Cada Um Aprende de Um Jeito

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aprende-de-um-jeito

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 159, 01 de Janeiro | 2003

Prática pedagógica

Cada um aprende de um
jeito
Saiba respeitar o ritmo de cada criança e preparar
estratégias de ensino que privilegiem as atividades
diferenciadas
Roberta Bencini

Existem crianças altas e baixas, loiras e


morenas, gordas e magras. Algumas nasceram
em lares com pai, mãe e irmãos, todos
alfabetizados e leitores. Outras nem conhecem
os pais, moram com os avós, os tios, um
parente distante. Muitas viajam nas férias.
Conhecem o mar, o mato e gente de lugares
variados. Há quem nunca tenha saído do
bairro em que nasceu. Ninguém é igual a
ninguém. Cada pessoa tem uma história
particular e única, formada por sua estrutura
biológica, psicológica, social e cultural. É assim
na vida, é assim na escola. A questão é como
elaborar um projeto de ensino que atenda a
Foto: Gilberto Tadday
todos os alunos, sem exceção, dos mais
sensíveis aos mais pragmáticos, dos mais
competitivos aos mais colaborativos, dos mais lentos aos mais rápidos, dos
vindos de lares desestruturados aos que têm família com laços sólidos, dos
portadores de necessidades especiais aos superdotados.

Derrubar modelos

A escola é o lugar em que todas as crianças devem ter as mesmas


oportunidades, mas com estratégias de aprendizagem diferentes. "É
necessário parar de privilegiar determinadas qualidades. O aluno mais rápido
não é melhor que o mais lento", afirma Ângela Soligo, do Departamento de
Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas.
As crianças são o resultado de suas experiências. Para compreender seu
desenvolvimento é preciso considerar o espaço em que elas vivem, a maneira
como constroem significados, as práticas culturais etc. "Sabe-se hoje que
cada ser humano tem um conjunto de células do sistema nervoso tão
particular quanto a impressão digital", afirma a psicóloga Elvira Souza Lima.
"Não existe um modelo de criança de 6 anos", completa Terezinha Nunes,
coordenadora do departamento de psicologia da Universidade de Oxford
Brookes, na Inglaterra. "Pensar assim é discriminar."

Pense quantos tipos ou estilos de aprendizagem há em sua sala de aula?


Alguns estudantes são mais introvertidos e se dão bem fazendo trabalhos
manuais. Outros são mais elétricos e precisam de agitação. Não há certo ou
errado, melhor ou pior. É tudo uma questão de respeitar as diferenças.

Estratégia: atividades diversificadas

É muito comum trabalhar as mesmas tarefas com todos os alunos, na maioria


das vezes sentados em fileiras.

Veja alguns dos problemas que essa dinâmica gera:

? Os alunos mais rápidos terminam as atividades antes. Se não têm um novo


trabalho, atrapalham o resto do grupo. Com o tempo, a possibilidade de
perder o interesse pelas aulas é muito grande.

? Os mais lentos não conseguem terminar a atividade no tempo estipulado,


que leva em conta a média. Sentem-se incapazes, pois precisam despender
um esforço muito grande para realizar uma tarefa considerada fácil por
outros colegas (e pelo professor).

? Só os alunos com capacidade média de aprendizagem conseguem adaptar o


nível de dificuldade dessas atividades ao seu ritmo.

Assim, os mais rápidos e os mais lentos são iguais no mesmo problema: as


atividades estão fora da zona proximal de desenvolvimento de cada um (leia
mais abaixo). Portanto, trabalhar um determinado conteúdo dessa forma
pode atingir determinados alunos, mas outros não. A saída está em promover
diversas atividades, de conteúdos diferentes ou iguais, na mesma turma,
respeitando o tempo de cada criança.

O ideal é que façam parte da rotina diária de um aluno:

? trabalho em grupo,

? trabalho em dupla
? trabalho individual.

O mesmo vale para os espaços:

? no pátio,

? no laboratório,

? na sala de aula etc.

E também com materiais pedagógicos que explorem todos os sentidos:

? massinha,

? tinta,

? argila,

? jogos didáticos e esportivos,

? maquetes,

? música,

? dança etc.

Teoria

A expressão zona proximal de desenvolvimento surgiu com o psicólogo russo


Lev Vygotsky (1896-1934), que a usou para esclarecer como se estruturam a
aprendizagem e a interação das pessoas do ponto de vista da construção do
conhecimento. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real de um
aluno ou seja, um saber que ele já adquiriu e um nível mais elevado que ele
pode alcançar com a ajuda do professor e de colegas que já dominem o
assunto.

Veja como é importante propor trabalhos em grupo e misturar alunos que


apresentem diversos níveis de aprendizagem para que cada um desenvolva
diferentes maneiras de pensar e trabalhar. Esse conceito, hoje largamente
difundido, confirma a tese de que a aprendizagem não depende apenas da
estrutura biológica, mas também do meio e da qualidade dos estímulos que
todos nós recebemos desde a primeira infância. Por isso, é papel de todo
professor ter muito claros os objetivos e resultados que pretende alcançar
com uma atividade, para não exigir mais nem menos da turma.
Adeus à fila de carteiras

Na escola Cresça, em Brasília, os alunos têm sempre diversas atividades ao


mesmo tempo. "Se as pessoas não são iguais, não posso conceber atividades
iguais e carteiras enfileiradas", diz Consuelo Araújo, a diretora. O segredo
para dar conta de 30 alunos na sala é o planejamento. Toda segunda-feira os
professores debatem os conteúdos a explorar. Já a avaliação é diária.
Enquanto um grupo resolve um problema de Matemática, outro faz uma
redação. Num canto, estudantes participam de um jogo de cartas. Até o final
do dia todos terão passado por todas as mesas. E a professora terá
dispensado atenção por igual às crianças. "Sei as dificuldades de cada um, em
qual mesa deve ficar mais tempo e até onde posso avançar", diz Kátia Oliveira
Paranaguá Lago, professora da 2ª série. Conheça um dia dessa turma:

1. O dia começa com uma explicação, com


todos em círculo. O tema da aula: meio
ambiente. O objetivo de Kátia é ajudar as
crianças a compreender o mundo em que
vivem, a reconhecer as características e
condições da vida vegetal e animal e a
valorizar atitudes e comportamento favoráveis
Fotos: Gilberto Tadday à preservação ambiental. Para isso ela
planejou atividades ligadas ao mesmo tema
em Matemática, Português, Artes e Ciências. O
primeiro passo é a leitura da letra de uma música sobre a mata Atlântica.
Kátia sempre oferece material concreto. No quadro-negro, cartões com
palavras do texto e, ao lado, o significado de cada uma. Em duplas, os
estudantes têm de escolher uma palavra e acertar seu significado. Assim,
aprendem a localizar informações do texto, identificar o tema central e
deduzir o sentido. Em seguida cada criança escolhe a próxima atividade que
deseja fazer, num grupo de três, quatro ou cinco colegas.

2. Em uma das mesas de trabalho, a tarefa é


resolver problemas ligados ao meio ambiente. As
crianças, junto com a professora, aprendem a
reconhecer conceitos matemáticos expressos na
forma de texto. Em outra mesa, um jogo de dominó
ajuda a praticar as quatro operações.

3. A turma responde a questões sobre interpretação


de texto, primeiro individualmente e depois em
duplas. Neste momento eles podem consultar e
trocar idéias para identificar locutor, características
da fala no texto escrito, efeito da pontuação etc.

4. Com tinta colorida e papel, os alunos


transformam passagens da música em desenhos.
Além de interpretar o texto, desenvolvem a
percepção, a criatividade e o senso crítico.

Uma sala para todos

Assim como uma casa precisa ser projetada para atender às necessidades de
seus moradores, o lugar onde você e seus alunos passam boa parte do dia
deve estar em harmonia com os objetivos educacionais. Basta reconhecer
que todos possuem aptidões e desejos diferentes para que o espaço não
fique estático nem padronizado.

Cada passo de uma atividade exige uma organização diferente do trabalho e


das tarefas. Portanto, o ideal é que a sala de aula seja um ambiente flexível.
Na hora de organizá-la, pense em praticidade, conforto e mobilidade. "Mesmo
em salas simples, que não contem com equipamentos modernos, é
necessário planejamento e organização para tornar o ambiente inteligente",
diz Ângela Soligo. Um bom truque é fazer as seguintes perguntas: Qual a
melhor estratégia para ensinar um conteúdo a todos? Quais os recursos de
que necessitarei? Qual a organização espacial mais favorável?
A. Estabeleça com os alunos regras de convivência e tarefas como limpeza,
organização e utilização dos materiais. As crianças só se sentem responsáveis
pelo espaço quando podem optar, dar sugestões e estabelecer as normas
junto com o professor.

B. É preciso materiais para a realização de muitas atividades diferentes que


explorem todos os sentidos. Para o visual, mural, cartazes nas paredes,
desenhos nos muros, livros, filmes e programas televisivos que sejam
educativos.

C. Para o tátil, material concreto e objetos de sucata planejados. Não é


necessário dispor de muita tecnologia ou infra-estrutura. Quase sempre a
criatividade resolve.

D. Para o auditivo, músicas, que podem ser exploradas até mesmo com um
radinho de pilha.

E. Bagunça organizada! É necessário espaço para remover e organizar as


mesas e cadeiras em grupos, duplas ou fileiras, de acordo com o objetivo de
cada atividade.

F. Tapete e almofadas para atividades mais reflexivas e relaxantes como


leitura ou reuniões tipo assembléia. Peça a colaboração dos pais para montar
um espaço como este.

Quer saber mais?

Escola Cresça , SEPS EQ 703/903, 70390-039, Brasília, DF, tel. (11) 224-1640, internet: www.cresca.com.br, e-mail:
[email protected]

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