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Esforços Dieléctricos Dos Isolamentos: 6. 1. Regime Normal

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6.

ESFORÇOS DIELÉCTRICOS DOS ISOLAMENTOS


6. 1. Regime Normal

Sabemos que a tensão aplicada aos equipamentos, aparelhagens ou sistemas


no regime normal é caracterizada pelo seu valor nominal, U n, a qual é definida
como o valor médio da tensão eficaz que o isolamento pode suportar no regime
normal permanente de funcionamento. Para sistemas trifásicos ele corresponde
a tensão entre condutores activos, isto é, a tensão composta. Por outro lado, a
tensão nas condiçoes normais de funcionamento da rede eléctrica não é
constante, variando entre um valor superior, Uh e um valor inferior, Umin, em
torno da tensão nominal. Assim, define-se por tensão maxima de serviço, Uh, ao
valor máximo de tensão admissível no regime normal de funcionamento.
Portanto, para que haja um funcionamento sem perfurações de isolamento, a
tensão de isolamento, Um, para a qual um equipamento, aparelhagem ou
instalação está dimensionado, deve ser no mínimo igual a tensão maxima ou
superior de serviço que pode existir no ponto da rede em consideração, isto é,

UmUh (6.1)

Numa rede trifásica tem que se distinguir o esforço de isolamento fase-fase Uff,
do esforço de isolamento fase-terra, Uft. A relação entre os dois tipos de esforços
é dada pela equação a seguir:

U ff
Û ft  2U ft  2 (6.2)
3

A partir da equação (6.2) pode-se calcular os esforços de tensão dos


isolamentos no serviço normal perrmanente. A tabela 6.1 a seguir mostra os
valores calculados para o caso de alguns cabos.
Tabela 6.1 Ilustração de esforços estacionários de tensão num cabo
Un [kV] Uh [kV] Ûhff [kV] Ûhft [kV]
Terra 10 12 17 9,8
20 24 34 19,8
Uft
30 36 51 29,4
Uff Condutor 110 123 174 100
220 245 346 200

Legenda:
Uft = UΥ = Tensão simples (fase-terra);
Uff = UΔ = Tensão composta (fase-fase);
Ûhft = Tensão máxima simples (fase-terra);
Ûhff = Tensão maxima composta (fase-fase);
Un = Tensão nominal

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6. 2. Sobretensões e Transitórios de Tensão

Além dos esforços estacionários de tensão de serviço, ocorrem nas redes


eléctricas tensões muito acima dos valores nominais que podem pôr em causa a
integridade dos isolamentos. A estas tensões, acima do valor nominal máximo,
que podem esforçar consideravelmente os isolamentos dos equipamentos e
aparelhagens da rede, dá-se o nome geral de sobretensões.

Nesta secção, vamos discutir 3 tipos de sobretensões, nomeadamente


sobrelevações temporárias de tensão, sobretensões de manobra e sobretensões
de raio, as quais se distinguem pela sua amplitude e tempo de acção ou
frequência.

As sobrelevações temporárias de tensão são elevações de tensão


estacionárias acima da tensão superior de serviço, com amplitudes que variam
de 1 a 1,9 vezes a tensão superior de serviço. O tempo de acção varia entre
segundos até algumas horas. Entre as suas causas destacam-se:
 Reduções bruscas de carga nas redes;
 Defeitos à terra;
 Efeito de Ferranti por operação de linhas longas em vazio;
 Fenómenos de ressonância na rede.

As sobretensões de manobra são elevações de tensão de carácter transitório


causadas por acções de manobra na rede, como fecho e abertura de
disjuntores. Por elas originarem-se de processos normais na rede também é
comum chamá-las de sobretensões internas ou interiores. Sua amplitude pode
atingir até 4 vezes a tensão maxima de serviço da rede. O tempo de acção é da
ordem de milisegundos.

As sobretensões de raio são fenómenos subtransitórios de elevação de tensão


provocados por descargas directas de raio na rede, ou processos de indução. É

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comum também chamá-las de sobretensões atmosféricas. Porque têm origem
em fenómenos que se desenvolvem fora das redes também se chamam
sobretensões externas. Devido a grande dispersão de suas amplitudes, não é
possível indicar uma relação exacta entre a amplitude desta com a da tensão
máxima de serviço. Seu valor depende fortemente da carga do raio e do lugar da
descarga. O tempo de acção está na ordem de microsegundos.

A figura 6.1 ilustra de forma gráfica os 3 tipos de sobretensão, que se distinguem


pelo tempo de acção e pelo factor de sobretensão que se define como a relação
entre a amplitude da sobretensão e a amplitude da tensão maxima de serviço
fase-terra. Essa relação é dada pelas equações (6.3) e (6.4):

Amplitude da sobretens ~
ao
K ~ (6.3)
Amplitude da tensao máxima de servi ço fase  terra
Ou,


Us
K (6.4)
U
2 h
3

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K
Sobretensões de raio
7

4 Sobretensões de manobra

3 Sobrelevações temporárias de tensão


Ponto neutro Ligado rígidamente à terra
2
Ponto neutro Ligado à
1
terra com impedância

10 5 10 3 10 1 101 103 105 107 109 t [s]

Figura 6.1 Classificação de sobretensões

6. 2. 1 Sobrelevações temporárias de tensão

A avaliação das sobrelevações temporárias de tensão é muito complexa e não


pode caber num curso introdutório como este. Por exemplo, para calcular
sobrelevações de tensão devidas a redução brusca da carga é preciso tomar em
consideração os reguladores de tensão na central geradora ou outros
dispositivos de regulação de tensão na rede eléctrica. Também, processos de
ressonância são muito difíceis de avaliar porque dependem de muitos factores.
Contudo, é relativamente simples a avaliação do efeito de Ferranti, assim como
as sobretensões devidas a defeitos a terra. Neste último caso é preciso tomar
em consideração que a tensão de cada condutor depende do modo de ligação a
terra do neutro da rede. Em geral, o valor da sobretensão pode ser calculado
multiplicando a tensão máxima de serviço com o factor de defeito a terra. O
factor de defeito a terra é 3 para redes com ligação do neutro a terra com alta

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impedância ou isolada e 1,4 para redes com uma ligação à terra do ponto neutro
com baixa impedância.

Na prática o cálculo das sobrelevações temporárias de tensão é feito recorrendo


a factores empíricos, resultantes de medições e experiência de cálculos
acumulada. O cálculo dos valores de elevação de tensão é fundamental por
exemplo para o dimensionamento dos pára-raios.

Em geral, a amplitude das sobrelevações temporárias de tensão pode ser


calculada a partir da equação (6.5) a seguir.

Ub
Û st  K t 2 (6.5)
3

Onde K t é o factor de sobrelevação temporária de tensão dado por (6.6):

K t  C f Cd (6.6)

Sendo: C f = factor de defeito de terra já referido nesta sub-secção;

C d = factor dinâmico de sobrelevação de tensão que toma em

consideração o efeito de ferranti e as reduções bruscas de carga.

Os valores do factor Cd são resultado de experiência prática correspondente a


cada rede em particular, e na falta dela podem ser considerados os dados na
tabela 6.2 a seguir:

Tabela 6.2 Factores dinâmicos de sobrelevação temporária de tensão


Tipo de Rede Valor (pu)
Factor ( Cd ) Média Tensão 1,05...1,1
Alta Tensão 1,1 ... 1,15

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6. 2. 2 Sobretensões de manobra

Como já foi referido estas sobretensões resultam de operações de manobra na


rede através dos disjuntores e outra aparelhagem de manobra, cuja função é o
estabelecimento ou corte da corrente e em particular, para os disjuntores,
também o corte das correntes de curto-circuito. Teoricamente estas
sobretensões são devidas a mudanças bruscas no estado energético das redes.
Estes processos são acompanhados de fenómenos transitórios oscilatórios
devido a presença de elementos oscilantes no sistema.

As sobretensões de manobra condicionam os níveis de isolamento nas redes


eléctricas de alta tensão. Sua duração é maior que a das sobretensões de raio.
Uma duração típica de uma onda de manobra é de 175/3000 μs.

Nesta secção iremos discutir apenas as sobretensões de manobra resultants da


interrupção de curto-circuitos tripolares, a interrupção de cargas capacitivas ou
linhas em vazio, a interrupção de correntes de magnetização ou transformadores
em vazio, por serem as mais simples e mais frequentes. Outras formas de
sobretensão de manobra que por causa da sua relativa complexidade não vão
ser aqui consideradas são as devidas a:
 Ligações a terra transitórias, no momento da sua vigência;
 Ligações de linhas funcionando em vazio.

6. 2. 2.1 Interrupção de um curto-circuito

Neste ponto não vamos discutir os processos no disjuntor no momento de


Interrupção do arco os quais são abordados na disciplina Aparelhagem de
Manobra e Protecção. Interessa-nos sim, discutir a tensão sobre os contactos do
disjuntor depois da interrupção do arco. Esta tensão chama-se Tensão
Transitória de Restabelecimento, doravante (TTR), que assim se chama por
opôr-se a interrupção da corrente no circuito tendendo a restabelecé-la.

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Para discutir o assunto vamos partir do circuito da figura 6.2 que corresponde ao
circuito unifilar equivalente no momento pós-arco. No circuito serão usados
parâmetros concentrados, R, L e C, respectivamente resistência, inductância e
capacitância do circuito.
icc(t)

Rr Lr

ur ( t )  Ûr sen( t   ) Cr ut(t)


 t

Figura 6.2 Circuito equivalente de Interrupção de um curto-circuito


Onde:
Rr= Resistência equivalente da rede de alimentação;
Lr=Indutancia equivalente da rede de alimentação;
Cr=Capacitância equivalente do circuito;
ur(t)= tensão da fonte de alimentação no domínio do tempo;
ut(t)= tensão sobre os contactos do disjuntor no domínio do tempo.

No momento da interrupção do circuito é válida a equação (6.7) a seguir:


dicc (t) 1
ur (t)  R r icc (t)  L
dt

Cr  icc (t)dt (6.7)

Onde ur(t) é a tensão da rede.

O sistema pode ser resolvido aplicando as transformadas de Laplace e o


teorema de superposição para circuitos bilaterais (bipolos). Pelo princípio de
superposição, a resposta em qualquer elemento de um bipolo com duas ou mais
fontes, é a soma das respostas obtidas individualmente por cada fonte, com
todas as devidas fontes anuladas, isto é, substituidas pelas respectivas

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impedâncias internas. Assim, a rede pode ser substituida pelo bipolo da figura
(6.3), com a fonte de tensão curto-circuitada.

Rede

icc(t) it(t)

Figura 6.3 Bipolo equivalente no momento da interrupção de um curto-circuito

Uma fonte equivalente de corrente, representando a corrente existente durante o


curto-circuito que pretende ser interrompido, vai ser a excitação do sistema.
Como interromper a corrente de curto-circuito significa anulá-la, para simular o
processo de corte pode-se injectar no circuito, no momento de interrupção, uma
corrente de compensação i t . Naturalmente esta corrente deverá ser igual a que

se pretende interromper mas com sentido contrário, isto é, deve ser satisfeita a
equação (6.8) a seguir:

icc (t)  i t (t) (6.8)

A tensão transitória de restabelecimento, que é a resposta do condensador, é


então a sobreposição das tensões devidas as duas fontes de corrente. Mas
como a tensão devida a corrente de curto-circuito é nula, pois esta tensão é a
que existe sobre os contactos do disjuntor durante o curto-circuito estacionário, a
TTR acaba sendo determinada apenas pela resposta a excitação da corrente de
compensação. Assim, a tensão transitória de restabelecimento no domínio de
Laplace, Ut(s), será dada por:

Ut (s)  Icc (s)Z(s) (6.9)

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Onde Icc(s) e Z(s) são respectivamente a corrente de curto circuito e a
impedância de entrada da rede passiva, vista dos contactos do disjuntor. A
impedância de entrada da rede passiva é dada por:

 1 
Z(s)  R  sL  //   (6.10)
 sCr 

E a corrente de curto-circuito transformada dada por:


Ur (s)
Icc (s)  (6.11)
R  sL

Portanto,
 U (s)   R  sL 
U t (s)   r   (6.12)
 R  sL   s 2LC  sRC  1 
  r r 

Determinemos agora a transformada da tensão da fonte partindo da sua


decomposição:
ur (t )  Ûr sen( t  )  Ûr sen( t ) cos()  Ûr cos( t )sen() (6.13)
Considerando que o periodo de duração do processo transitório é muito curto,
isto é, t  0 , vem:
ur (t )  Ûr ( t ) cos()  Ûr sen() (6.14)
E para a transformada de Laplace,
Ûr  cos() Ûr sen()
ur (s)   (6.15)
s2 s

Substituindo (6.15) em (6.12) vem:


Ûr  cos() Ûr sen()
u t ( s)   (6.16)
2 2 2
s (s L r Cr  sR r Cr  1) s(s L r Cr  sR r Cr  1)

Ûr  cos() Ûr sen()


u t ( s)   (6.17)
R 1 R 1
s 2L r C r ( s 2  s r  ) sLr Cr (s 2  s r  )
L r L r Cr L r L r Cr

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 10


Considerando ainda que a frequência própria de oscilação do circuito LC é muito
1
maior que a da rede, isto é,   , o primeiro termo de (6.17) pode ser
L r Cr

suprimido, resultando:
Ûr sen()
u t ( s)  (6.18)
R 1
sLr Cr (s 2  s r  )
L r L r Cr

R 1
As raízes do termo quadrático do denominador s 2  s r  são:
L r L r Cr
2
 1 Rr   1   1 Rr 
s1,2      j      (6.19)
 2 Lr   L r Cr   2 Lr 

Fazendo

  1 Rr 
 
d   2 L 
  r 
  1 
p    (6.20)
  L r Cr 
 2
  1  1  Rr 
 t        p 2  d 2
  L r Cr  4  L r 

Onde d é o factor de amortecimento, ω p a frequência própria de oscilação do

circuito LC e ω t a frequência da onda da TTR

Vem:

s1,2   d   p 2  d 2 (6.21)

Portanto, (6.17) resulta em:


 Û sen()   1   1 

u t (s)   r   (6.22)
    s   s  d2   2 
 p   t 

Ûr sen(  )
Fazendo K  e usando o método de decomposição parcial, vem:
p

 k  1  A Bs  C
u t (s)       (6.23)
 s   s  d2   2t
  s s  d2   2
 t

Cuja resolução dá:

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 k
A  2
 d  2t

 k
B   2 (6.24)
 d   2t
 2k
C   d
 2
d  2t

Portanto,

k   1 sd  d  t 
u t (s)      
  (6.25)
2 2  s
d   t  s  d   t   t
2 2
 s  d   t 
2 2

Cuja retransformação para o domínio de tempo dá:


Ûr sen()    d  
u t (t )  1  e  d t   sen( t t )  cos  t t  (6.26)
   
d2   2t    t  

Atendendo a que o desfasamento entre a tensão e a corrente de curto-circuito é


de aproximadamente 90 graus, no caso particular da interrupção da corrente na
passagem pelo seu zero natural, o ângulo α toma aproximadamente 90 graus,

isto é,   , vem para a TTR:
2
   d  
sen( t t )  cos  t t 
Ûr
u t (t )  1  e d t  
  (6.27)
2 2
d   t   
  t  

E para a maior parte dos casos práticos,

d  ω t

 2  1  (6.28)
ω t   LC 
  

Sob estas condições,

  
u t (t )  2 Ur 1  e  d t cos  t t   Ûra 1  e d t cos  t t   (6.29)

A representação gráfica da equação (6.29) é mostrada na figura (6.4).

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s
2.5
Utmax
Ut(t)/Ur
[p.u]
2

1.5 Ûra

0.5

0
0 π/ ωt 1 1.5 2 2.5
Tempo [ms]

Figura 6.4 Representação gráfica da TTR

A figura (6.4) mostra claramente que o valor máximo da tensão transitória de


1 
restabelecimento é atingido para t   .
2f t t

Define-se como factor de sobretensão ou factor de amplitude,  , à relação entre



o valor máximo da TTR e a tensão de restabelecimento activa Ura , isto é:
  
d 
Ut  2ft 
    1  e  (6.30)
Ura  
 

Uma outra característica importante da TTR é a sua taxa de crescimento média,


a qual determina o poder de corte do disjuntor. Quanto maior for essa taxa,
menor a capacidade de corte do disjuntor. A taxa de crescimento da TTR média
é dada por:

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 13



Ut 
S  2  ft Ura (6.31)

t

O valor máximo ou amplitude da tensão de restabelecimento activa depende


naturalmente da natureza, isto é, tipo de curto-circuito e do modo de ligação a
terra do neutro da rede.

Por outro lado, num curto-circuito tripolar, os 3 pólos do disjuntor não cortam o
defeito simultaneamente. O corte é em cadeia, havendo um primeiro pólo a fazê-
lo, e, eventualmente, seguido do segundo e depois o terceiro. A amplitude da
tensão activa de restabelecimento não é a mesma em todos os pólos. Por isso,
no cálculo da amplitude da tensão de restabelecimento activa é preciso
considerar um factor de correcção,  , que toma em consideração a não
simultaneidade do processo de corte nos 3 polos, e o modo de ligação do neutro
a terra. A amplitude da TTR a frequência industrial será dada por:

 2Ub
Ura   (6.32)
3

Onde Ub é a tensão de serviço máxima da rede. As tabelas (6.3.1...3)


apresentam valores do factor de correção  , para diferentes casos de
simultaneidade de abertura dos pólos, num curto-circuito tripolar.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 14


Tabela 6.3.1 Factor  para o pólo do disjuntor que corta primeiro o defeito
Modo de neutro Defeito a Impedância de neutro Factor de
terra a terra Zn Correcção 

Francamente Aterrado Sim 0 1,0


Impedante Sim  Z s 1,5

Impedante Sim 0,75 Z s 1,3

Isolado Sim 1,5


Francamente Aterrado Não 1,5
Isolado Não 1,5

Tabela 6.3.2 Factor  para o pólo do disjuntor que corta o defeito em 2º lugar
Modo de neutro Defeito a Impedância de neutro Factor de
terra a terra Zn Correcção 

Francamente Aterrado Sim 0 1,0


Impedante Sim  Z s 3
Isolado Sim 3
Francamente Aterrado Não 3
Isolado Não 3

Tabela 6.3.3 Factor  para o 2º e 3º pólos do disjuntor a cortarem simultaneamente o defeito


Modo de neutro Defeito a Impedância de neutro Factor de
terra a terra Zn Correcção 

Francamente Aterrado Sim 0 1,0


Impedante Sim  Z s 3
2
Isolado Sim 3
2
Francamente Aterrado Não 3
2
Isolado Não 3
2

Adaptado de [ 2 ]

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 15


Portanto, o pólo onde ocorre a maior amplitude da tensão de restabelecimento
activa depende da simultaneidade de corte dos restantes dois pólos depois do
primeiro abrir. No caso dos outros dois pólos não cortarem simultaneamente o
defeito, o maior valor da amplitude ocorrerá no segundo pólo a cortar o defeito.
No caso do 2º e 3º pólos cortarem simultaneamente estes repartirão por igual a
tensão remanescente e a maior amplitude ocorrerá no pólo que dentre todos
cortou primeiro o defeito.

Na prática considera-se que o 2º e 3º pólos do disjuntor operam


simultaneamente e a tensão de restabelecimento activa ocorre no primeiro pólo.
Isto é, é suficiente calcular com   1,5 . A figura (6.5) apresenta os gráficos da
tensão transitória de restabelecimento nos 3 pólos do disjuntor para o caso em
que se considera   1,5 .

u1ra(t)
u(t)
u3(t)
ut3(t) u1(t)
u2(t)

i1(t)

Ûra

ut2(t)

ut1(t)
Utmax

Figura 6.5 TTR num circuito trifásico

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 16


Outros factores de influência na TTR são a resistência paralela constituída pela
carga e a capacidade adicional paralela aos terminais do disjuntor, cujo efeito
será discutido na secção a seguir.

6. 2. 2.1.1 Influência de uma Resistência Paralela ao disjuntor na Tensão

Transitória de Restabelecimento.

Como pode ser visto da equação (6.16), a resistência do circuito tem uma certa
influência na atenuação da amplitude da sobretensão. Vamos agora investigar
como uma resistência colocada paralelamente aos contactos do disjuntor
influência o andamenteo da TTR. Para o efeito, vamos considerar o circuito da
figura (6.6).

Icc(t)

Rr Lr


ur (t )  Ur sen( t  ) C ut(t)
RP
   t

Figura (6.6) Circuito unifilar equivalente de uma rede com um disjuntor


paralelamente aos pólos dos contactos
Onde:
Rr= Resistência equivalente da rede de alimentação;
RP= Resistência equivalente paralela ao disjuntor;
Lr=Indutancia equivalente da rede de alimentação;
C=Capacitância equivalente do circuito;
ur(t)= tensão da fonte de alimentação no domínio do tempo;

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 17


A solução para a TTR deste circuito é semelhante a do circuito do ponto 6.2.2.1,
colocando adicionalmente a capacidade, uma resistência paralela a ela. Assim,
a equação (6.10) que dá a impedância de entrada do bipolo passivo transforma-
se em:
 1 
Z( s)  R  sL  //  // R P (6.31)
 sC 
Onde RP é a resitência adicional e C a capacitância total paralelas aos bornes
do disjuntor. Fazendo substituições sucessivas, obtem-se:

 
 
 Ûra sen()   1   1 
u t ( s)    
  Lr C    (6.32)
  1   Rr 
 s    2  Rr  1 
 s  s  
 R p C Lr   R p CL r Lr C  
    
R 1
As raízes do termo quadrático do denominador s 2  s r  são:
L r L r Cr

2
1 1 R   Rr 1  1 1 R 
s1,2     r   j       r  (6.33)
2  R P C Lr   R P CLr Lr C  4  R P C Lr 
Portanto,

1 1 R 
d     r  → factor de amortecimento (6.34)
2  RP C Lr 

2
 Rr 1  1 1 R 
 t        r  → frequência da TTR (6.35)
 R P CLr Lr C  4  R P C Lr 

E para a TTR,

 Û sen()  1  Û sen()   1   1 
U t (s)   ra    ra     (6.36)
         2 2
 L r C  s( s s1 )(s s 2 )  L r C  s  (s  d)   t 

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 18


Cuja retransformação para o domínio do tempo dá novamente:

 2U sen()    
u t (t )   ra  1   1  e  dt  d sen  t  cos  t  (6.37)
   d2   2   t t 
 Lr C  t   t 

Que para a maior parte dos casos práticos em que,

d  ω t

 2  1  (6.38)
ω t   L C 
  r 
Dá novamente,



ut (t)  Ura sen() 1 e  dt cos  t t  (6.39)

6. 2. 2.2 Interrupção de uma corrente capacitiva

Não poucas vezes, os disjuntores das redes são chamados a interromper


correntes com um carácter predominantemente capacitivo. São exemplos disso
as correntes das baterias de condensadores de compensação nas subestações
e as correntes decorrentes do funcionamento em vazio de linhas longas. Para
avaliarmos o que acontece na interrupção de uma corrente capacitiva,
consideremos o circuito da figura (6.7.a). Nesta figura, L r e Cr representam a
indutância e capacitância da rede respectivamente, enquanto CL representa a
capacitância da carga cuja corrente se pretende interromper.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 19


i(t)
iL (t )

ut(t)
I  IL
Lr

U
Y
uY(t) Cr ur (t ) uL (t ) CL RL
1
UL  I
jCr  CL 

U  
Y  I jLr

Figura 6.7.a) Circuito equivalente monofásico do corte


de uma corrente capacitiva Figura 6.7.b) Diagrama fasorial

Figura 6.7 Esquema equivalente durante a interrupção de uma corrente


capacitiva
Antes de abrir o disjuntor é válido o diagrama de fasores apresentado na figura
(6.7.b) que já toma em consideração o efeito de Ferranti. O efeito de Ferranti é
tanto mais pronunciado quanto maior for o valor da indutância da rede L r.


Como a corrente que percorre CL está adiantada em relação à tensão, ao
2

abrirem-se os contactos do disjuntor na passagem da corrente pelo seu zero


natural esta é cortada. Então, CL fica carregada ao pico da tensão da rede, Û.
Assim, as tensões ur(t) e uL(t) têm o mesmo valor, o da amplitude máxima da
tensão da rede, como pode ser observado no diagrama da figura (6.8). Portanto,
a tensão de restabelecimento é nula.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 20


Logo a seguir ao corte da corrente a tensão no terminal do disjuntor no lado da
carga vai diminuir exponencialmente com uma constante de tempo que depende
dos valores de CL e das eventuais resistências de derivação a terra RL. No lado
da rede, a tensão vai continuar a seguir o seu curso normal, oscilando em torno
da tensão da fonte, à frequência própria do sistema de alimenação ditada pelos
parâmetros da rede de alimentação Lr e Cr e dada por:

1
ωr  (6.33)
Lr C r

A diferença entre a tensão da carga capacitiva e a tensão à saída da rede é a


tensão sobre o disjuntor, isto é, a tensão transitória de restabelecimento u t(t).
Esta tensão representa o esforço do disjuntor. Vê-se que este esforço é
relativamente grande logo a seguir à interrupção.

Por outro lado, existe a resistência dieléctrica do disjuntor representada pela


curva ud(t) na figura (6.8). Sucede que como neste exemplo, no momento t 2 o
esforço devido a TTR pode ser maior que a resistência dieléctrca do disjuntor.
Nestes casos ocorre um reacendimento do arco. Assim, o circuito entre a rede e
a carga é novamente fechado, ficando os condensadores Cr e CL em paralelo.
Nesta situação, as tensões nos dois condensadores têm de se igualar, o que é
conseguido através de uma oscilação de muito alta frequência, visto depender
apenas da indutância da ligação entre eles que é obviamente muito pequena [2].

A tensão de carregamento dos condensadores em paralelo, desprezando a


oscilação de alta frequência, depende da relação entre as suas capacitâncias e
no caso extremo em que Cr << CL , será igual à tensão no condensador CL , isto
é, a tensão de amplitude da rede. Neste momento, ocorre uma oscilação em
torno da TTR activa, atingindo a tensão aos bornes do disjuntor a amplitude
3 2Ur , se se despreza o amortecimento. Este processo de oscilação terá uma
frequência angular dada por:

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 21


1
ωr  (6.34)
Lr C r  C L 

Analogamente, a corrente sofre uma oscilação, podendo ser ou não interrompida


na passagem pelo seu zero natural. Estas duas possibilidades são ilustradas na
figura (6.8), como situações A e B, repectivamente para o caso em que a
corrente é interrompida e não interrompida.

F C

Rr Lr ut(t)

uY(t) Cr uF (t ) uC (t ) C

Figura 6.8.a) Circuito equivalente monofásico do corte


de uma corrente capacitiva

u(t )
6
7 2
4 uC(t)

ut(t) ut(t)
2 ut(t)
uF(t) uF(t)
0
t
-2 uC(t) uC(t)
Situação A Situação B
-4 ut(t)
Legenda:

uF(t)-Tensão da fonte;
-6 uC(t)
uc(t)-Tensão no condensador da carga;

ut(t)-TTR sobre os pôlos do disjuntor.

Figura 6.8.b) Decurso temporal da TTR no corte de uma corrente


capacitiva

Figura 6.8 Corte de uma corrente capacitiva [ 2 ]

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 22


No caso A, ocorre um amortecimento da corrente regressando ao seu valor à
frequência de serviço. Eventualmente, o fenómeno pode repetir-se até que o
afastamento dos contactos do disjuntor seja suficiente para evitar o
reacendimento do arco. Neste caso, a tensão transitória de restabelecimento
nunca excederá 3 vezes o valor do pico da tensão da rede.

No caso B, a tensão do pólo do disjuntor do lado da carga mantem-se em


3 2Ur , regressando a tensão do outro pólo ao seu valor normal através de uma
oscilação à frequência própria. Se, passado meio período, ocorrer outro
reacendimento do arco, então o pico da tensão do pólo do lado da carga atinge
5 2Ur , e, assim, sucessivamente 7 2Ur , 9 2Ur , etc.

Portanto, por causa dos reacendimentos de arco e sobreoscilações sucessivas


podem ocorrer na rede valores muito elevados de sobretensão, embora na
prática os valores atingidos sejam inferiores aos referidos no parágrafo anterior.

De qualquer forma, as sobretensões devido a interrupção de correntes


capacitivas podem ser consideráveis. Como foi referido na secão anterior, o
melhor método para reduzir as sobretensões consiste na montagem de uma
resistência em paralelo com o disjuntor, pois a seguir à interrupção da corrente,
a resitência permite a descarga parcial do condensador CL, o que dá origem a
uma redução da tensão entre os contactos do disjuntor, como se indica na figura
(6.9). Através de uma escolha adequada da constante de tempo T  RC , da
ordem de meio periodo, é possivel limitar a sobretensão para 2 2Ur , no caso
de reacendimento de arco no zero da corrente à frequência nominal, e reduzi-la
substancialmente no caso do reacendimento ocorrer durante a passagem da
ccorrente pelo primeiro zero. Um valor de referência é o máximo admitido pelas
normas que é de 2,5-3 vezes a tensão do sistema.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 23


u(t )

2 2
uC(t)
ut(t) ut(t)
2
uF(t) uF(t)
0
t
_ uC(t) uC(t) ut(t)
2

-2 2 uC(t)
Legenda:
uF-Tensão da fonte;

uc-Tensão no condensador da carga;


ut(t)-TTR sobre os pôlos do disjuntor.

Figura 6.9: Corte de uma corrente capacitiva com uma resistência paralela ao
disjuntor [ 2 ]

6. 2. 2.3 Interrupção de pequenas correntes indutivas

No serviço normal das redes ocorrem pequenas correntes indutivas que podem
ser cortadas antes da passagem pelo seu zero natural por uma boa acção do
meio de extinção do disjuntor. São os casos das correntes de magnetização de
transformadores para transformadores operando em vazio e bobinas de indução.
Para avaliarmos como varia a TTR nesses casos consideremos o circuito da
figura (6.10), onde as perdas foram desprezadas. Neste circuito Lr é a indutância
equivalente da rede de alimentação, LT é a indutância do transformador em
vazio ou bobina de indução. O condensador CT representa as capacitâncias do
enrolamento do transformador e das ligações entre este e o disjuntor e Cr
representa a capacitância equivalente da rede a montante. Dado que Lr << LT
nesta análise pode-se desprezar também Lr

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 24


Sob estas condições, antes da interrupção da corrente existem no circuito
energias magnética pela indutância LT, devida a corrente de magnetização, e
electrostática, devida a tensão no condensador CT. No momento de corte da
corrente estas energias estão armazenadas nos respectivos elementos do
circuito e são dadas por:
1 1 
WC  CTu2Ta  CTU2T cos 2  (6.35)
2 2
1 1 
WL  LTi2a  CT IT2 sin 2  (6.36)
2 2

uTa é o valor da tensão nos condensadores, ia é a corrente de magnetização na


indutância e α é o ângulo ωtα correspondente ao momento da interrupção da
corrente. Estas grandezas são ilustradas na figura (6.10.b) a seguir:

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 25


i t (t )

Lr ut(t)

uY(t) Cr ur (t ) u (t ) CT LT
Lt

Figura 6.10.a) Circuito equivalente monofásico do corte


de uma pequena corrente indutiva

u(t )

i(t )


t

UT max

Figura 6.10.b) Sobretensões no corte de uma corrente de magnetização

Após o corte da corrente pelo disjuntor, o transformador fica isolado e toda a


energia do circuito deve transformar-se em energia electrostática de
carregamento do condensador CT e vice-versa, isto é:

1  1  1
C T IT2 sin 2   C T U2T cos 2   C T u 2Tsob (6.37)
2 2 2

Portanto, o valor da TTR no lado do trnsformador será dado por:

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 26


 2
  L T  IT 
uTsob  UT cos   
2    sen 2  (6.38)
 
 T  UT
C 

Onde UT é o pico da tensão no transformador a frequência industrial.

Considerando as relações,

UT
 L T  2fL T   (6.39)
IT

t 1
ft   (6.40)
2 2 L T C T

Onde  é a frequência industrial angular da rede e t a frequência da TTR.

Substituindo (6.40) e (6.39) em (6.38) resulta:

 2
f 
uTsob  UT cos 2    t  sen 2  (6.41)
f 

2
f 
Na maioria dos casos práticos, f <<ft , donde cos    t  sen 2  e,
2
f 
portanto, (6.41) dá:

 f  
uTsob  UT t sen  UT t sen t t  (6.42)
f 
Analogamente, a sobretensão do lado da rede será dada por:
 f    
ursob  Ur r sen   Ur r sen   Ur r senr t  (6.43)
f  
Assim, a TTR sobre os polos do disjuntor será:
   
uTTR  uTsob  ursob  UT t sen t t   Ur r senr t  (6.44)
 
Aplicando a regra do divisor de tensão ao circuito da Fugura 6.10.a) resulta:

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 27


XT
UT  UY  UY  ÛT  ÛY
X T  Xr
(6.45)
Xr Xr Xr
Ur  UY  UY  Ûr  ÛY
X T  Xr XT XT

Substituindo (6.45) em (6.44) vem:

    X r    
uTTR  ursob  uTsob  UY  r  senr t    t sen t t  (6.46)
   X t     

A expressão (6.46) considera que toda a energia no circuito anterior ao corte é


transformada em energia electrostática pós corte. Na prática as coisas não se
passam assim. Devido à presença do disjuntor, a tensão aos seus terminais
muitas vezes atinge o valor da tensão de escorvamento dando-se assim o
reacendimento do arco. A corrente restabelece-se sendo novamente suprimida,
o que origina nova sobretensão e assim sucessivamente, até que a tensão aos
terminais do disjuntor seja inferior à tensão de escorvamento do arco, resultando
uma TTR oscilatória com a frequência angular dada em (6.40). Sendo Lr << LT ,
a TTR tende para a tensão da rede uY, após o desvanecimento do regime
transitório.

Portanto, parte da energia magnética da indutância é devolvida ao circuito de


alimentação durante os reacendimentos do arco, tal que, quando a corrente é
finalmente interrompida o pico da tensão resultante é inferior ao que se obteria
sem reacendimento do arco. O processo de corte com reacendimento do arco é
ilustrado na figura (6.11).

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 28


uY(t)

u t (t)

u F (t)

Tensão de Escorvamento

i F (t)
i(t)

Figura 6.11 Corte de uma corrente de magnetização com reacendimento do arco


[2]
A diminuição da sobretensão por reacendimento do arco durante o processo é
tomada em consideração através de um factor de correcção η que se aplica a
equação (6.46) resultando:
    X r    
uTTR  UY   r  senr t    t sen t t  (6.47)
   X t     

η varia entre 0,5 e 0,7.

Ainda assim, a sobretensão pode ser perigosa para o transformador. No serviço


prático já foram observadas sobretensões com os seguintes factores de
sobretensão:

No lado da rede K= 1,2 ... 2,1


No lado do transformador K= 2,3 ... 2,5

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 29


Como foi visto em pontos anteriores uma forma de reduzir o valor das
sobretensões é colocar uma resistência paralelamente ao disjuntor. Esta
resistência evita a supressão da corrente que após a extinção do arco passa a
circular nela. Dimensionando correctamente esta resistência pode-se limitar o
valor da sobretensão ao valor pretendido. Contudo, esta resitência não deve ser
muito baixa sob pena do problema repetir-se ao pretender-se cortar a pequena
corrente residual passando por esta resitência. A prática comum é estabelecer
um compromisso limitando o valor da sobretensão a 2 vezes a tensão da rede.
Assim, costuma-se usar resistências com valores da ordem de dezenas de kΩ,
contra algumas centenas de Ω no caso das resistências para a redução da taxa
de crescimento da TTR, no caso do corte das correntes de curto-circuito.

As sobretensões que foram discutidas nesta secção, são tão perigosas quanto
maior for a tensão nominal da rede. Com efeito, para uma dada potência do
transformador, a reatância de magnetização é proporcional ao quadrado da
tensão nominal. Por outro lado, a capacitância do transformador é proporcional
LT 
ao inverso da tensão nominal. Portanto, a relação e com ela Umax da
CT
equação (6.37) varia aproximadamente com o cubo da tensão do sistema.

Resumindo, foi feita nesta secção uma discussão teórica das sobretensões de
manobra. A sua amplitude depende fundamentalmente dos valores dos
parâmetros característicos R' L' C' dos circuitos oscilantes da rede. Contudo, em
muitos casos práticos, não se dispõe dos valores desses parâmetros. Nestes
casos, a amplitude das sobtretensões de manobra pode ser estimada através da
formula (6.4) usando os factores de sobretensão de manobra na tabela (6.3.4) a
seguir.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 30


Tabela 6.3.4 Factores Empíricos de sobretensão de Manobra
Tensão Nominal da Rede Tensão Máxima de Factor de Sobretensão
[ kV ] Serviço [ kV ] de Manobra [ p.u. ]
10 12 3.5 .....4.0
20 24 3.4 .....3.6
30 36 3.0 .....3.3
110 123 3.0 .....3.2
220 245 2.7 .....3.0
380 420 2.5

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 31


6. 2.3 Sobretensões de raio

As sobretensões de raio ou também designadas de atmosféricas têm origem nas


trovoadas. Estas sobretensões dão lugar a correntes de terra cujo valor de pico
pode atingir 200 kA, embora o valor médio seja da ordem de 20 kA. A sua
variação com o tempo é dada por:


i(t )  Ipico e  t  e   t  (6.48)

Se um raio atinge um condutor de uma linha aérea, ondas de corrente iguais


com a forma dada por (6.42) são iniciadas no ponto de impacto propagando-se
em direcções opostas, uma directa movendo-se para a direita, e outra reflectida
ou inversa, movendo-se no sentido inverso. Estas ondas de corrente dão origem
a ondas de tensão, movendo-se nos mesmos sentidos, cujo valor de pico oblem-
se multiplicando a corrente pela impedância de onda Z 0 , isto é:

u(t ) 
1
2

Z 0 Ipico e  t  e   t  (6.49)

O conceito impedância de onda já foi discutido na disciplina Electrotecnia


Teórica, enquanto o mecanismo completo de propagação de ondas “viajantes”
nas redes eléctricas será discutido na disciplina Transporte e Distribuição de
Energia Eléctrica.

Do ponto de vista de incidência na rede, as sobretensões atmosféricas podem


ser indirectas e directas.

6. 2.3.1 Sobretensões indirectas

Uma nuvem carregada induz cargas na linha devido ao campo entre a nuvem e
a terra. A figura (6.12) mostra o processo de formação de sobretensões
induzidas.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 32


Uma nuvem carregada por cima da linha de transmissão induz cargas
electrostáticas na linha. Dada a relativa proximidade da linha da terra, as cargas
negativas induzidas na linha correm para a terra sobre a resistência de
derivação a terra, enquanto que as cargas negativas são mantidads na linha sob
a acção do campo eléctrico entre a nuvem e a linha. Um raio próximo da linha
pode descarregar a nuvem. As cargas positivas na linha tornam-se livres e
distribuem-se na linha como uma onda móvel.

Nuvem carregada Nuvem carregada Nuvem descarregada


_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

+ + + Linha
+ + + + + + + + +
Linha
_ _ _
Terra Terra Terra

+ + + + + + + + + + + +
a) Influência da terra b) Linha carregada c) Onda móvel

Fugura 6.12 Processo de formação de sobretensões de origem indirecta

As sobretensões induzidas pelo raio indirecto têm uma velocidade de


crescimento pequena que não ultrapassa poucos kV/μs. A amplitude da tensão
induzida depende da altura em que a linha corre sobre a terra, da intensidade do
campo eléctrico antes da descarga e da velocidade de descarga da nuvem
sobre a terra. Em geral, a amplitude situa-se abaixo de 100kV. Por isso as
descargas indirectas são inofensivas para as linhas de alta tensão, (U n>30 kV),
pois estas linhas já exibem níveis de isolamento acima de 100 kV.

As sobretensões indirectas desenvolvem-se simultaneamente em todas as fases


e com a mesma forma.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 33


6. 2.3.2 Sobretensões directas

São devidas a descargas que incidem directamente sobre um condutor da linha.


Quando isso acontece a linha adquire rapidamente o potencial da nuvem de
trovoada, por exemplo 50 MV. Esta tensão pode causar contornamentos ou
mesmo perfurações no isolamento da linha.
A descarga pode também ocorrer no poste metálico ligado a terra ou sobre o
cabo de guarda. A tensão sobre o isolador cresce abruptamente podendo
resultar descargas da torre para a linha. Estas descargas são conhecidas como
de retorno ou marcha-ré. Em ambos os casos formam-se elevadas sobretensões
na linha que podem descarregar-se para a terra nos pontos fracos do isolamento
ou deslocar-se ao longo da linha sob a forma de ondas viajantes. A figura (6.13)
mostra os dois tipos de descarga.

Cabo de guarda Cabo de guarda

us

us
us
Condutor activo Condutor
Isolador activo
Isolador

Poste us Poste
is is

Descarga da Linha para o Poste Descarga do Poste para a Linha (marcha a re )

Figura 6.13 Tipos de descargas de raio directas

Na figura 6.14 está representada a forma de onda impulsiva de raio padrão


(1,2/50 μs) caracterizado por um tempo de subida da tensão (até 0,9 p.u.) de 1,2
μs e por um tempo de descida (até 0,5 p.u.) de 50 μs. Como visto no capítulo de

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 34


geração de altas tensões, este impulso padrão é usado para ensaios de
equipamentos em laboratórios, designados de ensaios de impulso, simulando as
condições resultantes de uma descarga de raio atmosférico.

cauda

u(t )


2
frente

0
Tf 10 20 30 40 50 60
Tempo
[Microsegundos]

Tc

Tensão de impulso atmosférico normalizada: 1.2/50


Tf  1 .2 s  30 %
Tc  50 s  20 %

Figura 6.14 Impulso padrão de raio

A tabela 6.4 mostra alguns valores típicos do raio atmosférico e corrente


decorrente:
Tabela 6.4 Valores típicos de impulsos de raio
Amplitude de tensão das nuvens de trovoada 100-1000 MV
Campo eléctrico para a formação do raio 500 kV/m
Intensidade da corrente de raio 10...50 kA [200 kA]
Carga do raio < 1As [20 As]
Duração da frente da onda 1...10 μs
Taxa de crescimento da onda 5 ... 12 kA/μs [100 kA/μs ]

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 35


A experiência mostra que se a descarga dá-se directamente sobre um poste,
este recebe aproximadamente 60% da corrente de raio incidente continuando o
resto o seu percurso pelo cabo de guarda ou linha repartindo-se como indicado
na figura (6.15.a). Se a descarga ocorre num vão entre dois postes, a
distribuição das correntes se realiza como indicado na figura (6.15.b)

100%

5% 20% 20% 5%

15% 60% 15% 5%


5%

a) Repartição de correntes de descarga para uma incidência no poste

100%

5% 15% 50% 50% 15% 5%

10% 35% 5%
5% 35% 10%

b) Repartição de correntes de descarga para uma incidência num vão

Figura 6.15 Repartição de correntes de raio resultantes de uma descarga directa

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 36


Portanto, o caso mais crítico é quando o raio incide directamente sobre o poste.
Considerando uma corrente de raio de 100 kA, a corrente do poste de incidência
para a terra será de 60%100 kA=60 kA. Supondo-se uma resitência de terra de
20Ω, o poste adquiroá e deverá suportar uma tensão aproximada de
Uposte  60 kA x20   1200 kV .

Esta tensão muito elevada é a causa das descargas de retorno na linha. Para
evitar estas descargas, a resitência de terra dos postes deverá ser tanto
pequena quanto possível, de modo que a tensão sobre ela resulte sempre
menor que a tensão de contornamento dos isoladores. Por exemplo, se se
utilizam isoladores normais para uma linha de 110 kV, a resistência de terra dos
postes deverá ser inferior a 15Ω, e para uma linha de 50 kV, inferior a 8Ω.

Contudo, é muito difícil conseguir resistências de terra tão baixas quanto as


necessárias para evitar sobretensões. Para que as sobretensões inevitáveis não
destruam os isolamentos dos equipamentos da rede, as redes são providas de
aparelhagem de protecção contra sobretensões, cuja função principal é desviá-
las para a terra. Estes dispositivos, conhecidos como descarregadores de
tensão e pára-raios conseguem desviar para a terra até 97% das descargas. O
princípio de funcionamento e dimensionamento destes dispositivos é discutido
na disciplina Aparelhagem de Manobra e Protecção.

Quando um raio directo cai sobre um poste de madeira, existe o perigo de que a
corrente resultante possa incendiar o poste por causa das rachas produzidas
pela descarga.

Quanto mais seguras forem as linhas, mais expostas ficam as subestações aos
efeitos dos raios, pois estas passam a constituir os pontos mais fracos das
redes. As perturbações de origem atmosféricas nas subestações podem ter
origem em raios directos nas subestações ou ondas viajantes provenientes de
descargas em outros pontos da rede que não poderam ser desviadas para terra.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 37


A tensão de sobretensão devida a um raio sobre cada cadeia de isoladores de
uma linha pode ser calculada a partir da equação (6.44) a seguir:

 Z di(t )  
Uisolador  0 H  IraioR t  Umserviço (6.50)
v dt
Onde,
L'
Z0  (6.51)
C'

1
v (6.52)
L' C'
e:
Z0 → Impedância de onda da linha;
v →Velocidade de propagação da onda móvel na linha;
H→Altura de montagem da linha;
di(t )
→ Taxa máxima de crescimento do impulso da corrente de raio;
dt

Iraio → Amplitude da corrente de raio;
Rt → Resitência total de ligação a terra do poste;

Umserviço →Tensão maxima de operação do sistema;

L’ → Indutância mútua da linha por unidade de comprimento;


C’ → Capacitância da linha por unidade de comprimento.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 38


Referências Bibliográficas:

[1] D. Gorgius, Técnica de Alta Tensão, FEUEM: Maputo,1984.


[2] José P. S. Paiva, Redes de Energia Eléctrica: Uma Análise Sistémica,
IST Press, Lisboa, PT, 2005.
[3] Lou van der Sluis, Transients in Power Systems: TUDELFT,
Delft,NL,2001.
[4] J. D. Glover, M. S. Sarma, Power System Anal System Analsis and
Design:3rd Edition, Brooks/ Cole,US,2002.

Esforços Dieléctricos em Isolamentos 39

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