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A conceituação de natureza através da história é bastante variável e, como construção cultural, sofre in uência
da loso a. A dicotomia entre cultura e natureza, no entanto, nem sempre foi tão evidente. Como defendido
por Spirn (1995), a natureza é um continuum, com a oresta num dos pólos e a cidade no outro. Os mesmos
processos naturais operam na oresta e na cidade. A cidade não é nem totalmente natural nem totalmente
arti cial e a desconsideração dos processos naturais na cidade é e sempre será tão custosa quanto perigosa.

A tendência a ver o fenômeno natural como um evento estático, congelado no tempo, é a raiz dos dilemas
estéticos que encontramos. Quando a natureza é vista como um continuum, o argumento de o que é bonito
ou o que é menos na paisagem se torna, se não sem signi cado, então de outra ordem de signi cado.

A mesma analogia se aplica à cidade. A forma urbana é conseqüência de um processo evolutivo constante,
abastecido pelas mudanças econômicas, políticas, demográ cas e sociais, de novos edifícios substituindo os
antigos e edifícios antigos sendo adaptados para novos usos, de vizinhanças se modi cando, de renovação e
decaída urbana.

A dinâmica das comunidades vegetais segue leis bem diferentes que se modi cam e evoluem em resposta
a forças naturais. Então projeto e manutenção, baseados no conceito de processo, tornam-se uma função de
gerenciamento integrado e contínuo, ao invés de atividades separadas e distintas, guiando o desenvolvimento
da paisagem antrópica pelo tempo. (Hough: 1995)

A paisagem é, então, uma construção social que dá visibilidade local aos eventos, com caráter distintivo pela
sucessão de eventos no tempo e no espaço. A paisagem é parte de um processo e expressa um produto de
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relações que se dão no espaço, revelando o entrelaçamento das dualidades. Como Forman (1995) conceitua, a paisagem é
uma porção de território composta por uma série de ecossistemas interagentes que são repetidos da mesma forma em sua
extensão.

A arquitetura paisagística, que surge como campo privilegiado de materialização da natureza na cidade, consolida-se como
atividade projetual adentrando o século XX nos EUA e demais paises que então se industrializam, consolidando uma avaliação
das relações entre processos sociais e naturais. (Lima: 1996)

O projeto da paisagem situa-se no limiar dos con itos entre cidade e campo, entre natureza, sociedade e cultura, e pode
ser utilizado como instrumento fundamental para a de nição de inter-relações entre organismos e seus ambientes e entre
sociedades e seus territórios. Esta percepção já era encontrada no Brasil em meados do século XIX, com o trabalho da recom-
posição orestal do maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, sendo mais tarde evidenciada pelas obras de Roberto Burle Marx, já
no século XX.

Durante os anos 1960 McHarg chamou arquitetos paisagistas para estender os princípios ecológicos para os problemas de
planejamento da paisagem nas cidades. Infelizmente, a maior parte dos estudos de planejamento da paisagem até recen-
temente ignoraram a cidade ou a trataram como a demanda por áreas rurais para recreação, alimento, energia e disposição
de resíduos. Mas a cidade é parte da natureza, o que não pode ser esquecido. Arquitetos paisagistas, incluindo Anne Spirn,
Michael Hough e John Lyle têm defendido que o planejamento da paisagem pode desempenhar papel preponderante na
reconciliação do uso humano e abuso das paisagens urbanas. Estes arquitetos paisagistas e outros ligados ao planejamento
da paisagem concordam que é essencial ver as paisagens urbanas como ecossistemas, ou seja, uma coleção de organismos
vivos interagindo com outros e com seu ambiente natural e construído. Este ponto de vista faz sentido apenas quando as
pessoas são vistas como um componente integral e essencial dos organismos vivos. Eles defendem o projeto e planejamento
destas paisagens, que são ricas, diversas, produtivas e regenerativas.

A ecologia da paisagem surge então, nas últimas décadas, como uma tentativa de traduzir princípios ecológicos para a escala
prática dos planejadores e arquitetos paisagistas (Forman e Godron, 1986), aglutinando conhecimentos diversos para enten-
der a estrutura, função e mudanças das paisagens como um mosaico interagente de ecossistemas, conectados por uxos de
energia e matéria (Pellegrino: 2000). O uso racional e sustentado da paisagem passa a ser o objetivo dos planos e projetos de
paisagismo, buscando-se o melhor uso, considerados todos os aspectos que condicionam a conservação dos recursos, de
modo a não comprometer a capacidade das futuras gerações de prover às suas necessidades (a sustentabilidade ambiental).
O planejamento ecológico da paisagem é a criação de uma solução espacial capaz de manejar as mudanças dos elementos
da paisagem, de modo que as intervenções humanas sejam compatibilizadas com a capacidade dos ecossistemas de absor-
ver os impactos, mantendo a integridade dos processos e ciclos vitais (Pellegrino: 2000).

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1.1 A APROPRIAÇÃO DA “... o sucesso de uma cidade não pode ser avaliado em termos de crescimento econômico e de par-
ticipação nos mercados que possa ter conseguido capturar, ou mesmo em termos de sua posição
NATUREZA no processo de globalização... mas depende da força inerente do tecido urbano e da sua disponibi-
lidade para as forças sociais que moldam a vida de seus habitantes”. (Rykwert: 2004, p. 9)

A paisagem existe como um composto de memórias, imagens, concepções, atitudes e valores nas mentes
de todos aqueles que a vêem, usam, conhecem, ou apenas meramente sabem dela, e pode ser diferente da
realidade física. Todas estas existências imateriais têm in uência marcante nas feições materiais, determinando
não somente como ela é usada e vista, mas também como as decisões sobre ela são tomadas. Grande parte
do processo de projeto reside em trazer as existências materiais e imateriais da paisagem em uma congruência
viável, ou seja, realizar as imagens e valores da clientela de um modo compatível com a realidade física. (Lyle:
1985)

Por mais que os sucessivos projetos para uma cidade tenham sido ou não adequados, estas intervenções só
terão efetividade depois de quali cadas socialmente. Certeau (1998, pág. 174) de ne a cidade-conceito como
aquela em que “A organização funcionalista, privilegiando o progresso (tempo), faz esquecer sua condição de
possibilidade, o próprio espaço, que passa a ser o não-pensado de uma tecnologia cientí ca e política”. Nessa
idéia de espaço é importante salientar que os processos de produção e reprodução, tanto urbanos como so-
ciais, materializam-se no plano do lugar e da vida cotidiana. Deste modo, o cotidiano como categoria de análi-
se “permite entender o processo de constituição da vida, na trama dos lugares – nas formas de apropriação e
uso do espaço” (Carlos: 2004, p.49).

Conforme Pellegrino (1995, p. 12), o “uso e hábito organizam uma imagem perceptiva da paisagem que, apesar
de ser calcada em sua imagem física, se sobrepõe a esta, passando a ser o elemento de manifestação concreta
do espaço, transcendendo a própria realidade material, com a criação de uma ‘co-realidade’”. Deste modo, a
imagem homogênea e ilegível precisa ser decodi cada através de um processo de percepção ambiental para
que o projeto possa ser um processo de quali cação da paisagem constituída.

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Considerando-se que o habitante vive a cidade de forma fragmentar, pois sua vida se desenrola nos espaços
passíveis de apropriações reais, e é através do uso que o cidadão se relaciona com o lugar e com o outro, os
lugares ganham sentido à medida que são vividos e percebidos e vão recebendo signi cados. Como as for-
mas das cidades são dinâmicas, devido aos processos de transformação relacionados à produção do espaço,
os referenciais são por vezes destruídos ou substituídos, causando o estranhamento. Por outro lado, “há o
signi cado mais profundo do espaço cuja produção revela a cidade enquanto possibilidade (...) A reprodução
do espaço (urbano) recria constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de repro-
dução do capital e da vida humana em todas as suas dimensões”. (Carlos: 2004, p. 57).

A apropriação da paisagem pela sociedade poderá garantir o uso e a permanência das idéias e símbolos.

A apreensão da paisagem, não obstante, considerando-se a ampla gama de percepções, valores e ambivalên-
cias que se alternam através da sociedade, é bastante diversi cada. As áreas orestadas têm um signi cado
marcante em relação à qualidade ambiental urbana, mas sua vizinhança pode causar transtornos nem sempre
aceitos pelos moradores. Uma área pavimentada ou gramada com arborização esparsa é, às vezes, mais facil-
mente defendida como espaço aberto público, podendo sempre abrigar mais alguma edi cação, de acordo
com um legado modernista ainda em voga entre nós.

No contexto da paisagem, o planejamento, que provê decisões sobre alternativas futuras, é um meio de me- 1.2 O PLANEJAMENTO
diação entre ações humanas e processos naturais. O foco mais especí co no planejamento ecológico lida com
o uso criterioso e sustentável da paisagem na acomodação das necessidades humanas. ECOLÓGICO
Planejamento ecológico, mais que uma ferramenta ou técnica, é um meio de mediar o diálogo entre ações
humanas e processos naturais baseado no conhecimento do relacionamento recíproco entre pessoas e a terra.
É uma visão do mundo, um processo e um domínio da prática pro ssional e da pesquisa dentro da disciplina
de arquitetura da paisagem e da pro ssão de planejamento (Ndubisi: 2002).

Para a utilização prática dos princípios e metodologias do planejamento, é importante organizar as várias
abordagens, estruturas e métodos disponíveis atualmente para o planejamento da paisagem sustentável. Não
se pretende aqui apresentar uma análise ou uma revisão detalhada do assunto, mas antes, uma estrutura útil
para compreender as similaridades e as diferenças entre métodos existentes do planejamento da paisagem
com ênfase nos processos ecológicos, com o m especí co de subsidiar as avaliações e proposições a que se
destina esta tese.
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ANTECEDENTES A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

A história da conservação da natureza e das redes ecológicas urbanas começou como uma reação à Revolu-
ção Industrial. É, no entanto, a partir do século XIX que começa a tomar forma, principalmente nos Estados
Unidos da América, a preocupação com a conservação da terra e a preservação dos recursos naturais. Antes
mesmo da determinação das disciplinas formais, os esforços distintos de pensadores visionários estabelece-
ram os fundamentos rudimentares para o planejamento ecológico.

Nos anos 1830, Geoge Catlin defendia a criação de reservas naturais por acreditar que a natureza era a verda-
deira fonte de conhecimento, beleza e elegância. Ralph Waldo Emerson, cujo primeiro livro, Nature, foi publica-
do em 1836, defendia a natureza como fonte de cura espiritual. Em uma palestra em 1847, o geógrafo George
Perkins Marsh chamou a atenção para o impacto destrutivo da atividade humana sobre a terra, especialmente
através do desmatamento, e clamou por uma abordagem para o manejo das orestas. Esta palestra serviu de
base para o seu livro Man and Nature: or Physical Geography as Modi ed by Human Action, publicado em 1864
(Benedict e McMahon, 2006). Neste clássico, Marsh apresentou um convincente argumento contra o uso da
natureza até seus “extremos mitigatórios” em ações humanas, pelo entendimento dos impactos das pessoas
sobre a natureza ao invés dos impactos da natureza sobre as pessoas. Logo após, John Wesley Powell formu-
lou políticas públicas para a gestão dos territórios áridos do Oeste americano. Henry David Thoreau escreveu,
na mesma época, sobre a importância de preservar algumas porções de natureza intocada, aplicando suas
idéias no desenho urbano. Para ele, cada cidade deveria ter um parque, ou oresta primitiva, de 500 ou mil
acres, para educação e recreação.

Esses trabalhos in uenciaram o pensamento de outros reformadores sociais, especialmente do arquiteto pai-
sagista Frederick Law Olmsted. A visão da natureza de Emerson e Thoreau como uma fonte de cura espiritual
foi a base para a loso a de Olmsted, que defendia os efeitos restaurativos dos espaços abertos e árvores na
mente e alma humanas.

1 Este tema era defendido nos escritos de William Gilpin, Uve- OLMSTED E O SISTEMA DE PARQUES
dale Price e Humphry Repton (Ndubisi: 2002).

2 Downing e Thomas Je erson foram responsáveis por prepa- As idéias de Olmsted sobre a natureza foram também in uenciadas pelo tema naturalista na tradição inglesa
rar o campo para o desenvolvimento da tradição de paisagis-
mo nos EUA, consolidada por Olmsted (Lima: 1996). de projeto de jardim1, amparada nos Estados Unidos pelo viveirista e paisagista Andrew Jackson Downing2.
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Seus escritos tratavam da natureza como uma corpori cação da perfeição que poderia ser observada de
algum ponto fora da sua área de in uência. Olmsted foi além desta tradição por ver a natureza como uma
entidade viva, um re exo de um contínuo diálogo entre as pessoas e sua região física. Ele mostrou ainda que
as paisagens deveriam ser entendidas e analisadas por ambas as perspectivas, a ecológica e a estética.

Em 1864 Olmsted desenvolveu um plano para o Yosemite Valley na Califórnia, o qual é ainda um exemplo de
planejamento ecológico. Olmsted propôs não somente um plano para o desenvolvimento da paisagem do
vale, mas também uma estratégia nacional para reconhecer e manejar áreas similares de beleza natural. Ele
reconhecia que o plano físico não se sustentaria sem uma estratégia de gestão.

Em seu plano para Riverside, Illinois, de 1868, projetou um amplo espaço aberto para recreação, possibilitando
áreas cênicas para todos os residentes. Preservou as várzeas dos rios bem como duas áreas livres nas partes
elevadas e projetou um parque linear para conectar Riverside a Chicago (Benedict e McMahon: 2006).

Outro exemplo clássico de planejamento ecológico no m do século XIX é o plano de Olmsted para Fens e
Riverway em Boston, nalizado em 1891. Este plano resultou no primeiro sistema metropolitano de parques
planejado a partir de aspectos hidrológicos e ecológicos, o Emerald Necklace. A rede de parques é conectada
por uma série de parkways. O signi cado do plano reside em que este combina uma preocupação com recre-
ação, preservação da paisagem natural e gestão da qualidade da água.

Um parque planejado que respondeu a preocupações similares de proteção a sistemas naturais e conexão de
espaços abertos foi o plano de Horace W. S. Cleveland para o sistema de parques de Minneapolis e St. Paul, em
1888. O plano incluiu uma rede de vias cênicas, parques e bulevares de rios, preservava áreas no entorno dos
lagos e áreas naturais ao longo do rio Mississipi, e re etia a preocupação por uma análise das características
intrínsecas das paisagens para acomodar o crescimento humano.

Esses projetos são referências importantes para esta tese, como veremos mais adiante.

Nos ns do século XIX e início do XX as idéias olmsteadianas de planejamento que enfatizavam harmonia com
as leis da natureza foram seguidas pelos arquitetos paisagistas Ossian Cole Simonds e Jens Jensen. A harmonia
seria atingida, conforme eles defendiam, pelo entendimento, revelação e preservação das formas e cenários
da paisagem re etindo as características locais e regionais (Ndubisi: 2002).

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HOWARD E A CIDADE JARDIM Aproximadamente ao mesmo tempo, na Inglaterra, Ebenezer Howard fez sua proposta para construir “cida-
des-jardim” para abrigar as crescentes multidões urbanas, com ênfase na importância de equilibrar a urbani-
zação com a necessidade de natureza. Estas eram novas cidades de baixa densidade, asseadas e organizadas,
implantadas dentro de cinturões verdes de áreas naturais e agricultáveis, orestas, pomares e bosques. Esgotos
e outros dejetos orgânicos deveriam ser tratados e retornados ao solo dos cinturões verdes. Em seu uso dos
processos naturais, isto era claramente um pensamento regenerativo (Lyle: 1994).

O crescimento urbano seria direcionado e contido em redes de cidades. Essa con guração policêntrica cha-
mada de “cidade social” seria conservada pelas gerações posteriores de planejadores como um modelo de
forma urbana com fundamentos ambientais, de e ciência e equidade (Freestone:2002).

As idéias de Howard foram publicadas primeiramente em 1898 com o título To-morrow: A Peaceful Path to Real
Reform e reeditadas como Garden Cities of Tomorrow em 1902. Nestas publicações Howard apresenta uma des-
crição detalhada de sua futura cidade-jardim, incluindo diagramas da cidade e seu entorno, observando que
estes diagramas deveriam resultar em um projeto especí co a cada sítio. São detalhadas, no entanto, a largura
das vias, a locação dos bulevares e a localização dos edifícios públicos.

Suas idéias foram concretizadas em Letchworth através do projeto dos arquitetos Raymond Unwin e Barry
Parker. O desenho da cidade, com ruas sinuosas, jardins privados e parques, demonstra a preocupação com a
continuidade do espaço aberto. “A idéia de jardim e campo permeando a cidade é parte do pensamento Arts
& Crafts, especialmente enfatizado na cidade por Howard” (Ottoni in: Howard: 2002, p. 50).

Como presidente do National Garden Cities Committee, Howard realizou esforços junto ao Governo para a apli-
cação dos princípios da cidade-jardim em uma política nacional de habitação. Depois de ver frustrados esses
planos, realiza a construção da cidade de Welwyn, com plano de Louis de Soissons. “Welwyn atingiu alta
qualidade ambiental, mantendo uma excelente continuidade entre espaço urbano e rural, um dos pontos
importantes no ideário da Cidade-Jardim” (Ottoni in: Howard: 2002, p. 64).

Não obstante, foram a arquitetura e o desenho urbano criados por Raymond Unwin, Barry Parker e seus se-
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guidores que se tornaram o mais especí co legado da cidade-jardim (Ward: 2002). Além destes, as recomen-
dações de Unwin em seu tratado sobre a prática do urbanismo (Unwin: 1984) facilitaram a reprodução do
tipo urbano pelo mundo. Citando Peter Hall, Rego (2006) a rma que “a arquitetura com que Parker e Unwin
vestiram o esqueleto montado por Howard foi tão memorável que se tornou difícil distinguir este daquela”.

O período de 1880 até princípios do século XX é visto por Ndubisi (2002) como caracterizado pelo envolvi- ARQUITETOS PAISAGISTAS E
mento crescente dos arquitetos paisagistas nas atividades de planejamento em grande escala bem como TÉCNICAS INOVADORAS
no desenvolvimento de técnicas inovadoras para a análise das paisagens. John Muir, escocês de nascimento,
in uenciado pela visão de Thoreau da natureza, tornou-se um defensor da proteção dos territórios selvagens,
especialmente através da associação com o Sierra Club, fundado por ele em 1892. Charles Eliot e Olmsted
desenvolveram um processo rudimentar de sobreposição de mapas. Gi ord Pinchot e William John McGee
articularam o movimento ‘conservacionista’, estabelecendo que a conservação é “o uso dos recursos naturais
para o maior bem do maior numero de pessoas pelo maior período de tempo” (Ndubisi: 2002).3

Em 1915, o botânico e planejador escocês Patrick Geddes cristalizou o conceito de ‘cidade regional’ como pro-
duto de seu respeito conservacionista por tecidos edi cados, texturas culturais e ambientes naturais (Freesto-
ne: 2002). Geddes propôs um método de levantamento regional baseado na idéia de que as complexidades
entre ação humana e ambiente deveriam ser entendidas em termos dos atributos “povo-trabalho-lugar”: “Os
tipos de pessoas, seus tipos de estilo de trabalho, o ambiente inteiro tornam-se representados na comunidade,
e estes reagem sobre o individuo, suas atividades e seu próprio lugar” 4. Em seu estudo dos padrões de cresci-
mento urbano estimulados pelas crescentes e múltiplas fábricas, e do conseqüente movimento de massa de
pessoas do campo para a cidade, comparava o crescimento de Londres com o crescimento de um recife de
coral. Dele foi o primeiro fundamentalmente orgânico entendimento das cidades.5
3 “The use of the natural resources for the greatest good of
A importância dos atributos “povo-trabalho-lugar” de Geddes no entendimento de uma região transformou- the greatest number for the longest time” (McGee in: Ndubisi:
2002, p. 12-13)
se em um principio norteador da teoria do planejamento ecológico humano proposta por Ian McHarg 50 anos
depois. Sua noção de planejamento in uenciou os movimentos de planejamento regional em outras partes 4 “The types of people, their kinds of styles of work, the who-
le environment become represented in the community, and
da Europa e nos Estados Unidos. these react upon the individual, their activities, and their place
itself” (Geddes in Ndubisi: 2002, p. 14)

O conceito de regionalismo foi promovido como uma forma de loso a cultural nos anos 1920 e 1930 pelo 5 A inspiração das idéias de Geddes veio diretamente dos tra-
Regional Planning Association of America (RPAA). Este pequeno grupo era formado por Catherine Bauer, Benton balhos do sociólogo regional Auguste Comte e do engenheiro
e sociólogo francês Frederick Le Play. De Comte, Geddes tirou
MacKaye, Lewis Mumford, Clarence Stein e Henry Wright. Eles viam a região como uma comunidade territorial seu interesse na aplicação do método cientí co ao estudo das
distinguida por uma história comum, instituições sociais comuns e uma visão compartilhada das relações en- sociedades, e de Le Play, os fundamentos de sua abordagem
de levantamento regional.
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tre humanos e o ambiente. Avanços na ecologia já estavam tendo lugar nas ciências biológicas e sociais nas
primeiras décadas do século 20, com a maior parte dos desenvolvimentos focados nos níveis de população e
comunidade.

A preservação da vegetação nativa e das áreas naturais foi defendida em vários livros escritos por arquitetos
paisagistas, reforçando a necessidade de se entender a paisagem em termos de função ecológica e estética.
Inserida nestes escritos estava a idéia de pragmatismo ou empirismo, ou seja, a descoberta da identidade
através da inquisição, do aprender fazendo. Olmsted e seus seguidores, incluindo-se Jens Jensen, defendiam
o pragmatismo como um meio para entender a identidade inerente de um sítio. O pragmatismo tomou mui-
tas formas, uma sendo o método holístico, ou gestalt, de planejamento ecológico. Análise da gestalt inclui o
entendimento da paisagem como um todo através de observações de campo, ao invés de examinar os com-
ponentes individuais, tais como topogra a, solos e vegetação.

A formulação do conceito de homeostase na ecologia, feita em 1929 por Walter Cannon, deu consistência
cientí ca ao modelo de Estrutura Verde Urbana iniciado por Olmsted, e originou o conceito de Contínuo Na-
tural6, que passa a marcar todo o planejamento de base ecológica do século XX.

Estes novos princípios ecológicos contribuíram para a evolução dos anteriores modelos de Estrutura Verde
românticos, que, de modo empírico, baseavam-se no conhecimento da siologia vegetal (função cloro lina e
ciclo do carbono) e na experimentação relativa ao impacto bioclimático provocado pela vegetação em meio
urbano.

“O pulmão verde e as faixas verdes (green belt) deram então lugar ao sistema contínuo, já advogado
por Olmsted, que, desde então, foi progressivamente desenvolvido e aplicado em vários planos,
nomeadamente o Plano de Berlim, de 1929, coordenado por Martin Wagner”
(Magalhães: 2001, p. 107).

Apesar de a evolução do planejamento ecológico nesse tempo ter sido ainda fragmentada, os componentes
do que viria a ser um paradigma para o planejamento ecológico estavam aparentes. No m da década de
1920, a noção de utilizar um entendimento das características intrínsecas da paisagem nas perspectivas eco-
lógica e estética foi testada em muitos planos em grande escala, incluindo-se o planejamento de parkways e
6 “Em síntese, o conceito de Contínuo Natural pretende pre-
servar as estruturas fundamentais da paisagem que, em meio parques estaduais.
urbano, penetram no tecido edi cado de modo tentacular e
contínuo, assumindo diversas formas e funções, cada vez mais
urbanas, que vão desde o espaço de lazer e recreio, ao en-
quadramento de infra-estruturas e edifícios, à simples rua ou
praça arborizada” (Magalhães: 2001, p. 107).
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Em 1935 Arthur Tansley, um botânico inglês, cunhou o termo ecossistema para descrever os aspectos biológi- O DESENVOLVIMENTO DE
cos e físicos, ou biofísicos, do ambiente considerado como um todo. O ecossistema, por sua vez, era parte da CONCEITOS ECOLÓGICOS
hierarquia dos sistemas físicos, alcançando do universo até o átomo. A idéia-chave do conceito de ecossiste-
ma era a progressão do sistema natural em direção ao equilíbrio, o qual, como Tansley reconheceu, nunca foi
completamente atingido.

Seguindo Tansley, cientistas investigaram as várias interações entre os ambientes biológico e físico, como as
transações de energia entre os organismos e seus ambientes. O preeminente ecologista Eugene Odum, da
escola de ecologia da University of Georgia, contribuiu imensamente para o campo da ecologia dos sistemas
do m dos anos 1940 aos 1970.
Pelo m dos anos 1950 os estudos de ecossistemas oresceram nos EUA, fazendo uso da teoria da informação
bem como de computadores e modelagem. Também incorporaram a noção de holismo, uma idéia introdu-
zida por John Christian Smuts em 1926 e introduzida nos estudos do ecossistema pelo ecologista sul-africano
John Phillips.

Benton MacKaye, engenheiro orestal, planejador e conservacionista, defendia a necessidade de entender


a paisagem na sua totalidade, não somente em termos de seus atributos e processos físicos e naturais, mas
também os valores, processos e signi cados culturais ligados à paisagem. Mais tarde ele ligou explicitamente
planejamento regional a ecologia, em particular à ecologia humana.

Segundo MacKaye, deveríamos assumir que um grupo de princípios morais governava as relações humanas
com a terra. No entanto, este não era o caso. Pensamentos e comportamento éticos eram baseados nas rela-
ções individuais com outros indivíduos. Mesmo quando pensadores visionários como Olmsted e Marsh clama-
ram por um entendimento da natureza como base para o planejamento, as relações do homem com a terra
eram ainda governadas prioritariamente pelo auto-interesse econômico (Ndubisi: 2002).

Uma nova ética, de novas formas de pensamento e comportamento, estendendo a ética humana ao ambien-
te natural, foi pela primeira vez articulada em uma série de ensaios escritos de 1930 ao nal da década de 1940
por Aldo Leopold. O tema principal de seus escritos é que havia maneiras certas e erradas de comportamento
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em relação à Terra. Para garantir o “funcionamento saudável” da Terra, Leopold argumentava por uma ética
que estendesse os limites da comunidade biótica, da qual as pessoas eram parte integrante, incluindo solos,
água, vegetação e animais. Na sua visão inclusivista do relacionamento interdependente entre pessoas e terra,
as pessoas eram os membros responsáveis e protetores da comunidade biótica cuja sobrevivência dependia
de outros membros da comunidade. Importantes ainda são os apelos de Leopold pela estética na ética.

Lewis Mumford, lósofo, historiador social e crítico cultural, em muitos livros explorou como os processos hu-
manos eram entrelaçados com os processos naturais na cidade e seu entorno. Ele ofereceu uma de nição de
planejamento, revisitou a questão do que constitui uma região e prescreveu uma abordagem para entender e
analisar paisagens regionais. Mumford criticou a incumbência do planejamento anterior a seu tempo por eva-
dir-se da realidade e evitar as responsabilidades pela ação. Para ele, o planejamento genuíno era uma tentativa
de clari car e agarrar rmemente todos os elementos necessários para trazer os fatos geográ cos e econômi-
cos em harmonia com os propósitos humanos. O estado de harmonia deveria ser visto como uma expressão
de estabilidade nos sistemas ecológicos. Defendia que, quando qualquer grande alteração fosse feita em uma
secção do ambiente, mudanças correspondentes ou compensatórias deveriam ser feitas, como uma regra, em
qualquer outra parte. Mais ainda: uma vez que as comunidades humanas eram consideradas como parte de
uma região, os limites da região não poderiam ser de nidos precisamente; ao invés, a região tornar-se-ia um
sistema de inter-relações que transbordam e tornam as margens sombreadas (Ndubisi: 2002).

Mumford expandiu o método de levantamento regional de Geddes e prescreveu uma abordagem ao planeja-
mento que envolvia quatro atividades distintas: 1- um levantamento para obter uma imagem histórica visual e
multidimensional da região; 2- uma descrição das necessidades e atividades regionais expressa em termos de
idéias e propósitos sociais, bem como uma formulação crítica e revisão dos valores correntes; 3 – formulação
de um novo quadro de vida regional baseado na reconstrução e projeção imaginativa; e 4 – uma absorção
inteligente do plano pela comunidade e sua tradução em atividades através de política apropriada e agências
econômicas. Conquanto Mumford raramente usasse o termo ecologia, seu trabalho lidava extensivamente
com planejamento ecológico na cidade e entornos.

O biólogo William Vogt propôs uma “equação biótica” para alcançar saúde ecológica, o que seria dado viven-
do dentro da capacidade de suporte da paisagem. Capacidade de suporte tornar-se-ia um importante concei-
to usado por paisagistas e planejadores na resolução dos con itos entre povo e natureza.

Assim com Mumford e Vogt, outros, como Roderick McKenzie, da Chicago School of Urban Studies, os botânicos
Edward Graham e Paul Sears, o lósofo John Dewey, de distintas maneiras, exploraram como o conhecimento
das interações entre humanos e o ambiente poderia ser usado para guiar a ação social. Ao mesmo tempo,
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eles perceberam que o homem tem características que o distinguem dos outros organismos constitutivos da
comunidade biótica.

Eugene Odum sintetizou esta diferença em seu livro Fundamentals of Ecology (1953), em que salienta que o
estudo da ecologia geral pode contribuir para as ciências sociais através da conexão da ecologia humana; no
entanto, deve-se ir além dos princípios da ecologia geral, porque a sociedade humana tem muitas caracte-
rísticas que a fazem única quantitativamente, se não qualitativamente. Em primeiro lugar, o comportamento
exível do homem e sua habilidade em controlar seus arredores são maiores do que aqueles de outros orga-
nismos. Em segundo lugar, o homem desenvolve cultura, o que, exceto em uma extensão muito rudimentar,
não acontece em nenhuma outra espécie.

Em 1950, Garret Eckbo publicou Landscape for Living, onde situa a arquitetura da paisagem dentro da corrente
da cultura e tecnologia do século 20. Eckbo argumenta pela adoção do método cientí co como base para
o entendimento teorético necessário pela disciplina em sua missão de contrapor-se aos efeitos do ‘boom’
econômico do pós-guerra, e caracteriza o método em termos de análise, hipótese e experimentação: os cons-
tituintes da abordagem dedutiva da teoria (Swa eld: 2002).

Neste sentido, se um paradigma consiste em um corpo de idéias consistentes, teorias, levantamento de dados
e técnicas para colocar idéias em prática, então um paradigma reconhecível do planejamento da paisagem foi
desenvolvido nos anos 1950. Uma razão para a extensão da ética humana ao ambiente natural foi articulada. O
emprego das idéias ecológicas em planejamento aumentava. Idéias ecológicas eram paliçadas em numerosos
esforços de planejamento em larga escala. As noções de múltiplo uso, campo sustentável e capacidade de
suporte eram empregadas como princípios de planejamento e gestão (Ndubisi: 1997).

Após a Segunda Guerra Mundial a conservação da natureza enfocou mais a preservação dos valores das pai- CONVERGÊNCIA
sagens seminaturais. Isto era especialmente importante nos países do Norte da Europa, onde o declínio da
natureza era alarmante. Após o primeiro ano da conservação da natureza, 1970, as mudanças começaram a
acontecer na Europa Ocidental; atos de conservação da natureza foram revistos em muitos países, alguns ca-
sos emendando-se a legislação existente e em outros casos formulando-se uma nova e mais integrada política
de conservação da natureza em questões como recreação, urbanização, planejamento regional e agricultura.
O mesmo processo teve lugar na Europa Central e do Leste após 1989; desde então alguns países do Centro e
Leste europeu têm introduzido a mais progressiva legislação, baseada no mais atual conhecimento cientí co
(Jongman: 2004).
30
O começo da era intitulada por Ndubisi como a era da aceitação coincidiu com muitos levantes sociais e po-
líticos que tiveram lugar nos EUA durante os anos 1960. Pela primeira vez os americanos questionaram publi-
camente os valores que possibilitaram aos EUA tornarem-se uma sociedade industrial e tecnológica. Protestos
trouxeram a ética ecológica e ambiental para a atenção pública.

Em 1962 Rachel Carson publicou seu livro Silent Spring, que se tornaria popular por alertar sobre o uso indiscri-
minado de pesticidas e o efeito da ação humana na natureza. A cruzada ambiental contou também com a pu-
blicação de outros livros fora do campo do paisagismo e do planejamento, sobre abusos ambientais, incluindo
mau uso da tecnologia, superpopulação, degradação de paisagens, fracasso na gestão dos recursos nitos e
degradação visual. Pela primeira vez a necessidade de regular a indústria para proteger o ambiente tornou-se
amplamente aceita, e o ambientalismo nascia.

O congresso americano aprovou muitas peças de legislação ambiental. A restauração da qualidade visual das
paisagens foi amplamente discutida e legislada. Leis similares foram aprovadas em outros países, agindo como
catalisadoras para o desenvolvimento de melhores abordagens para entender e analisar paisagens.

Enquanto a consciência pública de alienação e degradação ambiental estava crescendo na década de 1960,
especialmente nos círculos acadêmicos, muitas pessoas in uentes buscavam meios de reconciliar ações hu-
manas com o ambiente. Três delas se destacaram: Angus Hills, Philip Lewis e Ian McHarg (Ndubisi: 2002).

Angus Hills, um cientista de solo e geógrafo canadense, desenvolveu um método para usar a capacidade bio-
lógica e física da terra para guiar as decisões de uso do solo para agricultura, oresta, vida silvestre e recreação.
Grandes áreas eram parceladas em pequenas unidades homogêneas que poderiam então ser relacionadas
com usos potenciais ou limitações sociais impostas. Propôs um esquema de avaliação numérico para delinear
as unidades homogêneas que apareciam como gestalt no campo.

No Meio-Oeste americano, Philip Lewis, paisagista e professor, enfocava mais os aspectos perceptíveis, como
vegetação e cenarização. Em seu estudo para Wisconsin, foi capaz de desenvolver uma abordagem que co-
nectava as pouco estudadas qualidades visuais ou de percepção da paisagem com os padrões ambientais
naturais do estado. Usou a sobreposição para coalisar os recursos em padrões aos quais se referiu como “cor-
redores ambientais” e “personalidades paisagísticas”.

Iniciando nos anos 1960, Ian McHarg, outro pensador visionário, paisagista, planejador urbano e educador,
defendeu forte e persuasivamente o emprego da ecologia como base para reconciliar o uso e abuso humano
da paisagem. Ele promoveu a ecologia como ciência fundamental para a arquitetura da paisagem e o planeja-
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mento regional. Fortemente in uenciado pelos trabalhos de Loren Eisley e especialmente de Lewis Mumford,
de quem foi seguidor, pode bem ter sido a pessoa que fez os mais signi cativos avanços no campo do pla-
nejamento ecológico no século XX. Seu método, conhecido como ‘análise da adequação’ (suitability analysis),
ou simplesmente ‘análise de McHarg’, liga explicitamente ecologia a planejamento e projeto. Seus princípios
éticos, sua teoria de trabalho e as aplicações de sucesso de sua abordagem foram apresentados no livro Design
with Nature, publicado em 1969.

As técnicas de McHarg envolviam a sobreposição de mapas translúcidos feitos à mão mostrando siogra a,
drenagem, solos, e recursos críticos naturais e culturais a m de revelar áreas adequadas para diferentes tipos
de usos humanos. Era uma abordagem defensiva que continua a ser utilizada por estudantes e pro ssionais
de hoje.

Conforme as abordagens iam tecendo a base teórica, surgiam novas maneiras de visualizar a paisagem. Carl
Troll, geógrafo alemão que estava aplicando a interpretação de fotogra as aéreas para estudar as interações
entre ambiente e vegetação, cunhou o termo ‘ecologia da paisagem’ para descrever um novo campo de co-
nhecimento, que abordava holisticamente os arranjos espaciais dos elementos da paisagem e o modo como
sua distribuição afeta o uxo de energia e indivíduos no ambiente (Benedict e McMahon: 2006).

Em 1967 Carl Steinitz aplicou, na Universidade de Harvard, tecnologia computacional ao planejamento ecoló-
gico.

A década de 1970 foi profícua na evolução das teorias e métodos de planejamento ecológico. A abordagem
de McHarg poderia ser usada para examinar, impor parâmetros e solucionar com mais precisão problemas re-
lacionados ao uso e abuso do homem na paisagem. Também estimulou o debate sobre técnicas de avaliação
alternativas.

No nível global, não há escassez de relatórios alertando sobre as conseqüências das ações humanas na pai-
sagem, especialmente aquecimento global, a depleção da camada de ozônio e suas conseqüências devasta-
doras de aumento de radiação nos sistemas de suporte da vida, a deserti cação das paisagens, a erosão da
diversidade biológica, os impactos do crescimento populacional descontrolado na base de recursos mundiais
e da insustentabilidade do sistema econômico e político vigente. O relatório de 1977 da Comissão Mundial
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento reportou o desa o global relacionado à degradação das paisagens
(Ndubisi: 2002).

O conceito de desenvolvimento sustentável foi lançado no mundo em 1987, com a publicação do relatório
32
Our Common Future: the Report of the World Commission on the Environment and Development, presidido pelo
primeiro-ministro norueguês Gro Harlem Bruntland. Em face da degradação dos recursos naturais, chama a
atenção para a necessidade de se enveredar por um novo modelo de desenvolvimento, que não inviabilize a
vida das futuras gerações, e promove uma nova re exão, em todos os setores de atividade - portanto, também
no da espacialização das atividades - sobre o modo de atingir este novo objetivo.

Dando um novo lugar à ecologia, como primeiro pressuposto de desenvolvimento, este conceito obriga à
descoberta do modo como cada setor, incluindo a Arquitetura e a paisagem, devem repensar os processos da
sua alteração para garantir a sua implementação (Magalhães: 2001).

Este tema foi recolocado muitas vezes em numerosas conferências internacionais, incluindo a Rio Summit em
1992, quando representantes de 178 países debateram problemas sociais, econômicos e ambientais que con-
frontam o planeta e elaboraram o que o desenvolvimento sustentável signi caria na prática, nos níveis nacio-
nal e local. Também foi estabelecida a ligação clara entre a proteção ao meio ambiente e a pobreza no mundo
em desenvolvimento7.

O desenvolvimento de conceitos ecológicos e sua tradução em planejamento e projeto continuaram, pro-


pulsionados por um melhor entendimento do conceito de ecossistema e como este poderia ser usado para
melhor mediar o diálogo entre ações humanas e processos naturais. Estudos do ecossistema enfatizaram os
aspectos biológicos do ambiente, demonstrando muito pouco entendimento dos aspectos físicos e químicos.
Os trabalhos dos ecologistas Howard Odum, Raymond Margalef e Frank Golley forneceram importantes con-
tribuições para a dinâmica dos uxos de energia e ciclo de nutrientes dentro dos ecossistemas.

Os estudos de Herbert Bormann e Gene Likens em 1967 demonstraram empiricamente que a bacia hidrográ-
ca era uma unidade ecológica cujas propriedades e comportamento poderiam ser estudados. O conceito de
bacia foi posteriormente melhor desenvolvido nos anos 1980.

Eugene Odum, em 1969, desenvolveu um modelo de trabalho que evidenciou as relações funcionais entre
tipos de paisagem requeridos para as pessoas e funções ecológicas necessárias para suportá-las. O modelo
7 Segundo Dean (1996, p 378): “A Conferência das Nações Uni-
de Odum dividia a paisagem de acordo com seus papéis ecológicos básicos: produção, proteção, múltiplo
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no uso e usos não vitais (urbano, industrial). Assim, Odum estabeleceu uma base teórica para o entendimento do
Rio de Janeiro em junho de 1992, legou para a posteridade
algumas das mais utilitaristas, para não dizer mesquinhas, con-
funcionamento das paisagens. Julius Fabos usou o modelo de Odum como base para o desenvolvimento de
cepções sobre o mundo natural dos tempos modernos. A di- uma abordagem completa para o planejamento de uso do solo regional. Houve numerosos esforços similares
versidade da vida foi ali rotulada como “recursos genéticos”, as
orestas foram caracterizadas como um recurso renovável e a
para re nar e traduzir idéias ecológicas em planejamento.
preservação foi classi cada no verbete de uso sustentável”.

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Desenvolvimentos em tecnologia de sensoriamento remoto nos anos 1970 e 1980 tornaram possível estudar
ecossistemas orestados muito maiores do que os estudados em ecologia. Mais informações cientí cas torna-
ram disponíveis efeitos em curto prazo e longo prazo de ações humanas na paisagem. A disponibilidade de
melhores informações resultou em um público informado, que, crescentemente, demandava maior participa-
ção nas decisões envolvendo a qualidade de seu ambiente.

Rápidos avanços na tecnologia computacional habilitaram planejadores ecológicos a melhor armazenar, ana-
lisar e expor grandes quantidades de dados de recursos naturais e culturais, possibilitando diversas e inteli-
gentes opções para as tomadas de decisão. Os rápidos avanços em tecnologia e comunicação induziram à
fragmentação das paisagens onde as pessoas viviam, trabalhavam e descansavam. Colocados juntos, estes
eventos aumentaram demasiadamente a natureza, o escopo e a complexidade das questões que o planeja-
mento ecológico poderia tratar.

Se a aceitação da abordagem do planejamento ecológico consolidou o paradigma, também habilitou para o


debate sobre modos alternativos de reconciliar uso e abuso humanos da paisagem. Os avanços tecnológicos
possibilitaram uma proliferação de abordagens para entender e avaliar as paisagens e para garantir uma me-
lhor adequação entre ações humanas e processos naturais, como veremos a seguir.

A diversidade de abordagens do planejamento ecológico surgiu a partir da década de 1970 como resposta às DIVERSIFICAÇÃO DAS
novas questões geradas pelos avanços informacionais. Algumas destas são novas abordagens que têm foco ABORDAGENS
no futuro, enquanto outras são meramente velhas abordagens sob diferentes nomenclaturas ou empregando
ferramentas e técnicas modernizadas. As abordagens são empregadas em uma variedade de escalas e em um
espectro de urbano a rural para proteger e restaurar as paisagens. Em vários graus, a maior parte das abor-
dagens usa informações ecológicas ao avaliar o valor relativo de locações dentro de uma paisagem (Ndubisi:
2002).

J B Jackson, em How to Study a Landscape (1980), explicou seu método indutivo, trabalhando a partir da des-
crição de situações particulares em direção à generalização dos principais princípios: uma abordagem para
entender a gura e a forma da paisagem americana sobre a qual o planejamento trabalhou extensivamente
na última parte do século XX (Swa eld: 2002).

Desde que Richard T. T. Forman e Michel Godron publicaram seu livro Landscape Ecology em 1986, uma fusão
crescente tem ocorrido entre ecologistas, geógrafos, arquitetos paisagistas, planejadores e alguns historiado-

34
res nos EUA. A ecologia da paisagem procura entender a estrutura da paisagem, função e mudança no nível
organizacional da paisagem e esta fusão provê uma estrutura conceitual dentro da qual planejadores e proje-
tistas podem explorar como a estrutura da terra e os relevantes processos ecológicos evoluem. Se a paisagem
é a interface entre processos humanos e naturais, a ecologia da paisagem foca o meio em que ocorre o diálo-
go entre ambos os processos. Também considera a paisagem como um mosaico de ecossistemas interativos,
conectados pelos uxos de energia e materiais (Ndubisi: 2002).

Partindo-se do principio segundo o qual ecossistemas de qualquer escala podem ser estudados e uxos de
energia e matéria entre ecossistemas de diferentes tamanhos podem ser identi cados, a ecologia da paisagem
provê a base conceitual e geográ ca para estudar o espaço físico em uma escala prática e, por extensão, per-
mite entender uma paisagem em relação a seus contextos social e natural.

A ecologia da paisagem fortalece a base teórica da ecologia por habilitar planejadores e ecologistas a enten-
der a terra em termos de relacionamentos entre três inseparáveis perspectivas: visual, cronológica e ecossistê-
mica. Ao serem trabalhadas nas mesmas perspectivas, as informações ecológicas podem ser mais bem inter-
pretadas para prover paisagens ecologicamente sadias e paisagens que incorporam signi cado, identidade e
sentido de lugar. Alguns trabalhos pioneiros estão emergindo através dos esforços de arquitetos paisagistas,
planejadores e ecologistas, incluindo-se Jack Ahern, arquiteto paisagista e professor do Departamento de
Arquitetura da Paisagem e Planejamento Regional da University of Massachusetts Amherst; Robert D. Brown, do
grupo de pesquisa de Guelph e Escola de Arquitetura da Paisagem da University of Guelph, Canada, Edward
Cook, da Escola de Planejamento e Arquitetura da Paisagem da Arizona State University, Frank Golley, ecologista
da Escola de Ecologia da University of Georgia, Monica Turner, professora do Departamento de Zoologia da Uni-
versity of Wisconsin-Madison, Donna (Hall) Erickson, Joan Hirschman, Joan Nassauer, Zev Naveh e James Thorne,
além de, é claro, Richard Forman.

Estes pro ssionais legam para a prática do planejamento ecológico teorias, métodos e aplicações fundamen-
tais para o desenvolvimento da área. Em Land Mosaics (1995), Forman ilustra seus procedimentos com o plano
de espaços abertos proposto para Concord, em que analisa as relações espaciais entre manchas e corredores
e avalia sítios especiais por sua singularidade e tempo de reposição. Edward Cook propôs uma estrutura que
se utiliza da avaliação das interações de manchas-corredores-matriz para desenvolver uma rede ecológica nos
corredores de rios urbanos. A estrutura foi re nada posteriormente pelos arquitetos paisagistas canadenses L.
Baschak e R. Brown em uma estrutura de projeto ecológica (Ecological Design Framework – EDF).

Freqüentemente ausente do planejamento ecológico é um entendimento profundo das experiências acumu-


ladas das pessoas em uma paisagem especí ca, os signi cados que atribuem a ela e como ambos se modi -
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2 CD P PcdaTiP P P bPVT T P R SPST

cam ao longo do tempo. Os esforços para entender as relações entre as pessoas e a paisagem dividem-se em
duas abordagens principais: percepção da paisagem e planejamento ecológico humano.

A abordagem da percepção da paisagem enfatiza a qualidade visual da paisagem como um recurso impor-
tante que deveria ser incluído no planejamento ecológico. Consideráveis avanços em teoria e métodos de
avaliação foram conseguidos por ecologistas, economistas, engenheiros orestais, geógrafos, arquitetos pai-
sagistas e psicólogos. Falta, no entanto, a concordância em torno de um único paradigma, o que é um re exo
da variedade de teorias e metodologias de avaliação da paisagem hoje existente.

A abordagem da ecologia humana aplicada procura integrar os processos humanos no planejamento ecológi-
co. Esforços signi cativos para entender melhor como as pessoas afetam e são afetadas pelo ambiente natural
incluem os trabalhos do grupo de arquitetos paisagistas da Universidade da Pensilvânia, além dos trabalhos
de Jonathan Berger, Yehudi Cohen, Joanne Jackson, Dan Rose, Frederick Steiner e Gerald Young. Inicialmente
estes esforços sofreram com a falta de uma base teorética sólida, a qual foi articulada no começo dos anos de
1980, pelos estudos de Ian Mcharg.

Desde o início dos anos 1980 a maior parte dos trabalhos de planejamento ecológico considerou os processos
humanos. A diversidade existe não somente nas abordagens correntes em uso em planejamento ecológico,
mas também no escopo de suas áreas de pesquisa e prática. Os limites do planejamento ecológico na arqui-
tetura da paisagem e planejamento ampliaram-se consideravelmente, em resposta aos novos e complexos
problemas relativos às ações humanas na paisagem, a um crescente público esclarecido que demanda maior
envolvimento nas decisões que afetam a qualidade de seu ambiente, e a avanços nas ciências ecossistêmicas,
tecnologia computacional e sensoriamento remoto.

Em resumo, o ecossistema é o conceito fundamental usado por todas as abordagens para conceituar paisa-
gem como um sistema de fatores físicos, biológicos e culturais interagentes, conectados através do uxo de
materiais, energia e espécies. O equilíbrio é a força fundamental que dirige a organização e mantém a estabi-
lidade dos ecossistemas.

Considerando-se que a cidade também é um ecossistema onde interagem e convivem a comunidade biótica
e abiótica e que o sistema de espaços abertos é o lugar dos processos naturais na cidade, esta pesquisa toma
como referencial as investigações sobre os espaços abertos e suas potencialidades ecológicas e ambientais.
Para tanto, tomar-se-á como referencial teórico a Ecologia da Paisagem, que será discutida adiante, principal-
mente os conceitos de mancha-corredor-matriz (Forman e Godron:1986) e dos greenways (Smith e Hellmund:
1993 e Fabos e Ahern: 1995), que serão apresentados posteriormente.
36
1.3 PAISAGENS A paisagem, no nosso contexto, é a expressão morfológica das diferentes formas de ocupação e conseqüente
transformação do ambiente em um determinado tempo (Macedo: 1999). Além da dimensão visível dos siste-
SUSTENTÁVEIS mas de objetos que constituem os lugares e regiões, a paisagem é marcada pelo sistema de ações, visualizado
direta ou indiretamente. As paisagens não somente abrigam os eventos resultantes dos sistemas de ações, mas
também são por eles quali cadas.

Segundo Spirn (1998), o contexto da paisagem é complexo e dinâmico, tecido de muitos os, em múltiplas
dimensões. Em paisagem, falar em contexto demanda mais que usar materiais locais e imitar formas comuns
à paisagem regional. Falar em contexto é distinguir contextos profundos e remanescentes daqueles que são
super ciais e passageiros; é responder aos ritmos e histórias de cada um e projetar estes contextos para o
futuro.

A idéia de paisagem possibilita um espaço ideal para que as relações entre natureza, economia e cultura sejam
analisadas.
Nas últimas décadas, a sustentabilidade ambiental tornou-se assunto em pauta nas mais diversas agendas
pro ssionais e políticas. A preservação da natureza e o uso controlado das áreas de fragilidade ambiental tor-
naram-se consenso; porém o ambiente urbano, principal produtor de impactos e habitat humano por exce-
lência, pouco tem se modi cado em direção às novas premissas. Paisagens urbanizadas sustentáveis implicam
em aspectos completamente diferentes das paisagens rurais sustentáveis; ou seja, o conceito de paisagem
também se estende e se diferencia de acordo com o contexto (Antrop: 2006).

Segundo Antrop (2006), a idéia de paisagens sustentáveis deveria estar em contradição com a de nição básica
de paisagem. Paisagem envolve continuidade em um modo mais ou menos caótico e re ete necessidades
sociais e econômicas de uma sociedade especí ca em determinado momento. No entanto, a idéia de susten-
tabilidade pode ser interpretada de duas maneiras. Primeiro, a idéia pode se referir à conservação de certos
tipos ou valores de paisagens e implicar na continuação de práticas que mantêm e organizam estas paisagens;
segundo, a idéia pode se referir à sustentabilidade como um princípio fundamental para a paisagem futura.
Neste caso, o conceito se refere ao potencial que as paisagens têm para desenvolver sustentabilidade.

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Lyle aponta que a natureza intocada constitui a melhor fonte para entender como os processos naturais fun-
cionam. É a parte mais fundamental da biblioteca de informações para viver na Terra. Ressalta, porém, que a
maior parte da superfície da Terra está já em uso humano. Isto signi ca que, para serem sustentáveis, os siste-
mas de suprimento de energia e materiais devem ser continuamente auto-renovadores, ou regenerativos, em
suas operações (Lyle: 1994). Ou seja, ao contrário do conceito de preservação estática, a sustentabilidade das
paisagens requer regeneração contínua.

Com este mesmo enfoque, Acselrad argumenta:

“Associar a noção de ‘sustentabilidade’ à idéia de que existe uma forma social durável de apropria-
ção e de uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações biofísicas, por exemplo,
signi ca ignorar a diversidade de formas sociais de duração dos elementos da base material do
desenvolvimento.
Colocar o debate sobre sustentabilidade fora dos marcos do determinismo ecológico implica, por-
tanto, em afastar representações indiferenciadoras do espaço e do meio ambiente. Requer que se
questione a idéia de que o espaço e os recursos ambientais possam ter um único modo sustentável
de uso... ou seja, que se reconheça que há varias maneiras de as coisas durarem, sejam elas ecossis-
temas, recursos naturais ou cidades .” (Acselrad: 2001, p. 48)

Sabemos que a sustentabilidade, em todo o seu amplo espectro, somente será factível com a mudança da
sociedade. Contudo, estudos recentes apontam diversos caminhos para que as cidades sejam reestruturadas
e possam se adequar às novas necessidades. Através de planejamento a médio e longo prazo, impulsionadas
pelos compromissos globais, as agendas são realizadas e começam a ser experimentadas atitudes concretas
em direção à diminuição de emissão de gases, proteção aos cursos d’água e orestas e a uma reintegração das
camadas mais pobres na malha urbana.

Estas ações estão baseadas em indicadores de qualidade, ora urbana, ora ambiental, ora de vida. Não existe
ainda consenso entre pro ssionais ou correntes de pensamento sobre estes indicadores ou ainda sobre o que
se pretende com a evolução das cidades.

A quantidade que um assentamento usa de recursos humanos e ambientais renováveis é um útil indicador do
grau alcançado pela sustentabilidade. As variáveis primárias ecológicas ou biológicas usadas neste modelo são
ar, água, alimento e bra, energia e ecologia humana. Estes intercâmbios tornaram-se importantes indicadores
de desenvolvimento sustentável e de nem qualidades inerentes e capacidade de suporte da cidade (Bartuska
e Kazimee: 2005).

38
A partir das últimas décadas, as conseqüências ambientais e sociais dos padrões concentrados de atividade
humana no ambiente urbano têm sido trazidas à tona e debatidas, com a sugestão de que os atuais arranjos
nas cidades ocidentais são insustentáveis. No entanto, a cidade não pode ser desconsiderada na procura por
outra mais sustentável, de forma alternativa. Ao contrário, as características da cidade devem ser reconhecidas,
capitalizadas e reconstruídas. Como apontado por Giddings et al. (2005), as cidades congregam algo especial
sobre a própria civilização que não pode ser diluído e reduzido a algo banal, sem vida, esparramando-se in -
nitamente. É importante reconhecer e preservar as características, os conteúdos e a distinção da cidade antes
que os negócios políticos e econômicos modernos destruam a sua essência através da padronização.

A FORMA URBANA Historicamente, as cidades têm tido arranjos espaciais complexos re etindo a multiplicidade das trocas hu-
manas. Elas têm se mantido vivas com a riqueza de padrões e símbolos que preenchem muitas necessidades
psicológicas e espirituais. Por exemplo, o senso de enclausuramento e de nição espacial provido pelos muros
medievais satisfaziam mais que a necessidade de defesa e proteção; também ofereciam estímulo psicológico
e conforto físico. A necessidade de entornos humanos-padrão é válida hoje como o foi no período medieval,
tendo sido reconhecida por Alexander e Lynch (Giddings et al.: 2005).

Os dois últimos séculos transformaram as cidades de relativamente contidas em espraiadas. Este fenômeno
mundial tem como propulsor a força do capital internacional, com a globalização dos serviços especializa-
dos.

As ações combinadas de poder econômico e planejamento indeterminaram a importância de espaços dis-


tintos e marcos referenciais que originalmente contribuíam para o estabelecimento do caráter e espaços da
cidade. Muitas malhas urbanas e conexões tradicionais foram enfraquecidas ou perdidas, esmagadas por rede-
senhos que ignoraram séculos de evolução. Cidades foram cicatrizadas pela rede de rodovias principais, que
ocupam grandes áreas, fragmentam e cegam vizinhanças, destruindo a troca social local e desconectando os
transeuntes de seus entornos (Appleyard: 1989).

Estudos estão sendo desenvolvidos não somente com o objetivo de determinar limites máximos e mínimos,
mas também para de nir uma densidade ideal para e ciência energética. A maior di culdade com regras ge-
rais concernentes à densidade urbana, incluindo zoneamento, é que elas falham ao lidar com especi cidades
de desenho e especialmente com a relação entre edifícios e paisagem. A qualquer nível de densidade, habita-
bilidade e sustentabilidade requerem integração de edifícios e paisagem.

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“The urban landscape should provide a zone of natural microclimate control around buildings that also
provides some biomass, supports a biological community, produces oxygen, absorbs carbon dioxide, l-
ters the air, and provides for ow and in ltration of water. Such a landscape can form by a continuos green
matrix through urban areas. (…) The space around the single house cannot remain energy-consuming
decorative landscape but must become energy-producing working landscape that pays its way in ecolo-
gical terms.” (Lyle: 1994, pág. 130)8

A forma futura das cidades e as estratégias que elas devem adotar ainda estão sendo debatidas. Uma alterna-
tiva altamente atrativa para as cidades que enfrentam as mudanças desreguladas e indiscriminadas atuais é a
sustentabilidade urbana, levando em conta as especi cidades da cidade, conforme evidenciado anteriormen-
te.

Com a presente estrutura econômica não há incentivo para as cidades se responsabilizarem pelos danos ex-
ternalizados de suas atividades. Igualmente as reurbanizações que apenas objetivam uma imagem super cial
não promovem nenhuma solução socioeconômica ou ambiental. Em contraste com a estratégia da imagem
da cidade, fartamente utilizada pelas administrações locais, o desenvolvimento sustentável tem como objetivo
principal oferecer uma alta qualidade de vida para toda a comunidade, dentro de uma estrutura socioeconô-
mica que minimize o impacto da cidade no ambiente local e global. Para esta proposta ser bem-sucedida, a
cidade precisa enfrentar as três dimensões da sustentabilidade: a social, a ecológica e a econômica.

É importante enfatizar, como em Giddings et al. (2005, pág. 24), que “cidades sustentáveis asseguram o bem-
estar e boa qualidade de vida para os cidadãos, são economicamente amigáveis, e socialmente integradas e
justas”.

Esta sustentabilidade pode ser alcançada de muitas formas, e algumas já estão exaustivamente debatidas:
• uso de energia renovável e aumento considerável na e ciência energética;
• reciclagem e reuso de materiais;
• produção de alimentos dentro das cidades;
• um m ao parcelamento das bordas da cidade, desenvolvimento do lazer e negócios 8 A paisagem urbana deveria prover uma zona de controle na-
para proteger a área rural e segurar os empregos dentro das cidades (Giddings et al.: 2005). tural de microclima ao redor de edifícios que também produ-
zisse biomassa, suportasse uma comunidade biológica, pro-
duzisse oxigênio, absorvesse dióxido de carbono, ltrasse o ar,
Além destas, é fundamental para alcançar progresso em direção à sustentabilidade uma economia que se e provesse o uxo e in ltração de água. Tal paisagem pode for-
concentre no bem-estar e qualidade de vida para todos. Esta economia desempenha seu papel se ligada à mar uma matriz verde contínua através das áreas urbanas.(...)
O espaço ao redor de uma única casa não pode permanecer
subsistência de seus residentes, ao invés de simplesmente à produção, consumo e posse das mercadorias. paisagem decorativa consumidora de energia, mas deve tor-
A relação entre economia, sociedade e ambiente precisa guiar-se pelo reconhecimento de que uma não pode nar-se paisagem funcional produtora de energia que faz seu
papel em termos ecológicos. (Tradução da autora)

40
existir sem as outras. Vida humana, atividade e cultura dependem de seu ambiente mais amplo. Atualmente,
a maior parte da política econômica se concentra na produção da maior riqueza, geralmente medida em ter-
mos de valor monetário. Este enfoque ignora a riqueza criada pela economia de não-mercado da família e da
comunidade (o capital social) e prioriza lucros ao invés de ir ao encontro das necessidades humanas através
da produção de bens e serviços.

De uma perspectiva ecológica, é também importante que a economia seja local. Se a economia da cidade
não se conecta com sua região, é inevitável que se tenham problemas ecológicos mais abrangentes que seu
território. Se houver mais fontes de recursos e materiais na região, ao invés de mercados globais indiferencia-
dos, e uma dramática redução nos resíduos e na poluição, então as conexões entre as cidades e seus entornos
serão fortalecidas. Nisto reside a necessidade de restabelecimento da identidade própria às áreas rurais.

Concordamos com Giddings quando rea rma que o lugar é importante, ao contrário do que argumentam os
defensores da globalização. Senso de lugar e comunidade são a alma das cidades. As cidades necessitam do
seu senso único de ser um lugar singular. A distinção entre cidade e campo deve ser rede nida sem se voltar
à simplicidade das muralhas medievais.

A necessidade de participação cidadã signi cativa – crucial para a cidade sustentável - é o comprometimento
e o desejo da população. Muitos ambientes projetados por pro ssionais não satisfazem as necessidades dos
habitantes por não levarem em conta seus verdadeiros interesses, necessidades e preferências – desapego e
falta de identi cação com o meio urbano. A participação é um conjunto de técnicas idealizadas para garantir
que os habitats humanos satisfaçam suas necessidades (Ruano: 1999). O pensamento ecológico presume que
há limites para o entendimento por parte dos pro ssionais das particularidades dos processos humanos e na-
turais. Destarte, planejamento e projeto da paisagem devem sempre ser vistos como processos participativos,
envolvendo os habitantes do lugar de modo signi cativo (Ndubisi: 1997).

Existe um pensamento crescente nos governos de que o mercado é um re exo acurado das escolhas indivi-
duais e um meio apropriado de decisões in uenciadas. Existe uma ênfase em pessoas como consumidores ao
invés de cidadãos. Gentri cação e privatização seguem contra o fortalecimento da democracia local na medi-
da em que produzem exclusão e polarização. Áreas reservadas para classes pro ssionais a uentes onde os de-
mais, geralmente pobres, são efetivamente excluídos, ou cidades voltadas para o benefício do consumo, são
quadros de imagem falsa e impossibilitam engajamento cívico signi cativo e efetivo (Giddings et al.: 2005).

Cidades sustentáveis precisam de envolvimento das pessoas, precisam de cidadãos ativos. É necessária uma
mudança fundamental na política e na estrutura política. O governo local precisa se modernizar e se transfor-
41
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mar em um vibrante, dinâmico e provocativo fórum de debates, baseado no envolvimento público.

Jenks e Dempsey (2005) concluem que as formas urbanas futuras para a vida na cidade incluirão: formas
urbanas policêntricas, ligadas a bom sistema de transporte público; desenvolvimento que é diretamente re-
lativo ao transporte; aumento apropriado à cultura de densidade de desenvolvimento, resposta ao contexto
urbano; formas urbanas e edifícios que tomem vantagem da energia solar e levem em conta o ciclo vital de
desenvolvimento; formas que interajam com as novas tecnologias; formas de desenvolvimento que tenham
acessibilidade e comportamento sustentável e que envolvam as pessoas que vivem lá.

Independentemente de quão brilhantes sejam as soluções urbanísticas, a sustentabilidade só será factível se


conseguir-se criar entre as pessoas uma maior consciência sobre as implicações negativas de certos estilos
de vida. A saúde da Terra é uma tarefa comum e compartilhada, pois este planeta é nosso único lugar, e, se
quisermos deter a deterioração ambiental, teremos que reconsiderar seriamente nosso modo de vida urbana.
Todos são parte da solução e do problema. As idéias imaginativas e tecnocráticas deverão submeter-se a com-
provado consenso social. As propostas mais efetivas terão que ser discutidas, acordadas e até originadas nas
pessoas que terão que fazê-las acontecer e conviver com elas. Envolvimento é a chave para o desenvolvimen-
to de assentamentos humanos sustentáveis (Ruano: 1999). O uso do solo é um dos mais importantes fatores
que in uenciam os processos ecológicos e a biodiversidade, mas há pouco entendimento de como a forma
urbana afeta as dinâmicas do ecossistema (Williams: 2001).

É necessário começar a construir uma estrutura conceitual que reconheça a multiplicidade de caminhos até
futuros sustentáveis diferentes que freqüentemente co-existem em uma cidade. Os padrões utilizados como
resposta única a um problema diverso devem ser descartados de modo que cada localidade possa atender
às suas necessidades locais e às expectativas de seus moradores. Assim, quanto mais particular seja a resposta
do planejamento e projeto, tanto mais estes poderão atender às questões de sustentabilidade e qualidade de
vida humana.

As formas regenerativas, segundo Lyle (1994), freqüentemente são bem diferentes do que é familiar ou per-
cebido como natural, o que di culta que as pessoas as aceitem e relacionem-se com elas. É importante, por-
tanto, que a tecnologia se torne um aspecto integral da cultura comum. Com o entendimento do processo
envolvido, é possível moldar edifícios e paisagens de modo a dar visibilidade aos processos. “Se pudermos
manifestar a elegância inerente a processos ecológicos em forma visíveis, essas formas tornar-se-ão símbolos
do tempo”9.
9 “...if we can manifest the inherent elegance of ecological pro-
cesses in visible forms, those forms will become symbols for
Ao nal, sustentabilidade terá de entrar em cada decisão de desenvolvimento, começando com padrões re- the times”. (Lyle: 1994, p. 45)
42
gionais, procedentes de decisões de o que e onde desenvolver, e seguindo por detalhes como espécies de
árvores a serem plantadas e métodos de drenagem a serem utilizados. “Tornar visíveis os processos ecológicos
que suportam a vida será uma importante parte desta paisagem emergente”10 (Lyle: 1994).

1.4 ESPAÇOS ABERTOS Tomamos o termo espaços abertos como a tradução de open spaces, entendidos como os espaços livres de
edi cação, no conjunto de suas tipologias – ruas, calçadas, largos, praças, parques, quintais, jardins, etc. – públi-
URBANOS cos ou privados, que têm um papel capital no funcionamento do ecossistema urbano. Usa-se neste trabalho
o termo espaço aberto como sinônimo de espaço livre, procurando-se, no entanto, através do termo ‘aberto’,
diferenciar esses espaços daqueles ainda não edi cados, os lotes vazios, que dão margem à constante pressão
pela edi cação e transformação de uso dos espaços públicos.

Na de nição de Magnoli (2006, p. 202), espaço livre é “entendido como todo espaço (e luz) nas áreas urbanas
e em seu entorno, não coberto por edifícios”. Conforme Lima (1998), tais espaços formam um “tecido pervasi-
vo”, sem o qual não se concebe a existência das cidades; estão por toda a parte, mais ou menos processados
e apropriados pela sociedade; constituem, quase sempre, o maior percentual do solo das cidades brasileiras,
mesmo entre as mais populosas. São os espaços da vida cotidiana ao ar livre, que permitem acessos e cone-
xões, atividades de trabalho, recreação, lazer e convivência (Menneh: 2002).

Os espaços abertos públicos são a gênese da cidade, a esfera da vida pública. São esses espaços que freqüen-
temente condicionam os espaços construídos, conferindo-lhes suas formas, seus relevos e suas características.
O termo ‘público’ sugere lugares abertos e acessíveis a todas as pessoas11. Leite (1998, p. 38) enfatiza que o “es-
paço público é cultural por excelência, profundamente ligado à vida urbana e parte da caracterização física da
cidade”. Os espaços abertos da cidade têm um signi cado além de transporte, aspectos econômicos e recrea-
10 “In fact, making visible the ecological processes that sup- cionais que normalmente se atribuem a eles. Com o desenvolvimento do enfoque ecológico no planejamento
port life will be na important parto f this emerging landscape”
(Lyle: 1994, p. 288) das cidades, o investimento no espaço físico começou a adquirir valores de conservação e saúde.
11 Romero (2001) ao conceituar os espaços públicos, utiliza-se
da classi cação do Mopu (ministério de Obras públicas – Es- Primeira acepção de espaço aberto urbano, os parques são originários das quadras residenciais privadas do m
panha) dos espaços existentes: “os sistemas gerais de espaços do século XVII na Inglaterra, como locais atrativos para as pessoas de classes mais abastadas. Entre eles estão
livres (parques urbanos), os sistemas viários gerais (rodovias,
ruas de trânsito e passeios), os sistemas locais de espaços livres os famosos jardins de Bloomsbury em Londres (1775-1850) e os crescents de Bath, desenvolvidos pelos irmãos
(praças, pracinhas e parques de esporte) e os sistemas locais Wood (1730-67). O desenvolvimento dos parques públicos nas cidades em expansão da Europa e Estados
de vias (ruas de acesso e estacionamento)”.
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Unidos no século XIX envolveu o movimento romântico. Eram criados na convicção de que a natureza deveria
ser trazida para a cidade para melhorar a saúde das pessoas, provendo espaço para exercícios e relaxamento.
Acreditava-se que a contemplação da natureza melhoraria os padrões morais. Uma nova preocupação com
a estética da paisagem natural veio com a noção de que os parques melhorariam a aparência das cidades. A
introdução dos parques reais em Londres, o Central Park de Olmstead em Nova York, os Commons de Boston e
o Mont Royal em Montreal são testemunhos de um período de extraordinários convicções e propósitos sociais
(Hough: 1995).

A contínua expansão das cidades a partir do século XIX e o declínio dos parques modi caram as relações nas
cidades. Trabalho e lazer começaram a ser percebidos como atividades distintas, transformando recreação em
ocupação urbana consumista. Passou a existir mais saúde, tempo livre e mobilidade entre um maior número
de pessoas. As pessoas de menor poder aquisitivo e sem acesso ao ambiente rural, a preocupação com a
saúde física e os interesses recreacionais diversos mudaram a visão convencional de como os espaços abertos
da cidade são ocupados. A recreação, uma vez con nada aos parques, está agora incluída na cidade como um
todo (Hough: 1995).

Neste novo contexto, a quanti cação dos espaços abertos se faz secundária perante a importância de sua
localização. Magnoli enfatiza que a distribuição destes espaços abertos deve ser tal “que propicie o enrique-
cimento das atividades do homem urbano”, visto que, para serem apropriados pelo homem, esses espaços
dependem da acessibilidade em cada escala de urbanização. E complementa:

“Espaços livres de edi cações ou de urbanização são pressupostamente os mais acessíveis por to-
dos os cidadãos; os mais apropriáveis perante as oportunidades de maior autonomia de indivíduos
e grupos; os que se apresentam com mais chance de controle pela sociedade como um todo, já
que abertos, expostos, acessíveis; en m, aqueles os quais podem ser os mais democráticos possí-
veis, enquanto signi cado intrínseco da expressão espaço urbano”
(Magnoli, 2006, p.204).

A qualidade, a quantidade e a distribuição dos espaços abertos na cidade afetam ainda diretamente o de-
sempenho das funções ambientais. Os espaços abertos públicos con guram um sistema responsável pela
conservação da terra e seus recursos, proteção ecológica, parques e áreas de recreação, propósitos históricos
ou cênicos, modelagem da forma urbana e manutenção de possibilidades para o futuro. Têm como função
ambiental a manutenção do equilíbrio ecológico através da proteção dos recursos ambientais, restabeleci-
mento do equilíbrio hidrológico, melhoria da qualidade do ar, proteção das áreas sensíveis e áreas de proteção
de usos especí cos.

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Hough (1995) escreveu que o impacto dos espaços principais, chamados “pulmões verdes” da cidade, que
têm sido há muito tempo o ideal do planejamento da paisagem, pode bem ser limitado no clima urbano
global. De um ponto de vista climático, uma boa malha de pequenos espaços, distribuídos por toda a cidade,
é mais efetivo que poucos grandes espaços. Os grandes espaços precisam ser suplementados por um grande
número de pequenos parques através da área construída. Tal rede facilita a troca horizontal de corpos de ar
de temperaturas variáveis e, conseqüentemente, o equilíbrio é alcançado mais rapidamente e com menor
resistência.

Desta forma, a conectividade dos espaços abertos é crucial para a manutenção de seu papel ecológico.

“Cities are not closed environments, but are conected to rural areas through natural and human-made
corridors. Natural corridors include streams and rivers bordered by vegetation or steep banks. Human-
created ones include railway connections, canals, highways and transmissions lines. These corridors have
greatly in uenced the migration and perpetuation of wildlife in cities. They maintain the links between
natural habitats, parks and the open countryside, and have increased uncommon or non-tolerant spe-
cies” (Hough: 1995, p. 172)12 .

Os espaços abertos tornam-se assim o sistema fundamental para a adaptação da forma urbana a con gura-
ções mais adequadas, confortáveis e agradáveis.

Na microescala, centros urbanos congestionados devem ser aliviados com ruas e avenidas arborizadas e som-
breadas, parques do tipo ‘vest-pocket’, parques infantis, promenades ao longo dos corpos d’água e praças ur-
banas que respondam à orientação solar, congregação pública e vistas signi cativas. Parques, parques infantis,
praças e jardins públicos devem ser estabelecidos no entorno onde as novas vizinhanças possam aglutinar-se;
e, córregos remanescentes, formações naturais e áreas vazias devem ser recuperados e consolidados com jar-
dins institucionais e privados (Walmsley: 1995).

Na macroescala, a forma pode ser trabalhada através de bulevares e parkways, traslados não-comerciais de
todos os tipos (para caminhadas, corridas, ciclistas, e outros trânsitos de baixa velocidade); parques lineares e
12 Cidades não são ambientes fechados, mas estão conecta-
dos a áreas rurais através dos corredores naturais e constru-
campos devem ser conectados em sistemas de trilhas contínuas, incorporando vales, encostas, propriedades
ídos. Corredores naturais incluem corpos d’água e rios com históricas ou públicas de todos os tipos com alto valor cênico ou cultural; e paisagens funcionais, áreas de
bordadura de vegetação. Construídos incluem conexões pe-
las linhas férreas, canais, auto-estradas e linha de transmissão.
recarga de aqüíferos, reservas regionais, rios e canais recreativos, cidades e paisagens históricas devem ser
Estes corredores têm in uenciado grandemente as migrações mantidos para o bem maior do público (Walmsley: 1995).
e perpetuação da vida silvestre nas cidades. Eles mantêm as
conexões entre os habitats naturais, parques e a área rural, e
têm aumentado as espécies incomuns ou não-tolerantes. (Tra-
dução da autora)
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O sistema de espaços abertos urbanos, con gurado em forma de rede, possibilita habitat para a vida silvestre, ESPAÇOS ABERTOS
oferece recreação e transporte alternativo para as comunidades e facilita a in ltração das águas pluviais. Pes- COMO SISTEMA
quisas recentes têm mostrado que estas redes de espaços abertos podem fornecer uma alternativa natural
para os sistemas tradicionais de infra-estrutura de coleta e tratamento das águas pluviais. Estas redes atuam
então como estruturas.

Como defende Magalhães (2001), a intervenção na paisagem por sistemas, ou seja, através das suas estruturas,
opõe-se à pratica geral, na qual a ocupação do espaço se faz através da justaposição progressiva de elemen-
tos ou áreas isolados, sem atender às preexistências naturais e culturais que a deveriam informar. “A expressão
espacial no território resultante da interação dos fatores de ambiente constitui a estrutura ecológica da paisa-
gem” (p. 340).

Os espaços abertos urbanos formam um sistema, apresentando, sobretudo, relações de conectividade e com-
plementaridade. A utilização do termo sistema para o conjunto de espaços abertos já está bastante difundida
tanto nas pesquisas acadêmicas quanto na gestão ambiental. Sistema porque “as ações estão subordinadas
ao todo e aos seus movimentos, já que a partir de impactos individuais, o todo age sobre o conjunto dos seus
elementos formadores, modi cando-os” (Afonso: 2001, p. 29).

As áreas de circulação, os fundos de vale, de propriedade pública ou privada, as praças e parques, os passeios,
as áreas de proteção de infra-estruturas urbanas (linha de alta tensão, redes de coleta de esgoto, etc.) con gu-
ram o sistema de espaços abertos urbanos. O sistema de espaços abertos abrange um escopo muito maior
que o do tradicional “sistema de áreas verdes”, que privilegia as áreas orestadas ou parques, nem sempre
observando a maior complexidade de espaços abertos.

O sistema de espaços abertos, sua estrutura, função e distribuição espacial de atividades, determinam seus
efeitos em termos de uso de recursos e qualidade ambiental.

Assim, o sistema de espaços abertos urbanos passa a ser o lugar da natureza na cidade, onde os processos
regenerativos poderão garantir a sustentabilidade urbana. Como diz Lyle (1984), nas estruturas verdes estão os
processos que suportam a vida.
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1.5 ECOLOGIA As abordagens utilizadas pelo planejamento ecológico para o estudo de uma realidade local dividem um
interesse comum: como o conhecimento da relação interdependente entre o homem e a paisagem deveria
DA PAISAGEM fornecer subsídios para o processo de mudança enquanto se preserva seu uso inteligente e sustentável. A ex-
pressão utilizada (homem e paisagem) não signi ca dizer que existe esta separação ou dualidade, mas antes,
reconhecer que o homem tem a capacidade de modi car as relações através de escolha consciente, muito
mais que outros membros da comunidade biótica (Ndubisi: 2002).

A ecologia da paisagem é a mais holística das abordagens do planejamento ecológico, porque lida com três
perspectivas inseparáveis: estética, enfocando os atributos visuais; cronológica; e ecossistêmica. A ecologia da
paisagem propicia o discernimento de que, no nível da paisagem, a natureza é um sistema relativamente di-
nâmico, reagindo a um complexo de condições ambientais e de uso do solo. Considera-se que o uso do solo
in uencia o funcionamento do ecossistema como um todo, sua capacidade de autopuri cação e a capacida-
de de suporte da paisagem. Ele também afeta a qualidade de habitat para as espécies silvestres e o potencial
de dispersão e migração, que são vitais para a sobrevivência das populações, especialmente em paisagens
fragmentadas (Jongman: 2004).

A rami cação européia sempre foi preocupada com o entendimento das interações dialéticas entre processos
biofísicos e humano-culturais. Evoluiu dentro do contexto das paisagens dominadas pelo homem, ao contrá-
rio do ramo norte-americano, que é mais orientado para paisagens naturais e seminaturais (Ndubisi: 2002).

A abordagem da ecologia da paisagem amplia o interesse pelo funcionamento ecológico, tentando entender
a resolução espacial e escala temporal que são apropriadas no exame de padrões e processos. Diferentemente
de outras abordagens, explora como as con gurações espaciais dos elementos da paisagem e objetos ecoló-
gicos afetam a função. Pelos estudos da ecologia da paisagem sabe-se mais precisamente como elementos
lineares, tais como corredores de corpos d’água, servem como condutores para água, nutrientes minerais e
espécies ou como ltros para a proteção da qualidade da água.

A abordagem da ecologia da paisagem aplicada reconhece que a estrutura da paisagem como um todo e a
localização especí ca de uma área considerada são mais importantes que as características internas.
Quanto às especi cidades do objeto de estudo, cabe ressaltar que, “no planejamento das cidades, é o desenho
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quem efetivamente confere forma física às intenções programadas” (Lima: 1996, pág.75). A forma da cidade
tem papel fundamental na relação entre homem e natureza, e o desenho, como ferramenta do planejamento,
implica na qualidade ecossistêmica. O entendimento dos processos envolvidos torna-se primordial para o
desenho e para a apropriação da natureza na cidade. Segundo Lyle (1994), é possível moldar as paisagens de
modo a dar visibilidade aos processos naturais e humanos; e, se pudermos manifestar a elegância inerente a
processos ecológicos em forma visíveis, essas formas tornar-se-ão símbolos do tempo.

Os conceitos espaciais são, segundo Ahern (2005), por de nição, subjetivos e derivados do pensamento intui- CONCEITOS
tivo. Representam uma interface importante do conhecimento empírico e intuitivo através do qual o conheci- ESPACIAIS
mento racional é complementado com idéias criativas. Os conceitos espaciais são ferramentas essenciais para
o planejamento pró-ativo, ou inovador, e podem estruturar e inspirar o processo do planejamento, particular-
mente com respeito à participação popular - um fator-chave no planejamento transdisciplinar.

Um conceito espacial da Ecologia da Paisagem mais abrangente é o princípio de Forman “Aggregate with
Outliers”, o qual pretende responder à indagação: “Qual é o arranjo ótimo de usos do solo em uma paisagem?”
(Forman: 1995, p. 437). O conceito de Forman indica que o arranjo espacial importa, e que os usos do solo
devem ser agregados, ainda que mantenham pequenos corredores e manchas de natureza através das áreas
urbanizadas. Este modelo estratégico para o planejamento espacial conduz a objetivos ecológicos múltiplos
da paisagem: mantém grandes manchas de vegetação nativa; acomoda necessidades/preferências humanas;
contém uma variação do tamanho da partícula; suporta espécies generalistas e especialistas; dilui os riscos;
suporta variação genética, e acomoda as manchas situadas ao longo de uma zona-limite. ATÉ AQUI LEITURA

Em uma paisagem a heterogeneidade pode ocorrer, conforme Forman (1995), de duas maneiras: em gradien- ELEMENTOS
te, ou seja, variação gradual dos objetos através do espaço, ou em mosaico, onde os objetos formam limites DA PAISAGEM
distintos. A maior parte das paisagens é formada por mosaicos.

Um mosaico de qualquer escala deve ser composto por manchas, corredores e matriz, que são os elementos
espaciais básicos de qualquer padrão na terra. Então, os elementos da paisagem são simplesmente elementos
espaciais na escala da paisagem. Eles podem ser naturais ou de origem humana, e ainda aplicados ao padrão
espacial de diferentes ecossistemas, tipos de comunidade, estágios sucessionais ou usos do solo.

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