em que há mais disputa por público na TV. A equipe
selecionou momentos significativos na história desse meio, fez um recorte na grade vertical e
horizontal da programação da emissora e realizou uma pesquisa qualitativa, por meio de grupos
Em 1968, estreou na Rede Globo a chamada programação-sanduíche, que persiste até hoje
com a “dobradinha” novela-jornal-novela. Esse método, proposto por Walter Clark consiste em
ganhar a fidelidade do público no prime time. Assim, toda a família se une em frente à TV:
enquanto alguns vêem a novela das sete (que começa às 19 horas), outros esperam o Jornal
Nacional, para que, depois, demais aguardem ao início da novela das oito (20 horas, mas
massa no Brasil. Com o fim da Rede Excelsior (1969) e, depois, da TV Tupi (1980), a Globo se
consolidou como maior produtora de ficções seriadas na televisão brasileiras. Com forte apelo
popular, a telenovela se tornou âncora da programação do canal por ter alto lucro e baixo custo,
A Rede Globo escalou um set para que a produção cultural de sua programação seguisse
seu padrão de qualidade, para onde migraram profissionais do teatro, da literatura, do cinema e
do rádio. Nos anos 1980, um novo grupo se formou: os produtores culturais especializados em
televisão. Ao longo dos anos, foi consolidado o uso de temas reais para discussão pública por
meio do universo tradicional da cultura popular nas novelas: melodrama, narrativa policial,
comicidade e erotismo.
Mas, a partir da década de 90, o desgaste dos autores e o desvio para temas apelativos e
imorais, segundo os telespectadores, tornaram as telenovelas cada vez mais exageradas e falsas.
O resultado foi a perda de audiência (20% entre 1989 e 1994), devido, também, à concorrência de
(Aqui Agora, Ratinho) e o início da TV paga. O desejo do público era paradoxal: faltava
Walter Clark propôs o padrão Globo de qualidade, o qual se deve à articulação entre
padrão de produção, tecnologia e personalidade aos programas. Clark foi diretor geral da
emissora entre 1965 e 1977 e introduziu à televisão brasileira a proposta de uma TV com várias
praças pelo país e alcance nacional, mas subordinadas à âncora no Rio de Janeiro. Todas essas
uma associação com a empresa norte-americana Time Life. Homens de mercado foram
como qualquer outra indústria. Houve treinamento de pessoal nos Estados Unidos para que os
últimos avanços tecnológicos fossem aprendidos, como o videoteipe. Com ele, foi possível gravar
Com o passar dos anos, a Rede Globo acompanhou passo a passo o avanço da tecnologia.
Nas vésperas da Copa do Mundo de 1974, o Governo auxiliou as emissoras brasileiras a começar
a transmitir em cores. Apesar de não ter sido a primeira a utilizar-se desta ferramenta, a Globo
Entre as décadas de 1960 e 1970, a Rede Globo deu um salto qualitativo, impulsionado,
principalmente, pelos militares que assumiram o governo após o Golpe de 1964. A grade da rede
e popularescos. Isso se deu para acompanhar o milagre econômico (efeito direto na classe média)
e para a utilização do veículo pelos militares que, segundo eles, teria o maior alcance de público
em grande escala.
Em 1983, a transmissão via satélite substituiu a via Embratel. Sete anos depois, 99,9% do
território nacional já podia acessar a Globo. 1994 foi marcado pela inauguração do Projac (maior
centro produtivo de TV da América Latina), no Rio, com terreno de 1.300.000 m². Um ano
depois, o SBT inaugurou o Complexo Anhanguera, em São Paulo, com 231 mil m², mas que
edições digitais. Nesse mesmo ano foi inaugurado um estúdio de jornalismo em São Paulo,
De acordo com Umberto Eco (1989), no ensaio A inovação do seriado, a maioria das
produções reconhecidas como obras de arte é original. Com a chegada da indústria cultural, a
padronização dos objetos gerou a produção em série, assim como em outras indústrias. Mas, na
cultura, a serialidade não foi bem-vinda para os artistas, apenas para os comerciantes, que
O autor explica que já existiram objetos feitos com base em uma única matriz que foram
tradicional, vários escritores tinham técnicas básicas para criar seus textos. Mas Eco (1989)
mostra que os produtos dos meios de comunicação de massa muitas vezes não fazem questão de
terem originalidade. “Diverso é o caso de expressões que ‘fingem’ ser sempre diferentes para, em
vez disso, transmitirem sempre o mesmo conteúdo básico” (ECO, 1989, p. 121).
O pesquisador define a série como repetição do que já foi criado e apresenta variações de
repetições que são apresentadas ao público como originais e novas, apesar de terem uma única
base. A retomada é a continuação de um produto que fez sucesso e é criada com objetivos
puramente comerciais. O decalque é a reformulação de uma obra, sendo sua espécie mais comum
estrutura narrativa, sendo fixos apenas os personagens principais e algumas situações entre eles.
“A série neste sentido responde à necessidade infantil, mas nem por isso doentia, de ouvir sempre
1989, p. 123). Existem subtipos dentro da série, como o flashback, em que vários momentos do
protagonista; a espiral, na qual acontece sempre a mesma situação; e a série criada em função da
A saga, outro tipo de repetição, tem narrativa baseada na lógica histórica; pode ser em
a outros autores e obras originais; podem ser um plágio, uma homenagem, uma paródia ou uma
citação irônica dos tópicos. O autor lembra que, em todos esses tipos de repetição, é sempre
aconselhável criar dentro de um padrão, inovar e modernizar; além de explicitar ao público que
A telenovela, ficção seriada mais popular no Brasil, herdou sua estrutura literária do
romance-folhetim. Este nasceu no final do século XIX, período em que emerge a cultura de
mercado da França, segundo Renato Ortiz et al (1989) no livro Telenovela: história e produção.
No país de origem, o folhetim era produzido para ser publicado de forma seriada em jornais e,
desde o início, foi rotulado como um tipo de entretenimento e apresentou apelo popular. No
Brasil, esse tipo de literatura não alcançou tanto sucesso, limitando-se a traduções dos franceses e
primeiramente nos Estados Unidos, na década de 1930. Nos anos 1940, todas as estações de rádio
explicam que existem duas diferenças entre as soap operas e os folhetins: os últimos tinham um
final previsto, pelo menos para o autor, enquanto aquelas se desenrolavam indefinidamente.
sustentaram por meio da publicidade, principalmente, alcançando forte apelo popular desde o
início das transmissões. Em 1951, a primeira telenovela estréia na TV Tupi, Sua vida me
pertence. A maioria dos profissionais envolvidos no novo formato possuía passado radiofônico.
a entonação dramática. Mas o que não era utilizado antes, como a expressão corporal, demorou a
curto tempo de duração. A programação foi se modificando com o advento do videoteipe, que
possibilitou a gravação antecipada dos capítulos. Ortiz et al (1989) fazem um levantamento das
gravações das primeiras telenovelas e constatam que os estúdios eram restritos e os cenários
muitas vezes reaproveitados. Havia raras gravações externas, somente em caso de necessidade
7
Segundo Ortiz et al (1989), soap operas receberam esse nome porque eram patrocinadas, em sua maioria, por
empresas de sabão em pó (soap, em inglês).
Na década de 1960, o número de aparelhos de televisão no Brasil em uso cresceu em
Essas transformações levaram a emissora a tentar ampliar seu público por meio de uma
telenovela diária. 2-5499 ocupado, protagonizada por Tarcísio Meira e Glória Menezes, em 1963,
foi testada com três capítulos por semana e, depois, passou a ser exibida de segunda a sexta-feira.
Ortiz et al (1989) explicam que o público tardou a se acostumar com a nova freqüência
das telenovelas, mas, em 1964, ela já havia se tornado a nova mania nacional. “O horário entre
19h e 20h30, antes preenchido prioritariamente com filmes e telejornalismo, passa a ser ocupado
quase que inteiramente por telenovelas” (ORTIZ et al, 1989, p. 63). No final dos anos 1960, as
Essa proposta surgiu para cumprir as exigências do governo militar, que tinha os ideais de
formar no povo brasileiro uma crença na nacionalidade. A partir dos anos 1970, a Rede Globo
18 e 22h. “A telenovela funde-se desta forma como uma proposta simplista que concebe a ficção
A Rede Globo alternava três horários noturnos com a TV Tupi, sua maior concorrente,
principalmente entre 1970 e 1975. Mas a pouca estrutura organizacional que a segunda possuía
acabou por desequilibrar a produção simultânea das telenovelas. Ela começou por oscilar os
passam a ser mais do gênero da comédia. Essa revolução atraiu o público masculino, ainda
ausente na audiência da telenovela. Nos anos 1980, o SBT procurou resgatar o melodrama por
como elas são realizadas é a principal ferramenta para atrair e mobilizar um público tão grande,
mesmo com conteúdos muitas vezes tendenciosos. Para ele, “é preciso pesquisar-se a estrutura
ideológica do produto em si, a forma como joga com os elementos cênicos, interpretativos, com
1999, p. 74).
O pesquisador cita o estruturalismo (vertente que faz análises sempre entre pares
antagônicos) como método de pesquisa ideal para se interpretar as mensagens que são passadas
pelas telenovelas globais. Ao contrário do empirismo, tal método procura enxergar pelas
entrelinhas, captar o que está sendo passado para o espectador pela estrutura da produção.
Segundo Marcondes Filho (1999), os produtores utilizam textos atrativos como forma de chamar
atenção ao produto que está sendo divulgado no momento. Para ele, tudo não passa de
merchandising e publicidade.
A consulta ao público também é pouco significativa para esse tipo de pesquisa. De acordo
com o autor, esse método não leva em conta o tipo de informação que as pessoas fornecem nesses
casos, que são, geralmente, vagas e superficiais. Portanto não há como estudar a mensagem
televisiva sem notar “o produto da televisão […] como uma mercadoria, estruturado segundo os
1999, p. 75).
No ensaio, Marcondes Filho (1999) utiliza os termos provisórios “telenovelas” para as
Globo; e “teatro realista” para as produções distintas do modelo Globo quanto ao formato, como
da cultura de massa: cenas aceleradas e que distinguem bem o tempo e o espaço. No teatro
personagens, ou seja, a alma da produção. Nas telenovelas, nada deve dispersar o espectador.
Para que isso aconteça, cenas longas devem ser fragmentadas e intercaladas. Há sempre tensão
entre as propagandas, para que a atenção prevaleça sobre elas. Segundo o autor, o enredo da
principal. Marcondes Filho (1999) afirma que essa freqüente escolha é causada pela facilidade de
atrair o telespectador através da recordação de momentos felizes. O amor gera muitas vivências
positivas, o que leva o público a recordar momentos agradáveis por meio da telenovela. Mas a
padronização desse tipo de tema revela uma preocupação parcial das produções de mostrar que a
Parece ser uma preocupação das telenovelas não transmitir dor ao espectador, apenas
quando esse sentimento provoca compaixão. É fundamental que o público não sinta a emoção
negativa que vê na tela. A falsificação da dor ocorre na ambientação, pelo fato de não haver
maniqueísta; na construção idealista irreal, pela espetacularização das cenas e dos personagens,
sejam eles de qualquer classe social; e na referência claramente simbólica, em que não há
A vida real possui momentos de forte emoção, mas a maior parte dela é baseada em
situações cotidianas, que não deixam de ser fundamentais para a construção de uma história e de
uma personalidade. No teatro realista, dados existenciais dos personagens e do enredo fazem
parte da trama, assim como os momentos de clímax. Nas telenovelas, o que se pode ver são
picos de emoção. Esse formato dispensa cenas secundárias e intermediárias, que, para o teatro
realista, fazem parte do enredo. “O resultado é um conjunto de cenas que trabalham pela
Nas telenovelas, dá-se destaque excessivo ao personagem principal. Para isso, são
utilizadas técnicas de enquadramento que perdem o valor cinematográfico, como o close up e big
close up, usados para dramas psicológicos. O autor diz que a fixação da câmera em pontos chaves
dos personagens tem o único objetivo de destacar o produto, através de merchandising. Além da
necessidade de evidenciar nitidamente o fato por meio do uso obsessivo da fala, do diálogo
verbal, das expressões e de sons analógicos e simbólicos. Esse hábito parece, para Marcondes
Filho (1999), mostrar que o telespectador não tem a capacidade de interpretar através da atuação
silenciosa.
O estudioso percebe, em sua pesquisa, que no teatro realista existe uma preocupação
artística com o espectador de envolver e fazer refletir sobre situações que podem ocorrer com
qualquer um. A telenovela utiliza a dramaturgia do palco, mas releva o aprofundamento da trama
brasileira porque reinstaura a consciência do coletivo. Ela recupera a sensação que os espaços
públicos genéricos, como praças e mercados, deixaram em aberto com a chegada de tecnologias
de uma estrutura social individualizada. Mas todo sucesso depende da qualidade da estrutura do
Mônica Almeida Kornis (2001), no artigo Uma memória da história nacional recente: as
minisséries da Rede Globo, mostra que essa emissora introduziu em sua programação novas
formas de ficção seriada a partir dos anos 1970. Primeiro, surgiram os seriados, que baseavam-se
emissora estréia a primeira minissérie, Lampião e Maria Bonita, marcando um novo caminho na
teledramaturgia brasileira.
A autora explica que a produção das minisséries tem maior preocupação com a qualidade
tecnológico gradual da emissora. Seu público é mais seleto, principalmente devido ao horário de
Daniel Filho (2001), no livro O circo eletrônico: fazendo TV no Brasil, diz que a Globo
começou a fazer minisséries como forma de estender a produção das telenovelas, mas em formato
mais aprimorado. “De certa forma, até hoje, as minisséries provocam uma realimentação, uma
releitura da novela, porque somos obrigados a usar quase a mesma estrutura dramática, mas com
trabalham no meio ficam menos apressados do que em uma novela, porque há menos capítulos a
serem gravados em um bom tempo. O autor da minissérie também tem mais liberdade por a obra
ser fechada, não é tão escrava da audiência quanto as novelas. Para Daniel Filho (2001), é
espetáculo?, também confirma a minissérie como uma alternativa para as telenovelas. Segundo
ela, a Rede Globo fez uma pesquisa de audiência no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1983, e
percebeu que o gênero seria mais atrativo do que a novela no horário das dez horas da noite. “A
‘nova’ forma de fazer dramaturgia na televisão aparece, então, como um campo privilegiado para
A autora afirma que a maioria das minisséries brasileiras é baseada em textos da literatura
nacional, o que resulta em produções com maior qualidade artística. Essas adaptações
disponibilizam ao telespectador momentos marcantes da história do país, porque grande parte dos
textos é de época. Outro tema muito utilizado nas minisséries é o sertão, tendo sido ambiente de
brasileira é um espetáculo, por entreter o público; mas também arte, por fazer o telespectador
rever-se e pensar sua própria realidade. Portanto, de acordo com a estudiosa, a minissérie é o tipo
de ficção televisiva que está mais próxima da arte, por possuir várias adaptações literárias.
É um produto que tem uma unidade, que não sofre interferências do público nem da
publicidade em sua feitura, e a construção das suas personagens obedece a uma lógica
coerente com a da construção da trama, revelando o compromisso social dos produtores
com a temática que leva para o seu público. (FIGUEIREDO, 2003, p. 81)
Deste modo, é possível considerar o gênero trabalhado neste estudo, a minissérie, como
um iniciante na produção de TV que prima não somente pela comercialização do programa, mas
Antes de analisarmos Hoje é Dia de Maria, discutiremos alguns conceitos básicos sobre a
variedade de linguagens de que se compõe a minissérie: cultura popular e o riso, teatro e seus
elementos estéticos, teatro de bonecos, opereta, teatro da fantasia, cinema e literatura fantástica.
Rabelais, Mikhail Bakhtin (1999) faz uma releitura do comportamento, dos hábitos e das
cerimônias de tais épocas, por meio das obras (entre elas Gargantua e Pantagruel) de um dos
autores mais polêmicos da história da literatura. François Rabelais descreveu o riso, as festas, a
linguagem e gosto pelo grotesco da população na Idade Média e no Renascimento, tendo sido
muito recriminado por críticos do Romantismo, principalmente, por terem a opinião de que sua
Bakhtin (1999) defende firmemente Rabelais, pontuando cada característica de sua obra e
a importância dela para a história da cultura popular. O autor inicia sua pesquisa pelo riso
dizendo que ele é o resultado da soma entre vida e morte, algo muito maior do que a visão
Na Idade Média, o riso era totalmente ligado à cultura não-oficial. De acordo com o autor,
era considerado a segunda natureza do homem, porque se constituía na única válvula de escape
para a seriedade que prevalecia. No entanto, nessa época, todos os eventos oficiais, religiosos e
estatais possuíam seu lado popular. No Renascimento, o riso ganhou forças e passou a ser levado
tão a sério quanto a própria seriedade. A elevação ao patamar intelectual deve-se também à
influência clássica dessa escola, que recebeu esclarecimento teórico sobre o riso.
Rabelais. Este cita várias vezes em sua obra ações e imagens ligadas à urina e ao excremento.
Segundo o estudioso, isso refere-se ao baixo corporal – termo que expressa as genitálias
masculinas e femininas – como forma de humilhação do atingido. O autor esclarece que o baixo
corporal possui dois sentidos, porque é ao mesmo tempo a região que fecunda, relativa ao
nascimento e à renovação. Este sentido positivo era totalmente natural na época do lançamento da
obra de Rabelais.
“A cultura popular não oficial dispunha na Idade Média e ainda durante o Renascimento
de um território próprio: a praça pública, e de uma data própria: os dias de festa e de feira”
(BAKHTIN, 1999, p. 1333). Segundo o pesquisador, esse local e essas datas possuíam um
ambiente inteiramente diferente de qualquer outro, como a igreja, a corte e instituições públicas,
entre outros. A linguagem era familiar, livre de polidez e cerimônias. Além dos elementos
mencionados, Rabelais utilizava termos que se referiam à bebida e comida, virilidade e elogios-
injúrias.
Sobre as festas populares, Rabelais descreve os atos realizados com o representante do rei
escolhido pelo povo, que logo depois se torna bufão, palhaço. Ele é injuriado e desnudado, como
reprodução da velhice e da morte. Bakhtin (1999) aponta esses aspectos como “grosserias-
destronamento, a verdade dita sobre o velho poder, sobre o mundo agonizante, […] aliando-se às
pauladas carnavalescas e aos mascaramentos e travestis” (BAKHTIN, 1999, p. 172). Além disso,
A imagem grotesca característica de Rabelais, discutida por Bakhtin (1999) está sempre
associada ao exagero e excesso de algo negativo, como por exemplo da alimentação, da bebida e
das necessidades fisiológicas. Outro aspecto da cultura grotesca é estreitar a distância dos limites
corporais, inverter seus papéis. O autor menciona um trecho da obra de Pantagruel, em que
determinado personagem, ao querer revidar uma palavra (que sai da boca) que outro falou, dá-lhe
um chute no ventre.
sempre em mutação. Nos traços do rosto, apenas a boca e o nariz são fundamentais para se chegar
ao formato grotesco. Mas as partes mais importantes desse corpo são as genitálias, seguidas da
No estudo de Bakhtin (1999), portanto, pode-se absorver grande parte das características
da cultura popular da Idade Média e do Renascimento. Nessa época, o teatro, arte das mais
populares da história, começa a atingir o público que lhe melhor aceita. Primeiro, há de se tentar
definir o teatro.
Fernando Peixoto (2006), em O que é teatro?, afirma que essa arte nasceu da necessidade
do ser humano de jogar. “No espírito lúdico aparece a incontida ânsia de ‘ser outro’, disfarçar-se
e representar-se a si mesmo ou aos próprios deuses ou assumir o papel dos animais que procurar
para sua sobrevivência, às vezes inclusive fazendo uso de máscaras” (PEIXOTO, 2006, p. 12).
O autor explica que, por vezes, a representação pode estar ligada aos mundos dos deuses e
religioso. No primeiro caso, o homem faz o deus descer à Terra e viver as mesmas situações que
uma pessoa de carne e osso. No ritual religioso, há sempre um evento festivo que reúne várias
pessoas, mesmo em funerais. Imitando uma caçada, o primitivo acreditava que uma ação falsa
próprio homem, tinha a possibilidade de ver-se de fora, podendo utilizar-se do riso para se
autocriticar.
Segundo suas pesquisas, “a teatralidade seria tudo aquilo que, na representação ou no texto
dramático, é especificamente teatral (ou cênico)” (PAVIS,1999, p372). O autor afirma que o
conceito tem sentido muito genérico, mas pode se opor ao texto dramático lido sem encenação.
De acordo com Barthes apud Pavis (1999)8, teatralidade é tudo o que está na cena e não está no
O estudioso pontua dois significados para teatralidade: a forma banal de se dizer que algo
o teatro nasce da ação de um público de olhar uma ou mais pessoas que estão em um lugar
diferente dele. O teatro muitas vezes é dividido entre literário e teatral, em que este último se
baseia puramente das técnicas. Mas, segundo Pavis (1999), um método depende do outro.
O gênero do teatro que nasceu na massa para Margot Berthold (2001) é a Comédia
8
BARTHES, R. Essays Critiques. Le Seuil, Paris. [Trad. bras., Perspectiva, São Paulo, 1970].
século XVI, na Itália, influenciada principalmente pelo Carnaval – com caricaturas de bufões,
máscaras - e artistas ambulantes. Assim, ela é conhecida também como teatro popular.
A autora explica que a Comédia dell’Arte – comédia de habilidade - foi criada como
oposição à comédia erudita. Seus atores eram os próprios criadores de seu teatro, tornando-se os
íntimo dele, para que na peça só fossem combinados os acontecimentos da trama – os chamados
lazzi. Os detalhes, portanto, ficavam por conta do improviso. De acordo com o autor, os atores
seguiam apenas um roteiro que ficava em cada lado palco, para que o curso da história fosse
seguido. Havia um elemento fundamental para o efeito cômico, o Zanni – inspirado nos servos de
A pesquisadora afirma que o ponto crucial dessa comédia eram os personagens tolos ao
exagero, como Pantallone, Dottore e Capitano. Em geral, o primeiro era rico, possuía uma filha
namoradeira ou era ele mesmo galanteador. Zanni era seu criado e o levava para aventuras, em
que no final sempre ganhava comida ou uma surra. Dottre recitava absurdos e certezas muito
lógicas, além de gerar desordem por onde passava. Capitano, por fim, era um fanfarrão medroso e
covarde em situações difíceis. Havia outros personagens que apareciam quando necessário, como
No geral, o teatro, ao longo dos séculos, tem se caracterizado como uma arte que abre
espaço para o lúdico, a fantasia e a imaginação. Patrice Pavis (1999), no Dicionário de Teatro,
procura a origem do teatro da fantasia na psicanálise para explicá-la no teatro. Freud apud Pavis
(1999)9 afirma que a fantasia é a imaginação da realização de um desejo partindo de uma situação
quanto o ator oscilam entre esses universos. O primeiro precisa fazer associações entre a imagem
e suas referências do que está acontecendo. Para o último, é necessário imaginar para dar
Pavis (1999) explica que todo o teatro está repleto de fantasia e é como um sonho. O
encontram-se necessariamente, já que cada um projeta no palco suas fantasias e seus desejos
inconscientes” (PAVIS, 1999, p. 162). Segundo o autor, é nessa troca que a encenação é
elaborada.
Uma das formas que a linguagem teatral utiliza para dar vazão à fantasia é o teatro de
brasileiro: temas, formas e conceitos. Segundo os organizadores da obra, nesse gênero os atores-
manipuladores quase não aparecem por trás de personagens antropomorfos, zoomorfos e míticos.
9
FREUD, S. 1969. Studienausgabe. Fischer Verlag, Frankfurt, 10 vol.
luva, são feitos de tecido e possuem apenas a cabeça e as mãos; os de vara e varetas quase sempre
têm corpo inteiro e são movimentados por varetas nas mãos e nos pés; as marionetes são mais
bem elaboradas e manipuladas por fios acima deles por um controle de madeira; os articulados,
parecidos com marionetes, mas controlados em suas extremidades com ou sem hastes; articulados
também podem ser os bonecos com articulações apenas nos olhos, boca e língua.
turnês no início do século XX. Guinsburg et al (2006) explicam que começaram a surgir, nas
consolidados e grupos formados com as tradições e novidades sobre marionetes, entre eles o
Guinsburg et al (2006) também citam em sua obra a opereta. De origem francesa, o estilo
foi criado em 1855 por Jacques Offenbach (compositor alemão) com o objetivo de satirizar e
parodiar obras sérias a partir de números musicais. No Brasil, a opereta foi introduzida poucos
anos depois, e atingiu o sucesso em 1865. Muitos espetáculos europeus foram adaptados para a
espectador, com figurinos, cenário e situações que o remetem à atualidade, sempre no formato
cômico. As vestimentas das personagens femininas contornam os corpos sensuais, que também
são revelados pelas coreografias frenéticas (há pensamentos de que aí está a origem do cancã). A
opereta tem seu declínio antes da II Guerra Mundial, mas deixa um gênero de igual sucesso, o
musical. Os autores atestam que são confusas as diferenças entre os dois estilos.
O teatro possui elementos fundamentais para a construção de uma peça, como o cenário e
o figurino. Patrice Pavis (1999) descreve o cenário como a montagem do espaço cênico de forma
plástica. No começo do século XX, a cenografia começou a ter mais importância. “Ele ocupa a
totalidade do espaço, tanto por sua tridimensionalidade quanto pelos vazios significantes que sabe
criar no espaço cênico. O cenário se torna maleável (importância da iluminação), expansível e co-
O autor explica que existe uma grande variedade de tipos e formas de cenários, em toda a
sua história. Portanto, ele pontua suas funções dramatúrgicas. Ilustração e figuração de elementos
que se supõem no universo dramático, em que pode haver desde poucos signos a uma montagem
completa do local da cena; construção e modificação sem restrições do palco, considerado como
máquina de representar, para fazer com que as expressões corporais dos atores desenvolvam os
lugares; e subjetivação do palco, que utiliza elementos sensitivos, fazendo com que estes apenas
lembrem ambientes.
Pavis (1999) explica que o figurino, atualmente, faz parte do conjunto cênico e não é mais
simplesmente a segunda pele do ator. Sua história é muito antiga e passa por modificações
diversas. O pesquisador cita a função do figurino de cobrir a nudez, assim como a vestimenta, já
que o teatro ainda possui restrições quanto a essa opção. Mas assim como o cenário, as roupas e
acessórios utilizados pelos atores têm significados, que podem seguir tanto o sentido interno
quanto externo. O primeiro segue a trama, a evolução do personagem, seu caráter, entre outros
aspectos. O último faz referências a nosso conhecimento cultural, como o histórico e regional.
funcionar como cenário ambulante, ligado à vida e à palavra” (PAVIS, 1999, p. 169). O autor
afirma que o figurino possui uma flexibilidade de significados incomparável aos outros
elementos do teatro. Para ele, não há entremeios quanto à qualidade desse item: ele é bom,
Em Estilo e meio no filme, Erwin Panofsky (2000) faz um estudo sobre o surgimento do
cinema e sua importância para a indústria cultural. O autor enfatiza que os primeiros filmes
tinham princípios folclóricos, por terem criado, desde o começo, uma linguagem única, como
próprio.
tragédia e romance, crime, aventura e comédia. Tal evolução reforça a idéia de autenticidade do
cinema, uma vez que aconteceu pelas possibilidades específicas do novo meio.
cenário se mova, além dos corpos que estão nele. Há ainda a capacidade do cinema de transmitir
personagem.
que tanto a imagem quanto o som têm sua importância nesse veículo. Os dois componentes, se
separados, não podem ser mais considerados como um filme. Essa é mais uma qualidade
diferenciada do filme em relação ao teatro, já que neste às vezes a fala de um personagem pode se
tornar mais chamativa do que sua imagem. O autor enfatiza essa divergência quando fala que o
texto cinematográfico é dificilmente bom para ser publicado como livro, porque ele deve conter
detalhes para compor a cena fisicamente. Enquanto isso, muitos textos de teatro bons de se ler
O cinema nasceu repleto de simbolismos e significações, mesmo que óbvios, para que o
espectador entendesse o enredo. O cinema mudo herdou da arte medieval as legendas explicativas,
o que funcionou até a chegada do cinema falado. Neste, a própria composição do cenário, do
figurino etc, deveria conter símbolos comuns ao cotidiano dos espectadores. Panofsky (2000)
afirma que esses “hábitos” permaneceram por muito tempo na história do cinema e são usados até
hoje.
O autor diz que as técnicas do filme se desenvolveram progressivamente, mas a que mais
primeiro exigia do ator expressões fortes e dramaticidade, mas sem a teatralidade do palco. Não
podiam, também, ser naturais, para compensar a falta de diálogo. A interpretação dos atores do
cinema mudo deveria ser “exagerada, em comparação com a representação teatral […], porém
mais rica, mais sutil e infinitamente mais precisa” (PANOFSKY, 2000, p. 358), em função da
câmera.
O pesquisador informa que vários filmes falados fazem referência aos mudos quando
possuem cenas em que o silêncio e a imagem predominam. Ele afirma, assim, que toda arte,
quando se desenvolve, mantém a sua base. Pode-se observar também que as obras menos
desprovidas de tecnologias, no futuro, acabam por se tornar clássicas. Na época em que surgiu o
cinema falado, esses filmes eram infinitamente piores que o cinema mudo.
Para finalizar, Panofsky (2000) cita o trabalho de cada componente de uma equipe de um
filme como igualmente importante, na medida em que a obra se faz em um momento para ser
eterna, e não é capaz de ser exatamente repetida, como acontece no teatro. Ele discute a questão
do comercial na obra de arte, e reconhece que, para que um filme se torne comunicável, atinja
alguém, é preciso que ele se torne comercial. O cinema é uma arte não menos importante que
qualquer outra, porque há nele “a realidade não estilizada de tal maneira que o resultado tenha
V. Pudovkin (1983), em O diretor e o roteiro, explica como o diretor pode compor uma
boa atmosfera do filme utilizando bem o roteiro e encaixando detalhes “corretamente observados”
(PUDOVKIN, 1983, p. 72). Ele afirma que não cabe ao roteirista especificar todos esses detalhes,
apenas formular abstratamente alguns deles. O diretor, então, deve absorver as citações e
transformá-las em plásticas.
Mas o autor esclarece que no cinema todos os dados devem ter razão para estar na cena.
“Todos os elementos devem ser acumulados e dirigidos com o objetivo único de resolver os
mesma forma, devem estar em harmonia com o ambiente. Ele cita o diretor David Griffith, cujo
auge da carreira foi na década de 1920, em que, nos filmes, os personagens estão sempre
melodrama possui grande facilidade para absorver mudanças, sem perder sua analogia; além de
Shakespeare. Segundo Huppes (2000), o melodrama é romântico, mas possui suas próprias
De acordo com a autora, em sua estrutura, o melodrama é bipolar: possui níveis horizontal
virtude. No plano vertical, altera momentos de extrema desolação e desespero, com outros de
serenidade ou de euforia, fazendo a mudança com espantosa velocidade” (HUPPES, 2000, p. 27).
A trama, geralmente, possui mais dinâmica no pólo negativo, mas termina com a vitória da
virtude.
Para ela, nesse gênero as intrigas não têm limite, pois são o grande instrumento dos autores. A
atualidade.
busca da realização amorosa. Esses elementos básicos traçam todas as características dos
personagens. O bom coloca o bem comum em primeiro plano, enquanto o mal é mais ativo e quer
satisfazer somente a si mesmo. Dois grupos se erguem, cada um ao lado de um pólo. No começo,
uma análise do fantástico, como um acontecimento no mundo real, mas que não pode ser
explicado por suas leis naturais. Quem o presencia possui duas escolhas: é fruto da imaginação
ou é real, mas de uma realidade incógnita para a pessoa. “Há um fenômeno estranho que se pode
explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de
Segundo o autor, o leitor deve estar totalmente integrado à história fantástica, ter a mesma
hesitação do personagem principal. O leitor é direcionado pela própria obra, que contém
percepções implícitas para isso. O fantástico depende da interpretação que o leitor dará ao texto.
Uma história pode mencionar vários eventos sobrenaturais, mas, se o leitor não reagir com
dúvidas, haverá outro sentido, o alegórico ou poético. O fantástico, portanto, alude não somente à
perturbação conseqüente de acontecimentos estranhos, mas também à forma como eles são
Todorov (1975) define, então, três condições para que a obra seja fantástica: o texto deve
fazer o leitor hesitar entre acreditar nos fenômenos sobrenaturais da história ou em explicações
Na história, a primeira característica deve ser alocada verbalmente, por meio de períodos
verbais que remetam à hesitação. A segunda condição tem aspecto sintático, na medida em que
deve haver reações do personagem quanto aos acontecimentos da trama; e aspecto semântico,
porque se refere a um assunto interpretado na obra. A última questão é bastante abrangente, trata-
se de escolhas.
O autor explica que, quando o leitor, no final da obra, decide eleger um dos dois
uma resposta racional, em que as leis naturais explicam o fenômeno, é a primeira opção. Se for o
contrário, ele acredita que existam novas possibilidades ainda desconhecidas, o gênero se torna
maravilhoso. Por isso, Todorov (1975) crê que o fantástico se desloca muito entre os dois
gêneros, perdendo sua autonomia. Ele define, então, subdivisões entre os três gêneros: o
O pesquisador enumera explicações que podem ser utilizadas para sanar o sobrenatural na
porque não há reação tanto nas personagens quanto no leitor. “Não é uma atitude para com os
Há também a ligação do fantástico com a poesia e o alegórico. O autor afirma que os dois
gêneros são muito complexos de se comparar, porque são distintos e possuem oposições
diferentes. A poesia é uma “combinação de palavras, não de coisas, e é inútil, melhor: prejudicial,
outros. O que distingue sempre o texto alegórico é o elemento simbólico inverossímil, mas
Em seguida, Todorov (1975) define três propriedades da estrutura de uma obra fantástica,
sobrenatural. O autor afirma que o exagero leva ao fantástico, porque reafirma o sentido do
período verbal. A segunda característica se refere ao narrador, que é quase sempre em primeira
discurso. Por fim, o terceiro traço diz respeito à estrutura da trama, em que todos os elementos
devem ser direcionados a um momento culminante, o clímax. O autor completa dizendo que o
fantástico é um gênero que enfatiza a necessidade de leitura da obra inteira para se entender a
Para analisar a microssérie Hoje é Dia de Maria, são utilizadas notícias da web; materiais
extras do DVD, como uma entrevista com o diretor Luiz Fernando Carvalho impressa em um
segunda parte da microssérie, devido à continuação direta da história. Exibida pela Rede Globo
de Televisão, primeira jornada foi transmitida em janeiro de 2005 com 8 episódios - duração de
mais ou menos 50 minutos cada um. A segunda temporada possui cinco episódios (também com
Para analisar o conteúdo do material empírico, são utilizadas categorias específicas. Estas
singulares do material.
São elas: roteiro, pelo significado da história da minissérie e em quais outras obras ela se
baseia; direção geral, como foi guiado todo o processo de produção, atuação, arte, fotografia, etc,
adaptando o roteiro às gravações; narrativa, para saber como se deu a transformação do roteiro
para minissérie; diálogos, em que se baseiam as falas, os sotaques e os termos utilizados pelos
personagens; a construção de personagens; os cenários, sobre como a locação foi adaptada para
as gravações e como se deu o uso de cores, texturas e objetos específicos; os figurinos, qual o
sentido das roupas e acessórios dos personagens e que influências elas têm; os bonecos e a
A microssérie Hoje é Dia de Maria foi exibida pela Rede Globo de Televisão. A primeira
jornada foi transmitida em janeiro de 2005 com oito episódios - duração de mais ou menos 50
minutos cada um. A segunda temporada possui cinco episódios (também com média de 50
minutos) e foi exibida em outubro do mesmo ano. Foi dirigida por Luís Fernando Carvalho e o
roteiro foi adaptado da obra do escritor e dramaturgo Carlos Alberto Soffredini pelo diretor e por
Hoje é Dia de Maria narra a história de uma menina órfã de mãe, cuja madrasta maltrata e
o pai vive viajando. Enquanto o pai se ausenta em uma longa jornada, a mulher dele enterra
Maria nos terrenos da casa, de onde nasce um capim muito verde. O pai chega e ouve a canção
triste da menina. Ao desenterrá-la, ela ressuscita. Maria, então, decide vagar pelo mundo afora
em busca de felicidade, traçando um caminho para o mar. Em seu passeio, a menina conhece
Asmodeu, que quer lhe comprar a sombra. A menina acaba por perder a infância e, de um dia
para o outro, vira adulta. Ela descobre o amor nos braços de um jovem amaldiçoado: de dia é um
A paixão de Maria lhe confere um novo inimigo, o saltimbanco Quirino que, louco de
ciúme, aprisiona seu amado. A irmã dele, Rosa, ajuda a moça a descobrir as armações do artista,
que se arrepende. Maria consegue achar seu amado, mas o ódio de Asmodeu é tanto que a faz se
tornar criança novamente. A menina, então, repete as mesmas experiências e volta para casa,
onde encontra toda a família reunida, como se nada tivesse acontecido. Ao final da segunda
jornada, e que Maria passa uma temporada na cidade procurando o caminho para casa, descobre-
se que toda a narrativa é contada pela avó da personagem, em uma tentativa de resgatar a neta de
interpretada por Letícia Sabatella. No elenco também estão Rodrigo Santoro, Fernanda
Montenegro, Osmar Prado, Stênio Garcia, atores do Grupo Galpão e bonecos do Giramundo,
O diretor, produtor e roteirista de Hoje é Dia de Maria (2005), Luiz Fernando Carvalho,
iniciou a carreira audiovisual aos 18 anos, como estagiário em diversos filmes. Depois, entrou
para o núcleo Usina de Teledramaturgia da Rede Globo de Televisão. Começou como diretor-
assistente em várias minisséries, entre elas Grande Sertão: Veredas. Em 1986, escreveu e dirigiu
seu primeiro curta metragem, A Espera, que recebeu prêmios renomados em festivais de cinema.
Depois, engatou a carreira na televisão, dirigindo a minissérie Riacho Doce (1990) e as novelas
Em 1990, após a leitura do romance Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, decidiu gravá-lo
em longa metragem. Carvalho foi ao Líbano pesquisar sobre a cultura mulçumana e aproveitou
para coletar materiais e fazer um documentário, Que seus Olhos sejam Atendidos (2000), co-
produzido pelo canal de televisão GNT. Em 2001, lançou seu primeiro longa metragem.
percorre várias regiões do Brasil e conta suas histórias por meio de adaptações da literatura para a
televisão. A primeira microssérie exibida dentro do projeto foi A Pedra do Reino. Carvalho, em
10
Luiz Fernando Carvalho. http://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Fernando_Carvalho, acessado em 15/03/2007.
matéria do site Planet News11, afirma: “trata-se de uma tentativa de um modelo de comunicação,
mas também de educação, onde a ética e a estética andam juntas. Estou propondo, através da
Hoje é Dia de Maria pode ser inserida nos conceitos de Theodor Adorno e Max
Horkheimer (2000) por ser um produto da indústria cultural, considerando-se sua veiculação em
canal de TV aberto. Mas, ao contrário das idéias dos frankfurtianos, essa microssérie não foi
produzida tendo como base um esquema padrão, porque ela se difere da maioria das produções
as quais não alienam telespectadores, como afirmam os pensadores. Pelo contrário, democratizam
específicas. Essa microssérie pode ser considerada singular dentro da indústria cultural,
principalmente devido ao horário em que foi exibida. Esse conceito se contradiz quando é
relacionado ao modo de produção das minisséries, que possuem mais liberdade do que outras
11
A Pedra do Reino. http://www.planetanews.com/produto/L/214958/pedra-do-reino--a-luiz-fernando-carvalho.html,
acessado em 19/11/2007.
teledramaturgias, como as novelas. Segundo Ciro Marcondes Filho (1999), na produção das
A exibição da microssérie pela TV Globo está introduzida na idéia de Edgar Morin (1997)
de que a cultura de massa precisa dar espaço a inovações artísticas para se sustentar. Ele afirma
Maria cabe na segunda opção, e pode ser considerada uma ousadia da emissora líder de
audiência, que costuma ser mais atenta a produtos lucrativos, como explica Ciro Marcondes Filho
(1999).
Em desacordo com Morin (1997), o objeto analisado foi produzido para um público
clássicos da literatura, da música e das artes plásticas, entre outros, mas conseguiu simplificar
Carvalho afirma que o projeto nasceu de influências como os contos populares recolhidos da
oralidade popular brasileira por Silvio Romero e Câmara Cascudo, pinturas de Cândido Portinari
John B. Thompson (1998) trabalha o termo comunicação de massa não como várias
pessoas que recebem a mesma informação, mas uma mensagem que está disponível a uma grande
quantidade de pessoas. O objeto de estudo inclui-se nesse contexto, além de poder gerar
discussões e debates após sua transmissão, como afirma o autor. Gilles Lipovetsky (2001)
concorda ao afirmar que, por disponibilizar tantas opções, a indústria cultural proporciona ao
Mas, apesar das referências populares, a minissérie constitui um produto fora dos padrões
industriais, o que pode exigir uma recepção mais sofisticada e/ou afastar o público médio da TV.
4.3 O meio de comunicação e o tipo de programa
Dominique Wolton (1996) e Arlindo Machado (2005) defendem a televisão como grande
difusora da cultura no Brasil, situação confirmada por estudos de Priolli apud Bucci (2000) e
Renato Ortiz et al (1989), mas pouco considerada por intelectuais para pesquisas quanto a seu
conteúdo. Wolton (1996) e Machado (2005) concordam que pode haver programas que agregam
Machado (2005) há uma listagem de programas considerados pelo autor com essa característica,
e poucos são brasileiros. Pode-se dizer, então, que a microssérie, é uma raridade nesse aspecto,
microssérie, porque, de acordo com Mônica Almeida Kornis (2001), Daniel Filho (2001) e Ana
Maria C. Figueiredo (2003), possui mais liberdade de produção, preocupação com a qualidade e
seu público é mais seleto. Hoje é Dia de Maria foi baseada em textos da literatura nacional, o que
confirma a pesquisa de Figueiredo (2003). Além disso, outra característica citada pela autora e
Hoje é Dia de Maria está bem perto de ser considerada um produto artístico, como afirma
Figueiredo (2003) quanto ao gênero, por possuir tanta riqueza cultural e pouca preocupação
comercial.
A produção possui duas jornadas, com um período longo entre uma e outra, o que torna a
segunda uma retomada. É uma continuação de um produto que fez sucesso, mas não é criada com
objetivos puramente comerciais, como assegura Umberto Eco (1989). Tem algumas personagens
historicamente por Renato Ortiz et al (1996). Esse tipo de dramaturgia é fortemente criticado por
Ciro Marcondes Filho (1999), que o compara ao teatro realista. A microssérie em questão se
aproxima mais ao conteúdo do teatro realista, por se aprofundar mais ao assunto e dar
composição; e ao espaço social; entre outros elementos. Marcondes Filho (1999) afirma que o
teatro realista possui conteúdo que gera reflexão ao telespectador. Mas na forma, o objeto de
estudo não está ligado a esse conceito, e sim às outras influências já citadas, como o teatro da
Hoje é Dia de Maria foi produzida com tecnologia avançada mostrada no making of
incluso do DVD. O domo12 utilizado como uma das únicas locações precisou de grande
quantidade de mão-de-obra para manusear os mais variados pontos de luz, produzir o cenário e o
figurino, entre outros elementos. A terceira fase da televisão, de 1975 a 1986, denominada por
Valério Cruz Brittos (1999), foi a época em que mais se investiu na tecnologia da televisão
brasileira. A quinta fase, que começou na década de 1990, mostra globalização da informação. A
microssérie demonstra essa atitude ao difundir culturas de diversas regiões brasileiras e do mundo
No site oficial de Hoje é Dia de Maria13, há uma matéria que cita a utilização da câmera
Viper, da Thomson, que pela primeira vez é usada na América Latina. A câmera é originária do
cinema e possui alta definição. Por meio de processos inovadores, as imagens são transmitidas
por fibra óptica para um servidor na ilha de pós-produção, onde são gravadas.
12
Estúdio circular de 360 graus reutilizado do palco circular do festival Rock in Rio. Montado sobre solo natural,
possui 170 metros de diâmetro e 10 de altura. Informação retirada do site
http://www.teledramaturgia.com.br/hojeediab.htm, acessado em 28/11/2007.
13
Câmera de alta definição é novidade no Brasil. http://redeglobo.globo.com/Blog/0,27062,4875-p-050911-
050917,00.html, acessado em 28/11/207.
Gabriel Priolli et al (2000) afirma em seu estudo que a Rede Globo fez migrar diversos
profissionais do teatro, da literatura, do cinema e do rádio para que a produção cultural de sua
programação seguisse seu padrão de qualidade, o que formou o grupo dos produtores culturais
qualidade da produção dramatúrgica, e sem ela Hoje é Dia de Maria não teria sido realizada.
como os atores do grupo de teatro Galpão, Rodolfo Vaz, Inês Peixoto e Antônio Edson, o as
marionetes do Teatro de Bonecos Giramundo e o roteirista Luís Alberto de Abreu, que também
era do palco.
tanto de outros homens quanto de animais, inclusive com o uso de máscaras e bonecos, como
afirma Fernando Peixoto (2006). Depois, porque grande parte dos seus elementos possui
teatralidade. O termo, explicado por Patrice Pavis (1999), se refere a tudo o que está na cena e
microssérie é bem teatral, tanto quanto a fala dos personagens, que possui rimas, poesia e
metáforas. De acordo com Pavis (1999), em Hoje é Dia de Maria o palco é maleável e tem
14
GUILEN, Francine “Stra. Ni”. E foi dia de Maria. http://a-arca.uol.com.br/v2/artigosdt.asp?
sec=1&ssec=8&cdn=5774, acessado em 05/04/2007.
montagem completa do local da cena. Segundo o diretor Luiz Fernando Carvalho, em entrevista
ao livreto anexado ao DVD da série, o espaço em que a maioria das cenas foi gravada, o domo,
foi escolhido para representar o emocional de uma determinada realidade, com painéis e pinturas,
além de vários objetos reciclados. Pavis (1999) diz que o cenário segue a trama, a evolução do
personagem e seu caráter, entre outros aspectos. É o que acontece com a personagem Maria, que,
por cada situação que passa, conhece lugares diferentes, como a comunidade em que aparece
diretor exigiu que ela e suas colegas pensassem no século XIX para trás na produção da primeira
jornada, e no século XX para frente na segunda jornada. Pavis (1999) afirma que as roupas e
acessórios utilizados pelos atores têm significados, que podem seguir tanto o sentido interno
quanto externo e fazem referências a nosso conhecimento cultural, como o histórico e regional. O
figurino em Hoje é Dia de Maria sofre influências inúmeras, tanto de regiões do Brasil e outros
Pode-se perceber que, pelos bordados do vestido de Maria criança e por sua simplicidade,
o modelo é originário das áreas rurais do Brasil. A vestimenta da Madrasta é mais robusta, com
dell’Arte são evidentes na parte em que se mostra o teatro mambembe de Quirino e Rosa.
Segundo Margot Berthold (2001), nesse teatro há o uso do improviso. Pode-se identificar isso na
cena em que o pai de Maria é chamado para se apresentar pela primeira vez, sem qualquer ensaio,
para cobrir a promessa de Rosa ao público de uma surpresa. O Pai pode ser considerado o Zanni,
estúpido.
Hoje é Dia de Maria é marcada por situações que se referem ao teatro e à literatura
fantástica. Tzvetan Todorov (1975) e Patrice Pavis (1999) afirmam que o fantástico acontece
quando há situações em que o real se mistura com ilusões, em momentos parecidos com sonhos.
No final da segunda jornada, o espectador descobre que a microssérie é toda uma história fictícia
Alguns exemplos de situações fantásticas são os momentos em que Maria encontra a santa
pássaro, que se transforma em ser humano somente à noite; a morte do pai encontrando sua
mulher, que já estava morta. No início da segunda jornada, Maria encontra a cabeça da madrasta -
sem qualquer explicação -, que diz que ela está vivendo um sonho.
Maria, são bonecos. De acordo com J. Guinsburg et al (2006), eles são marionetes, porque são
manipulados por fios acima deles por um controle de madeira. O Teatro de Bonecos Giramundo,
de Belo Horizonte, foi responsável por esse aspecto na microssérie. O grupo é citado por
Guinsburg et al (2006) como um dos mais antigos pesquisadores na área. Mas também cenas em
O objeto de estudo também faz referências à opereta, porque utiliza várias cantigas e
canções. Na primeira jornada, um desses momentos acontece quando Maria desafia o diabo com
poesia repentista, em que versos improvisados são cantados acompanhados de viola nordestina 15.
Mas, na seqüência a microssérie, essa característica fica mais evidente, porque há vários diálogos
15
OBEID, César. Poesia Repentista. http://www.teatrodecordel.com.br/, acessado em 28/11/2007.
cantados, o que confirma a pesquisa de Guinsburg et al (2006). Ele diz que o enredo da opereta é
constituído de diálogos falados, cantos e danças com características épicas, líricas e dramáticas.
Na microssérie há até uma cena em que bonecas dançam cancã, que, segundo o autor, pode ter
Hoje é Dia de Maria é repleta de referências à cultura popular, com elementos como o
riso, o vocabulário popular e grotesco, as festas populares e o corpo grotesco, pesquisados por
Mikhail Bakhtin (1999). Na trama, há vários momentos em que prevalece a comédia, como por
riso passou a ser valorizado entre os intelectuais. Douglas Kellner (2001) dialoga com Bakhtin
(1999) quando diz que a cultura popular foi vista como inferior pelos teóricos da Escola de
amparado na linguagem do sertanejo e aparentado das obras do escritor Guimarães Rosa. Mas,
em acordo com o estudo de Bakhtin (1999), a linguagem é familiar, livre de polidez e cerimônias.
Os personagens da primeira jornada de Hoje é Dia de Maria moram no sertão e têm sotaque e
palavreados de regiões rurais. Apenas alguns personagens, como o de Rodrigo Santoro, o Amado,
possuem fala rebuscada e poética. Joaninha, a filha da Madrasta, fala sempre em comer na
primeira jornada. Na segunda, Maria sente fome várias vezes. O autor afirma que referências a
As festas, outro item da cultura popular descrito por Bakhtin (1999), também estão na
história. Há dois casamentos com festas na rua, o do pai de Maria com a Madrasta e o da
protagonista – que quase acontece com o príncipe da comunidade em que ela vive quando se
Oriente. No outro, parece haver uma festa em uma senzala., nos moldes de rituais africanos.
A imagem grotesca pode ser vista desde o começo da microssérie, quando o pai de Maria
sofre de alcoolismo. Ele tenta afastar a tristeza de ter perdido a mulher e os filhos no exagero com
a bebida. Outra situação grotesca é a venda da sombra de Zé Cangaia por um sanduíche enorme.
Depois, ele tem uma dor de barriga e defeca ao ar livre, em frente a Maria, sem que esta sinta
nojo. Bakhtin (1999) também aponta os corpos grotescos, sempre inacabados e estranhos, como
original também segue essas características, tendo, inclusive, patas e chifres de bode.
Hoje é Dia de Maria utiliza técnicas do cinema, como a locomoção da câmara para que o
próprio espaço do cenário se mova, além dos corpos que estão nele – técnica explicada por Erwin
Panofsky (2000). Na série, são inúmeras as vezes em que a câmera se desloca para interpretar o
que acontece na cena, como quando Mariazinha perde sua chave e se torna pequena diante dos
experiências psicológicas apenas pelo olhar do personagem, como nas cenas em que Maria adulta
V. Pudovkin (1983) afirma que o roteiro deve ser bem adaptado pelo diretor, que precisa
encaixar seus detalhes adequadamente. Em Hoje é Dia de Maria, apesar da riqueza destes, pode-
se observar que Luiz Fernando Carvalho consegue encaixá-los muito bem. O diretor mistura
referências que acabam por combinar, como na cena em que os cobradores aparecem, alinhados e
robóticos, em meio ao chão árido. São tantas as influências, em ambas as jornadas, mas tudo na
A trama de Hoje é Dia de Maria também possui muitas referências do melodrama. Ivete
Huppes (2000) explica que nas histórias melodramáticas há sempre o conflito entre o bem e o
Maria está constantemente lutando contra a própria personificação do mal, o diabo Asmodeu, que
ainda por cima aparece em diversos formatos. Assim como no estudo da autora, há mais dinâmica
que Maria, quando está triste, chora e, quando está alegre, é só gargalhadas. Na fase adulta, Maria
passa por vários empecilhos para ficar com seu Amado. Asmodeu, em parceria com Quirino,
coloca vários obstáculos nos encontros do casal, que já eram difíceis devido à transformação do
Amado em pássaro de dia. Finalmente, Maria consegue seu amor de volta, mas perde-o
Portanto, pode-se observar que Hoje é Dia de Maria possui referências de várias vertentes
cultura popular se destacam nesse contexto, porque remetem ao lúdico e à memória infantil
A microssérie Hoje é Dia de Maria revela que pode haver programas que se aproximam
da arte na televisão aberta brasileira. Mesmo que o horário de exibição seja tarde para muitos
espectadores, as emissoras estão abrindo espaço para que o público tenha mais variedade na
escolha do que quer assistir. A iniciativa da Rede Globo é muito importante, porque disponibiliza
informações antes presas em mídias não tão acessíveis à maioria da população e as democratiza.
A minissérie é uma alternativa na dramaturgia brasileira que abriu portas para produções
que se interessam mais pelo conteúdo do trabalho do que de publicidade e lucros. A televisão é
um meio de comunicação de massa, mas nem por isso deve ser vista como um veículo que se
presta exclusivamente ao entretenimento. A TV, justamente por atingir uma grande quantidade de
pessoas ao mesmo tempo, deve abrir mais espaço para a educação em sua grade.
Hoje é Dia de Maria introduziu novos parâmetros até mesmo para as próprias minisséries.
simples e lúdica. Somente o fato de resgatar a cultura popular brasileira por meio de cirandas, de
O diretor da microssérie, Luiz Fernando Carvalho, que também adaptou a obra de Carlos
Alberto Soffredini em parceria com Luís Alberto de Abreu, é um expoente na área audiovisual do
Brasil. Seus trabalhos variam entre novelas, minisséries, curtas e longas metragens, todos
na Rede Globo, emissora líder em audiência no país, para produzir uma obra de indiscutível
ter papel positivo na cultura de um povo, democratizando informações importantes sem banalizá-
las.
público cada vez maior no Brasil. Vimos que a teledramaturgia tem papel fundamental na
minissérie é o mais novo formato de dramaturgia na TV, e foi criada para se fazer experiências e
No terceiro capítulo, pontuamos as várias referências que Hoje é Dia de Maria possui.
Pudemos entender que um produto televisivo também pode ter teatro, cinema e literatura em sua
por mais que façamos uma profunda pesquisa, ainda faltam diversas referências a serem
analisadas.
Portanto, ainda existem esperanças e chances para que a televisão brasileira utilize seu
poder para oferecer produtos mais bem acabados, que reflitam a cultura popular e permitam uma
apreciação fora dos padrões convencionais. Este estudo comprova as alternativas que o veículo
possui. Hoje é Dia de Maria faz referências a muito mais vertentes das artes do que as exploradas
Ainda há muito o que pesquisar sobre esse lado positivo do poder televisivo. Este trabalho
apenas disponibiliza idéias para que outros estudiosos descubram outras possibilidades e
BORELLI, Silvia Helena Simões. PRIOLLI, Gabriel (coords.). A deusa ferida: por que a Rede
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Fernando Carvalho. Intérpretes: Carolina Oliveira, Letícia Sabatella, Rodrigo Santoro, Stenio
Garcia, Osmar Prado, Fernanda Montenegro e outros. Rio de Janeiro: Globo Marcas, 2006. 3
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