Beatriz Braga BEZERRA2 PDF

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NARRATIVAS INTERTEXTUAIS: O CINEMA DA RETOMADA MARCA A

PRODUÇÃO AUDIOVISUAL PUBLICITÁRIA1

Beatriz Braga BEZERRA2

Resumo
O ressurgimento do cinema brasileiro ou Cinema da Retomada, representou o grande
momento de produção audiovisual do país. Com a promulgação da Lei do Audiovisual em
1993 e outras leis de incentivo, o Brasil voltou a pautar a imprensa com obras fílmicas
repletas de temáticas nacionais e ligadas às polêmicas e contraditórias questões sociais aqui
vividas: pobreza, violência e corrupção. Pretende-se investigar as intertextualidades da
linguagem publicitária com o cinema brasileiro tendo a obra Carlota Joaquina, marco
inicial da produção da Retomada, como foco de investigação.

Palavras-chave: Cinema da Retomada; Publicidade; Intertextualidade.

Introdução

O ressurgimento do cinema brasileiro ou cinema da Retomada como foi chamado o


período, representou um grande momento de produção audiovisual do país. Com a
promulgação da Lei do Audiovisual em 1993 e outras leis de incentivo estaduais e
municipais o Brasil voltou a pautar a imprensa com suas obras fílmicas. A característica
marcante desse período foi a presença de temáticas nacionais nas telas, ligadas à história do
País, aos acontecimentos marcantes e às polêmicas e contraditórias questões sociais aqui
vividas, como a pobreza, a violência e a corrupção.
Partindo então do período da Retomada, pretende-se aqui investigar as
intertextualidades realizadas pela linguagem publicitária com o universo cinematográfico
brasileiro. Para embasar os estudos sobre história do cinema brasileiro serão utilizadas
como referência as obras de Lúcia Nagib (2002); Luiz Zanin Oricchio (2003); Franthiesco
Ballerini (2012) e Ismail Xavier (2001). Pyr Marcondes (2001) e Renato Castelo Branco
(1990) serão as fontes para o detalhamento das temáticas mais recorrentes durante a

1
Trabalho apresentado no 8º Interprogramas de Mestrado, realizado em 23 de Novembro de 2012 na
Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.
2
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco –
PPGCOM/UFPE. E-mail: <[email protected]>. Trabalho orientado por Rogério Covaleski,
professor adjunto (DCOM e PPGCOM/UFPE), doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). E-mail:
<[email protected]>.

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evolução da publicidade brasileira. E através do conceito de intertextualidade no qual Julia
Kristeva (1974) afirma que um texto é a fusão de outros textos, que traz citações e faz
alusões a outros enunciados, constituindo-se, por fim, de um mosaico textual; e de
dialogismo em que Mikhail Bakhtin (1963 apud FIORIN, 2008) afirma que todos os
enunciados são dialógicos, portanto, perpassados das palavras do outro, serão estabelecidas
as premissas necessárias para a pesquisa.
Dentre os filmes que serviram de inspiração para a publicidade brasileira, será feita
a análise da obra Carlota Joaquina, princesa do Brazil da diretora Carla Camurati em
paralelo com a publicidade gerada a partir dele intitulada Cinema; uma criação da agência
DPZ Rio para a BR Distribuidora (Petrobras). Recontando a história da chegada da Corte
Portuguesa ao Brasil colônia em tom de sátira, com peripécias da insaciável Carlota e do
atrapalhado Dom João, o filme Carlota Joaquina ficou conhecido como o marco inicial da
produção da Retomada pelo sucesso de público nas salas de cinema (chegando a passar de
um milhão de espectadores) e, sobretudo, pelas críticas elogiosas surgidas na época
causando frisson na população que voltou a comentar sobre o cinema brasileiro.

Breve Panorama da Publicidade Brasileira


Tendo surgido inicialmente com tímidos anúncios nos jornais e, posteriormente,
evoluído aos textos mais elaborados com a utilização de colagens e influências do desenho
e da pintura, a publicidade brasileira teve sua estruturação pautada nos moldes americanos
que aqui foram implantados por anunciantes e seus departamentos de comunicação,
agências americanas e algumas poucas brasileiras que tentavam entender como funcionava
a construção de mensagens persuasivas.
Em 1926, instala-se no Brasil o Departamento de Propaganda da General Motors, ao
qual Renato Castelo Branco (1990) atribui grande valor: “A propaganda brasileira deve à
General Motors um preito de gratidão por haver ensinado a brasileiros capazes as modernas
técnicas que serviriam de base a todo o nosso desenvolvimento publicitário” (BRANCO,
1990, p.32). Espelhando-se, portanto, no trabalho da GM, os brasileiros puderam visualizar
a competitividade do mercado americano e se familiarizar com as expressões trazidas pelos
profissionais do ramo – layout, slogan e market research, por exemplo. Logo chegam ao

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país as agências americanas Thompson e Ayer, fazendo com que os profissionais da GM se
dividissem entre as duas e pudessem transmitir seus conhecimentos aos colegas brasileiros.
Pyr Marcondes (2001) afirma que com a chegada do rádio e, na década de 1950, da
tevê, os anúncios tomaram novo formato, adotando garotas-propaganda para divulgar os
produtos e estreitando as relações com os anunciantes que acabavam por financiar a
produção dos conteúdos televisivos. A tevê se instaura como veículo de comunicação de
massa e, no período militar, a publicidade enfatiza o nacionalismo e a ideologia
progressista difundida pelo governo, o maior anunciante do país.
Em 1951, é inaugurado o primeiro curso de publicidade no Brasil, sediado na
Escola de Propaganda, no Museu de Arte de São Paulo (MASP). No ano anterior, o museu
havia organizado o Primeiro Salão Nacional de Propaganda, estreitando a relação da
publicidade com a criação artística e chegando a incluir uma disciplina de arte publicitária
no Instituto de Arte Contemporânea. Com a demanda pelo assunto, foi criado o curso
completo que teria duração de dois anos e abarcaria também conteúdos de Psicologia,
Estatística e Pesquisa de Mercado, além das habilidades específicas da publicidade
(BRANCO, 1990).
A década de 1970, conhecida como “milagre brasileiro” é marcada por uma forte
atuação publicitária junto ao governo, que promovia a ideia de expansão nacional com as
grandes obras − Transamazônica, Projeto Jari e a Hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, − e
que passava a concorrer acirradamente com a economia privada. Os publicitários se
destacam por originalidade e criatividade em produções com discurso nacionalista
conquistando por três anos seguidos (1981-1983) o segundo lugar no Festival de Cannes3
como o país mais premiado. O slogan4 Diretas Já, criado pela Exclam Propaganda
(Curitiba, PR), mobiliza o país contra o formato de eleição presidencial que imperava no
Brasil e promove mudanças políticas. Vários outros slogans se tornariam históricos por sua
relevância política.

3
Cannes Lions International Advertising Festival. Criado em 1953 pela SAWA (Screen Advertising World
Agencies), o festival que acontece em Cannes, cidade da França, geralmente ocorre no mês de junho e tem
premiações divididas em Grand Prix, Leão de Ouro, Leão de Prata e Leão de Bronze e recentemente foi
criado o Leão de Titanium, premiação para as ideias mais inovadoras e ousadas da publicidade.
4
Frase de fácil memorização associada à uma marca como assinatura da empresa, serviço ou campanha.

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Em 1972 é realizado o primeiro Congresso Nacional Universitário de Propaganda,
na Universidade de São Paulo (USP). E, segundo Renato Castelo Branco (1990), nesse
período o ensino de comunicação no país havia se espalhado, de modo que em 1976 já
existiam 53 faculdades de comunicação, sendo 11 estaduais ou federais e 42 particulares.
A década de 1990 é lembrada pela consolidação da internet e, no Brasil, pelo
governo de Fernando Collor de Mello que congelou preços e fez diversos setores reduzirem
os quadros de funcionários. Após grandes conflitos com o impeachment de Collor,
Fernando Henrique Cardoso é eleito e assume o país colocando nova ordem na economia:
reduz a inflação e incentiva o crédito, impulsionando novamente o consumo e a produção
publicitária. Grupos internacionais de comunicação se instalam no Brasil; o capital
estrangeiro impulsiona o mercado e a publicidade é reconhecida com a conquista do
primeiro Grand Prix no Festival de Cannes em 1993.

O Percurso até o Cinema da Retomada


A década de 1990, com altos e baixos na cena política, reflete na publicidade e em
outros produtos midiáticos a gama de sentimentos que permeavam a rotina dos brasileiros.
O cinema do país é marcado por fases turbulentas de grande expressividade: o Cinema
Novo (1955-1968), pontuado por Ismail Xavier (2001) como “a perda da inocência diante
da sociedade de consumo” visava o desenvolvimento de uma cultura mais crítica e próxima
da realidade. Grandes obras são destaque da produção dessa época como Deus e o Diabo na
Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), ambos com direção de Glauber Rocha, e
versando sobre a cultura e as contradições nacionais.
Surge, após esse período, o Cinema Marginal ou Boca do Lixo (1968-1973),
também imerso na militância política abordando temáticas que tensionam a identidade
brasileira, entretanto, assumindo uma linguagem mais massiva, influência do diálogo com a
indústria cultural do cinema norte-americano. Para Franthiesco Ballerini (2012) o filme que
marca o início do período do Cinema Marginal foi O Bandido da Luz Vermelha (1968), de
Rogério Sganzerla, explorando o universo urbano, o lixo e a sociedade de consumo.
Na década de 1970, a empresa estatal Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes
S.A), que atuava promovendo o cinema brasileiro no exterior, passou a financiar os filmes e
em 1973 a distribuí-los também. O Estado, que censurava muitos filmes da Boca do Lixo,

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passou a patrocinar diretamente alguns cineastas. E a gestão da Embrafilme (1974-1984)
elevou os números das bilheterias nacionais que superavam cinco milhões de espectadores;
pode se dizer que o cinema brasileiro atingiu seu ápice nessa época.
O filme Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), adaptado do livro homônimo de
Jorge Amado e com direção de Bruno Barreto, levou mais de 10 milhões de pessoas aos
cinemas. E os filmes dos Trapalhões também tinham grande sucesso, superando a marca de
quatro milhões de espectadores e sem o financiamento da Embrafilme; o que para Jean-
Claude Bernadet (2009) revelava a forte influência da televisão no consumo de cinema. A
década de 1980 trouxe o avanço tecnológico e a popularização do videocassete que, aliado
ao crescente número de domicílios com televisão, enfraqueceu as plateias nos cinemas.
Entretanto, a Embrafilme sofreu com o governo militar, que reduziu seus quadros e seu
orçamento.
No fim da década e início dos anos 1990 os ingressos do cinema ficaram mais caros,
as salas de cinema foram reduzidas e o presidente Fernando Collor de Mello extinguiu em
março de 1990 a Lei Sarney, única lei de incentivo fiscal à cultura. Outras decisões
políticas implicaram na produção audiovisual da época, como a extinção de autarquias,
fundações e empresas públicas federais, dentre elas a Fundação Nacional de Artes
(FUNARTE), a Empresa Brasileira de Filmes S.A (Embrafilme) e o Conselho de Cinema
(Concine). Franthiesco Ballerini (2012) acrescenta: “Não demorou muito para o próprio
Ministério da Cultura ser dissolvido, transformando-se em secretaria” (BALLERINI, 2012,
p.34).
Então, em 1992, Collor sanciona a Lei do Audiovisual, projeto sugerido por
cineastas que promovia a integração do capital privado às produções cinematográficas
através de renúncia fiscal. O objetivo da lei era, para os cineastas, a captação de recursos, e
para os investidores, o retorno de mídia e a redução de impostos. Ou seja, com a Lei do
Audiovisual as empresas não só investiriam em cinema, mas em publicidade. Juntamente
com essa lei, vieram a Lei Rouanet e o Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, que
impulsionaram a produção nacional novamente. Lúcia Nagib (2002) explica:

Em três seleções promovidas entre 1993 e 1994, o Prêmio Resgate


contemplou um total de 90 projetos, que foram finalizados numa rápida
sequência. Assim, o estrangulamento dos dois anos de Collor teria
resultado num acúmulo de filmes nos anos seguintes, produzindo uma

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aparência de boom. A Lei nº 8.685, conhecida como Lei do Audiovisual,
promulgada em 1993, começou a gerar frutos a partir de 1995, acentuando
o fenômeno. (NAGIB, 2002, p.13)

Em 1995, portanto, foi lançado o filme que seria considerado o marco inicial da
Retomada: Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camurati.
Quanto aos conteúdos, o Cinema da Retomada se caracteriza pela presença de
temáticas nacionais nas telas, afirmando mundialmente as contradições do país e
dialogando com a produção da década de 1960 que também abordava a realidade do país,
embora no momento a ênfase seja dada à tragédia. Miséria, desemprego e o cotidiano do
sertão e das favelas nas áreas periféricas das cidades vão para as telas, como pontua
Fernanda Salvo (2006), “O cinema da Retomada pôs a nu a tragédia social brasileira a
partir do seu derivado mais visível: a violência urbana” (SALVO, 2006, p.1-2).
Alguns filmes do período são destaque na produção nacional ainda hoje: como
Amarelo Manga (2003), de Cláudio Assis e Central do Brasil (1998), de Walter Salles,
ambos resgatando a realidade urbana do Brasil com enfoque nos conflitos domésticos e
contradições sociais vividas pela população brasileira.
Se na história da publicidade brasileira, na década de 1990, o Brasil era reconhecido
mundialmente por sua premiada produção criativa e empresas estrangeiras buscavam
instalar-se no país para aproveitar a boa fase; o caminho do cinema nacional também
apontava para o sucesso mundial. Filmes brasileiros concorreriam ao Oscar de melhor filme
estrangeiro ainda nessa década: O Quatrilho de Fábio Barreto (1995, indicado em 1996); O
que é isso, companheiro? de Bruno Barreto (1997, indicado em 1998) e Central do Brasil
de Walter Salles (1998, indicado em 1999). Luiz Zanin Oricchio (2003) aponta uma
questão importante:

Outros fatores entraram na equação do cinema brasileiro da Retomada,


entre eles o interesse de algumas majors norte-americanas, como a
Columbia e a Warner, em participar tanto na produção como na
distribuição de filmes brasileiros. A mais poderosa rede de televisão do
país, a Rede Globo, resolveu entrar nesse mercado por conta própria e
criou a Globo Filmes. (ORICCHIO, 2003, p.28)

O investimento estrangeiro aliado ao apoio das estatais Petrobras, Telebras e


Eletrobras e, ainda, ao incentivo importante da linguagem da televisão associada à Globo
Filmes impulsionou a produção cinematográfica da época levando mais de dois milhões de
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espectadores aos cinemas com a adaptação da série televisiva O auto da Compadecida
(2000) dirigido por Guel Arraes e baseado no romance homônimo de Ariano Suassuna. Em
1996, a Lei do Audiovisual foi alterada elevando de 1% para 3% o limite de dedução de
impostos permitido às empresas e, posteriormente, seria expandido também o valor da
arrecadação, de R$1,5 milhão para R$3 milhões, facilitando a produção de filmes com
custos maiores. Outras leis de incentivo municipais e concursos estaduais se mostraram
como formas de incentivo alternativas para os cineastas (BALLERINI, 2012).
Lúcia Nagib (2002) comenta que até esse período diversos diretores ainda se
restringiam aos curtas-metragens e que a partir de 1994 lançaram longas. Não só estreiam
cineastas de vários estados do país como aqueles vindos da publicidade – Beto Brant e
Andrucha Waddington, por exemplo. A produção brasileira da década de 1990 retrata a
multiplicação dos cineastas na riqueza e diversidade dos filmes.

Histórias e Discursos que se Fundem


Justamente em função da atuação desses profissionais da comunicação no cinema
brasileiro, é possível verificar em algumas obras a presença de interferências da linguagem
persuasiva, seja no texto, na captação das imagens ou no ritmo conferido às tramas,
característico dos enredos acelerados dos VTs publicitários. Alexandre Inagaki (2007)
pontua que é natural que as linguagens do cinema e da publicidade se influenciem, porque
os profissionais do cinema como roteiristas, câmeras, diretores de arte e de fotografia
buscam trabalho em outras áreas do segmento audiovisual, principalmente na produção de
comerciais e programas de tevê, onde o mercado é mais amplo. O cineasta e publicitário
Carlos Manga afirma que: “A diferença entre cinema e propaganda é que no cinema conto
uma história em 90 minutos, enquanto na propaganda tenho que fazer isso em 30 segundos”
(MANGA, 2007 apud INAGAKI, 2007).
Além de partilhar profissionais, a publicidade, através da tevê, e o cinema
disseminam suas linguagens pelo cenário audiovisual brasileiro, fazendo com que o público
identifique determinados conteúdos e até incorpore determinadas expressões nas conversas
cotidianas.
Para esclarecer os artifícios utilizados por publicitários e cineastas, no nível do
discurso, Julia Kristeva (1974) e Mikhail Bakhtin (1963 apud FIORIN, 2008) abordam,

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respectivamente, a intertextualidade e o dialogismo como questões inerentes aos
enunciados proferidos pelo ser humano. Kristeva (1974) afirma que há um diálogo entre
sujeito, destinatário e conteúdos exteriores – as três dimensões da linguagem – e que,
portanto, o enunciado, ou as palavras pertencem ao mesmo tempo ao emissor e ao receptor,
estando direcionadas e influenciadas por enunciados proferidos anteriormente ou
simultaneamente. Ou seja, no caso do cinema e da publicidade, tanto os conteúdos do
cinema podem estar presentes na publicidade, como o contrário. Os conteúdos não
pertencem, segundo Kristeva (1974), a um único sujeito nem se originam somente nele.
Bakhtin (1963, apud KRISTEVA, 1974) trabalhou inicialmente com o conceito de
dialogismo, no qual afirma que todo texto é composto por citações de outros textos,
absorvendo e transformando outros conteúdos. Um sujeito, portanto, emite enunciados não
originais, estando compostos de palavras de outros sujeitos. Os dois autores, portanto, são
claros quanto à ideia de que não há discurso livre das interferências de outros discursos.
Essas apropriações de conteúdos entre publicidade e cinema podem ocorrer de
forma explícita ou sutil. O teórico de cinema Noël Carroll (1998) define como alusionismo
as diversas práticas que recriem, citem ou reconstruam cenas, planos, diálogos e outros
elementos trabalhados em uma obra anterior. Para o autor, essa prática pode ser utilizada
em diversos tipos de narrativas, no cinema, na publicidade e até mesmo no teatro. Mas,
como se aprofundou no estudo do cinema, atribuiu o nome de alusionismo cinematográfico
às recriações específicas de conteúdos fílmicos pelo próprio cinema.
Já o professor e publicitário Rogério Covaleski (2009), com base nos estudos de
José Luiz Fiorin (2002), aborda as intertextualidades em três categorias: citação, alusão e
estilização. A citação se dá em uma referência direta ao conteúdo inspirador, resgatando
trechos exatos daquela obra; a alusão somente utiliza alguns elementos do conteúdo inicial,
substituindo outros e elaborando uma remontagem não exatamente fiel, mas semelhante ao
produto original; e a estilização trabalha algum elemento em específico de uma obra de
forma clara, ou seja, enfatiza a maneira como determinado filme foi captado ou como tal
diretor atuou.
As práticas descritas acima a respeito dos processos intertextuais ocorrem com
frequência no cinema e na publicidade. As áreas que servem de inspiração para os dois
campos de produção de conteúdo são as mais diversas: a pintura e a música podem inspirar

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o cinema, assim como a moda e o próprio cinema podem influenciar a publicidade. Não há
restrições quanto às referências que possam alimentar a imaginação e a criatividade de
roteiristas e publicitários.

Carlota Joaquina, um Marco para o Cinema e a Publicidade do Brasil


Citado anteriormente como marco inicial do Cinema da Retomada, o filme de
estreia da diretora Carla Camurati − Carlota Joaquina, Princesa do Brazil − serve como
importante exemplo da atuação dos mesmos profissionais em áreas distintas da produção
audiovisual, contribuindo para o compartilhamento de uma maior qualidade técnica; para o
diálogo entre os conteúdos produzidos pelos diversos meios audiovisuais, e para uma maior
difusão da produção cinematográfica brasileira.
O filme de Camurati, patrocinado pela BR Distribuidora (Petrobras), recria a
história da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil colônia. A atriz Marieta Severo encarnou
a indecorosa e infiel Carlota e Marco Nanini viveu o preguiçoso e acomodado Dom João.
Com grande força histórica e de maneira satírica, a obra faz referências ao período de
transição do Brasil colônia ao império e aborda a questão da miscigenação do povo
brasileiro com a chegada de portugueses, espanhóis e africanos, e também os conflitos que
rondavam a família real, como as aventuras adúlteras de Carlota e as inseguranças de Dom
João no comando da Corte Portuguesa. Embora épico, o filme trata da realidade brasileira e
das polêmicas sociais já vividas aqui desde a origem da pátria.
Oricchio (2003) propõe que o sucesso do filme se deveu ao fato de que, quando
lançado, em 1995, o país se encontrava reestabelecendo-se do fracasso do governo Collor
que havia sido eleito após grande luta pelas eleições diretas. Ou seja, o fiasco havia sido
escolhido coletivamente. A política do Brasil, nesse momento, tinha um ar cômico
justamente pela descrença da população. O filme traz o início da pátria retratado de forma
semelhante, conturbada e envolvida em escândalos domésticos vergonhosos. Tamanha
identificação resultou no sucesso de público e crítica.

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Cartaz de divulgação do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil.

O autor acrescenta:

Carlota Joaquina foi um grande sucesso, e isso numa época em que a


rejeição ao cinema nacional por parte do público atingira um grau muito
alto. Distribuído pela própria diretora, o filme foi lançado com poucas
cópias, depois subiu, cresceu no boca-a-boca do público e terminou sendo
a primeira produção da era pós-Collor a superar um milhão de
espectadores (ORICCHIO, 2003, p.39).

E o sucesso da obra iria perdurar. Cinco anos após o lançamento do filme, a BR


Distribuidora (Petrobras) solicita a agência DPZ Rio uma peça publicitária que enfatize sua
ação de patrocínio junto ao cinema brasileiro. A agência, juntamente com a Elimar
Produções, cria um VT de sessenta segundos intitulado Cinema5 que viria a ser dirigido
pela própria Carla Camurati e no qual os atores protagonistas Marieta Severo e Marco
Nanini voltariam a incorporar seus personagens do filme ao promover a empresa.
A história consiste na ida de Carlota a um posto de gasolina para pedir água para
seu cavalo. Um dos frentistas a reverencia e diz para o colega quem é aquela mulher.
Comenta que ela sempre vai aos postos BR porque a BR Distribuidora é a empresa que
mais incentiva o cinema brasileiro, tendo inclusive patrocinado o último filme de Carlota.
Nesse tempo, Dom João chega ao posto em uma carruagem e chama por Carlota
perguntando o que ela foi fazer fora do filme. Os dois tem uma conversa rápida e engraçada
e há o desfecho.

5
Um trecho do anúncio está disponível no vídeo Interfaces, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=M5CQJWTIN18&feature=g-upl&fb_source=message. Acesso em:
15/06/2012.

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Cenas do anúncio Cinema, para a BR Distribuidora (Petrobras).

No anúncio é possível notar não só as referências diretas ao filme inspirador, mas


também elementos da linguagem cinematográfica trazidos pela diretora Carla Camurati. O
ritmo da publicidade, como indicado antes, é mais acelerado em relação às obras
cinematográficas e nessa peça ocorre o inverso. Por resgatar trechos do filme – a primeira
cena do anúncio, mostrada acima, foi extraída da obra cinematográfica − e por ter interesse
de fazer a conexão com o cinema, o comercial repete os enquadramentos dos atores
imprimindo um tempo mais lento à narrativa. A temática do comercial e a situação
inusitada, com direito a cavalos e carruagens em um posto de gasolina, eleva a conexão
com a realidade fílmica, o que é acentuado ainda na fala dos personagens de Marieta
Severo e Marco Nanini que utilizam um vocabulário rebuscado, típico da época do Brasil
colônia e ainda carregado do português luso.
Dessa maneira, é possível vislumbrar uma intertextualidade realizada no Brasil
partindo de conteúdos cinematográficos com destino à publicidade e observar a
complexificação da mensagem publicitária ao inserir elementos de outra esfera de produção
de sentido, a esfera cinematográfica. Além do conteúdo, o anúncio prova que outros
aspectos do filme e do universo cinematográfico foram trabalhados, como o
enquadramento, o ritmo, a linguagem e o próprio enredo, que reflete na caracterização dos
personagens e na criação da peça como um todo.

Considerações Finais
Partindo de um breve panorama histórico sobre a evolução da publicidade brasileira
e detalhando sua estruturação no país, delimitamos parte do cenário da pesquisa a ser
desenvolvida nesse trabalho. O Cinema da Retomada, também abordado em um contexto
social e político, contribuiu para nortear temporalmente o recorte de análise. E, chegando
ao discurso intertextual, motivador da investigação, teorias da linguagem foram

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esclarecidas para fundamentar a reflexão sobre as trocas de referências entre os campos da
publicidade e do cinema. A partir do estudo do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil,
e do comercial Cinema, produzido para a BR Distribuidora, foi possível averiguar na
prática de que forma podem ocorrer as interferências dos profissionais que atuam no
cinema ao adentrarem a produção publicitária.
A história do Brasil só comprova a imbricação dos discursos do cinema e da
publicidade que, em diversos momentos, compartilhou seus profissionais. Os cineastas e
publicitários compreendem, hoje, a dimensão da produção de sentido de suas mensagens e
a força dos meios de comunicação junto ao público. Não mais hesitam se utilizar de
diversas referências que possam acrescentar valor às campanhas publicitárias ou, no caso
do cinema que pode se utilizar de características da publicidade, se aproximar dos
espectadores com uma linguagem mais corriqueira ou um ritmo mais dinâmico. As
possibilidades discursivas intertextuais são inúmeras e podem fazer com que ambos os
trabalhos sejam enriquecidos e, certamente, ainda mais premiados.

Referências

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produtores, distribuidores, exibidores, artistas, críticos e legisladores sobre os rumos da
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MARCONDES, Pyr. Uma história da propaganda brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro,


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NAGIB, Lúcia. O Cinema da Retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São
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Revista ESPCOM, Belo Horizonte, v. 01, n 01, p. 1-10, 2006. Disponível em:
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