Ana Elisa Alves de Oliveira: O Tesouro Nas Franjas Do Mar

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ANA ELISA ALVES DE OLIVEIRA

O Tesouro nas Franjas do Mar:

A microssérie Hoje é Dia de Maria como inovação de linguagem e tecnologia na televisão

brasileira

BELO HORIZONTE

2007
2

ANA ELISA ALVES DE OLIVEIRA

O Tesouro nas Franjas do Mar:

A microssérie Hoje é Dia de Maria como inovação em linguagem e tecnologia na televisão

brasileira

Monografia apresentada ao curso de Comunicação


Social, do Departamento de Ciências da Comunicação,
do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH,
como requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Jornalismo.

Sob a orientação do professor Juarez Guimarães Dias.

BELO HORIZONTE

2007
Dedico esta monografia a todos que acreditam na televisão brasileira
como forma de orientar e levar cultura ao povo.
Agradeço ao professor Juarez Dias por me ensinar tanto sobre sua arte, o
teatro, e por suas palavras de conforto nas sextas-feiras exaustivas. A
todos os outros mestres, por terem criado em mim – cada um a seu modo
- a vontade de me aprofundar nos estudos do veículo que mais me tocou
desde a infância. E à minha família, origem de tanta curiosidade e
dedicação.
Constança, meu bem constança
Constante sempre serei
Constante até a morte
Constante eu morrerei

Cantiga de roda
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................7

1 PADRONIZAÇÃO OU DEMOCRATIZAÇÃO DOS PRODUTOS CULTURAIS?.........11


1.1 A perspectiva crítica sobre a indústria cultural.........................................................................11
1.2 Outros olhares sobre a indústria cultural..................................................................................15

2 A GENTE SE VÊ POR AQUI..................................................................................................22


2.1 O veículo aliado das massas e suas polêmicas discussões.......................................................22
2.2 A evolução da TV no Brasil.....................................................................................................24
2.3 De capítulo em capítulo............................................................................................................30

3 HOJE É DIA DE MARIA E SUA FUSÃO DE LINGUAGENS...........................................40


3.1 Da cultura popular ao teatro da fantasia...................................................................................40
3.2 A arte fotografada em movimento............................................................................................48
3.3 Gêneros especiais: melodrama e literatura fantástica...............................................................51

4 UMA MICROSSÉRIE PARA MUDAR A HISTÓRIA DA TV...........................................55


4.1 As origens de Hoje é Dia de Maria..........................................................................................56
4.2 Produto da Indústria Cultural...................................................................................................58
4.3 O meio de comunicação e o tipo de programa.........................................................................60
4.4 Referências em Hoje é Dia de Maria.......................................................................................62

CONCLUSÃO..............................................................................................................................68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................70
INTRODUÇÃO

Em tempos em que o conteúdo da televisão brasileira se torna cada vez mais dependente

da publicidade, uma microssérie foi ao ar com idéias ousadas e inovadoras. Hoje é Dia de Maria,

exibida pela Rede Globo em 2005, é uma produção singular na televisão aberta do Brasil. Desde

o surgimento dessa mídia no país, na década de 1950, até hoje, foram raras as teledramaturgias

produzidas com caráter tão artístico e livres de poderes comerciais.

Hoje é Dia de Maria é considerada uma microssérie, minissérie em curta temporada, que

é uma segmentação da ficção seriada em TV surgida na década de 1980. A microssérie utilizou

linguagem e estética teatrais, cinematográficas, literárias e da cultura popular, entre outros, para

compor sua produção.

A série teve duas temporadas e foi ao ar em janeiro de 2005 e outubro do mesmo ano –

esta última acrescentada pelo subtítulo “segunda jornada”. Foi aclamada pela crítica, como no

site Digestivo Cultural, em que o crítico Marcelo Maroldi1 diz que esse foi o melhor programa de

TV que ele já assistiu em toda a sua vida. Ele elogia história, cenário, e atuação, principalmente.

Os altos índices de audiência confirmam também o sucesso de público que a Hoje é Dia

de Maria alcançou. Segundo matéria publicada no Estado de São Paulo em 13 de janeiro de

2005, o Ibope registrou 34 pontos na Grande São Paulo com 51% share (participação no total de

TVs ligadas), na primeira jornada. A microssérie foi indicada em duas categorias ao Emmy

Internacional de 2006 - pela atuação de Carolina de Oliveira, intérprete de Maria na infância, e na

categoria filme para TV/mini-série, além de outros prêmios2.


1
MAROLDI, Marcelo. Hoje é Dia de Maria. .http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1735,
acessado em 05/04/2007.
2
Microssérie recebe duas indicações para o Emmy. http://redeglobo.globo.com/Blog/0,,4875,00.html, acessado em
15/03/2007.
Hoje é Dia de Maria foi dirigida por Luiz Fernando Carvalho, destaque da cena

audiovisual brasileira. A microssérie, adaptada da obra de Carlos Alberto Soffredini, narra a

história de uma menina que sai de casa para encontrar o segredo nas franjas do mar, e seu

caminho é repleto de encontros inusitados e ricos em novidade.

Como grande admiradora de histórias ficcionais em audiovisual, direcionei-me à área da

televisão nesta pesquisa para poder compreender mais sobre o veículo que atinge o maior número

de pessoas no mundo inteiro. Essa mídia me atraiu muito cedo – minhas mais antigas lembranças

são das telenovelas Barriga de Aluguel e Top Model, exibidas na Rede Globo em 1990, quando

tinha entre quatro e cinco anos de idade.

Por meio de minha especialização, o jornalismo, pude compreender até agora como se

trabalha com histórias da vida real. Tive a oportunidade de participar de produções audiovisuais

ficcionais no curso de cinema da Escola Livre de Cinema, em três curtas metragens como

diretora de produção, entre outras funções.

No curso, descobri como é montar uma história e personagens e escrever um roteiro que

possa ser filmado; trabalhar cores por meio de cenários, figurinos e maquiagem; criar pontos de

luz e sombra; trabalhar a construção dos personagens nos atores e ensaiar cenas; dar continuidade

à história; estipular um programa de gravação; e, principalmente, descobrir os valores comerciais

do roteiro e dos outros elementos dos curtas, para captar recursos financeiros e de apoio.

Por meio deste projeto, pretendo conhecer mais e estudar uma área do audiovisual que

agrupa elementos das duas mídias pelas quais mais me interesso: a televisão e o cinema. Quero

entender como a minissérie utiliza recursos cinematográficos ignorados pelas telenovelas, por

serem considerados artísticos demais e pouco comerciais. Além disso, quero compreender a

linguagem teatral e seus elementos, por ser a origem desses veículos.


No primeiro capítulo, discutiremos a industria cultural, com os autores Theodor Adorno

(2000), Max Horkheimer (2000), Edgar Morin (1997), Mauro Wolf (1999), John B. Thompson

(1998), Gilles Lipovetsky (2001) e Douglas Kellner (2001). A discussão sobre a indústria

cultural, nesta pesquisa, não é nova, mas mantém a sua atualidade por ser ela a base das questões

levantadas.

No segundo capítulo, trataremos do veículo que mais atinge o público brasileiro, a

televisão, a história da teledramaturgia brasileira e a inovação das minisséries. Utilizaremos os

autores Dominique Wolton (1996), Arlindo Machado (2005), Valério Cruz Brittos (1999),

Gabriel Priolli et al (2000), Umberto Eco (1989), Renato Ortiz et al (1989), Ciro Marcondes

Filho (1999), Mônica Almeida Kornis (2001), Daniel Filho (2001) e Ana Maria C. Figueiredo

(2003).

Priolii et al (2000) explicam que no Brasil a televisão nasceu com caráter jornalístico. Em

1968, Walter Clark – personagem fundamental na construção do padrão Globo de qualidade -,

cria a programação-sanduíche, em que o prime time reside a novela das sete, o Jornal Nacional e

a novela das oito. Desse modo, a telenovela se torna âncora da programação da emissora.

Assim, nasceu a importância da ficção seriada para a cultura brasileira. Dessa forma,

também, a programação começa a se encaixar horizontalmente. Os programas passam a ter

horários fixos semanais e mensais. A novela, então, é o programa que mais possui horários

durante a semana.

Mas o formato das telenovelas começou a se desgastar no início dos anos 1990. O prime

time começou a perder audiência, o que persiste até hoje. Pensando em novas formas de ficção

seriada, a Rede Globo começou a investir em seriados e, mais tarde, em minisséries. Estas

últimas ganharam relevância na grade da emissora por terem maior requinte na produção, em

todos os aspectos.
No terceiro capítulo, discutiremos as várias linguagens que Hoje é Dia de Maria possui,

com os autores Margot Berthold (2001), Patrice Pavis (1999), Fernando Peixoto (2006), Bakhtin

(1999), J. Guinsburg et al (2006), Erwin Panofsky (2000), V. Pudovkin (1983), Ivete Huppes

(2000) e Tzvetan Todorov (1975). O teatro, o cinema, a literatura e a cultura popular se

encaixarão nessa parte do estudo.

No quarto capítulo, será realizada a análise de Hoje é Dia de Maria por meio dos autores

e conceitos pesquisados.

Hoje é Dia de Maria tem relevância na história da produção televisiva brasileira por ser

ter tido tantos aspectos artísticos e por ter feito tanto sucesso. Por isso, é de extrema importância

analisar a estrutura narrativa e estética de um formato de ficção seriada que nasceu para inovar a

linguagem televisiva por meio de uma microssérie que realmente teve impacto e trouxe

modificações radicais na linguagem televisiva.


1 PADRONIZAÇÃO OU DEMOCRATIZAÇÃO DOS PRODUTOS CULTURAIS?

1.1 A perspectiva crítica sobre a indústria cultural

A comunicação de massa é alvo de diferentes opiniões desde seu surgimento, em 1927

(por meio de uma corrente de estudos originada do livro Propaganda: Techniques in the World

War, de Harold D. Lasswell3). Os estudiosos precursores, como Theodor Adorno (2000), Max

Horkheimer (2000) e Edgar Morin (1997), foram mais atentos aos efeitos negativos que esse

novo movimento causou. Suas críticas atingiram desde a padronização dos produtos culturais até

a relação superficial que o espectador desenvolve com o meio de comunicação de massa.

A Escola de Frankfurt, liderada pelos filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer

(2000), tem uma visão pessimista e apocalíptica sobre a mídia e a comunicação. No texto A

Indústria Cultural: o Iluminismo como mistificação de massas, baseados nas teorias dos autores

Karl Marx e Sigmund Freud, os frankfurtianos defendem que a padronização dos produtos

culturais elimina o poder de voz da população. “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade do

próprio domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena” (ADORNO et al, 2000, p.

170). A sociedade perde a identidade por seguir um padrão ideal, o que, segundo eles, garantirá a

manutenção da ordem social.

Essa escola diz que, após a Revolução Industrial, no início do século XX, ocorreu a

segunda industrialização, no âmbito da cultura, originando a indústria cultural. Este termo foi

utilizado por Adorno e Horkheimer (2000) para substituir a expressão “cultura de massa”,

3
LASSWELL, H. Techniques in the World War. Knopf, New York: 1927.
adicionando ao significado de cultura que nasce da própria massa o sistema gerado pelos meios

de comunicação. A padronização atinge cada setor do processo do produto cultural, gerando

repetições contínuas da forma como ele é feito. A fórmula chega ao consumidor, maior vítima da

racionalização causada pela indústria cultural.

Mauro Wolf (1999), na obra Teorias da Comunicação, explica a idéia da Escola de

Frankfurt quanto à individualidade na indústria cultural. Para eles, as pessoas perdem a

autonomia ao serem encaixadas nesse universo. “A ubiqüidade, a repetitividade e a

estandardização da indústria cultural fazem da moderna cultura de massa um meio de controle

psicológico inaudito” (WOLF, 1999, p. 87).

A manipulação é realizada até mesmo no momento de lazer. Segundo Adorno e

Horkheimer (2000), o consumidor não tem o poder de escolha. Ele é, ao contrário, o escolhido

para ser atingido pela indústria cultural. Compra produtos que não custaram esforço criativo

algum, são totalmente desprovidos de espontaneidade e têm uma receita básica de produção. Por

isso, a produção da indústria cultural é mecanicamente econômica. De acordo com os autores,

essa fórmula facilita a sedução do consumidor pelo meio. Assim, ele se encontra em freqüente

estado de inércia intelectual, incapaz de refletir sobre aquilo que lhe foi transmitido.

Outro aspecto da indústria cultural auxilia na organização e padronização do consumo é a

estereotipização. Este divide os produtos culturais em vários gêneros, o que gera normas fixas. Os

estereótipos, portanto, adaptam e acomodam ainda mais a audiência. O espectador passa a

receber informações já classificadas, não possuem a oportunidade de definir o que lhe é

transmitido. Na pior das hipóteses, o estereótipo pode privar o indivíduo da compreensão da

realidade.

Edgar Morin (1997), em Cultura de massas do século XX: neurose, faz um estudo mais

amplo sobre o surgimento da Terceira Cultura, desenvolvida no começo do século XX ao lado de


culturas clássicas – religiosas e humanistas. Nela, manifestações são massificadas pela imprensa,

pelo cinema, pelo rádio e pela televisão, entre outros meios. Denominada pelo autor como cultura

de massa, a Terceira Cultura é

Produzida segundo as normas maciças de massificação industrial; propagada


pelas técnicas de difusão maciça, (…); destinando-se a uma massa social, isto é,
um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das
estruturas internas da sociedade (classes, família, etc.). (MORIN, 1997, p. 14)

Morin (1997) explica que a cultura orienta uma sociedade. Ela impõe hábitos e regras em

forma de símbolos, mitos e imagens que encaixam seus membros em um senso comum. O autor

diz que podem existir várias culturas vivendo paralelamente. A cultura de massa é uma delas e

não anula as já existentes, apenas as complementa. No entanto, ela também compete com as

outras, que são: cultura nacional, cultura religiosa e cultura humanista.

A cultura de massa contrapõe-se às idéias dos intelectuais. Eles vêem essa nova vertente

como totalmente inferior às artes. Segundo o autor, a “direita” a enxerga como “barbarismo

plebeu”. A crítica dos filósofos de “esquerda”, influenciados pelo marxismo, considera a cultura

de massa como “barbitúrico (o novo ópio do povo) ou mistificação deliberada (o capitalismo

desvia as massas de seus verdadeiros problemas)” (MORIN, 1997, p. 17).

Na cultura de massa, o maior objetivo é a idéia capitalista do lucro. Os produtos são

produzidos em série e necessitam de técnicas cada vez mais avançadas, o que leva Morin (1997)

a chegar ao conceito da indústria cultural. Para o autor, há a preocupação de se atingir o maior

número possível de pessoas, tanto no sistema privado (máximo de lucro, com a intenção de

entreter) quanto no sistema estatal (interesse político e ideológico, para educar e convencer).
Para ele, ao mesmo tempo em que a cultura de massa precisa de produções padronizadas,

é necessário dar espaço a inovações artísticas para se sustentar, como em filmes e músicas, por

exemplo. Por isso, os produtos culturais oscilam entre o comercial/burocratizado e o espaço de

criação/arte. Segundo o autor, o equilíbrio entre padronização e individualização é freqüente.

A indústria cultural procura um público variado, leva-o a informações igualmente

variadas e a um denominador comum. Prevalece a homogeneização, o sincretismo, com produtos

de estruturas simples e diretas. Mas, quando essa mistura atinge as gerações, domina a

juventude. Isso pode ser explicado porque, atualmente, os jovens e adultos jovens são os maiores

consumidores da cultura de massa.

A linguagem ideal para se atingir o público médio de um produto da cultura de massa é o

audiovisual, que une imagem, som, palavra e escrita. Essa linguagem desenvolve o campo

imaginário do homem comum, meio adulto e meio criança. Seu gosto varia entre jogo,

divertimento, mito e conto.

Morin (1997) estuda também a democratização e a banalização da alta cultura gerada pela

sua industrialização. Clássicos da literatura, da música, das artes plásticas, por exemplo,

encaixaram-se em compactos e linguagem simples para atingir o grande público. Essa atitude,

muitas vezes, leva à vulgarização da obra. De acordo com o autor, os processos elementares da

vulgarização são: simplificação (por exemplo, diminuição do número de personagens),

modernização (adaptação de tramas clássicas para o presente, de forma simples), maniqueísmo

(diferença radical entre bem e mal) e atualização (influência explícita do melodrama).

A cultura está envolvida principalmente com um aspecto da vida do homem, o lazer. No

momento em que estão livres para se firmar enquanto indivíduos privados, o público pensa que se

afasta da indústria, mas é aí que mais têm a possibilidade de ter uma vida consumidora.
O espetáculo é um elemento importante no lazer. As novas técnicas, como diz o autor,

revitalizaram a forma como os espetáculos são transmitidos. Por meio da televisão,

principalmente, o espectador se encontra em estado passivo. Assim, o pesquisador afirma que as

“telecomunicações (digam elas respeito ao real ou ao imaginário) empobrecem as comunicações

concretas do homem com seu meio” (MORIN, 1997, p. 71).

O espectador tem uma necessidade arcaica de se satisfazer com o jogo, o canto, a dança, a

poesia, a imagem e a fábula. Apesar disso, a relação estética que ele desenvolve com o meio de

comunicação surgiu somente na nova cultura. O ser humano se encanta com todas as formas de

projeção, porque nelas há uma certa forma de libertação psíquica. Portanto, a identificação do

público com os produtos da indústria cultural é totalmente profunda, ainda que estes difamem a

superficialidade das relações interpessoais.

1.2 Outros olhares sobre a indústria cultural

Pesquisadores mais recentes da história dos estudos científicos sobre cultura e

comunicação percebem qualidades na indústria cultural. John B. Thompson (1998), Gilles

Lipovetsky (2001) e Douglas Kellner (2001) vêem esse movimento não só como padronizador

das idéias, mas também como democratizador das informações. Alguns deles defendem que há

interação entre espectador e veículo na indústria cultural, mesmo que insatisfatória para o

primeiro.

Em A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, John B. Thompson (1998) faz

um estudo sobre a influência da mídia na composição da sociedade. O autor defende a idéia de


que “o uso dos meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida

social, criando novas formas de ação e interação, e novas formas de exercer o poder”

(THOMPSON, 1998, p. 14). O texto analisa os fundamentos de uma teoria social da mídia,

contextualizando o meio social em que a comunicação se desenvolve.

A obra abrange tanto o caráter significativo das formas simbólicas da mídia quanto sua

contextualização social, já que o desenvolvimento dos veículos são uma reelaboração do caráter

simbólico da vida social. A comunicação é um tipo de ação, e não apenas um relato ou uma

descrição. Por isso, “a análise da comunicação deve se basear, pelo menos em parte, na análise da

ação e na consideração do seu caráter socialmente contextualizado” (THOMPSON, 1998, p. 20).

Dentro de uma sociedade, cada indivíduo estabelece seus objetivos e fins a serem

seguidos, tendo cada um sua função. Nesse contexto, o poder aparece de acordo com o cargo que

o indivíduo possui, assim tendo ou não a capacidade de intervir para que seus objetivos sejam

alcançados.

Existem várias formas de poder e entre elas estão os poderes econômico, político,

coercitivo e simbólico. O primeiro está relacionado à atividade humana produtiva e à capacidade

de acumulação de recursos. O poder político remete à coordenação e à regulamentação dos

indivíduos, em que se destacam todas as organizações e várias instituições. O uso ou a ameaça da

força física para subjugar ou conquistar um oponente implicam no poder coercitivo. As maneiras

como esse poder pode ser aplicado são variadas, do menor grau ao pior, ou seja, a morte. As

instituições militares são as que mais usam esse recurso.

O último tipo de poder, o cultural ou simbólico, é de fundamental importância na vida

social, pois “nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas

simbólicas” (THOMPSON, 1998, p. 24). Este é o poder de que o autor trata, mas não é só a mídia
que o usa, e sim outras instituições, como as religiosas e as educacionais. Afinal, essas também se

dedicam essencialmente à produção e difusão de formas simbólicas.

Na análise da natureza dos meios de comunicação, dá-se importância ao meio técnico.

Este é usado em qualquer tipo de intercâmbio simbólico, mesmo o de afirmação lingüística face a

face (órgãos do corpo humano usados para esse objetivo). Entre as questões ligadas ao meio

técnico está o grau de fixação da forma simbólica. Numa conversa, o que foi dito pelo locutor só

poderá ser gravado na memória do receptor, ou seja, a mensagem transmitida será esquecida em

pouco tempo. Mas, com a ajuda de aparelhos eletrônicos, a mensagem poderá durar mais, como

em gravações por câmera de som e imagem.

Outro atributo do meio técnico é o grau de reprodução a que a forma simbólica está

destinada. A capacidade de multiplicar cópias e a facilidade com que são feitas e conservadas dão

às formas simbólicas meios de comercialização, no sentido de que uma mensagem poderá ser

absorvida por várias pessoas, sendo que cada cópia custará um valor. Mais ainda, há vezes em

que as primeiras cópias tiradas do original custam mais caro que as seguintes.

O distanciamento espaço-temporal é outra questão dos meios técnicos. Com a ajuda dos

aparelhos eletrônicos usados para a comunicação, pode-se produzir uma forma simbólica em um

lado do globo terrestre e esta mesma obter uma resposta instantânea de um receptor que está do

outro lado. São o tempo e o espaço quase totalmente ignorados pelas novas tecnologias.

O último aspecto dos meios técnicos trabalhado pelo autor são os tipos de habilidades,

competências e formas de conhecimento exigidos por eles. Tanto pode acontecer de uma pessoa

saber codificar e decodificar uma mensagem (o que acontece com línguas) ou não (uma pessoa

que entende o que se passa no programa de televisão, mas não tem idéia de como é sua

produção). Para o receptor, as formas de conhecimento são um importante item, pois elas
estruturam as mensagens de como “entendem, se relacionam com elas e as integram em suas

vidas” (THOMPSON, 1998, p. 30).

A comunicação de massa é um assunto que gera grandes discussões e abarca um leque

variado de concepções. Por exemplo, o termo “massa” pode referir-se a milhões de pessoas que

absorvem a mesma mensagem. Mas, “o que importa na comunicação de massa não está na

quantidade de indivíduos, e sim no fato de que estes produtos estão disponíveis em princípio para

uma grande pluralidade de destinatários” (THOMPSON, 1998, p. 30).

Outro aspecto seria o de perceber os destinatários dos produtos de massa como passivos,

pois não respondem ou questionam a mensagem recebida. Em parte, não há como obter resposta

imediata nesses casos e por isso o termo “comunicação” não é a melhor definição, e sim

“transmissão” ou “difusão”. Mas eles podem recorrer a cartas à redação do jornal ou revista, a um

telefonema para a companhia de televisão e outros.

Thompson (1998) ressalta algumas características da comunicação de massa, deixando

clara a visão de que esse termo é usado para identificar uma “produção institucionalizada e

difusão generalizada de bens simbólicos através da fixação e transmissão de informações ou

conteúdo simbólico” (THOMPSON, 1998, p. 32).

As características da comunicação de massa são: (1) o desenvolvimento da indústria da

mídia, que gerou a produção e a difusão generalizada das formas simbólicas; (2) a forma

simbólica como mercadoria (valor econômico); (3) o distanciamento entre a produção e a

recepção das formas simbólicas; (4) a extensão da disponibilidade das formas simbólicas no

tempo e no espaço; e (5) a circulação pública das formas simbólicas.

A simultaneidade com que as novas tecnologias trabalham as formas simbólicas trouxe

alguns benefícios, mas também problemas conseqüentes delas. São eles: singularidade da rotina

de cada comunidade que, com a chegada de veículos mais modernos, tiveram que ser
padronizadas; a visão e distorção que uma sociedade tinha de cultura da outra foram

desmascaradas, assim como a visão que os indivíduos tinham do passado.

Hoje pode-se perceber algumas características da mídia que não eram tão claras. Como os

assuntos pautados para serem publicados, não são totalmente analisados por aqueles que os

produzem, talvez porque se estendem a uma segunda característica da mídia moderna: seu

consumo tem caráter rotineiro, faz parte da vida cotidiana dos indivíduos assim como suas

práticas higiênicas ou sua alimentação.

Outra característica seria a de que a receptividade das formas simbólicas tem relação

fundamental com o contexto sócio-histórico. Ele é que vai definir as habilidades e competências

que o indivíduo mostra no processo de recepção. Em seguida, um aspecto fundamental da mídia é

o processo hermenêutico. “Os indivíduos que recebem os produtos da mídia são geralmente

envolvidos num processo de interpretação através do qual esses produtos adquirem sentido”

(THOMPSON, 1998, p. 44).

As mensagens transmitidas não são totalmente digeridas no momento em que são

recebidas. Muitas delas são discutidas durante e após sua recepção. Por isso, elas se incorporam à

vida do indivíduo, “construindo uma compreensão de si mesmo, uma conseqüência daquilo que

ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço” (THOMPSON, 1998, p. 46).

Douglas Kellner (2001) critica a Escola de Frankfurt na obra A cultura da mídia ao

afirmar que essa tinha como objetivo principal referenciar a indústria cultural à sociedade

capitalista da época (anos 1930 a 1950). Para o autor, os frankfurtianos queriam somente

enquadrar a indústria cultural como grande manipuladora das massas. Tal escola dividiu a cultura

entre superior e inferior, criticando-as diferentemente, como se cultura popular fosse algo ruim

para a sociedade.
Em O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, Gilles

Lipovetsky (2001) explica como a mídia faz da cultura algo efêmero. “A uma indústria cultural

que se organiza sob o princípio soberano da novidade corresponde um consumo

excepcionalmente instável; mais que em toda parte reina aí a inconstância e a imprevisibilidade

dos gostos” (LIPOVETSKY, 2001, p. 205). O autor diz que o tempo de exploração de um

produto cultural desde seu lançamento no mercado tem diminuído consideravelmente através dos

anos.

Lipovestky (2001) nomeia de “paixonite de massa” o resultado da sedução de um novo

produto cultural no mercado. Algumas músicas, livros e filmes têm sucesso tão arrebatador que

levam o público ao êxtase. Essa emoção é proporcionalmente intensa quanto mais original e

manifestador da novidade for o produto.

O sucesso desses produtos não tem como ser previsto, pois as escolhas do público são

totalmente aleatórias, o que leva ao aumento da produção de novidades. Isso acontece para que

haja muitas opções e variedades, o que gera escolhas diferentes da audiência. O lucro obtido em

apenas alguns produtos cobre o restante gasto pela produção dos outros. Mas há outro modo de

impulsionar a venda: a publicidade. O mercado investe na divulgação para garantir algum

resultado nas vendas. Outra estratégia para obter o máximo de lucro é investir em outras mídias.

Por exemplo: um best seller pode ser adaptado para o cinema, que por sua vez, garantirá um CD

de trilha sonora, um brinquedo, e assim por diante.

Lipovestsky (2001) cita Edgar Morin (1997) quando fala que os produtos são uma mera

repetição do que já existiu, mas há sempre criação dentro dele para ser uma novidade. O que

importa para o público é o prazer imediato, já que tudo gira em torno do presente. A readaptação

de outras épocas é sempre moderna, atual para o momento. E essa cultura será esquecida

rapidamente, não será estendida.


Segundo o autor, a cultura da narração é substituída pela cultura do movimento. O

audiovisual, principalmente, exibe imagem sobre imagem, efeitos e cortes constantes, para atrair

olhos fascinados. É a imagem substituindo o conteúdo. Mesmo nas telenovelas, o que importa é a

velocidade do que está sendo exibido. A preocupação não está mais na ideologia da história ou na

identificação com os personagens, mas na narrativa viva e rápida4.

Lipovestsky (2001) pesquisa também sobre o individualismo que a mídia proporciona ao

destinatário. “Os temas centrais da cultura de massa ajudaram poderosamente na afirmação de

uma nova figura da individualidade moderna, absorvida por sua realização privada e seu bem-

estar” (LIPOVETSKY, 2001, p. 222). Com o acesso a tantas idéias, culturas e ideais variados, a

mídia disponibiliza ao indivíduo a reflexão para ter diferentes posições sobre cada assunto.

Por isso, o autor discorda da escola de Frankfurt ao dizer que a comunicação de massa não

faz do espectador um passivo. “o universo da informação conduz maciçamente a sacudir as idéias

aceitas, a fazer ler, a desenvolver o uso crítico da razão; é máquina de tornar complexas as

coordenadas do pensamento” (LIPOVETSKY, 2001, p. 225). Mas a extensa variedade de

informação deixa o indivíduo vulnerável, permeável excessivamente. Na nova mídia, as

convicções perdem para opiniões em constante mutação.

4
Em capítulo específico, discutiremos visões distintas acerca do conteúdo da TV e dos meios auiovisuais.
2 A GENTE SE VÊ POR AQUI

2.1 O veículo aliado das massas e suas polêmicas discussões

A televisão é o meio de comunicação que mais alcança audiência no Brasil. De acordo

com uma pesquisa de 1999, realizada por Priolli apud Bucci (2000)5, 90% da população brasileira

liga o aparelho de televisão para assistir a algum canal, pelo menos uma vez por semana. Tantas

pessoas de diferentes classes sociais, regiões, culturas, idades, pensamentos, assistindo a um

limitado número de emissoras, só podem resultar em conflito de idéias. Segundo Dominique

Wolton (1996), em O elogio do grande público, “o que caracteriza a televisão é ser um objeto

que não deixa ninguém indiferente, que é o foco de controvérsias políticas desde a sua aparição,

objeto de polêmicas contínuas” (WOLTON, 1996, P. 48).

Mas o autor afirma que há certa aversão, por parte do público e de estudiosos, de

entender o quê é televisão. Seu caráter pejorativo e popular a elimina de discussões intelectuais –

o que é ruim, porque a constante evolução desse veículo exige reflexão. Wolton (1996) revela

alguns motivos pelos quais isso ocorre. O público é o maior mistério e o único inimigo da

televisão, porque não há pesquisa que revele precisamente dados qualitativos sobre sua audiência.

Além disso, os telespectadores têm muito pouco espaço para se expressarem (basicamente,

apenas por meio da escolha da emissora).

5
PRIOLLI, Gabriel. Participação no seminário internacional Uma Cultura para a Democracia, promovido pelo
Ministério da Cultura em Parceria com o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Maryland
(EUA), sob o patrocínio do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Os mais antigos estudos sobre televisão possuem aspecto crítico e são fortemente ligados

às idéias marxistas. A Escola de Frankfurt, encabeçada por Theodor Adorno e Max Horkheimer

(2000), desenvolveu um ambiente ideológico entre os intelectuais a favor da crítica extrema à

indústria cultural, à televisão, às imagens e ao comportamento dos espectadores. Tal abordagem

foi tão intensamente difundida que, durante 30 anos, todos os estudos que ousavam se interessar

por algum tema contrário (como, por exemplo, a opção que o público possuía de escolher o

canal) eram descartados pela maioria.

“O discurso crítico foi se tornando, portanto, progressivamente, um conformismo crítico,

do qual vimos as conseqüências importantes na década de 1980: a incapacidade de fazer uma

triagem entre os aspectos negativos e positivos da televisão pública” (WOLTON, 1996, P. 54). O

pesquisador relata que, até a década citada, poucos profissionais e dirigentes de emissoras se

dispuseram a defender seu meio de comunicação. Somente a partir dos anos 1990 estudos

empíricos mais incisivos foram iniciados.

Arlindo Machado (2005), em A televisão levada a sério, concorda com Wolton (1996) ao

afirmar que, dos estudos sobre televisão, a minoria cita e analisa programas de TV ou, então,

discorre sobre os mais comuns, como seriados norte-americanos e telejornais. Para ele, os

trabalhos sobre esse assunto são mais voltados para a estrutura genérica do veículo do que para as

produções audiovisuais.

Machado (2005) também critica o modelo de pesquisa adorniano. O autor ousa imaginar a

análise do pensador alemão por meio de textos escritos, e não programas de TV de fato, ao

revelar a falha no texto Quartely of film, radio and television 6, em que Adorno descreve trabalhar

com “amostragens”.

6
THEODOR, W. Adorno. Television and the mass culture patterns. In: Quaterly of film, radio and television.
University of California Press, 1954.
“Adorno examina a televisão não a partir de uma observação sistemática do que esse
meio efetivamente exibe, menos ainda a partir de um critério de seleção tão rigoroso
quanto o que ele próprio adotou, por exemplo, para a análise musical, mas a partir de
uma ‘amostragem’ escrita e, o que é pior, uma ‘amostragem’ nitidamente tendenciosa,
pois o objetivo indisfarçável era demonstrar que a televisão era ‘mau’ objeto”.
(MACHADO, 2005, p. 18)

No estudo, Arlindo Machado (2005) enfatiza programas de televisão que ele considera de

qualidade. Poucos dos citados são brasileiros. Mas a história da televisão brasileira revela

indicadores que fortaleceram a propensão a programas considerados mais comerciais.

2.2 A evolução da TV no Brasil

O meio de comunicação de massa que mais abrange a população brasileira é estudado em

duas obras distintas. A primeira faz um levantamento histórico da TV brasileira a partir de suas

fases. A outra mostra como a emissora mais lucrativa da televisão brasileira, a Rede Globo de

Televisão, perdeu audiência ao longo dos anos 1990.

No artigo A televisão no Brasil, hoje: a multiplicidade da oferta, Valério Cruz Brittos

(1999) faz uma análise da fase pela qual a televisão brasileira passa na época da edição da obra.

Segundo ele, a década de 1990 foi marcada pela fase da multiplicidade da oferta, em que a

globalização expandiu o acesso aos meios de comunicação e gerou maior disponibilidade de

escolha para o público. A inserção da TV paga na programação brasileira foi um dos maiores

colaboradores desse efeito.


O autor afirma que essa é a quinta fase da história da TV brasileira. As quatro primeiras

foram concebidas por Mattos apud Brittos (1999). De 1950 a 1964, a fase elitista foi marcada

pela escassez de televisores nas residências, em decorrência do alto preço dos aparelhos.

Programas e propagandas eram feitos ao vivo e regionalmente, porque ainda não havia o

videoteipe. Até 1955, as transmissões só chegavam ao Rio e a São Paulo e expandiram-se para

todo o país quatro anos depois. Caparelli apud Brittos (1999) denomina uma fase de transição

antes da segunda de Mattos apud Brittos (1999), chamada de o capital estrangeiro, quando a

Globo assinou acordo com a empresa norte-americana Time Life e adaptou vários modelos

técnicos e administrativos.

A segunda fase é denominada populista, de 1964 a 1975. Nela, a televisão estava nas

mãos dos militares, que a utilizavam para alcançar e controlar ao máximo o povo brasileiro. É

nessa fase, em 1965, que surgiu a TV Globo, fundamental para o crescimento econômico do país,

por meio do incentivo ao consumo proposto pela publicidade e merchandising inseridos

fortemente na programação. Nessa fase, a TV brasileira começou a ser vista como indústria e a

programação tornou-se mais popular, com novelas e shows de auditório, além de “enlatados”

americanos.

De 1975 a 1985 é o momento da terceira fase, nomeada desenvolvimento tecnológico. Por

meio do apoio governamental a novas tecnologias, a TV se estabilizou como forte meio de

massas e começou a nacionalizar sua programação. Além disso, a concorrência aumentou com a

venda de aparelhos de videocassete, o surgimento do SBT e da Manchete e da expansão nacional

da Bandeirantes.

A fase da transição e da expansão internacional, de 1985 a 1990, foi marcada pelo fim da

censura e pela aproximação política de candidatos a certas emissoras. Nessa época, cresceu a

competitividade e a exportação para o mercado nacional. Houve muitas reprises na programação


devido ao grande número de produções nos arquivos, surgindo novidades somente no humor,

com a TV Pirata. Em 1988, a TV a cabo foi implantada no país.

A fase da multiplicidade da oferta, nomeada por Brittos (1999), está diretamente

relacionada à globalização. Segundo ele, ocorreram nos anos 1990 “a formação e expansão de

conglomerados multimídia, o intercâmbio entre corporações transnacionais, a proliferação de

formatos de programação mundializados e a transmissão em larga escala de bens

desterritorializados” (BRITTOS, 1999, p. 18). Ou seja, nessa fase o importante era disponibilizar

para o mundo inteiro a informação, que cada vez mais estava envolvida com a valorização dos

espaços e culturas locais da produção.

A quinta fase da história da TV brasileira é caracterizada pela multiplicidade de canais

disponibilizados. Isso se deve, principalmente, à proliferação das TVs por assinatura. Essa

tendência levou a uma mudança de comportamento nos lares brasileiros. As programações

tornaram-se individualizadas, o que separou os familiares na hora de ver TV. Cada membro tinha

suas preferências e dispunha de escolha para isso.

Na TV aberta surgiram emissoras diferenciadas, transmitidas apenas via antena

parabólica, como a Rede Vida, a Rede Mulher e a CNT, com pouca expressão no mercado. A

forte disputa pelo público gerou a queda na qualidade da programação das emissoras de TV

aberta. Programas como Aqui Agora e Ratinho Livre abusaram de temas de exploração humana,

como bizarrices, miséria, brigas particulares, entre outros. Isso aconteceu também aos domingos,

em programas como Domingo Legal e Domingão do Faustão, e até mesmo no diário Jornal

Nacional.

Outra característica da quinta fase é a abertura para o capital estrangeiro realizada pelo

Governo Fernando Henrique Cardoso a partir da quebra do monopólio estatal das

telecomunicações, em agosto de 1995. Tanto a Globo como o SBT co-produziram novelas com
redes de outros países. Isso se deu também nos telejornais, que começou a ter participações de

repórteres em estúdios no exterior.

Rebouças apud Brittos (1999) denomina uma sexta fase, considerada atual para a época

deste artigo (possivelmente, após 1995), nomeada “diversificação”. Nela, televisão e computador

estariam unidos, gerando possibilidade de interatividade e “expansão de indústrias midiáticas

para atuação na área de convergência” (BRITTOS, 1999, p. 29).

O livro A deusa ferida: por que a rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência,

de Gabriel Priolli et al (2000), é resultado de uma pesquisa, feita entre maio e julho de 1999 por

uma equipe, cujo foco era “a avaliação do comportamento dos índices de audiência da Rede

Globo de Televisão, do final dos anos 60 aos 90” (PRIOLLI et al, 2000, p. 13 - 14). Na pesquisa,

foi privilegiado o prime time, hora em que há mais disputa por público na TV. A equipe

selecionou momentos significativos na história desse meio, fez um recorte na grade vertical e

horizontal da programação da emissora e realizou uma pesquisa qualitativa, por meio de grupos

de discussão, para avaliar o comportamento do público receptor.

Em 1968, estreou na Rede Globo a chamada programação-sanduíche, que persiste até hoje

com a “dobradinha” novela-jornal-novela. Esse método, proposto por Walter Clark consiste em

ganhar a fidelidade do público no prime time. Assim, toda a família se une em frente à TV:

enquanto alguns vêem a novela das sete (que começa às 19 horas), outros esperam o Jornal

Nacional, para que, depois, demais aguardem ao início da novela das oito (20 horas, mas

atualmente exibida às 21horas).

Priolli et al (2000) asseguram a telenovela como maior manifestação cultural popular de

massa no Brasil. Com o fim da Rede Excelsior (1969) e, depois, da TV Tupi (1980), a Globo se

consolidou como maior produtora de ficções seriadas na televisão brasileiras. Com forte apelo
popular, a telenovela se tornou âncora da programação do canal por ter alto lucro e baixo custo,

se comparados com o retorno da publicidade e do merchandising.

A Rede Globo escalou um set para que a produção cultural de sua programação seguisse

seu padrão de qualidade, para onde migraram profissionais do teatro, da literatura, do cinema e

do rádio. Nos anos 1980, um novo grupo se formou: os produtores culturais especializados em

televisão. Ao longo dos anos, foi consolidado o uso de temas reais para discussão pública por

meio do universo tradicional da cultura popular nas novelas: melodrama, narrativa policial,

comicidade e erotismo.

Mas, a partir da década de 90, o desgaste dos autores e o desvio para temas apelativos e

imorais, segundo os telespectadores, tornaram as telenovelas cada vez mais exageradas e falsas.

O resultado foi a perda de audiência (20% entre 1989 e 1994), devido, também, à concorrência de

telenovelas em outros canais (SBT, Record, Manchete), além de programas sensacionalistas

(Aqui Agora, Ratinho) e o início da TV paga. O desejo do público era paradoxal: faltava

novidade, mas sobrava rejeição aos valores imorais.

Walter Clark propôs o padrão Globo de qualidade, o qual se deve à articulação entre

padrão de produção, tecnologia e personalidade aos programas. Clark foi diretor geral da

emissora entre 1965 e 1977 e introduziu à televisão brasileira a proposta de uma TV com várias

praças pelo país e alcance nacional, mas subordinadas à âncora no Rio de Janeiro. Todas essas

propostas aumentaram a procura por negociação de intervalos comerciais. Assim, surgiu a

Central Globo de Comercialização (1969), em que, basicamente, eram vendidos pacotes de

espaços em intervalos durante a programação vertical e horizontal.

Aliás, horizontalidade, na programação, significa colocar um programa no mesmo horário

ao longo da semana e do mês. Verticalidade é a programação disponibilizada ao longo do dia,


repedida de semana em semana, de mês em mês. A TV Excelsior criou essa proposta no começo

dos anos 1960 e a Rede Globo adaptou-a a seus padrões.

O formato de administração e técnica utilizados na Globo foram adquiridos por meio de

uma associação com a empresa norte-americana Time Life. Homens de mercado foram

introduzidos no comando do canal e a empresa de telecomunicação começou a ser gerenciada

como qualquer outra indústria. Houve treinamento de pessoal nos Estados Unidos para que os

últimos avanços tecnológicos fossem aprendidos, como o videoteipe. Com ele, foi possível gravar

programas antecipadamente, racionalizando a programação.

De acordo com Priolli et al (2000), em 1972 foi incorporado à empresa o Departamento

de Análise e Pesquisa. Homero Sánches, outra personalidade importante na história da emissora,

introduziu o sistema de trilhos, que consiste na comparação entre o comportamento da história

novelesca e o índice de audiência nos primeiros 30 capítulos.

Com o passar dos anos, a Rede Globo acompanhou passo a passo o avanço da tecnologia.

Nas vésperas da Copa do Mundo de 1974, o Governo auxiliou as emissoras brasileiras a começar

a transmitir em cores. Apesar de não ter sido a primeira a utilizar-se desta ferramenta, a Globo

produziu a telenovela estreante em cores. A mudança demandou transformações em vários

setores da produção, como maquiagem e figurino, e só a emissora carioca era financeiramente

capaz de fazer tal modificação.

Entre as décadas de 1960 e 1970, a Rede Globo deu um salto qualitativo, impulsionado,

principalmente, pelos militares que assumiram o governo após o Golpe de 1964. A grade da rede

começou a se voltar para o público médio, desintegrando-se da grade programas sensacionalistas

e popularescos. Isso se deu para acompanhar o milagre econômico (efeito direto na classe média)

e para a utilização do veículo pelos militares que, segundo eles, teria o maior alcance de público

em grande escala.
Em 1983, a transmissão via satélite substituiu a via Embratel. Sete anos depois, 99,9% do

território nacional já podia acessar a Globo. 1994 foi marcado pela inauguração do Projac (maior

centro produtivo de TV da América Latina), no Rio, com terreno de 1.300.000 m². Um ano

depois, o SBT inaugurou o Complexo Anhanguera, em São Paulo, com 231 mil m², mas que

precisou de investimento à altura da concorrente. Em 1999, a Globo deu início a gravações e

edições digitais. Nesse mesmo ano foi inaugurado um estúdio de jornalismo em São Paulo,

praticamente separando-o da produção de ficção, centralizada no Rio.

2.3 De capítulo em capítulo

De acordo com Umberto Eco (1989), no ensaio A inovação do seriado, a maioria das

produções reconhecidas como obras de arte é original. Com a chegada da indústria cultural, a

padronização dos objetos gerou a produção em série, assim como em outras indústrias. Mas, na

cultura, a serialidade não foi bem-vinda para os artistas, apenas para os comerciantes, que

lucravam com o consumo acelerado.

O autor explica que já existiram objetos feitos com base em uma única matriz que foram

considerados arte. Nas civilizações antigas, em Roma e na Grécia, a habilidade de se construir

objetos semelhantes era admirada; na arquitetura esse procedimento é normal; e na poesia

tradicional, vários escritores tinham técnicas básicas para criar seus textos. Mas Eco (1989)

mostra que os produtos dos meios de comunicação de massa muitas vezes não fazem questão de

terem originalidade. “Diverso é o caso de expressões que ‘fingem’ ser sempre diferentes para, em

vez disso, transmitirem sempre o mesmo conteúdo básico” (ECO, 1989, p. 121).
O pesquisador define a série como repetição do que já foi criado e apresenta variações de

repetições que são apresentadas ao público como originais e novas, apesar de terem uma única

base. A retomada é a continuação de um produto que fez sucesso e é criada com objetivos

puramente comerciais. O decalque é a reformulação de uma obra, sendo sua espécie mais comum

o remake; pode ser um mero plágio ou uma releitura explícita.

Na série – tipo em que se encontra a telenovela, o seriado, a minissérie - é dinamizada a

estrutura narrativa, sendo fixos apenas os personagens principais e algumas situações entre eles.

“A série neste sentido responde à necessidade infantil, mas nem por isso doentia, de ouvir sempre

a mesma história, de consolar-se com o retorno idêntico, superficialmente mascarado” (ECO,

1989, p. 123). Existem subtipos dentro da série, como o flashback, em que vários momentos do

personagem são visitados; o loop, em que a trama se passa continuamente no passado do

protagonista; a espiral, na qual acontece sempre a mesma situação; e a série criada em função da

própria presença de um ator considerado fundamental.

A saga, outro tipo de repetição, tem narrativa baseada na lógica histórica; pode ser em

linha contínua ou ad albero (em ramificações do passado). O dialogismo intertextual é a menção

a outros autores e obras originais; podem ser um plágio, uma homenagem, uma paródia ou uma

citação irônica dos tópicos. O autor lembra que, em todos esses tipos de repetição, é sempre

aconselhável criar dentro de um padrão, inovar e modernizar; além de explicitar ao público que

há uma novidade de algo de que já foi feito.

A telenovela, ficção seriada mais popular no Brasil, herdou sua estrutura literária do

romance-folhetim. Este nasceu no final do século XIX, período em que emerge a cultura de

mercado da França, segundo Renato Ortiz et al (1989) no livro Telenovela: história e produção.

No país de origem, o folhetim era produzido para ser publicado de forma seriada em jornais e,

desde o início, foi rotulado como um tipo de entretenimento e apresentou apelo popular. No
Brasil, esse tipo de literatura não alcançou tanto sucesso, limitando-se a traduções dos franceses e

romances nativos já existentes destrinchados em capítulos.

Já as radionovelas, outro formato que influenciou as telenovelas, ganharam potencialidade

primeiramente nos Estados Unidos, na década de 1930. Nos anos 1940, todas as estações de rádio

norte-americanas tinham como âncora de programação as soap operas7. Ortiz et al (1989)

explicam que existem duas diferenças entre as soap operas e os folhetins: os últimos tinham um

final previsto, pelo menos para o autor, enquanto aquelas se desenrolavam indefinidamente.

Desde o início, as radionovelas norte-americanas eram comprometidas com o fator comercial.

Rapidamente, na década de 1940, as radionovelas chegaram a terras brasileiras e se

sustentaram por meio da publicidade, principalmente, alcançando forte apelo popular desde o

início das transmissões. Em 1951, a primeira telenovela estréia na TV Tupi, Sua vida me

pertence. A maioria dos profissionais envolvidos no novo formato possuía passado radiofônico.

Os atores, principalmente, se esforçavam para esquecer hábitos da atuação na radionovela, como

a entonação dramática. Mas o que não era utilizado antes, como a expressão corporal, demorou a

ser notado e trabalhado nas telas.

No princípio, as telenovelas iam ao ar pelas emissoras em poucos dias na semana e tinham

curto tempo de duração. A programação foi se modificando com o advento do videoteipe, que

possibilitou a gravação antecipada dos capítulos. Ortiz et al (1989) fazem um levantamento das

gravações das primeiras telenovelas e constatam que os estúdios eram restritos e os cenários

muitas vezes reaproveitados. Havia raras gravações externas, somente em caso de necessidade

máxima, e o figurino era de responsabilidade do ator.

7
Segundo Ortiz et al (1989), soap operas receberam esse nome porque eram patrocinadas, em sua maioria, por
empresas de sabão em pó (soap, em inglês).
Na década de 1960, o número de aparelhos de televisão no Brasil em uso cresceu em

333%. Esse desdobramento da audiência gerou uma série de investimentos tecnológicos, e

atingiu também a produção das telenovelas. A TV Excelsior foi a pioneira em reconhecer

técnicos e profissionais da área, criando departamentos de figurino e de cenografia, por exemplo.

Essas transformações levaram a emissora a tentar ampliar seu público por meio de uma

telenovela diária. 2-5499 ocupado, protagonizada por Tarcísio Meira e Glória Menezes, em 1963,

foi testada com três capítulos por semana e, depois, passou a ser exibida de segunda a sexta-feira.

Ortiz et al (1989) explicam que o público tardou a se acostumar com a nova freqüência

das telenovelas, mas, em 1964, ela já havia se tornado a nova mania nacional. “O horário entre

19h e 20h30, antes preenchido prioritariamente com filmes e telejornalismo, passa a ser ocupado

quase que inteiramente por telenovelas” (ORTIZ et al, 1989, p. 63). No final dos anos 1960, as

telenovelas começam a deixar de ser influenciadas pelos melodramas estrangeiros para se

aproximar da cultura nacional.

Essa proposta surgiu para cumprir as exigências do governo militar, que tinha os ideais de

formar no povo brasileiro uma crença na nacionalidade. A partir dos anos 1970, a Rede Globo

cresceu significativamente e começou a investir em telenovelas com enfoque nacionalista, entre

18 e 22h. “A telenovela funde-se desta forma como uma proposta simplista que concebe a ficção

televisiva como serviço de utilidade pública” (ORTIZ et al, 1989, p. 88).

A Rede Globo alternava três horários noturnos com a TV Tupi, sua maior concorrente,

principalmente entre 1970 e 1975. Mas a pouca estrutura organizacional que a segunda possuía

acabou por desequilibrar a produção simultânea das telenovelas. Ela começou por oscilar os

horários e acabou enfraquecida no final da década.

Se antes havia uma tendência a adaptações literárias, na década de 1980 as histórias

passam a ser mais do gênero da comédia. Essa revolução atraiu o público masculino, ainda
ausente na audiência da telenovela. Nos anos 1980, o SBT procurou resgatar o melodrama por

meio de parcerias com televisões latino-americanas, mas não obteve sucesso.

Ciro Marcondes Filho (1999) analisa, no ensaio Telenovela e a lógica do capital, a

estrutura das telenovelas e produções dramatúrgicas da TV Globo. Segundo o autor, a forma

como elas são realizadas é a principal ferramenta para atrair e mobilizar um público tão grande,

mesmo com conteúdos muitas vezes tendenciosos. Para ele, “é preciso pesquisar-se a estrutura

ideológica do produto em si, a forma como joga com os elementos cênicos, interpretativos, com

os recursos técnicos e de que maneira os integra na lógica do capital” (MARCONDES FILHO,

1999, p. 74).

O pesquisador cita o estruturalismo (vertente que faz análises sempre entre pares

antagônicos) como método de pesquisa ideal para se interpretar as mensagens que são passadas

pelas telenovelas globais. Ao contrário do empirismo, tal método procura enxergar pelas

entrelinhas, captar o que está sendo passado para o espectador pela estrutura da produção.

Segundo Marcondes Filho (1999), os produtores utilizam textos atrativos como forma de chamar

atenção ao produto que está sendo divulgado no momento. Para ele, tudo não passa de

merchandising e publicidade.

A consulta ao público também é pouco significativa para esse tipo de pesquisa. De acordo

com o autor, esse método não leva em conta o tipo de informação que as pessoas fornecem nesses

casos, que são, geralmente, vagas e superficiais. Portanto não há como estudar a mensagem

televisiva sem notar “o produto da televisão […] como uma mercadoria, estruturado segundo os

mesmos princípios de rentabilidade e produtividade que dirigem as mercadorias não

exclusivamente ideológicas, como o são as mercadorias convencionais” (MARCONDES FILHO,

1999, p. 75).
No ensaio, Marcondes Filho (1999) utiliza os termos provisórios “telenovelas” para as

telenovelas, séries e especiais com caráter dramatúrgico, especialmente as produzidas pela TV

Globo; e “teatro realista” para as produções distintas do modelo Globo quanto ao formato, como

por exemplo as produções da TV Cultura.

Sobre o ritmo, o autor explica que as telenovelas acompanham um modelo internacional

da cultura de massa: cenas aceleradas e que distinguem bem o tempo e o espaço. No teatro

realista, o tempo está à disposição do diretor para transmitir a ambientação, a história, os

personagens, ou seja, a alma da produção. Nas telenovelas, nada deve dispersar o espectador.

Para que isso aconteça, cenas longas devem ser fragmentadas e intercaladas. Há sempre tensão

entre as propagandas, para que a atenção prevaleça sobre elas. Segundo o autor, o enredo da

telenovela é apenas um instrumento para que a atração seja direcionada ao produto

comercializado. “Usa-se o chamariz emoções-tensão-dinâmica como iscas de consumo”

(MARCONDES FILHO, 1999, p. 77).

No teatro realista, os temas são variados, geralmente representando sentimentos humanos.

Já as telenovelas utilizam quase exclusivamente o amor e relacionamentos amorosos como tema

principal. Marcondes Filho (1999) afirma que essa freqüente escolha é causada pela facilidade de

atrair o telespectador através da recordação de momentos felizes. O amor gera muitas vivências

positivas, o que leva o público a recordar momentos agradáveis por meio da telenovela. Mas a

padronização desse tipo de tema revela uma preocupação parcial das produções de mostrar que a

realização de vida acontece quando há realização amorosa.

Parece ser uma preocupação das telenovelas não transmitir dor ao espectador, apenas

quando esse sentimento provoca compaixão. É fundamental que o público não sinta a emoção

negativa que vê na tela. A falsificação da dor ocorre na ambientação, pelo fato de não haver

utilização de técnicas que evidenciam a solidão; na caracterização dessa emoção, mantendo-a


intocável; na construção polarizada dos personagens, pela construção de um mundo fictício

maniqueísta; na construção idealista irreal, pela espetacularização das cenas e dos personagens,

sejam eles de qualquer classe social; e na referência claramente simbólica, em que não há

tentativa de mostrar o real.

A vida real possui momentos de forte emoção, mas a maior parte dela é baseada em

situações cotidianas, que não deixam de ser fundamentais para a construção de uma história e de

uma personalidade. No teatro realista, dados existenciais dos personagens e do enredo fazem

parte da trama, assim como os momentos de clímax. Nas telenovelas, o que se pode ver são

seqüências de cenas de significação. Há uma redução da narração lógica para um conjunto de

picos de emoção. Esse formato dispensa cenas secundárias e intermediárias, que, para o teatro

realista, fazem parte do enredo. “O resultado é um conjunto de cenas que trabalham pela

incitação forçada da emoção, do prazer, do envolvimento” (MARCONDES FILHO, 1999, p. 80).

Nas telenovelas, dá-se destaque excessivo ao personagem principal. Para isso, são

utilizadas técnicas de enquadramento que perdem o valor cinematográfico, como o close up e big

close up, usados para dramas psicológicos. O autor diz que a fixação da câmera em pontos chaves

dos personagens tem o único objetivo de destacar o produto, através de merchandising. Além da

hegemonia de um só personagem, a trama do teatro realista diferencia-se da telenovela quanto à

necessidade de evidenciar nitidamente o fato por meio do uso obsessivo da fala, do diálogo

verbal, das expressões e de sons analógicos e simbólicos. Esse hábito parece, para Marcondes

Filho (1999), mostrar que o telespectador não tem a capacidade de interpretar através da atuação

silenciosa.

O espaço e a ambientação são visivelmente montados para a propaganda da marca

patrocinadora da telenovela. No teatro realista e no cinema não-comercial, dá-se importância às

várias possibilidades de jogo cênico, como a profundidade de campo, os figurantes


(indispensáveis) e o espaço social. As telenovelas fragmentam o mundo real, por isso há o

aspecto de falso e simbólico, sempre com o objetivo mercadológico.

O estudioso percebe, em sua pesquisa, que no teatro realista existe uma preocupação

artística com o espectador de envolver e fazer refletir sobre situações que podem ocorrer com

qualquer um. A telenovela utiliza a dramaturgia do palco, mas releva o aprofundamento da trama

para sentimentos e situações reais. E isso com o único objetivo comercial.

O autor chega à conclusão de que a telenovela mobiliza tão fortemente a população

brasileira porque reinstaura a consciência do coletivo. Ela recupera a sensação que os espaços

públicos genéricos, como praças e mercados, deixaram em aberto com a chegada de tecnologias

de uma estrutura social individualizada. Mas todo sucesso depende da qualidade da estrutura do

produto e menos do material, aquele que fala mais perto ao telespectador.

Mônica Almeida Kornis (2001), no artigo Uma memória da história nacional recente: as

minisséries da Rede Globo, mostra que essa emissora introduziu em sua programação novas

formas de ficção seriada a partir dos anos 1970. Primeiro, surgiram os seriados, que baseavam-se

na estrutura norte-americana e depois começaram a se adaptar a formatos brasileiros. Em 1982, a

emissora estréia a primeira minissérie, Lampião e Maria Bonita, marcando um novo caminho na

teledramaturgia brasileira.

A autora explica que a produção das minisséries tem maior preocupação com a qualidade

e com a aproximação da verossimilhança. É um produto nobre que recebe investimento

tecnológico gradual da emissora. Seu público é mais seleto, principalmente devido ao horário de

exibição, normalmente após as 22 horas.

Daniel Filho (2001), no livro O circo eletrônico: fazendo TV no Brasil, diz que a Globo

começou a fazer minisséries como forma de estender a produção das telenovelas, mas em formato

mais aprimorado. “De certa forma, até hoje, as minisséries provocam uma realimentação, uma
releitura da novela, porque somos obrigados a usar quase a mesma estrutura dramática, mas com

um outro ritmo de cenas e da própria filmagem” (FILHO, 2001, p. 62).

O diretor de televisão explica que, na produção de uma minissérie, os profissionais que

trabalham no meio ficam menos apressados do que em uma novela, porque há menos capítulos a

serem gravados em um bom tempo. O autor da minissérie também tem mais liberdade por a obra

ser fechada, não é tão escrava da audiência quanto as novelas. Para Daniel Filho (2001), é

interessante produzir minisséries esporadicamente, porque são produto vendável e oportunidade

de se fazer pesquisa mais bem elaborada.

Ana Maria C. Figueiredo (2003), na publicação Teledramaturgia brasileira: arte ou

espetáculo?, também confirma a minissérie como uma alternativa para as telenovelas. Segundo

ela, a Rede Globo fez uma pesquisa de audiência no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1983, e

percebeu que o gênero seria mais atrativo do que a novela no horário das dez horas da noite. “A

‘nova’ forma de fazer dramaturgia na televisão aparece, então, como um campo privilegiado para

os desafios da produção ficcional brasileira” (FIGUEIREDO, 2003, p. 44).

A autora afirma que a maioria das minisséries brasileiras é baseada em textos da literatura

nacional, o que resulta em produções com maior qualidade artística. Essas adaptações

disponibilizam ao telespectador momentos marcantes da história do país, porque grande parte dos

textos é de época. Outro tema muito utilizado nas minisséries é o sertão, tendo sido ambiente de

produções das mais variadas épocas e regiões do Brasil.

Figueiredo (2003), em suas considerações finais, chega à conclusão que a teledramaturgia

brasileira é um espetáculo, por entreter o público; mas também arte, por fazer o telespectador

rever-se e pensar sua própria realidade. Portanto, de acordo com a estudiosa, a minissérie é o tipo

de ficção televisiva que está mais próxima da arte, por possuir várias adaptações literárias.
É um produto que tem uma unidade, que não sofre interferências do público nem da
publicidade em sua feitura, e a construção das suas personagens obedece a uma lógica
coerente com a da construção da trama, revelando o compromisso social dos produtores
com a temática que leva para o seu público. (FIGUEIREDO, 2003, p. 81)

Deste modo, é possível considerar o gênero trabalhado neste estudo, a minissérie, como

um iniciante na produção de TV que prima não somente pela comercialização do programa, mas

também pela informação e o entretenimento de conteúdo construtivo.


3 HOJE É DIA DE MARIA E SUA FUSÃO DE LINGUAGENS

Antes de analisarmos Hoje é Dia de Maria, discutiremos alguns conceitos básicos sobre a

variedade de linguagens de que se compõe a minissérie: cultura popular e o riso, teatro e seus

elementos estéticos, teatro de bonecos, opereta, teatro da fantasia, cinema e literatura fantástica.

3.1 Da cultura popular ao teatro da fantasia

Em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François

Rabelais, Mikhail Bakhtin (1999) faz uma releitura do comportamento, dos hábitos e das

cerimônias de tais épocas, por meio das obras (entre elas Gargantua e Pantagruel) de um dos

autores mais polêmicos da história da literatura. François Rabelais descreveu o riso, as festas, a

linguagem e gosto pelo grotesco da população na Idade Média e no Renascimento, tendo sido

muito recriminado por críticos do Romantismo, principalmente, por terem a opinião de que sua

literatura era pobre e de mau gosto.

Bakhtin (1999) defende firmemente Rabelais, pontuando cada característica de sua obra e

a importância dela para a história da cultura popular. O autor inicia sua pesquisa pelo riso

dizendo que ele é o resultado da soma entre vida e morte, algo muito maior do que a visão

romântica de simplicidade e ridicularização.

Na Idade Média, o riso era totalmente ligado à cultura não-oficial. De acordo com o autor,

era considerado a segunda natureza do homem, porque se constituía na única válvula de escape
para a seriedade que prevalecia. No entanto, nessa época, todos os eventos oficiais, religiosos e

estatais possuíam seu lado popular. No Renascimento, o riso ganhou forças e passou a ser levado

tão a sério quanto a própria seriedade. A elevação ao patamar intelectual deve-se também à

influência clássica dessa escola, que recebeu esclarecimento teórico sobre o riso.

A atitude do Renascimento em relação ao riso pode ser caracterizada, da maneira geral e


preliminar, da seguinte maneira: o riso tem um profundo valor de concepção do mundo, é
uma das formas capitais pelas quais se exprime a verdade sobre o mundo na sua
totalidade, sobre a história, sobre o homem; é um ponto de vista particular e universal
sobre o mundo, que percebe de forma diferente, embora não menos importante (talvez
mais) do que o sério; por isso a grande literatura (que coloca por outro lado problemas
universais) deve admiti-lo da mesma forma que ao sério: somente o riso, com efeito, pode
ter acesso a certos aspectos extremamente importantes do mundo. (BAKHTIN, 1999, p.
57)

Bakhtin (1999) também explica a utilização do vocabulário popular e grotesco por

Rabelais. Este cita várias vezes em sua obra ações e imagens ligadas à urina e ao excremento.

Segundo o estudioso, isso refere-se ao baixo corporal – termo que expressa as genitálias

masculinas e femininas – como forma de humilhação do atingido. O autor esclarece que o baixo

corporal possui dois sentidos, porque é ao mesmo tempo a região que fecunda, relativa ao

nascimento e à renovação. Este sentido positivo era totalmente natural na época do lançamento da

obra de Rabelais.

“A cultura popular não oficial dispunha na Idade Média e ainda durante o Renascimento

de um território próprio: a praça pública, e de uma data própria: os dias de festa e de feira”

(BAKHTIN, 1999, p. 1333). Segundo o pesquisador, esse local e essas datas possuíam um

ambiente inteiramente diferente de qualquer outro, como a igreja, a corte e instituições públicas,

entre outros. A linguagem era familiar, livre de polidez e cerimônias. Além dos elementos
mencionados, Rabelais utilizava termos que se referiam à bebida e comida, virilidade e elogios-

injúrias.

Sobre as festas populares, Rabelais descreve os atos realizados com o representante do rei

escolhido pelo povo, que logo depois se torna bufão, palhaço. Ele é injuriado e desnudado, como

reprodução da velhice e da morte. Bakhtin (1999) aponta esses aspectos como “grosserias-

destronamento, a verdade dita sobre o velho poder, sobre o mundo agonizante, […] aliando-se às

pauladas carnavalescas e aos mascaramentos e travestis” (BAKHTIN, 1999, p. 172). Além disso,

os jogos, adivinhações e predições faziam parte das festas populares.

A imagem grotesca característica de Rabelais, discutida por Bakhtin (1999) está sempre

associada ao exagero e excesso de algo negativo, como por exemplo da alimentação, da bebida e

das necessidades fisiológicas. Outro aspecto da cultura grotesca é estreitar a distância dos limites

corporais, inverter seus papéis. O autor menciona um trecho da obra de Pantagruel, em que

determinado personagem, ao querer revidar uma palavra (que sai da boca) que outro falou, dá-lhe

um chute no ventre.

O corpo grotesco, segundo o pesquisador, é caracterizado por seu estado inacabado,

sempre em mutação. Nos traços do rosto, apenas a boca e o nariz são fundamentais para se chegar

ao formato grotesco. Mas as partes mais importantes desse corpo são as genitálias, seguidas da

boca e do traseiro. Estes simbolizam a fecundidade, a abertura e a saída, respectivamente.

No estudo de Bakhtin (1999), portanto, pode-se absorver grande parte das características

da cultura popular da Idade Média e do Renascimento. Nessa época, o teatro, arte das mais

populares da história, começa a atingir o público que lhe melhor aceita. Primeiro, há de se tentar

definir o teatro.

Fernando Peixoto (2006), em O que é teatro?, afirma que essa arte nasceu da necessidade

do ser humano de jogar. “No espírito lúdico aparece a incontida ânsia de ‘ser outro’, disfarçar-se
e representar-se a si mesmo ou aos próprios deuses ou assumir o papel dos animais que procurar

para sua sobrevivência, às vezes inclusive fazendo uso de máscaras” (PEIXOTO, 2006, p. 12).

O autor explica que, por vezes, a representação pode estar ligada aos mundos dos deuses e

religioso. No primeiro caso, o homem faz o deus descer à Terra e viver as mesmas situações que

uma pessoa de carne e osso. No ritual religioso, há sempre um evento festivo que reúne várias

pessoas, mesmo em funerais. Imitando uma caçada, o primitivo acreditava que uma ação falsa

ajudava a realizar a verdadeira; ou tonificar o corpo, além da questão estética. E imitando o

próprio homem, tinha a possibilidade de ver-se de fora, podendo utilizar-se do riso para se

autocriticar.

O termo teatralidade é explicado por Patrice Pavis (1999) no Dicionário de Teatro.

Segundo suas pesquisas, “a teatralidade seria tudo aquilo que, na representação ou no texto

dramático, é especificamente teatral (ou cênico)” (PAVIS,1999, p372). O autor afirma que o

conceito tem sentido muito genérico, mas pode se opor ao texto dramático lido sem encenação.

De acordo com Barthes apud Pavis (1999)8, teatralidade é tudo o que está na cena e não está no

roteiro, como luz, tons e gestos.

O estudioso pontua dois significados para teatralidade: a forma banal de se dizer que algo

é impressionante e espetacular; ou se refere especificamente ao teatro e seu formato. Na história,

o teatro nasce da ação de um público de olhar uma ou mais pessoas que estão em um lugar

diferente dele. O teatro muitas vezes é dividido entre literário e teatral, em que este último se

baseia puramente das técnicas. Mas, segundo Pavis (1999), um método depende do outro.

O gênero do teatro que nasceu na massa para Margot Berthold (2001) é a Comédia

dell’Arte. Segundo a autora, em História mundial do teatro, a Comédia dell’Arte nasceu no

8
BARTHES, R. Essays Critiques. Le Seuil, Paris. [Trad. bras., Perspectiva, São Paulo, 1970].
século XVI, na Itália, influenciada principalmente pelo Carnaval – com caricaturas de bufões,

máscaras - e artistas ambulantes. Assim, ela é conhecida também como teatro popular.

“Arte mimética segundo a inspiração do momento, improvisação ágil, rude e burlesca,


jogo teatral primitivo tal como na Antiguidade tal como os atelanos haviam apresentado
em seus palcos itinerantes: o grotesco de tipos segundo esquemas básicos de conflitos
humanos, demasiadamente humanos” (BERTHOLD, 2001, p. 353).

A autora explica que a Comédia dell’Arte – comédia de habilidade - foi criada como

oposição à comédia erudita. Seus atores eram os próprios criadores de seu teatro, tornando-se os

primeiros profissionais do ramo. Eles se inspiravam majoritariamente na vida do povo. Deve-se

considerar que os artistas da Comédia dell’Arte se constituíam em trupes e circulavam pelas

cidades em suas carroças-palco como mambembes.

Os tipos eram caracterizados, sobretudo, pelo dialeto e pelos níveis de intelectualidade e

hierarquia, que originavam a comicidade. Cada ator se especializava em um personagem e ficava

íntimo dele, para que na peça só fossem combinados os acontecimentos da trama – os chamados

lazzi. Os detalhes, portanto, ficavam por conta do improviso. De acordo com o autor, os atores

seguiam apenas um roteiro que ficava em cada lado palco, para que o curso da história fosse

seguido. Havia um elemento fundamental para o efeito cômico, o Zanni – inspirado nos servos de

Bérgamo, na Itália. “É esperto e malicioso, ou bonachão e estúpido e, em ambos os casos, glutão”

(BERTHOLD, 2001, p. 355).

A pesquisadora afirma que o ponto crucial dessa comédia eram os personagens tolos ao

exagero, como Pantallone, Dottore e Capitano. Em geral, o primeiro era rico, possuía uma filha

namoradeira ou era ele mesmo galanteador. Zanni era seu criado e o levava para aventuras, em
que no final sempre ganhava comida ou uma surra. Dottre recitava absurdos e certezas muito

lógicas, além de gerar desordem por onde passava. Capitano, por fim, era um fanfarrão medroso e

covarde em situações difíceis. Havia outros personagens que apareciam quando necessário, como

a filha e o filho de Dottore ou Pantallone, amantes, cortesãos e a criada (Colombina ou

Smeraldinna), parceira de Zanni.

No geral, o teatro, ao longo dos séculos, tem se caracterizado como uma arte que abre

espaço para o lúdico, a fantasia e a imaginação. Patrice Pavis (1999), no Dicionário de Teatro,

procura a origem do teatro da fantasia na psicanálise para explicá-la no teatro. Freud apud Pavis

(1999)9 afirma que a fantasia é a imaginação da realização de um desejo partindo de uma situação

presente, com lembranças do passado e apresentada no futuro. No teatro, tanto o espectador

quanto o ator oscilam entre esses universos. O primeiro precisa fazer associações entre a imagem

e suas referências do que está acontecendo. Para o último, é necessário imaginar para dar

interpretação ao texto teatral.

Pavis (1999) explica que todo o teatro está repleto de fantasia e é como um sonho. O

teatro da fantasia está presente principalmente na encenação. “Espectadores e criadores

encontram-se necessariamente, já que cada um projeta no palco suas fantasias e seus desejos

inconscientes” (PAVIS, 1999, p. 162). Segundo o autor, é nessa troca que a encenação é

elaborada.

Uma das formas que a linguagem teatral utiliza para dar vazão à fantasia é o teatro de

bonecos. J. Guinsburg et al (2006) discorrem sobre o teatro de bonecos em Dicionário do teatro

brasileiro: temas, formas e conceitos. Segundo os organizadores da obra, nesse gênero os atores-

manipuladores quase não aparecem por trás de personagens antropomorfos, zoomorfos e míticos.

Os tipos de bonecos variam de acordo com as possibilidades de manipulação. Os fantoches, ou de

9
FREUD, S. 1969. Studienausgabe. Fischer Verlag, Frankfurt, 10 vol.
luva, são feitos de tecido e possuem apenas a cabeça e as mãos; os de vara e varetas quase sempre

têm corpo inteiro e são movimentados por varetas nas mãos e nos pés; as marionetes são mais

bem elaboradas e manipuladas por fios acima deles por um controle de madeira; os articulados,

parecidos com marionetes, mas controlados em suas extremidades com ou sem hastes; articulados

também podem ser os bonecos com articulações apenas nos olhos, boca e língua.

No Brasil, as marionetes foram introduzidas por companhias estrangeiras que faziam

turnês no início do século XX. Guinsburg et al (2006) explicam que começaram a surgir, nas

décadas de 1940 e 1950, pesquisas em novas técnicas e artes. Em 1970, já há estudos

consolidados e grupos formados com as tradições e novidades sobre marionetes, entre eles o

Teatro de Bonecos Giramundo, de Belo Horizonte.

Guinsburg et al (2006) também citam em sua obra a opereta. De origem francesa, o estilo

foi criado em 1855 por Jacques Offenbach (compositor alemão) com o objetivo de satirizar e

parodiar obras sérias a partir de números musicais. No Brasil, a opereta foi introduzida poucos

anos depois, e atingiu o sucesso em 1865. Muitos espetáculos europeus foram adaptados para a

cultura brasileira, sendo destacado o trabalho do maranhense Artur Azevedo.

A partir da produção de Azevedo, os organizadores fazem um levantamento das

características da opereta brasileira. O enredo é constituído de diálogos falados, cantos e danças

com características épicas, líricas e dramáticas. Tudo na peça refere-se ao cotidiano do

espectador, com figurinos, cenário e situações que o remetem à atualidade, sempre no formato

cômico. As vestimentas das personagens femininas contornam os corpos sensuais, que também

são revelados pelas coreografias frenéticas (há pensamentos de que aí está a origem do cancã). A

opereta tem seu declínio antes da II Guerra Mundial, mas deixa um gênero de igual sucesso, o

musical. Os autores atestam que são confusas as diferenças entre os dois estilos.
O teatro possui elementos fundamentais para a construção de uma peça, como o cenário e

o figurino. Patrice Pavis (1999) descreve o cenário como a montagem do espaço cênico de forma

plástica. No começo do século XX, a cenografia começou a ter mais importância. “Ele ocupa a

totalidade do espaço, tanto por sua tridimensionalidade quanto pelos vazios significantes que sabe

criar no espaço cênico. O cenário se torna maleável (importância da iluminação), expansível e co-

extensivo à interpretação do ator e à reação do público” (PAVIS, 1999, p. 43).

O autor explica que existe uma grande variedade de tipos e formas de cenários, em toda a

sua história. Portanto, ele pontua suas funções dramatúrgicas. Ilustração e figuração de elementos

que se supõem no universo dramático, em que pode haver desde poucos signos a uma montagem

completa do local da cena; construção e modificação sem restrições do palco, considerado como

máquina de representar, para fazer com que as expressões corporais dos atores desenvolvam os

lugares; e subjetivação do palco, que utiliza elementos sensitivos, fazendo com que estes apenas

lembrem ambientes.

Pavis (1999) explica que o figurino, atualmente, faz parte do conjunto cênico e não é mais

simplesmente a segunda pele do ator. Sua história é muito antiga e passa por modificações

diversas. O pesquisador cita a função do figurino de cobrir a nudez, assim como a vestimenta, já

que o teatro ainda possui restrições quanto a essa opção. Mas assim como o cenário, as roupas e

acessórios utilizados pelos atores têm significados, que podem seguir tanto o sentido interno

quanto externo. O primeiro segue a trama, a evolução do personagem, seu caráter, entre outros

aspectos. O último faz referências a nosso conhecimento cultural, como o histórico e regional.

“O signo sensível do figurino é sua integração à representação, sua capacidade de

funcionar como cenário ambulante, ligado à vida e à palavra” (PAVIS, 1999, p. 169). O autor

afirma que o figurino possui uma flexibilidade de significados incomparável aos outros
elementos do teatro. Para ele, não há entremeios quanto à qualidade desse item: ele é bom,

extravagante ou sem função.

3.2 A arte fotografada em movimento

Em Estilo e meio no filme, Erwin Panofsky (2000) faz um estudo sobre o surgimento do

cinema e sua importância para a indústria cultural. O autor enfatiza que os primeiros filmes

tinham princípios folclóricos, por terem criado, desde o começo, uma linguagem única, como

conseqüência do ato de dar movimento a imagens estacionárias, criando, assim, um triunfo

próprio.

Desse veículo folclórico, arquéticos primordiais foram desmembrados: sucesso ou punição,

sentimento, sensação, pornografia e humor grosseiro. Estes se desenvolveram em história genuína,

tragédia e romance, crime, aventura e comédia. Tal evolução reforça a idéia de autenticidade do

cinema, uma vez que aconteceu pelas possibilidades específicas do novo meio.

Ao contrário do teatro, no cinema o espectador pode se movimentar esteticamente pelas

lentes da câmera. A capacidade de locomoção do aparelho permite que o próprio espaço do

cenário se mova, além dos corpos que estão nele. Há ainda a capacidade do cinema de transmitir

experiências psicológicas quando o olho do observador é substituído pela consciência do

personagem.

Panofsky (2000) aponta também o princípio de co-expressabilidade do cinema ao revelar

que tanto a imagem quanto o som têm sua importância nesse veículo. Os dois componentes, se

separados, não podem ser mais considerados como um filme. Essa é mais uma qualidade
diferenciada do filme em relação ao teatro, já que neste às vezes a fala de um personagem pode se

tornar mais chamativa do que sua imagem. O autor enfatiza essa divergência quando fala que o

texto cinematográfico é dificilmente bom para ser publicado como livro, porque ele deve conter

detalhes para compor a cena fisicamente. Enquanto isso, muitos textos de teatro bons de se ler

tiveram que ser alterados para ser tornar um filme.

O cinema nasceu repleto de simbolismos e significações, mesmo que óbvios, para que o

espectador entendesse o enredo. O cinema mudo herdou da arte medieval as legendas explicativas,

o que funcionou até a chegada do cinema falado. Neste, a própria composição do cenário, do

figurino etc, deveria conter símbolos comuns ao cotidiano dos espectadores. Panofsky (2000)

afirma que esses “hábitos” permaneceram por muito tempo na história do cinema e são usados até

hoje.

O autor diz que as técnicas do filme se desenvolveram progressivamente, mas a que mais

se modificou foi a interpretação, principalmente na passagem do cinema mudo para o falado. O

primeiro exigia do ator expressões fortes e dramaticidade, mas sem a teatralidade do palco. Não

podiam, também, ser naturais, para compensar a falta de diálogo. A interpretação dos atores do

cinema mudo deveria ser “exagerada, em comparação com a representação teatral […], porém

mais rica, mais sutil e infinitamente mais precisa” (PANOFSKY, 2000, p. 358), em função da

câmera.

O pesquisador informa que vários filmes falados fazem referência aos mudos quando

possuem cenas em que o silêncio e a imagem predominam. Ele afirma, assim, que toda arte,

quando se desenvolve, mantém a sua base. Pode-se observar também que as obras menos

desprovidas de tecnologias, no futuro, acabam por se tornar clássicas. Na época em que surgiu o

cinema falado, esses filmes eram infinitamente piores que o cinema mudo.
Para finalizar, Panofsky (2000) cita o trabalho de cada componente de uma equipe de um

filme como igualmente importante, na medida em que a obra se faz em um momento para ser

eterna, e não é capaz de ser exatamente repetida, como acontece no teatro. Ele discute a questão

do comercial na obra de arte, e reconhece que, para que um filme se torne comunicável, atinja

alguém, é preciso que ele se torne comercial. O cinema é uma arte não menos importante que

qualquer outra, porque há nele “a realidade não estilizada de tal maneira que o resultado tenha

estilo” (PANOFSKY, 2000, p. 364).

V. Pudovkin (1983), em O diretor e o roteiro, explica como o diretor pode compor uma

boa atmosfera do filme utilizando bem o roteiro e encaixando detalhes “corretamente observados”

(PUDOVKIN, 1983, p. 72). Ele afirma que não cabe ao roteirista especificar todos esses detalhes,

apenas formular abstratamente alguns deles. O diretor, então, deve absorver as citações e

transformá-las em plásticas.

Mas o autor esclarece que no cinema todos os dados devem ter razão para estar na cena.

“Todos os elementos devem ser acumulados e dirigidos com o objetivo único de resolver os

problemas dados” (PUDOVKIN, 1983, p. 73). O pesquisador afirma que os personagens, da

mesma forma, devem estar em harmonia com o ambiente. Ele cita o diretor David Griffith, cujo

auge da carreira foi na década de 1920, em que, nos filmes, os personagens estão sempre

diretamente ligados aos conflitos ao redor.


3.3 Gêneros especiais: melodrama e literatura fantástica

O melodrama é um gênero do teatro considerado por Ivete Huppes (2000), no livro

Melodrama: o gênero e sua permanência, ideal para a os meios de comunicação de massa da

contemporaneidade, como a televisão e o cinema. Isso acontece porque, segundo a autora, o

melodrama possui grande facilidade para absorver mudanças, sem perder sua analogia; além de

soar muitas vezes como crônica em momentos de necessidade de fuga.

O melodrama tem origem na ópera e desde o século XVII é popularmente conhecido. A

pesquisadora afirma que o gênero também possui referências da literatura alemã e de

Shakespeare. Segundo Huppes (2000), o melodrama é romântico, mas possui suas próprias

características. Ele é moderno e atinge um grande público, principalmente porque se adapta

facilmente a várias vertentes.

De acordo com a autora, em sua estrutura, o melodrama é bipolar: possui níveis horizontal

e vertical. “Horizontalmente, opõe personagens representativas de valores opostos: vício e

virtude. No plano vertical, altera momentos de extrema desolação e desespero, com outros de

serenidade ou de euforia, fazendo a mudança com espantosa velocidade” (HUPPES, 2000, p. 27).

A trama, geralmente, possui mais dinâmica no pólo negativo, mas termina com a vitória da

virtude.

A pesquisadora explica que a exploração dos sentimentos é fundamental no melodrama.

Para ela, nesse gênero as intrigas não têm limite, pois são o grande instrumento dos autores. A

surpresa é o grande mote deles. Outro aspecto importante é a habilidade do melodrama de

fragmentar partes, podendo reuni-las em diversas situações e, inclusive, incluir outros


fragmentos. Esse é um ponto essencial para que o gênero permaneça o mais utilizado na

atualidade.

Huppes (2000) aponta duas matrizes temáticas do melodrama: a reparação da injustiça e a

busca da realização amorosa. Esses elementos básicos traçam todas as características dos

personagens. O bom coloca o bem comum em primeiro plano, enquanto o mal é mais ativo e quer

satisfazer somente a si mesmo. Dois grupos se erguem, cada um ao lado de um pólo. No começo,

o mal é vitorioso, mas, no decorrer da trama, o bem vence. Há histórias melodramáticas

amorosas, em que o casal passa por vários empecilhos antes de se reunir.

Em Introdução à literatura fantástica, Tzvetan Todorov (1975) inicia o texto fazendo

uma análise do fantástico, como um acontecimento no mundo real, mas que não pode ser

explicado por suas leis naturais. Quem o presencia possui duas escolhas: é fruto da imaginação

ou é real, mas de uma realidade incógnita para a pessoa. “Há um fenômeno estranho que se pode

explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de

se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico” (TODOROV, 1975, p. 31).

Segundo o autor, o leitor deve estar totalmente integrado à história fantástica, ter a mesma

hesitação do personagem principal. O leitor é direcionado pela própria obra, que contém

percepções implícitas para isso. O fantástico depende da interpretação que o leitor dará ao texto.

Uma história pode mencionar vários eventos sobrenaturais, mas, se o leitor não reagir com

dúvidas, haverá outro sentido, o alegórico ou poético. O fantástico, portanto, alude não somente à

perturbação conseqüente de acontecimentos estranhos, mas também à forma como eles são

interpretados pelo leitor.

Todorov (1975) define, então, três condições para que a obra seja fantástica: o texto deve

fazer o leitor hesitar entre acreditar nos fenômenos sobrenaturais da história ou em explicações

racionais; é interessante a hesitação acontecer também no personagem, para que o leitor se


identifique e a dúvida passe a ser o ponto central da trama; por fim, é fundamental a interpretação

do leitor, que não pode considerar o texto alegórico ou poético.

Na história, a primeira característica deve ser alocada verbalmente, por meio de períodos

verbais que remetam à hesitação. A segunda condição tem aspecto sintático, na medida em que

deve haver reações do personagem quanto aos acontecimentos da trama; e aspecto semântico,

porque se refere a um assunto interpretado na obra. A última questão é bastante abrangente, trata-

se de escolhas.

O autor explica que, quando o leitor, no final da obra, decide eleger um dos dois

caminhos, o fantástico se transforma em outro gênero: o estranho ou maravilhoso. Se ele escolhe

uma resposta racional, em que as leis naturais explicam o fenômeno, é a primeira opção. Se for o

contrário, ele acredita que existam novas possibilidades ainda desconhecidas, o gênero se torna

maravilhoso. Por isso, Todorov (1975) crê que o fantástico se desloca muito entre os dois

gêneros, perdendo sua autonomia. Ele define, então, subdivisões entre os três gêneros: o

estranho-puro, o fantástico-estranho, o fantástico-maravilhoso e o maravilhoso-puro.

O pesquisador enumera explicações que podem ser utilizadas para sanar o sobrenatural na

literatura estranha ou fantástico-estranha: o acaso; o sonho; a influência de drogas; as fraudes; a

ilusão dos sentidos e a loucura. Já no maravilhoso, não há necessidade de esclarecimentos,

porque não há reação tanto nas personagens quanto no leitor. “Não é uma atitude para com os

acontecimentos narrados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza desses

acontecimentos” (TODOROV, 1975, p. 60).

Há também a ligação do fantástico com a poesia e o alegórico. O autor afirma que os dois

gêneros são muito complexos de se comparar, porque são distintos e possuem oposições

diferentes. A poesia é uma “combinação de palavras, não de coisas, e é inútil, melhor: prejudicial,

traduzir esta combinação em termos sensoriais” (TODOROV, 1975, p. 67). Segundo o


pesquisador, a alegoria é mais bem representada pela fábula, nos contos de fada, novelas, entre

outros. O que distingue sempre o texto alegórico é o elemento simbólico inverossímil, mas

completamente compreensível para o leitor.

Em seguida, Todorov (1975) define três propriedades da estrutura de uma obra fantástica,

que se referem ao enunciado, à enunciação e ao aspecto sintático. A primeira é, de acordo com o

autor, o uso do discurso figurado. Somente interpretando-o categoricamente é que surgirá o

sobrenatural. O autor afirma que o exagero leva ao fantástico, porque reafirma o sentido do

período verbal. A segunda característica se refere ao narrador, que é quase sempre em primeira

pessoa. Isso dá margem às incertezas, porque o narrador será também personagem.

Quando a narrativa se faz em terceira pessoa, certamente existirão validade e coerência no

discurso. Por fim, o terceiro traço diz respeito à estrutura da trama, em que todos os elementos

devem ser direcionados a um momento culminante, o clímax. O autor completa dizendo que o

fantástico é um gênero que enfatiza a necessidade de leitura da obra inteira para se entender a

história, porque todos os elementos são interdependentes.


4 UMA MICROSSÉRIE PARA MUDAR A HISTÓRIA DA TV

Para analisar a microssérie Hoje é Dia de Maria, são utilizadas notícias da web; materiais

extras do DVD, como uma entrevista com o diretor Luiz Fernando Carvalho impressa em um

livreto; e o making of da segunda jornada.

Apenas a primeira jornada de Hoje é Dia de Maria é analisada, mas há citações da

segunda parte da microssérie, devido à continuação direta da história. Exibida pela Rede Globo

de Televisão, primeira jornada foi transmitida em janeiro de 2005 com 8 episódios - duração de

mais ou menos 50 minutos cada um. A segunda temporada possui cinco episódios (também com

média de 50 minutos) e foi exibida em outubro do mesmo ano.

Para analisar o conteúdo do material empírico, são utilizadas categorias específicas. Estas

foram definidas de acordo com a necessidade de um produto ficcional e por parâmetros

singulares do material.

São elas: roteiro, pelo significado da história da minissérie e em quais outras obras ela se

baseia; direção geral, como foi guiado todo o processo de produção, atuação, arte, fotografia, etc,

adaptando o roteiro às gravações; narrativa, para saber como se deu a transformação do roteiro

para minissérie; diálogos, em que se baseiam as falas, os sotaques e os termos utilizados pelos

personagens; a construção de personagens; os cenários, sobre como a locação foi adaptada para

as gravações e como se deu o uso de cores, texturas e objetos específicos; os figurinos, qual o

sentido das roupas e acessórios dos personagens e que influências elas têm; os bonecos e a

proposta ao utilizá-los; trilha sonora e seu sentido nas cenas.


4.1 As origens de Hoje é Dia de Maria

A microssérie Hoje é Dia de Maria foi exibida pela Rede Globo de Televisão. A primeira

jornada foi transmitida em janeiro de 2005 com oito episódios - duração de mais ou menos 50

minutos cada um. A segunda temporada possui cinco episódios (também com média de 50

minutos) e foi exibida em outubro do mesmo ano. Foi dirigida por Luís Fernando Carvalho e o

roteiro foi adaptado da obra do escritor e dramaturgo Carlos Alberto Soffredini pelo diretor e por

Luís Alberto de Abreu.

Hoje é Dia de Maria narra a história de uma menina órfã de mãe, cuja madrasta maltrata e

o pai vive viajando. Enquanto o pai se ausenta em uma longa jornada, a mulher dele enterra

Maria nos terrenos da casa, de onde nasce um capim muito verde. O pai chega e ouve a canção

triste da menina. Ao desenterrá-la, ela ressuscita. Maria, então, decide vagar pelo mundo afora

em busca de felicidade, traçando um caminho para o mar. Em seu passeio, a menina conhece

várias histórias e personagens fantásticos - de lendas internacionais a aparições cristãs.

Em certo momento da história, Maria decide defender o amigo Zé Cangaia do demônio

Asmodeu, que quer lhe comprar a sombra. A menina acaba por perder a infância e, de um dia

para o outro, vira adulta. Ela descobre o amor nos braços de um jovem amaldiçoado: de dia é um

pássaro, que sempre a seguiu na viagem, e à noite volta a ser humano.

A paixão de Maria lhe confere um novo inimigo, o saltimbanco Quirino que, louco de

ciúme, aprisiona seu amado. A irmã dele, Rosa, ajuda a moça a descobrir as armações do artista,

que se arrepende. Maria consegue achar seu amado, mas o ódio de Asmodeu é tanto que a faz se

tornar criança novamente. A menina, então, repete as mesmas experiências e volta para casa,

onde encontra toda a família reunida, como se nada tivesse acontecido. Ao final da segunda
jornada, e que Maria passa uma temporada na cidade procurando o caminho para casa, descobre-

se que toda a narrativa é contada pela avó da personagem, em uma tentativa de resgatar a neta de

uma febre alta.

A atriz mirim Carolina Oliveira protagoniza a microssérie. Quando cresce, ela é

interpretada por Letícia Sabatella. No elenco também estão Rodrigo Santoro, Fernanda

Montenegro, Osmar Prado, Stênio Garcia, atores do Grupo Galpão e bonecos do Giramundo,

esses os últimos de Belo Horizonte, Minas Gerais.

O diretor, produtor e roteirista de Hoje é Dia de Maria (2005), Luiz Fernando Carvalho,

iniciou a carreira audiovisual aos 18 anos, como estagiário em diversos filmes. Depois, entrou

para o núcleo Usina de Teledramaturgia da Rede Globo de Televisão. Começou como diretor-

assistente em várias minisséries, entre elas Grande Sertão: Veredas. Em 1986, escreveu e dirigiu

seu primeiro curta metragem, A Espera, que recebeu prêmios renomados em festivais de cinema.

Depois, engatou a carreira na televisão, dirigindo a minissérie Riacho Doce (1990) e as novelas

Renascer (1993) e O Rei do Gado (1996).

Em 1990, após a leitura do romance Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, decidiu gravá-lo

em longa metragem. Carvalho foi ao Líbano pesquisar sobre a cultura mulçumana e aproveitou

para coletar materiais e fazer um documentário, Que seus Olhos sejam Atendidos (2000), co-

produzido pelo canal de televisão GNT. Em 2001, lançou seu primeiro longa metragem.

Enquanto finalizava Lavoura Arcaica, Carvalho dirigiu a minissérie Os Maias (2001)10.

Em 2007, começou a desenvolver para a Rede Globo o projeto Quadrante, em que

percorre várias regiões do Brasil e conta suas histórias por meio de adaptações da literatura para a

televisão. A primeira microssérie exibida dentro do projeto foi A Pedra do Reino. Carvalho, em

10
Luiz Fernando Carvalho. http://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Fernando_Carvalho, acessado em 15/03/2007.
matéria do site Planet News11, afirma: “trata-se de uma tentativa de um modelo de comunicação,

mas também de educação, onde a ética e a estética andam juntas. Estou propondo, através da

transposição de textos literários, uma pequena reflexão sobre o nosso país.”

4.2 Produto da Indústria Cultural

Hoje é Dia de Maria pode ser inserida nos conceitos de Theodor Adorno e Max

Horkheimer (2000) por ser um produto da indústria cultural, considerando-se sua veiculação em

canal de TV aberto. Mas, ao contrário das idéias dos frankfurtianos, essa microssérie não foi

produzida tendo como base um esquema padrão, porque ela se difere da maioria das produções

teledramatúrgicas quanto a seu conteúdo.

Ela possui influências artísticas e técnicas raramente usadas (posteriormente analisadas),

as quais não alienam telespectadores, como afirmam os pensadores. Pelo contrário, democratizam

conceitos culturais antes desfrutados somente por pesquisadores e profissionais de áreas

específicas. Essa microssérie pode ser considerada singular dentro da indústria cultural,

contrariando as pesquisas de Mauro Wolf (1999).

Mas Hoje é Dia de Maria chega ao público já com o formato de minissérie,

principalmente devido ao horário em que foi exibida. Esse conceito se contradiz quando é

relacionado ao modo de produção das minisséries, que possuem mais liberdade do que outras

11
A Pedra do Reino. http://www.planetanews.com/produto/L/214958/pedra-do-reino--a-luiz-fernando-carvalho.html,
acessado em 19/11/2007.
teledramaturgias, como as novelas. Segundo Ciro Marcondes Filho (1999), na produção das

telenovelas, tudo está voltado para chamar a atenção da publicidade e do merchandising.

A exibição da microssérie pela TV Globo está introduzida na idéia de Edgar Morin (1997)

de que a cultura de massa precisa dar espaço a inovações artísticas para se sustentar. Ele afirma

que os produtos culturais oscilam entre o comercial/burocratizado e criação/arte. Hoje é Dia de

Maria cabe na segunda opção, e pode ser considerada uma ousadia da emissora líder de

audiência, que costuma ser mais atenta a produtos lucrativos, como explica Ciro Marcondes Filho

(1999).

Em desacordo com Morin (1997), o objeto analisado foi produzido para um público

variado e democratiza informações sem banalizá-las. A microssérie contém influências de

clássicos da literatura, da música e das artes plásticas, entre outros, mas conseguiu simplificar

esses elementos sem vulgarizá-los.

Em entrevista ao livreto anexado ao DVD de Hoje é Dia de Maria, Luiz Fernando

Carvalho afirma que o projeto nasceu de influências como os contos populares recolhidos da

oralidade popular brasileira por Silvio Romero e Câmara Cascudo, pinturas de Cândido Portinari

e cirandas recriadas por Villa-Lobos.

John B. Thompson (1998) trabalha o termo comunicação de massa não como várias

pessoas que recebem a mesma informação, mas uma mensagem que está disponível a uma grande

quantidade de pessoas. O objeto de estudo inclui-se nesse contexto, além de poder gerar

discussões e debates após sua transmissão, como afirma o autor. Gilles Lipovetsky (2001)

concorda ao afirmar que, por disponibilizar tantas opções, a indústria cultural proporciona ao

indivíduo a reflexão para ter diferentes posições sobre cada assunto.

Mas, apesar das referências populares, a minissérie constitui um produto fora dos padrões

industriais, o que pode exigir uma recepção mais sofisticada e/ou afastar o público médio da TV.
4.3 O meio de comunicação e o tipo de programa

Dominique Wolton (1996) e Arlindo Machado (2005) defendem a televisão como grande

difusora da cultura no Brasil, situação confirmada por estudos de Priolli apud Bucci (2000) e

Renato Ortiz et al (1989), mas pouco considerada por intelectuais para pesquisas quanto a seu

conteúdo. Wolton (1996) e Machado (2005) concordam que pode haver programas que agregam

mensagens progressivas ao público, como é o caso de Hoje é Dia de Maria. Na pesquisa de

Machado (2005) há uma listagem de programas considerados pelo autor com essa característica,

e poucos são brasileiros. Pode-se dizer, então, que a microssérie, é uma raridade nesse aspecto,

mas pode também abrir portas.

O objeto de estudo é considerado uma minissérie de curta duração e, portanto, uma

microssérie, porque, de acordo com Mônica Almeida Kornis (2001), Daniel Filho (2001) e Ana

Maria C. Figueiredo (2003), possui mais liberdade de produção, preocupação com a qualidade e

seu público é mais seleto. Hoje é Dia de Maria foi baseada em textos da literatura nacional, o que

confirma a pesquisa de Figueiredo (2003). Além disso, outra característica citada pela autora e

utilizada na microssérie é o sertão como cenário.

Hoje é Dia de Maria está bem perto de ser considerada um produto artístico, como afirma

Figueiredo (2003) quanto ao gênero, por possuir tanta riqueza cultural e pouca preocupação

comercial.

A produção possui duas jornadas, com um período longo entre uma e outra, o que torna a

segunda uma retomada. É uma continuação de um produto que fez sucesso, mas não é criada com

objetivos puramente comerciais, como assegura Umberto Eco (1989). Tem algumas personagens

e situações fixas e vários flashbacks, podendo ser inserida no contexto do pesquisador.


Daniel Filho (2001) diz que a minissérie é uma extensão da telenovela, produção estudada

historicamente por Renato Ortiz et al (1996). Esse tipo de dramaturgia é fortemente criticado por

Ciro Marcondes Filho (1999), que o compara ao teatro realista. A microssérie em questão se

aproxima mais ao conteúdo do teatro realista, por se aprofundar mais ao assunto e dar

importância às várias possibilidades de jogo cênico; aos figurantes, indispensáveis na

composição; e ao espaço social; entre outros elementos. Marcondes Filho (1999) afirma que o

teatro realista possui conteúdo que gera reflexão ao telespectador. Mas na forma, o objeto de

estudo não está ligado a esse conceito, e sim às outras influências já citadas, como o teatro da

fantasia, o cinema e a opereta, por exemplo.

Hoje é Dia de Maria foi produzida com tecnologia avançada mostrada no making of

incluso do DVD. O domo12 utilizado como uma das únicas locações precisou de grande

quantidade de mão-de-obra para manusear os mais variados pontos de luz, produzir o cenário e o

figurino, entre outros elementos. A terceira fase da televisão, de 1975 a 1986, denominada por

Valério Cruz Brittos (1999), foi a época em que mais se investiu na tecnologia da televisão

brasileira. A quinta fase, que começou na década de 1990, mostra globalização da informação. A

microssérie demonstra essa atitude ao difundir culturas de diversas regiões brasileiras e do mundo

e inovar tecnologicamente e em sua linguagem.

No site oficial de Hoje é Dia de Maria13, há uma matéria que cita a utilização da câmera

Viper, da Thomson, que pela primeira vez é usada na América Latina. A câmera é originária do

cinema e possui alta definição. Por meio de processos inovadores, as imagens são transmitidas

por fibra óptica para um servidor na ilha de pós-produção, onde são gravadas.
12
Estúdio circular de 360 graus reutilizado do palco circular do festival Rock in Rio. Montado sobre solo natural,
possui 170 metros de diâmetro e 10 de altura. Informação retirada do site
http://www.teledramaturgia.com.br/hojeediab.htm, acessado em 28/11/2007.
13
Câmera de alta definição é novidade no Brasil. http://redeglobo.globo.com/Blog/0,27062,4875-p-050911-
050917,00.html, acessado em 28/11/207.
Gabriel Priolli et al (2000) afirma em seu estudo que a Rede Globo fez migrar diversos

profissionais do teatro, da literatura, do cinema e do rádio para que a produção cultural de sua

programação seguisse seu padrão de qualidade, o que formou o grupo dos produtores culturais

especializados em televisão, na década de 1980. A iniciativa da emissora foi fundamental para a

qualidade da produção dramatúrgica, e sem ela Hoje é Dia de Maria não teria sido realizada.

Há alguns profissionais que transferiram-se de outras áreas para trabalhar na microssérie,

como os atores do grupo de teatro Galpão, Rodolfo Vaz, Inês Peixoto e Antônio Edson, o as

marionetes do Teatro de Bonecos Giramundo e o roteirista Luís Alberto de Abreu, que também

era do palco.

4.4 Referências em Hoje é Dia de Maria

Hoje é Dia de Maria é essencialmente teatral, primeiro porque utiliza a representação,

tanto de outros homens quanto de animais, inclusive com o uso de máscaras e bonecos, como

afirma Fernando Peixoto (2006). Depois, porque grande parte dos seus elementos possui

teatralidade. O termo, explicado por Patrice Pavis (1999), se refere a tudo o que está na cena e

não pode ser enxergado somente no roteiro.

Em crítica ao site A Arca, Francine “Stra.Ni” Guilen14 diz que a maquiagem da

microssérie é bem teatral, tanto quanto a fala dos personagens, que possui rimas, poesia e

metáforas. De acordo com Pavis (1999), em Hoje é Dia de Maria o palco é maleável e tem

14
GUILEN, Francine “Stra. Ni”. E foi dia de Maria. http://a-arca.uol.com.br/v2/artigosdt.asp?
sec=1&ssec=8&cdn=5774, acessado em 05/04/2007.
montagem completa do local da cena. Segundo o diretor Luiz Fernando Carvalho, em entrevista

ao livreto anexado ao DVD da série, o espaço em que a maioria das cenas foi gravada, o domo,

foi escolhido para representar o emocional de uma determinada realidade, com painéis e pinturas,

além de vários objetos reciclados. Pavis (1999) diz que o cenário segue a trama, a evolução do

personagem e seu caráter, entre outros aspectos. É o que acontece com a personagem Maria, que,

por cada situação que passa, conhece lugares diferentes, como a comunidade em que aparece

quando se torna adulta.

Uma costureira/bordadeira não identificada no making of da microssérie explica que o

diretor exigiu que ela e suas colegas pensassem no século XIX para trás na produção da primeira

jornada, e no século XX para frente na segunda jornada. Pavis (1999) afirma que as roupas e

acessórios utilizados pelos atores têm significados, que podem seguir tanto o sentido interno

quanto externo e fazem referências a nosso conhecimento cultural, como o histórico e regional. O

figurino em Hoje é Dia de Maria sofre influências inúmeras, tanto de regiões do Brasil e outros

países, quanto de escolas artísticas.

Pode-se perceber que, pelos bordados do vestido de Maria criança e por sua simplicidade,

o modelo é originário das áreas rurais do Brasil. A vestimenta da Madrasta é mais robusta, com

espartilho e acessórios rebuscados, entre eles o chapéu, provenientes de influência de eras

coloniais do país. No Asmodeu bonito claramente pode-se entender a característica sedutora do

personagem pelo figurino de toureiro.

A microssérie possui características de várias vertentes do teatro, como a Commédia

dell’Arte, o teatro da fantasia, o teatro de bonecos e a opereta. As características da Commédia

dell’Arte são evidentes na parte em que se mostra o teatro mambembe de Quirino e Rosa.

Segundo Margot Berthold (2001), nesse teatro há o uso do improviso. Pode-se identificar isso na

cena em que o pai de Maria é chamado para se apresentar pela primeira vez, sem qualquer ensaio,
para cobrir a promessa de Rosa ao público de uma surpresa. O Pai pode ser considerado o Zanni,

personagem-padrão da Commédia dell’Arte identificado pela pesquisadora como bonachão e

estúpido.

Hoje é Dia de Maria é marcada por situações que se referem ao teatro e à literatura

fantástica. Tzvetan Todorov (1975) e Patrice Pavis (1999) afirmam que o fantástico acontece

quando há situações em que o real se mistura com ilusões, em momentos parecidos com sonhos.

No final da segunda jornada, o espectador descobre que a microssérie é toda uma história fictícia

também para Maria, que sofre de febre alta.

Alguns exemplos de situações fantásticas são os momentos em que Maria encontra a santa

por quem é devota; as aparições do diabo Asmodeu em vários formatos; o encantamento do

pássaro, que se transforma em ser humano somente à noite; a morte do pai encontrando sua

mulher, que já estava morta. No início da segunda jornada, Maria encontra a cabeça da madrasta -

sem qualquer explicação -, que diz que ela está vivendo um sonho.

Em Hoje é Dia de Maria, muitos animais, principalmente os que se relacionam com

Maria, são bonecos. De acordo com J. Guinsburg et al (2006), eles são marionetes, porque são

manipulados por fios acima deles por um controle de madeira. O Teatro de Bonecos Giramundo,

de Belo Horizonte, foi responsável por esse aspecto na microssérie. O grupo é citado por

Guinsburg et al (2006) como um dos mais antigos pesquisadores na área. Mas também cenas em

que alguns personagens se tornam bonecos articulados, feitos de massa ou de pano.

O objeto de estudo também faz referências à opereta, porque utiliza várias cantigas e

canções. Na primeira jornada, um desses momentos acontece quando Maria desafia o diabo com

poesia repentista, em que versos improvisados são cantados acompanhados de viola nordestina 15.

Mas, na seqüência a microssérie, essa característica fica mais evidente, porque há vários diálogos

15
OBEID, César. Poesia Repentista. http://www.teatrodecordel.com.br/, acessado em 28/11/2007.
cantados, o que confirma a pesquisa de Guinsburg et al (2006). Ele diz que o enredo da opereta é

constituído de diálogos falados, cantos e danças com características épicas, líricas e dramáticas.

Na microssérie há até uma cena em que bonecas dançam cancã, que, segundo o autor, pode ter

nascido nesse gênero.

Hoje é Dia de Maria é repleta de referências à cultura popular, com elementos como o

riso, o vocabulário popular e grotesco, as festas populares e o corpo grotesco, pesquisados por

Mikhail Bakhtin (1999). Na trama, há vários momentos em que prevalece a comédia, como por

exemplo as apresentações do palhaço Quirino. O autor explica que somente no Renascimento o

riso passou a ser valorizado entre os intelectuais. Douglas Kellner (2001) dialoga com Bakhtin

(1999) quando diz que a cultura popular foi vista como inferior pelos teóricos da Escola de

Frankfurt. Entretanto, percebe-se uma valorização crescente do gênero na TV e no cinema.

O vocabulário da maioria dos personagens da microssérie é popular, mas não é grotesco,

amparado na linguagem do sertanejo e aparentado das obras do escritor Guimarães Rosa. Mas,

em acordo com o estudo de Bakhtin (1999), a linguagem é familiar, livre de polidez e cerimônias.

Os personagens da primeira jornada de Hoje é Dia de Maria moram no sertão e têm sotaque e

palavreados de regiões rurais. Apenas alguns personagens, como o de Rodrigo Santoro, o Amado,

possuem fala rebuscada e poética. Joaninha, a filha da Madrasta, fala sempre em comer na

primeira jornada. Na segunda, Maria sente fome várias vezes. O autor afirma que referências a

comida também fazem parte do vocabulário popular.

As festas, outro item da cultura popular descrito por Bakhtin (1999), também estão na

história. Há dois casamentos com festas na rua, o do pai de Maria com a Madrasta e o da

protagonista – que quase acontece com o príncipe da comunidade em que ela vive quando se

torna adulta. No primeiro, há a manifestação de um grupo de Folia de Reis, o Reisado Flor do

Oriente. No outro, parece haver uma festa em uma senzala., nos moldes de rituais africanos.
A imagem grotesca pode ser vista desde o começo da microssérie, quando o pai de Maria

sofre de alcoolismo. Ele tenta afastar a tristeza de ter perdido a mulher e os filhos no exagero com

a bebida. Outra situação grotesca é a venda da sombra de Zé Cangaia por um sanduíche enorme.

Depois, ele tem uma dor de barriga e defeca ao ar livre, em frente a Maria, sem que esta sinta

nojo. Bakhtin (1999) também aponta os corpos grotescos, sempre inacabados e estranhos, como

são os de alguns personagens de Rodolfo Vaz, como o Maltrapilho e o Mendigo. Asmodeu

original também segue essas características, tendo, inclusive, patas e chifres de bode.

Hoje é Dia de Maria utiliza técnicas do cinema, como a locomoção da câmara para que o

próprio espaço do cenário se mova, além dos corpos que estão nele – técnica explicada por Erwin

Panofsky (2000). Na série, são inúmeras as vezes em que a câmera se desloca para interpretar o

que acontece na cena, como quando Mariazinha perde sua chave e se torna pequena diante dos

olhos do espectador. Há ainda métodos cinematográficos em que podem-se transmitir

experiências psicológicas apenas pelo olhar do personagem, como nas cenas em que Maria adulta

se encontra com seu Amado.

V. Pudovkin (1983) afirma que o roteiro deve ser bem adaptado pelo diretor, que precisa

encaixar seus detalhes adequadamente. Em Hoje é Dia de Maria, apesar da riqueza destes, pode-

se observar que Luiz Fernando Carvalho consegue encaixá-los muito bem. O diretor mistura

referências que acabam por combinar, como na cena em que os cobradores aparecem, alinhados e

robóticos, em meio ao chão árido. São tantas as influências, em ambas as jornadas, mas tudo na

série parece estar em harmonia, como afirma Pudovkin (1983).

A trama de Hoje é Dia de Maria também possui muitas referências do melodrama. Ivete

Huppes (2000) explica que nas histórias melodramáticas há sempre o conflito entre o bem e o

mal, além de oscilações entre momentos de desespero, serenidade ou euforia. Na microssérie,

Maria está constantemente lutando contra a própria personificação do mal, o diabo Asmodeu, que
ainda por cima aparece em diversos formatos. Assim como no estudo da autora, há mais dinâmica

nas cenas com situações negativas para a protagonista.

No melodrama, os sentimentos são explorados ao máximo, como acontece na série, em

que Maria, quando está triste, chora e, quando está alegre, é só gargalhadas. Na fase adulta, Maria

passa por vários empecilhos para ficar com seu Amado. Asmodeu, em parceria com Quirino,

coloca vários obstáculos nos encontros do casal, que já eram difíceis devido à transformação do

Amado em pássaro de dia. Finalmente, Maria consegue seu amor de volta, mas perde-o

imediatamente, pois Asmodeu lhe devolve a infância.

Portanto, pode-se observar que Hoje é Dia de Maria possui referências de várias vertentes

artísticas e históricas em todos os aspectos e elementos da trama e da produção. O teatro e a

cultura popular se destacam nesse contexto, porque remetem ao lúdico e à memória infantil

proposta por Luiz Fernando Carvalho.


CONCLUSÃO

A microssérie Hoje é Dia de Maria revela que pode haver programas que se aproximam

da arte na televisão aberta brasileira. Mesmo que o horário de exibição seja tarde para muitos

espectadores, as emissoras estão abrindo espaço para que o público tenha mais variedade na

escolha do que quer assistir. A iniciativa da Rede Globo é muito importante, porque disponibiliza

informações antes presas em mídias não tão acessíveis à maioria da população e as democratiza.

A minissérie é uma alternativa na dramaturgia brasileira que abriu portas para produções

que se interessam mais pelo conteúdo do trabalho do que de publicidade e lucros. A televisão é

um meio de comunicação de massa, mas nem por isso deve ser vista como um veículo que se

presta exclusivamente ao entretenimento. A TV, justamente por atingir uma grande quantidade de

pessoas ao mesmo tempo, deve abrir mais espaço para a educação em sua grade.

Hoje é Dia de Maria introduziu novos parâmetros até mesmo para as próprias minisséries.

Inseriu na TV aberta influências de clássicos da literatura, do teatro e do cinema em linguagem

simples e lúdica. Somente o fato de resgatar a cultura popular brasileira por meio de cirandas, de

diálogos rurais e de cenários comuns à população humilde do país já é um atrativo.

O diretor da microssérie, Luiz Fernando Carvalho, que também adaptou a obra de Carlos

Alberto Soffredini em parceria com Luís Alberto de Abreu, é um expoente na área audiovisual do

Brasil. Seus trabalhos variam entre novelas, minisséries, curtas e longas metragens, todos

produzidos com profundidade de pesquisa e produção cultural. Soube aproveitar a oportunidade

na Rede Globo, emissora líder em audiência no país, para produzir uma obra de indiscutível

qualidade para a audiência.


Em relação ao primeiro capítulo desta pesquisa, constatamos que a indústria cultural pode

ter papel positivo na cultura de um povo, democratizando informações importantes sem banalizá-

las.

No segundo capítulo, pudemos perceber o quanto a televisão evoluiu para atingir um

público cada vez maior no Brasil. Vimos que a teledramaturgia tem papel fundamental na

formação da cultura brasileira e é uma das formas mais importantes de entretenimento. A

minissérie é o mais novo formato de dramaturgia na TV, e foi criada para se fazer experiências e

investir em inovações tecnológicas e de linguagem.

No terceiro capítulo, pontuamos as várias referências que Hoje é Dia de Maria possui.

Pudemos entender que um produto televisivo também pode ter teatro, cinema e literatura em sua

produção, assim como explorar a riqueza da cultura popular.

No quarto capítulo, verificamos todos esses elementos na microssérie e concluímos que,

por mais que façamos uma profunda pesquisa, ainda faltam diversas referências a serem

analisadas.

Portanto, ainda existem esperanças e chances para que a televisão brasileira utilize seu

poder para oferecer produtos mais bem acabados, que reflitam a cultura popular e permitam uma

apreciação fora dos padrões convencionais. Este estudo comprova as alternativas que o veículo

possui. Hoje é Dia de Maria faz referências a muito mais vertentes das artes do que as exploradas

aqui, e é apenas um exemplo de tamanha riqueza cultural que o país tem.

Ainda há muito o que pesquisar sobre esse lado positivo do poder televisivo. Este trabalho

apenas disponibiliza idéias para que outros estudiosos descubram outras possibilidades e

alternativas que a TV possui, inclusive sobre Hoje é Dia de Maria.


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