A Criança de Seis Anos

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Avisa lá nº29 – Edição jan/2007


Coluna: TEMPO DIDÁTICO. Págs. 31 a 38

Muitos mundos numa única sala


Poderosa ferramenta de trabalho com as crianças pequenas, a organização de cantos de
atividades diversificadas ainda não é uma prática usual no Brasil, apesar de antiga em
outros países.As Instituições que experimentam a proposta obtém resultados
significativos

Adriana Klisys1

A proposta de trabalhar em cantos de atividades diversificadas é uma modalidade


de organização do espaço e do trabalho que oferece várias possibilidades de atividades
ao mesmo tempo, de modo que as crianças possam escolher onde estar e o que fazer.
Tais momentos são diários e acontecem por um período delimitado, entre 40 e 60
minutos. Esses cantos consideram a necessidade de acesso, por exemplo, a brinquedos
e atividades de expressão plástica, sendo seguidos e/ou precedidos de outras formas de
organização do tempo didático, incluindo atividades, tais como roda de história, leitura,
lanche, parque, e também projetos e seqüências que possuem objetivos específicos de
aprendizagem.
No Centro de Educação Infantil (CEI) da Mina, no bairro de Heliópolis, na cidade de
São Paulo, há uma preocupação tanto com a constância como com a inovação das
propostas oferecidas nos cantos de atividades diversificadas, para que estes sejam
sempre convidativos e contemplem muitas oportunidades de construção de
conhecimentos. Não faltam, assim, no planejamento, atividades lúdicas voltadas à
interação entre as crianças e objetos, como um aconchegante canto de leitura, mesa com
propostas artísticas, boas organizações de espaço de faz-de-conta e jogos.

Espaço para autonomia

O saudável trânsito da turma pela sala, proporcionado por esta modalidade de


organização, é um momento privilegiado de exercício da autonomia infantil. A criança
aprende a escolher e tomar decisões, responsabilizando-se por suas opções, contando
consigo própria e tendo amigos - e não somente o professor - como parceiros de troca.
O interessante deste modelo de organização é a simultaneidade de propostas. Os
rumos do aprendizado ficam mais nas mãos das crianças. Em geral, tudo funciona bem
sem a necessidade de um direcionamento maior do adulto. O trabalho com cantos não
constitui apenas um momento de aprendizagem da criança, mas também do professor,
que aprende a segurar seu impulso de sempre controlar a situação. De toda maneira, o
professor não deixa de garantir seu papel de coordenador do grupo, na medida em que
escolhe a forma de constituir o espaço e propõe desafios ao grupo.

1
Coordenadora da Caleidoscópio Brincadeira e Arte - www.caleido.com.br
2

A arrumação da sala em cantos de atividades diversificadas proporciona também


um importante aprendizado para as crianças, o da transformação do próprio ambiente e
da descoberta de que muitos mundos cabem numa única sala de aula! As possibilidades
são variados e mutantes:

ƒ Virar as mesas ao contrário e enrolar um pano em volta para formar um barco.


ƒ Empilhar uma mesa virada ao contrário sobre outra e passar um barbante
circundando os pés da mesa virados para cima, para fazer uma barraca de feira.
ƒ Colocar almofadas aconchegantes num canto para ler.
ƒ Delimitar um pedaço de chão com caixotes para fazer uma pista para arremessar
bolinha de gude sem deixar que se espalhem pela sala.

Quantos cantos?

Uma média de cinco a seis crianças por proposta é um bom número, sendo assim
uma sala de 30 crianças poderá ter de cinco a seis cantos com propostas diferentes. Este
número é uma sugestão, cada professor deve decidir na situação qual é o melhor número.
Num canto com apenas um jogo para quatro jogadores, já está dado o limite de crianças
na área. Se o canto da massinha, por sua vez, é muito procurado, deve-se propor uma
mesa grande com espaço para 8 a 10 crianças durante um determinado período.
Observar constantemente o interesse das crianças é necessário para replanejar
propostas e não cair numa rotina acomodada sem desafios.
Em algumas escolas, uma vez por semana, são feitos um ou dois grandes cantos em
cada sala. Por exemplo: um canto bem montado de supermercado, com embalagens,
sacolas plásticas, caixas de papelão que servem como carrinhos de supermercado,
caixas registradoras e leitores ópticos improvisados com sucatas. Os professores deixam
as crianças circularem entre as salas, havendo integração entre as crianças de diferentes
idades. Neste caso, por serem amplos, os cantos contemplam um maior número de
crianças. Nos outros dias da semana, as ambientações ocorrem nas próprias salas, sem
integração com os demais grupos de diferentes idades. O CEI da Mina experimentou esta
forma de organização e avalia o aprendizado nestas situações como muito positivo e
instigante.

De olho no relógio

O tempo de permanência das crianças nos cantos está ligado à grade de horários
da escola. Afinal, os pequenos precisam experimentar diferentes propostas: momentos
mais coletivos, individuais, em pequenos grupos, em duplas. Deve ser um tempo que
permita a exploração e dedicação em algumas atividades, na medida certa do interesse
da criança. É sempre bom terminar uma atividade com gosto de “quero mais” para o dia
seguinte.
Ter uma constância de propostas que vão sendo incrementadas ao longo dos dias
ajuda as crianças a aprenderem a aprofundar seus conhecimentos, tanto no que diz
respeito à natureza lúdica das propostas, quanto à natureza de conhecimento que os
objetos e as interações proporcionam.
Em algumas instituições educativas, professores acham que podem substituir um
espaço diário desta proposta por um único dia da semana inteiro com cantos ou ainda
utilizando mais tempo em apenas dois dias da semana. É melhor a constância da
proposta e em menor tempo, mesmo porque há tantas outras atividades necessárias no
dia a dia. Vale intercalar momentos nos quais a condução da sala é realizada pelo
3

professor (quando há uma intencionalidade específica do ensino e aprendizagem, com


propostas mais dirigidas) com outros nos quais crianças e professor compartilhem as
ações.

“O que vão dizer”

Este questionamento é comum quando professores começam a trabalhar com


cantos. Aqui há dois aspectos a serem contemplados. Primeiro: se o professor realmente
acredita na proposta, precisa também cuidar de informar aos pais e à comunidade o
porquê de suas ações educativas. Segundo: precisamos desmistificar a cisão
brincar/aprender. Ou se brinca ou se aprende... por que não os dois? Por que não integrar
aspectos formais e informais na escola, considerar tanto o processo, como produto?
É preciso, com base no Referencial Nacional Curricular de Educação Infantil2,
lembrar que o brincar perpassa tanto o conhecimento de mundo quanto à formação
pessoal e social.
Para a diretora Rosangela Santos Barbosa e a coordenadora pedagógica Ana
Hélia S. Santos, do CEI da Mina, esta forma de organização precisa ser trabalhada não
apenas com as professoras, como também com os pais, para que conheçam o
embasamento da proposta.
Há que se trabalhar momentos de planejamento com a equipe para que todos
educadores percebam a potencialidade e a condição das crianças em se apropriar do
espaço da sala e aprender a compartilhar momentos de convivência sem ter unicamente
no adulto a condução das ações. Os professores aprendem a confiar mais na
organização das crianças, na sua possibilidade de pensar e agir. Aprendem, sobretudo, a
não subestimar as capacidades infantis.
É importante que o coordenador e o diretor se engajem neste trabalho tanto para
levar sua equipe de educadores a pensar propostas desafiantes, como para incluir os
pais. Gravar em vídeo momentos de cantos ressaltando a autonomia das crianças,
fotografá-las nestas atividades, expor as fotos em um painel com legendas, escrever
textos informativos são excelentes formas de incluir os pais no projeto educativo da
escola, inclusive em campanhas para ajudar na montagem dos cantos.
No Canto do Faz-de-Conta, pais pedreiros, por exemplo, podem ajudar a pensar
formas de representar sua profissão na escola. Trena, pá de pedreiro encapada com
E.V.A. 3 para não oferecer perigo. Baldes e muitas caixas de leite envolvidas com jornal
para que fiquem rijas. Tudo isso pode formar um kit para brincar de pedreiro. Convidar o
pai em questão para falar de seu trabalho pode inclusive incrementar o faz-de-conta.

Saídas criativas

Mais do que material, são necessárias propostas e idéias para compor os cantos. A
educadora Maria do Socorro Feitosa, do CEI da Mina, por exemplo, nos ensina o que
podemos fazer com caixas de papelão. (ver box na pág. 38)
Quem vê hoje os cantos convidativos desta instituição não pode imaginar como era
antes. A diretora e a coordenadora do CEI da Mina assumem que consideravam não ter
condições financeiras para oferecer às crianças propostas instigantes nos cantos. Hoje,

2
O RCNEI é um documento que se constitui a partir das concepções de criança, infância e educação, e oferece
diretrizes curriculares a todos que atuam na área de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site: www.mec.gov.br
3
O Copolímero de Etileno-Acetato de Vinila (EVA) é comercializado em formato de placas macias e sem cheiro e não
é um material tóxico. Por ser material leve e de fácil manuseio vem sendo utilizado na fabricação de brinquedos,
artesanatos variados e também na indústria de calçados.
4

Rosangela e Ana riem desta observação ao verem quanto estão modificando os espaços
das salas. Lembram de quando tiveram formação com a equipe do Instituto Avisa Lá e
assistiram ao vídeo “Prá que Canto eu Vou?”4, que trazia ricas situações de atividades
organizados com diferentes materiais. Comentaram que achavam que a creche do filme
devia ser muito rica, mas quando souberam que a instituição passava também por
dificuldades, se animaram. Novas saídas foram encontradas: idas a sebos para adquirir
livros mais em conta, campanhas para arrecadação de material, oficina de construção de
brinquedos e jogos e, sobretudo, contar com uma formação continuada dos educadores
que apóia soluções criativas para ampliar as possibilidades de trabalho com as crianças.

Educador atuante

Aprender a gerir o espaço, saber cuidar dos materiais de uso coletivo é um desafio
para as crianças. No início, é o adulto que dá o norte para esta organização, mas deve
incluir gradativamente as crianças neste aprendizado. Nesse sentido, rodas de conversa
prévias e posteriores à organização dos cantos ajudam as crianças a irem construindo
autonomia no uso do espaço coletivo.
Observar e registrar estes momentos de cantos diversificados, bem como construir
portfolios com as diferentes propostas que dão certo no dia-a-dia educativo ajudam a
construir um olhar mais apurado para as necessidades das crianças.
O professor precisa tomar cuidado para não escolarizar as propostas na
configuração do ambiente. Lembrar que a disposição das carteiras, por exemplo, deve ser
mudada: arrastadas, empilhadas, mesas cobertas com tecidos viram cabanas ou
divisórias de ambientes e assim por diante. Numa casinha de faz-de-conta, uma simples
toalha em cima da mesa já tira o ar de carteira escolar. E por que não usar mais o chão:
pistas de carrinhos, construção, esteiras ou almofadas para leitura? Sobretudo deve-se
olhar para que direção vai a brincadeira das crianças e o interesse nas atividades,
fazendo-as participar, sabendo incluí-las cada vez mais na organização do ambiente, o
que compreende, é claro, montar e desmontar os cantos. Todos ajudam nesta tarefa!
Uma forma de intervenção educativa é pensar na modificação do ambiente,
concebendo-o como parte integrante do currículo, sempre com informações culturais.
Quando se oferecem trenas e fita métricas num canto de faz-de-conta de marcenaria,
cria-se um contexto interessante para as crianças poderem usar estes instrumentos que
foram inventados para a medição.
Também vale introduzir novos cantos e incrementar ainda mais os já existentes,
pois certamente a procura pela novidade será intensa, causando disputas. Assim, se um
professor leva pela primeira vez uma casinha de bonecas de papelão com cinco bonecas
tipo manequim, é evidente que terá uma grande procura por este espaço. Sabendo disso
de antemão, pode propor atividades que sejam instigantes: quem sabe numa das mesas
deixar massinha com novos apetrechos, propor no canto Faça Você Mesmo a construção
de mobília para a casinha de bonecas, usando para isso tocos de madeira, cola, tecido,
revistas sugerindo a decoração da mobília ou fazer nova casa de bonecas. De qualquer
forma, quando acontece uma “superlotação” num dos cantos é preciso fazer combinados
e ver uma forma de rodízio das crianças. Se há um jogo novo que todos querem jogar,
quem sabe estipular uma partida por grupo? Nada que uma boa conversa não resolva.
Outra dica importante é a delimitação dos espaços para que os materiais não fiquem
dispersos ou espalhados. No CEI da Mina, por exemplo, há caixas para as crianças
guardarem os materiais. Um simples pano no chão para colocar os livros permite o

4
Vídeo produzido por Instituto Avisa lá/ IBM – Adriana Klisys e Elza Corsi.
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cuidado com os mesmos e ainda possibilita que as crianças possam se esticar em


almofadas, esteiras, tapetes. No Canto do Faz-de-Conta, esta delimitação é
particularmente importante para que haja a possibilidade de aprofundamento na
brincadeira com espaços que também tragam informações culturais. Não é à toa que
chamamos de cantos e não centros: devem ser espaços mais reservados, onde não haja
interrupção ou muita circulação. Um faz-de-conta organizado no centro da sala ou
próximo à porta de entrada tende a se desorganizar facilmente. Por isso, a necessidade
de planejar bem os espaços.

Mil cantos

No CEI da Mina, os professores planejam diferentes cantos no decorrer da semana. A


seguir, algumas propostas já desenvolvidas:

ƒ Cantos de Jogos: trilhas, baralho, dados, pega-varetas, bolinha de gude, pião,


cinco marias, jogos de construção tipo monta-tudo, pequeno engenheiro ou
retalhos de madeira, super trunfo (jogo da Grow), jogo da velha na lousa ou
qualquer outro jogo gráfico etc.

ƒ Cantos de Faz-de-Conta: casinha, marcenaria, sorveteria, pizzaria, veterinário,


lavanderia, escritório, carreto, navio pirata, nave espacial, uso de diferentes
maquetes, tais como: cenários para dinossauros, fazendinha, casinhas para
bonecas miniaturas, ambientes para super heróis, pistas para carrinhos etc.

ƒ Canto Faça Você Mesmo: aqui o que está em jogo é a construção dos
brinquedos: fazer teatro de sombra e personagens para brincar, confeccionar pipa,
fazer massinha caseira, boneca de papel, iô-iô, aviãozinho, inventar novas formas
de brincar de cama-de-gato etc.

ƒ Cantos de Expressão Plástica: modelagem, desenho, pintura, recorte e colagem,


impressão com carimbos, apreciação de livros e imagens de artes, caixas de
imagens etc.

ƒ Canto de Leitura: deixar à disposição livros de literatura, jornais, revistas, gibis,


etc. A equipe do CEI da Mina arrumou cantos de leitura com banquetas especiais
feitas com caixas de papelão cheias de jornal; encapadas e decoradas para
servirem de uma espécie de sala de estar de leitura.

ƒ Canto da Curiosidade Científica: pode ser recheado com matérias instigantes


sobre assuntos de natureza e sociedade que estão sendo estudadas ou então que
digam respeito à curiosidade infantil. Fichário com coleções de cartões postais de
diferentes países e regiões brasileiras, guias turísticos, revistas de viagens, livros
sobre animais, paisagens, globo terrestre, lupas e outros materiais de pesquisa
podem estar à disposição nestes momentos.
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Para saber mais

Livros
ƒ A Criança em ação, Mary Hohmann, Bernard Banet, David P. Weikart. Fundação
Calouste Gulbenkian. Tel.: (21) 2221-6213
ƒ “A Instituição e o Projeto Educativo” in Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil: Movimento. MEC, 1998. Arquivos disponíveis no site:
www.mec.gov.br.
ƒ “Espaços Educacionais e de Envolvimento Pessoal”, in As Cem Linguagens da
Criança. Carolyn Edwards, Lella Gandini, George Forman. Ed. Artmed. Tel.: 0800-
703-3444.
ƒ “Organização do Espaço em Instituições Pré-Escolares” in Educação Infantil:
Muitos Olhares – org. Zilma Morais R. de Oliveira. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3864-0111
ƒ “Organização dos Espaços na Educação Infantil” – cap. 11, Lina Iglesias Forneira
in Qualidade em Educação Infantil - Zabalza, Ed. Artmed. Tel.: 0800-703-3444.
ƒ “Os tantos visuais que cabem no espaço da sala de aula”. In: Quem educa quem?,
Fanny Abramovich. Ed. Summus.Tel.: (11) 3872-3322
ƒ 300 Propostas de Artes Visuais, Ana Tatit e Maria Silvia Machado. Edições Loyola.
Tel.: (11) 3242-0449

Ficha Técnica:

Centro de Educação Infantil Mina / Unas


Rua da Mina nº 53- Heliópolis
Telefone (11) 2272-2827
Site: www.unas.org.br
Diretora: Rosangela Santos Barbosa
Coordenadora Pedagógica: Ana Hélia da Silva Santos
Educadoras: Aleksandra, Antonia, Danila, Fabiana, Francilene, Gilnei, Luciana, Keila e
Socorro.

Nestlé Brasil Ltda.


Av. das Nações Unidas, 12495, 13o andar – Brooklin
São Paulo – SP. CEP: 04578-902
Serviço ao consumidor: 0800 11 2411
Visite o site: www.nestle.com.br

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