Os Filmes de Terror Como Alegoria para Os Horrores Sociais: Jaime César Pacheco Alves Dos Santos 20563959

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UniCEUB

FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS APLICADAS –


FATECS
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA
DISCIPLINA: MONOGRAFIA
PROFESSORA ORIENTADORA: MAÍRA CARVALHO
ÁREA: CINEMA

Os filmes de terror como alegoria para os


horrores sociais

Jaime César Pacheco Alves dos Santos


20563959

Brasília, Junho de 2009


Jaime César Pacheco Alves dos Santos

Os filmes de terror como alegoria para os


horrores sociais

Trabalho apresentado à Faculdade de


Tecnologia e Ciências Aplicadas,
como requisito parcial para a
obtenção ao grau de Bacharel em
Comunicação Social com habilitação
em Publicidade e Propaganda no
Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB.

Prof . Maíra Carvalho

Brasília, Junho de 2009


Jaime César Pacheco Alves dos Santos

Os filmes de terror como alegoria para os


horrores sociais

Trabalho apresentado à Faculdade de


Tecnologia e Ciências Aplicadas, como
requisito parcial para a obtenção ao grau
de Bacharel em Comunicação Social
com habilitação em Publicidade e
Propaganda no Centro Universitário de
Brasília – UniCEUB.

Banca Examinadora

_____________________________________
Prof. Maíra Carvalho
Orientadora

__________________________________
Prof. Luciano Mendes
Examinador

__________________________________
Prof. Sérgio Euclides
Examinador

Brasília, Junho de 2009


Para as famílias das quais faço
parte.

Minha família de sangue e amor.


Meu pai, minha mãe, minha irmã
e minha avó que estão sempre
comigo. E todo o exército de
primos, tios e agregados, que
são muitos para serem
nomeados.

Minha família formada ao longo


da vida, com meus amigos de
muito e pouco tempo.

À minha orientadora, Maíra


Carvalho, pela ajuda constante.
Venha agora,
Minha criança,
Se estivéssemos planejando
Fazer mal a você, você acha
Que estaríamos aqui espreitando
Ao longo do atalho
Na parte mais sombria
Da floresta?

Kenneth Patchen
RESUMO

A filmografia de terror do período de trinta anos que compreendeu as décadas de 1950,


1960 e 1970, acompanhou o medo se aproximar e como a sociedade estadunidense
lidava com ele. Na década de 1950, o terror era algo longínquo, que vinha de fora para
bagunçar a estrutura social da América. Nesse sentido, o filme Vampiros de Almas de
Don Siegel, sintetizou as inseguranças dos Estados Unidos de se render ao regime
comunista e a paranóia vigente com a caça às bruxas comandada pelo Senador
McCarthy. A década de 1960 começou, então, com a promessa de quebra dos sonhos
dourados prometidos na década anterior. As minorias inconformadas com o tratamento
desigual, passaram a lutar pelos Direitos Civis e os mais conservadores perceberam
que o perigo já não era externo, mas interno. A suplantação do velho pelo novo é um
dos sentimentos presentes no filme A Noite dos Mortos-Vivos, de George A. Romero,
que retratava as idéias retrógradas como mortos que insistiam em se manter ativos. A
aproximação do terror, enfim, atingiu as famílias na década de 1970, em um já
esperado choque de gerações que o filme O Exorcista, de William Friedkin representou
ao mostrar uma mãe que já não sabia lidar com a própria filha. Usando de alegorias,
esses filmes e alguns outros desse período, estreitaram as relações entre ficção e
realidade, imprimindo um aspecto documental a essas produções.

Palavras-chave: Cinema, Terror, Alegoria, Estados Unidos.


Sumário

1 Introdução ................................................................................................................... 13
2 Cinema como representação da realidade .................................................................. 16
2.1 A História e o Cinema ........................................................................................... 16
2.2 Cinema como Propaganda Política ...................................................................... 18
2.3 A Alegoria ............................................................................................................. 20
2.4 O Medo. ................................................................................................................ 22
3 Terror como gênero narrativo ...................................................................................... 25
3.1 Medo e Terror ....................................................................................................... 25
3.2 Terror boca-a-boca ............................................................................................... 26
3.3 Terror na Literatura ............................................................................................... 29
3.4 Terror no Cinema ................................................................................................. 32
4 Estados Unidos: As décadas de 1950, 1960 e 1970 ................................................... 35
4.1 Década de 1950: A onda vermelha ameaça a prosperidade americana .............. 35
4.1.1 Filmografia de terror da década de 1950 ....................................................... 37
4.2 Década de 1960: Hora de rever conceitos............................................................ 38
4.2.1 Filmografia de terror da década de 1960 ........................................................... 39
4.3 Década de 1970: Os caretas contra-atacam ........................................................ 41
4.3.1 Filmografia de terror da década de 1970 ....................................................... 43
5 Terror e Alegoria ......................................................................................................... 45
5.1 Vampiros de Almas (1956) ................................................................................... 45
5.1.1 Sinopse .......................................................................................................... 46
5.1.2 O Inferno são os outros .................................................................................. 48
5.2 A Noite dos Mortos-Vivos (1968) .......................................................................... 52
5.2.1 Sinopse .......................................................................................................... 53
5.2.2 Fora com o velho, viva o novo! ...................................................................... 54
5.3 O Exorcista (1973) ................................................................................................ 58
5.3.1 Sinopse .......................................................................................................... 59
5.3.2 O Exorcismo ................................................................................................... 61
6 Considerações Finais .................................................................................................. 66
Referências .................................................................................................................... 68
Filmografia...................................................................................................................... 70
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1 Introdução
No cinema, realidade e fantasia são pólos opostos que se complementam em
uma relação de dependência essencial para a difusão da sétima arte entre as
multidões. Desde sua primeira exibição, quando a realidade de um trem vindo em
direção à platéia atiçou o pânico entre os telespectadores desavisados à magia que se
desenrolava, ficou explícita a necessidade do cinema de se alimentar de fatos reais e
corriqueiros para atingir as grandes massas.
Essa forma diferente de retratar a realidade fez do cinema um espelho dos
acontecimentos desenvolvidos em cada década. Nesse contexto, os filmes dramáticos
aparecem ao longo da história do cinema como representações mais confiáveis da
realidade. A valorização dos filmes dramáticos se deu por conta da imediata
identificação do público com as histórias, que não precisavam se apoiar em
estereótipos, e se passavam em um mundo mais real e reconhecível.
Entre os gêneros cinematográficos, o terror é o mais subestimado. Visto muitas
vezes como território para mentes perturbadas, o terror se apropria de alegorias para,
com eficiência, retratar os acontecimentos de sua própria maneira. Usando o medo
como inesgotável fonte de idéias, o terror se fortaleceu como gênero narrativo ao
mesmo tempo envolvente e repulsivo, gerando histórias que se equilibravam na corda
bamba do socialmente aceito e do tabu.
Tendo isso em vista, o presente trabalho se dispõe a analisar como os filmes de
terror representaram os períodos em que foram produzidos – as décadas de 1950,
1960 e 1970. Para isso, um filme de terror representativo de cada década será
analisado e comparado aos acontecimentos mais marcantes da época em que foram
realizados. O foco do trabalho será a sociedade estadunidense, tendo em vista que os
filmes analisados foram produzidos em Hollywood.
Os filmes escolhidos para a análise se destacam entre as demais produções do
gênero pelo poder de manterem-se críveis e cultuados mesmo com o passar dos anos.
Ainda objetos de análise em todo o mundo, os filmes selecionados tiveram grande
impacto na cultura popular, alcançando grande sucesso na época em que foram
lançados e nos anos posteriores. O filme escolhido para representar a filmografia de
14

terror dos anos de 1950 foi Vampiros de Almas, 1956, de Don Siegel. Os anos de 1960
foram representados por A Noite dos Mortos-Vivos, 1968, de George A. Romero. O
Exorcista, 1973, de William Friedkin, representou os medos dos anos de 1970.
Com a análise dos filmes em questão, ficarão claros alguns temores da
sociedade estadunidense nas décadas correspondentes. Cada um desses filmes se
revelará um espelho da década em que foram produzidos. Reside aí o poder e sucesso
desses filmes, mesmo tantos anos depois de seu lançamento, eles não são sobre
monstros e assassinos, mas usam destes expedientes para revelar alguns dos temores
da sociedade estadunidense.
Partindo desse ponto, a questão que norteará esse trabalho é: Quais são as
alegorias usadas pelo cinema de terror e como elas representam os temores da
sociedade?
Para responder a questão levantada, o trabalho se apoiou em pesquisas
bibliográficas referentes ao cinema como meio de representação, a trajetória do terror
como gênero narrativo e sua relação com o medo. Estas pesquisas tiveram como
objetivo apresentar as formas com as quais o cinema reproduz a realidade nas salas de
exibição. No contexto dos filmes de terror, deu-se ênfase nas formas de representação
usadas pelos filmes para passar sua mensagem, ou seja, uma melhor compreensão do
texto e do subtexto dos filmes citados.
A contextualização das décadas escolhidas também fez parte da pesquisa
bibliográfica. Com o estudo dos acontecimentos mais importantes, tanto no âmbito
social, como financeiro e comportamental, foram identificados os fatos que
amedrontaram a sociedade estadunidense nas décadas já citadas e as alegorias
usadas nos filmes para representá-los.
A análise fílmica foi construída levando em conta os dados obtidos com a
pesquisa bibliográfica. Por meio dos estudos do gênero terror e das décadas já citadas,
os três filmes escolhidos foram analisados, sempre tendo como foco as alegorias
apresentadas pelas produções para representar os principais fatos de sua época.
O trabalho se apresenta em seis capítulos, sendo o primeiro destinado a
Introdução e o último às Considerações Finais. O segundo capítulo é destinado ao
referencial teórico. Este capítulo apresenta o cinema como representação da realidade,
15

sua importância como espelho de uma sociedade e de uma época, e sua força como
propaganda política. Os mecanismos do medo e o uso das alegorias também são
explorados no referido capítulo.
O terceiro capítulo traz um histórico do terror, sua história e relação com o medo,
assim como seu início como gênero narrativo. As características do terror como gênero
também são exploradas nesse capítulo, assim como parte de sua trajetória literária e
cinematográfica.
O quarto capítulo apresenta um resumo dos fatos mais importantes ocorridos nas
décadas de 1950, 1960 e 1970, assim como a filmografia de terror desses períodos. O
conhecimento das décadas citadas será imprescindível para contextualizar os filmes
escolhidos e, assim, reconhecer as alegorias usadas nos mesmos.
A análise dos filmes, em relação às suas respectivas décadas, será feita no
capítulo cinco. Neste, as alegorias usadas nos filmes serão apresentadas assim como
seu significado. É com essa análise que as alegorias usadas serão desconstruídas e o
subtexto revelado.
16

2 Cinema como representação da realidade

2.1 A História e o Cinema


Durante sua trajetória, o cinema, como as demais formas de arte, foi influenciado
pelo contexto histórico vigente, criando assim, enredos que atraiam, pois dava ao
espectador uma confortável idéia de familiaridade e identificação. Fiorin e Salvioli
afirmam que todos os textos refletem a sociedade, pois assimilam as idéias do período
em que foram produzidos.
[...] Todo texto é um pronunciamento sobre dada realidade. Ao fazer
esse pronunciamento, o produtor do texto trabalha com as idéias de seu
tempo e da sociedade em que vive. Com efeito, as concepções, as
idéias, as crenças, os valores não são tirados do nada, mas surgem das
condições de existência. (FIORIN; SALVIOLI, 2003, p. 27)

Tendo em vista o poder do discurso de estar em sintonia com os acontecimentos


vigentes, é possível dizer que o cinema, que nasceu como um meio de comunicação
para grandes massas, também tem embutido em seus filmes a parcela de realidade que
lhe cabe.
Não é novo o debate sobre a representação da realidade nos filmes. Data de
meados de 1898 o primeiro estudo sobre isso, em que Boleslas Matuszewski, defendia
a imagem cinematográfica como mais real do que as fotografias. Leve-se em conta que,
no fim do século XIX, as imagens captadas pelos cinegrafistas e exibidas em feiras
públicas, não seguiam um enredo nem contavam com atores. (KORNIS, 1992)
Se em suas primeiras incursões, as imagens cinematográficas eram pouco mais
que fotografias em movimento, com a entrada de roteiros, atores e as técnicas de
manipulação como edição e montagem, a concepção do cinema como reprodução da
realidade entrou em debate. Ficou acordado, então, que o cinema não correspondia ao
real uma vez que o cinema não produz realidade. Mesmo apresentando a característica
de ser influenciado pelo tempo e pelos acontecimentos vigentes, a arte cinematográfica
é por definição ficcional. Uma ficção apoiada na realidade, mas ainda ficção. (KING,
1989, p.149)
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Essa mistura de real e imaginário é o que faz do cinema um terreno fértil para
pesquisas. Embora sejam construídos em cima de roteiros inventados, os filmes
apresentam em seus enredos um bom panorama do imaginário e dos costumes da
época em que foram produzidos.
A ficção pode, sobretudo, ir mais longe na análise do funcionamento
econômico e no estudo da mentalidade dos tempos passados. Será que
existe um testemunho mais autêntico sobre o casamento na antiga
Rússia do que as primeiras cenas do filme de Olga Preobrajenskaia,
Mulheres de Riazan? A escolha do esposo, as transações, o cálculo do
dote, a preparação da jovem, a cerimônia nupcial constituem um
extraordinário bocado de história social. (FERRO, 1992, p.118)

Os ideais e modelos presentes em determinada época são visíveis nos filmes do


período. Muitas vezes, essa relação não é proposital, mas o filme sofre efeito do
ambiente, mesmo quando os realizadores não tenham essa intenção. O filme
Metropolis (Fritz Lang, 1927) é uma prova disso. Lançado no clima de pessimismo e
incerteza da Alemanha pós Primeira Guerra Mundial, o filme discursava contra o poder
das massas e apostava no Governo como força salvadora.
Como demonstra a história de Lang, a ideologia é inconsciente. Ele não
era nazista, nem pró-nazista. Seu filme, no entanto, deixou Hitler
satisfeito. Isto porque Lang, o cineasta/bricoleur, usava o que havia
disponível na cultura – não só as linguagens mas também os
significados, o que incluía as imagens dominantes de poder – patriarcal,
paternal – e suposição de que a agitação política era sempre
indesejável e que a política reformista era messiânica ou marxista.
(TURNER, 1988, p. 146)

Metropolis pertence ao período do cinema alemão estudado pelo jornalista


Siegfried Kracaver para sua tese sobre a intersecção cinema e realidade. Para
Kracaver os filmes alemães da década de 1920 eram o retrato de um país que
começava a aceitar o modelo de governo pregado pelos nazistas.
Assim, por trás da história explícita das mudanças econômicas,
exigências sociais e maquinações políticas, existe uma história secreta
envolvendo os dispositivos internos do povo alemão. A revelação
destes dispositivos através do cinema alemão pode ajudar a
compreender a ascensão e ascendência de Hitler. (KRACAVER, 1988,
p.23)

Longe de apenas sofrer influência, o cinema tem, também, o poder de influenciar


a sociedade que o consome. O discurso dos filmes estadunidenses, assim como o dos
18

filmes europeus, não mostrava ambos os lados imparcialmente, mas favorecia à um em


detrimento do outro, dando a sociedade o que ela queria.
Uma indústria de diversão, tão firmemente voltada para a satisfação de
todos, está eventualmente limitada a desenvolver um mundo imaginário
completo que tanto modela como é modelado pelos juízos de valores
coletivos do público. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p.52)

O cinema demonstra a relação entre a ficção e a realidade. Embora não sejam


considerados documentos históricos, os filmes apresentam um retrato bastante fiel das
idéias e costumes da sociedade ao longo das décadas. Seja na esfera política, seja na
comportamental, uma imagem clara de um período histórico pode ser montada com
base nos filmes produzidos na época, que através da ficção e do imaginário, assimilam
os elementos da realidade.(FERRO, 1992, p. 118)

2.2 Cinema como Propaganda Política


Foi durante a guerra que durou de 1914 a 1918, que a capacidade do cinema de
mostrar a realidade foi largamente explorada. Com a ascensão dos chamados filmes
propagandas, a câmera passou a ser testemunha ocular das batalhas, podendo
inclusive, registrar o armamento do inimigo. (FERRO, 1992, p.71)
Os filmes propagandas se valiam das técnicas de montagem para imprimir nas
telas uma realidade extremamente parcial. As imagens passavam por um extenso
processo de seleção, a fim de mostrar apenas um ponto de vista. (FURHAMMAR;
ISAKSSON, 2001, p.146)
O cineasta russo Einsenstein foi um dos pioneiros no uso da montagem para
alcançar resultados de manipulação da platéia. Combinando as imagens que tinha
filmado em blocos distintos, ele criava uma nova imagem, dando um significado
diferente àquilo que foi inicialmente filmado, criando assim, uma nova realidade.
Aqui a idéia de que o cinema registrava ou reproduzia imagens do
mundo real foi questionada.(...) A montagem realmente funcionava
como Einsenstein afirmava; como ferramenta de educação soviética,
era eficiente; seu didatismo, um benefício político. É irônico que seu uso
mais comum nas sociedades capitalistas contemporâneas seja na
publicidade. (TURNER, 1988, p.39)
19

As técnicas de montagem usadas nos filmes propagandas bebem na fonte do


cinema russo. Tanto um quanto o outro, partem do princípio de que é possível
manipular o real, criando uma ilusão em cima de imagens verdadeiras. O que fosse
prejudicial à idéia central podia ser descartado, e a edição mostraria só o que fosse
edificante para o lado que seria mostrado.
Os filmes de propaganda são, essencialmente, de convencimento, de adesão a
uma causa. Para que tal aconteça é imprescindível que a emoção fale mais alto que a
razão. Para tal, o filme de propaganda não fornece ao público material para discussão
ou imagens que fomentem dúvidas. Simplesmente mantêm o público em constante
estado de excitação, para aumentar sua receptividade às idéias apresentadas.
(FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p.148)
Apelar para a idéia de coletividade também é uma constante nesse tipo de filme.
A idéia do “nós” contra “eles”, sempre ganha força em momentos de crise. A
possibilidade de forças externas acabarem com uma sociedade, faz com que a mesma
se una em torno de um ideal comum para se manter de pé.
O povo e, principalmente “o povo comum”, é arengado, elogiado e
convocado como se fosse alguma autoridade divina. Grande parte da
propaganda de guerra consiste em autoglorificação, em que todo o
interesse é centralizado na resistência e nas virtudes simples do povo.
(FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 175-176)

Os filmes propagandas encontraram o cinema de entretenimento, resultando em


uma série de filmes com carga política. Essa mistura rendeu grandes sucessos de
bilheteria calcados nos anseios vividos pela época.
O divertimento vira propaganda indireta e a propaganda vira
divertimento. A relação entre os dois tem sido revelada em épocas de
guerra quente ou fria, quando os filmes americanos dão o máximo para
edificar a nação. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p.53)

O cinema de entretenimento serviu bem às aspirações políticas de seus


realizadores. Em Hollywood, essas produções ilustraram a aversão da sociedade
estadunidense às políticas nazistas nos anos de 1940 e às interferências externas
como o comunismo, na década de 1950, por exemplo.
O cinema é o ambiente ideal para se transmitir mensagens, por ser um meio de
comunicação que fala mais diretamente ao público. Essas mensagens podem não ser
explícitas, e nos filmes de entretenimento, por muitas vezes, chegam ao público por
20

meio de alegorias. O cinema de entretenimento, em especial o hollywoodiano,


“constituem o cinema político mais eficiente, na medida que mantém as massas
afastadas da política”.(FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p 223)

2.3 A Alegoria
Nas artes, as alegorias surgem como um conjunto de metáforas que criam
relações entre o discurso mostrado e os acontecimentos da sociedade vigente. Essas
relações podem ser mais explícitas ou mais cordatas. (XAVIER, 1993, p.11)
Para que as alegorias sejam efetivas, é necessário que as relações entre o que
está sendo mostrado e o que está acontecendo sejam feitas, para que assim o público
consiga extrair o verdadeiro significado daquele discurso.
Retoricamente, a alegoria diz b para significar a, como se escreveu,
observando-se que os dois níveis (designação concretizante b e a
significação abstrata a) são mantidos em correlação virtualmente
aberta, que admite a inclusão de novos significados.(HANSEN, 2006,
p.15)

As alegorias deixaram suas marcas bem visíveis na trajetória da humanidade e


das artes. Exemplos podem ser encontrados em pinturas, textos, peças de teatro. A
alegoria era usada para representar os fatos, de forma direta ou não. Para tal, duas
formas de alegoria são reconhecidas: a pragmática e a metafísica ou mística.
A pragmática é a mais recorrente atualmente, inclusive no cinema. Nesse caso, a
alegoria é usada “como um meio para um fim, não um fim em si”. Seu uso é uma
constante principalmente em épocas de grande tensão social, numa tentativa de driblar
a censura e tocar em temas espinhosos. (BURKE, 1995).
No Brasil, após o golpe de 1964, que instaurou um regime ditatorial no país, elas
foram muito usadas. Músicos usavam de alegorias para cantar suas idéias e denúncias,
evitando assim de serem presos ou deportados. Outro produto, que atingia o grande
público e também falava através de metáforas, era a telenovela. Uma das mais
emblemáticas do período é O Bem-Amado (1973), de Dias Gomes, que contava a
história de um prefeito que tinha seus planos de inaugurar o cemitério municipal
repetidamente frustrados, pois ninguém, na cidade, morria. A novela foi exibida na
21

época em que centenas de pessoas desapareciam nos porões da ditadura e o Governo


negava suas mortes e seus corpos não eram encontrados.
O Golpe de 1964 também deixou marcas no Cinema. O sentimento de derrota e
fracasso se fazia presente em filmes como Terra em Transe (1968), de Glauber Rocha.
Em Terra em Transe, tal como em O Desafio, prevalece o fator 1964, a
dor da derrota, o luto. O drama barroco de Glauber expressa a crise de
toda uma teoria quando a indecisão histórica que tematiza já é passado
(o pré-64). Sua tônica de sublinhar os equívocos da esquerda ortodoxa
(basicamente os equívocos do PCB) é típica ao momento 66/67,
notadamente na ênfase que dá a perspectiva não ativada em 1964: a luta
armada (XAVIER, 1993, p.110)

Não só momentos de tensão política rendem material para as alegorias no


cinema. As mudanças sociais também podem ser reconhecidas em filmes dos mais
diversos gêneros. Nos Estados Unidos, a emancipação da mulher, por exemplo, se
tornou o pior terror dos machões no filme Esposas em Conflito (Bryan Forbes, 1975),
baseado no romance de Ira Levin. Inconformados com as novas vontades das esposas,
os homens as trocam por robôs cujos únicos propósitos são manter a casa em perfeito
estado e dar-lhes satisfação sexual, indo de encontro à eterna fantasia masculina de se
ter uma prostituta na cama e uma esposa exemplo para exibir. (KING, 1989, p.182-183)
No Brasil, os anseios femininos tomaram o rumo contrário. Baseado no livro
homônimo de Jorge Amado, Dona Flor e seus Dois Maridos (Bruno Barreto, 1976) se
tornou um sucesso absoluto, contando a história de uma cozinheira dividida entre o
fogoso marido falecido e o metódico e respeitoso segundo esposo. No fim, fica com os
dois, mantendo o prazer na cama e o marido perfeito. (REIS, 2001, p.23).
O segundo uso reconhecido da alegoria é chamado de metafísico ou místico.
Nele, duas situações ou pessoas são comparadas, não importando o espaço de tempo
entre as duas. Esse tipo de alegoria é fundamentada na idéia de que o presente é uma
repetição do passado, logo os eventos que aconteceram podem ser usados para
explicar o que está acontecendo ou irá acontecer.
Comecemos com a Bíblia, na qual a interpretação linear dominante de
história coexiste com a admissão da reencenação. No velho testamento,
Josué, por exemplo, é apresentado como um novo Moisés, e assim
também o é Elias. (BURKE, 1995)
22

Tendo isso em mente, os cineastas encontraram nas alegorias uma forma de


apresentar seu discurso de forma abrangente e, aparentemente, inofensiva. Não são
poucos os que viram no cinema uma ameaça à sociedade. Por ter muitos olhos e
ouvidos fiéis, as salas de cinema podiam se tornar salas de conversão, com os filmes
ainda mantendo seu viés propagandista para discernir outras formas de viver a vida.
Entre os gêneros do cinema, o terror é o que usa de alegorias de forma mais
visível. Seja em livros ou filmes, o terror recorre às alegorias para melhor situar suas
histórias e atingir os verdadeiros medos do público, que não são os monstros e a
escuridão, mas o que eles representam.
Isso não aconteceu porque os roteiristas e produtores e diretores
desses filmes queriam que acontecesse; aconteceu porque as histórias
de terror ficam mais à vontade naquele ponto de conexão entre o
consciente e o subconsciente, o lugar onde tanto a imagem como a
alegoria ocorrem mais naturalmente e com efeito mais devastador.
(KING, 2008, p.20-21)

Os filmes de terror recorrem ao medo como um meio eficaz de alertar o público


para os problemas. No escuro das salas de cinema, os espectadores ficam mais
vulneráveis, e o medo cumpre melhor seu papel de unir a sociedade contra uma
ameaça comum.

2.4 O Medo
É interessante perceber como os filmes de terror são usados para doutrinar e, de
alguma forma, unir uma sociedade em defesa de um bem comum. Isso acontece, pois
através do medo se consegue um resultado diferente daqueles conseguidos pelas
comédias ou pelos dramas.
O medo é usado para alertar e ensinar desde que o terror se tornou uma
construção narrativa, seja através de lendas, seja através dos primeiros contos infantis.
Isso acontece pois o medo funciona como um alerta, uma chamada para o perigo e
para a necessidade de proteção.
Sentir medo em relação a um objeto ou a um evento significa ter
capacidade de avaliar sua periculosidade e, portanto, de pôr em prática
uma série de ações capazes de limitar sua força negativa e destrutiva,
transformando-a às vezes de modo construtivo. (CICERI, 2001, p.10)
23

Longe de ser simples, o medo desencadeia uma série de reações físicas e


emocionais nas pessoas, fazendo-as avaliar os perigos, decidir-se por lutar ou fugir.
Neste aspecto, permanecemos semelhantes aos animais, pois esses usam o medo
para garantir sua sobrevivência, embora existam estudos que digam que o Homem, por
ser mais vulnerável carrega muito mais medos que os outros animais. (CICERI, 2001,
p.12)
Quando algo desconhecido e, possivelmente ameaçador, se manifesta, a
primeira reação que o corpo apresenta é o sobressalto, quando a atitude de conforto é
deixada de lado e o corpo fica de sobreaviso para os perigos que podem surgir.
O simples fato de ter um sobressalto implica, na realidade, a ativação de
três funções: pressentir o acontecimento inesperado, retrair-se e
suspender outras ações para se predispor a agir. Pomo-nos de
sobreaviso para o pior e antes de suspender esse estado de alerta
passamos a reunir mais elementos que confirmem ou não a
periculosidade do que percebemos. (CICERI, 2001, p. 13)

O sobressalto é a primeira reação ao perigo, que pode ser descartado por


dispositivos elaborados pelo cérebro humano. O hábito e a sensibilização atuam como
mediadores, que após o sobressalto avaliam a situação e a periculosidade.

A sensibilização e o hábito são opostos. Enquanto em uma situação de


sensibilização, fica-se mais propenso a ter medo, o que exige “a permanência de um
estado de vigilância”, o mecanismo de hábito se apresenta quando há o entendimento
de que a situação não trará perigo, logo o medo se torna infundado. (CICERI, 2001,
p.14-15)
Mas a identificação do perigo não é padronizada. A cultura, a experiência de
cada um e a situação vigente são as variantes que fazem as pessoas temerem mais
uma coisa do que outra. Ou seja, o estímulo em si não assusta a todos da mesma
maneira, isso vai depender da interpretação que se faz desse estímulo.
Essa hipótese, defendida pelas chamadas teorias do appraisal, afirma que
as diferenças nas emoções derivam da diversidade com que os indivíduos
avaliam (appraise) e interpretam seu ambiente. A resposta emocional,
portanto, não é considerada diretamente ativada pelo estímulo, mas
mediada pela avaliação que o indivíduo faz desse estímulo. (CICERI,
2001, p.18)
24

Um bom exemplo dessas teorias, pode ser encontrado no cinema. Os filmes de


terror de Hollywood são distribuídos para o mundo inteiro, mas nem sempre causam o
mesmo efeito nas audiências estrangeiras que causa na audiência estadunidense. O
estímulo ventado por esses filmes, pode assustar e amedrontar os Estados Unidos, que
vivem determinada situação, mas não vão fazer o mesmo em um país com
preocupações e medos diferentes. Para citar um exemplo, O Exorcista fez enorme
sucesso nos Estados Unidos, provocando filas nos cinemas e muito burburinho, coisa
que não aconteceu na Alemanha Ocidental. Isso porque, no momento em que o filme
foi lançado, as famílias estadunidenses estavam em pânico com o comportamento dos
jovens, enquanto a principal preocupação da Alemanha Ocidental era com os
terroristas. (KING, 1989, p.142)
O cinema é um poderoso meio para disseminar o medo em uma sociedade.
Seu poder de sugestão é imenso, pois, diferente da literatura e das narrativas orais,
conta com a grande influência exercida pela imagem.
Pretendendo comover e impressionar as platéias, o cinema principou –
desde seu início – a explorar temas tétricos.(...) Aquilo que penetra no
íntimo do homem, aquilo que fica, e perdura no subconsciente, é o
elemento trágico que provoca susto e medo. Este elemento domina,
soberanamente, no filme sobre todos os outros. (VIANA, [19-?], p.57)

Por ser um ambiente propício ao entretenimento, o cinema reduz as defesas dos


espectadores que entram no estado de sensibilização durante o filme, o que os deixam
mais vulneráveis ao medo. Ao fim da sessão, embora ocorra o alívio da constatação de
que tudo não passou de fantasia, os estímulos tétricos do filme permanecem no
subconsciente, deixando a audiência alerta para o perigo. (VIANA, [19-?], p.59)
25

3 Terror como gênero narrativo

3.1 Medo e Terror


O medo é alimento essencial para o terror e o horror. No dicionário Aurélio (2004,
p.774), terror é definido como estado de grande pavor. Definição parecida acompanha a
palavra horror, sendo assim, as duas palavras irmãs no que diz respeito a seu
significado, mas com diferenças básicas. Enquanto o terror é o sentimento de medo ou
pavor, o horror é o resultado que esse sentimento causa. Terror é sentimento, horror é
emoção. Stephen King constata que o horror é uma batalha contra a qual se luta
sozinho. “É um combate travado nos recantos do coração”. (1989, p. 13)
Descobrir a origem do terror, logo, é descobrir a origem do homem. O medo e
terror marcam a história da humanidade desde os primórdios e, quando os homens
aprenderam a se comunicar, o terror surgiu como forma narrativa. Os desenhos
pintados em pedras, as primeiras manifestações artísticas descobertas, ganham caráter
de narrativa de terror quando mostram o embate dos homens primitivos com o
desconhecido. Tudo o que era desconhecido ou não podia ser explicado por eles era
motivo de medo e terror, mas nem por isso deixavam de exercer uma estranha força de
atração. Paul Newman afirma que o medo é próximo da curiosidade – daí tantos
supostos terrores exercerem atrações sinistras. (2004, p.12)
Aceitando a proximidade do medo e da curiosidade, fica fácil entender porquê
tudo o que é pouco conhecido das pessoas lhe causam o sentimento de horror ou
aversão. O medo do desconhecido acompanha a humanidade desde sua criação, e
seja seguindo a versão bíblica ou a científica da origem do homem, o medo
desempenhou papel importante para o desenvolvimento das espécies. Se na Bíblia, o
medo – e posterior curiosidade – de Adão e Eva os levou a comer do fruto proibido,
sedo assim, expulsos do Paraíso, na Arqueologia, os homens precisaram superar seu
medo e vencer as adversidades naturais para se estabelecerem e formarem uma
sociedade. Embora desafios sejam superados, o medo em si nunca é deixado de lado.
Newman parte do pressuposto da intangibilidade do medo para afirmar que “o medo é
26

uma sensação multifacetada que está sempre em mudança, constantemente alterando


a sua posição e as suas relações”.(2004, p.13)
Não é à toa que o medo é associado ao escuro. O que não pode ser visto é mais
assustador, o quarto escuro onde não se enxerga um centímetro em frente, onde o que
está a espreita é desconhecido. King (1989, p.134) usa essa analogia ao descrever o
“medo e o horror como emoções que cegam, retiram nossas bases de adultos debaixo
de nossos pés”. Com o acender das luzes, o medo pode se transferir não para o que
está dentro, mas para o que está fora do quarto ou mesmo para quem acendeu a luz.
O medo e as preocupações fundem-se constantemente e reaparecem
com diferentes máscaras. Fazem parte da vida íntima do indivíduo e em
casos extremos levam à paralisia social, ao preconceito notório e a rigidez
no olhar sobre os outros. (NEWMAN, 2004, p.13)

No decorrer das décadas o medo vivenciado pelas grandes massas foi mudando
de objeto, a Ira Divina, o Diabo, a violência urbana, a liberdade das mulheres, o
socialismo (para os capitalistas), o capitalismo (para os socialistas)... E cada feixe de
luz lançado em cada um desses temas, dissipava um pouco da ignorância fazendo os
anseios e preocupações se voltarem para outro assunto. Assim, como crianças
largadas em um quarto escuro, a humanidade foi tateando em busca do interruptor que
acenderia a luz, e a cada forma descoberta por tato, mesmo parcialmente, o medo se
voltava para o que viria a seguir.

3.2 Terror boca-a-boca


A impossibilidade de explicar fatos naturais levou o Homem, no decorrer de sua
caminhada pela evolução, a personificar seus medos, criando deuses responsáveis
pelo fogo, pela água e pela morte, ao mesmo tempo em que criavam as primeiras
alegorias destinadas a contar suas histórias fantásticas, os Mitos, dando subsídios para
o terror contemporâneo. Quando algo dava errado, a razão era explicada em contos
sobrenaturais. (BRAZ, 2009)
As alegorias se faziam presentes em lendas que eram passadas de geração em
geração. Por exemplo, os deuses da colheita e da chuva. Essas histórias geralmente
descambavam em morte e desgraça caso os desejos dos deuses não fossem
27

atendidos. Os deuses antigos poderiam ser considerados as primeiras alegorias criadas


para representar temores reais – intempéries naturais, pouca colheita.
Mas retornando a um tópico anterior, o medo é muito próximo da curiosidade,
logo muitos mitos foram destruídos com o conhecimento, e o medo foi mudando de
personificação.Com a derrocada do medo irracional pelos avanços científicos, a
sociedade se voltou para os problemas mais próximos. (NEWMAN, 2004)
Se os deuses sanguinários e a danação eterna não eram motivos de pânico, a
vida na Idade Média trazia perigos suficientes para deixar qualquer um de cabelo em
pé. Fome, violência e abandono apavoravam adultos e crianças, que reunidos em volta
da fogueira à noite partilhavam deles em contos, que mais tarde, adaptados pelos
irmãos Grimm foram contados para as crianças do mundo todo.
Pretendessem elas divertir os adultos ou assustar as crianças, como no
caso dos contos de advertência com “Chapeuzinho vermelho”, as
histórias pertenciam sempre a um fundo cultural popular, que os
camponeses foram acumulando através dos séculos, com perdas
notavelmente pequenas.(DARNTON, 1996, p.32)

Contadas para uma população primordialmente analfabeta, as histórias eram


embasadas na realidade. Esses contos ensinavam e advertiam os camponeses que
não tinham outro meio de instrução, muitas vezes se utilizando de linguagem brutal e
violenta. Suavizados posteriormente, contos como Chapeuzinho Vermelho, João e
Maria e Cinderela abusavam de um repertório pesado até mesmo para as histórias de
terror atuais, que incluía estupro, sodomia, canibalismo, incesto dentre outros temas
chocantes. (DARNTON, 1996, p.29)
Embora explicitassem suas mensagens sem pudores, os contos medievais
também usavam alegorias para o melhor desenvolvimento de suas histórias. Tomando
o exemplo de Chapeuzinho Vermelho, podemos tomar o Lobo como um representativo
dos perigos escondidos nas florestas. Ogros, monstros e demônios também povoavam
as histórias, que independente das fantasias traziam uma visão única sobre os
acontecimentos da época.
Apesar dos ocasionais toques de fantasia, portanto, os contos
permanecem enraizados no mundo real. Quase sempre acontecem
dentro de dois conceitos básicos, que correspondem ao cenário dual da
vida dos camponeses nos tempos do Antigo Regime: por um lado, a
casa e a aldeia; por outro a estrada aberta.(DARTON, 1996, p.34)
28

O uso de brutalidade e violência em contos destinados a sociedade eram uma


constante no século XVIII, não apenas na Europa. A crueldade pode ser encontrada
nos contos populares e na História social em toda parte, da Índia à Irlanda e da África
ao Alasca. (DARTON, 1996, p.59)
A níveis de comparação, a disponibilidade dos camponeses do século XVIII de
se reunirem em volta da fogueira, após um longo dia de trabalho, para ouvirem e
compartilharem histórias recheadas de violência e terror, não se distancia muito do
costume atual de assistir a um filme assustador nos cinemas com um grupo de amigos
ou mesmo reduzir a velocidade do carro para ver os destroços de um acidente.
No século XX, a disseminação do terror boca-a-boca não gozou da mesma
popularidade de outrora. Ainda assim, programas de rádio substituíram a fogueira como
ponto de reunião, disseminado histórias assustadoras para uma audiência fiel.
Nas noites em que havia programação no rádio, eu traria uma cadeira e
a colocaria no lado referente ao meu avô no quarto e ele acenderia um
de seus enormes charutos. [...] Para mim, o cheiro de fumaça de
charuto numa salinha pequena traz à luz seu quadro referencial
fantasmagórico: o rádio, domingo à noite, na companhia do meu
avô.(KING, 1989, p.118)

Um dos últimos eventos que mobilizou multidões usando apenas efeitos sonoros
foi a narração de Orson Wells do livro A Guerra dos Mundos de H.G. Wells. Ainda que
no início da transmissão o público tenha sido informado que a atração a seguir seria
uma simulação, o pânico tomou conta dos Estados Unidos quando Wells anunciou a
invasão de discos voadores à Terra. Correria, tumulto e mortes se seguiram a
transmissão radiofônica, forçando Wells a ter que se desculpar formalmente pelo
ocorrido.
[...] Mamãe disse que uma de suas irmãs quase cortou os pulsos na
banheira durante a apresentação de Orson Wells de A Guerra dos
Mundos. [...] Eu imagino que você poderá dizer que minha tia
considerou a transmissão de Orson Wells demasiado assustadora...
(KING, 1989, p.127)

A transmissão original de A Guerra dos Mundos ocorreu em 1938, mas o rádio


se manteve firme até encerrar sua era de ouro por volta de 1950. No seu período áureo,
o rádio brindou a audiência estadunidense com programas como Suspense, Lights Out
29

e Dimension X, que traziam narrações de contos de fantasia e terror. (KING, 1989,


p.116)
Assim como as histórias contadas no século XVIII, a narrativa era o ponto alto
da experiência radiofônica. Sem o apoio de imagens, cabia ao ouvinte imaginar as
situações, o que deixava a história assustadora em níveis muito pessoais.
Por mais exatas que sejam, as versões escritas dos contos não podem
transmitir os efeitos que devem ter dado vida à histórias no século XVIII:
as pausas dramáticas, as miradas maliciosas, os uso dos gestos para
criar cenas [...] e o emprego de sons para pontuar as ações.
(DARNTON, 1996, p. 32-33)

Com o auxílio de sons produzidos pelos contadores, os monstros, ogros e casas


mal-assombradas se materializavam na mente dos ouvintes, tornado a experiência
única. O rádio tinha o mesmo efeito, sempre requerendo a imaginação, que pode ser
uma coisa perigosa quando os limites não são delimitados. No rádio, não haviam
truques de maquiagem ou efeitos especiais, os ouvintes viam com os olhos da
imaginação, o que tornava as coisas reais.(KING, 1989, p.127)

3.3 Terror na Literatura


As histórias assustadoras contadas no século XVIII foram de grande importância
para a legitimação do terror literário. Seja pelas transcrições dos contos ou pela criação
de novas histórias dentro do seleto círculo dos escritores, o terror foi ganhando terreno
e definindo um esboço de suas características mais marcantes.
Em todo século XVII e parte do XVIII observamos uma massa efêmera
de lendas e baladas de feição atrosa, se bem que muito consagrada na
literatura refinada e consagrada. Folhetins de horror e assombração
proliferavam, e podemos entrever o ávido interesse popular através de
fragmentos como A Aparição de Mrs. Veal de Defoe[...].(LOVECRAFT,
1973 p.11)

Embora existam várias obras primas e referenciais, é difícil definir a gênese dos
contos de horror. Características das histórias de terror estão presentes nos mais
diversos textos através dos séculos. Sejam em livros ou em inscrições em pedra, o
terror, sendo fruto do medo, sempre encontrou representação. O medo do
desconhecido, ou o terror cósmico, sempre permeou a imaginação de todos os povos,
30

estando assim presente nas mais arcaicas baladas e textos sagrados.(LOVECRAFT,


1973, p.7)
Mesmo com a forte presença da tradição oral, foi na literatura que o terror se
destacou como gênero e delimitou suas características, muita das quais persistem no
século XXI. Um dos mais antigos e cultuados livros do gênero O Monge, de 1876, já
mostrava a veia subversiva e a tendência à violência e ao grotesco. Na história, um
monge inicia sua derrocada ao se render a luxúria com uma misteriosa mulher que lhe
induz a invocar o demônio para possuir uma jovem que ele deseja. Ao tentar estuprar a
jovem, ele é surpreendido pela mãe da mesma e a mata. O monge novamente tenta
violar a jovem e se aproveita de sua doença para mistura um poderoso narcótico no
medicamento dela, que a faz passar por morta. Com a jovem sepultada, o monge
invade a câmara mortuária e a estupra, mas ela recupera a consciência. Os gritos da
jovem atraem os guardas obrigando o monge a esfaqueá-la, sendo preso logo depois.
O monge é torturado e invoca novamente o Diabo para vender-lhe sua alma para
escapar da fogueira. O Diabo o resgata, mas não poupa sua vida, atirando-o contra os
rochedos.(NEWMAN, 2004, p.6-7)
O Monge foi escrito por Matthew Gregory Lewis, então com dezenove anos. Na
época do lançamento foi questionado por que motivo um jovem de família abastada e
com boa educação escreveria uma história tão pesada. A mistura de sexo, violência e
quebra de tabus transformou o livro em um sucesso instantâneo e de certa forma,
representava a insatisfação do jovem em relação à sociedade.
Ele (Lewis) era homossexual numa época em que a homossexualidade
era crime punível por enforcamento. Aos dezenove anos, deve ter
sentido que a vida o tratava muito mal por fazer com que a satisfação
de seus impulsos naturais fosse um crime. Por isso, canalizou sua
raiva, frustração e desprezo para este romance “. (NEWMAN, 2004,
p.7)

O livro de Matthew Gregory Lewis mostrou um caminho para a literatura de


terror. Nele, estavam presentes os três níveis distintos do gênero: o terror, o horror e a
repulsa.(KING, 1989, p.27).
O mesmo “Por que” dirigido a Lewis quando do lançamento de O Monge, passou
a ser dirigido ao público dos livros de horror, cada vez mais populares. Por que comprar
e ler essas histórias? Nessa pergunta, estava implícita a “suposição de que gostar de
31

histórias de terror, não é lá muito saudável”. O fascínio dos leitores pelos livros de terror
é comparável à curiosidade que nos toma ao passarmos por um acidente de carro.
O fato é – e a maior parte de nós sabe disso – que muito poucos entre
nós conseguem evitar uma espiada nervosa para a sucata cercada de
carros de policia e sinais luminosos na estrada, à noite. [...] Não é
preciso elaborar o óbvio; a vida está cheia de horrores pequenos e
grandes, mas pelo fato de os pequenos serem aqueles que
conseguimos compreender, são os que nos atingem com toda força da
mortalidade. (KING, 2008, p.16)

Se O Monge tem espaço cativo na história da literatura de terror, três romances


moldaram as histórias de horror no século XX e definiram os arquétipos do “Vampiro”, o
“Lobisomem” e a “Coisa Inominável”: Drácula, de Bram Stoker, O Médico e o Monstro,
de Robert Louis Stevenson e Frankenstein, de Mary Shelley.(KING, 1989, p.55)
Esses três arquétipos formam a base da ficção de terror no século XX, tanto na
literatura quanto no cinema. As diversas adaptações e revisões dessas obras mostram
seu impacto na cultura de massa e grande poder de atração sobre o público que
mesmo ignorante ao conteúdo dos livros, não consegue ter uma idéia de vampiro
diferente da retratada por Bram Stoker em Drácula, por exemplo.
Eles se situam na base de um imenso arranha-céu de livros e filmes –
aqueles góticos do século XX, que ficaram conhecidos como “a
moderna história de horror”. Mas que isso, no seio de cada um deles
está postado (ou cambaleia) um monstro que se une para engrossar o
que Burt Hatlen chama de “o agrupamento mítico” – aquele corpo
literário de ficção no qual nós, mesmo os que não o lêem ou não vão ao
cinema, já nos regozijamos. (KING, 1989, p.55)

O “Vampiro” nos deixa em contato com a libido, a vontade de derrubar as


barreiras do sexo. Os vampiros de Drácula, como a maioria que veio depois deles, têm
na boca a principal zona erótica, ou seja, têm no sexo oral a principal fonte de prazer,
idéia bastante avançada para 1897, quando o livro foi escrito. Drácula ainda tem
alusões a necrofilia e pedofilia em suas páginas. (KING, 1989, p.71-72)
O “Lobisomem” é a representação do conflito interno inerente a cada ser
humano, a luta entre fazer o que é certo e fazer o que quiser. Dr. Jekyll e Mr. Hyde são
os dois extremos da consciência, o anjinho e o diabinho em cada ombro.
O Médico e o Monstro foi publicado uns bons trinta anos antes das
idéias de Sigmund Freud começarem a despontar, mas, nas duas
primeiras seções do romance de Stevenson, o autor nos dá uma
metáfora surpreendentemente cabível para os conceitos freudianos de
32

mente consciente e inconsciente – ou para ser mais específico, do


contraste entre o superego e o id. (KING, 1989, p.78)

A “Coisa Inominável” toca no ponto sensível e comum a todos em alguma parte


da vida: a exclusão. O sentimento de não fazer parte e não ser visto como igual inunda
a ficção mundial, seja a infantil, seja a fantasiosa – vide O Patinho Feio e King Kong
como exemplos famosos. O monstro de Frankenstein, se revolta contra o doutor que o
criou, por tê-lo confeccionado em um mundo onde todos se sentem enojados e
amedrontados por sua figura. Para não se sentir mais sozinho, pede ao doutor
Frankenstein que construa uma companheira para ele. O pedido é negado e o monstro
inicia sua vingança. No fundo, a “Coisa Inominável” é a representação daquela parte do
ser humano que nega a solidão por ter medo dela.
É possível se ver nos olhos Boris Karloff, e mais tarde, nos de
Cristopher Lee, o horror de ser um mostro; em King Kong ele se
espalha por toda a cara de gorila [...]. O resultado é quase uma
caricatura do forasteiro desprotegido, à morte. Essa é uma das grandes
fusões entre horror e amor, inocência e terror, uma realidade emocional
que Shelley apenas sugere em seu romance. Mesmo assim, suponho
que ela compreenderia e concordaria com a observação de Dino de
Laurentiis sobre a atração que essa dicotomia evoca. (KING, 1989,
p.65)

Os três arquétipos anteriormente citados permanecem no inconsciente coletivo


por oferecerem um retrato, por vezes cruel, da natureza humana. Olhamos para eles
não com medo ou repulsa, mas com um estranho sentimento de reconhecimento.
É inegável que nem só desses três arquétipos vive a literatura de terror, “há
outros monstrengos lá fora nas trevas”. O “Fantasma”, por exemplo, é um dos
arquétipos usado a exaustão nos livros de terror modernos, mas diferente dos outros
três arquétipos citados, não tem um livro representativo, uma obra de grande impacto
representativo e cultural.(KING, 1989, p.84)

3.4 Terror no Cinema


Assim como na literatura, que flerta com o terror desde suas raízes, o cinema
não demorou muito para mexer com os sentimentos e nervos das pessoas usando uma
atmosfera de pesadelo. O site Mood aponta O Castelo do Demônio (George Méliès,
33

1896) como um dos primeiros filmes que assustando as platéias, abriu caminho para a
longa e tortuosa jornada das produções do gênero.
Os primeiros representantes do cinema de horror se esforçavam para imprimir
uma aura pesada e soturna nas histórias. De acordo com o site Horror Film History, no
mundo preto e branco do cinema em seu início, representar a luz e as sombras, efeitos
tão usados no cinema moderno para dosar o clima de suspense, eram difíceis de ser
alcançados por limitações técnicas. Por isso, os filmes carregavam na atmosfera
sombria que lembrava as pinturas expressionistas.
O cinema de horror, desde seu início, se ancorou na possibilidade de representar
em imagens os pesadelos das pessoas. O público dos filmes desse gênero vai ao
cinema procurando desconforto, e quanto mais incomodado se sente, mais gosta do
resultado. Isso se explica pelo fato da platéia não acreditar verdadeiramente em tudo o
que aparece nos filmes, ao contrário, como o terror é um gênero vindo da Fantasia,
permite ao espectador uma possibilidade de escapismo. (KING, 2008, p.19)
A possibilidade de escapar de uma realidade indesejável fez com que os filmes
de terror alcançassem grande popularidade nos anos de 1930. Com o mundo se
despedaçando em decorrência da quebra da bolsa, a realidade parecia mais cruel do
que a ficção e os cinemas se enchiam de pessoas que se refugiavam, de muito bom
grado, dos horrores reais. O estúdio Universal fez grande sucesso com as adaptações
de Drácula (Tod Browning,1931) e Frankenstein (James Whale, 1931), e com as
histórias do Lobisomem (George Waggner, 1941) e de A Múmia (Karl Freund,
1932).(KING, 1989, p.31)
Horror Film History aponta a chegada do som ao cinema como um grande
diferencial nos filmes de terror desse período, se tornando um atrativo a mais para a
audiência. Esse novo recurso possibilitou ao espectador uma experiência muito
diferente daquela obtida nos anos de 1920, que agora podia ouvir os gritos, o ranger
dos degraus anunciando a chegada do perigo, assim como os rugidos do monstro.
O escapismo que pode ser alcançado com os filmes de terror não configura a
única razão do sucesso e impacto dessas produções. Mesmo em um mundo fantasioso,
o cinema de terror, assim como os contos do século XVIII, mantêm um pé na realidade.
Como aconteceu nos anos de 1950, quando filmes como Vampiros de Almas (Don
34

Siegel, 1956) e A Invasão dos Discos Voadores (Fred F. Sears, 1956) expressavam o
temor das pessoas em relação à Guerra Fria e a Corrida Espacial.
Se o filme de horror tem o mérito de remissão social, é devido a sua
habilidade de formar elos entre o real e o irreal – de fornecer subtextos.
E em função de seu apelo às massas, esses subtextos assumem
freqüentemente uma dimensão cultural. (KING, 1989, p.141-142)

Os subtextos estão presentes nos filmes de terror de todos os períodos,


aproximando o gênero do público, que recebia em cada filme uma recarga de energias.
Se a situação no mundo real parecia difícil, ela sempre se resolvia nos filmes. Assim, o
desconforto sentido durante a exibição do filme se dissolvia ao término da sessão, com
a promessa de que tudo ficaria bem. (KING, 1989, p.15)
35

4 Estados Unidos: As décadas de 1950, 1960 e 1970

4.1 Década de 1950: A onda vermelha ameaça a prosperidade


americana
O fim da Segunda-Guerra Mundial deixou marcas visíveis na economia do
planeta e redefiniu os centros detentores de poder. Em meio às mortes e perdas, os
Estados Unidos foram a única nação a sair fortalecida da guerra exibindo um grande
poderio militar e uma economia estável. (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990, p.363)
O período do pós-guerra foi de agradável estabilidade para a sociedade
estadunidense. A taxa de natalidade, que havia recuado nos anos 1930, subiu na
década de 1940 e se manteve por toda a década de 1950. A “explosão de nascimentos”
forçou uma mudança de hábitos, sociais e econômicos. A classe média trocou a
agitação dos centros urbanos pela tranqüilidade dos subúrbios. O sonho americano
ganhou contornos nítidos com a casinha branca com gramado verde na frente.
Os Estados Unidos receberam uma overdose de boas notícias, uma série de
eventos encadeados que tinham como resultado uma prosperidade constante, pois o
aumento demográfico implicava no aumento do consumo, que implicava no aumento de
postos de emprego, que implicava em mais prosperidade, que implicava em mais
crescimento demográfico. (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990, p.386)
A sofisticação da propaganda e a estabilidade financeira foram fatores
determinantes para o consumismo voraz que se instalou na época. Artigos antes
considerados de luxo viraram de primeira necessidade, a televisão tomou conta de mais
de dois terços dos lares americanos, carros eram vendidos aos milhões e aparelhos
eletrônicos que prometiam facilitar a vida das pessoas encontravam lugar nas cozinhas,
garagens e salas de estar dos norte-americanos. (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990,
p.388)
Mas, por baixo da fachada de euforia, havia um certo grau de preocupação. Em
1949, a União Soviética explodiu sua primeira bomba atômica. O acontecimento pegou
o governo americano de surpresa, pois as previsões eram de que os soviéticos só
teriam tecnologia para tal feito em 1954. Os governantes chegaram a conclusão de que
36

a tecnologia das bombas tinha sido entregue por espiões. A paranóia comunista, que
estava sendo ensaiada desde o fim da Segunda Guerra Mundial, atingiu os Estados
Unidos. (FERREIRA, 1989, p.77)
A cruzada americana contra os comunistas teve no senador Joseph Raymond
McCarthy sua figura mais emblemática, mas os esforços do governo estadunidense de
identificar e punir possíveis comunistas infiltrados já existiam antes da ascensão de
McCarthy. Em 1945, tiveram início as atividades da Comissão de Atividades
Antiamericanas (HUAC), responsável por identificar atividades subversivas. As
audiências da HUAC giravam em torno de alegadas infiltrações de comunistas em
sindicados e no cinema, e uma possível espionagem atômica. As audiências
continuaram ocorrendo mesmo após a morte de McCarthy em 1957. (FERREIRA, 1989,
p.14-22)
McCarthy gozou de grande popularidade no começo dos anos de 1950, usando o
medo dos americanos de uma possível invasão comunista para se promover. Em um
jantar oferecido por seu partido, ele alegou estar de posse de uma lista com mais de
duzentos nomes de comunistas infiltrados no Departamento de Estado, embora, hoje
em dia, pairem dúvidas sobre a veracidade das afirmações. As declarações de
McCarthy, falsas ou não, fizeram dele um astro ante a amedrontada sociedade
estadunidense.
Em tempos normais, acusações irresponsáveis de um senador obscuro
pouca atenção teriam merecido da imprensa e do país. Mas não eram
tempos normais. Naquele mês de fevereiro de 1950, a nação já estava
à beira da histeria, com uma substancial contribuição dos jornais.
(FERREIRA, 1989, p.99-100)

McCarthy ganhou status logo após a condenação do diplomata Alger Hiss, em


janeiro de 1950, sob acusação de perjúrio, mas com conotação de espionagem. O
nome de Hiss virou sinônimo de traição e iniciou-se uma verdadeira cruzada para banir
possíveis comunistas infiltrados em todo o país. Um grande número de pessoas perdeu
o emprego por conta de denúncias anônimas, ninguém mais era inocente, e a mais
simples dúvida a respeito do acusado era quase uma condenação. (FERREIRA, 1989,
p.80)
37

4.1.1 Filmografia de terror da década de 1950

Monstros invadiram os cinemas nos anos de 1950. O desenvolvimento


tecnológico fez a ficção científica ganhar um impulso na década de 1940 e esse
impacto foi sentindo no cinema de terror de 1950. Insetos gigantes e seres de outro
planeta dominaram a filmografia de terror, representando o momento de apreensão
quanto as pesquisas com a bomba atômica e a ameaça que o comunismo representava
para a sociedade estadunidense.
Após o lançamento da bomba atômica no Japão, a apreensão sobre os rumos da
ciência era generalizada e a idéia geral era que tinha deixado o planeta mais
vulnerável. Esse imaginário foi representado em filmes como O Dia em que a Terra
Parou (Robert Wise, 1951) e Plan 9 from Outter Space (Ed Wood, 1959), onde seres de
outro planeta, conscientes dos testes nucleares realizados na Terra, vêm ao planeta ora
com a função de alertar, ora com a função de destruir.
Os responsáveis pelos testes, os cientistas, ganharam ares dúbios nos filmes do
período. Ao mesmo tempo em que eram geniais, mostravam uma estranha atração
pelos monstros que haviam criado ou que haviam chegado ao planeta.
Todo cidadão que andasse pelas ruas durante aqueles assombrosos oito
ou nove anos que se seguiram à rendição do Japão desenvolveu
sentimentos extremamente esquizóides sobre a ciência e os cientistas –
reconhecia a sua necessidade, mas ao mesmo tempo repugnava aquilo
que eles haviam introduzido em suas vidas para sempre. (KING, 1989,
p.160-161)

Ao lançarem a Bomba Atômica nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, os


Estados Unidos desencadearam um trauma coletivo na população, que passou a
conviver com o medo constante de mutações e demais reações à radiação. Com a
suspeita de espionagem atômica, o clima piorou, quando a sociedade estadunidense
começou a se ver como possível alvo de suas próprias bombas. O site Horror Film
History conclui que os filmes de monstro e alienígenas proporcionavam horas de
escapismo à audiência estadunidense, por mostrar uma força destruidora não-humana
sendo derrotada pelos esforços dos humanos.
A delinqüência juvenil e o inconformismo dos jovens com as regras estabelecidas
também teve representatividade na safra de filmes de terror dos anos 50. Enquanto
James Dean definia o estilo do rebelde sem causa em Juventude Transviada (Nicholas
38

Ray, 1955), Steve McQueen enfrentava a má vontade dos adultos de uma pequena
cidade que se negavam a acreditar que uma bolha estava prestes a engolir todo o local
em A Bolha Assassina (Irving H. Millgateis,1958) e um adolescente atingia o grau
máximo da feiúra em I Was a Teenage Frankenstein (Herbert L. Strock, 1957) .(KING,
2008, p.19-20)

4.2 Década de 1960: Hora de rever conceitos


A década de 1960 revelou para a sociedade estadunidense seus conflitos internos e
a necessidade de dar voz às minorias. Ainda sobre o efeito etílico da prosperidade
econômica dos anos de 1950, os Estados Unidos viram os primeiros anos da década
de 1960 com otimismo e esperança, e o novo Presidente John F. Kennedy
personificava esse período com sua juventude e disposição. (SELLERS; MAY;
McMILLEN, 1990, p.395)
Mas, ao decorrer da década, vários conflitos internos abalaram a tranqüilidade
aparente e levaram a sociedade estadunidense a rever seus conceitos. O mais
significativo deles foi a luta dos negros por direitos iguais. Ainda na década de 1960, a
segregação era uma realidade nas cidades dos Estados Unidos, foi nesse cenário que
Martin Luther King Jr. se destacou.
Com movimentos pacíficos, como um boicote contra os ônibus que durou quase um
ano, a luta por direitos iguais atingiu todo o país e alcançou vitórias significativas contra
a segregação nos meios de transporte público e nas Universidades, mesmo
enfrentando uma oposição branca violenta que atacava os negros e as suas
propriedades. (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990, p.397-398)
A militância negra em prol de direitos iguais inspirou uma série de manifestações
pelos Estados Unidos, mostrando a insatisfação de determinados grupos com o
tratamento a eles destinados.O feminismo, adormecido desde a década de 1920,
ressurgiu nos movimentados anos de 1960, junto com a vontade das mulheres de
redefinir seu papel na sociedade.
Embora o ressurgimento conseqüente do feminismo parecesse pegar a
nação de surpresa, as queixas ventiladas eram mais do que justificadas.
A Décima Nona Emenda concedera o direito de voto às mulheres, mas
não lhes redefinira o papel no lar e na sociedade. Nem lhes abrira
39

caminho à igualdade educacional e de emprego. (SELLERS, MAY;


McMILLEN, 1990, p.409)

Assim como aconteceu com os negros, a causa das mulheres enfrentou


oposição ferrenha das camadas mais conservadoras da sociedade estadunidense.
Homens indignados, e mesmo mulheres que não compartilhavam os mesmo ideais se
mostravam abertamente contra as reivindicações das feministas.
Mas mesmo com a oposição, o movimento feminista colheu frutos significativos.
Durante a luta, o movimento recrutou mais adeptos e em 1964, o Título VII da Lei dos
Direitos Civis “proibiu não só a discriminação nos empregos por motivo de raça como
também de sexo”. (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990, p.410)
Se o feminismo e a militância dos negros por direitos iguais tiveram contornos
políticos, o movimento hippie teve efeito na esfera social. Iniciado nas cidades costeiras
dos Estados Unidos, com destaque para São Francisco, o movimento hippie se alastrou
pelas demais cidades do país e pelo mundo. (COELHO, 2003, p.53)
Os hippies pregavam um estilo de vida mais livre e pacífico, longe das
convenções e tabus. Partidários da idéia “Paz e Amor”, se posicionaram contra a
interminável Guerra do Vietnã (1959-1975), e deixaram marcas na moda (roupas
coloridas e cabelos desgrenhados), na música (rock and roll) e no comportamento
sexual (sexo casual). (SELLERS, MAY; McMILLEN, 1990, p.411)
Os anos de 1960 mostraram uma sociedade inquieta e disposta a mudanças,
embora ainda em confronto com os ideais tradicionais na década de 1950. Os filhos do
“Baby Boom” da década de 1950 haviam crescido e buscavam coisas diferentes de
seus pais, numa prévia do choque de gerações que ia explodir na década de 1970.

4.2.1 Filmografia de terror da década de 1960

O modelo perfeito da sociedade americana começou a se desintegrar no fim dos


anos de 1950, e o american way of life ficou esquecido entre tantas lembranças
empoeiradas. Os anos de 1960 chegaram trazendo a luta pelos direitos civis, a
explosão das drogas alucinógenas, a invasão do rock britânico com suas raízes bem
fincadas no blues e jovens abandonando tudo para seguirem os hippies e suas idéias
40

de amor livre. Nesse ambiente fértil, os filmes de terror e suspense se desenvolveram


com maestria.
Feitos para agradar um público que não se impressionava mais com monstros
espaciais, os filmes de terror da década de 1960 se desenvolveram à margem das
superproduções dos estúdios. De acordo com o site Horror Film History, os filmes de
horror se tornaram símbolo da contracultura, sendo produzidos com baixo orçamento,
recuperando seu tom de lidar com tabus e abusando do sexo e da violência. Cineastas
como George A. Romero e Herschell Gordon Lewis representavam a força do cinema
de baixo orçamento com os cultuados A Noite dos Mortos Vivos (1968) e Blood Feast
(1963).
Blood Feast é considerado o primeiro splatter movie do cinema. Geralmente feito
com baixos orçamentos e sem aspirações intelectuais, o splatter movie não usava de
sutilezas ou insinuações. Apostando em doses explícitas de violência e terror, filmes
como 2000 maniacs! (Herschell Gordon Lewis, 1964) atraiam o público e obtinham bons
resultados nas bilheterias.
O site Mood destaca os filmes de suspense da década que, longe do terror
explícito, ganharam terreno com as incursões de Alfred Hitchcock e Roman Polanski no
gênero. Hitchcock ganhou a alcunha de mestre do suspense com criações como
Psicose (1960), enquanto Polanski se aventurou no gênero com os cultuados Repulsa
por Sexo (1965) e O Bebê de Rosemary (1968).
De acordo com o site Horror Film History, o fim da inocência foi o grande divisor
de águas dos filmes de terror do período. O medo e o terror não ficaram imunes as
mudanças radicais sonhadas e realizadas nos anos de 1960. Se no início da década, o
vislumbre da faca e o sangue de chocolate assustavam na antológica cena do chuveiro
de Psicose, já não causavam tanto impacto em 1969, quando o país assistia chocado
às orgias sanguinárias orquestradas por Charles Manson.
Os anos 1960 chegaram ao fim, e junto com eles, a inocência de uma nação. E
foi isso que deu o tom a filmografia de terror na década de 1970.
41

4.3 Década de 1970: Os caretas contra-atacam


Se a década de 1960 foi marcada por uma aura progressista e renovadora, a
década seguinte fez o caminho inverso, foi uma época de repressão. Com um governo
republicano e tradicional, a sociedade estadunidense lutou para manter viva a chama
do conservadorismo tão em baixa nos anos de 1960.
Os movimentos sociais, longe de buscarem a integração, pregavam a
segregação pondo em risco as conquistas da década anterior. Cruzadas contra o
feminismo, a homossexualidade e o direito das minorias foram travadas por todo o país.
Militantes brancos insatisfeitos com os rumos das ações pró-direitos civis alegavam que
os progressos com relação as minorias implicavam em uma “discriminação ao
contrário”. Os direitos dos homossexuais também eram atacados por movimentos que
levantavam a bandeira da moral e dos bons costumes. Tendo como principal porta-voz
Anita Bryant, a luta contra os direitos civis dos homossexuais virou uma espécie de
caça às bruxas, com ações como a Proposta 6 - não aprovada por voto popular.
(SELLERS, MAY; McMILLEN, 1990, p.420)
O feminismo sofria do mesmo mal que o atacava na década anterior:
movimentos que iam contra seus ideais e desprezavam sua luta. A diferença é que na
década de 1970 esses movimentos eram formados e liderados por mulheres
conservadoras e tradicionais.
Organizações de mulheres conservadoras – como o Feminilidade
Fascinante e o Mulher Total – emergiram em fins da década para
combater os objetivos do movimento de libertação feminina.
Apresentando-se como “pró-família” e “contra a libertação”, elas se
opuseram à Emenda dos Direitos Iguais (ERA) [...] sobre o fundamento
duvidoso de que fomentaria os banheiros unissex, a convocação das
mulheres para o serviço militar e a homossexualidade. (SELLERS, MAY;
McMILLEN, 1990, p.420-421)

Mesmo com oposição, o movimento para instituir a igualdade de direitos entre


homens e mulheres se fortaleceu em 1974 com a aprovação da Lei de Igual
Oportunidade de Crédito, “que prescrevia igual acesso a empréstimos bancários e
cartões de crédito”. Mas esses avanços não descartaram a discriminação contra as
mulheres no trabalho. Elas ainda eram empregadas em serviços subalternos e
ganhavam menos que os homens, mesmo quando assumiam cargos de chefia. As
42

mulheres também representavam a maioria na chefia de um novo tipo de família,


àquela formada por um único progenitor. O resultado da junção desses elementos foi
aumento no número de famílias pobres nos Estados Unidos. (SELLERS, MAY;
McMILLEN, 1990, p.420)
Com as taxas de natalidade em queda, a população estadunidense era mais
velha na década de 1970 em comparação à década anterior. Os jovens de 1960
cresceram e abandonaram os ideais da época “Paz e Amor”, pararam de pensar no
coletivo e passaram a desenvolver um pensamento mais narcisista, pressagiando,
assim, um inevitável conflito de gerações.
Os sinais desse choque de gerações já podiam ser sentidos no meio da década
de 1960 e se estenderam até o início da década de 1970. A quebra de tabus modificou
o comportamento dos jovens, para o horror dos pais que já não reconheciam os
próprios filhos.
Aquilo foi mais que uma diferença de gerações. As duas gerações [...]
estavam se movendo ao longo de camadas opostas da consciência social
e cultural, compromisso e mesmo definições de comportamento civilizado.
O resultado não foi tanto um terremoto quanto foi um abalo no tempo.
(KING, 1989, p.184)

Os problemas sociais, econômicos e a insatisfação dos jovens na década de


1970 foram os ingredientes necessários para a explosão do Punk Rock nos Estados
Unidos. Surgido na cena underground de Londres, o movimento Punk chegou aos
Estados Unidos conclamando os jovens a fazer tudo diferente. Em uma sociedade que
se mostrava contrária à mudanças, a juventude se refugiava nas músicas agressivas,
adotando comportamento desdenhoso e arrogante ao que era antigo. (Seven Ages of
Rock- The Blank Generation, 2007)
O abuso com relação às drogas foi outro fator marcante na década de 1970,
principalmente entre os jovens. Glamourizadas, as drogas se tornaram um problema a
ser combatido, coisa que não havia acontecido na década anterior. As estatísticas
comprovavam o aumento acelerado no uso de drogas. Em 1973, por exemplo, o
número de pessoas que admitia ter usado maconha era de 12%, esse número dobrou
em um período de quatro anos. Cada vez mais jovens se sentiam atraídos não só por
maconha e LSD, mas também por drogas mais pesadas. Pesquisas apontavam que
43

isso começava a se tornar uma preocupação familiar. Em 1978, 66% dos pais
entrevistados consideravam a maconha um problema nas escolas, e 35% tinham a
mesma opinião em relação a drogas mais pesadas. (ROBINSON, 2002)

4.3.1 Filmografia de terror da década de 1970

A efervescência cultural e social dos anos de 1960 não se estendeu por muito
tempo. O festival de Altamont, em 1969, foi o último grande evento da sociedade paz e
amor, que viu um rapaz ser assassinado em frente às câmeras em uma confusão
iniciada pelos Hell´s Angels, grupo de motoqueiros delinqüentes contratado para fazer a
segurança do evento. Os anos de 1970 começaram com uma ressaca dos anos de
1960, com luto e apreensão. (Seven ages of Rock – The Birth of Rock, 2007)
O clima de otimismo e prosperidade das décadas anteriores haviam se dissipado
e os Estados Unidos encaravam com desânimo os anos por vir. Essa atmosfera era
extremamente favorável para o horror, e os filmes de terror voltaram chamar atenção
dos estúdios que destinavam a eles grandes orçamentos. O resultado das bilheterias
era proporcional e o público fazia dos filmes de terror grandes sucessos.
Os filmes de terror da década de 1970 se concentraram em explorar o
psicológico do público com um enfoque mais direto nos problemas sociais e nos medos
genuínos da sociedade. Nesse contexto, filmes de terror viraram verdadeiros
fenômenos sociais e culturais, sendo O Exorcista (William Friedkin,1974), o mais
conhecido deles.
Rodeado de lendas, e considerado o filme mais assustador de todos os tempos,
O Exorcista deixou os Estados Unidos em polvorosa ao narrar as tentativas de dois
padres para realizar um exorcismo numa criança de 12 anos de idade.
As filas davam voltas no quarteirão em todas as grandes cidades onde foi
exibido e, mesmo nas menores [...] foram realizadas sessões à meia-
noite. Grupos de Igreja fizeram piquetes; sociólogos com seus cachimbos
pontificaram-no; locutores leram segmentos da contracapa em seus
programas de fim de noite. (KING, 1989, p.184-185)

O Exorcista foi a apoteose dos filmes que falavam do medo interno, o medo tão
próximo que muitas vezes podia ser real apenas na mente do amedrontado. Esse foi o
caminho seguido pelos filmes de terror desse período. Se em 1968, O Bebê de
44

Rosemary passava uma mensagem de antinatalidade, nos anos de 1970 as crianças já


tinham nascido e não eram boa coisa como mostrava A Profecia (Richard Donner,
1976), que ainda alertava para o mal na política – sacudida pelo escândalo de
Watergate, que levou à renúncia do presidente Nixon em 1974. O site Horror Film
History ainda ressalta que filmes como Carrie, a estranha (Brian De Palma, 1976),
Haloween (John Carpenter,1978), Esposas em Conflito (Bryan Forbes, 1975) entre
outros títulos, retratavam o constante clima de paranóia que tomava conta das pessoas.
O cinema de horror também se preocupou em mostrar a América dos esquecidos
e desajustados. Os filmes independentes foram os que mais apostaram nessa idéia,
apresentando filmes de estética crua e realista como O Massacre da Serra Elétrica de
Tobe Hooper, 1973 e Aniversário Macabro de Wes Craven, 1972.
45

5 Terror e Alegoria

5.1 Vampiros de Almas (1956)


Quando escreveu o livro The Body Snatchers, publicado em 1955, o escritor Jack
Finney não teve a intenção de ser autor da obra que caracterizaria o período de caça as
bruxas nos Estados Unidos. Segundo ele, a história surgiu de sua vontade de escrever
sobre acontecimentos inexplicáveis que tinham como cenário uma cidade pequena do
interior. Era um livro de puro entretenimento, sem nenhuma mensagem oculta. (KING,
1989, p.333)
A versão cinematográfica de The Body Snatchers foi lançada em 1956 sob o
comando de Don Siegel e causou rebuliço. Vampiros de Almas (Invasion of the Body
Snatchers) foi recebido de forma dúbia, representando para algumas pessoas uma
crítica ao macartismo, e para outras um alerta ao perigo comunista.(KING, 1989, p.6)
Antes de se decidirem pelo nome do filme, os realizadores de Vampiros de
Almas trabalharam com diversas opções de títulos como Better Off Death, They Came
from Another World e Sleep No More, título original da série de histórias que depois
seriam expandidas para o romance The Body Snatchers.
O roteiro do filme foi escrito por Daniel Mainwaring, com colaboração de Sam
Peckinpah, esse último não creditado. Peckinpah teria escrito passagens do roteiro,
assim como alguns dos diálogos. A participação de Peckinpah ainda é controversa,
embora o roteiro do filme apareça creditado em seu nome em algumas publicações
desde sua morte em 1984. (JUSTICE, 2005)
Filmado em apenas 23 dias com o modesto orçamento de 420 mil dólares,
Vampiros de Almas foi produzido por Walter Wanger, que havia acabado de sair da
cadeia depois de cumprir pena por tentar assassinar o amante de sua esposa, a atriz
Joan Bennet.
Embora seja um híbrido de ficção científica e terror, Vampiros de Almas tem forte
influência do cinema noir, um gênero forte nos anos 1950. A narrativa em off, o tom de
constante ameaça e fatalismo são lugares comuns desse gênero de filmes e estão
presentes em Vampiros de Almas, isso se deu pelo fato do roteirista Daniel Mainwaring
46

ser responsável pelo roteiro de Out of the Past (Jacques Tourneur, 1947) um dos
grandes filmes noir da história do cinema. (JUSTICE, 2005)
Vampiros de Almas é fiel ao livro de Finney, a exceção ao epílogo e o prólogo,
inexistentes no livro. São essas duas seqüências que mostram claramente a posição de
Siegel de fazer um filme sobre a ameaça comunista, e exatamente a únicas coisas que
desagradaram Finney. (KING, 1989, p.333) O prólogo mostra o protagonista da história,
Miles Bennell, vivido por Kevin MacCarthy, num hospital, tentando convencer as
autoridades de que o perigo se aproxima. No epílogo, tenta-se passar a idéia de que a
invasão pode ser controlada. Essas seqüências foram filmadas após o filme já estar
pronto à pedido dos realizadores que queriam algo próximo de um final feliz, diferente
do final original que mostra Bennell, após fugir de Santa Mira, gritar alucinado para os
carros que passam: Eles já estão aqui! Vocês serão os próximos!”(Vampiros de Almas,
01h18min)
The Body Snatchers foi adaptado outras três vezes para o cinema: Invasores de
Corpos, de 1978, com direção de Philip Kaufman, Invasores de Corpos, 1993, de Abel
Ferrara e Os Invasores de Oliver Hirschbiegel, em 2008. Essas três adaptações fogem
a idéia original de Finney e concentram a aventura não em uma cidade de interior, mas
em grandes centros urbanos.

5.1.1 Sinopse

A ação de Vampiros de Almas se concentra principalmente na cidade interiorana


de Santa Mira, uma comunidade agradável e próspera que vira palco de
acontecimentos inexplicáveis.
Bennell inicia sua narrativa contando o dia de sua volta para a cidade. Bennel
assiste a uma cena inusitada: um garoto, que na tentativa de fugir de casa, quase é
atropelado pelo carro do médico.
Ao chegar em seu consultório, Bennell recebe com alegria a visita de Becky, uma
antiga paixão. Becky conta que sua prima Wilma se queixa de que seu pai, Ira, é um
impostor. Bennell ouve a mesma história do garoto que quase atropelou na volta à
cidade. Ele conta que sua mãe não é a mesma pessoa. Bennell teme estar diante de
uma histeria coletiva.
47

As suspeitas de Bennell de que algo muito errado acontece na cidade tomam


corpo quando, ao jantar com Becky, é chamado pelo amigo Jack para ver uma coisa
inusitada. Ao chegar à casa de Jack, encontra o amigo e sua esposa lívidos com a
descoberta do que parece ser um sósia de Jack na casa. O sósia está desacordado e
não parece completamente formado, pois não possui impressões digitais. Sem saber o
que pensar, Bennell deixa a casa de Jack e pede para ser avisado se alguma coisa
acontecer.
Bennell volta para sua casa onde é acordado no meio da noite por Jack e sua
esposa. Eles foram buscar ajuda pois o sósia de Jack abriu os olhos e apresenta um
corte na mão, no mesmo lugar em que Jack se cortou naquela noite. Bennell e Jack vão
buscar ajuda, mas descobrem que o corpo desapareceu e as autoridades não
acreditam que eles dizem a verdade.
No dia seguinte, Bennell encontra Wilma e ela já não acredita que Ira é um
impostor. O mesmo acontece com o garoto que tinha suspeitas em relação à mãe.
Durante um jantar com os amigos, Bennel descobre com Jack quatro estranhos
casulos na estufa. Os casulos se abrem e começam a tomar forma humana. Bennell,
Becky, Jack e a esposa correm para buscar ajuda. Bennell passa a ter certeza de que a
polícia está encobrindo a trama dos invasores, de que na verdade os policiais e a
maioria das pessoas da cidade já foram substituídas pelas réplicas. Ele tenta falar com
autoridades de fora da cidade, mas a telefonista garante que não consegue completar
as ligações. Jack e a esposa, então, fogem de Santa Mira enquanto Bennell destrói os
corpos na estufa.
Escondido em seu consultório com Becky, Bennell vê a cidade sucumbir à trama
dos invasores e descobre que Jack também foi trocado. O novo Jack leva dois casulos
para o consultório e explica o plano dos invasores, dando conta que não vai demorar
para Bennell e Becky dormirem e serem substituídos.
Desesperado, ele arma um plano de fuga com Becky, mas os dois são
perseguidos pelos habitantes de Santa Mira. Durante a fuga, cansada, Becky dorme e é
substituída por uma réplica. Agora, sozinho, Bennell consegue fugir e tenta alertar a
todos sobre o que está acontecendo. É preso por atrapalhar a ordem, mas é
desacreditado ao contar toda a verdade às autoridades.
48

Mas logo a verdade aparece, quando um caminhão lotado de casulos vindo de


Santa Mira atropela um homem deixando os casulos caírem na estrada.

5.1.2 O Inferno são os outros

Há uma cena em Vampiros de Almas, onde é permitido ao público visualizar


como seria o mundo se a doutrina comunista se espalhasse. Na praça da pequena
cidade de Santa Mira, uma multidão homogênea e sem emoção cerca um caminhão
cheio dos casulos que se tornariam sósias dos seres humanos, obedecendo às ordens
de um chefe de polícia. Enclausurados em um consultório médico, Miles Bennell e sua
namorada Becky, encaram aterrorizados a formação desse novo mundo.

Figura 1 Bennell e Becky no consultório

Fonte: Vampiros de Almas (Don Siegel, 1956, 00h56min31seg)

Emblemático em seu ataque ao comunismo, Vampiros de Almas atinge na cena


descrita acima seu ápice como filme propagandista, e exemplifica o medo de uma
sociedade que vivia eufórica com o nascimento do consumismo e com as delícias de
um período que exalava prosperidade. A idéia de ser mais um, de ser igual aos outros,
de não se destacar era extremamente contrário ao estilo de vida estadunidense, e por
isso precisava ser combatido.
Embora a história original tenha sido imaginada por um escritor que se esquivava
de polêmicas políticas, nas mãos de um diretor de direita, Vampiros de Almas usou
invasores espaciais desprovidos de emoções como alegoria para os comunistas que o
Governo dos Estados Unidos combatia.
49

A trama de Vampiros de Almas se concentra em uma cidade do interior dos


Estados Unidos, como muitas das histórias catastróficas daquele período. Nada melhor
que uma cidade pacata e agradável para transmitir a idéia de prosperidade. Jack
Finney, autor do livro que inspirou o filme, não se cansa de atribuir à pequena cidade de
Santa Mira uma inequívoca aura de placidez.
A nota principal que Finney faz soar repetidas vezes nesses primeiros
capítulos é tão baixa que em mãos menos hábeis se tornaria insípida:
mas é agradável. [...] as coisas em Santa Mira, conta-nos ele, não são
grandiosas, não são selvagens nem loucas, não são terríveis nem
aborrecidas. As coisas em Santa Mira são agradáveis.(KING, 1989, p.
337)

Don Siegel, ainda que não explore demoradamente essa característica, não se
priva de mostrar Santa Mira como um lugar agradável. Ao buscar Bennell na estação de
trem, a enfermeira atualiza-o sobre os pacientes, com o tom de intimidade de quem
mantêm relações fora do consultório. A cidade se mostra prosaica e convidativa como
todas as cidades interioranas mostradas no cinema de Hollywood, um cenário que
identifica os Estados Unidos tanto quanto bandeira nacional e a Coca Cola.
Mas há uma agitação no ar que é perceptível. Siegel nunca deixa que o
ambiente calmo o iluda. Quando Bennell vê um garoto fugindo da própria mãe, o sinal
de alerta do público é ligado. Logo ali, no começo do filme, o espectador sabe que algo
está errado, embora não saiba exatamente o que é. Deixado no escuro, o espectador já
se arma contra a ameaça vindoura, sem nem saber do que se trata.
Quando Bennell sabe pela namorada Becky que, sua prima Wilma afirma que o
tio Ira não é a mesma pessoa, o cenário começa a se delinear. Bennell visita Wilma e
Ira, apenas para descobrir que o homem não está em nada diferente do que ele
lembrava. Wilma no entanto mantém sua posição e diz que tudo na aparência de Ira
está idêntico, mas tem algo nele que é diferente.
Com essa observação, Wilma mostra que a mudança de Ira não foi externa, mas
interna. Ele já não é o mesmo, pois já não pensa como pensava, não tem os mesmos
princípios, as mesmas idéias políticas. E isso é o pior, pois apesar de ainda ser
completamente identificável como Ira, ele já não pensa como ela, e é isso que
desencadeia a mudança.
50

O uso de seres do espaço foi uma constante nos filmes de terror dos anos de
1950. Com uma estrutura social e econômica firme e próspera, a sociedade
estadunidense não tinha o que temer, o Inferno eram sempre os outros. O terror que
vinha de fora era o que assustava, pois ameaçava o estilo de vida confortável que a
sociedade desfrutava. Os extraterrestres de Vampiros de Almas queriam exatamente
isso, uma sociedade igual, onde todos fizessem, sentissem e pensassem as mesmas
coisas. E é possível ler nas entrelinhas desse discurso uma palavra: comunismo.
A ascensão do Senador McCarthy ao poder foi acompanhada de uma boa dose
de paranóia, e o filme não abandona esse aspecto. Ao contrário, o abraça desde a
primeira cena que mostra o doutor Miles Bennell diante das autoridades tentando
explicar a trama dos invasores espaciais.
O conceito do inimigo sem rosto, e por isso mesmo difícil de ser combatido,
adiciona mais elementos paranóicos ao filme. Em nenhum momento a verdadeira
aparência dos invasores é mostrada. A imagem abaixo mostra o que Bennell e Jack
encontram ao abrir um dos casulos: uma forma disforme, indefinível. Ela só se define ao
assumir as características dos humanos que serão substituídos, e aí já é tarde demais.
Repetindo a idéia do período de caça as bruxas, todos eram culpados até que
provassem o contrário.

Figura 2 Conteúdo dos casulos alienígenas

Fonte: Vampiros de Almas (Don Siegel, 1956, 00h41min13seg)

A máxima do “não confie em ninguém” é insistentemente repetida ao longo da


segunda parte do filme, quando Bennell descobre que todas as pessoas em que
51

achava que podia confiar foram substituídas por réplicas em uma sucessão
desesperadora. Primeiro, sua enfermeira, que realiza em sua casa uma reunião com
outras réplicas, depois os atendentes de um posto de gasolina que colocam casulos no
porta-malas de seu carro, seu amigo Jack é o próximo e por fim sua namorada, Becky.
Tal como a imagem que McCarthy pintou de si mesmo, Bennell aparece como o herói
solitário que precisava alertar as pessoas sobre o perigo que as aguarda: o terror dos
comunistas do espaço.
Siegel declarou que em Vampiros de Almas fez um filme sobre a Ameaça
Vermelha. Uma das cenas que corroboram essa afirmação é uma das poucas que não
existem no livro de Finney. Após se livrar da perseguição dos alienígenas, Bennell grita
para os carros de uma auto-estrada: “Eles já estão aqui! Vocês serão os próximos!”
Aqui, Bennell berra o que muitos americanos queriam. Com a suspeita de espiões
comunistas infiltrados nos Estados Unidos, a idéia de que a União Soviética queria
espalhar o comunismo para todos os cantos do mundo e o medo de que conhecidos
estivessem aderindo àquela nova política, as afirmações de Bennell não soavam nada
absurdas.
Vampiros de Almas foi um filme que representou como poucos a atmosfera
alarmista de sua época, mas a alegoria usada no filme é maleável e adaptável. Prova
disso são as novas versões da história de Finney que chegaram ao cinema em épocas
distintas, mas sempre tiveram o poder de representar os medos daquele período.
Em Invasores de Corpos (1978), a alegoria de seres do espaço que tomavam o
lugar dos humanos, foi empregada para mostrar os conflitos e mudanças sociais da
década de 1970. Já a refilmagem homônima de 1990, usou como cenário uma base
militar para expor os perigos do terrorismo. A mais recente adaptação da obra de
Finney, Os Invasores (2008), abraça o medo dos Estados Unidos de um ataque
biológico terrorista em voga desde os atentados ao World Trade Center em 11 de
setembro de 2001. O filme transforma os invasores alienígenas em um vírus que se
espalha pelo mundo, mudando o comportamento das pessoas. (DIRKS, 2009)
52

5.2 A Noite dos Mortos-Vivos (1968)


Alvo de imitações e remakes desde seu lançamento, A Noite dos Mortos-Vivos
praticamente lançou um subgênero nos filmes de terror: as histórias de zumbi. Mas
inicialmente, o filme seria focado em alienígenas vindos de Vênus que atacariam os
humanos. A idéia foi descartada e decidiu-se que os mortos voltariam à vida para
devorar os vivos.
Cineasta independente, Romero enfrentou as dificuldades de produção com
originalidade. Contando com investimento inicial de 300 dólares, Romero encontrou um
açougueiro para entrar com um tipo de investimento diferente: ele disponibilizava
sangue e tripas para as cenas.
Romero teve sorte com a casa usada como locação para grande parte do filme.
Como o dono planejava derrubá-la após a realização do filme, deixou o diretor fazer
com a casa o que ele quisesse. Os zumbis que aparecem no filme também saíram
barato, cada um ganhou 1 dólar pela participação além de uma camisa com os dizeres:
“Eu fui um zumbi em A Noite dos Mortos-Vivos”.
A Noite dos Mortos-Vivos foi o primeiro filme de terror protagonizado por um
negro. O ator Duane Jones ganhou o papel inicialmente reservado para Rudy Ricci
após fazer um teste que surpreendeu Romero. Com Jones no papel, Romero modificou
as características da personagem Ben, que no primeiro esboço do roteiro seria um
caminhoneiro rude, para que elas melhor se adaptassem ao ator. Judith O´Deas
também teve características de sua personagem, Bárbara, mudadas posteriormente.
Criada como uma mulher forte, Bárbara passa grande parte do filme em estado de
choque, pois Romero adorou a interpretação da atriz nas cenas em que aparece
catatônica.
Lançado originalmente em 1º de Outubro de 1968, A Noite dos Mortos-Vivos
esteve perto de ser distribuído por um grande estúdio. A Columbia Pictures se
interessou pelo projeto, mas desistiu ao saber que ele fora filmado em preto-e-branco.
A Noite dos Mortos-Vivos despertou opiniões extremadas. Enquanto grupos de
cristãos fundamentalistas acusaram os realizadores do filme de terem sofrido
53

influências satânicas por conta das cenas de canibalismo e matricídio, o público


presente na estréia ovacionou a produção1.

5.2.1 Sinopse

O início de A Noite dos Mortos-Vivos apresenta os irmãos Bárbara e John, que


mesmo a contra gosto, vão visitar o túmulo do pai no primeiro dia de verão. Bárbara não
esconde o nervosismo de estar em um cemitério, e o irmão não perde a oportunidade
de importuná-la. Mas o clima de brincadeira logo desaparece quando Bárbara é
atacada por um morto-vivo, um senhor de idade que parece ter morrido recentemente.
John morre ao tentar defender a irmã e Bárbara foge para se salvar.
Ainda transtornada, Bárbara se refugia em uma casa desocupada à beira da
estrada. Não demora a receber a companhia de um jovem negro que se mostra mais
decisivo e forte do que ela. Enquanto Bárbara permanece em estado de choque, Ben
se esforça para deixar a casa mais segura aos ataques dos zumbis,que pouco a pouco
cercam a casa e tentam invadí-la.
Passado o choque, Bárbara e Ben trocam informações sobre as coisas que
estão acontecendo. Eles escutam as notícias pelo rádio e descobrem que uma
epidemia de crimes está acontecendo pelo país, se concentrando principalmente nas
áreas rurais e nos subúrbios.
Ben e Bárbara descobrem que outras pessoas estão refugiadas na casa. Eles se
trancaram no porão quando os ataques começaram: o casal Cooper com sua filha
machucada, Karen, e os namorados, Tom e Judy. Ben e o sr. Cooper disputam a
liderança do grupo, enquanto, pela televisão, eles descobrem que os mortos voltaram a
vida em todos os lugares, devido à radiação de um satélite que foi destruído ao voltar
para a Terra, vindo de Vênus.
Os refugiados continuam recebendo informações pela televisão e ao
descobrirem que a Defesa Civil organizou postos de resgate, arquitetam um plano de
fuga. O plano de fuga, no entanto, dá terrivelmente errado levando Tom e Judy à morte.
Os zumbis devoram os corpos dos dois e investem contra a casa. Ben e Cooper brigam

1
Todas as informações sobre a produção do filme A Noite dos Mortos-Vivos foram encontradas no site IMDB.com
54

novamente. Ben atira em Cooper, quando ele tenta tomar sua arma. Cooper consegue
chegar ao porão, onde morre ao lado da filha.
Os mortos-vivos conseguem ultrapassar as barreiras criadas por Ben e agarram
a sra. Cooper. Bárbara consegue livrá-la dos zumbis, mas ao ver seu irmão John
transformado em um deles, se desespera e sucumbe aos monstros. A sra. Cooper corre
para o porão e encontra a filha devorando o sr. Cooper. Karen se volta contra a mãe e a
mata.
Derrotado, Ben se entrincheira no porão e espera o melhor momento para sair.
Por todo país, as autoridades exterminam os mortos vivos atirando em suas cabeças.
Eles chegam à casa onde Ben se esconde. Ele sai do porão e encontra a casa
destruída. Ao verem movimento na casa, as autoridades assassinam Ben com um tiro
na cabeça.

5.2.2 Fora com o velho, viva o novo!

Os monstros e alienígenas que invadiram os filmes hollywoodianos na década de


1950 entraram em extinção nos anos de 1960. Ameaças interplanetárias e seres de
outras galáxias já não causavam o mesmo efeito numa audiência que via os anos da
Segunda Guerra Mundial e os espiões comunistas como assuntos de um passado
distante.
Já no início dos anos de 1960, o público estadunidense descobriu que nem de
longe os monstros eram tão assustadores quanto as agitações políticas e sociais que
tomavam conta do país. E se antes a ameaça de mudança das estruturas sociais era
externa, agora partia de dentro dos Estados Unidos, com a insatisfação das minorias
com o status quo.
A cena inicial mostra a ordem natural das coisas. Um casal de irmãos vai visitar o
túmulo do pai. O novo suplanta o velho numa representação simples e corriqueira.
Então, não é surpresa nenhuma que o primeiro morto-vivo que aparece no filme seja
um senhor de idade.
Esse primeiro contato com os mortos, mostra a vocação do filme, como uma boa
história de terror, de mexer com os tabus. O tabu do matricídio, embora surja em uma
cena particularmente chocante, não é o mais latente e utilizado em A Noite dos Mortos-
55

Vivos. A morte é um grande tabu, e falar sobre ela é considerado nefasto, um dos
motivos pelos quais os escritores de história de terror são olhados com desconfiança.
O primeiro exemplo, naturalmente, é A Noite dos Mortos-Vivos, em que
nosso horror à morte é explorado a um ponto em que muitas audiências
acharam o filme quase insuportável. [...] o filme circula em torno de seu
ponto de partida sempre e mais e a palavra-chave do título do filme não é
vivo e sim morto.(KING, 1989, p.145)

Quando chega ao nível do tabu, o filme extrapola no que se trata da morte:


túmulos violados, mortos incinerados e com os cérebros destruídos. Vai contra toda e
qualquer idéia de descanso tranqüilo.
Os mortos ressuscitados no filme são uma alegoria para as idéias retrógradas
que insistiam em se manter na ordem do dia na progressista década de 1960. Os
mortos, como aparecem na figura abaixo, são maltrapilhos e lerdos, não parecem
dispor de vivacidade e paixão, contrastando com o modo violento e agressivo com o
qual eles atacam suas vítimas.

Figura 3 Mortos-Vivos cercam a casa

Fonte: A Noite dos Mortos-Vivos (George A. Romero, 1968, 01h08min15seg)

Quando foge do morto-vivo que a ataca no cemitério e se entrincheira em uma


casa, Bárbara se mostra disposta a resistir ao velho, embora assustada e abalada.
Fruto de uma época de revoluções e protestos, A Noite dos Mortos-Vivos apresenta a
56

resistência como única forma de sobreviver aos valores antigos. Trancados na casa, os
sobreviventes procuram não só impedir a entrada dos mortos-vivos, mas achar um meio
de exterminá-los, pois essa é a única maneira de alcançar a segurança.
Visto por esse ponto, não chega a surpreender o momento em que Ben descobre
que os zumbis têm medo do fogo. Seja como uma representação da luz ou da paixão, o
fogo causa repulsa aos mortos-vivos, pois representa tudo o que os antigos querem
impedir que os jovens apreendam: o conhecimento e o engajamento.
Ao apresentar Ben como o grande protagonista da história, o filme se mostra
mais uma vez sintonizado com as agitações da época. A luta dos negros por direitos
iguais foi a grande luta social dos anos de 1960, e ao apresentar um negro como o líder
da resistência dos não-mortos, Romero não desmerece essa luta.
Ben é a personagem mais atuante do filme. Sua primeira aparição até carrega
um ar místico e reverencial: ele aparece, surgindo de uma luz ofuscante, que na
verdade são os faróis de seu carro, e salva Bárbara da morte certa. São deles as idéias
que mantém os resistentes seguros por mais tempo, é ele quem procura meios de se
manter a salvo e é ele quem morre com um tiro por lutar pelo que acredita. Não muito
diferente de Martin Luther King Jr.
As mulheres, outra minoria que lutou por igualdade nos anos de 1960, não são
representadas com essa reverência. Bárbara se mostra assustada e indecisa, assim
como as outras mulheres da casa, quase como se a situação não fosse com ela.
Embora todas as mulheres presentes no filme, eventualmente, exerçam papel ativo na
luta em momentos decisivos, elas são sempre derrotadas pela emoção, e a luta pela
causa perde espaço.
A cena da morte de Bárbara representa essa idéia da mulher como um ser
extremamente emocional e não racional. Ao ver a sra. Cooper ser agarrada pelos
mortos-vivos, Bárbara sai de seu estado catatônico para protegê-la, mas ao ver que seu
irmão se transformou em um morto-vivo, Bárbara se deixa levar, e ainda que lute no
final, se torna um deles.
Além de Ben e Bárbara, fazem parte da força de resistência dois casais, um de
jovens namorados e outro de adultos casados, com uma filha doente. A dinâmica do
filme muda no momento em que essas novas personagens se revelam. Descobrimos
57

que elas estavam o tempo todo no porão, e embora ouvissem os gritos de desespero e
as lutas, não subiram para ajudar. Ben imediatamente entra em conflito com o sr.
Cooper, um homem tradicional e tacanho, e novamente o conflito de gerações e idéias
é escancarado.
Tanto Cooper quanto Ben desempenham papéis de liderança em seus
respectivos grupos, o que cria atritos quando os mesmos se juntam. Enquanto Cooper
mantêm uma postura acomodada, Ben apresenta uma postura progressista. A postura
de Ben é mais atraente para os jovens, e o casal de namorados logo se rende à ela.
Cooper, por outro lado, se mantém resistente e é morto por Ben. A militância vence o
comodismo.
Ainda falando de Cooper, ele e a família protagonizam a cena mais controversa e
forte do filme. Após levar um tiro de Ben, Cooper se arrasta até o porão onde é
devorado pela filha, que havia se transformado em uma morta-viva, como mostra a
figura abaixo. Quando a sra. Cooper também busca refúgio no porão é assassinada
pela filha. Nesse momento, a mãe volta a se harmonizar com a família, uma vez que
vinha sendo tomada pelas idéias progressistas de Ben. A emoção aparece novamente
como ponto fraco da mulher, quando a sra. Cooper se rende a filha sem lutar.

Figura 4 Filha devora o pai

Fonte: A Noite dos Mortos-Vivos (George A. Romero, 1968, 01h24min30seg)


58

A Noite dos Mortos-Vivos, um filme independente de 1968, sintetizou o horror da


mudança, a resistência jovem e a insistência das velhas convenções de se manterem
ativas com uma premissa muito simples: Mortos recentes se levantam das tumbas e
atacam os vivos.

5.3 O Exorcista (1973)


O Exorcista, eleito o filme mais assustador de todos os tempos em 1999 pela
Total Film Magazine, é baseado no livro homônimo do escritor William Peter Blatty. O
livro é baseado na história real de um exorcismo que impressionou o autor em 1949.
O site oficial do filme – theexorcist.warnerbros – conta que Blatty ainda estava na
faculdade quando a idéia do livro lhe surgiu. Lançado em 1971, O Exorcista se tornou
um sucesso imediato, permanecendo por 55 semanas na lista dos mais vendidos do
The New York Times. O sucesso do livro fez a Warner Brothers adquirir os direitos para
uma adaptação para o cinema. Cineastas como Stanley Kubrick foram cotados para a
direção do longa, que acabou sob a responsabilidade de William Friedkin, que acabara
de ganhar o Oscar. A primeira providência de Friedkin foi contratar atores
razoavelmente desconhecidos do grande público, para dar um ar mais real ao filme.
As filmagens de O Exorcista foram cercadas de histórias assustadoras, o que
serviu para aumentar a aura de curiosidade em torno do filme. De acordo com o site da
revista Mundo Estranho, acidentes com a equipe técnica, morte de pessoas envolvidas
no projeto, o aborto de uma mulher durante as filmagens e um incêndio que destruiu
parte dos cenários foram alguns dos acontecimentos que muitos consideraram nefastos
durante a produção do filme.
Embora a história se desenvolva em Washington, boa parte das cenas foi filmada
em estúdios na cidade de Nova York. Inclusive as famosas seqüências do exorcismo no
quarto de Regan que, segundo o site oficial do filme, foi construído em set refrigerado
com a temperatura de vinte graus abaixo de zero, para reproduzir com mais exatidão o
ambiente anormalmente gelado do quarto da garota possuída pelo demônio.
O filme também tem cenas gravadas no Iraque. Na época, os Estados Unidos
não mantinham relações diplomáticas com aquele país, então a equipe enviada para lá
era composta apenas de ingleses. (O Exorcista: A versão que você nunca viu, 2000)
59

O site oficial de O Exorcista aponta a escalação de Linda Blair como a mais


complicada da produção. Blair, que foi escolhida em uma seleção de mais de 600
garotas para interpretar Regan, foi apontada como a grande revelação do filme. Sua
atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em 1974, e uma
indicação ao Oscar na mesma categoria. A Academia, entretanto, não lhe deu prêmio.
Talvez o fato de Linda ter sido dublada pela atriz Mercedes McCambridge nas cenas de
possessão e ter sido substituída por Eileen Dietz na famosa cena do vômito verde
tenham pesado na decisão da Academia.
De acordo com o site IMDB, além da premiação pela atuação de Linda Blair, O
Exorcista ganhou mais três Globos de Ouro em 1974: Melhor Filme (Drama), Melhor
Diretor e Melhor Roteiro. O filme ainda recebeu dez indicações ao Oscar no mesmo ano
incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz para Ellen Burstyn, e foi vencedor
em duas categorias : Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som.
Lançado em dezembro de 1973, O Exorcista virou fenômeno mundial. O
orçamento inicial do filme de 4.2 milhões de dólares quase triplicou ao fim do projeto,
que custou ao estúdio 12 milhões de dólares.
Mas o investimento foi rapidamente recompensado com os milhões de dólares
arrecadados pelo filme nas bilheterias mundiais. O site Box Office Mojo aponta O
Exorcista como 9ª maior bilheteria de todos os tempos, tendo arrecadado 796 milhões
de dólares, com valores ajustados pela inflação.

5.3.1 Sinopse

O prólogo de O Exorcista apresenta a personagem Padre Merrin nos desertos


áridos do Norte do Iraque. Durante uma escavação em um sítio arqueológico, o velho
padre encontra um artefato que o perturba a ponto de fazê-lo abandonar as escavações
e voltar para os Estados Unidos.
O cenário muda e a história passa a se desenrolar no subúrbio de Georgetown,
Washington. Nesse momento, o filme se concentra em apresentar as demais
personagens: Chris McNeil, uma atriz que grava um filme na cidade, Regan, a meiga
filha de doze anos de Chris, Damien Karras, um padre psiquiatra que tem um grande
60

sentimento de culpa em relação a sua mãe, e os três empregados que auxiliam Chris
em casa: Karl, Willie e Sharon.
Quando vai trocar os arranjos de flores do altar dos santos, um padre se
escandaliza ao ver que a imagem da Virgem Maria foi violada Enquanto isso, Regan
passa a reclamar de barulhos que vem escutando e da instabilidade de sua cama, e
como Chris não acha motivos racionais para isso, leva a filha para uma série de
exames que não apontam nenhum problema.
Chris oferece uma festa em sua casa para a equipe do filme e pessoas
influentes. Ela conhece o Padre Dyer, amigo de Karras, e se mostra interessada no
padre psiquiatra. Dyer lhe conta sobre o trabalho de Karras e que sua mãe acaba de
falecer. Durante um momento de confraternização, Regan aparece na sala e anuncia a
morte de um dos convidados. Após dispensar os convidados e colocar Regan na cama,
Chris se prepara para se recolher, mas ao ouvir os gritos desesperados da filha, retorna
ao quarto de Reagan e fica horrorizada ao presenciar a cama da garota mexer
violentamente.
O comportamento de Regan muda drasticamente e ela passa a apresentar as
primeiras manifestações extremas da possessão alternando momentos de letargia e
agressividade, fortes espasmos e força anormal.
Chocada com o comportamento da filha, Chris a libera para mais exames, que
novamente não apontam nada anormal. Vencido, o médico aconselha um tratamento
psiquiátrico.
Chris esgota suas opções médicas e não consegue explicações convincentes
para o estado de sua filha. Os médicos, acreditando que o problema da garota é
psicossomático, sugerem um exorcismo como tratamento de choque. Chris, que não
tem crenças religiosas, aceita a sugestão após ser violentamente agredida pela filha,
que acabara de se masturbar com um crucifixo. Ela pede auxílio ao padre Karras.
Padre Karras tem seu primeiro contato com Regan, que afirma estar possuída
pelo Demônio. Em um dos encontros, Karras grava o que acha ser Regan falando em
uma língua desconhecida, mas uma investigação revela que a língua é o Inglês, mas
falado de trás para frente. Na gravação, Reagan diz o nome de padre Merrin.
61

Atendendo ao chamado de Karras, padre Merrin se apresenta para o ritual de


exorcismo. Usando as inseguranças de Karras, Regan desestabiliza a dupla,
atrapalhando o ritual. Merrin decide continuar o exorcismo sozinho, mas acaba morto.
Ao ver Merrin morto, Karras se descontrola e ataca Regan, instigando o espírito invasor
a tomar seu corpo. Karras é possuído e usa suas últimas forças para se jogar pela
janela do quarto. Karras morre e Regan fica livre da possessão.

5.3.2 O Exorcismo

Nas décadas que se seguiram a Segunda Guerra Mundial, a sociedade


estadunidense se deparou com o medo de uma forma muito pessoal, vendo os perigos
e ameaças chegarem cada vez mais perto. O Exorcista marca a década em que o
medo estava tão próximo e palpável que era impossível se tornar incólume a ele. O
terror estava dentro de casa, esperando para acontecer.
Usando a possessão demoníaca como alegoria, O Exorcista destaca uma casa
de família como cenário para a batalha de gerações que se deu nos anos de 1970. O
conflito dos velhos contra os novos ganhou contornos épicos, sendo representando
pelo eterno embate do bem contra o mal.
Esse filme, entretanto, trata essencialmente das explosivas mudanças
sociais [...] Foi um filme para todos aqueles pais que sentiram, numa
espécie de terror e agonia, que estavam perdendo seus filhos e não
podiam compreender por que ou como isso estava acontecendo. (KING,
1989, p.185)

Em A Noite dos Mortos-Vivos, esse conflito também é evidenciado, mas do lado


contrário. Enquanto em 1960, os jovens viam nos mais velhos uma ameaça às suas
idéias de agregação e mudança, nos anos de 1970 eram os mais velhos que se
sentiam acuados por uma juventude insatisfeita e incompreendida, que descarregava
suas frustrações em drogas pesadas e comportamentos destrutivos.
A imagem dos jovens em O Exorcista, quando não é inexistente, nunca é
positiva. O elenco é quase inteiramente formado de adultos, a única personagem com
pouca idade no filme é Regan. Apresentada como uma criança amorosa e fácil de se
relacionar, Regan muda drasticamente de comportamento ao ser possuída pelo
62

demônio, o que acontece depois de seu aniversário de 12 anos, ou seja, quando se


inicia sua jornada pela adolescência.
Ainda nos momentos de calmaria do filme, a chegada da adolescência é
marcada pelo início da dissociação da criança à família. Antes restrito à mãe e aos
empregados da casa, o círculo de amizades de Regan se expande quando ela passa a
ter contato com o Capitão Howdy, uma entidade que se apresenta a ela por meio de um
Oujiva Board. Quando Chris tenta se comunicar com a entidade, é repelida com certa
violência. O novo amigo de Regan deixa claro que não tem assuntos para com a mãe
dela, que aquela nova relação vai ser desenvolver entre eles dois, sem a interferência
de Chris.

Figura 5 Chris e Regan brincam com o Oujiva Board

Fonte: O Exorcista: A versão que você nunca viu (William Friedkin, 2000, 00h23min02seg)

Capitão Howdy se torna a influência negativa, o horror de todos os pais. Quando


logo após, um padre se horroriza ao ver a imagem da Virgem Maria violada, não é difícil
associar aquele ato a jovens vândalos e desrespeitosos, jovens completamente
influenciados pelas más companhias.
Regan deixa de ser um sonho de menina para se transformar no pesadelo de
todas as famílias. A nova Regan representava o medo de todos os pais de acordar um
belo dia e descobrirem que enquanto estavam ausentes, seus filhos haviam se tornado
viciados em uma das drogas pesadas que espreitavam os adolescentes até mesmo no
colégio.
63

Os sinais da possessão são exibidos ao longo do primeiro ato do filme, e


mostram Regan incomodada com sua cama, adquirindo uma linguagem obscena e
agressiva e por fim atacando os mais velhos. Esses ataques são, para Chris, os
maiores indicativos de que Regan não está bem, pois demonstra a perda do controle, o
fim da autoridade dos mais velhos sobre os mais novos.
Embora Regan agrida e ofenda os adultos que a rodeiam no decorrer do primeiro
ato, é sua postura indiferente e atrevida que faz a mãe se convencer da mudança em
curso. Regan demonstra essa postura durante uma festa que a mãe oferece em sua
casa. Desobedecendo a mãe, ela aparece na festa, um lugar onde ela não deveria
estar e se põe diante do grupo de adultos reunidos, sem cuidados. “Você vai morrer lá
em cima”, dispara a garota para um dos convidados, um astronauta, para logo depois
urinar no tapete sem se importar com o horror que causa nos outros. Regan já não
respeita os mais velhos.
O Exorcista não só abala as estruturas de poder entre jovens e velhos, mas
também mostra o homem indefeso ante o desconhecido. O medo do desconhecido é o
mais primitivo do homem, e foi se dissipando com o avanço da ciência, que tinha uma
explicação para tudo. A fé de Chris na ciência, entretanto, é abalada quando as
respostas que obtém para o problema da filha não são satisfatórias. No filme, quando
uma junta de médicos apresenta o exorcismo como uma possibilidade para Regan, o
racionalismo se curva ao misticismo, e os medos primitivos afloram.
A ficção de horror constantemente usa o expediente da quebra de tabus para
atingir seu intuito de assustar. Em O Exorcista, mesmo se a alusão ao desrespeito
fosse retirada, a sexualidade agressiva dos jovens seria suficiente para deixar o público
de cabelo em pé. Presente em todas as etapas da possessão, a sexualidade gritante e
agressiva de Regan ultraja e horroriza num crescendo aterrador: ela usa palavras
chulas para designar suas partes íntimas, se masturba na frente da mãe e dos médicos
e convida o padre Merrin para o sexo.
O momento mais marcante do filme sintetiza a transformação da criança
inocente no jovem problemático. Nessa cena, Chris atraída pelos gritos de Regan, entra
no quarto da filha e se depara com uma cena aterradora. Regan se masturba
violentamente com um crucifixo, gritando blasfêmias e coberta de sangue. Ao tentar
64

tirar o crucifixo de Regan, Chris tem a cabeça impelida para os órgãos genitais da filha,
que logo depois a golpeia com um soco. Esta cena, que chega em um momento do
filme em que o público já está pensando que as coisas não podiam piorar, mostra o
ataque às instituições mais caras da sociedade americana: a Família e a Igreja.

Figura 6 Regan se masturba com o crucifixo

Fonte: O Exorcista: A versão que você nunca viu (William Friedkin, 2000, 01h19min21seg)

Quando, desesperada, Chris vai pedir ajuda à Igreja, mostra o caminho da


maioria dos conservadores quando buscam justificativas para suas causas. Padre
Karras, atendendo seu pedido, visita Regan e encontra-a totalmente transformada. A
imagem de Regan lasciva, inconveniente, agressiva e debochada, não é diferente da
imagem formada na cabeça dos pais que encontravam, quando chegavam em casa,
filhos andrógenos, punks ou drogados.
Mas claro que essas situações não aconteciam em qualquer tipo de família. A
onda conservadora que tomou conta dos Estados Unidos nos anos de 1970, com
certeza, desaprovava a estrutura familiar vista na casa dos McNeil. Chris era o fruto de
todas as revoluções da década anterior, divorciada, trabalhava fora e mantinha uma
relação hostil com o ex- marido.
65

No conflito dos velhos contra os novos, o conservadorismo ganha e a


personalidade agressiva, contestadora e sexualizada de Regan é suplantada. A Igreja
sofre danos, mas a Família se fortalece.

Visto no contexto do século XXI, O Exorcista perde um pouco da força. Na


dinâmica deste século, onde crianças são geradas e criadas sem preocupação e os
pais tentam se assemelhar aos filhos e não o contrário, as atrocidades ditas pelo
demônio Pazuzu seriam recebidas com risos e palmas, não mais com terror.
66

6 Considerações Finais
A reapresentação da realidade nos filmes é um fato discutido e analisado desde
as primeiras manifestações dessa arte. A bem da verdade, todo filme é, em algum
momento, um espelho de determinada realidade, mas nem todas essas representações
são facilmente identificadas.
Quando analisamos a filmografia de terror das décadas de 1950, 1960 e 1970, é
possível encontrar um padrão, um medo em comum que permeia a maioria das
produções de cada período. Nos anos de 1950, o medo do terror externo e o constante
clima de paranóia podiam ser vistos em filmes como Casei-me Com Um Monstro de
Outro Espaço (1958), Invaders From Mars (1953) e Guerra dos Mundos (1953). A
década de 1960 viu nascer os splatter movies, que mostravam a violência e o sexo sem
pudores para uma audiência que pedia mais contato com a realidade. O Bebê de
Rosemary, embora lançado em 1968, marcou o período – que se estenderia por toda a
década de 1970 - em que os filmes alertavam para o terror interno. O perigo próximo e
inesperado apareceu em filmes como A Cidade do Horror (1979), Halloween (1978) e O
Iluminado (1980).
A representação dos temores da sociedade nos filmes não são necessariamente
propositais. Jack Finney afirmou que seu livro The Body Snatchers (1955) nada tem a
ver com a caça às bruxas, e William Friedkin certamente não pretendeu fazer um filme
sobre o conflito entre pais e filhos, mas inconscientemente foi isso que eles fizeram,
influenciados pela época em que trabalharam.
Os três filmes analisados anteriormente ganharam versões atualizadas nos anos
2000 e em todos os casos, as alegorias se adaptaram para assustar um público
diferente das décadas de 1950, 1960 e 1970. A versão 2008 de Vampiros de Almas, Os
Invasores, esquece a paranóia e o medo dos comunistas para se concentrar no perigo
das guerras biológicas. O Exorcista: O início (2004) passa longe do terror que ocorre
dentro de casa e aposta na ameaça que vem de fora para dentro, muito conveniente
para a sociedade pós-11 de setembro de 2001. E, por fim, Madrugada dos Mortos
(2004), remake do segundo filme da chamada “Trilogia dos Mortos” de George A.
67

Romero, troca os mortos-vivos lentos, apáticos e “velhos”, por uma horda de zumbis
rápidos, ágeis e violentos.
A falta de intenção de usar as alegorias para espelhar um determinado período,
não as tornam menos eficazes. A partir delas, é possível estreitar os laços entre o
cinema e a audiência, que interpreta os horrores cinematográficos de acordo com sua
própria bagagem cultural e emocional.
.
68

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Cinema Marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.

FILMOGRAFIA

Aniversário Macabro. Direção: Wes Craven. Estados Unidos, 1972.


Bolha Assassina, A. Direção: Irving H. Millgateis. Estados Unidos,1958.
Bebê de Rosemary, O. Direção: Roman Polanski. Estados Unidos, 1968.
Blood Feast. Direção: Herschell Gordon Lewis. Estados Unidos,1963.
Carrie, a estranha. Direção: Brian De Palma. Estados Unidos, 1976.
Casei-me Com Um Monstro de Outro Espaço. Direção: Gene Fowler Jr. Estados
Unidos, 1958.
Castelo do Demônio, O. Direção: George Méliès. França, 1896.
Cidade do Horror, A. Direção: Stuart Rosenberg. Estados Unidos, 1979.
Dona Flor e seus Dois Maridos. Direção: Bruno Barreto. Brasil, 1976.
Dia em que a Terra Parou, O. Direção: Robert Wise. Estados Unidos, 1951.
71

Drácula. Direção: Tod Browning . Estados Unidos, 1931.


Esposas em Conflito. Direção: Bryan Forbes. Estados Unidos, 1975.
Exorcista, O. Direção: William Friedkin. Estados Unidos, 1974.
Exorcista: A Versão que você nunca viu, O. Direção: William Friedkin. Estados Unidos,
2000. Comentários do diretor nos Extras do DVD.
Exorcista: O início, O. Direção: Paul Schrader e Renny Harlin. Estados Unidos, 2004.
Frankenstein. Direção: James Whale. Estados Unidos, 1931.
Guerra dos Mundos. Direção:Byron Haskin. Estados Unidos, 1953.
Haloween. Direção: John Carpenter. Estados Unidos,1978.
Iluminado, O. Direção:Stanley Kubrick. Estados Unidos, 1980.
Invasores, Os. Direção: Oliver Hirschbiegel. Estados Unidos, 2008.
Invasores de Corpos. Direção: Philip Kaufman. Estados Unidos, 1978.
Invasores de Corpos. Direção: Abel Ferrara. Estados Unidos, 1993.
Invaders From Mars. Direção: William Cameron Menzies. Estados Unidos, 1953.
Invasão dos Discos Voadores, A. Direção: Fred F. Sears. Estados Unidos, 1956.
I Was a Teenage Frankenstein. Direção: Herbert L. Strock. Estados Unidos, 1957.
King Kong. Direção: Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Estados Unidos, 1933.
Lobisomem, O. Direção: George Waggner. Estados Unidos, 1941.
Madrugada dos Mortos. Direção: Zack Snyder. Estados Unidos, 2004.
Massacre da Serra Elétrica, O. Direção: Tobe Hooper. Estados Unidos, 1973.
Múmia, A. Direção: Karl Freund. Estados Unidos, 1932.
Metropolis. Direção: Fritz Lang. Alemanha, 1927.
Noite dos Mortos-Vivos, A. Direção: George A. Romero. Estados Unidos, 1968.
Plan 9 from Outter Space. Direção: Ed Wood. Estados Unidos, 1959.
Profecia, A. Direção: Richard Donner. Estados Unidos, 1976.
Psicose. Direção: Alfred Hitchcock. Estados Unidos, 1960.
Repulsa por Sexo. Direção: Roman Polanski. Estados Unidos, 1964.
Seven ages of Rock - Blank Generation. Direção: Alastair Laurence. Inglaterra, 2007.
Seven ages of Rock – The Birth of Rock. Direção: Andrew Graham-Brown. Inglaterra,
2007.
Terra em Transe. Direção: Glauber Rocha. Brasil, 1968.
72

Vampiros de Almas. Direção: Don Siegel. Estados Unidos, 1956.


2000 maniacs! Direção: Herschell Gordon Lewis. Estados Unidos, 1964.

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