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Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica

Turma 2016

Título: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO MÉDIO: A PARTIR DA OBRA


“QUARTO DE DESPEJO”

Autor: JUSSARA LACERDA SILVA RESOLEN


Disciplina/Área: LÍNGUA PORTUGUESA
Escola de Implementação do Colégio Estadual Dias da Rocha
Projeto e sua localização:
Município da escola: Araucária

Núcleo Regional de Educação: Área Metropolitana Sul


Professor Orientador: Prof.ª Drª Milena Martins
Instituição de Ensino Superior: Universidade Federal do Paraná-UFPR
Relação Interdisciplinar: Geografia, sociologia
Resumo: Este projeto visa discorrer acerca da variação
linguística, desenvolvendo junto aos alunos
práticas de leitura, compreendendo que a
variação linguística é um fenômeno social e
ao mesmo tempo cultural, pois está
relacionada à história dos sujeitos e à cultura.
A atividade será desenvolvida junto com os
alunos do 1º ano do ensino médio. A
estratégia inicial é a leitura da obra Quarto de
Despejo, de Carolina Maria de Jesus, um
diário que foi transformado em um livro, o qual
apresenta o relato de uma catadora de papel,
negra, mulher, mãe, moradora da favela.
Mesmo com todas as dificuldades: adquirir
papel em branco para seus escritos, levar
alimento para seus filhos, e seu pouco estudo
e o cansaço, a leitura e a escrita faziam parte
de seu dia a dia. Os alunos farão pesquisa
sobre palavras e expressões que apresentem
a variação linguística, usando dicionário para
compreensão do que foi pesquisado e da
linguagem do livro. Após a prática da
oralidade e da leitura os alunos irão aprimorar
seus conhecimentos linguísticos com a escrita
de um texto. Ao longo do processo os alunos
irão construir um portfólio, o qual ficará em
exposição, para com isso levar os alunos a
refletir sobre o preconceito com relação aos
diferentes tipos de linguagem no Brasil.
Palavras-chave: Variação linguística; leitura; preconceito
linguístico.
Formato do Material Didático: Unidade Didática
Público: Professores e alunos do 1º ano do ensino
médio.
UNIDADE DIDÁTICA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO MÉDIO: A PARTIR DA OBRA


“QUARTO DE DESPEJO”

"Não digam que fui rebotalho,


que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora."

Carolina Maria de Jesus


Apresentação

Esta Unidade Didática pretende proporcionar uma discussão entre alunos e


professores sobre a linguagem e sua variação linguística no meio escolar. A
motivação para o desenvolvimento deste projeto é para que toda a comunidade
escolar, especialmente alunos e professores, tenham condições de aprendizagem
significativa com relação à linguagem, o respeito para com a variação linguística,
seja ela regional, geográfica, até mesmo social. Valorizando a oralidade do aluno e
sua diversidade linguística, é possível a produção de textos e demais atividades,
compreendendo que cada aluno tem sua expressão de linguagem, que varia até
mesmo em função do grau de escolaridade. As variedades linguísticas devem ser
respeitadas evitando assim o preconceito linguístico.
O desenvolvimento deste projeto pretende abordar as discussões
relacionadas a variações linguísticas através da leitura da obra Quarto de Despejo,
de Carolina Maria de Jesus, que usa registros linguísticos simples e também
rebuscados; a partir da leitura os alunos farão pesquisas sobre a variação linguística.
O livro é composto por páginas de um diário, transformado em livro. Sua autora é
uma mulher negra, favelada, catadora de papel, semianalfabeta que conseguiu
atingir seu maior objetivo: através de seus escritos publicados, realizou o sonho da
casa própria.
O projeto sobre variação linguística será desenvolvido no 1º ano do ensino
médio, é o momento de transição do adolescente, e ele se sente questionado com
relação ao conhecimento que já possui principalmente a maneira de se comunicar. O
professor deve ajudar o aluno a superar as contradições de sua linguagem, e
acompanhar o processo de construção do conhecimento, através de leituras,
pesquisas, promovendo a interação com todos os colegas, professores e a própria
linguagem.
Por meio deste projeto, pretende-se também, fazer com que os alunos usem
outros setores da escola, especialmente a biblioteca para pesquisas em dicionários
sobre diferenciação de palavras e expressões. O projeto também incentivará os
alunos a conversarem com suas famílias, verificando a variação da linguagem fora
da escola. Complementando seu estudo, o aluno poderá produzir um relatório que
contenha todo o trabalho desenvolvido e o conhecimento adquirido.
O referencial da aprendizagem consiste no desenvolvimento humano e nas
potencialidades da linguagem, para isso devem-se oportunizar estratégias do
aprender, através da leitura que referencie a diversidade respeitando as
características regionais do aluno. Uma ação educativa que envolva atitudes no
sentido de estimular e desafiar a linguagem sem deixar a valorização da norma
culta, pois é necessária para enriquecer a competência de comunicação sem
desvalorizar a própria variedade linguística.
Conforme apontam Marinho e Val (2006) a fala e seus diferentes modos por
muito tempo foram consideradas no contexto social como uma deficiência do uso da
linguagem, sendo julgadas erradas, pois desviavam-se das normas linguísticas
socialmente disseminadas nos bancos escolares. Sobre esta questão cabe salientar
que os sujeitos cujas falas eram consideradas fora das normas linguísticas
padronizadas eram colocados à margem da sociedade, não se considerando a
variação linguística regional, bastante evidenciada no Brasil, principalmente em
relação às regiões interioranas.
Pode-se dizer que a fala sempre foi classificada como um símbolo do status
quo, sendo um elemento de integração ou de exclusão dependendo dos grupos
sociais com os quais o sujeito interage e do ambiente onde está inserido.

OBJETIVO GERAL
 Problematizar e superar o estigma das marcas linguísticas identificadas
na fala e na escrita dos alunos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Apresentar as principais teorias acerca da variação linguística;
(Possenti e Bagno)
 Discutir sobre a relação entre leitura e fala no contexto escolar;
 Abordar leituras que contemplem a variação linguística relacionando-
as com o contexto escolar onde os alunos estão inseridos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Para tratar-se do tema variação linguística, é preciso definir o que é língua:

A língua como atividade social corresponde a um conjunto de usos


concretos, historicamente situados, que envolvem sempre um locutor e um
interlocutor, localizados num espaço particular, interagindo a propósito de
um tópico conversacional previamente negociado. [...] é um fenômeno
funcionalmente heterogêneo, representável por meio de regras variáveis
socialmente motivadas. (CASTILHO, 2000, p. 12)

A questão da variação linguística é um tema recorrente principalmente


quando se trata do ensino de gramática e da produção textual em sala de aula,
porém há outros fatores, de origem geográfica, de classe social, de profissões, de
idade, criados em relação à língua brasileira e seus usos. Primeiramente conforme
exemplifica Possenti (1996), há um enorme preconceito em relação ao uso da
linguagem que desconsidera de seu escopo as variações linguísticas sendo
consideradas pelos especialistas como “erradas” ou fora das normas cultas. Sobre
esta questão o autor comenta que:

Alguém que estivesse desanimado pelo fato de que parece que as coisas
não dão certo no BrasiI e que isso se deve ao "povinho" que habita esse
país (conhecem a piada?) poderia talvez achar que tem um argumento
definitivo, quando observa que "até mesmo para falar somos um povo des-
leixado". Esse modo de encarar os fatos de linguagem é bastante comum,
infelizmente. Faz parte da visão de mundo que as pessoas têm a respeito
dos campos nos quais não são especialistas. (POSSENTI, 1996, p.33)

Porém para quem acha que este debate assombra somente o contexto
brasileiro, Lucchesi (2015) ressalta as pesquisas do linguista inglês Guy Deutscher
que critica a deterioração do uso da língua inglesa principalmente em relação ao
modo de falar. Sobre este declínio linguístico Guy Deutscher (apud LUCCHESI,
2015) descreve o discurso do escritor Jonathan Swift que, no século XVI, elaborou
um dos principais manuais sobre o uso da língua inglesa e que já previa esta
mudança no uso da linguagem:
Eu, aqui, em nome de todas as pessoas educadas e instruídas da nação,
me queixo [...] de que nossa língua é extremamente imperfeita; de que suas
melhorias diárias não são de modo algum proporcionais as suas corrupções
diárias. [...] Ou seja, ao longo de vários séculos, os principais usuários da
língua inglesa repetiram a mesma ladainha: a língua está decaindo e
perdendo as virtudes que exibia há algum tempo, em sua época de ouro. E
Guy Deutscher prossegue demonstrando que esse temor não aflige apenas
os falantes da língua inglesa. (LUCCHESI, 2015, p.15)
Possenti (1996) informa que a afirmação de que a linguagem ao longo do
tempo tornou-se menos culta ou passível de mais erros é falsa, isto porque é
necessário compreender-se que o fenômeno linguístico advém de fatores sociais
que estão intrinsecamente relacionados ao uso da linguagem, que são influenciadas
por dois fatores: o primeiro, fator externo: geográfico, idade, sexo, etnia, classe; o
segundo fator, interno, aponta que a variedade linguística é reflexo da variedade
social, estando relacionada diretamente com o status social e com os grupos onde
os sujeitos estão inseridos, e que desta forma acabam refletindo no modo e uso da
linguagem.
Mollica (2010, p.08) corrobora tais afirmações postulando que a variação
linguística é um “fenômeno universal e pressupõe a existência de formas linguísticas
alternativas denominadas variantes”.
Como variante ou variável entende-se:
Uma variável é concebida como dependente no sentido que o emprego das
variantes não é aleatório, mas influenciado por grupos de fatores (ou
variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. Assim, as
variáveis independentes ou grupos de fatores podem ser de natureza
interna ou externa à língua e podem exercer pressão sobre os usos,
aumentando ou diminuindo sua frequência de ocorrência. Vale frisar que o
termo “variável” pode significar fenômeno em variação e grupos de fatores.
Estes consistem nos parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis,
condicionando positivamente ou negativamente o emprego de formas
variantes. (MOLLICA, 2010, p.09)

Cabe salientar que as variantes apresentam duas características


condicionadas, a primeira pressupõe que estas podem permanecer inalteradas
mesmo que o sistema linguístico seja alterado; a segunda pressupõe o
desaparecimento de uma variável quando um determinado fenômeno se modifica.
A variação linguística, segundo Marinho e Val (2006) pode ser classificada
de dois modos: variação linguística dialetal e variação linguística de registros.

A variação dialetal é devida aos usuários da língua e ao grupo social a que


pertencem. Ela ocorre em função da região em que os usuários vivem, dos
grupos e da classe social a que pertencem, de sua geração, de seu sexo,
seu grau de escolaridade e ainda da função que exercem na sociedade.
(MARINHO e VAL, 2006, p.25)

A variação dialetal é composta por um conjunto de variações linguísticas


decorrentes da região geográfica, da posição social dos sujeitos, do período
histórico vigente, da idade, do sexo e do grau de escolaridade dos indivíduos.
Estes fenômenos variantes apresentam características especificas conforme
apresentadas no quadro 1:

Quadro 1 – Tipos de variáveis dialetais


Variante Característica
As variedades geográficas, regionais ou territoriais ocorrem
em função da existência de comunidades linguísticas
geograficamente limitadas no interior de uma comunidade
mais extensa, a nação. Falantes de uma determinada região
constituem uma comunidade linguística, que se manifesta e se
comporta linguisticamente de forma homogênea, em função do
Relacionada à
desenvolvimento de um comportamento cultural próprio,
posição
distinto de outras comunidades. A linguagem comum a esses
geográfica
falantes contribui para a identificação e a distinção de sua
comunidade. As pessoas das diferentes regiões em que se
fala a mesma língua apresentam variação no uso dessa
língua, variação que pode ser relativa à forma de pronunciar
os sons, ao uso característico do vocabulário ou à forma de
construir as estruturas sintáticas.
As diferenças linguísticas na dimensão social ocorrem em
função de as pessoas pertencerem a classes ou grupos
sociais distintos. O meio em que vivem os falantes – o
Relacionada à
ambiente familiar bem como o grupo social – é caracterizado
posição social
por normas de conduta e padrões culturais e linguísticos
próprios a cada comunidade. Daí a semelhança entre as
formas de expressão de falantes de um mesmo grupo.
A língua evolui e se desenvolve ao longo do tempo. As
mudanças linguísticas ocorrem em estados sucessivos de uma
língua em função das ações dos falantes, que contribuem para
que determinada forma caia em desuso para que outra, por
Relacionada
eles adotada, sobreviva. O conjunto de mudanças que ocorre
ao período
com o passar do tempo é chamado de variação histórica ou
histórico
diacrônica. As variedades históricas são mais perceptíveis na
língua escrita, na medida em que, por escrito, se pôde fazer o
registro dos usos das épocas dos diferentes estágios por que
passa a evolução da língua.
Algumas diferenças linguísticas são decorrentes da faixa etária
dos falantes. Adultos, jovens e crianças normalmente
Relacionada à apresentam variações em suas falas. São facilmente
idade perceptíveis as diferenças entre a linguagem dos adultos e a
linguagem infantil, assim como seus os contrastes com a gíria
que marca a linguagem dos adolescentes.
Diferenças linguísticas podem também ocorrer em função do
Relacionada
sexo dos falantes. Algumas delas se devem a razões
ao sexo
gramaticais, como alguns casos em que a concordância de
gênero é feita em função da pessoa que fala.
O grau de escolaridade influencia o uso que fazemos da
língua. Ao passar por uma experiência extensa de escrita, o
falante assimila traços dessa modalidade que passa a
empregar na fala. Em situações comunicativas orais formais, a
Relacionada pessoa letrada utiliza formas de expressão pertencentes à
ao grau de variedade padrão escrita, produzindo, por exemplo, frases
escolaridade longas, com uma sintaxe elaborada, que inclui orações
subordinadas, termos e orações intercalados, inversões na
ordem mais usual das palavras na frase. Assim, essa
variedade oral formal pode ser considerada uma simulação da
escrita.
Fonte: MARINHO e VAL, 2006, p.29

Como se observa no quadro acima, a variação dialetal constitui-se a partir


de diversos fatores; está claro, portanto que os sujeitos falam e escrevem de forma
diferenciada em decorrência dos aspectos geográficos, sociais, etários,
educacionais e de gênero.
A variação linguística de registro caracteriza-se pelo uso formal e informal da
linguagem, sendo condicionada ao conhecimento da língua, ao contexto e à situação
em que se encontra o sujeito falante.
O uso informal da linguagem decorre da necessidade comunicativa imediata
ou do grau de interatividade entre os sujeitos, nele prevalece o uso de construções
linguísticas simples, como apontam Marinho e Val (2006). Já o uso de variantes
formais está relacionado a contextos mais específicos como, por exemplo: uma
pesquisa, entrevistas, sendo que o nível linguístico deve corresponder aos temas
abordados atendendo desta forma à expectativa linguística dos sujeitos.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA


Conforme publicou Bagno (2015) em seu livro Preconceito Linguístico, a
questão das variáveis linguísticas está embrenhada em um emaranhado de mitos
sobre o uso da linguagem. Entre estes mitos, o mais comum refere-se ao uso da
norma culta ou padrão. Sobre este mito o autor observa que:

Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um


instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português
ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país,
não é mesmo? Afinal, supostamente, ninguém melhor do que eles
domina a norma culta. Só que a verdade está muito longe disso
como bem sabemos nós, professores, a quem são pagos alguns dos
salários mais obscenos de nossa sociedade. Por outro lado, um
grande fazendeiro que tenha apenas alguns poucos anos de estudo
primário, mas que seja dono de milhares de cabeças de gado, de
indústrias agrícolas e detentor de grande influência política em sua
região vai poder falar à vontade sua língua de “caipira”, com todas
as formas sintáticas consideradas “erradas” pela gramática tradicional,
porque ninguém vai se atrever a corrigir seu modo de falar. (BAGNO, 2015,
p.105)

O autor apresenta questões bastante pertinentes aos fenômenos linguísticos


e seus mitos, principalmente ao relacionar situações-problemas ao uso da
linguagem. Para Bagno o mito em torno do uso da língua está relacionado a um
preconceito linguístico que tem suas raízes no paternalismo e no patriarcalismo
responsáveis pela ascensão das classes sociais no Brasil. Bagno descreve estes
fenômenos da seguinte forma:
Basta pensar um pouco nos indivíduos que detêm o poder no Brasil: não
são (quando são) apenas falantes da norma culta, mas são sobretudo, em
sua grande maioria, homens, brancos, heterossexuais, nascidos/criados na
porção Sul-Sudeste do país ou oriundos das oligarquias feudais do
Nordeste. Uma mulher negra, por exemplo, mesmo que se apodere
completamente das formas prestigiadas de falar e de escrever, continuará
tendo oportunidades infinitamente menores de ascensão social do que
qualquer homem branco, mesmo que ele não domine tão bem assim a
“língua certa”. (BAGNO, 2015, p.107)

Segundo Bagno (2015), os mitos linguísticos decorrem de três elementos


que formam o denominado “círculo vicioso do preconceito linguístico”, caracterizado
pela gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos.

Como é que se forma esse círculo? Assim: a gramática tradicional inspira a


prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do
livro didático, cujos autores - fechando o círculo - recorrem à gramática
tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua. A gramática
tradicional, em sua vertente normativo-prescritivista, continua firme e forte,
como é fácil verificar nos compêndios gramaticais mais recentes. As práticas
de ensino variam muito de região para região, de escola para escola, e até
de professor para professor, de acordo com as concepções pedagógicas
adotadas. (BAGNO, 2015, p.109)
Para Possenti, (1996) a escola deveria acreditar que a saída é ler muito,
aumentar o repertório do aluno, suas possibilidades de contato com mundos
linguísticos que ele ainda não conhece através dos livros, sempre respeitando sua
comunicação individual.
A proposta é a seguinte: diante do domínio linguístico efetivo da língua que
o aluno revela na escrita, ou dos problemas que manifesta em suas
atividades de escrita, deve-se aprender a comparar e/ou propor diversas
possibilidades de construção. A proposta consiste em trabalhar os fatos da
língua através da produção efetiva do aluno. (POSSENTI, 1999, p.89)

Bagno aponta que os livros didáticos avançaram muito nas questões acerca
do preconceito linguístico e variação linguística, propondo o respeito à diversidade
cultural, embora o autor também aponte que há uma exacerbação da norma culta
que acaba discriminando as pessoas, em relação às variáveis linguísticas.
Sobre esta questão, Bagno ressalta que:

São em números reduzidíssimos as coleções que descartam inteiramente a


nomenclatura tradicional e as análises morfológicas/sintáticas, para
favorecer no lugar delas, o letramento dos aprendizes por meio da leitura,
da escrita e da reflexão sobre a linguagem a partir de usos reais”. (BAGNO,
2015, p.113)

Ainda cabe salientar que na concepção de Bagno a escola não oferece aos
alunos condições mínimas de letramento atribuindo aos educandos a sua falta de
“amor ao idioma”, responsabilizando-os pelas diferenças que a própria escola teima
em não aceitar, usando a crise da “língua” como forma de perpetuar um método
gramatical tradicionalista que desconsidera as especificidades linguísticas dos
sujeitos e dos espaços.

LETRAMENTO LITERÁRIO E LITERATURA NA ESCOLA

Cosson (2009) lembra que na atual sociedade contemporânea o uso das


palavras é indispensável, destacando-se neste meio a escrita:

Praticamente todas as transações humanas de nossa sociedade letrada


passam de uma maneira ou de outra pela escrita mesmo aquelas que
aparentemente são orais ou imagéticas. É assim com o jornal televisionado
com o locutor que lê um texto escrito. É assim com práticas culturais de
origem oral como a literatura de cordel cujos versos são registrados nos
folhetos para serem vendidos nas feiras. Também a tela do computador está
repleta de palavras e os vídeos games cheio de imagens não dispensam as
instruções escritas. Essa primazia da escrita se dá porque é por meio dela
que armazenamos nossos saberes, organizamos nossa sociedade e nos
libertamos dos limites impostos pelo tempo e pelo espaço. A escrita é assim
um dos mais poderosos instrumentos de libertação das limitações físicas do
ser humano. (COSSON, 2009, p.16)

Para Cosson, a literatura proporciona três tipos de aprendizagem: a primeira


corresponde a experimentar o mundo através das palavras; a segunda envolve o
conhecimento teórico e o desenvolvimento da capacidade de análise crítica; e o
terceiro corresponde ao desenvolvimento das habilidades e saberes através dos
textos literários.

Nessa perspectiva é tão importante a leitura do texto literário quanto as


respostas que construímos para ela. As práticas de sala de aula precisam
contemplar o processo de letramento literário e não apenas a mera leitura
das obras. A literatura é uma prática e um discurso cujo funcionamento deve
ser compreendido criticamente pelo aluno. Cabe ao professor fortalecer
essa disposição crítica levando seus alunos a ultrapassar o simples
consumo de textos literários. (COSSON, 2009, p.19)

Sobre esta importância da literatura, também Michèle Petit defende que a


literatura proporciona o acesso ao saber, retirando as pessoas da exclusão social e
dando-lhes oportunidade de se inserirem no mundo do conhecimento.

No passado, muitos saberes podiam ser transmitidos sem o auxílio da


escrita. As pessoas aprendiam de uma só vez as ações que iriam repetir por
toda a vida. Hoje em dia está cada vez mais difícil ficar distante da escrita e
é cada vez mais imprescindível poder, no decorrer da vida, iniciar-se em
novas técnicas e em novos campos. Além disso, é bom lembrar que não se
adquire um saber apenas para fins de uso imediato, prático. (PETIT, 2009,
p.65)

Petit ainda ressalta que a leitura permite aos sujeitos criar vínculos sociais,
socializar ideias e compartilhar culturas; ressaltando que “esses textos que alguém
nos passa, e que também passamos a outros, representam uma abertura para
círculos de pertencimento mais amplos, que se estendem para além do parentesco,
da localidade, da etnicidade”. (2009, p.91)

Através da leitura é possível desconstruir os preconceitos linguísticos


reproduzidos exaustivamente nos vários contextos sociais, compreendendo-se que a
variação linguística é um fenômeno social e ao mesmo tempo cultural, pois está
intrinsecamente relacionado à história dos sujeitos, às suas experiências, ao espaço
geográfico e à cultura regional à qual pertencem.

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO/METODOLOGIA

A proposta para este trabalho é desenvolver junto aos alunos do Ensino


Médio práticas de leitura que contemplem algumas variedades linguísticas,
trabalhando consecutivamente a questão do preconceito linguístico. Para a
elaboração deste trabalho se utilizará como metodologia a pesquisa-ação, na qual
uma capacidade de aprendizagem é associada ao processo de investigação. O
projeto será desenvolvido com os alunos do 1º ano do ensino médio do Colégio
Estadual Dias da Rocha – Ensino Fundamental e Médio, período matutino,
localizado na cidade de Araucária.

Atividade 1

Apresentação sobre a variação linguística e o livro Quarto de Despejo.

A diversidade linguística é um fenômeno que acontece com a língua e pode


ser compreendida por intermédio das variações históricas, regionais e culturais. Em
um mesmo país, com um único idioma oficial, a língua pode sofrer diversas
alterações feitas por seus falantes. O link abaixo apresenta atividades relacionadas
ao tema: variações linguistícas.

< portugues.uol.com.br/redacao/variacao-linguistica-lingua-movimento.html>.

Veremos a seguir alguns exemplos extraídos do diário de Carolina Maria de Jesus.


As variações podem ser:
Regionais

 Diferentes palavras para os mesmos conceitos utilizados em espaços


geográficos, sociais e culturais;
Ex.:” Homens indolentes”; malandros; vagabundos (p.14)
Ex.: “E a pedra foi arremessada com o estilingue”: setra,funda,forquilha.
(p.158);
 Diferentes sotaques, dialetos e falares, nem sempre representados por uma
escrita convencional;
Ex.: “Manusear um livro”: folhear um livro (p.22)
Ex.: “Ele tem lumbriga” (p.18)
Ex.: “No inicio são educadas” (p.34)

Históricas

 Expressões que caíram em desuso.


Ex.: “Lavar nas tinas”: banheira, cuba (p.58)
Ex.: “Puis as roupas para quarar” ( p.24)
Ex.: “Já foi telegrafista” ( p.18)
 Vocabulário típico de uma faixa etária.
Ex.:” Dá, eu té “.( p.20)

Uma das primeiras atividades a serem desenvolvidas com os alunos é a


apresentação do livro, por meio de comentários e informações sobre a obra e a
autora, relatando que um dos motivos da escolha desse livro é por ser um diário
escrito nos anos sessenta, que pretende despertar o interesse do aluno, pois
evidencia fatos que estão acontecendo atualmente em nosso país. O livro Quarto de
Despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus (1914 - 1977), deriva
dos diários escritos por Carolina, uma favelada, catadora de papel, mãe, negra e
semianalfabeta, que relata a triste realidade da favela, suas dificuldades relativas ao
emprego, fome e violência.
Com uma linguagem simples, não há muito rebuscamento semântico, o
vocabulário é usual, marcado pela oralidade, e também marcado por uso de
palavras regionais. Há usos poéticos e expressivos da língua, combinados com
outros usos de uma linguagem mais cotidiana, mais associados ao relato de fatos do
que à sua análise.
A autora conseguiu descrever os acontecimentos da realidade da favela, a
preocupação com a educação de seus filhos e as discriminações por que passava.
Seu maior objetivo era ter seus escritos publicados para a realização de seu sonho
que era de comprar sua casa.
O jornalista Audálio Dantas, ao fazer uma reportagem na favela, viu os
escritos de Carolina e os transformou em um livro, o qual foi discutido e admirado
em vários idiomas tornando-se um best-seller na América do Norte e na Europa,
mostrando uma visão privilegiada de uma favela, porque escrita por uma moradora.
As palavras podem contar o mundo. Carolina em sua narrativa apresenta a divisão
de classes, exclusão social e ideologia da época. Seus escritos apresentavam uma
variedade linguística desprestigiada socialmente, o que não a impediu de se tornar
um livro, de ter leitores, de tornar a escritora e suas dificuldades conhecidas de um
grande público.
Vejamos alguns exemplos de frases extraídas do livro e que podem ser
usadas para discutir, com os alunos, sobre as variedades regionais, sociais, sobre o
preconceito linguístico e, também, sobre as belezas da expressão linguística numa
variedade que alguns poderiam considerar desinteressante:

“Dizem os velhos que no fim do mundo a vida ia ficar insípida.”


(JESUS,2007, p.127)
“Eu gastei o único dinheiro que tinha com as conduções” (JESUS,2007,
p.38)
“Casa que não tem lume no fogo fica tão triste” (JESUS,2007, p.94)
“A pedra arremessada com estilingue.” (JESUS,2007, p.158)

Após a leitura do livro, com a disposição das carteiras em forma de círculo,


os alunos irão expor sua opinião sobre o livro e o professor fará algumas reflexões:
 Identificação e explicação sobre as variedades linguísticas, sociais e
culturais identificadas no livro;
 Fazer anotações das palavras e expressões, que apresentem
diferentes palavras com o mesmo conceito, palavras em desuso,
diferentes sotaques e redução de palavras identificadas no livro.
Ex. quarar, aludir, telegrafista, empório, pungente, andrajosa.
 Comparar a linguagem do livro com os saberes do aluno,
 decorrentes de outras leituras, convivência familiar e social sobre as
variações linguísticas. Com isso, pretende-se a interação do aluno
para evitar o preconceito linguístico.
 O livro escrito em forma de diário prendeu e facilitou a leitura?
 Todas as discussões feitas em sala de aula deverão ser escritas como
se fosse um diário.
 Fazer com que o aluno tenha a percepção de que a escrita está
correta, o que difere são as palavras com suas variações e seus
sinônimos.

Atividade 2
O Objetivo desta atividade é fazer com que os alunos, usem mais a
biblioteca para pesquisas e principalmente o uso do dicionário, buscar definições e
fazer associações. Além da busca pelas palavras especificamente, serão orientados
a buscar exemplos em outras obras.
É muito importante ficarmos atentos para as variedades linguísticas, portanto
os alunos irão à biblioteca, pesquisar em dicionários as palavras e expressões
encontradas no livro até então desconhecidas analisando o significado e sinônimos
das palavras selecionadas. A partir da atividade desenvolvida, colocarão no quadro
abaixo:

Palavra/ Expressões Significado Variação linguística

Ex: Nem muito fria nem Morno.


A noite está tépida. quente.

Começou a ouvir uns Gritos. Clamor, berro.


brados.

A vida ia ficar insípida. Desprovida de atrativos. Sem graça, monótona.

Atividade 3

Com base nas discussões feitas, fazer uma pesquisa na biblioteca, sobre
palavras e expressões que apresentem a variação linguística. Esta atividade deve
ser realizada em pequenos grupos, em sala de aula, cada equipe deverá apresentar
as expressões e palavras pesquisadas, as quais serão utilizadas para construção do
portfólio* construído com as atividades produzidas pela turma. A temática será a
valorização das diferenças linguísticas. Será feito um momento de discussão para
levar o aluno a refletir sobre o preconceito com relação aos diferentes tipos de
linguagem no Brasil.

*Portfólio- Registro das atividades considerando todo o desenvolvimento e


participação durante o processo e a pesquisa sobre variação linguística.

Atividade 4

A escolha da obra Quarto de Despejo, foi realizada pois, além de ser um


livro apaixonante, desperta a leitura. Trata-se de um diário de frases curtas, com
poesia, que apresenta a realidade e uma grande diversidade linguística, possui uma
linguagem simples, que normalmente se aproxima da linguagem que o aluno já está
habituado, linguagem essa, do grupo de amigos e familiar. A variação linguística faz
parte da realidade escolar, pois a língua portuguesa não é homogênea, e nas
escolas é o local mais perceptível, das diversidades regionais, históricas e sociais.
Essa percepção é essencial para o bom rendimento do aluno, pois contribui
com o referencial que ele já possui evitando a sua exclusão.
Deverá fazer-se a leitura de identificação do negro, da mulher, da luta de
uma mãe, da política, e por vezes da pouca escolarização correlacionando, se
possível, com alguém na família ou do círculo social. Será solicitado que os alunos
realizem uma comparação entre a linguagem da personagem e da pessoa utilizada
como referência. Serão sugeridas discussões como :
 A característica da autora do livro apresenta identificação com algum
familiar ou pessoa conhecida? Na linguagem, atitudes de luta, gosto
pela leitura. Escreva um parágrafo sobre cada item.
 Incentivar os alunos a escrever sua história através da pesquisa, da
leitura, da escrita, para que eles acreditem que são capazes e que
deixarão suas lembranças em seus escritos por onde eles passarem.
 Alguns escritores da época, segundo Audálio Dantas (jornalista que
descobriu os diários de Carolina Maria de Jesus e os transformou em
livro) colocaram dúvidas sobre a autenticidade da obra, dizendo que:
“ninguém poderia inventar aquela linguagem com extraordinária força
criativa de quem ficou no meio do caminho da instrução primária.”
Concorda com o questionamento citado?
Qual outro argumento poderá ser utilizado para contrapor a dúvida
dos escritores.

Atividade 5

Os textos produzidos até agora poderão ser relacionados com a história de


cada um, com seus sonhos. Embora os escritos do livro sejam dos anos sessenta,
até hoje se presenciam a fome, a falta de moradia, de saneamento básico, a
discriminação, as visitas de políticos em época de eleição e o preconceito. O livro
tem uma linguagem comum que contribui para a identificação de diferentes regiões,
em que se fala a mesma língua, porém com variação relativa ao vocabulário ou
formas diferentes de linguagem no Brasil, levando a uma reflexão a respeito do
preconceito linguístico. Com as atividades que foram desenvolvidas, a leitura do
livro, a pesquisa de palavras e expressões, pesquisas de outras formas de
linguagem desenvolvidas serão colocadas em um portfólio. Elaborar um compilado
de todos os escritos produzidos nas aulas anteriores, para exposição e
apresentação oral para o grande grupo, valorizando sua origem e contribuição
educacional e social. Propor uma reflexão final: A compreensão das variações
linguísticas contribuiu para a apropriação do conhecimento do aluno, aprimorando a
reflexão no desenvolvimento da linguagem?
Cronograma para desenvolvimento das atividades:

Atividade Aulas Proposta

1 8 6 para leitura e 2 para discussão;

3 para pesquisa, 1 para o quadro e 3 para o


2 7
compartilhamento;

2 aulas para biblioteca ,1 para montagem do


3 5
portfólio e 2 para discussão;

3 aulas para elaboração do texto comparativo


4 3
com interação professor/aluno;

6 aulas para a produção do relatório e 3 para


5 9
apresentações dos grupos.

Total de 32 aulas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO. M. Preconceito linguístico. São Paulo-SP: Loyola, 2015. 56ª edição

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo-SP: Contexto, 2009.

GÖRSKI, E.M. e COELHO, I.L. Variação linguística e ensino de gramática. Working


Paper Linguistics, 10 (1): 73-91, Florianópolis, jan.- jun./2009.

JESUS, C.M. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9ª edição. Coleção Sinal
Aberto. Rio de Janeiro-RJ: Editora Ática, 2007.

LUCCHESI, D. Língua e sociedade partidas: a polarização sociolinguística do


Brasil. São Paulo-SP: Contexto, 2015.

MARINHO, J.H.C. e VAL, M.G.C. Variação linguística e ensino. Belo Horizonte -


MG Ceale, 2006.

MOLLICA, C. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, C.


e BRAGA, M.L. (orgs.) Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação.
São Paulo-SP: Contexto, 2010.

PETIT, M. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo- SP: Editora 34,
2009.

POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas-SP:


Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999.

PEREZ, Luana. Variação linguística: a língua em movimento. Disponível em:


<portugues.uol.com.br/redacao/variacao-linguistica-lingua-movimento.html>.
Acesso em 02 dez. 2016.

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