Agua Elemento Mudanca
Agua Elemento Mudanca
Agua Elemento Mudanca
Resumo: Perceber que trabalhos de representação são marcados por política e que, por isso mesmo, merecem o
estudo de acadêmicos de Relações Internacionais é a grande contribuição que a virada estética traz para o campo,
e é em cima desta base que este trabalho conectará cultura popular com Teoria das Relações Internacionais. O
artigo também resgata uma discussão relevante sobre o estudo de cultura popular e sua significância para o futuro
da produção de conhecimento em RI. Estudos sobre a intersecção entre cultura e RI têm crescido com o advento
da virada estética, com alguns deles apontando para a utilidade de artefatos de cultura popular para o ensino de RI.
É desta maneira que este trabalho é conduzido, munindo-se de Avatar: A Lenda de Aang, um desenho animado
extremamente popular exibido pelo canal estadunidense Nickelodeon de 2005 a 2008, para ilustrar diferentes
aspectos do construtivismo de Alexander Wendt.
Palavras-chave: virada estética, cultura popular, construtivismo, Alexander Wendt, Avatar: A Lenda de Aang.
Abstract: The greatest contribution of the aesthetic turn in world politics is the realization that works of
representation are themselves marred by politics and therefore can be objects of study to International Relations
scholars. It is upon this understanding that this article aims to connect popular culture and IR theory. This article
also brings to the table a relevant discussion concerning the study of popular culture in IR and its significance for
the future of academic production on the field. Studies regarding the intersection between culture and IR have been
blooming and becoming more relevant with the advent of the aesthetic turn, some of them pointing out that popular
culture products can be quite useful in the teaching of IR. It is in line with that understanding that this article makes
its point, using Avatar: The Last Airbender, a extremely popular children’s cartoon that aired on Nickelodeon from
2005 to 2008, to illustrate some of aspects of Alexander Wendt’s constructivism.
Keywords: aesthetic turn, popular culture, constructivism, Alexander Wendt, Avatar: The Last Airbender.
1. Introdução.
É a partir deste esforço acadêmico, que intenciona trazer mais da cultura pop para as
discussões de Relações Internacionais, que este trabalho se estrutura. Acredito, tal qual
1
Artigo científico apresentado ao Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia como Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Relações
Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação do Prof. Dr. Aureo de Toledo Gomes.
2
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia.
3
Quando me refiro ao campo de conhecimento, escrevo “Relações Internacionais” com iniciais
maiúsculas; para me referir ao objeto de estudos do campo, escrevo “relações internacionais” com iniciais
minúsculas.
1
Neumann e Nexon (2006), que a cultura pop é um espaço importante onde as vidas social e
política estão representadas, e concordo com Bleiker quando afirma que “formas de
representação são cruciais para teoria e prática de relações internacionais” (BLEIKER, 2009, p.
19, tradução minha4).
Meu ponto de partida é, por sua vez, um desenho animado que é internacional em sua
própria concepção. Avatar: A Lenda de Aang (a partir de agora, A:TLA, com base no acrônimo
do título original, Avatar: The Last Airbender) foi um desenho exibido pelo canal estadunidense
de assinatura Nickelodeon, de 2005 a 2008. O desenho é claramente inspirado em culturas
asiáticas: China, Japão, Tibete e os inuítes estão todos representados na construção de mundo
complexa feita por seus criadores, Bryan Konietzko e Michael DiMartino (LASSWELL, 2005;
KHAN, 2016).
O Avatar (que não deve ser confundido com o filme homônimo de James Cameron,
Avatar (2009), cujos protagonistas são alienígenas, cujo enredo se desenrola fora do Planeta
Terra e que igualmente já produziu discussões no campo das ciências sociais5) é a única pessoa
capaz de controlar os quatro elementos num mundo dividido em nações elementares: o Reino
da Terra, a Nação do Fogo, as Tribos da Água e os Nômades do Ar. Por ter essas habilidades
únicas, o Avatar6 é o responsável por manter o equilíbrio entre as nações e ser a ponte entre o
mundo material e espiritual.
4
Aproveito esta oportunidade para ressaltar que todas as traduções oferecidas neste trabalho são de minha
autoria, a não ser em casos específicos, que explicitarei.
5
Faço referência, aqui, ao livro de 2015 de Gautam Basu Thakur, Postcolonial Theory and Avatar, que
trata de teoria fílmica e ciência política.
6
É importante frisar que a figura do Avatar em A:TLA é fortemente influenciada pelo hinduísmo, que
possui um termo idêntico para designar “a encarnação de uma divindade em forma humana ou animal para
combater um mal específico no mundo” (OS EDITORES DA ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2015,
tradução minha).
2
fuga resultou num mundo desequilibrado e que é seu dever restaurar a harmonia entre os povos.
Já podemos perceber, por esta breve exposição, que A:TLA trata de assuntos complexos, como
o preço da guerra, genocídio e colonialismo, sendo que crianças são a principal audiência do
desenho.
Justamente por tratar de temas tão desafiadores com delicadeza e de forma a agradar
tanto crianças quanto adultos é que A:TLA fez tanto sucesso, com os episódios finais sendo os
programas de maior audiência na TV paga dos EUA na semana de 14 de julho a 22 de julho de
2008, somando 5,6 milhões de telespectadores (GRAY, 2008). O programa também foi
aclamado pela crítica, ganhando um Emmy (DESOWITZ, 2007) e diversos prêmios Annie
(ANNIE AWARDS, 2006; 2007), que premiam os melhores trabalhos em animação. O sucesso
foi tanto que A:TLA foi transformado em filme live-action no ano de 2010, dirigido e escrito
por M. Night Shyamalan e denominado The Last Airbender (BARNES, 2010).
Muito embora o filme tenha sido um desastre na crítica (SCOTT, 2010), A:TLA
conquistou uma multidão de fãs leais, ao ponto de conseguir abocanhar um spin-off também
produzido pela Nickelodeon e que se passa 70 anos após o final do desenho original,
acompanhando outra Avatar: The Legend of Korra (ENTERTAINMENT WEEKLY STAFF,
2012). Indo além, a história de Aang e seus amigos continua nas histórias em quadrinhos, que
também têm sido muito bem-sucedidas nas vendas (DARK HORSE COMICS, 2012a, 2012b;
THE NEW YORK TIMES, 2013), com novos números sendo anunciados mesmo em 2018, dez
anos depois da exibição do último episódio do desenho (HOLUB, 2018).
Ao se assistir A:TLA é impossível não fazer uma conexão direta com o campo de estudos
das Relações Internacionais. Afinal de contas, o desenho trata de um dos temas preferidos da
academia, a guerra, e o enredo envolve precisamente a interação entre diferentes nações. The
Promise (YANG; GURIHIRU, 2013), a história em quadrinhos que sucede imediatamente os
eventos do desenho animado, fala sobre colonialismo e descolonização, e The Legend of Korra
apresenta uma sociedade multicultural em que dominadores de todos os elementos vivem juntos,
herdeiros das decisões tomadas por Aang em The Promise.
3
Entretanto, este trabalho não se debruçará excessivamente em tais tópicos, embora
considere-os importantes para a ambientação do desenho animado. O objetivo deste trabalho é,
por sua vez, examinar como A:TLA pode ser utilizado para demonstrar o desenvolvimento de
diversos aspectos da Teoria Construtivista, e, especificamente, o construtivismo de Alexander
Wendt (2013, 2014). Meu argumento é que durante o desenvolvimento do enredo de A:TLA
conseguimos observar a centralidade do papel das identidades para a interação entre os atores,
como Wendt defende. Também é possível contemplar em A:TLA o processo de mudança no
Sistema Internacional, que Hopf (1998) destaca como um dos trunfos da Teoria Construtivista
e sobre o qual Wendt também teoriza.
Sendo assim, este artigo se dividirá nas seguintes seções, sendo esta introdução a
primeira delas. A seguir, discutirei a importância da virada estética e do estudo de cultura
popular nas Relações Internacionais. Numa terceira seção, demonstrarei como A:TLA serve
para ilustrar diversos aspectos da Teoria Construtivista, especialmente o construtivismo
wendtiano, fazendo também um breve debate teórico sobre essa corrente teórica de relações
internacionais. Por fim, encerro este artigo com as considerações finais, levantando quais foram
os pontos principais do trabalho e apontando potenciais contribuições para o campo das
Relações Internacionais.
A virada estética dentro das Relações Internacionais, que é usada como base e
justificativa para este trabalho, acredita que a política está localizada na discrepância que existe
entre a representação de um objeto e o objeto em si. Bleiker (2009, p. 19-20) nos diz:
4
caminha na direção de uma abordagem que dá origem a um encontro mais
diverso, mas também mais direto, com o político.
Bleiker acredita, portanto, que o estudo das representações é crucial tanto para teoria
quanto para a prática das RI. Isto vai de encontro a muitas das principais abordagens teóricas
existentes neste campo do conhecimento, que tendem a ser miméticas, ao invés de estéticas.
Abordagens miméticas entendem que as representações do real são apenas cópias, que não
possuem nenhum tipo de interferência humana em sua constituição; elas são, efetivamente,
teorias contra a representação, pois não dão espaço para a subjetividade e interpretação.
Abordagens estéticas — ou seja, abordagens que levam em consideração aspectos visuais,
artísticos, sensoriais e de práticas de representação na existência e na composição do âmbito
internacional —, por sua vez, reconhecem o espaço que existe entre representação e objeto
representado.
É justamente por não dar espaço para a interpretação que o Realismo seria frágil, de
acordo com Bleiker. Os próprios Waltz e Morgenthau, argumenta Bleiker, identificaram
tensões entre o mimético e o estético; ele destaca que Waltz (1979, p. 7-10) chega ao ponto de
dizer que “se ganha poder explicativo quando se afasta da realidade, não ficando próximo a ela”
(apud BLEIKER, 2009, p. 26). Ainda assim, mesmo com essa declaração de Waltz, o Realismo
não lida suficientemente bem com os aspectos estéticos intrínsecos ao seu próprio entendimento
do mundo; o objetivo da ciência social fica sendo acabar com o espaço entre a representação e
o representado, e o mundo perde grande parte de sua complexidade.
Indo além, é por conta das abordagens miméticas que um sentido ferrenhamente estreito
e exclusivo do que realmente seria ciência social emerge nas Relações Internacionais. O foco
exagerado na empiria reduz o alcance das RI, e a primazia que as teorias mainstream dão à
razão, em detrimento das outras faculdades mentais, acaba por ignorar que o domínio da
representação é uma localidade importante da política. Bleiker (p. 28) propõe, por sua vez, que
haja uma reorientação no pensar teórico das RI, a formação de “um modelo de pensamento que
permita fluxos produtivos através de uma variedade de faculdades discordantes”. A ênfase nas
outras faculdades mentais, além da razão, se dá pelo fato de que entendimentos estéticos não
podem ser processados de outra maneira; na realidade, “entendimento estético está baseado no
próprio reconhecimento de que o processo de significação é inerentemente incompleto e
problemático” (BLEIKER, 2009, p. 29).
Tecer todas essas críticas, no entanto, não significa dizer que as Relações Internacionais
evitaram o engajamento com o estético, sendo este trabalho a prova viva disto. São as
5
abordagens pós-modernas/pós-estruturalistas e construtivistas que trazem, mais diretamente, o
debate da representação para as Relações Internacionais. Os pós-modernos enfatizam que a
compreensão que temos dos fatos é indissociável de nossa interpretação e de nosso
relacionamento com eles; “pensar sempre expressa uma vontade de extrair a verdade, um desejo
de controlar e impor ordem a eventos que com frequência são aleatórios e idiossincráticos”
(BLEIKER, 2009, p. 31).
Indo na mesma direção, o Construtivismo também entende que o estudo das relações
internacionais deve ir além das forças materiais, mas não deixa de lado algumas implicações
positivistas sobre o que seria ciência e qual a melhor forma de executá-la. Os construtivistas
acreditam que o mundo é socialmente construído e que seu funcionamento e existência não são
limitados apenas por estruturas materiais. As ideias têm peso importante no Construtivismo, e
a composição imaterial do mundo abre caminho para estudos críticos e para o engajamento com
as práticas de representação.
Não pretendo entrar no escopo da discussão que já existe no âmbito de Estudos Culturais
sobre as diversas interpretações do que constitui, precisamente, a cultura popular. John Storey
(2009) debate seis possíveis significados para o termo através de uma breve revisão da literatura
e de seu uso nos Estudos Culturais, e chega à conclusão que a cultura popular é entendida de
maneira diversa dependendo da abordagem teórica que se utiliza para discuti-la, tendo sempre
um Outro a quem é comparada e contrastada. Para fins deste trabalho, entendo cultura popular
não como o oposto de high culture — a cultura refinada das elites —, nem tampouco a igualo
com cultura de massa — que seria essencialmente comercial e feita com intenções de manipular
a audiência —, mas sim como trabalhos de atividade artística e intelectual que são amplamente
6
distribuídos, que apresentam boa recepção em relação ao público que pretendem atingir e que
possuem fácil acesso para grandes números de pessoas.
É este o caso de Star Trek, por exemplo, de Harry Potter e, afinal de contas, de Avatar:
A Lenda de Aang. A importância de se estudar a intersecção entre cultura popular e as Relações
Internacionais dá-se especialmente pelo grande alcance que tais obras de ficção possuem, mas
não apenas por isso. Trabalhos de ficção são, em última instância, trabalhos de representação
e/ou reimaginação da realidade, e por isto são importantes para a academia das Relações
Internacionais, que pretende entender as dinâmicas que a compõem.
Mas, antes, para ilustrar a importância mais concreta do estudo da cultura popular nas
RI, é útil fazer uma discussão sobre como os assuntos de política internacional interseccionam
a cultura popular. Daniel III e Musgrave (2017) consideram que experiências sintéticas —
definidas como impressões, ideias e pseudo-recordações sobre o mundo derivadas da exposição
a textos narrativos — reforçam, induzem e até mesmo substituem identidades e crenças que
afetam como audiências se comportam no mundo real. Trabalhos de ficção, desta maneira,
informam a audiência sobre o mundo, tornando o universo político mais palatável e
compreensível, ao invés do caos da realidade. Por servirem como fontes de informação e
maneiras de processar conhecimento, fontes de cultura popular efetivamente orientam ou
modificam a forma de atuação das pessoas — inclusive estadistas.
Contudo, não é apenas como fonte de informação para diversas audiências que a cultura
popular torna-se importante nos estudos das Relações Internacionais. Sua circulação,
popularidade e o engajamento do público servem como indicativo de temas que importam para
a audiência, revelando debates significativos, como identidades nacionais e o entendimento que
tal audiência tem de outros povos.
7
Muito embora filmes e outros produtos de cultura popular não sejam necessariamente
feitos pensando no uso que terão para ensinar teorias de RI, “eles geralmente (explícita ou
implicitamente) fazem uso das mesmas suposições meta-teóricas sobre o mundo e a natureza
dos atores que as teorias de RI” (ENGERT; SPENCER, 2009, p. 94). É por isto que cultura
popular pode ser entendida como um espelho do mundo real, mas esta é apenas uma das diversas
formas em que podemos engajar-nos com ela nas Relações Internacionais. Afinal de contas, é
impossível separar hermeticamente cultura de política — o poder é produzido culturalmente,
até mesmo no âmbito da cultura popular.
Weldes (2003) acredita que há duas conexões principais entre cultura popular e política
internacional. A cultura popular ajuda a criar e sustentar as condições para a política global
contemporânea e tem a capacidade de desafiar as fronteiras do senso comum e contestar aquilo
que se tem como certo. Weldes está falando, em seu livro, sobre ficção científica e suas
intersecções com a política internacional; uma de suas preocupações é sobre como as obras de
ficção científica podem ser utilizadas para definir, representar ou constituir a política global
para dirigentes oficiais. Ela considera, também, que “à medida que [a cultura popular] reproduz
o conteúdo e a estrutura de discursos dominantes de política externa, ajuda a produzir
consentimento para a ação estatal e política externa” (WELDES, 2003, p. 7); consideração essa
que conta com a concordância de Neumann e Nexon (2006), de quem tratarei mais à frente. A
ficção científica (e, acredito, a cultura popular), dessa maneira, faz parte, em seu próprio mérito,
dos processos que constituem a política internacional, já que acaba tendo implicações diretas
na produção e reprodução dos fenômenos que marcam e descrevem a política internacional.
Mais importante ainda, pelo menos para este trabalho, é ter a consciência de que a
cultura popular cria e reproduz significados (expressando, promulgando e produzindo discursos
e efeitos ideológicos); por isso e por ser resultado de práticas de representação é que ela deve
ser considerada seriamente em estudos sobre política — até mesmo de política internacional.
Neumann e Nexon (2006) delineiam quatro maneiras diferentes através das quais os
acadêmicos de RI podem dedicar-se ao exame da intersecção entre cultura popular e política
internacional. A primeira delas, que chamam de cultura popular e política, sugere tratar a cultura
popular como as causas e os efeitos dos tipos de processos políticos que são familiares a todos
os estudantes das RI; neste caso, trata-se principalmente de analisar como um artefato da cultura
popular é influenciado por processos políticos ou até mesmo torna-se uma causa deles. Os
autores também chamam a atenção para a importante conexão entre cultura popular e o campo
8
da Economia Política Internacional, principalmente no que concerne copyright, propriedade
intelectual, protecionismo cultural e outros assuntos.
A segunda maneira é batizada de cultura popular como espelho: ela é observada quando
a cultura popular é utilizada para esclarecer diversos conceitos e processos pertinentes às
Relações Internacionais, como é o caso deste trabalho. Cultura popular passa a ser um
instrumento importante porque serve de “deslocamento ontológico” (no original, ontological
displacement) — ou seja, por oferecer abstração e distanciamento do mundo real, demandando
que a audiência abra mão de certas suposições entendidas como naturalizadas e dos interesses
que marcam as interações no mundo real, a cultura popular permite que se ganhe novas
perspectivas e compreensão diferenciada do mundo social.
Nexon e Neumann fazem ainda mais um comentário pertinente sobre o uso da cultura
popular como espelho nas RI:
No que talvez seja a contribuição mais relevante do capítulo de Neumann e Nexon, tem-
se a abordagem que considera que a cultura popular pode ter papel constitutivo na política
9
internacional. Isso acontece porque, às vezes, é mediante a cultura popular que os tomadores
de decisão adquirem informações que conduzirão seu pensamento e determinarão suas ações; a
este caso Neumann e Nexon dão o nome de efeitos determinantes (no original, determining
effects) da cultura popular. Os efeitos informativos (informing effects) vão no mesmo sentido,
à exceção de que, neste caso, a cultura popular apenas fornece conhecimentos difusos que os
tomadores de decisão levam consigo para a discussão de assuntos políticos, mas que não
determinam suas ações.
Com esta seção, espero ter deixado clara a importância que a cultura popular tem para
as Relações Internacionais, e ter enumerado algumas maneiras pelas quais o seu estudo pode
enriquecer nossa academia. A virada estética delineada por Bleiker (2009) é um avanço
importante no campo de estudos, movendo as Relações Internacionais na direção de outras
fontes de conhecimento, que foram negligenciadas por tempo demais e que fornecem
contribuições importantes para a compreensão da realidade. É através da importância das
práticas de representação e da política inerente a elas que a cultura popular é relevante para as
RI, mas nem por isso deve-se deixar de lado o rigor científico.
10
Neumann e Nexon (2006) estruturam bases metodológicas sobre como o estudo da
cultura popular nas RI pode ser executado; Engert e Spencer (2009) observam que trabalhos de
cultura popular constroem seus universos e suas representações com base no mundo real, e
portanto é inevitável que tomem para si alguns pressupostos metateóricos que encontramos nas
teorias de RI. Dito isto, é engajando a cultura popular como espelho da realidade e procurando
enxergar as intersecções entre teoria das Relações Internacionais e Avatar: A Lenda de Aang
que este trabalho prosseguirá.
Meu interesse aqui é avaliar como A:TLA pode ser utilizado, dessa maneira, para
esclarecer e ilustrar diversos pontos da Teoria Construtivista, especialmente o Construtivismo
proposto por Alexander Wendt em A anarquia é o que os Estados fazem dela (2013) e em
Teoria Social da Política Internacional (2014) 7 . Faço uso da teorização de Wendt pela
relevância que o autor tem para o estudo contemporâneo das Relações Internacionais e por
acreditar que ele aborda temas importantes que são frequentemente negligenciados pelas teorias
mainstream: a possibilidade de mudança no Sistema Internacional e o papel das identidades na
ação dos atores.
7
Destaco aqui que citações diretas de ambos os textos não foram traduzidas por mim, já que li as traduções
brasileiras tanto do artigo quanto do livro. Os respectivos tradutores podem ser encontrados nas referências
bibliográficas deste trabalho.
11
3.1.O construtivismo wendtiano.
Antes de prosseguir, é necessário enfatizar que, como bem coloca Zehfuss (2001), o
Construtivismo dentro das Relações Internacionais não é, de maneira alguma, um arcabouço
teórico monolítico e homogêneo. Dentro do guarda-chuva do Construtivismo, encontramos
abordagens diversas, que possuem focos diferentes e que tratam da política internacional de
maneiras distintas. Onuf e Kratochwil, por exemplo, debatem a importância das normas nas
Relações Internacionais, enquanto que Wendt debruça-se mais extensamente sobre o papel das
identidades dos atores.
A teorização de Wendt, por sua vez, vem como uma resposta ao debate proposto por
neoliberais e neorrealistas; o autor oferece um terceiro caminho, uma via media, que seria uma
alternativa às abordagens demasiadamente materialistas das teorias mainstream, ao mesmo
tempo que não é radical como a teoria pós-estruturalista. O neoliberalismo e o neorrealismo são
marcadamente racionalistas, argumenta Wendt (2013), e tratam as identidades e interesses dos
agentes como exógenos ao sistema em que estão inseridos. O foco destas teorias, é, portanto,
como os comportamentos dos atores geram resultados, e essa ênfase faz com que enxerguem
processos e instituições como modificadores de comportamentos, e não de identidades.
12
A partir daí já conseguimos enxergar que a proposta teórica de Wendt é muito diferente
da de Waltz, a quem ele critica mais abertamente em sua obra. Ambos os autores discutem a
estrutura do Sistema Internacional; Waltz divide-a em três dimensões (princípios ordenadores,
princípios de diferenciação e distribuição de capacidades), assumindo que identidades e
interesses são dados e exógenos ao sistema (WENDT, 2013). Isto, de acordo com Wendt, não
dá margem para a predição do comportamento dos Estados, já que tais comportamentos são
guiados por fatores intersubjetivos: “[d]e uma forma mais geral, sem pressupostos acerca da
estrutura de identidades e interesses no sistema, a definição de Waltz da estrutura não pode
predizer o conteúdo ou as dinâmicas da anarquia” (WENDT, 2013, p. 428). A estrutura do
Sistema Internacional, o palco no qual os atores desempenham seus papéis, tem que ser
entendida, dessa maneira, como intrinsecamente cultural, uma vez que é reproduzida pela
interação dos atores.
A ênfase que Wendt dá para a interação entre os atores é importante não apenas para
descrever as dinâmicas do Sistema Internacional, mas também porque é através da interação
que as identidades dos atores são consolidadas. Uma identidade é “uma propriedade de atores
intencionais que gera disposições motivacionais e comportamentais” (WENDT, 2014, p. 272).
Identidades são “entendimentos e expectativas relativamente estáveis da função específica
sobre si próprio” (WENDT, 2013, p. 430) e, dessa maneira, também são relacionais,
intersubjetivas e sistêmicas, porque dependem não apenas do entendimento que os atores
possuem de si mesmos, mas também da maneira que são entendidos por e que entendem os
outros.
13
“uma consciência e uma memória do Self mesmo como um lócus separado de pensamento e
atividade” (WENDT, 2014, p. 273). O Estado, em particular, é diferente por conta da sua
capacidade de cognição no nível do grupo. Por ser uma parte tão constitutiva e intrínseca dos
atores, identidades pessoais e corporativas são necessariamente exógenas à alteridade, e não
dependem da existência de um Outro para se consolidarem.
As identidades de tipo são sustentadas por características intrínsecas aos atores, mas
também têm uma dimensão cultural importante. Esta dimensão pode ser vista à medida que, na
transformação de características individuais em tipos sociais, deve haver necessariamente um
contraponto destes tipos com outros, envolvendo uma dimensão de diferenciação e uma
dimensão relacional entre as diversas identidades. Quando falamos de Estados, Wendt ressalta
que as identidades de tipo fazem referência principalmente aos tipos de regime e formas de
Estado que encontramos na variedade da vida social.
A última das categorias é a da identidade coletiva, que “leva a relação entre o Self e o
Other à sua conclusão lógica, à identificação” (WENDT, 2014, p. 277). O bem-estar do Self
passa a depender do bem-estar do Outro, e os interesses dos atores passam a ser calculados com
base no grupo. A maneira pela qual os atores são tratados por Outros significativos irá fazer
com que aprendam e reforcem certas identidades — e interesses. A forma pela qual o Self é
14
tratado e compreendido por Outros significativos e as alterações que esse movimento implica
na identidade do Self são de grande importância para Wendt e serão discutidas com maior
minúcia mais à frente.
Por enquanto, é necessário que façamos o gancho com outro aspecto importante da
teoria de Wendt: os interesses que, para ele, são dependentes da identidade. “Posto de forma
clara, os interesses são pressupostos pelas identidades por uma simples razão: se eu não sei
quem eu sou, não terei meios de precisar aquilo que desejo” (RICHE, 2015, p. 35). Por isso que
não faz sentido pensar em identidades e interesses de maneira separada; eles são
complementares no exercício de seus papéis, e Wendt defende que se deva fazer um esforço
investigativo a fim de descobrir como eles funcionam em conjunto.
Os interesses podem ser objetivos, aqueles que devem ser satisfeitos para que uma
identidade seja reproduzida, para que seja mantida e continue a sobreviver; ou interesses
subjetivos, que são baseados no que os atores creem que têm de fazer para satisfazer as suas
necessidades de identidade. O que motiva o comportamento dos atores é a satisfação das
necessidades de suas identidades, que se refletem nos seus interesses. Portanto, o alinhamento
entre interesses objetivos e subjetivos é imprescindível para a manutenção das identidades;
“uma incapacidade persistente de compreender e agir sobre a necessidade de identidade
conduzirá à perda dessas identidades (...)” (WENDT, 2014, p. 281).
Como estamos falando de Estados, é possível destacar ainda outro tipo de interesse, que
nasce em função da identidade corporativa dos Estados: o interesse nacional. Já que a identidade
corporativa, por sua vez, é pré-social e não é definida pela interação com outros atores, o
interesse nacional refere-se imediatamente às condições necessárias para a reprodução e
segurança dos Estados. Nesse sentido, o interesse nacional é, por definição, um interesse
objetivo; os Estados definem alguns de seus objetivos subjetivos com base em seus interesses
nacionais. Entender os interesses nacionais dos Estados é importante porque é a partir deles que
é possível compreender o limite da atuação dos Estados em termos de sua política externa e é
evidência que os Estados são estruturas estáveis e regulares, com duração prolongada.
15
Wendt, é resultado de um comportamento reflexivo, consciente e proposital, que surge a partir
da interação do Self com o Outro; o processo, dessa maneira, também merece lugar de destaque:
16
O questionamento que ocorre na segunda fase é o fio condutor para a terceira, de novas
práticas. Estas práticas envolvem modificar a percepção que o Outro tem do Self, uma vez que
mudar a si próprio também envolve mudar as identidades e interesses dos demais, que
sustentam o sistema no qual as interações acontecem. Isto pode ser feito através da prática de
altercasting: na intenção de fazer com que o Outro assuma a identidade desejada, o Self trata-o
como se tal identidade já fizesse parte do Outro (ZEHFUSS, 2006).
Modificar o Outro para modificar o Self deve ser entendido à luz da teoria do espelho
da formação de identidade: a “identidade do “outro” é um reflexo das práticas do “eu”. Ao
mudar estas práticas, o “eu” começa a mudar a concepção que o “outro” tem de si próprio”
(WENDT, 2013, p. 466), na esperança de que o Outro compreenda e apoie a mudança que o
Self está almejando realizar. É aí que chegamos na quarta e última fase, que é a reciprocidade
do Outro, que deve encorajar a continuidade das novas práticas do Self para que a mudança se
concretize.
17
O mundo está em completa desarmonia. Apenas o Avatar, aquele que domina todos os
quatro elementos e é a ponte entre o mundo físico e espiritual pode restaurar o equilíbrio —
mas ele está desaparecido. A série começa com dois irmãos da Tribo da Água do Sul, Sokka e
Katara, encontrando um menino congelado num iceberg, um menino dominador de ar — Aang,
o Avatar perdido. Ao mesmo tempo, o príncipe exilado da Nação do Fogo, Zuko, procura
desesperadamente a localização do Avatar, para que possa restaurar sua honra, voltar para casa
e finalmente ter a aprovação do pai.
Figuras 1 e 2 – A abertura de A:TLA retratada em The Promise introduz aos leitores as principais
características do universo da série.
O resto da série se desenrola a partir dessa premissa. Quando descobrem que Aang é o
Avatar, Sokka e Katara tomam para si a missão de protegê-lo e de se certificarem que ele
receberá treinamento apropriado. É o dever de Aang, afinal de contas, derrotar o Senhor do
Fogo Ozai e colocar fim à Guerra dos Cem Anos, restaurando as nações às suas fronteiras
originais e fomentando a paz no mundo. Aang, Katara e Sokka viajam pelo mundo procurando
professores de dominação dos elementos para Aang e descobrimos, junto com o novo Avatar,
18
o que significa seu título, suas habilidades e sua missão. Desaparecido há cem anos, há poucas
pessoas vivas que se lembram do tempo do Avatar, e Aang nunca recebeu nenhuma instrução
formal sobre seu papel; por isso, além de ter de aprender a dominar outros três elementos além
do ar, Aang ainda tem que descobrir, sozinho, como lidar com sua espiritualidade, suas
responsabilidades e suas vidas passadas.
Isso tudo, é claro, enquanto foge do implacável Zuko, que quer, a todo custo, capturá-
lo. Mas o enredo não é tão simples assim: Katara tem que lidar com o sexismo da Tribo da
Água do Norte enquanto procuram um professor de dominação para ela e para Aang; o regime
totalitário de Ba Sing Se, a capital do Reino da Terra, conta com uma polícia secreta que
esconde a realidade da Guerra dos Cem Anos da nobreza e do próprio Rei da Terra; Zuko luta
consigo mesmo e resolve abandonar sua cruzada obsessiva atrás do Avatar 8.
O importante para fins desse trabalho, no entanto, reside na centralidade das identidades
para o mundo de A:TLA e também na figura do príncipe Zuko da Nação do Fogo, que acaba
por renegar o projeto megalomaníaco do seu pai de conquista mundial e põe-se ao serviço de
Aang, para ensiná-lo a dominação de fogo. Meu argumento é o seguinte: através da jornada de
Zuko e de desenvolvimento de seu personagem, conseguimos enxergar a possibilidade de
mudança no Sistema Internacional que Wendt delineia. Demonstro meu ponto a seguir.
O fogo é o elemento do poder. O povo da Nação do Fogo tem desejo, vontade, energia
e ímpeto para conseguir o que quer. A terra é o elemento de substância. O povo do
Reino da Terra é variado e forte; é persistente e resistente. O ar é o elemento de
liberdade. Os Nômades do Ar se desprendem das preocupações mundanas e
encontram paz e liberdade. E parece também que eles têm um ótimo senso de humor.
A água é o elemento da mudança. O povo da Tribo da Água é capaz de se adaptar a
muitas coisas. Eles têm um profundo sentido de comunidade e amor que os mantêm
unidos para enfrentar tudo (TRABALHO... 2006).
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Alerta de spoiler: Aang consegue, no final das contas, derrotar o Senhor do Fogo Ozai, através de uma
aliança entre todas as nações e com um pouco de ajuda espiritual de uma criatura mística e sábia. Com a derrota
de Ozai, cabe a Aang e seus amigos a tarefa de reestruturar o mundo e garantir a paz. O resultado de seus esforços
pode ser observado na série spin-off, The Legend of Korra, que segue a Avatar sucessora de Aang.
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À medida que Wendt (2013, 2014) compreende identidades como uma característica de
atores munidos de intencionalidade, que orientam suas motivações e comportamentos, além de
serem entendimentos estáveis sobre quais as funções do Self, fica claro que dizer que alguém é
do Reino da Terra ou da Nação do Fogo não é apenas uma declaração neutra, atestando a
geografia do nascimento da pessoa. As nações apresentam identidades de papéis que
correspondem ao elemento que incorporam: a Nação do Fogo, cujo elemento é caracterizado
pelo poder, é a potência tecnológica do universo de A:TLA; os Nômades do Ar eram guias
espirituais, antes de serem dizimados.
Mais importante ainda é destacar que essas identidades não são importantes apenas para
o Self e para o senso individual das pessoas que o compõem. Como as identidades são
relacionais e acabarão por orientar a maneira pela qual os atores interagem e compreendem o
mundo, ter determinada origem irá influenciar enormemente o tratamento que o Self recebe do
Outro. É possível observar isso com maior clareza na segunda metade da terceira temporada de
A:TLA, em que Zuko abandona o palácio, depois de confrontar o pai, e decide unir-se ao Avatar,
para colocar fim à tirania do Senhor do Fogo. Nenhum dos companheiros de Aang confia nele,
de início, à exceção de Toph, que é um detector de mentiras humano e consegue sentir a
sinceridade nele.
Meu ponto é que as identidades, transformadas desde o tempo de Aang por cem anos de
guerra, delineiam e são delineadas pelas interações dos atores por todo o transcorrer do desenho
animado. Elas são de importância considerável para a condução do enredo, demonstrando que
sim, os entendimentos intersubjetivos e compartilhados que os atores possuem de si e dos outros
são responsáveis por informar e guiar os atores em suas interpretações e ações.
Enfatizei anteriormente que a mudança estrutural para Wendt começa com uma
mudança nos atores antes de ser transmitida para a estrutura. Para ilustrar melhor este processo,
utilizo o desenvolvimento de personagem do príncipe Zuko, que começa o desenho sendo um
antagonista e termina-o como um dos principais mocinhos, enfrentando a tirania e ajudando
Aang a cumprir o seu destino. Como Wendt possui uma compreensão antropomórfica dos
Estados — no sentido de que possuem intenções, interesses e anseios —, parece apropriado
entender a transformação que Zuko sofre durante três temporadas como uma mudança de
identidades, interesses e comportamentos nos mesmos termos da possibilidade de mudança que
Wendt sugere em sua teoria.
20
Figura 3 – Os protagonistas de A:TLA. Em sentido horário: Toph, Sokka, Katara, Aang e Zuko.
A mudança estrutural nasce da prática reflexiva dos atores. Quando Zuko é expulso da
Nação do Fogo por ousar contestar um general em um Conselho de Guerra, o príncipe não
incorre imediatamente na reavaliação de suas identidades. Isso acontece apenas no início da
segunda temporada do desenho, quando Azula, sua irmã, é enviada para capturá-lo e levá-lo de
volta à Nação do Fogo. Perceber que seu pai realmente não o deseja de volta atende ao primeiro
pré-requisito que Wendt (2013) enumera como necessário para que os atores se engajem na
autorreflexão: Zuko não é mais o príncipe exilado da Nação do Fogo, ele agora é um traidor
foragido; é imprescindível que ele comece a pensar em si mesmo em diferentes termos.
Como expus algumas páginas atrás, o processo de transformação do sistema passa por
quatro estágios. No primeiro, o consenso que sustenta os comprometimentos com a identidade
deve ser rompido. Isto aconteceu não apenas porque Zuko sofreu choques muito pessoais vindos
da própria família, com irmã e pai desprezando-o e querendo vê-lo derrotado, mas também
pelas diversas situações vividas enquanto estava no exílio, lidando com o preconceito das outras
pessoas com os dominadores de fogo e vivendo muitas vezes à míngua.
A quarta e última fase é ser recompensado pelo Outro pelas mudanças, permitindo que
novos entendimentos surjam e se consolidem conforme a interação avança. Não demora para
que Zuko conquiste a amizade dos companheiros de Aang, que passam a tratá-lo como amigo.
Zuko não é tão bem-sucedido dessa vez, uma indicação de que, como Wendt argumenta,
a mudança estrutural é difícil, já que depende de transformações profundas, identitárias e até
mesmo constitutivas. Romper com um padrão e instaurar outro é laborioso, e é precisamente a
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falha em reconhecer que a mudança é legítima e real que presenciamos em The Promise (2013),
a história em quadrinhos que imediatamente sucede, cronologicamente, o final de A:TLA. O
Reino da Terra desconfia do real comprometimento de Zuko — e, por consequência, do
comprometimento da Nação do Fogo — com a paz e com a restauração do equilíbrio no mundo
pós-guerra, essa desconfiança resultando mesmo num embate bélico entre as nações.
Figura 4 – O Rei da Terra desconfia do comprometimento de Zuko com a paz do mundo pós-guerra.
Encerro aqui minha discussão da correspondência que Avatar: A Lenda de Aang tem
com diversos aspectos do construtivismo wendtiano. Acredito que ilustrar a dinâmica que a
teoria propõe nestes termos é um exercício válido que torna a teoria mais compreensível, e que
este esforço demonstre apenas uma das maneiras pelas quais é útil o engajamento da cultura
popular com as Relações Internacionais.
4. Considerações finais.
Este trabalho foi conduzido através da aliança de dois campos que, à primeira vista,
podem não ter uma conexão tão óbvia: teorias de Relações Internacionais e cultura popular.
Como espero ter deixado claro, trazer discussões sobre cultura popular para dentro da academia
de RI é extremamente benéfico, enriquecendo e diversificando a produção de conhecimento e
oferecendo insights importantes que muitas vezes ficam perdidos diante de ênfases materialistas.
A cultura popular, afinal de contas, é apenas um reflexo das dinâmicas que compõem a
realidade. Ao engajar-se em práticas representacionais, a cultura popular fala, ela mesma, de
política, como bem coloca Bleiker (2009). Se as Teorias de RI têm a intenção de engajarem-se
e explicarem a realidade, creio que também devam levar em consideração a produção e
reprodução de artefatos de cultura popular, que acabam por refletir a maneira pela qual seus
criadores (e, muitas vezes, as sociedades nas quais os criadores estão inseridos) enxergam e
compreendem a realidade.
Além disso, a cultura popular pode ser um instrumento de ensino útil, à medida que
pode ser utilizada para demonstrar e elucidar diferentes aspectos de diferentes teorias,
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A série original de A:TLA já introduz as dinâmicas complexas que estão presentes em sociedades que
passaram por processos de colonização, mas é durante as histórias em quadrinhos e na série spin-off que se passa
anos depois que as implicações do colonialismo da Nação do Fogo ficam mais claras e são exploradas mais
profundamente. São abordadas questões de miscigenação, exploração da força de trabalho e do meio-ambiente,
violência colonial, resistência e autoritarismo. Debruçar-se sobre as práticas coloniais representadas pelo desenho
e, especialmente, pela história em quadrinhos The Promise, escrita e desenhada por autores de origem asiática que
experimentaram as consequências do colonialismo em primeira mão, é um empreendimento útil e interessante à
medida que práticas de representação refletem as dinâmicas do mundo real e estão imbuídas de política, como
coloca a virada estética.
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justamente porque produtos de cultura popular não estão separados do ambiente em que são
elaborados. Tratei especificamente do Construtivismo, e, mais precisamente, do construtivismo
wendtiano, porque sua importância para as RI apenas cresce, e porque acredito que seus
pressupostos podem ser muito bem engajados com cultura popular, que apoia-se grandemente
na construção de identidades e desempenho de papéis para transmitir suas histórias.
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