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Foras-da-História

Off-History

Leif Grünewald1

DOI: http://dx.doi.org/10.20435/tellus.vi44.750

Resumo: Esse texto, ao debruçar-se sobre um dispositivo técnico elaborado


pelo banco mundial, que dispõe sobre projetos de desenvolvimento para povos
indígenas e da África Subsaariana, busca examinar que espécie de juízo estaria
posto ao se pensar as noções de história e de diferença em termos daquilo que
lhe faltaria a essas populações quando comparadas ao nosso próprio regime
de existência. Assim, ao se indagar sobre o que se encontra em questão ao se
pensar esses coletivos como gente “fora da história”, esse texto busca retornar
à alguma discussão em antropologia sobre a noção de história, bem como ao
material etnográfico sobre os Ayoreo, um povo falante de uma língua Zamuco
que habita a região do Chaco Paraguaio.
Palavras-chave: história; banco mundial; desenvolvimento; povos indígenas.
Abstract: By looking at a technical device developed by the world bank, that
provides a framework for development projects for indigenous peoples and
Sub-Saharan Africa, this paper seeks to examine what kind of judgment would
be put when thinking about the notions of history and difference in terms of
what these populations lack when compared to our own regime of existence.
So, by inquiring what is at stake when thinking about these collectives as people
“out of history”, this paper aims to return to some anthropological scholarship
about the notion of history, as well as the ethnographic material about the
Ayoreo, a Zamucoan speaking group that lives in Paraguayan Chaco.
Keywords: history; the world bank; development; indigenous peoples.

1 INTRODUÇÃO

Ponho-me a escrever esse texto num fim de agosto de 2020, num momento
da história em que tudo que efetivamente acontece nos dá a sensação de “estar-
mos presos num filme”, como se diz usualmente. Como se fossemos um bando de
atores amadores e muito pouco talentosos recém expulsos de um Actors Studio1,

1 O Actors Studio é uma associação de atores profissionais, diretores de teatro e roteiristas situado

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temos a impressão de que já há alguns meses apenas assistimos da coxia um


par de cenas. Na primeira, ocorrida num plano maior e “grande-angular”, vê-se
encenar os atos absolutamente perversos e descabidos da figura aberrante de
uma “máfia-de-estado”2. Como num tipo de pastiche tupiniquim de um Vampiro
de Düsseldorf, assistimos, dos bastidores, um misterioso capitão e sua trupe que
deixam um país inteiro em pânico com seus atos de desmonte e cerceamento
de autonomia das instituições federais de ensino superior, de violação e desarti-
culação de políticas ambientais e de etnocídio enquanto “política púb(l)ica” para
coletivos indígenas no Brasil (que, em tal contexto, em nada são parte do país).
Na mesma cena, vemos ainda que quando as investigações começam a atrapa-
lhar os negócios da máfia local e dos numerados filhos do capitão, os próprios
criminosos se juntam para tentar esconder toda a família do capitão antes de que
a polícia os encontre.
Na outra cena, que quase nos faz termos a sensação de que já a assistimos
em 2008 em Ensaio sobre a Cegueira, testemunhamos a cena distópica de uma
população inteira atingida por uma epidemia viral que tanto as impede gravemente
de respirar quanto as transforma em vítimas da cegueira moral de um governante
inclemente e narcisista que faz veicular constantemente enquanto propaganda
de estado a tese de que sua pretensa capacidade atlética faria com que a doença
viral se manifestasse apenas como um simples resfriado, bem como afirma aos
quatro ventos ter sido o único em todo mundo a ter descoberto a panaceia que
poderia curar a epidemia viral.
De minha parte, me tem sido extremamente difícil ao longo dos últimos
18 meses ser um expectador dessas duas cenas sem me recordar cotidiana-
mente do que Deleuze (1983) observou nos anos de 1980 acerca da produção

em Manhattan, na cidade de Nova Iorque. Fundado em 1947 por Elia Kazan, Cheryl Crawford
e Robert Lewis, o Studio é conhecido por seu trabalho de ensino e refinamento da arte de
representação, conseguido através de uma técnica conhecida como "o método", desenvolvi-
da nos anos 30 pelos artistas ligados ao Group Theater, baseado em leituras particulares das
proposições do Konstantin Stanislavski. Ver em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Actors_Studio.
2 Trago à baila a imagem de uma “máfia-de-estado” apenas para os fins da elaboração desse texto
e de seu argumento principal, tendo em mente um tipo complexo de agenciamento promo-
vido pelo acoplamento de um regime quase-totalitário com uma organização criminosa cujas
atividades parecem estar sempre submetidas a uma direção de membros que ocorre, aparen-
temente, sempre de forma oculta e que repousa numa estratégia de infiltração na sociedade
civil e instituições.

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cinematográfica no período pós-guerra e sobre o que deu o nome de “crise da


imagem-ação” para fazer referência ao desfazimento dos sistemas de ações,
percepções e afecções dos quais o cinema se alimentara até então. Deleuze diria
naquela ocasião que em toda parte os clichês que constituíam um determinado
tipo de ação haviam ficado comprometidos, ao ponto de o realismo (com toda sua
violência que permanecia sendo vinculada aos encadeamentos sensório-motores
do clichê) não dar conta de um novo estado de coisas. Carecia-se de novos signos.
De uma nova espécie de imagem que não remetesse a uma situação globalizante,
mas dispersiva, e que a perambulação, a contínua ida e vinda, substituiu a ação
e o clichê.
Tenho a impressão de que minha relembrança desse comentário de Deleuze
provenha exatamente da sensação muito íntima de que desde as eleições de 2018
que culminaram na fatídica eleição de Jair Bolsonaro a linha que prolongava os
acontecimentos uns nos outros (e que garantia as junções das porções de espaço)
tornou-se deliberadamente fraca e se rompeu. As formas e planos se compro-
meteram e a realidade se tornou lacunar e dispersiva, de modo que o acaso se
transformou no único fio condutor da vida. Ao longo dos meses, os acontecimen-
tos tardaram e se perderam num novo tempo que parece estar completamente
morto e estéril: ora eles parecem chegar rápido demais, ora eles simplesmente
aparentam não pertencerem aqueles a quem acontecem. A sensação de estar há
meses perambulando, por necessidade, interior ou exterior, de fuga – como se
fosse possível desfazer tanto os espaços, quanto a história, as intrigas ou a ação.
Mas o que cimenta tudo isso? Os clichês anônimos habituais dessa época
que circulam no mundo exterior, mas também penetram em muitos, constituindo
seu mundo interior de maneira que cada um dos apoiadores do governo parece se
encontrar repleto de clichês psíquicos dentro de si, por meio dos quais se pensa e
se sente, sendo eles próprios um clichê entre os outros no mundo que os cercam.
E por que há quem aceite o que parece tão intolerável como o governo Bolsonaro?
As pessoas não o aceitariam se as mesmas razões que elas o impunham de fora
nelas mesmas não se insinuassem para as fazer aderir de dentro.
Em tal contexto de organização da miséria interior e exterior – da qual nada
parece, por ora, poder nos salvar diante de toda potência do falso em que todas as
imagens se tornam clichês do perverso- acabei por me ver perambulando durante

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o período de confinamento provocado pela pandemia de COVID-19 entre uma aba


e outra do Chrome e ao encontro de uma pequena nota técnica emitida pelo Banco
Mundial (BM) denominada de Environmental and Social Standards 7 (ESS7).
Sobre ela, direi desde já que se trata de um dispositivo elaborado ao longo
dos anos de 2012 a 2016 no contexto de extensa revisão, atualização e consoli-
dação das políticas de salvaguarda ambientais e sociais do BM. Após três fases
de revisão das políticas de salvaguardas mediada por consulta pública a povos
indígenas (descritas como tentativas de aumentar o nível de participação dessas
populações, acolher suas demandas e estreitar o relacionamento entre o BM e
povos indígenas), a direção executiva do BM aprovou em 04 de agosto de 2016
uma nova estrutura socioambiental (Environmental and Social Framework) que
expandiu as proteções para povos e territórios através de projetos de investimento
financiados pelo BM e introduziu no quadro da política do banco o princípio Free,
Prior and Informed Consent (FPIC). No escopo desse trabalho de revisão, o FPIC
passa a ser um direito específico que (1) reconhece o direito de auto-determinação
de povos indígenas sobre as decisões que afetam a si próprios e a seus territórios;
e (2) provê orientação sobre populações indígenas vivendo em áreas urbanas ou
em situação de isolamento voluntário.
Mas vale a pena notar outro traço da nota técnica ESS7 que me pareceu
ter um lugar importante no funcionamento desse dispositivo ao expressar uma
certa lógica sob a qual ele foi concebido. Aqueles que, como eu, também não se
encontram familiarizados com o linguajar acronímico empregado pelo pessoal do
Banco Mundial, talvez ainda não saibam que a nota técnica ESS7 é igualmente
definida como uma contribuição para o desenvolvimento sustentável e a redução
da pobreza ao visar assegurar que os projetos apoiados pelo Banco Mundial fomen-
tem tanto quanto possível a participação de pessoas de coletivos ameríndios e da
África Sub-Saariana. Trata-se, como pode-se ler no documento que deu origem a
ela, de um instrumento que busca fomentar processos de desenvolvimento que
não ameacem o bem-estar e as identidades culturais de um grupo de pessoas
classificadas como “comunidades locais historicamente mal-servidas” (Historically
Underserved Traditional Local Communities).
Pois deve-se indagar: por que é que se classificou um conjunto de comuni-
dades locais como “historicamente mal-servidas”? Penso ser apropriado recordar,

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antes de tudo, duas coisas. A primeira, é que segundo o que se dispõe nessa
nota técnica, emprega-se o termo “historicamente mal-servidas” para designar
coletivos sociais distintos que possuem regimes de produção de conhecimento
sobre si e sobre o mundo específicos. São eles caracterizados, acompanhando a
definição que Banco Mundial tem atribuído aos povos indígenas há pelo menos
duas décadas, como aqueles que possuem instituições econômicas, sociais e polí-
ticas que não operam pelos mesmos termos que àquelas de um mundo ocidental,
euro-americano, etc., por encontrarem-se vinculadas a um território tradicional e
ao emprego de uma língua específica que não coincide com a língua oficial pela
qual opera o Estado. A outra é que ao considerar que as pessoas desses coletivos
possuem identidades e aspirações distintas daquelas que se encontram associa-
das a modos “maiores”3 de existência, esse termo expressa um tipo holista de
conceito que faz articular a noção de território à ideia de um “modo tradicional
de existência”.
Assim sendo, aqueles classificados sob o termo “comunidades locais his-
toricamente mal-servidas” figurariam como particularmente vulneráveis num
cenário de transformação e/ou degradação dos recursos disponíveis num deter-
minado território tradicional. Ademais, através do mesmo dispositivo técnico ESS7
reconhece-se que enquanto é perfeitamente possível que projetos de desenvolvi-
mento podem realmente minar o uso de uma língua, práticas culturais, arranjos
institucionais ou algum conjunto de práticas que compõem um determinado modo
tradicional de existência, esses mesmos projetos podem fomentar a criação de
oportunidades importantes para esses coletivos, tais como o acesso a escolas,
a serviços públicos de saúde, ou a outros mecanismos que podem melhorar as
condições de seus mundos-vividos.
Pois bem. Não pretendo levantar aqui nenhum questionamento sobre a
competência técnica da equipe do Banco Mundial em produzir algum dispositivo
técnico que verse sobre coletivos extramodernos. Ela, sem dúvida, deve existir e se
fazer manifesta nos próprios efeitos que este dispositivo é capaz de causar. Porém,
o que almejo colocar em questão é que espécie de juízo parece estar posto ao se

3
Emprego o termo “maior” no sentido proposto por Gilles Deleuze ao sugerir que “maior” e
“menor” não são dados ou características atribuíveis a textos e autores; mas sim operações
sob as quais não há divisão rígida, nem maniqueísmo.

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pensar a diferença em termos daquilo que lhe falta quando comparada ao nosso
próprio regime de existência. Em outras palavras, gostaria de nortear o restante
de minha intervenção pela seguinte pergunta: o que se encontra em questão ao
se pensar esses coletivos extramodernos como gente “fora da história”? Para
responde-la, deverei retornar à alguma discussão em antropologia sobre a noção
de história, bem como ao material etnográfico de que disponho sobre os Ayoreo,
um povo falante de uma língua Zamuco que habita a região do Chaco Paraguaio.

2 FORAS-DA-HISTÓRIA

Estou convencido de que a leitora e o leitor se recordarão de uma certa


imagem atribuída aos povos indígenas habitantes das Terras Baixas da América
do Sul reiteradamente. Com alguma frequência retratou-se as pessoas desses
coletivos como “gente que parou no tempo”, reconhecível por sua ligeira incapa-
cidade de contraefetuar as mudanças e a passagem do tempo como “história”.
Costumeiramente olha-se para os povos indígenas, conforme Carlos Fausto e
Michael Heckenberger (2007) bem observaram, como nossos “ancestrais con-
temporâneos”, representantes de um passado e de um modo de vida dito ter
sido, noutro momento, comum a história humana. De tal perspectiva, olha-se
para os povos indígenas como se fossem gente que, por sorte ou por desgraça,
fosse “alheia a mudança”, reproduzindo a si próprios de forma idêntica ao longo
do tempo, até o momento de um tipo de “choque abrupto” com a modernidade.
Ora, tudo isso pode predominar na mentalidade popular e oferece um certo
retrato racista e etnocêntrico que adorna a imagem de algum pensamento que
olha para essas populações como quem as vê do exterior. Mas não se pode sus-
tentar, frise-se, tal imagem primitivista frequentemente atribuída às populações
indígenas sul-americanas dados os avanços recentes em pesquisa histórica e etno-
gráfica nessa região. Como Fausto e Heckenberger (2007) cuidaram igualmente de
apontar, algo como uma “revolução temporal” está em curso, expressa num novo
olhar para o continente que não apenas antecipa a data de ocupação das Américas,
mas faz acelerar o ritmo de sua diversificação e complexificação, deixando cada
vez mais cristalina a ideia de que as sociedades indígenas na Amazônia sempre
estiveram em constante e intensa mudança ao longo de pelo menos os últimos
2000 anos – o que certamente acelerou-se depois de 1492, após a chegada das

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caravelas de Colombo e catástrofe demográfica e a emergência de novas formas


sociais que tal “mau-encontro” (cf. CLASTRES, 2004) provocou. Tem sido assim
expresso tanto pela vitalidade da pesquisa contemporânea sobre a história de
povos indígenas quanto pela possibilidade de síntese comparativa de um vasto
material etnográfico que tem cada vez mais incorporado perspectivas diacrônicas
e dado vistas a uma microhistória local que nem perde em densidade quando
comparada com alguma história local euro-americana nem deixa de expor o di-
namismo até então inconcebível das sociedades dessa região.
Escrever, porém, sobre a relação entre história e povos indígenas implica re-
tornar à formulação que talvez seja a mais famosa sobre a pretensa ahistoricidade
dos povos indígenas e recompor alguns traços do desenho da distinção proposta
por Lévi-Strauss (1962), em La pensée sauvage, entre sociedades “quentes” e
sociedades “frias”, separando, nesse movimento, os povos “com história” daque-
les “sem história”. Nestes dois pares de oposição (quente: frio/com história: sem
história) coube a caracterização, à qual Overing (1995) se dirigiu, de que enquanto
aquelas classificadas como “frias” faziam subordinar à história ao sistema e à estru-
tura, as sociedades categorizadas como “quentes” (e históricas) se caracterizariam
pela crença na eficácia do progresso e na avidez pela mudança. Assim, ali se pode
sugerir que as “sociedades frias” fariam coexistir um regime mítico “atemporal” e
o presente, donde tal apontamento lévi-straussiano de “atemporalidade” indicaria,
à lá Marx, um certo tipo de vontade de “eliminação da história”.
Assim pavimentava-se um caminho para futuras discussões como a elabora-
da por Marcio Goldman (1999) acerca da relação entre Lévi-Strauss e os sentidos
da história, em que esse autor observou no que se refere à história, Lévi-Strauss
ao retomar os efeitos que a experiência da antropologia pode ter sobre o tema,
ampliou seus efeitos fazendo com que passassem a dar conta de funcionar como
uma crítica de determinados pressupostos arraigados no pensamento ocidental.
Nele, um pressuposto como a história exerceu, como Goldman observou, um certo
imperialismo alicerçado na crença de que a forma exclusiva de compreensão dos
fatos humanos passa inevitavelmente pela recomposição linear do processo que
fez com que chegassem a ser como são.
Em tal ambiente marcado pelo imperialismo da história constitui-se, ainda,
outras coisas. Como é de se observar, a própria antropologia constitui-se ali, no

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final do século XIX, quando acabou por transpor para seu interior, praticamente
desde o momento em que se constituiu, o debate entre o método histórico e
o método sociológico, a ponto de não ser difícil de se distinguir na história do
pensamento antropológico, como Goldman cuidou de observar, aqueles que
ocupam uma posição “historicista” daqueles que, por sua parte, chegaram a ser
considerados “inimigos da história”.
A sério, o próprio Lévi-Strauss chamou a atenção desde o fim dos anos de
1940 (mas mais particularmente no início dos anos de 1960 já nos últimos dois
capítulos de La pensée sauvage) que a própria experiência da Antropologia po-
deria ser utilizada para elaborar uma forte crítica ao imperialismo da história no
pensamento ocidental. Marcio Goldman (1999) faz recordar que o primeiro passo
dessa crítica generalizada foi explicitar a polissemia do termo ao enfatizar que
por história podia-se entender ao menos três coisas distintas: a historicidade ou
“história dos homens”, a “história dos historiadores”, e a “filosofia da história”. O
problema posto então para Lévi-Strauss com relação a história se colocaria contra
a ideia de que a história ocuparia algum lugar privilegiado e exerceria qualquer
papel definidor na própria humanidade das pessoas humanas. Assim, para Lévi-
Strauss, o conhecimento produzido por uma via história seria tão esquemático
quanto qualquer outro. No entanto, o conhecimento produzido por uma via antro-
pológica, ao buscar adotar uma perspectiva estrangeira a qualquer sociedade em
particular ao voltar-se para o inconsciente, acabaria por produzir um saber mais
geral que aquele produzido pela história. Nesse caso, portanto, se boa parte do
problema posto por Lévi-Strauss residiria justamente na maneira de se conceber
a história em seu “primeiro modo” – a história concebida enquanto historicidade,
a novidade introduzida por ele diria respeito às formas diferenciais de se pensar
a historicidade. Pois, ao final, conforme o próprio Lévi-Strauss (1952) já apontava
uma década antes da publicação de La pensée sauvage, por ocasião da publicação
de Race et histoire, “a história não é, pois, nunca A história, mas a história-para”
A percepção lévi-straussiana de que as populações das terras baixas da
América do Sul não investiriam, necessariamente, num modo de historicidade que
valorizasse o acúmulo e o progresso tornou-se um predicado importante no que
discurso antropológico que se produziu acerca dos efeitos da passagem do tempo
nos mundos ameríndios. De fato, conforme Overing (1995) argumentou para o
caso da etnografia Piaroa, se poderia atribuir um certo caráter “devolucionista” à

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uma noção Piaroa de história. Isso porque, de acordo com o que Joanna Overing
observou a partir da etnografia Pìaroa, na história das pessoas desse povo todos
as formas existentes (inclusive os próprios Piaroa) perderam, ao fim do tempo de
origem, muitos dos poderes tecnológicos que haviam até então criado e adqui-
rido. Segundo a mesma descrição etnográfica narra-se ainda que de acordo com
os ruwatu (os líderes/especialistas) Piaroa a perda dessas mesmas capacidades
agentivas produziu um efeito positivo no desenvolvimento último da socialidade
humana.
A descrição dá vistas novamente à tópica que sugere que enquanto nossa his-
toricidade tende a associar a história social ao desenvolvimento tecnológico, iden-
tificando e classificando este acoplamento como “progresso”. Consequentemente,
segundo Overing (1995), a associação em particular que conectam a historicidade
ao progresso social e tecnológico, a operação de julgamento de conceber aqueles
que não compartilham do mesmo sentido de historicidade que nós (que é assunto
apenas de nossa história) como pertencentes a sociedades “sem-história”. E desse
modo, o fato de que poderíamos ou não sugerir que as populações indígenas da
América do Sul atentam-se a história é unicamente dependente da definição de
história que alguém adota (a nossa ou a deles).

3 VARIAÇÕES

Agora diante de tal questão, penso que é realmente de se reconhecer que


ouve, por felicidade, quem argumentasse com fineza de atenção, como fizeram
Marshall Sahlins e Jean-Pierre Vernant, por exemplo, cada um à sua maneira,
em favor da ideia de que diante da possível relação entre “história” e “cultura”,
diferentes ordens culturais possuiriam diferentes práticas históricas, de maneira
que, ao final, tudo poderia ser resumido ao simples fato de que diferentes culturas
fossem dotadas de diferentes historicidades, fazendo da história algo como um
objeto folheado absolutamente complexo.
De minha parte, porém, gostaria de me debruçar nas páginas que me res-
tam, antes de encerrar mesmo esse texto, sobre uma espécie de dobra desse
“folheamento” da história e sugerir que no caso dos mundos ameríndios toda
a questão não se resume a redução do problema a ideia de que cada ‘cultura’
impõe um olhar distinto sobre a passagem do tempo e tal variação culmina em

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diferentes maneiras de se conceber a história. Ainda que não penso que haja
nenhum problema grave em se pensar assim, gostaria de sugerir, alternativa-
mente, que, como Lévi-Strauss bem apontou, o problema que se passa para a
história é o mesmo que parece se passar para a antropologia. O que quero dizer
com isso é que tal como a Antropologia, tomada enquanto disciplina acadêmica
comprometida com a atividade de descrever diferentes representações “cultu-
rais” humanas sobre uma natureza humana e não-humana, a história pensada
nesses termos acaba por se ater apenas a comparação de si própria (alimentada
por um repertório conceitual derivado de uma metafísica ocidental) com outras
histórias “estrangeiras” que podem conter um conjunto completamente distintos
de pressupostos conceituais.
Uma primeira hipótese elaborada diante de tudo isso seria supor que, nova-
mente, se poderia passar para a história o mesmo que se passa para a Antropologia.
Pois se a Antropologia alterada pelos efeitos daquilo que recebeu o nome nesse
campo disciplinar de “virada ontológica” se engajaria, conforme Viveiros de Castro
(2010) fez notar, com a comparação de linguagens conceituais sem pressupor um
conceito independente que servisse bem como base de comparação, mas que
fosse exterior ao domínio ontológico cuja metafísica não alicerçou sua elaboração,
o mesmo se poderia esperar da história: que cada história se torna-se apreensível
apenas como variações contínuas e contingentes umas das outras, percorrendo
os diferentes objetos que nomeamos normalmente de culturas, sociedades, cos-
mologias ou tradições intelectuais.
Mas me parece haver ainda outra. Uma segunda hipótese que se alimenta
parcialmente de descrições como a oferecida Joanna Overing a respeito de uma
ideia Piaroa de história, mas, com maior intensidade, de meu próprio material
etnográfico (GRÜNEWALD, 2015) sobre os Ayoreo, um povo falante de uma língua
Zamuco que habita a região do Chaco Paraguaio com quem convivi mais intensa-
mente durante os anos de 2012 a 2014.
Antes de elaborá-la, gostaria de oferecer a leitora e ao leitor algum “fir-
mamento” – justamente o mesmo de onde irei partir ao encontro da segunda
hipótese acerca de uma ideia de história.
Numa das noites que passei na aldeia Tiogai, localizada na margem direita do
alto rio Paraguay, na altura da cidade brasileira de Porto Murtinho, fiz a seguinte

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pergunta ao meu amigo Enrique, que naquele tempo era o chefe da aldeia: “Há
uma história de como os Ayoreo surgiram nesse mundo?”. Enrique, sem hesitação,
respondera o seguinte, após ter replicado a pergunta a seus pais, que sentavam
próximo: “Nós sabemos de dois tipos. Há umpemejá, que dizemos ser uma terra
antiga onde tudo começou. Foi ali que Agayéguede passou a viver com os antigos
Ayoreo. Ele era um antigo capitão, eduguéjnai, e dali foram separados todos os
indígenas. A norte, sul, leste...”.
Minha suspeição inicial ao ouvir Enrique era a de que Agayéguede fosse
talvez um dos magníficos chefes/guerreiros Ayoreo, protagonistas das histórias
exuberantes que tanto gostam de contar os Ayoreo sobre um passado que nunca
foi presente para a maioria das pessoas que vive atualmente em Tiogai. Mas o que
eu viria a descobrir algum tempo depois é que eu estava duplamente equivocado.
Primeiro porque Agayéguede era sim reputado ter sido um grande chefe, mas
este não era, contudo, Ayoreo.
Agayéguede era, alternativamente, uma pessoa humana para si própria e
“um pouco paraguaio” do ponto de vista dos Ayoreo. Contava-se também que
este senhor foi o primeiro morador de uma grande fazenda na região de Fortín
Ingavi, onde também viviam os Ayoreo após o fim dos tempos míticos (Ayoreo:
umpemejá), quando ainda não havia sido inscrita no cosmos a diferença entre
humanos e não-humanos e sob a sua chefia, as pessoas desse povo eram extre-
mamente ricas e tinham armas de fogo e grandes criações de gado de corte e
leiteiro, porcos, cabras, e muitos cachorros.
Além disso, os Ayoreo, capitaneados por Agayéguede, nunca conseguiam
matar uns aos outros, pois não tinham armas, logo, qualquer golpe era desferido
apenas com as mãos nuas. Pois bem, se é verdade que as mãos eram o que tinham
os Ayoreo para golpear uns os outros, estas não serviam, conta-se, curiosamente,
para comer. Tal tarefa era realizada, como se estes fossem nativos de alguma po-
pulação asiática, com o auxílio de dois grandes palitos de madeira com os quais
comiam, sobretudo, feijões. Mesmo sendo “um pouco” paraguaio, Agayéguede
era sim tido como um grande capitão, reconhecido pela sua capacidade de enten-
der bem a língua Ayoreo, além de reconhecer em diferentes partes da paisagem
semi-árida chaquenha onde haviam lagoas e de prever as guerras e a chegada
de outros grupos indígenas.

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Eis o modo de ação de Agayéguede diante da chegada do inimigo: gritava


ele a pleno pulmões, a fim de que o inimigo recém-chegado se distraísse! Esta
era, dizia Enrique, “sua própria demonstração de poder”, que provocava a pronta
dispersão dos Ayoreo que viviam consigo nesta fazenda. Contava-se, entretanto,
que houve um dia em que os gritos de Agayéguede vieram acompanhados de tiros
saídos de duas armas distintas: a arma do inimigo e a arma do próprio Agayéguede
e quando não puderam mais ouvir os gritos de Agayéguede os Ayoreo deduziram:
“nosso chefe só pode estar morto!”
Dada a morte do primeiro “capitão” dos Ayoreo, iniciou-se um processo de
“cromatização” do Chaco: aqueles que viviam sob a tutela de Agayéguede aban-
donaram a fala de uma língua única e diferenciou-se linguisticamente os Ayoreo
dos Chamacoco (Ybytóso e Tomaráho), dos Guarani, dos Kaiowá, dos Angaité, dos
Kadiwéu, dos Bororo, dos Terena, etc., e a carência de comunicação provocada
pela criação da diferença linguística fez com que esses povos se dispersassem a
norte e ao sul do Chaco Central e passassem a guerrear uns com os outros, dada
uma espécie de ‘patologia de comunicação’ que se instaurou entre eles.
E se no começo todos os Ayoreo tinham animais, armas e criações de gado,
esta espécie de passagem uma qualidade “contínua” para outra “discreta” fez com
que os Ayoreo perdessem tudo que era de sua posse, pois, como explicou-me
Enrique, “eles correram e deixaram tudo para trás”. Nesse mesmo movimento,
os Ayoreo abandonaram, então, o uso daqueles palitos para se alimentar, ainda
que isso tenha lhes provocado incialmente um imenso transtorno – Enrique ria e
conta-se que a comida caía continuamente no chão quando os Ayoreo tentaram
pegá-la pelas primeiras vezes com as mãos nuas. Mais ainda: o que não é menos
notável é o fato de que o próprio Enrique reconhecesse (não sem que tal fato lhe
provocasse algum espanto) a história de Agayéguede é análoga a outra história
que passou a conhecer apenas quando viveu na missão Salesiana de Porto María
Auxiliadora durante os anos de 1970 e 1980: a história bíblica da Torre de Babel.
Ainda que num primeiro momento tivesse me embaraçado um pouco a
imagem evocada no mito de um estado de abundância de bens associada a um
personagem mítico branco/civilizado a imagem de um “capitão” cuja maneira
de ser humano parecia ontologicamente distinta da dos outros humanos (“só
um pouco paraguaio, e um pouco Ayoreo”, como constatava Enrique), era de se

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reconhecer que este fragmento de mito não era tão estranho quanto poderia
parecer. Ele parecia poder ser tanto incluído num grupo mais amplo de mitos de
povos chaquenhos sobre a chegada dos Brancos – e tomado, por exemplo, como
uma inversão de uma versão de um mito Angaité (cf. VILLAGRA, 2010) sobre a
chegada dos Paraguaios, ou ainda como uma variante de um mito Chamacoco
(vizinhos dos Ayoreo e falantes de uma língua que também é da família Zamuco)
sobre os imponentes Anabsero (BLASER, 1997) –; quanto figurado entre um
conjunto de mitos de povos falantes de línguas Jê (como, por exemplo, a gesta
de Auke (MELATTI, 1972) que os Krahô narram, especialmente o detalhe sobre a
casa de Auke tida como uma “imagem sintética da riqueza e poder dos civilizados
da região” (MELATTI, 1972, p. 47).
Além do mais, (e aqui se encontrava meu segundo equívoco), havia sim na
etnografia sobre povos falantes de línguas da família Zamuco produzida desde o
século XVIII a imagem de um agayé4 . Uma na qual o padre Ignácio Chomé reconhe-
ceu uma descrição de si próprio em 1738, por ocasião de sua breve temporada na
redução jesuítica de San Ignacio de Zamucos, no período que teria antecedido sua
transferência à cidade de Concepción, e em quem Fischermann (1988) identificou
todos padres jesuítas. Ainda que não houvesse em parte alguma referência à um
Agayéguede, a descrição do agayé presente na etnografia Ayoreo disponível era,
sem dúvida, consonante com a que eu havia ouvido em Tiogai sobre Agayéguede
Pois bem. Como é de se notar, a cada descrição a sua história. Enquanto na
história do Agayé da missão de San Ignácio de Zamucos haveria um tipo “históri-
co” de história pautado pelo entendimento linear de tempo e causalidade sujeito
a uma espécie de força reativa de sucessão sob a qual se apreenderia o modo
como um acontecimento é atualizado sob determinadas circunstâncias, para o
caso do Agayéguede de Tiogai a questão seria, aparentemente, outra. Pois se a
primeira se comporia a partir de uma sucessão de acontecimentos, a “história”

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Segundo Luca Ciucci (com. pessoal) a própria origem da palavra agayé é confusa, pois enquanto
há entre a maior parte dos linguistas que trabalham com línguas da família Zamuco uma vontade
de crença de que a língua Ayoreo é uma evolução direta do protozamuco, supõe-se também
que a palavra agayé é derivada do termo agaire, “senhor”, em protozamuco. Paralelamente,
como Ciucci considera, a origem da palavra agayé também poderia remontar um fenômeno
linguístico que consiste na criação de uma palavra no contexto da redução jesuítica de San
Ignacio de Zamucos na região de Chiquitos, localizada na porção oriental da Bolívia.

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de Agayéguede, tal como figura no pensamento Ayoreo se definiria menos como


uma “teoria da sucessão” que como uma espécie de “sucessão ativa” que pos-
sibilita a passagem de uma condição por entre um conjunto de acontecimentos
mutuamente comunicantes. Com isso, quero sugerir que é a inseparabilidade e
a coexistência desses acontecimentos com a vida dos Ayoreo contemporâneos
que confere a eles uma liberdade de interpretá-los e atualizá-los conforme as
condições de funcionamento de seu mundo vivido.
Joanna Overing (1995) há alguns anos enfatizou a importância do tempo
enquanto um valor variável na criação da historicidade. Assim, recordando do
que Overing cuidou de observar, antes que um julgamento válido sobre alguma
“historicidade” amazônica pudesse ser feito, dever-se-ia atentar para a imagem
complexa figurada no pensamento ameríndio sobre a relação entre história, tempo
e processo social. Em suma, como bem concluía Overing, o tempo, tal como a
historicidade, também teria um lado social. Apesar de reconhecer haver aí uma
valiosa contribuição, me parece ser importante fazer notar que se haveria de existir,
alguma “história” Ayoreo, ela certamente aparentaria se mover para além de um
entendimento da sucessão histórica pensada ao modo de uma “sucessão reativa”.
Em outras palavras, o fato da existência de uma “história” Ayoreo não implica,
ao fim, que ela seja “histórica”. Ao contrário, a “história” tal como pensada pelas
pessoas desse povo com quem convivi por mais tempo permite-se, ao mover-se
de um “virtual” mítico a um atual vivido, ser constantemente feita e refeita.
Mas ao dizer isso já imagino que se poderia, ao final, objetar, colocando
uma questão como a seguinte: “Mas como sugerir alguma coexistência diante
da distinção elaborada pelos próprios Ayoreo reconhecem uma descontinuidade
e classificam dois modos de existência distintos e caracterizados por diferentes
estados de coisas?” Pois retrucarei apontando que a sucessão e a distância entre
esses modos de existência (que no caso Ayoreo é mais geográfica que histórica)
se faz visível justamente a medida que o modo de existência dos Ayoreo con-
temporâneos se separa da natureza do acontecimento ao qual referencia-se,
mas, ao fazê-lo, se torna inseparável de umpemejá. E justamente nesse sentido
um acontecimento classificado como umpemejá se revelaria como um fluxo co-
existente com o presente. Em Tiogai, e, curiosamente, de maneira similar a um
dos argumentos de Deleuze (1968) em Difference and repetition, a repetição e a
coexistência são, em um mundo Ayoreo, a condição “histórica” para a produção

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de algo efetivamente novo. Dessa maneira, o que figura aqui como necessário
para dar corpo a repetição é o desenvolvimento de um tipo de filosofia Ayoreo
da história que inclua em si uma ontologia do que é que significa apreender a
passagem do tempo.
Pois bem. Ao final e já à guisa de conclusão, talvez reste ainda colocar uma
última questão: como uma nova mirada sobre a complexa relação entre ontologia
e passagem do tempo em mundos ameríndios pode se conectar a alguma imagem
não-indígena de desenvolvimento?
Diante dela o que penso ser possível responder é que tal mirada sobre os
mundos vividos desses coletivos, ao dar vistas à diferença e a sua complexidade,
possibilita o desenvolvimento alguma política de desenvolvimento que, ao invés
de basear-se numa narrativa totalizante de uma sucessão de eventos e fases, se
alicerce justamente nos regimes de produção de relações em que a própria relação
diferencial (ou a síntese disjuntiva) de termos radicalmente heterogêneos, como
é a ideia de história, figura como indispensável ao próprio pensamento sobre um
determinado mundo vivido.
Ao final, penso que mais uma vez tudo parece tratar de uma escolha. Ou
opta-se, como muitas vezes, pelo abuso de poder típico de nosso encontro com a
diferença expressa noutros modos de existir, privilegiando uma estranha vontade de
“conhecer” e de “transformar”. Ou, de forma mais interessante, opta-se por pensar
menos em termos de “políticas para desenvolver” que em “cosmopolíticas para
diferenciar”, sem buscar definir de antemão que espécie de diferença se encontra
em questão por ocasião do encontro entre dois regimes conceituais heterogêneos,
evitando reforçar a imagem de que existe apenas um mundo possível, um a forma
e um efeito possível da passagem do tempo, e um estado de coisas concebível,
sobre os quais existem apenas perspectivas (ou visões de mundo, como há aqueles
que gostam de dizer) distintas, mas hierarquicamente conciliáveis.

REFERÊNCIAS
BLASER, Mario. The charnacoco endurance: global politics in the local village. 1997.
Dissertação (Mestrado em Antropologia e Sociologia) – Universidade Carleton, Canadá,
Ottawa, 1997.

CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

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Leif GRÜNEWALD

DELEUZE, Gilles. L’Image Mouvement. Paris: Éditions de Minuit, 1983.

DELEUZE, Gilles. Difference et Répetition. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.

FAUSTO, Carlos; HECKENBERGER, Michael. Time and memory in indigenous Amazonia.


Gainesville: Florida University Press, 2007.

FISCHERMANN, Bernd. Zur weltsicht des ayoréode ostboliviens. Bonn: Rheinischen


Friedrich-Wilhelms-Universität, 1988.

GOLDMAN, Marcio. Alguma antropologia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.

GRÜNEWALD, Leif. O fascismo dos homens bons: sobre padres e os ayoréode do alto
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Niterói, RJ, 2015.

LÉVI-STRAUSS, Claude. La Pensée Sauvage. Paris: Plon, 1962.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Race et histoire. Paris: UNESCO, 1952.

MELATTI, Julio Cezar. O messianismo krahó. São Paulo: Herder, 1972.

OVERING, Joanna. O mito como história: um problema de tempo, realidade e outras


questões. Mana, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 107-40, 1995.

VILLAGRA, Rodrigo. The two shamans and the owner of the cattle: alterity, storytelling
and shamanism amongst the angaité of the paraguayan Chaco. 2010. Tese (Doutorado
em Antropologia) – Universidade de Saint Andrews, Escócia, Saint Andrews, 2010.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metaphysiques cannibales: lignes d’anthropologie post-


structurale. Paris: Presses Universitaires de France, 2010.

Sobre o autor:
Leif Grünewald: Doutor e mestre em Antropologia Social pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Graduado em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Realizou estágio de pós-doutoramento no pro-
grama de pós-graduação em Antropologia na Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD), e foi professor visitante no mesmo programa de pós-graduação.
Atuou em 2019 como visitante na Escola de Ciências Sociais da University of
Kwazulu-Natal (UKZN), na África do Sul. Realizou estágio de pós-doutoramento
no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná

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Foras-da-História

(UFPR) e atualmente encontra-se vinculado ao Programa de Pós-Graduação


em Psicologia Clínica da PUC-Rio e como pesquisador externo/visitante na
Université Toulouse II – Jean Jaurès. Tem interesse na área de Etnologia Indígena,
particularmente em dois aspectos dessa subdisciplina: (1) regimes indígenas de
produção de conhecimento e conexão com os modelos sociocosmológcios de
coletivos ameríndios das terras baixas da América do Sul; e (2) na articulação
de ideias ameríndias transmitidas etnograficamente com determinadas ideias
referenciais de alguma filosofia da diferença. E-mail: [email protected],
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7399-389X

Recebido em: 28/11/2020


Aprovado para publicação em: 16/12/2020

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