Unileão Centro Universitário Doutor Leão Sampaio Curso de Graduação em Psicologia
Unileão Centro Universitário Doutor Leão Sampaio Curso de Graduação em Psicologia
Unileão Centro Universitário Doutor Leão Sampaio Curso de Graduação em Psicologia
JUAZEIRO DO NORTE - CE
2021
LUANA PAULINO DE LÍRIO
JUAZEIRO DO NORTE - CE
2021
LUANA PAULINO DE LÍRIO
BANCA EXAMINADORA
JUAZEIRO DO NORTE - CE
2021
ABUSO SEXUAL INFANTIL NA PERSPECTIVA DA GESTALT TERAPIA
RESUMO
Este trabalho foi construído com o intuito de entender como a Gestalt Terapia pode auxiliar
crianças que foram vítimas de Abuso Sexual. Para isso foi realizada uma revisão bibliográfica
nas plataformas: PEPSICO (Periódicos Eletrônicos em Psicologia), SciELO (Scientific
Eletronic Library Online), IGT (Instituto de Gestalt-Terapia) na rede, BVS (Biblioteca Virtual
em Saúde) e Google Acadêmico, encontrando um total de 9 (nove) artigos que discutem e
relacionam a Gestalt Terapia e o Abuso Sexual. A partir da análise desses dados percebeu-se
que a primeira tarefa da Gestalt Terapeuta é construir uma Relação Terapêutica fortificada com
a criança, para que em seguida ela consiga se sentir segura para se colocar, se expressar. Porque
é a partir disso que a criança conseguirá retomar o Fluxo de Awareness e reabrir a sua Fronteira
de Contato, que, para os autores, é o objetivo principal dentro desse processo, visto que é por
meio do Contato que a criança se nutre e se desenvolve de maneira saudável.
Palavras-chave: Abuso Sexual. Gestalt Terapia. Fronteira de Contato. Awareness.
ABSTRACT
This work was built in order to understand how Gestalt Therapy can help children who were
victims of Sexual Abuse. For this, a bibliographic research was conducted on the platforms:
PEPSICO (Electronic Journals in Psychology), SciELO (Scientific Electronic Library Online),
IGT (Institute of Gestalt Therapy) on the web, BVS (Virtual Health Library) and Google
Scholar, finding a total of 9 (nine) articles that discuss and relate Gestalt Therapy and Sexual
Abuse. From the data analysis, it was noticed that the first task of the Gestalt Therapist is to
build a fortified Therapeutic Relationship with the child, so that they can then feel safe to put
themselves, to express themselves. Because it is from this that the child will be able to retrieve
the Flow of Awareness and reopen their Border of Contact, which, for the authors, is the main
objective within this process, since it is through Contact that the child is nourished and
developed in a healthy way.
Keywords: Sexual Abuse. Gestalt Therapy. Border of Contact. Awareness.
5
1 INTRODUÇÃO
A evitação desse contato leva o organismo a uma série de situações inacabadas, a apatia
e ao excesso de controle, que vão lhe prejudicar (BELMINO, 2020). Neste caso, possivelmente
provocando a série de sintomas apresentadas por Rezende. Vale ressaltar que em Gestalt
Terapia o sintoma não é visto como um problema em si, algo que necessita ser resolvido, mas
como uma forma criativa alcançada pelo indivíduo, com os recursos de que dispõe, de assinalar
suas dificuldade de interação com o meio do qual faz parte (AGUIAR, 2015). Deste modo, este
trabalho visa estudar e responder “de que forma a Gestalt Terapia, a partir da sua visão de
homem e mundo, pode contribuir para o processo clínico de crianças vítimas de abuso?”.
Logo, tem como objetivo compreender como a Gestalt Terapia pode auxiliar as crianças
vítimas de Abuso Sexual. Para esse fim buscará entender o que é o abuso sexual a partir da
leitura de artigos que trazem esse tema como base de pesquisa, identificar quais as possíveis
consequências do abuso sexual nas crianças e adolescentes que o vivenciaram, conhecer a visão
de homem e mundo da Gestalt Terapia por meio de livros e artigos que tratam dessa teoria e
verificar através de artigos que correlacionem essas duas perspectivas, às implicações da Gestalt
Terapia na intervenção com crianças vítimas de Abuso Sexual.
Com base nisso, entende-se que a relevância deste trabalho se dá pelo fato de haver
poucos estudos e pouca literatura no meio acadêmico que correlacione o abuso sexual com as
práticas da Gestalt Terapia. E, como foi visto, os índices de abusos a cada ano se elevam e suas
consequências são marcantes, sendo de extrema importância que Gestalt terapeutas tenham
aporte teórico para lidar melhor com estes casos. A necessidade deste trabalho se tornou mais
marcante quando ao atuar na Clínica Escola de Psicologia da UNILEÃO chegou um caso de
uma criança que acabara de sofrer abuso de um amigo da família, e dentro da literatura da Gestalt
Terapia pouquíssimos trabalhos especificavam o Abuso sexual.
Assim, para tal fim, primeiro se fez necessário entender o que é o abuso sexual, quais
os tipos de abuso, qual a recorrência desse crime e quais as principais consequências, em
seguida foi explicado sobre os fundamentos da Gestalt Terapia, bem como eles se relacionam
com a noção de infância e, por fim, como pode atuar um Gestalt terapeuta ao atender crianças
vítimas de abuso sexual.
7
2 METODOLOGIA
Lucivaldo Da Silva
Araújo
Uma reflexão da Gestalt- terapia Joziane da Luz 2018 Google Acadêmico
sobre o impacto da ambivalência Gomes
afetiva no fenômeno de abuso
sexual infantil
Crianças vítimas de violência Sheila Antony; 2018 Google Acadêmico
sexual intrafamiliar: uma Ediléia Menezes de
Abordagem gestáltica Almeida
3 ABUSO SEXUAL
eles, facilitando assim, os abusos (REZENDE, 2013). Hirata e Baltazar (2006, p. 93) explicam
que
Alguns autores concordam que devido a isso os índices de denúncias são baixos. Entre
os anos de 2011 e 2020 foram realizadas 200 mil denúncias de violência sexual infantil, no
entanto, os estudiosos e pesquisadores afirmam que esse número refere-se apenas a 10% do
número de casos reais, assim, nos deparamos com cerca de 2 milhões de casos de violência
sexual (MMFDH, 2021).
Todo essa situação provoca na criança um sentimento de confusão, visto que ela não
consegue entender porque aquela pessoa que para ela era uma figura de proteção e cuidado, está
assumindo uma posição de violação (ainda que ela não defina nesses termos). Ao mesmo tempo
que lhe surge um sentimento de desajuste, de que aquilo não está correto, há o sentimento de
culpa, de medo, e de “que de alguma forma ele sabe o que está fazendo e está certo”. Hirata e
Baltazar (2006, p. 93) concordam quando trazem que “com frequência elas permanecem
silenciosas por não desejarem prejudicar o abusador ou provocar uma desagregação familiar,
ou ainda, sob o receio de serem consideradas culpadas ou castigadas”.
O ASI é considerado um dos agravantes das consequências advindas da violência. Além
deste fator há outros, tais como: quando começou, quantas vezes aconteceu e quanto tempo
durou, o grau de violência, a diferença entre a idade do agressor e da vítima, e se após isso a
criança/adolescente obteve apoio da família e/ou profissional (FLORENTINO, 2015).
Dependendo destes fatores as consequências podem variar, mas, de todo modo, os
estudiosos costumam separá-las em consequências a curto e a longo prazo, com problemas
emocionais e orgânicos.
Os problemas físicos que a criança e/ou o adolescente podem apresentar a curto prazo
são: “lesões físicas gerais; lesões genitais; lesões anais; gestação, doenças sexualmente
transmissíveis; disfunções sexuais; hematomas; contusões e fraturas [...] sangramentos e perda
do controle esfincteriano em situações onde ocorre aumento da pressão abdominal”
(FLORENTINO, 2015, p.141).
Os problemas emocionais a curto prazo podem consistir em:
10
A Gestalt Terapia é conhecida como uma abordagem da psicologia, mas para os teóricos
da área, ela é mais do que uma abordagem, é uma filosofia, um modo de ser (PERLS, 1977
apud ALENCAR, 2014). Ela foi desenvolvida, principalmente, por Fritz Perls, Laura Perls e
Paul Goodman, que tiveram influência de diversas teorias, as principais são: a Psicanálise
Freudiana, o Humanismo-Existencialista, a Teoria Organísmica de Kurt Goldstein, as ideias de
Corpo e Couraças Musculares de Reich, a releitura da Dialética Hegeliana de Friendlander e o
Gestaltismo (BELMINO, 2020).
11
A partir destas influências, a Gestalt entende que o ser humano não deve ser visto como
um ser de dualidades ou cindido, mas sim, como um todo unificado e integrado (LIMA; ELIAS,
2010). Isto porque, a partir da sua concepção organísmica, quando na sua relação, surgem
necessidades todo o organismo se molda àquela necessidade (ou novidade). Assim, não tem
como apenas uma parte do sujeito ser afetada, o todo é afetado. Desse modo, “uma verdadeira
compreensão da condição individual só é alcançada se considerarmos o indivíduo como parte
da totalidade da natureza e em particular da sociedade humana a que pertence” (TOBEN;
WOLF, 1999 apud LIMA; ELIAS, 2010, p. 5).
Além de ser visto como um todo unificado, o organismo para Gestalt não pode ser
dissociado do ambiente, pois o organismo é essencialmente relacional (AGUIAR, 2015), ou
seja, organismo e ambiente mantém uma interação mútua e constante, proporcionando inúmeras
experiências, possibilidades e configurações (LIMA; ELIAS, 2010). E essa relação ocorre num
campo experiencial. Esse campo experiencial é definido por Belmino (2020, p. 93 e 94) como
um “fluxo de vividos intersubjetivos e intercorpóreos”. Com isso, Belmino quer dizer que esse
campo além de conter aquilo que é material e concreto, também contém um fundo imaterial que
se forma por meio dos afetos e histórias, experiências passadas vividas na relação com o meio,
e também naquilo que ainda poderá ser vivido, que carrega desejo e possibilidades.
Esse fluxo de vividos, entendido aqui como a própria experiência, é dado no que se
chama de Fronteira de Contato. É na fronteira de contato que ocorre a seleção daquilo que é
necessário para o crescimento do indivíduo, e assim deve ser assimilado, e aquilo que é
prejudicial, e assim deve ser recusado, suscitando a troca saudável campo/organismo/ambiente
(AGUIAR, 2015). Antony (2006, p. 3) concorda com essa perspectiva quando traz que o
Deste modo, compreende-se que há um ciclo constante nesse processo, é por causa do
contato que surgem novas necessidades e é por meio do contato que o organismo vai conseguir
atender a essas necessidades. Assim, quando surgir essas novas demandas o organismo buscará
organizá-las e atendê-las para que permaneça em equilíbrio, Aguiar (2015) ressalta que essa
organização é regida por uma força inata que sempre busca o equilíbrio, e que é comum a todo
organismo porque é a forma que utiliza para satisfazer essas necessidades relacionais. A isto a
Gestalt Terapia chama de autorregulação organísmica, definida, mais especificamente como “a
12
É importante perceber que esse processo não é (ou pelo menos não deve ser) rígido,
deve ser dinâmico, pois assim o organismo caminha para o processo de autorregulação
organísmica – este é o processo saudável do organismo.
E para que ocorra o processo autorregulador, necessita de awareness (consciência) da
situação em que está vivenciando. A awareness não assume uma tradução exata no português,
no entanto, entre as tentativas de traduzir o que seria essa Awareness encontra-se: “tornar-se
presente”, “estar presente na experiência”, “conscientizar-se de fatores que estavam alheios a
atenção”, “um continuum de consciência” (FADIMAN; FRAGER, 1986).
Desse modo, entendendo que o Contato é pressuposto básico que molda toda a teoria,
na Gestalt Terapia a noção de saúde e doença é também explicada através desse conceito. O
organismo é saudável quando ele se mantém em contato com as diversas experiências e
novidades que sua relação com o meio apresenta, e a partir delas vai se autorregulando, sem
interromper esse contato (AGUIAR, 2015). Em contrapartida, o adoecimento se daria pela
evitação ou interrupção desse contato, levando o indivíduo a ignorar uma série de sentimentos,
pensamentos e comportamentos, provocando ainda situações inacabadas (gestalten abertas), a
apatia e o excesso de controle (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997).
“Em função disso, ela encara como verdade qualquer coisa que ouça a respeito
de si mesma, uma vez que não é cognitivamente capaz de levar em conta o
que o outro fala como um ponto de vista entre outros possíveis, tornando esse
momento particularmente propício para introjetar percepções negativas acerca
de si, prejudicando o desenvolvimento de sua autoestima e dificultando seu
contato pleno com o mundo” (AGUIAR, 2015, p. 58 e 59).
Como pôde ser compreendido no tópico anterior, a Gestalt entende que o organismo não
é dividido entre corpo-mente, ele é um todo unificado, e sendo um todo, ele é afetado de forma
total quando algo ultrapassa sua fronteira, bem como também, se ajusta de forma total para lidar
com essa afetação. No entanto, os autores que estudam o Abuso Sexual na perspectiva da
Gestalt Terapia explicam que quando a criança é vítima do Abuso Sexual ela sofre uma espécie
de fragmentação nesse todo unificado, fazendo com que de algum modo corpo-mente se
rompam (ANTONY; ALMEIDA, 2018; JUNQUEIRA, 2019). Cabe esclarecer que esse
rompimento não é um rompimento total, mas sim uma espécie de barreira criada entre corpo e
mente.
O que acontece é que o corpo, que experienciou diretamente a violência, passa a ser
visto como um objeto de dor e sofrimento e assim deve ser temido, negado e alienado, e na
tentativa de se proteger do medo e da angústia que isso lhe gera, a criança evita o contato com
seus pensamentos e imagens (com a mente) – é nesse momento que acontece a fragmentação
(ANTONY; ALMEIDA, 2018). Junqueira (2019) ressalta que esse processo se refere a algo
15
que Perls denominou de “dessensibilização”, que em termos mais claros, seria a evitação da
awareness, ou seja, a criança evita ter consciência do que se passa em si, “aniquilando” certos
sentimentos e experiências. A dessensibilização acaba sendo um ótimo mecanismo para lidar
com a dor.
Essa dessensibilização pode gerar na criança as “somatizações (dores e enfermidades no
corpo), os sintomas de ordem cognitiva (como desatenção, falhas de memória, pensamento
lentificado) e os de fundo psicológico, como depressão, fobias, ansiedades, ideias obsessivas,
condutas compulsivas, transtornos alimentares” (ANTONY; ALMEIDA, 2018, p. 187). Que
são os sintomas, apresentados no tópico de “Abuso Sexual Infantil”, que Rezende (2013) e
Florentino (2015) colocam como os principais em vítimas de Abuso Sexual. E é imprescindível
relembrar que Perls, Hefferline e Goodman (1997) trazem que ao mesmo tempo que o sintoma
é uma defesa que o organismo impôs contra a vitalidade, é também a própria expressão da
vitalidade, porque quer mostrar que ali tem um organismo que está se ajustando.
Além disso, essa evitação da awareness contribui para a formação de “gestalten abertas”,
que como já dito, são situações passadas que não foram finalizadas e permanecem fixas no
presente, mas nem sempre de forma que o sujeito perceba, assim retêm energia dele na tentativa
de serem percebidas e fechadas (JUNQUEIRA, 2019). O grande problema das gestalten abertas
é que essa tentativa de ser percebida muitas vezes acontece por meio da repetição da situação,
ou seja, o indivíduo passa a se colocar naquela mesma situação (de forma não consciente) que
lhe causou sofrimento, afim de fechá-la (ANTONY; ALMEIDA, 2018). Essa repetição pode se
dá por dois vieses: um em que a vítima acaba se envolvendo em relações abusivas e violentas
e outro em que a vítima se torna o próprio abusador.
É por isso que Antony e Almeida (2018) discutem o quão perigoso acaba sendo o Abuso
Sexual Intrafamiliar, pois facilmente ele pode ser tornar um ciclo repetitivo dentro da família,
ultrapassando várias gerações. Isto porque, de acordo com elas, o sujeito sente a necessidade
de transmitir as situações que não conseguiu elaborar (as gestalten abertas).
Outro ponto importante que aparece ao se falar de família é que, como foi bem colocado
anteriormente por Oaklander (1992) e Antony (2006) no tópico sobre Gestalt e infância, a
criança por não ter as funções cognitivas superiores bem desenvolvidas, acaba introjetando
(sem avaliar o que lhe ajuda no crescimento e o que não ajuda) quase tudo que os adultos fazem
com ela. Mas até certo momento essa introjeção é deveras necessária, porque a família é quem
garante a integridade do “EU” da criança por meio dos seus valores, das suas organizações
sociais, dos papéis que assumem e fazem a criança assumir (GOMES, 2018).
16
Porém há três situações que podem ocorrer à respeito dessa introjeção: primeiro, a
criança introjeta totalmente essa situação; segundo, ela introjeta de forma parcial; e terceiro, ela
discrimina esse introjeto.
Quando ela introjeta totalmente há a possibilidade disso se tornar outro fator que
contribui para que o Abuso Sexual ultrapasse as gerações, pois como bem traz Mandelbaum
(2007 apud ANTONY; ALMEIDA, 2018, p. 188): “quando o herdado é apenas acatado, sem
elaboração, sem ligação, estamos no território da compulsão à repetição, da alienação. O
herdado passa a ser, então, como um destino a cumprir”. Ou seja, essa introjeção sem crivo,
sem discriminação, pode também aparecer mais tarde na forma de um novo abuso.
Quando ela introjeta parcialmente há uma confusão de sentimentos (que foi mencionada
no tópico sobre Abuso Sexual), isto porque a criança/adolescente está inserida numa vastidão
de dualidades: em uma primeira instância, ela sente ansiedade para sair daquela situação,
porém, paralelamente, compreende que por aquela pessoa ser uma figura de responsabilidade e
cuidado, ela “deve saber o que está fazendo”. Em uma segunda instância, concomitante com o
sentimento de estima que ela tem pelo abusador, sente raiva e ódio, acarretando em dificuldades
de autoaceitação, fragmentação e autoalienação (OAKLANDER, 1978 apud GOMES, 2018).
Em um terceiro âmbito, há uma confusão à respeito do amor e do sexo, pois, figuras que são
pra ela de amor, utilizam o corpo dela como fonte de prazer, assim, possibilitando que ela
internalize que para conseguir o afeto de alguém é necessário utilizar o sexo (ANTONY;
ALMEIDA, 2018). E, por fim, a culpa, advinda do desejo de destruir o objeto que lhe fere, mas
esse objeto é para si um objeto de amor e estima, assim como para o restante da família.
E, por fim, há a possibilidade dela conseguir discriminar esse introjeto, percebendo que
é uma situação como inadequada e denunciando aos pais ou outras figuras protetoras. Todavia,
essa seria a situação ideal, porém devido a todos os fatores aqui já mencionados, é uma situação
que na maioria das vezes não acontece. E cabe explicitar que mesmo quando acontece, a criança
ainda precisa de ajudar para lidar com todo o sofrimento foi gerado dessa violência.
E, diante de todos esses sintomas, de todos esses sentimentos confusos, dessa dor, se
percebe uma criança que não tem mais a habilidade de manter um contato saudável consigo e
com o mundo, e o não conseguir obter uma contato saudável é o que a Gestalt Terapia acredita
ser o processo de adoecimento. Como Antony (2009, p. 358) bem traz:
Desse modo, a criança que Aguiar (2015) cita como apta a crescer aceleradamente
devido as várias experiências e desafios que se permite vivenciar, não existe mais. A partir do
abuso, ela vê o contato como um risco, reconfigurando suas fronteiras de contato de modo que
se tornem rígidas (JUNQUEIRA, 2019). É aí que entra a psicóloga clínica com o papel
importantíssimo de auxiliar a criança a reabrir suas Fronteiras de Contato e retomar a
awareness.
Para que esse contato seja “desbloqueado” e haja uma abertura na Fronteira de Contato,
os autores que discutem sobre essa temática (LIMA; ELIAS, 2010; JUNQUEIRA, 2019;
ANTONY; ALMEIDA, 2018; ALENCAR, 2014; ARAÚJO, 2007; PIMENTEL; ARAÚJO,
2009; GOMES, 2018) trazem a necessidade do Gestalt Terapeuta auxiliar a criança a retomar
o fluxo de “Awareness”. Pois (como já mencionado), a awareness é “estar inteiro, voltado para
o contato” (YONTEF, 1998 apud JUNQUEIRA, 2019). E é essa retomada do contato que vai
permitir que ela integre o problema e feche as gesltaten abertas (JUNQUEIRA, 2019).
Para isso, eles colocam a importância de primeiramente constituir com a criança uma
Relação Terapêutica fortificada, para que a criança se sinta segura e acolhida, e em seguida
possa expressar seus sentimentos – que para eles é o outro foco do Gestalt Terapeuta.
Limas e Elias (2010) explicam que a Relação Terapêutica deve ser de Empatia e de
troca. Empatia é o permitir-se adentrar, sentir e experienciar aquilo que está sendo posto no
campo relacional terapêutico, “como se” isso fosse seu. Mas, de acordo com Rogers (1961,
apud PATTERSON; EISENBERG, 1988), sem nunca deixar o “como se” de lado. E Damacena
e Silva (2021) complementam colocando como essencial a Aceitação e Compreensão. A
aceitação está diretamente ligada à valorização do outro como pessoa, com humanização. E a
compreensão envolve a capacidade de se colocar na perspectiva do outro para perceber como
ele ver e sente (AMATUZZI, 2012). “A psicoterapia infantil de base fenomenológico-
18
existencial vai considerar a aceitação da singularidade de cada criança em que se torna uma
condição fundamental para a livre expressão de sentimentos” (DAMACENA; SILVA, 2021, p.
26).
Ferreira (2018) usa do princípio dialógico de Martin Buber, Eu-Tu, para definir o que
de fato seria essa relação que Lima e Elias (2010) e Damacena e Silva (2021) falam.
Em resumo, Ferreira (2018) explica que a relação terapêutica na Gestalt Terapia implica
uma abertura do profissional para o campo co-criado com o outro, e a partir dessa abertura,
desse vínculo, que o crescimento, o fortalecimento e a potência de vida serão favorecidos.
Assim entende-se que é imprescindível que essa relação seja de empatia, de troca de respeito,
de aceitação, livre de preconceitos, para que se possa enxergar a criança/adolescente não apenas
como um sintoma, mas como um organismo total que ali se apresenta (LIMA; ELIAS, 2010),
além de abrir espaço para um ambiente livre em que a criança/adolescente se sinta segura para
expressar por completo seus sentimentos (AGUIAR, 2015).
É só por meio da construção da relação terapêutica nesses termos, que o Gestalt
Terapeuta irá conseguir assumir seu papel de dar suporte para o contato, de emprestar sua
sensibilidade ao campo, possibilitando que o inibido, as fantasias, afetos, e o que não tem lugar,
possa surgir, e assim, possa ser acolhidos e experienciados, visto que, na nossa sociedade, essas
questões não têm espaço para aparecer (BELMINO, 2020).
E quando o atendimento é com uma criança, para que esse vínculo ocorra, é necessário
que a psicóloga resgate a criança que há dentro de si, porque só por meio disso que ela
conseguirá alcançar o seu campo experiencial (LIMA; ELIAS, 2010; AGUIAR, 2015). O bom
relacionamento terapêutico faz com que o brincar do terapeuta ressoe com o brincar espontâneo
da criança (FERREIRA, 2018).
vivenciado e percebido em sua legitimidade, ele acabará. Retornará apenas, e com razão, assim
que houver novos motivos para tal”.
Ainda, é essencial que a Gestalt-Terapeuta trabalhe com a criança aquelas dualidades
que surgem do Abuso Sexual Intrafamiliar, em que ao mesmo tempo que a criança ama aquela
pessoa ela a odeia, aquela atitude lhe provoca desconforto, angústia e dor, mas ela acredita que
os pais (ou pessoas próximas) sempre sabem o que é melhor e correto, gerando essa
ambivalência entre amor e ódio, certo e errado, bom e mau (GOMES, 2018). Assim, a Gestalt-
Terapeuta deve ajudar a criança a buscar um outro ponto que transforme essas dualidades em
uma tríade, fomentando assim o que se chama de ponto zero, que visa a integração da dualidade,
não pendendo para nenhum dos extremos, equilibrando-se (GOMES, 2018). Assim, espera-se
que a criança/adolescente tendo contato com esses sentimentos, conseguirá manuseá-lo melhor,
se ajustando de uma forma mais saudável.
Como a criança, e até mesmo a adolescente, tem uma forma de comunicação diferente
da utilizada pelos adultos, o terapeuta irá utilizar principalmente a Ludoterapia. A Ludoterapia
é a terapia por meio do brincar (NEOLÁCIO, 2013). Damacena e Silva (2021, p. 25) explicam
que por meio da ludoterapia a criança consegue “descobrir formas mais saudáveis de existir
diante do sofrimento”. As técnicas lúdicas podem envolver brincadeiras, desenhos, jogos, etc.
O Gestalt Terapeuta, ao utilizar as técnicas lúdicas, ajudará no aparecimento de gestalten
abertas no setting terapêutico, além de possibilitar a expressão de emoções e pensamentos,
ajudando a criança/adolescente a tomar consciência de si mesmo no mundo (AGUIAR, 2015).
Ao tomar essa consciência de si e de seus sentimentos, ela vai sentir uma segurança maior para
se expressar de forma autêntica não só no setting terapêutico mas também nas suas outras
relações (SAMPAIO, 2006 apud DAMACENA; SILVA, 2021).
Isto porque quando a criança brinca ela constrói um universo que traz questões e
aspectos do seu próprio cotidiano, e no brincar ela vai vivenciando essas questões de modo a
articula-las e entendê-las melhor. Encontrando possibilidades de resolução, expressando
emoções que na experiência real não conseguiu expressar, e até se preparando para situações
que ainda não vieram a acontecer (MELO, 2011).
Winnicott (1975, p. 70) defende que é exatamente por isso que o brincar “facilita o
crescimento e, portanto, a saúde; conduz aos relacionamentos grupais e pode ser uma forma de
comunicação na psicoterapia”. E Aguiar (2015) traz a mesma ideia à respeito dos jogos, que
21
para ela, é por meio do jogar que a criança/adolescente amplia sua awareness, já que durante o
jogo a criança/adolescente também experimenta o mundo, negociando e desenvolvendo o
espírito de equipe, ensaiando situações e entrando em contato de forma leve com
acontecimentos antes não acessados.
Além das brincadeiras e dos jogos Antony e Almeida (2018) citam o uso do desenho,
da argila, das pinturas e das histórias. O uso do desenho, da argila e da pintura é muito comum
pois entende-se que por meio de ferramentas artísticas como essas o sujeito projeta, de forma
inconsciente, questões que lhe afetam emocionalmente e muitas vezes necessitam ser
resolvidas. Além disso, o uso dessas ferramentas contribui para o contato da criança com o
próprio corpo (de forma mais sensório-motor), que é extremamente necessário, visto que corpo-
mente são uma unidade indissociável, e tendo a criança vivenciado uma quantidade incontável
de sentimentos confusos e difíceis de lidar, o corpo pode se tornar uma fonte de temor e tensão
(ANTONY; ALMEIDA, 2018).
Já o uso de histórias é importante pois, assim como as brincadeiras, ajudam a criança a
vivenciar situações do seu cotidiano que são difíceis de serem resolvidas e trabalhadas através
da identificação da criança com os personagens (SIEWERT, 2005).
Assim, nos casos de Abuso Sexual, Antony e Almeida (2018) ressaltam o valor da
Gestalt-Terapeuta utilizar histórias que contém um enredo com perseguição, traição, agressão,
violência e rejeição. Pois a criança irá se identificar com os personagens e poderá por meio da
história encontrar saídas para sua própria experiência, e até mesmo criar outras saídas para a
história junto com a psicoterapeuta.
Ademais, as histórias podem ser contadas por meio de livros e de fantoches. A ideia é
que a criança ache mais fácil “ver, observar, pensar, agir e interagir com os fantoches e animais
do que entrar em contato direto com a cena intolerável, por meio de bonecos humanos ou
conversa direcionada pelo terapeuta” (ANTONY; ALMEIDA, 2018, p.197).
Deste modo, entende-se que a brincadeira, o jogo, a pintura, o desenho e as histórias por
si só auxiliam no aparecimento de questões e aspectos que a criança vivenciou, mas por muitas
vezes serem questões difíceis demais para a criança, como no caso do Abuso Sexual, a
22
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tinha como objetivo conseguir responder de que forma a Gestalt
Terapia poderia auxiliar no processo de enfrentamento de crianças que foram vítimas de Abuso
Sexual. Para tal, primeiro foi compreendido que o Abuso Sexual é uma violência ainda muito
recorrente e que traz uma série de prejuízos na vida da criança, e se essa criança não for cuidada
da melhor forma possível, trará prejuízos na sua adolescência e na fase adulta. Em seguida,
pode-se observar a leitura da Gestalt Terapia à respeito do ser humano, e principalmente do ser
humano na infância, entendendo que o organismo saudável é aquele que está aberto a
experienciar os diversos contatos (estar com a Fronteira de Contato fluida) que surgem na sua
vida, se permitindo sentir, perceber e expressar de que forma este contato o afeta (estar
“awere”). Além disso, que é a rigidez nesse contatar, na Fronteira de Contato, é que faz com
que o organismo entre em processo de adoecimento.
Desse modo, a Gestalt Terapia compreende que a vivência do Abuso Sexual é tão
adoecedora e provoca uma série de sintomas ao longo de toda a vida do sujeito, porque ela
atinge o que há de mais constituidor no sujeito, o Contato. Ao experienciar a violência do Abuso
Sexual, a criança que antes tinha a sua Fronteira de Contato aberta e apta a experienciar,
contatar, se permitir ser afetado pelo o mundo/pelo outro, agora possui essa Fronteira rígida,
evitando novos contatos, evitando o ser afetado e evitando a consciência de si mesmo, o estar
“awere”.
E devido a isso que os autores que se dispuseram a estudar essa temática afirmam que o
trabalho do Gestalt Terapeuta com essas crianças é no sentido de auxiliá-la a retomar essa
fluidez na Fronteira de Contato, para que elas consigam no contato se nutrir de novo. Para tal,
eles colocam que primeiramente é imprescindível que se estabeleça uma Relação Terapêutica
fortificada, pois sem isso o processo não avançará, porque é por meio da Relação Terapêutica
que a criança se sentirá segura para se colocar, para entrar em contato com a experiência
dolorosa, com os sentimentos difíceis que advém disso, e é também por meio do acolhimento e
23
aceitação dessa Relação Terapêutica que a criança perceberá (mesmo que indiretamente) que
pode ir abrindo espaço para novos contatos, que nem todos lhe causarão sofrimento.
Em consonância com a Relação terapêutica fortificada, os autores trazem que a Gestalt
Terapeuta trabalhará ajudando a criança a expressar seus sentimentos, nesse momento eles
frisam a importância de utilizar o lúdico, visto que a criança tem uma linguagem lúdica. Assim,
os mecanismos lúdicos que eles citam como úteis são: as brincadeiras, os jogos, o desenho, as
histórias (contos de fadas, etc), a expressão por meio de pintura e argila.
Porém, se por um lado foi possível perceber uma disposição maior dos autores em
trabalhar e escrever sobre essa temática, e assim ter um avanço na área, por outro lado entende-
se que esse é um assunto que contém leituras muito escassas, sendo necessário assim, ainda
percorrer um longo caminho em direção a um maior desenvolvimento.
24
REFERÊNCIAS
AGUIAR, L. Gestalt Terapia com Crianças: Teoria e Prática. 3ed. São Paulo: Summus,
2015.
AMATUZZI, Mauro M. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Alínea, 2012
DAMACENA, J. B.; BUENO, L. Brasil registrou 14 mil denúncias de abuso sexual infantil
em 2020. Brasil 61, 2021. Disponível em: https://brasil61.com/n/brasil-teve-14-mil-
denuncias-de-abuso-sexual-infantil-em-2020-bras214905. Acesso em 20 de setembro de
2021.
PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. 2 ed. São Paulo: Summus,
1997.
SIEWERT, C. S. Era Uma Vez: O conto de Fadas e a Criança. Artigo para Estágio
Supervisionado (Graduação) –Faculdade de Psicologia de Joinville. Joinville, 2005.
Disponível em: https://pt.scribd.com/document/235296441/Artigo-O-Conto-de-Fadas-e-a-
Crianca. Acesso em 10 de novembro de 2021.