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NEUROSE INFANTIL

Na psicanálise, infância e infantil estão relacionados a estruturas conceituais


diversas. Enquanto a infância refere-se a um tempo da realidade histórica, o
infantil é atemporal e está remetido a conceitos como pulsão, recalque e
inconsciente.
São impressões esquecidas que deixam os mais profundos traços em nossas
mentes, e que são tomados eles mesmos como traumáticos e constituintes,
com efeito determinante.
Inscrições e traços esquecidos, mas não apagados. Freud enfatiza que não se
pode falar de apagamento ou abolição, mas de recalque.
O mais importante não é a ordem cronológica dos fatos narrados e sim o modo
como este fato ficou gravado em seu psiquismo.
Isso determina sua constituição e também o modo de relembrar o passado.
Não era apenas aquilo que o paciente recordava que Freud considerava
relevante na compreensão dos sintomas, mas também e, sobretudo, a infância
que ficou esquecida.
O infantil recalcado, muito mais que um relato sobre a infância, foi, desde
sempre, o seu verdadeiro interesse. A reconstrução do infantil em análise não
tem mais o intuito de preencher as lacunas, mas tornam-se, elas próprias,
reveladoras do sujeito.
Desse modo, a infância cronológica não pode ser confundida com o infantil
reconstruído no discurso do paciente no contexto da relação transferencial. O
infantil é como um conceito metapsicológico, pois não se vê, mas se faz
presente no diálogo e no modo como o paciente se expõe em análise.
O material recalcado surge na fala dos pacientes repleto de deformações e
transmutações que possibilitaram com que fossem articulados ao repertório
consciente do analisando.
É segundo esse mesmo parâmetro que o infantil será reconstituído. Ou seja,
não na literalidade das experiências que estiveram em sua origem, mas
segundo as regras que possibilitaram sua emergência. A compreensão do
infantil é fundamental no trabalho analítico.
Quanto mais essa noção é desenvolvida, a análise assume novas facetas,
podendo então adentrar pelo campo da hipnose, da associação livre e da
sugestão. Durante essas transformações do método psicanalítico, o infantil
assume uma posição central.
A infância faz parte da história da psicanálise como uma das marcas mais
importantes, pois cenas e lembranças referentes aos primeiros anos de vida
dos pacientes estão presentes nos escritos freudianos. O que marca a posição
psicanalítica em relação à infância são as particularidades em torno deste
período da vida humana e na maneira também particular com que os
psicanalistas ouvem seus pacientes contarem seus primeiros anos de vida.
Além disso, a reconstrução do infantil, tem um caráter regressivo. Assim como
no sonho, podemos entender que a reconstrução do infantil nos remete a algo
"que é mais antigo no tempo e mais primitivo na forma e na topografia
psíquica, ou seja, que está mais perto da extremidade perceptiva.
Assim, o infantil, além de seu caráter determinante na constituição psíquica, é,
também, o mais antigo, o mais precoce. Tanto no sentido daquilo que é mais
remoto, quanto no sentido daquilo que está em conexão com modos arcaicos
do funcionamento psíquico.
O modo como Freud compreendeu a importância da infância na constituição
psíquica é fundamental na psicanálise. Freud, realiza uma mudança na
compreensão teórica do modo como os primeiros anos de vida participam do
processo de constituição da realidade psíquica : A fantasia é reposicionada na
metapsicologia e assume um lugar de destaque na compreensão e na
reconstrução do infantil em análise.
A partir de então, a consideração da fantasia enquanto verdade psíquica
confere ao infantil um estatuto que se estende para além daquilo que foi visto,
ouvido ou vivido na infância. Os sons, os cheiros, as sensações táteis compõem
as marcas mnêmicas primordiais e estende-se para além delas.
Em "A interpretação dos sonhos", Freud consolida a sua compreensão sobre o
lugar da infância na constituição do psiquismo. Mas, muito anteriormente, nos
chamados escritos pré-psicanalíticos, Freud já havia lançado e estabelecido as
marcas constituintes da noção do infantil.
Na correspondência que estabelece com Fliess, a noção do infantil foi
problematizada e adquiriu configurações e especificidades que se estendem ao
longo de toda a obra freudiana. As bases lançadas por Freud nesse período
subsidiaram e estiveram presentes em suas elaborações teóricas posteriores.
Freud começa pelos acontecimentos da infância e sua importância na
constituição dos sintomas da histeria. Persegue cada fato da infância de seus
pacientes na busca da experiência cuja lembrança ficou recalcada e que, em
sua efetividade, tornou-se traumática e originou os sintomas.
Nesse momento, ele ainda perseguia o resgate dessas experiências e o reflexo
disso, na prática, consistia na busca de lembranças fidedignas das experiências
esquecidas. De certo modo, buscava o resgate mnêmico o mais próximo
possível da experiência vivida. Embora aqui, ainda apareça uma suposição de
que existe uma infância a ser completamente resgatada, não podemos deixar
de considerar que o interesse pelo recalcado já aponta para a suposição de
que a busca não é apenas do fato vivido, mas também do fato não
rememorado.
Esse modo de aproximação que Freud faz da infância, o afasta de uma
reconstituição puramente factual e o aproxima de uma reconstrução feita pelo
próprio paciente em seu relato. Mesmo que, no final do século XIX, o interesse
pela infância não fosse exclusividade do pensamento freudiano, o modo de
pensar e considerar a infância estabelece propriedades específicas ao
pensamento psicanalítico.
Concluímos, portanto, que, no período que antecede a publicação de "A
interpretação dos sonhos" (1900/1980) e de "Os três ensaios sobre a teoria da
sexualidade" (1905/1980), Freud já havia lançado os pressupostos teóricos que
sustentam o conceito do infantil. Mais que isso, nesse período, de 1892 a 1899,
Freud já associou, o infantil à sexualidade, à pulsão, ao recalque, à fantasia e
ao determinismo psíquico das inscrições indeléveis que seriam a base e o
fundamento do psiquismo.
Em Os três ensaios, Freud (1905/1980) fala do esquecimento do infantil
localizando a pré-história do sujeito nos primeiros anos da infância. Tratando
da amnésia do infantil em Os três ensaios, Freud reafirma o paradoxo: o
infantil remete a um período que é, ao mesmo tempo, esquecido e
determinante. Nessa obra, o infantil inscreve-se definitivamente em
associação ao desenvolvimento pulsional. No percurso freudiano da
constituição do infantil, podemos situar “Os Três Ensaios” como o momento
em que a fantasia em relação à sedução encontra o seu suporte nas
vicissitudes da pulsão e onde o infantil aparece associado à sexualidade
perverso-polimorfa e às fases do desenvolvimento pulsional, em que os modos
mais arcaicos do desenvolvimento permanecem presentes, também, na
sexualidade do adulto.
Assim, o adulto portará para sempre o infantil que o constituiu. As pulsões
parciais serão submetidas à ação do recalque e do processo secundário, mas
nunca abandonarão seus intentos de retorno ao prazer primordial, agora
elaborado teoricamente como fantasia de desejo.
Em 1905, Freud tentou, pela primeira vez, aplicar este análise à cura de uma
neurose infantil: tratava-se de uma zoofobia de um menino de cinco anos (o
‘Pequeno Hans’). No trabalho "Análise de uma fobia em um menino de cinco
anos", Freud vai à procura do infantil na observação de crianças e na análise de
um menino de cinco anos.
No entanto, ele logo percebe que não é a infância em si que ali se apresenta,
mas um mundo de desejos, fantasias, lembranças e recordações que, mesmo
em uma criança, se davam a posteriori. Após a publicação de “O caso Hans”,
Freud volta a discutir a natureza das recordações referentes aos primeiros
anos de vida em trabalhos como "Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua
infância" e em "Uma recordação de infância de Dichtung und Wahrheit",
quando realiza a análise de uma recordação de infância de Goethe.
Nesses trabalhos, Freud conclui que as recordações que aparecem nesses
casos referem-se, muito provavelmente, a uma fantasia que, por sua vez,
originou-se em algo de um passado muito remoto e irrememorável.
Assim, o que Freud sublinha nesses escritos é o caráter inacessível, porém
determinante, das mais remotas experiências da vida, bem como, o
atravessamento da fantasia em sua reconstrução posterior.
A maior dificuldade encontrada ao aplicar a técnica de Freud às crianças foi a
impossibilidade de conseguir delas as associações verbais. Faltava então o
instrumento fundamental da análise de adultos. Dessa forma, os diferentes
modos de adaptar o método analítico à mente das crianças deram origem às
técnicas da psicanálise infantil. Sophie Morgenstern, na França, e Anna Freud e
Melanie Klein, em Viena, publicaram os primeiros livros sobre o tema. Melanie
Klein contra argumenta Freud em seu artigo: Princípios Psicológicos da Análise
de Crianças Pequenas (1926). Ela diz que ao se abordar uma criança com
técnicas apropriadas para adultos, certamente não será possível penetrar nas
camadas mais profundas de sua vida mental.
Porém, se forem utilizadas técnicas apropriadas e se forem levadas em conta
as diferenças psicológicas entre crianças e adultos, tal como o fato de que na
criança encontramos o inconsciente em ação lado a lado com o consciente,
todos esses pontos duvidosos e desfavoráveis deixam de existir. Desse modo,
temos que se pode esperar a mesma profundidade e abrangência na análise de
crianças do que na de adultos. Há ainda um ponto favorável à análise de
crianças: “nela podemos chegar a experiências e fixações que no caso dos
adultos só podem ser reconstituídas, enquanto nas crianças elas são
representadas diretamente.” “Assim como o meio de expressão das crianças
não é o mesmo que o dos adultos, a situação analítica na análise de crianças
também parece completamente diferente. No entanto, em ambos os casos ela
é essencialmente a mesma, caracterizando-se por interpretações consistentes,
solução gradual de resistências e rastreamento persistente da transferência
até as situações mais iniciais.
Trata-se de técnicas diferentes, e não de novos princípios de tratamento. O
método do brincar mantem, para Klein, todos os princípios da psicanálise e
leva aos mesmos resultados da técnica tradicional. A diferença é que ele
emprega recursos técnicos adaptados à mente da criança. “O Brincar, por suas
características, cura a criança e o homem. Independente das interpretações
que o analista pode fazer frente ao jogo, ele por si mesmo promove a
transformação e a cura” (Winnicott, 1975).
Winnicott, por sua vez, se colocava mais preocupado não tanto com o que
pudesse estar simbolizado no jogo, mas sim com o impedimento do jogo. “No
momento em que o jogar se estanca, há o adoecimento”. Isso, pois o jogo
constitui os modos de ser, os mundos possíveis, o sonho do futuro, a
sustentação do devir humano, ele é em si mesmo terapêutico. Porém, vale
ressaltar que, em alguns momentos, o fato de uma criança não brincar pode
não ter o caráter de uma inibição.
Ela pode estar simplesmente experimentando o vazio. Isso vale para crianças
que foram excessivamente formatadas e submetidas ao seu meio ambiente
ou, ainda, para crianças que foram excessivamente sufocadas pela expectativa
dos pais. Porém, essa discriminação só é possível observando os modos de ser
da criança e conhecendo sua história.
É na "História de uma neurose infantil" que Freud entende o infantil como
sendo o que se reconstrói em análise das cenas e das fantasias da infância do
paciente. Ao analisar uma neurose infantil "quinze anos depois de haver
terminado", Freud aponta o caráter atemporal do infantil. Desse modo,
sublinha um infantil que não se "desfaz" no adulto, mas que permanece
determinando aquilo que o mesmo reconstrói no trabalho de análise.
É o infantil em seu caráter singular e próprio ao percurso de cada analisando.
Vale ressaltar que o sucesso terapêutico obtido por Freud ao analisar a criança,
através do relato de seu pai, permitiu alentar a esperança de aplicar o método
analítico aos transtornos e enfermidades de crianças de pouca idade.
Em muitos momentos da leitura de O caso do homem dos lobos, Freud nos
passa a impressão de que busca um enlace entre a fantasia e a experiência e,
de algum modo, uma busca de conciliação, entre a reconstrução histórica e a
reconstrução fantasiada. Assim, se, por um lado, entende as fantasias como as
lendas que "camuflam" um passado recalcado, por outro, aponta que a
"sedução pela irmã (em O caso do homem dos lobos) não foi certamente uma
fantasia".
Estamos lidando apenas com uma fantasia, que nasceu talvez da observação
de relações sexuais de animais". Assim, em O caso do homem dos lobos, a
experiência como acontecimento da infância permanece na teoria freudiana
através da manutenção da cena com os animais na constituição da fantasia da
cena da relação sexual dos pais.
Nessa direção, podemos pensar que em O caso do homem dos lobos, o infantil
equivale àquilo que é traumático e que permaneceu inconsciente gerando
sintomas, sonhos, etc. Mais que isso, Freud atribuirá tal importância ao fator
infantil que, afirmará ele, por si só, é suficiente para produzir uma neurose.
Por fim, ressaltamos que não há relação de complementação entre a infância e
o infantil. O infantil é a parte “inconsciente" daquilo que permanece
consciente sobre a infância que se viveu um dia.
É no contexto da escuta do paciente, que Freud vai, progressivamente,
conferindo um lugar determinante à infância e constituindo os contornos do
infantil. Tanto a infância vivida como o infantil estão transfigurados pelo
recalque que os fragmentou.
Pensar o infantil fora do contexto da metapsicologia ou do trabalho da
psicanálise torna-o um conceito estéril e volátil, pois é apenas nos meandros
da relação transferencial que o infantil poderá ser parcialmente alcançado e
teoricamente constituído.
Referências Bibliográficas Freud, S. (1980). A interpretação dos sonhos. In
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme
Salomão, trad.). (vols. 4, 5). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em
1900). Freud, S. (1980). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme
Salomão, trad.). (Vol. 7, pp. 121-252). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original
publicado em 1905). Freud, S. (1980). Análise de uma fobia em um menino de
cinco anos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de
S. Freud (Jayme Salomão, trad.). (Vol. 10, pp. 11-154). Rio de Janeiro: Imago.
(Texto original publicado em 1909). Freud, S. (1980). Leonardo da Vinci e uma
lembrança de sua infância. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
completas de S. Freud (Jayme Salomão, trad.). (Vol.11, pp. 59-126). Rio de
Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1910). Freud, S. (1980). Uma
recordação de infância de Dichtung und Wahrheit. In Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme Salomão, trad.).
(Vol 17, pp. 185-200). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em
1917). Freud, S. (1980). História de uma neurose infantil. In Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme Salomão, trad.).
(Vol. 17, pp. 19-151). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em
1918[1914]). Freud, S. (1980). Notas sobre o Bloco Mágico. In Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. (Jayme Salomão,
trad.). (Vol. 19, p. 285-294). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado
em 1925 [1924]). Klein, M. (1996a). Princípios psicológicos da análise de
crianças pequenas. In M. Klein, Amor, culpa e reparação e outros trabalhos. (A.
Cardoso, trad., pp. 152-163). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original
publicado em 1926) Winnicott, D.W. O brincar e a realidade. Imago, 1975.

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