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UNIVERSIDADE DE SAO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

A LU2 N/mm COMO DIRETRIZ DE PROJETO


PARA A\ CONCEPÇÃO DO ESPAÇO E DA FORMA
NA OSRA DOS ARQUITETOS MODERNOS
BRASILEIROS - 11S0/60.
PAULO MARCOS MOTTOS BARNABÉ

5ENTADA À FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA


_ Jade de são paulo para obtenção do titulo de doutor em
ARQUITEfURA E URBANISMO. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTRUTURAS AMBIENTAIS
HSSgftÃS SUB-ÁREA DE PESQUISA: PROJETO DO EDIFÍCIO

PROFESSOR ORIENTADOR
DR. GIAN CARLO GASPERINI

SÃO PAULO - 2005


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada
a fonte.

c.maiL: pbamabe/õ tcrr.LCom.br

I Bamabc. Paulo Marcos Mottos


B259L A luz natural como diretriz de projeto para a concepção
do espaço c da forma na obra dos arquitetos modernos
brasileiros - 1930/60. / Paulo Marcos Mottos
Bamabé. —São Paulo. 2005.
305 p: il.

Tese (Doutorado) - FAUUSP.


Orientador Prof. Dr. Qan Cario Gasperini

1. Arquitetura moderna - Brasil - Teses 2.Teoria da arquitetura -


Teses 3. Projeto de arquitetura - Metodologia - Teses -I.Uuminação
natural - Teses 5. Artigas. João Batista Vilanova ,1915-1985 -Teses
6. Bardi. Li na Bo. 1914-1992 - Teses 7.Bratke, Oswaldo - Teses
8.Costa, Lúcio, 1902-1998 - Teses 9.Lesi, Rino,1901-1965 - Teses
10. Moreira, Jorge Machado - Teses 11. Niemeyer, Oscar- Teses
12.Reidy, Affonso Eduardo. 1909-1964 -Teses 13.Roberto, Marcelo -
Teses 14. Warehaschik. Gregori, 1896-1971 - Teses LTítulo

CDU 72.036

n
| (Biblioteca) í.
À minha família.
Xjj/spj/
À orientação motivadora e amiga do professor Dr. Gian Cario
Gasperini. Aos professores da Fau pelo acompanhamento
acadêmico. Aos professores Dr. Paulo Júlio Valentino Bruna
e Dr. Paulo Sérgio Scarazzato por seus comentários
esclarecedores no Exame de Qualificação. Aos professores
do Departamento de Arquitetura da Universidade Estadual de
Londrina pelo incentivo. Às fundações Oscar Niemeyer, Lina
Bo Bardi e Oscar Americano pela atenção e fornecimento de
materiais de pesquisa. E, principalmente, à Cristina por seu
apoio irrestrito.
CAPITULO III
A LUZ NATURAL E A ARQUITETURA 100
CULTURA DA PENUMBRA...... 101
DA PENUMBRA À CLARIDADE.... 108
CULTURA DA CLARIDADE...... m
luminosidade universal: luz branca e homogênea. 112
luminosidade contextual: luz suave e homogênea. .116
luminosidade expressiva: retorno dialético entre luz e sombra...119
CULTURA MESTIÇA.......124

CAPITULO IV
A LUZ NATURAL NA ARQUITETURA BRASILEIRA. 127
AMBIENTES EM PENUMBRA.... 128
AMBIENTES COM DRAMÁTICAS PENUMBRAS. 131
PELES FILTRANDO LUZ.... 134
AMBIENTES MAIS LUMINOSOS. 136
CULTURA MESTIÇA.... 142

SUMÁRIO- CAPITULO V
ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA
GREGORI WARCHAVCHIK.... 152
150
LÚCIO COSTA.... 160
INTRODUÇÃO RINO LEVI.... 177
LUZ REVELANDO ARQUITETURA 3 IRMÃOS ROBERTO.... 187
AFFONSO EDUARDO REIDY. 196
CAPITULO I OSWALDO BRATKE.... 207
A LUZ NATURAL COMO DIRETRIZ DE PROJETO 15 JORGE MACHADO MOREIRA. .216
OSCAR NIEMEYER.... 226
CAPITULO II VILANOVA ARTIGAS.. ...244
A LUZ NATURAL E AS RELAÇÕES LUMÍNICAS 35 LINA BO BARDI.... 257
LUZ,CLIMA E LUGAR...... 36
CONCLUSÃO
LUZ E TEMPO.... .41
LUZ E FORMA... .45 LUZ,SOMBRA,ARQUITETURA 273
luz e envoltório. ....46
luz e estrutura.. ...55 LISTA DE IMAGENS 281
luz e matéria.... 59
luz e cor...... 66 BIBLIOGRAFIA
LUZ E ESPAÇO.. 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 293
LUZ E SOMBRA. .82 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..... .296
A tese fundamenta-se na importância do uso da luz natural
como uma das principais condicionantes no processo de
concepção do projeto arquitetônico. Elemento autônomo que
se torna matéria própria da arquitetura ao superar aspectos
apenas funcionais, ao estruturar espaços e formas, e ao
definir relações ambientais específicas. Para comprovar tal
tese estudou-se comparativamente a diversificada produção
da Arquitetura Moderna Brasileira desenvolvida dos anos de
1930 aos de 1960, através do pensamento e da obra de
algumas de suas personagens mais representativas: Affonso
Eduardo Reidy, Gregori Warchavchik, Jorge Machado
Moreira, Irmãos Roberto, Lina Bo Bardi, Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi e Vilanova Artigas.

AKTMei
The fundamental meaning of this thesis is the use of light as
one of the main conditioners in the conceptive process of
architectonic projects. It’s the autonomous element, which
becomes an essential part of architecture by overcoming
functional aspects, structuring spaces and shapes, and by
defining specific environmental relationships. To prove this
thesis, the sorted production of the Modem Brazilian’s
Architecture developed from the 30’s to the 60’s has been
studied, trough thoughts and some pieces of art of the most
representative characters: Affonso Eduardo Reidy, Gregori
Warchavchik, Jorge Machado Moreira, Irmãos Roberto, Lina
Bo Bardi, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Oswaldo Bratke,
Rino Levi and Vilanova Artigas.
&*/ ■

INTRODUÇÃO

L112 I&6LAMX) ARQUneTU^


INTRODUÇÃO.

A LU2 NATURAL REVELANbO


ARQUITETURA-
Luz e espiritualidade andam juntas.
Luz e arquitetura andam juntas.
Luz atribui valor a paredes, janelas,
materiais, texturas, e cores.
Ricardo Legorreta.

A luz permeou diversos discursos no transcorrer da história


da humanidade. Muitas ponderações lumínicas foram
estabelecidas em escritos filosóficos, religiosos e
psicológicos.1 Através da “Alegoria da Caverna", Platão2
imaginou uma estirpe de escravos colocados em uma gruta
desde a infância, acorrentados de maneira que só lhes era
permitido olhar para a parede à sua frente, ardendo às suas
costas uma fogueira que projetava as sombras de pessoas e
objetos. Para os prisioneiros essas sombras bidimensionais
eram a única realidade existente; eles não sabiam que
possuíam corpos tridimensionais imersos em um universo
ultradimensional.

Por estarem acostumados a pensar que a realidade


resumia-se às sombras dos homens e objetos, quando um

’ Numerosas civilizações também adotaram a estética “claritas" (clareza e


luminosidade) ao correlacionar Deus e luz: o Baal semítico, o Rá egípcio, o Ahura
Mazda iraniano, o Kinich Ahau Maia, o Guaraci Tupi, todos são materialização do
sol ou da benéfica ação de sua luminosidade, que de alguma forma vincula-se às
Fig. 1 Alegoria da Caverna de Platao. concepções de Platão (Eco, 2004, p. 102).
2 Platão. A República. São Paulo: Martin Claret, 2001.
4

desses prisioneiros tosse liberto e conduzido ao exterior, teria Platão utilizou a luz e a sombra para discorrer sobre
grande dificuldade e precisaria de um certo período de educação. A luz para ele era o bem, a verdade, o
II
adaptação sob o sol para perceber, então, as formas e as conhecimento. Enquanto a sombra era o mal, a mentira, a
a
sombras verdadeiras desses corpos. ignorância. O fogo foi para a construção lógica platônica a
fonte da consciência positiva e do engano. O mesmo clarão
Essa condição dos escravos de Platão é adequada para ilumina esta pesquisa na tentativa de traduzir o espaço-tempo
e exprimir uma analogia sugestiva: a superação conceituai da matemático em proposta visível. A impor-se não somente aos
concepção tridimensional do espaço pelos novos olhos, mas à consciência, está sempre e somente a luz que
conhecimentos da ciência, principalmente a teoria da corre, penetra, reflete-se pelas coisas, clareia, cria
relatividade, aludindo à possibilidade de uma interpretação transparências e espessuras, funde-se na água, dilata-se no
que considera outras dimensões do universo físico, céu.
principalmente a dimensão tempo. A força exercida por esse
rompimento dos horizontes conceituais sensibilizou a Certamente o espaço arquitetônico para ser visível deve
pesquisa de vanguarda, enriquecendo a ruptura com os ser luminoso, pois sem iluminação este não tem qualquer
paradigmas das artes figurativas e da arquitetura.3 existência visual. “É a luz que produz a sensação de espaço.
O espaço é aniquilado pela obscuridade. A luz e o espaço
Muita coisa mudou na vida dos homens contemporâneos,
são inseparáveis. Se a luz é suprimida, o conteúdo emocional
mas o vetor fundamental no processo de conhecimento do
do espaço desaparece, tornando-se impossível de perceber...
mundo físico, tanto antes como agora, é a luz. Neste universo
a essência do espaço se faz na interação dos elementos que
confinado de sombras a luz dá forma e sentido às entidades o limitam".*
materiais e as conecta entre si. A luz constrói e media a
relação entre o espaço e a dimensão psíquica do usuário, Pisos, paredes, tetos e vãos permitem esculpir luz, pintar
toma perceptível o movimento, ordena e define todos os com luz e, desse modo, moldar o ambiente de um lugar. Os
fenômenos reais. As trevas, o olhar escravizado, dirigido para princípios da luz correspondem à matéria que anima as
as sombras, dá ao homem uma visão distorcida do mundo. superfícies e os volumes, dando expressividade,
determinando o caráter dos objetos. É através dessa
3 Dierna, Salvatore. In: Ponte, Silvio de. Architetture di luce. Luminoso e sublime
nottumo nelle discipline progettuali e di produzione estetica. Roma: Gangemi,
1999, p.15. 4 Giedion, Sgfned. El presente eterno Los Comienzos de Ia arquitectura. Madrid:
Alianza, 1986, p.467

i
5

expressão que o homem descobre as estruturas do mundo.5 espírito e ao intelecto para se sentirem vivas, e
experimentarem bem estar. As criações lumínicas mais
A luz invade e permeia a realidade externa definindo os eloquentes na história da humanidade não estavam apenas
contornos, tornando visíveis e perceptíveis os espaços e os interessadas em dramaticidade teatral ou acuidade visual. Os
objetos com os quais as pessoas entram em contato. A melhores exemplos de arquitetura mostram o quanto seus
arquitetura vive dessa entidade aparentemente imaterial, idealizadores esforçaram-se em atender aos aspectos
define-se com ela não só como realidade, mas também como poéticos e técnicos. Nos grandes mestres, na verdadeira
um jogo carregado de significados, de sensações e de arquitetura, uma relação poética com a iluminação não
mensagens. excluía o respeito pelo uso técnico adequado para o bem
estar físico do usuário, tendo presente a própria competência
Este estudo parte do pressuposto de que a arquitetura é
funcional e visual.
também “(...) um fenômeno de emoção. A construção é para
sustentar; a arquitetura é para emocionar'’.6 Portanto, Mas, “uma coisa é clarear, outra coisa é iluminar”.8 Iluminar
arquitetura é "mais"que construção. E este "mais"está ligado é "mais" do que fornecer uma luminosidade adequada para
a um complexo processo de concepção, no qual o uso da luz uma determinada função; é expressar valores conotativos ao
natural como diretriz7 de projeto requer uma postura crítica projeto, modificando, controlando e mediando a luz;
que valorize igualmente uma relação íntima entre os aspectos possibilitando com isso a qualificação do espaço envolvente
poéticos e os aspectos técnicos de iluminação; tendo como no qual se vive. Luz sendo configurada pelo seu valor
referência o contexto histórico-cultural e as condições expressivo, não só do ponto de vista plástico-visual, mas
ambientais do lugar, as necessidades programáticas, as também perceptivo. Porque sem “(...) luz, a vida não seria
técnicas construtivas disponíveis e, principalmente, o usuário. possível. Sem percepção, não haveria sensibilidade nem
inteligência. A luz faz para a vida aquilo que a percepção faz
As pessoas exigem uma somatória de aspectos ligados ao para a inteligência".9

5 Consiglieri, Victor. A morfologia da arquitectura. Lisboa: Estampa.1999, p.221, O presente trabalho resulta, então, da reflexão sobre a
v.ll.
6 Le Corbusier. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 10.
7 Diretriz - Etim. lat. directriz-iais - aquilo que dirige; conjunto de princípios e 8 Scarazzato. Paulo Sérgio. In: Exame de Qualificação de Paulo Barnabé. São
normas de procedimento; regras de comportamento; conjunto de instruções ou Paulo, 2004 - FAU/USP.
indicações para se tratar e levar a bom termo um plano (Cunha, 1982 e Ferreira, 9 Santaella, Lúcia. In: Barros, Anna. A arte da Percepção. Um namoro entre a luz e
1999, p.688). o espaço. São Paulo: Annablume, 1999, p.11.
6

atividade profissional e acadêmica do arquiteto, ou seja, da arquitetônica; expressão esta ligada aos elementos que a
A busca pelo entendimento sobre os elementos que compõe, extrapolando assim o discurso apenas funcional.
n
interferem no processo de concepção do projeto Objetiva Afinal, um dos principais objetivos de uma manifestação
a
"saber ver” a arquitetura não pelo aspecto metafísico, mas visual é a transmissão de idéias, informações e
através de um método que prioriza a introdução do elemento sentimentos.11
luz como diretriz de projeto, ou seja, da identificação dos
componentes formais e espaciais gerados por tal elemento. Isso resulta do entendimento da limitação dos aspectos
apenas funcionalistas, que prevaleceram no início do
Algumas das relações percebidas através da experiência Movimento Moderno. Acredita-se que o espaço e seus
de luz são universais, imagens arquetipicas que a elementos devam ser discernidos não somente como
humanidade compartilha. Alguns significados são culturais, resposta às funções que nele se desenvolvam, mas como
absorvidos através de rituais ou das atitudes perante a vida. espaço ambiental servido de luz, ar, som e calor; tornando-se
Alguns são pessoais, associados a eventos específicos personalizado, vivo, aconchegante - mais adequado para
vividos. Assim como se pode escolher uma roupa para usar abrigar pessoas.
ou não usar, por causa de certas associações, de modo
especifico, padrões de luz lembram de um lugar, permitem Considerando-se o sol como fator preponderante na
fazer correlações com outros lugares, possibilitam vivências definição do clima, no desenvolvimento da flora e da fauna;
acumulativas complexas, multifacetadas e ricas. coloca-se o homem no centro deste binômio luz-arquitetura, e
a partir dele promove-se uma nova perspectiva ao projeto-luz.
Procurou-se, assim, no desenvolvimento da tese, não Porque falar de luz, diurna ou noturna, é como falar da vida
perder de vista que o estudo de um elemento arquitetônico
nunca prescinde do entendimento do todo, de suas partes e pensamento por palavras, gestos e obras (Cunha, 1982 e Ferreira. 1999, p.864).
Em arquitetura o caráter expressivo “(...) não é subjetivo - não reside na versão
de suas relações. Ele está pautado na investigação das imaginativa do sentimento individual. Os edifícios têm expressão como têm caras;
qualidades do todo e na exposição do valor expressivo das a sua individualidade não é a de um sentimento particular que exprimem, mas a
do seu aspecto público... um edifício não exprime tanto uma emoção, como usa
partes transfiguradas pelo poder da luz e da sombra. A uma certa expressão: tem expressão naquilo que foi chamado (talvez um pouco
enganosamente) um sentido "intransitivo". Isto quer dizer que consideramos o
discussão, portanto, está centrada na expressão10 edifício como “imbuído de caráter" e esse "caráter” não é apenas imediato — parte
do aspecto que o edifício tem -, mas também observável, em princípio, por
qualquer pessoa" (Scruton, 1979, pp.193-194).
10 Expressão - etim. Do latim expressio - um comportamento particular do Dondis, Doms A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo Martins Fontes. 1997,
homem, sua fala, seus símbolos, seu ato de enunciar, representar, retratar um p.119.

J
7

cotidiana, de como as pessoas vivem e de como se contemporâneas.


relacionam com a sua presença envolvente.
O uso estético da luz descrito no transcorrer do estudo
A luz natural é o tema central da presente pesquisa. De refere-se à possibilidade de torná-la um meio perceptivo
certa forma ela é uma continuação da pesquisa de mestrado sensível, ou seja, de materializá-la como instrumento
anteriormente elaborada.12 Embora não se tenha a pretensão expressivo de arte. Nesse sentido a luz pode assumir duas
de exaurir neste estudo toda a problemática relativa ao tema fisionomias: ser parte da linguagem artística, verdadeira grafia
da luz, pretende-se demonstrar a importância da luz natural da arte e ser meio de conhecimento da linguagem artística
no processo de concepção em arquitetura. De evidenciar o pré-existente. No primeiro caso ela assume a qualidade de
seu uso como material arquitetônico construtivo, capaz de ser signo, tornando-se instrumento de comunicação. E no
a diretriz das decisões. Através dela mostrar que a arquitetura segundo constitui-se num sistema comunicativo próprio, o
para os mestres modernos seguiu centrada não no útil sistema comunicativo luminoso. Disso decorre ser a luz um
apenas, nem nas puras e simples soluções práticas às signo idôneo à transmissão de um universo de sensações,
exigências de um espaço coberto, mas respondeu a uma vibrações e pensamentos, que constituem a peculiar
necessidade mais profunda do espirito: construir um habitat dimensão da arte, em particular, da arquitetura.’
qualificado, no qual a luz se manifesta num sistema de
relações que transcende ao mero dado material das Para tanto, o objeto de estudo configura-se através do

construções para projetar sobre as formas e espaços pensamento e da obra de algumas das principais
personagens do Movimento Moderno brasileiro: Affonso
edificados valores estéticos, simbólicos e emocionais.
Eduardo Reidy, Gregori Warchavchik, Jorge Machado
Portanto, a luz deve ser interpretada nesta tese como Moreira, Irmãos Roberto, Lina Bo Bardi, Lúcio Costa, Oscar
matéria de compor e como suporte multivariado; como Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi e Vilanova Antigas.
elemento facilitador para a percepção dos fenômenos e, ao Numa delimitação histórica que se restringe aos anos de
mesmo tempo, dissimulador na clareza fideísta promovida 1930 a 1960 - período de implementação, assimilação e
antigamente pela linearidade mística, hoje substituída pela consolidação dos princípios modernos no Brasil.
multiplicidade das reações poéticas das produções
” Ginesi, Armando. In: Ponte. Silvio de. Architetture di luce. Luminoso e sublime
12 Barnabé, Paulo M.M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São notturno nelle discipline progettuali e di produzione estetica. Roma: Gangemi,
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP. 1999, p.11.
8

As razões da escolha dos arquitetos justificam-se pela pessoal para entender perfeitamente as considerações feitas
A produção e representatividade destes. Todos estão ligados no transcorrer da tese, haja vista a mutabilidade da luz no
m transcorrer dos dias, das horas e das estações. As imagens
diretamente ao desenvolvimento inicial do Movimento
Moderno, com uma produção variada, discutida através de selecionadas, de nossa autoria e de outros profissionais,
livros e artigos, insinuando em seus discursos pistas quanto à representam os elementos intrínsecos da arquitetura (espaço,
forma de emprego da luz natural como diretriz de projeto; forma, matéria, luz e cor) sob uma visão pessoal, em um
além do fato de possuírem o reconhecimento nacional e momento específico e sob condições determinadas pela
internacional da crítica especializada. E embora se saiba que estrutura do trabalho.
exista uma produção importante e significativa em várias
outras partes do Brasil, o recorte geográfico, em função da O objetivo principal da pesquisa aqui apresentada, cujo
disponibilidade de recursos e tempo, se restringiu às cidades título é "A luz natural como diretriz de projeto para a
de São Paulo e do Rio de Janeiro, complementado por alguns concepção do espaço e da forma na obra dos arquitetos
exemplares desenvolvidos em Brasília e Belo Horizonte. modernos brasileiros - 1930/60", pauta-se na seguinte
indagação: como os arquitetos utilizam a luz enquanto
Entretanto, não obstante as qualidades intrínsecas das instrumento norteador de suas decisões no desenvolvimento
obras selecionadas, estas foram utilizadas apenas como de seus projetos arquitetônicos?
exemplos do uso da luz como diretriz na concepção do
projeto. Sua citação não significa avalizar definitivamente sua Não se pretende aqui discursar sobre quaisquer
validade. Estas são mostradas apenas para ilustrar os vários instrumentos de luminotécnica. nem de níveis de iluminação
elementos e as possíveis relações quando a luz é tomada ou quantificação luminosa, embora se reconheça sua
como parâmetro14 para projeto. importância. Busca-se verificar o emprego da luz natural
como elemento arquitetônico que estrutura o espaço e a
Tais obras têm sido exaustivamente fotografadas e forma, identificando o pensamento moderno materializado e
publicadas. Mas, fotografias não são janelas, Suas redefinido em relação às condições brasileiras, influenciando
qualidades lumínicas são muito difíceis de perceber apenas partidos de uma forma geral ou apenas interferindo em alguns
através de ilustrações fotográficas, exigindo do leitor vivência elementos específicos de projeto.

14 Parâmetro - Etim. grego, paramétno - padrão que serve de base ou norma; Parte-se da hipótese de que do antigo ao moderno,
modelo; exemplo, arquétipo (Cunha. 1982 e Ferreira. 1999, p. 1497).
9

gradativamente, a luminosidade foi aumentando nos espaços sobressaíam duas tendências: uma que seguia as
interiores da arquitetura ocidental. Dos ambientes em vanguardas européias, nas quais predominavam ambientes
penumbra (com poucas aberturas) para ambientes em plena claros com iluminação mais uniforme; e outra influenciada por
luz, quase só janela. No primeiro caso havia três tipos básicos posturas orgânicas adequando-se mais às condições locais,
de luminosidade: ambientes que gradativamente tornavam-se em que se evidenciavam ambientes diferenciados, iluminados
mais escuros, ambientes escuros com feixes dramáticos de valorizando os jogos de claro e escuro, imperando ainda as
luz ("luz-emoção")'5, e ambientes com baixa luminosidade relações de luz, sombra, e cor. Em muitas obras essas duas
homogênea. No segundo caso havia ambientes em plena luz tendências ocorreram simultaneamente.
e ambientes com luminosidade clara, suave e homogênea,
mas sem sombras. Nesse processo ocorreu uma evolutiva De modo que os princípios modernos não foram
transposição da “cultura da penumbra"'6 para a “cultura absorvidos de forma igualitária pelos arquitetos. Muitos
da claridade”, embora nos meados do século XX muitos mostravam-se reticentes às posturas rígidas da ortodoxia
arquitetos voltassem a valorizar o poder expressivo das européia, questionando a abstenção dos valores do passado.
sombras. Alguns arquitetos brasileiros do período queriam estabelecer
uma identidade, valores que diferenciassem a arquitetura
Já a Arquitetura Moderna brasileira caracterizou-se pela local da arquitetura européia. A grande luminosidade, a
miscigenação entre os princípios rígidos da ortodoxia necessidade de áreas sombreadas, o resgate dos filtros
moderna européia, das posturas orgânicas americanas, dos coloniais, a dualidade na relação interior e exterior, foram
valores locais relacionados ao clima e à arquitetura alguns desses diferenciais - a sombra também passou a ser,
vernacular - fato que se pode chamar de “cultura junto com a luz, parâmetro decisivo na definição dos espaços
mestiça".'7 Em relação à iluminação de formas e espaços e formas brasileiras.

15 Ciriani, Henri. Luz do espaço Architecture D’Aujourd'Hui, n.274, 1991, p. 77. Na busca incessante por uma arquitetura local, mostravam
16 Conceito adotado pelo professor Silvio de Ponte em seu livro Architetture di uma produção cheia de idas e vindas. Em relação à
luce Luminoso e sublime notturno nelle discipline progettuali e di produzione
estetica. Roma: Gangemi, 1999. p.22. luminosidade isso se revelava em espaços ora abertos para o
17 Para utilizar esses conceitos tem-se antes de refletir sobre o significado
abrangente da palavra “cultura", que para muitos autores é sinônimo de
“civilização". (Durozoi e Roussel, 1990, p. 115) - o conjunto das tradições, técnicas
e instituições que caracterizam um grupo humano. O modo de vida de um povo, um conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se
em que se incluem suas atividades, valores, crenças, artes, ciências, modos de preservam ou se aprimoram através da comunicação e cooperação entre
percepção e hábitos de pensamento e de ação. (Blackburn, 1997, p.85). Ou seja, indivíduos em sociedade.
10

exterior, imperando
as transparências, ora protegidos,
Auto evidenciando prismas iluminantes - descrição dos componentes construídos para a
nrcio nos quais a opacidade predominava e
as relações com co exterior
' captação e condução da luz, provinda do sol ou da abóbada
a fon eram mais contidas. Muitas vezes
essas duas tendências celeste, tipos de aberturas - forma, localização, dimensão,
_ —u coexistiam em uma mesma obra -
espessura, cor, material, proporção; o comportamento da luz -
uma atitude tipicamente híbrida da Arquitetura Moderna
brasileira. descrição do processo de penetração da luz através dos
c.ma
elementos iluminantes e de proteção; direção, incidência e
O método adotado para o desenvolvimento da tese distribuição da luz; elementos de controle e proteção -
pautou-se em dois níveis de atuação: primeiro uma pesquisa descrição de elementos construídos utilizados para diminuir
bibliográfica-iconográfica. segundo uma pesquisa de campo, ou redirecionar a incidência lumínicas: filtros e veladuras
com levantamento fotográfico e anotações in loco das obras (brises, tramas, cobogós, peles finas de vidro) e os
selecionadas. Sendo seu desenvolvimento feito através dos sombreadores (beirais, toldos); outros elementos que
seguintes procedimentos básicos: interferem na qualificação da luz, proteção ou efeitos
1o. Análise da estrutura do pensamento moderno dos variados, como vegetação e espelhos d’água; tratamento das
arquitetos, através da manipulação de dados bibliográficos superfícies - descrição das superfícies que compõem o
como a formação acadêmica, as influências recebidas, os espaço interno, materiais, cores, texturas, proporções
E principais projetos, as atividades didáticas e as atuações utilizadas. Quanto à iluminação resultante: análise sobre a
diversas. qualificação espacial através das características lumínicas
2o. Análise de alguns conceitos arquitetônicos intermitentes obtidas e os conceitos duais de comunicação visual, como
ao discurso dos arquitetos através dos seguintes temas: claridade versus obscuridade, contraste versus harmonia,
conceito de arquitetura; arquitetura e Movimento Moderno; ênfase versus neutralidade, entre outros.
arte e técnica; arquitetura, tradição e memória: arquitetura e
paisagem; a questão urbana; conceitos de espaço, forma, luz Existem poucos trabalhos com enfoque semelhante a
e sombra na arquitetura. A maioria deles prende-se mais às questões
3o. Análise dos projetos selecionados através da definição de acionadas à luminotécnica. Mas alguns trabalhos podem
um método analítico (gráfico e textual) relacionado aos encontrados, reforçando a atualidade e pertinência do
seguintes temas: configuração formal, descrição do invólucro, a. Para o desenvolvimento da presente tese, a
características gerais do exterior para o interior; elementos bliografia de referência utilizada resume-se ao trabalho do
P ofessor Silvio de Ponte, através do seu livro Architetture di
11

luce, que defende a tese segundo a qual a luz natural deve antiga e contemporânea; ao trabalho de Victor Alcaide,
ser tratada como matéria autônoma, capaz de criar através de seu livro La luz, símbolo y sistema visual, que
atmosferas e superar o seu uso apenas técnico; ao trabalho propõe recuperar o uso da luz natural como sistema
da professora Marietta Millet, através do seu livro Light expressivo, simbólico e cultural; ao trabalho de Donis
revealing Architecture, que enfatiza a importância da luz na Dondis, através de seu livro Sintaxe da linguagem visual, que
vida do homem, quando esta revela as formas, os espaços, destaca o uso da luz natural como meio para a comunicação
as texturas e as cores dos objetos arquitetônicos; ao trabalho de uma determinada informação e a evidência de uma idéia
de Lorenzino Cremonini, através do seu livro Luce naturale, de projeto; ao trabalho de Sophia Behling e Stefan Behling,
luce artificiale, que analisando obras emblemáticas da história através de seu livro Sol Power, que pesquisando sobre
da arquitetura nas quais a luz natural foi utilizada para energia solar, discute paralelamente sobre arquitetura
modificar o espaço, conclui que esta deveria ser utilizada para espetacular, ou seja, sobre efeitos expressivos da luz a partir
representar as características ambientais (espírito do lugar1) de necessidades funcionais de conforto e proteção solar; ao
somadas àquelas contemporâneas (espírito do tempo); ao trabalho do professor Victor Consiglieri, através de seu livro
trabalho de Yukio Futagawa, Paolo Portoghesi e Riichi A morfologia da arquitectura, que levanta conceitos ligados
Miyake, através da edição especial da revista GA, que diretamente à pesquisa sobre luz natural como transparência,
investiga o pensamento dos mestres modernos e a maneira opacidade, claro-escuro, sombra, contrastes, entre outros,
como utilizam a luz natural como diretriz de suas proposições; conceitos estes relacionados a preceitos gestálticos,
ao trabalho de John Kurtich e Garret Eakin, através do seu topológicos e fenomenológicos; ao trabalho do professor Luís
livro Interior Architecture, que analisa edifícios históricos e Antônio Jorge, através de seu livro O desenho da janela,
modernos, identificando a qualificação do espaço interior a que quando discute sobre a origem da janela, realça a
partir de considerações sobre a luz natural; ao trabalho de relação entre abertura, luz e espaço interior na arquitetura
Henry Plummer, através de seus livros Poetics of light e moderna; e ao trabalho do professor Steen Eiler
Light in Japonese Architecture, que poeticamente analisa Rasmussem, através de seu livro Arquitetura vivenciada, que
obras antigas e modernas a partir de três aspectos através da tese fundamentada na vivência necessária do
referenciados à luz natural - matéria, espaço e tempo; ao objeto arquitetônico para se poder entender o que é
trabalho de James Brogan, através da edição especial da arquitetura, descreve a importância da manipulação dos
revista AD, que sintetiza a relação entre luz e arquitetura, elementos construídos para a obtenção de efeitos
12

enriquecedores dos espaços. Completam esses trabalhos os Na terceira parte centra-se na Arquitetura Moderna
A desenvolvidos pelos professores L. C. Kalff, Willian M. C. brasileira, base concreta da tese: no capítulo V enfoca-se o
n
a Lam, e R. G. Hopkinson, que em seus livros sobre pensamento e a obra de alguns dos principais arquitetos
luminotécnica destacam também a necessidade de conciliar modernos brasileiros e a forma destes manipular a luz natural
parâmetros técnicos de iluminação dos espaços com e qualificar seus projetos.
c parâmetros humanizadores e estéticos. Kalff critica a
Arquitetura Moderna, principalmente as caixas de vidro, em Por fim, faz-se considerações a partir do referencial
que a arquitetura não é mais ditada pelas condições bibliográfico, da análise iconográfica e do material
climáticas. Na sua opinião, os arquitetos modernos tinham inventariado, procedendo as conclusões finais da tese que
poucas possibilidades de aplicar a luz diurna para obter comprovam as hipóteses levantadas.
efeitos arquitetônicos e estéticos em comparação aos seus
predecessores, que podiam usar materiais e métodos
tradicionais de construção.

A partir das considerações anteriores estruturou-se a tese


em três partes. Na primeira aborda-se mais especificamente
sobre os pressupostos teóricos, embora estes estejam
presentes em todo o texto da tese: no capítulo I discorre-se
sobre o uso da luz como diretriz no processo de concepção
do projeto arquitetônico; no capítulo II descreve-se algumas
das possíveis relações e elementos estabelecidos na
arquitetura quando se adota a luz natural como um dos
principais parâmetros de projeto.

Na segunda parte são feitas algumas ponderações sobre o


uso da luz natural: no capítulo III descreve-se sua utilização
na história da arquitetura ocidental; no capítulo IV o foco é a
história da arquitetura brasileira.
CAPÍTULO I

A LU2 MTVML COMO OUtfTRfZ OS PROJETO


CAPÍTULO I

f\ Ll/2 AW7l/m COMO OIREW


DE PROJETO-
“A luz não é tanto algo que revela, como é ela mesma a revelação".
James Turrell.

A luz é a “consciência da realidade". O mundo existe


enquanto é sentido, tocado, e, sobretudo visto. Mas, a
luminosidade, as cores e a aparência das coisas são somente
o efeito produzido sobre a retina por uma particular forma de
energia conhecida com o nome de radiação eletromagnética.1
Aquilo que realmente existe é a energia eletromagnética,
enquanto a luz pode ser definida como uma invenção do
sistema constituído pelo olho-cérebro que captura a energia
radiante emitida em um determinado intervalo de
comprimento de onda para transformá-la em sensação
visível.

O ser humano vive de uma “luz tomada de empréstimo",


que foi enviada pelo sol através de milhões de quilômetros
em um universo escuro. Mas para a sua percepção o céu é

1 As ondas eletromagnéticas são uma grande familia que compreende muitas


radiações, como as ondas de rádio, os raios ultravioletas, os infravermelhos e os
raios X. Somente uma pequena parcela dessas radiações são capturadas pelos
olhos humanos e transformadas em imagens, permitindo que se conheça e se
Fig.2 Sol e Terra. interprete a realidade que envolve as pessoas. (Barnabé, 2000, p.18).
16

luminoso e o sol apenas um ponto resplandecente:' A luz Através dos olhos a luz não só transmite a informação ao
natural resulta, então, dos raios solares diretos e indiretos centro da vista que se encontra no cérebro, como comanda a
m
reíletidos na atmosfera, com ou sem nuvens (luz difusa); na inteira mudança e as funções do organismo, que através de
vegetação, nos edifícios e outros objetos existentes na terra uma particular ramificação de nervos influi da mesma forma
(luz refletida)3 Essencialmente variável, ela passa através sobre os órgãos de regulação do sistema neurovegetativo.
das camadas de ar em diferentes horas do dia e do ano, mais Compreende-se, então, porque uma “boa luz" não só facilita
c.
ou menos carregada de vapor de água, de pó, gás carbônico, as funções de ver e reconhecer, como também aumenta o
etc., de acordo com as latitudes e altitudes. estimulo operativo e o bem estar físico favorecendo a
concentração e evitando o cansaço precoce.
Nesse quadro a visão é sem dúvida o sentido mais
importante, pois através dos olhos são recebidas mais de O processo de ver depende também da mente que
80% de todas as informações. Pode-se dizer, então, que o interpreta os estímulos luminosos, porque o ser humano olha
mecanismo da visão é uma espécie de decodificador das o tempo todo, mas realmente vê somente aquilo que sua
informações trazidas pela luz. Esse sentido e o grande mente está interessada em assimilar. Sua experiência de
responsável pelo relacionamento das pessoas com o mundo. vida, desejos e aversões influenciam no ato de visualizar o
O ato de ver envolve uma resposta à luz. Todos os elementos que o rodeia. Disso decorre então ser capaz de projetar
são revelados através da luz, de sua presença ou ausência ambientes visualmente confortáveis dependendo do modo
relativa, reforçada por contraste tonal. As variações de luz ou pelos quais estuda esses problemas.5
de tons são os meios pelos quais distingui-se oticamente a
complexidade da informação visual do ambiente. Portanto, as Portanto, a luz natural é condicionante fundamental no
pessoas véem o que é escuro pela proximidade ou processo inventivo do projeto arquitetônico, sendo quase
sobreposição ao claro.'’ impossível desconsiderá-la. Usá-la como diretriz no momento
conceptivo, definir relações formais, espaciais e perceptivas
tendo-a como geratriz6 dos elementos construídos resultará
2 Fato registrado até mesmo no livro Gênese da Bíblia, no qual a criação da luz se certamente em qualificação do ambiente concebido. O
deu no primeiro dia, enquanto o sol, a lua. e as estrelas foram acrescentados
somente no terceiro dia. (Arnheim, 1982, p 293).
3 Mascaro. Lúcia R. de Luz. clima, e arquitetura São Paulo: Nobel, 1983, p.35.
4 Dondis, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes. 1997, 5 Kalff, I.C., Criative Light, Londres: Macmillan, 1971, p 3 nroduz
pp.60-61. 6 Geratriz - etim. Lat. Generatrix-icis - aquela que gera, que origina, qu P
(Cunha. 1982 e Ferreira, 1999, p.984)
17

sentido finai transcenderá aos aspectos apenas visuais, peles vítreas coloridas.
ajudando a modificar hábitos de perceber as coisas
isoladamente no espaço, para passar a identificá-las como Então, apesar dos grandes avanços tecnológicos dos
parte de um evento que absorve o mundo tecnológico, mas últimos tempos, parece que a relação entre as pessoas e o
também prioriza o mundo perceptivo em que outros sentidos ambiente construído segue evoluindo lentamente. Muitos
participam. Resgatando-se, assim, as relações pessoais valores que lhes são caros continuam ancorados em
sensíveis no vivenciar da arquitetura e no seu contexto físico- arquétipos de seus ancestrais, que por sua vez
cultural. demonstravam a enorme capacidade de se adaptar ao seu
meio ambiente e estabelecer muitos elementos arquitetônicos
relacionados diretamente com o tema da luz natural. Pode-se
mesmo conjeturar que muitas das antigas necessidades
funcionais e espirituais ainda permanecem vivas e
determinantes na concretização dos espaços de vivência dos
seres humanos.

As pessoas ainda necessitam transcender ao mero dado


material das construções para projetar sobre as formas e
espaços edificados valores estéticos, simbólicos e
emocionais. A essência da arquitetura segue centrada não
apenas nas soluções práticas, mas também nas exigências
Fig.3 Interior catedral
de identidade cultural e nos anseios do espírito. Isto porque
No mundo perceptivo, o indivíduo interage com vários “(...) a arquitetura tem um duplo propósito: prático
elementos que o envolve, o espaço e seus componentes (instrumental) e artístico. Concretiza um complexo de pólos
imateriais - a luz, os odores, os sons. Isso se evidencia, por diversos que compreende objetos culturais (valores), porém
exemplo, nas diferentes emoções que as pessoas sentem também é artística porque concretiza novos objetos
quando vivenciam uma catedral vazia ou cheia de fiéis intermediários que atuam sobre a sociedade. A arquitetura,
entoando cantos de louvor, sob a fumaça de incensos a consequentemente, é tanto um instrumento prático como um
modificar os efeitos dos raios de luz que transpassam suas
18

sistema de símbolo".7 A arquitetura é algo “mais” que um


desenvolve a vida, e nao de espaços e formas abstratos.
instrumento puramente prático, e este “mais"é essencial para
Al Concorda-se, aqui, com Aristóteles que em sua "Física”
nu a vida do homem.
aI correlacionava o conceito de espaço com lugar (topos),
Disso decorre lembrar a origem etimológica da palavra definindo-o como campo dinâmico com direções e
■arquitetura" que entre os gregos advinha da necessidade de propriedades qualitativas. Diferentemente de Platão que em
distinguir algumas obras providas de significado existencial seu Timeo introduzia a geometria como ciência do espaço,
maior do que outras, que eram soluções meramente técnicas enfatizando o seu caráter eterno e indestrutível, abstrato e
e funcionais. Assim, ao termo tektonicos (carpinteiro, cósmico - tão a gosto dos primeiros modernos racionalistas.1'
fabricante, ação de construir, construção), acrescentou-se o
radical arché (origem, começo, princípio, autoridade). Nessa Pertinente também era a posição da teoria da relatividade
origem da arquitetura encontra-se o discernimento para aportando um novo conceito, o espaço-tempo: o espaço
classificá-la também como arte, que como tal gera prazer e sendo experimentado no transcorrer do tempo, no qual um
emociona, simboliza objetos culturais e expressa valores, elemento isolado só tem sentido quando supera-se a visão
distinguindo-se da simples construção.8 perspectiva do Renascimento, ou seja, considera-se o espaço
como algo para ser percebido conforme as pessoas se
Ao desenvolver essa movem, de modo que a experiência espacial enriqueça-se
tese parte-se do pressuposto que a
motivação primeira da arquitetura é continuamente. Albert Einstein defendia que era preciso vero
o estabelecimento de
lugares', de relações de espaço através de uma série de acontecimentos que nele se
ambiências10 aonde se
desenvolve.
’ Norberg-Shultz, Chnstian. Intensiones em arquitectura. Barcelona. Gili, 1998, pp.
121-122
e Brandão. Carlos Antomo Leite. A formação do homem moderno vista através da O estudo da luz é daí qualquer coisa “mais" que mera
arquitetura Belo Horizonte Humamtas. 1999, p.27
5 O conceito de lugar tem sido esclarecido de diversas formas. 'Na pequena investigação sobre iluminação, porque luz e lugar se
escala se entende como uma qualidade do espaço interior que se materializa na pertencem. Luz, acontecimentos e lugares podem somente
forma, na textura, na cor, na luz natural nos ob/etos e nos valores simbólicos ..
Na grande escala se interpreta como genius loci. como capacidade para aflorar as ser compreendidos em sua mútua relação. A fenomenologia
preexistências ambientais, como ob/etos reunidos no lugar, como articulação das
diversas peças urbanas'. (Montaner. 1998, p 38) Grifo nosso. dos acontecimentos e lugares é também a fenomenologia da
” Ambiência - espaço arquitetonicamente organizado e animado, que constitui um
meio físico e. ao mesmo tempo, meio estético ou psicológico, especialmente
luz. Em geral, eles todos se relacionam à fenomenologia da
preparado para o exercício de atividades humanas; atmosfera (Ferreira. 1999.
p.117).
Montaner, Josep M. La modermdad superada. Arquitectura. arte y pensamiento
Del siglo XX. Barcelona: Gili, 1998, pp.30-31.
19

Terra e do Céu. O Céu é a origem da luz, e a Terra sua influem a luz, o calor, o som, assim como estímulos visuais
manifestação".'2 Por essa razão a matéria luminosa é a base diversos. Pessoas executam atividades, mas também são
unificante do mundo, que sempre é o mesmo e sempre é capazes de apreender o sentido e o significado do mundo que
diferente. as rodeia. Constroem lugares nos quais desenvolvem a vida
cotidiana: lugares para comer, dormir, reunir, comprar, rezar,
A contribuição fundamental moderna foi, portanto, a discutir, aprender, armazenar e assim sucessivamente. O
concepção do espaço como um campo de força no qual modo como organizam esses lugares está relacionado com a
existem corpos (massas e vazios), porém aonde também sua visão de mundo, que ao variar modifica a arquitetura: no
aparecem diversas inter-relações que manifestam a energia âmbito pessoal, social e cultural.14
desse campo. Em consequência tem-se de estudar o espaço
como uma interação entre o homem que nele se move e dele A superação da fase racionalista/mecanicista do
participa, e seu entorno (físico e cultural). Não há dúvida que Movimento Moderno propôs um novo método de análise do
o usuário, as massas, os elementos, etc. conservem sua espaço e seus elementos intrínsecos. O interior já não era
individualidade e seus valores próprios, sendo preciso mais considerado um espaço abstrato, mas um universo no
considerar, entretanto, essas mútuas inter-relações, a qual o homem tinha suas organizações condicionadas pela
dependência que a percepção tem da posição e da atitude “luz, pelas janelas, pelo dimensionamento das fenestrações,
pessoal do usuário.13 pelo silêncio e até pelos sons".'5 A partir de então os
arquitetos passaram a elaborar uma poesia da vida cotidiana,
Para a arquitetura importa a vida e a forma como é vivida, uma poesia de vivência que buscava o estabelecimento de
mais do que as abstrações; e a sua função primeira é o lugares e não de espaços amorfos.
estabelecimento de lugares. Ela é uma resposta ao mundo
real: a um local, a um programa, a um sistema construtivo Disso decorre o entendimento de que toda arquitetura é
disponível. Ademais, a arquitetura é realizada por pessoas e construção, embora nem toda construção seja arquitetura. E
para pessoas, as quais têm necessidades, crenças e que toda construção gera relações formais, espaciais e
aspirações. Têm ainda, sensibilidades estéticas nas quais lumínicas. Mas nem toda construção, nem toda arquitetura

’2 Norberg-Schulz, Christian. In: Plummer, Henry. Poetics of light.Tókio: A+U, 14 Unwin. Simon Análisis de Ia arquitectura. Barcelona: Gili, 2003, p. 16-17.
N. 12.1987. p.5. 15 Consiglieri, Victor. A morfologia da arquitectura. Lisboa: Estampa.1999, p.215.
” Araújo, Ignácio. La Forma arquitectonica. Pamplona: Eunsa, 1976, p.71. v.l.
20

são geradas tendo a luz como diretriz de projeto. A medida em que aumenta a complexidade das relações e
A referências, cresce o número de decisões a ser tomadas. Os
ni O processo criativo em arquitetura obedece a uma série de
recursos disponíveis para as análises referem-se a
a
fatores intervenientes complexos que agem como estímulos,
conhecimentos específicos que intervém cada qual com um
como agentes catalisadores de acontecimentos
determinado peso e são dependentes de arbítrio do arquiteto.
cientificos/artísticos chamados de idéias. Estas, por sua vez,
Esse fato confere um caráter subjetivo às decisões,
c são uma representação mental de um objeto que se
justificando o fato de não existirem dois projetos iguais. Por
materializa através da imagem projetada. Todo esse processo
mais idênticos que sejam os métodos e os parâmetros
é dependente da bagagem de conhecimento acumulado e
adotados, as soluções ou sínteses operadas pelos projetistas
previamente assimilado, enfim, da cultura geral do projetista,
são atos pessoais que refletem sua leitura, sua valorização de
tendo ligação direta com processo histórico em que este se
algumas premissas’” em detrimento de outras.
insere.16

Nesse sentido, o processo de concepção em arquitetura


Muitos são os métodos empregados pelos arquitetos para
depende fundamentalmente da opção por parâmetros que
conceber um projeto. Alguns são dependentes diretamente da
nortearão o projeto. Um desses parâmetros pode ser a luz
criatividade: "caixa preta”-, outros estão apoiados em
natural. Para alguns arquitetos ela é apenas um elemento
procedimentos mais racionais: "caixa de vidro”; outros ainda
baseiam-se no controle total dos processos de concepção circunstancial e condicionante luminotécnico do conforto
ambiental. Para outros é material construtivo similar ao
através de sistemas "auto-organizados". Todos, de uma forma
genérica, estão condicionados a três fases básicas de concreto e ao tijolo. Todos, de uma forma ou de outra, a
"análise, sintese e avahaçào", que não ocorrem de forma consideram no processo de projeto; mas nem todos
linear, mas cíclica, e que sofrem intervenções por conseguem priorizá-la como condicionante geradora de
elementos formais e espaciais que agreguem valor19 ao
procedimentos “retro-alimentadores" e "retro-avahadores".'1
objeto construído e transcendam ao simples acaso de jogos

18 Premiss —------------
16 Gaspenm, Gian Cario Contexto e Tecnologia O pro/eto como pesquisa que se oarte nar^1, lat Proemissa ~ proposição colocada antes; ponto ou idéia de
contemporânea em arquitetura. São Paulo, 1987 Tese (Livre docência em * Valor - etrm ia?' Vai Um r^.cioc'ni° (Cunha, 1982 e Ferreira. 1999. p.1629).
Arquitetura) - FAU/USP, p.44. obtém primazia e n a aV E a qualldade do Que alcança a excelência, do que
” Jones, J. Christopher Design methods Seeds of human futures Londres John responde a aloumaQH e Superior É próprio de um bem, de um objeto que
Wiley & Sons. 1970. pp 45-58 p 2044) e nossas necessidades (Cunha, 1982 e Ferreira, 1999,
21

de luz e sombra. Os mestres a consideravam elemento Adotar a luz como diretriz não implica, portanto, em
prioritário - funcional, estético, poético e simbólico; sem o qual desconsiderar outros importantes parâmetros fundamentais
não poderia existir arquitetura. E enfatizavam que na ao desenvolvimento do projeto, como alguns aspectos ligados
verdadeira arquitetura uma relação poética em relação à luz ao local e seus arredores, às necessidades programáticas,
natural não excluía o respeito ao uso e ao bem estar físico do aos sistemas construtivos, aos elementos que propiciam
usuário.20 conforto ambiental. Utilizar a luz natural como geratriz implica,
antes, em tornar esse elemento um catalisador22 de
Sabe-se, portanto, que não existe qualquer objeto propostas, tendo ciência que isso envolverá uma série de
arquitetônico desvinculado da luz natural, pois todo volume outras tantas condicionantes diretamente relacionadas a esse
projeta sombra sob a luz. Mas a questão que se quer tema como, por exemplo, as considerações climáticas do
enfatizar é bem diversa. Defende-se, aqui, a tese da lugar; a mutabilidade das características luminosas na
valorização arquitetônica através da opção consciente do uso variação do tempo, dos dias e das estações; as
da luz natural como diretriz de projeto, mesmo que outros características dos envoltórios - aberturas, filtros, materiais,
parâmetros sejam também parte das premissas que definam texturas e cores; o diálogo entre interior e exterior, entre as
a sua concepção. áreas iluminadas e sombrias, etc. De forma que a radiação
luminosa possa ser oportunamente manipulada e se tornar o
Entende-se, ainda, por idéia diretriz aquele conceito do
“(...) verdadeiro e adequado material construtivo no momento
qual se vale o arquiteto para definir ou conformar um projeto.
que configura espaços e volumes, mesmo se imateriais e
Essas idéias oferecem caminhos para organizar as decisões,
efêmeros, existindo e se relacionando psicologicamente com
para ordenar e para gerar de modo consciente formas,
os fruidores".23
espaços e elementos construídos. Com a eleição de uma
idéia diretriz em vez de outra, o projetista começa a prefixar o Assim, iluminar não significa mais somente dar a justa
resultado formal, espacial e o modo como o diferenciará de medida de luz a um ambiente, mas a possibilidade de
outras configurações. A utilização de idéias distintas de modificar e controlar a luz. Luminotécnica torna-se “mais" que
ordenação cria resultados diversos.21 uma ciência quantitativa, passando a expressar valores

20 Kahn, Louis apud Norberg-Schulz, Christian. Louis Kahn. Idea e imagem. 22 Catalisador - etm. lat. do part. catalisado + or - que estimula, que incentiva, que
Madrid Xarait, 1981, p.12. dinamiza (Cunha, 1982 e Ferreira, 1999, p.426).
21 Clark, Roger H./ Pause. Michael Arquitecture: temas de composición. México: 23 Ponte, Silvio de. Architetture di luce. Luminoso e sublime notturno nelle
Gili, 1987, p.139. discipline progettuali e di produzione estetica. Roma: Gangemi, 1999, p.51.

J
22

perceptivos conotativos aos projetos. Não somente aplicando agregando as características expressivas, simbólicas e
uma série de dados pré-estabelecidos. mas refletindo técnicas de hoje ("espírito do tempo’)25.
Al objetivamente e poeticamente sobre o espaço no qual se
m< Entretanto, nem sempre as relações que são estabelecidas
vive.
aI no dialético processo de concepção em arquitetura se faz
E o que é qualificar o espaço através da luz? É estabelecer através da escolha entre dois pólos opostos bem definidos.
uma "boa luz", muito diferente de apenas fornecer mais Muitas vezes o discurso permeia-se também naquilo que é
e. quantidade. Uma luz que esteja ligada à idéia de contrastes interposto na área de transição. Pois quem “(...) disse que o
que revelem a verdadeira plasticidade das formas e dos mundo se divide entre luz e escuridão não conhece o prazer
espaços. Desde uma luz intensa até uma sombra mais do pôr do sol e da aurora, zonas de passagem, de luzes
profunda, uma quantidade adequada de luz refletida entre as intermediárias, belíssimas porque incertas".26
sombras a fim de aí também se obter relevo, textura e cor.24
Uma luz que respeite as funções que serão exercidas no
espaço projetado e que possa também ser considerada
autônoma em sua capacidade de transformar-se em elemento
linguístico no momento inventivo do projetar, não só
Fig.4 Pór do sol.
iluminando a mensagem, mas sendo a própria mensagem.
Alterando o estado de ânimo das pessoas com as suas Ao dar ênfase ao valor das gradações tem-se a
variações no decorrer do dia, no passar das horas e das oportunidade de conceber diferentes espaços-luz ricos em
estações, pulsando em intensidades, escurecendo e efeitos de soluções corpóreas, voltando-se a valorizar
clareando, aparecendo e desaparecendo, tornando vivo o invenções de cheios e vazios, relações de claro e escuro,
mundo, pois mudança e crescimento são qualidades reentrâncias e saliências, massificações e rarefações,
inerentes ao processo da vida. Em suma, materializando a densidades e transparências, pesos e levezas, enfim, a
tese segundo a qual a luz é matéria viva da composição, mutabilidade dos ambientes. De forma que a luz deixe de ser
inserindo-se no contexto histórico-cultural, representando as neutra e abra ou feche o ambiente à penetração visual,
OU
características ambientais de seu sítio (“espírito do lugar"), expandindo ou reprimindo os volumes, animando

2" Rasmussen, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. São Paulo Martins Fontes Cremonini, Lorenzino. Luce naturale, luce artificiale. Firenze: Alínea, 1992, p 8.
1986, p. 82. Ponte, op. cit., p.23.

I
23

emudecendo os espaços, permitindo a experiência visual do É substância espacial, elemento concreto que revela os
objeto arquitetônico e tornando possível a sua utilização. objetos através de valores cromáticos e tonalidades. Muitos
contrapõem-na à magia dos negros fazendo as pessoas
Para resolver o paradoxo de criar um estado estável em imaginarem o que está para além das figuras imersas na
uma condição de fluxo instável, como é o que se apresenta penumbra.
no mundo natural, no qual a luz do macro ambiente muda
constantemente de qualidade, direção, intensidade, cor e
distribuição, o arquiteto tem à sua disposição os elementos
estruturais e de vedação da arquitetura - peles, vãos, filtros -
e os aparelhos de iluminação noturna. Muito da qualidade
arquitetônica advém da manipulação desses elementos e das
relações propiciadas por eles. “Fazer luz" passa a não ser t
mais revelar o mundo e os seus mistérios, e sim acrescentar
à realidade uma nova validade qualitativa, talvez rica em
mistérios, talvez clara e envolvente. Entretanto, adotar
soluções radicais como edifícios privados de janelas para
Fig. 5 Meditação, de Rembrandt.
evitar o problema, ou pelo contrário, revestir de vidro o
edifício inteiro, não se preocupando com os problemas Também no teatro e no cinema a luz é empregada para
advindos da sobrecarga térmica e luminosa, não parecem ser construir espaços e suscitar emoções, conquistar maior
soluções otimizadas. tensão poética e, melhorando a sua qualidade, modificar o
relacionamento dos usuários com o espaço, do qual é
Interferir com a luz em um ambiente significa, antes, elemento fundamental. O cinema escreve-se com a luz, faz-
modificar o espaço do homem criando uma nova definição de se atmosfera que sublima, exalta, alude, cria transparências,
“paisagem” e “atmosfera". A prerrogativa da luz construir confere à realidade componentes oníricos, mostra as relações
espaço e suscitar emoção é mais facilmente percebida na entre as coisas e entre as pessoas. Em uma cenografia pobre
pintura, no teatro e no cinema. Na pintura a luz é elemento um refletor oportunamente orientado pode dispor uma
fundamental para qualificar a obra através da atenuação ou perspectiva encantada. Na realidade cinematográfica todas
ênfase dos contrastes, sublinhando os conteúdos das obras. as coisas dividem-se entre luz e sombra, pois estas são o seu
24

fundamento.
quente ou fresco, pode ser úmido ou seco, pode emitir um
suave perfume ou cheirar a mofo, pode ser abafado ou
ventilado, suas superfícies podem ser agradáveis ao tato ou
ásperas e repulsivas.27

Embora esses elementos “instáveis" sejam os de mais


difícil domínio, quando pensados como “matéria”, podem ser
Fig.6 e 7 Peça teatral Medeia e Cena do filme Metrópolis. controlados conforme a intenção do arquiteto. A luz natural é
No teatro a luz não somente ilumina as coisas, mas deve um desses elementos "instáveis” que envolvem a arquitetura,
revelar-lhes a mais intima natureza, o valor expressivo, a podendo ser uma das diretrizes de projeto fundamentais na
capacidade comunicativa transformando assim a realidade identificação e caracterização de lugares concretos e
em evento A arquitetura pode inspirar-se nisso para específicos: lugares com baixa luminosidade, lugares com
entender o projeto não mais como produto, mas como luminosidade gradual, lugares escuros com feixes de luz
acontecimento Pois na arquitetura-evento estabelecem-se dramática (como nos teatros), lugares fortemente iluminados.
lugares, relações e ambiências. Pode-se dizer, então, que a A matéria luminosa pode evidenciar a arquitetura, estimular a
luz enfatiza uma outra dimensão, porque àquelas três psique humana, facilitar as ações das pessoas tornando os
dimensões clássicas junta-se outra psicológica e emocional espaços confortáveis, modificando a visão da volumetria do
do fruidor no transcorrer do tempo. ambiente alterando as três dimensões da arquitetura.
Também as sombras e as obscuridades são componentes da
No processo de projeto são manipulados vários tipos de
luz e através delas é possível perceber a tridimensionalidade
"materiais". Materiais "estáveis” - tijolos, concretos, vidros,
dos objetos, conferir ao ambiente uma magia que de outra
etc. - e materiais “instáveis” - luz, som, temperatura, odor,
forma não se obtém.
etc. - que
oue interferem ™ percepção das texturas, cores,
intRrtpram na
tamanhos e nos efeitos variáveis com o
As qualidades "instáveis"da luz natural podem também ser
configurações possíveis utilizando passar do tempo. As
estimulantes e auxiliar o projetista a definir ambiências.
infinitas. O interior de um ambiente esses materiais são
Naturalmente elas já se alteram com o passar das horas e
iluminado, pode amortecer o som ou pode ser escuro ou
difundi-lo, pode ser das estações, e ao transpassarem a camada atmosférica e as
27 Unwin, Simon. Análisis de Ia arquitectura. Barcelona: Gili 2003. p.25.
25

nuvens. Mudam suas intensidades e cores ao transpor filtros iluminação de um lugar de contemplação e oração difere
e envoltórios diversos, alterando a forma de penetração nos muito das necessidades lumínicas de um lugar para se fazer
edifícios. Quando os volumes internos de um edifício são compras. Afinal, a luz é inseparável do tema dado no
iluminados com meios naturais ou artificiais, cria-se na programa. A escolha da quantidade e qualidade da luz
realidade um novo ambiente luminoso, projetado e mantido depende principalmente do tema.
para um específico conjunto de necessidades visuais e
perceptivas. Na tentativa de criar um ambiente estável deve- No entanto, o olho humano requer pouco contraste em seu
se considerar a variabilidade da luz natural nos seus aspectos campo de visão. E isso não significa que o olho “deseje” uma
de qualidade, direção, cor e distribuição. E questionar até que iluminação adirecional, uniformemente distribuída, pelo
ponto interessa criar ambientes “estáveis”, haja vista que são contrário, os objetos vistos exclusivamente em uma luz difusa
são muito difíceis de se avaliar corretamente. É necessário,
a mutabilidade e a variedade os fatores que caracterizam a
vida. então, saber dosar a luz, a sombra, a semi-obscuridade que
devem ser plasmadas para testar e indagar sobre as futuras
experiências visuais. O problema relativo ao controle
luminoso pode então ser resolvido somente se a iluminação
diurna torna-se parte integrante e determinante no processo

/I de projeto.

Apesar do exposto anteriormente, sabe-se que o processo


Fig.8 e 9 Casa de vidro de Lina Bo Bardi - anos 50 e atual.
de concepção em arquitetura é muito complexo, haja vista os
É preciso ciência de que um lugar pode mudar múltiplos fatores intervenientes e as inúmeras opções
radicalmente sua ambiência segundo o modo como são possíveis. Por exemplo, mesmo partindo de diretrizes
manipuladas suas relações e elementos construídos. Por semelhantes, ligadas à luminosidade dramática que o tema
exemplo, um ambiente envolto por planos de vidro religioso exige, arquitetos podem chegar a projetos
transparente terá qualidades lumínicas bastante diversas de diversos.28 É o caso da igreja do Monastério de Sainte Marie
um ambiente, com dimensões semelhantes, mas envolto por de La Tourette (1952-59), perto da vila Eveux-sur-l’Arbresle a
peles opacas e com uma pequena abertura no teto. Assim
como certas atividades requerem luminosidade específica: a 2S Gasperini, Gian Cario. In: Exame de Qualificação de Paulo Bamabé. São Paulo,
2004 - FAU/USP.
26

oeste de Lyon na França, de Le Corbusier e a Catedral


essencial do sagrado era revelada pela luz e pela matéria
A Metropolitana de Brasília (1958) de Oscar Niemeyer. bruta. Cada parte do monastério foi definida de acordo com o
m
a tempo e sua luz, permitindo que os monges vivenciassem a
Em La Tourette, Le Corbusier mostrou uma atitude oposta
passagem dos dias e das estações. A luz era o “ornamento"
ao pragmatismo moderno de sua fase purista. Referenciou
para todas as formas brutas do edifício, dando vida ao ritual
sua arquitetura ao programa de uma comunidade que não
e. diário do monastério, revelando o material difusor
mudou muito desde a época de sua fundação Uma
comunidade que requeria uma obra na qual a arché, a uniformemente utilizado: o concreto aparente - a luz
autoridade, decorresse de sua permanência, de revelando o trabalho formal das madeiras impressas em suas
seus
princípios, de seus rituais do dia a dia. A partir disso, superfícies desformadas.30
o
arquiteto descobriu novamente o valor da tipologia e
a
importância em reler, adaptar, interpretar numa linguagem
atual, sem partir de uma “tabula rasa". Certamente
a chave
que norteava o projeto era a luz, e a luz iluminava
as formas,
e as formas tinham um poder emocional".29

Assim como já havia ocorrido em Ronchamp (1950), La ourette.


Tourette demonstrava a evolução do seu pensamento O acesso à igreja foi estabelecido por uma rampa
moderno que agora retomava a idéia da luz e da sombra, dos descendente iluminada homogeneamente pela lateral através
cheios e dos vazios, dos “buracos" na parede. O partido geral de extensas janelas, as “ondulatoires”, ritmadas por placas de
proposto por Le Corbusier expressava a dualidade de uma concreto intercaladas por planos de vidro transparente de
comunidade que vivia entre seus estudos privados e seus diferentes larguras, do piso ao teto. A rampa era o primeiro
serviços comunitários, através de diferentes experiências em ato de submissão, induzindo os fiéis a baixarem a cabeça,
espaços ora iluminados, ora penumbrosos. As formas e a luz olhar o chão humildemente antes de entrarem no espaço
no monastério eram uma composição dialética revelando o sagrado. A igreja parecia, assim, escondida na escuridão,
perpétuo conflito entre o sagrado e o profano. A experiência embrando uma caverna". Por instantes, as pessoas ficavam

29 Le Corbusier apud Millet, Manetta S. Light revealmg architecture. New York: A^X'p Yuk'° (Or9 )' L'9ht^Pace. Tókio: GA especial,
Nostrand Reinhold, 1996, p.76.
27

paralisadas até seus olhos ajustarem-se ao baixo nível sagrado centralizado em sombra, visível aos monges e aos
luminoso e haver uma compreensão do espaço. A percepção fiéis que se aproximavam dele por lados opostos.
do todo era gradual, as partes delineadas pela luz de forma No projeto da Catedral Metropolitana de Brasília, Niemeyer
seqüencial, não sendo possível ter uma noção do conjunto de também usou a luz e a sombra como diretrizes projetuais.
uma vez. A exigüidade de envidraçados garantia a relativa Nela encontram-se diferenças e semelhanças em relação à
escuridão e a localização dessas aberturas modelava o La Tourette de Le Corbusier.
espaço.

Fig.16 Croquis de Oscar Niemeyer para o projeto da Catedral de Brasília.

O partido geral define-se pela contraposição entre a


Fig.14 e 15 Interior da Igreja de La Tourette. luminosidade externa intensa da abóbada celeste tropical e
uma luminosidade interna que é resultado da transposição da
A igreja apresentava-se, então, como um grande e alto
luz através das peles duplas de vidro e do vitral do envoltório
espaço prismático em forma de paralelepípedo com rasgos
da cúpula da catedral, ambas intermediadas por um túnel de
de luz situados ora ao nível do teto, ora ao nível dos bancos
acesso em plena escuridão. A partir de um retângulo negro
de oração. A luz também marcava um rasgo do piso ao teto
no piso branco da praça, a entrada “(...) em rampa leva,
provocando feixes de luz e evidenciando a verticalidade da
deliberadamente, os fiéis a percorrer um espaço de sombra
caixa. A penumbra predominava e a reduzidíssima luz vinha
antes de atingir a nave, o que acentua pelo contraste os
canalizada por pontos focais estratégicos, enfatizados pelo
efeitos de luz procurados".3' Além de marcar o primeiro ato
uso de cores primárias. Sobre os quatro altares laterais em
de submissão das pessoas, assim como foi verificado
desnível, onde os freis faziam celebrações individuais, foram
anteriormente na rampa descendente da Igreja de La
alocados canhões de luz em ângulos diferentes, sublinhando
Tourette.
o caráter subterrâneo dessas capelas. Essa luz misteriosa
provocava uma atmosfera mística semelhante àquela dos Esse projeto certamente considerou o fato de que as
antepassados da primeira parte da Idade Média, enfatizando
a distância entre a porta mundana de acesso e o altar 31 Niemeyer, Oscar. A catedral. Módulo, n.11, 1958, p.7.

d
28

passagens escuras desorientam, espantam, preparam para Dois ícones desse retorno a valores típicos dos templos
vivenciar outras luzes, mas antes de tudo fazem emergir uma antigos materializaram-se na proposta do arquiteto: a idéia do
faculdade desconhecida: da alternância de luz e sombra rústico da arquitetura paleocristã, suas passagens
percebe-se um tempo espacial que nào tem nada a ver com subterrâneas e criptas; e a lanterna que encima a cúpula da
aquele do relógio. Assim acontece ao passear por uma igreja renascentista, usada agora agigantada, como a própria
cidade antiga escura, onde a rua determina passagens nave. Outro elemento simbólico foi o uso da planta circular: o
c
labirinticas. muitas das quais estreitas e escuras. Percorrê-las círculo é a imagem da perfeição e da totalidade, desenha
é como caminhar através de um acontecimento de claro- uma metáfora do cosmos, da terra e do céu entrelaçados.
escuro, de contínuo nascimento e renascimento espacial, de
variadas percepções qualificadas. Quando os fiéis aproximam-se do templo, percebem os
poucos signos iconográficos da cultura cristã: uma esbelta
cruz metálica colocada sobre a nave e um campanário solto
sobre a plataforma. Externamente, a Catedral é uma
composição de alguns elementos simples distribuídos sobre
uma esplanada, pano de fundo para o “espetáculo
arquiteturar o campanário, o corredor de acesso ladeado por
estátuas, o volume da nave maior, a massa rotunda fechada
Fig.17 e 18 Rua em Siena. Itália e exterior Catedral de Brasília.
do batistério e o plano curvo que indica sua entrada. Todos
Niemeyer geralmente optou por subverter o corriqueiro, o
visíveis para quem transita pela Avenida dos Ministérios.
usual. Nos vários edifícios religiosos que projetou fica
evidente a sua liberdade, sem angústias e inquietudes éticas,
fatores limitantes aos europeus. Lendo o memorial do projeto
percebe-se referências históricas que inspiraram o arquiteto e
demonstravam que ele também se rendia a tipologias:
Pantheon romano, Catedral de Chartres, Templo Redondo de
Bramante.32 Fig. 19, 20 e 21 Sequência acesso à Catedral de Brasília.

32 Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São Nessa esplanada de acesso nem todos os elementos são
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, pp. 151-160. abstratos. As estátuas de bronze, realizadas por Alfredo
e 29

Ceschiatti, fazem novamente citações indiretas às antigas que em outros de seus edifícios é resolvido com uma faixa de
igrejas e diretas às esculturas realizadas por Aleijadinho na sombra. "Assim vinte e um montantes, contidos numa
Igreja de Congonhas do Campo, em Minas Gerais. Atitude circunferência de 70 metros de diâmetro, marcam o
repetida no interior da nave, onde três anjos de bronze, do desenvolvimento da fachada, uma composição e ritmo como
mesmo autor, suspensos no teto, insinuam-se no exterior de ascensão ao infinito".33
através da transparência dos planos de vidro.
Já para o acesso Niemeyer não propôs um pórtico
monumental como era de esperar para um grande templo. A
entrada é um plano retangular negro e centralizado no piso da
praça, totalmente em sombra, quase imperceptível para quem
passa pela Avenida dos Ministérios, onde o acesso ao túnel,
em rampa descendente, leva diretamente à nave principal
Fig.22 e 23 Interior Catedral de Brasília.
rebaixada em três metros do nível da esplanada. O adentrar
A nave, inicialmente proposta como um cilindro, define-se
por uma passagem sombria, antes de se introduzir sob a
através de uma série de estrias de concreto e planos de vidro coroa de concreto e vidro, é um artifício que reforça, por
refratário, placas poligonais inseridas em uma malha contraste, a intensidade luminosa e o dinamismo em
metálica, conservando a transparência do conjunto. Essas ascensão do espaço interno, além de novamente fazer uma
estrias - colunas de concreto delgadas, inclinadas e referência explícita aos antigos templos.
ascendentes - determinam o volume da Catedral, surgindo de
uma dupla inclinação e dirigindo-se ao céu e à terra, na qual A sombra, quase escuridão em certas horas do dia,
um espelho d’água ajuda a aumentar a sensação de leveza, acentua-se pelos revestimentos escuros e pelas dimensões
de volume que flutua, capaz de enganar o espectador quanto reduzidas do túnel de acesso. O contraste estabelecido entre
as suas reais dimensões. Niemeyer implanta o edifício sobre essa descida escura e a luminosidade intensa da nave,
essa lâmina d'água para ocultar a base das colunas, dando a proporcionada pelos painéis de vidro entre os montantes, foi
entender que ela nasce das águas, fato que contribui para atenuado recentemente com a instalação de um vitral,
atenuar o impacto de todo volume sobre o solo - lições de originalmente previsto, de Mariane Peretti. O vitral nas cores
sua viagem a Veneza. Elimina, assim, o problema das zonas azul, verde e branco, torna mais branda a luminância interior,
de transição entre o edifício e o ambiente exterior, problema
33 Niemeyer, Oscar. A catedral. Módulo, n.11, 1958, p.8.

í
30

criando zonas de menor luminosidade, fragmentando a Essa relação com a luz do Pantheon romano ocorrería em
Ai iluminação que antes era mais homogênea. Nesse espaço de outro projeto: a Mesquita de Argel (1968), onde uma abertura
m
a luz cristalina entremeada por cores, associada às vistas do zenital projetaria um feixe de luz como um relógio de sol,
céu enquadrado pelos arcos de concreto, a atração pela irradiando luz na forma rotunda de suas paredes, inserindo
altura é tão irresistível como numa ossatura de catedral assim uma solene monumentalidade, uma relação direta
e. gótica, mesmo o espaço sendo configurado de uma forma entre o sagrado e o homem. Nela predominaria uma única
diferente. linha curva que sairia do pavimento térreo e seguiría sem
interrupção até o vértice da zenital em luz. O edifício flutuaria
todo branco sobre um espelho d’água e sua forma ganharia
uma qualidade etérea, leve, elegante.

Mas em relação a Catedral de Brasília nem tudo é tão


iluminado. Seguindo por um túnel à esquerda de quem entra
na nave principal, encontra-se o batistério. Um espaço
inserido em uma forma oval, uma cobertura abobadada
Fig24 e 25 Pantheon romano e croqui de Niemeyer Mesquita de Argel. rotunda, uma casca de concreto aparente com textura suave,
concêntrica, com uma sanea de iluminação artificial na parte
Os templos de planta circular possuem grande força
inferior, sob a qual encontram-se pequenas aberturas em
centripeta, concentram as imagens em um ponto de vista
todo perímetro. Através delas entram feixes de luz natural,
privilegiado, permitindo ao usuário visualizar a perspectiva do
dando a impressão que toda a cúpula flutua. Outra fonte de
conjunto desde seu núcleo geométrico - sensação
luz natural significativa vem do vão de uma escada circular
semelhante à percebida no Pantheon romano. A grande
em concreto aparente, que ascende diretamente à esplanada
lanterna projeta uma luz materializada, matizada pelo colorido
da praça superior. As paredes do batistério são revestidas
vitral, tipologicamente semelhante ao Pantheon onde um feixe
com pequenos azulejos azuis, verdes e brancos, formando
de luz cruza o vazio na forma de um cone, segmentando o
um painel assinado por Athos Bulcão.
espaço geral em espaços particulares. Niemeyer retomou
assim a temática do espaço sagrado, mas subverteu o
Outro espaço em penumbra é a pequena capela com uma
modelo e propôs um cone cilíndrico de luz permanente.
cripta, localizada sob o altar, onde ocorre novamente a
31

gradação de intensidade luminosa: da claridade da nave mesmos reforçam o caráter tátil, ótico e natural com cores e
superior desce uma escada chegando à penumbra da capela, texturas diversas, além de interferir no grau de transparência
local de maior recolhimento. e opacidade; conectar ou separar o interior do exterior - as
interferências feitas no envoltório (tipos de aberturas, filtros e
vãos) serão decisivas na forma como a luz adentrará nos
espaços interiores e na maneira como o jogo de luz e sombra
modificará a articulação volumétrica; unir, diferenciar,
conectar ambientes; bem como dirigir e orientar,
estabelecendo pontos focais, hierarquias e movimentos
dinâmicos; enfatizar no espaço um sentido de verticalidade ou
Fig.26 e 27 Capela e Cripta da Catedral de Brasília.
horizontalidade; juntamente com a sombra, modificar as
Visitando a Catedral, permanece na memória a forma proporções óticas do conjunto edificado e seus detalhes,
expressiva e as experiências pela
proporcionadas promovendo efeitos de leveza ou peso - como também
manipulação da luz como diretriz de projeto. A simplicidade reforçar volumes e perfis, marcar articular
acessos,
na proposta simbólica conduz o usuário a refletir sobre o superfícies e projetar rendilhados; criar atmosferas, podendo
sagrado, curvar-se ao descer por uma rampa em penumbra, simbolizar ou representar uma idéia, um conceito, um valor
visualizar uma possibilidade de redenção no final do túnel e como o cosmos, a vida, a morte, o sagrado e o profano; bem
entrar num espaço mágico. como promover associações, podendo expressar
sentimentos. Enfim, uma boa iluminação molda e modifica a
Do exposto pode-se deduzir a importância da luz natural realidade, condicionando o estado de ânimo das pessoas e
na concepção do projeto. E concluir que nesse processo sua percepção geral dos ambientes que vivenciam.34
interagem múltiplas relações e elementos que definem
aspectos específicos do objeto construído. Pois, dentre tantas UW
possibilidades citáveis, a luz pode: revelar ou desmaterializar
formas, espaços e superfícies; relacionar a obra com seu
contexto físico-cultural, seu clima e sua orientação; promover
a percepção do tempo com dinâmicos efeitos cinéticos;
34 Ponte, Silvio de. Architetture di luce. Luminoso e sublime nottumo nelle
condicionar a escolha de uma pele, de uma matéria, pois os discipline progettuali e di produzione estetica. Roma: Gangemi, 1999, p.22.

J
I

CAPÍTULO II

A LUZ NATURAL E AS RELAÇÕES LUMINICAS NA ARQUITETURA


CAPÍTULO li

A LUZ NATURAL E A$ RELAÇÕES


LUMÍNICAS NA ARQUITETURA
"Arquitetura consiste em ‘relações’, é pura criação do espírito’Le Corbusier.

No complexo processo de concepção em arquitetura o uso


da luz como diretriz de projeto denota uma série de relações
- geométricas, funcionais, comportamentais, culturais,
estéticas e técnicas. Projetar em arquitetura é estabelecer um
sistema (um “campo de forças”) de elementos e relações
hierarquicamente ordenados em busca de unidade: cada um
deles com seu valor próprio; porém, limitado, condicionado e
enriquecido por sua articulação com os demais.1 Ao arquiteto
compete selecionar, questionar e agregar essas relações e
elementos ao corpo das soluções que definirão a qualidade
de seu objeto construído. Afinal, “(...) estabelecer relações é
distinguir o que une e o que separa - identificar diferenças,
que acabam sendo fatos de experiência’’.2

Os “(...) elementos arquiteturais são a luz e a sombra, a


parede e o espaço”.3 Com suas relações mútuas -
geométricas ou ordenadoras, expressivas ou vitais
(movimentos e tensões) - compõem o fato arquitetônico em
sua plenitude, distinguem diversos valores que se

' Araújo, Ignácio. La Forma arquitectonica. Pamplona: Eunsa, 1976, p.22.


2 Bergson, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.83.
3 Le Corbusier. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973, p.XXXI.
36
investigação de suas implicações no todo, porque arquitetura
referenciam na sua força evocativa.
requer sempre um processo de síntese.
A luz manifesta-se na arquitetura através de um sistema de
relações em função de sua capacidade de modelar Discorre-se, a seguir, sobre as relações entre luz, clima e
superfícies e volumes, estruturar e delimitar espaços, realçar lugar, enfatizando como esses elementos interagem
ou amenizar texturas e cores; tornando-se assim um meio diretamente na vida das pessoas, nas suas habitações e nos
construtivo fundamentalmente expressivo. O ato de iluminar seus rituais diários; sobre as relações entre luz e tempo,
quase sempre se baseia em parâmetros funcionais, modificando as qualidades das formas e espaços; sobre as
simbólicos e estéticos. A experiência pessoal, a vivência dos relações entre luz e forma propiciando diferentes percepções
espaços e seus elementos constitutivos são as condições através de seus envoltórios, aberturas, filtros, estruturas,
para identificar as associações, as intenções de projeto. Pois materiais, texturas e cores; sobre as relações entre luz e
a luz constrói e media a relação entre o espaço e a dimensão espaço, permitindo unir, diferenciar, conectar espaços, bem
psíquica que o sujeito usufrui, tornando perceptível o como dirigir e orientar, estabelecendo pontos focais,
movimento, ordenando e definindo todos os fenômenos hierarquias e movimentos dinâmicos; e finalmente sobre as
reais.4 relações entre luz e sombra contrapostas reforçando
volumes e perfis, enfatizando efeitos de leveza, marcando
Neste capitulo pondera-se sobre alguns exemplos dessas
acessos, articulando superfícies, projetando rendilhados.
relações lumínicas. tendo como referência a vivência pessoal
nas obras dos arquitetos modernos brasileiros selecionados.
E para captar as possibilidades expressivas e configuradoras
da luz, segue-se um método que decompõe o problema em
elementos, sem perder de vista que este estudo nunca
prescinde de uma visão ampla. O desenvolvimento, portanto,
não se baseia apenas no valor expressivo e evocativo das LUZ, CLIMA £ LUGAR-
partes transfiguradas pelo poder da luz e da sombra, mas na "Todo lugar tem sua luz"- Norberg-Schulz.

4 Dierna, Salvatore. In. Ponte, Silvio de. Architetlure di luce Luminoso e sublime Quando as pessoas conhecem um lugar, este desperta
notturno nelle discipline progettuali e di produzione estetica Roma: Gangemi,
expectativas quanto aos seus ritmos de luz e sombra,
1999, p.15.
37

claridade e obscuridade, brilho e opacidade.5 Cada lugar, coisas. Nele a rocha e a montanha parecem anular-se entre
cada paisagem do lugar, frequentemente se define por dunas de areia. E as pirâmides destacam-se sobre o fundo do
combinações inumeráveis que se revelam na luz direta e deserto como dois planos de claro-escuro contrastados. A luz
indireta. Luz que se projeta revelando os edifícios ou que se vibra sobre suas paredes permitindo que a massa da
reflete caracterizando os ambientes internos e externos pirâmide (figura) se recorte sobre o fundo (deserto e céu)
desses mesmos edifícios. manifestando todo seu potencial expressivo, consequência da
luz e da limpeza da atmosfera.
Cada lugar possui características específicas de luz, do
qual as pessoas guardam lembranças. E que pode ser
analisado sob o prisma de suas condicionantes físico-
culturais ou por sua aparência em virtude das variações das
qualidades lumínicas com o passar do tempo e das estações.
Fig.28, 29 e 30 Pirâmides, floresta nórdica e região mediterrânea (mykonos).

Seguramente, a influência do clima é a origem do modo de Na floresta nórdica, ao contrário, os contrastes são menos
iluminar a arquitetura. E são muitos os climas, “(...) climas de nítidos, a luz infiltra-se através de nuvens e folhagens, para
inverno e de verão, climas de luz e de calor, climas de criar pitorescas imagens. E no ambiente encoberto e cinza de
transição entre interior e exterior, climas na arquitetura Paris, onde a luz também se apresenta matizada, ocorre uma
popular ou na arquitetura representativa, climas naturais ou situação similar: ali as formas não podem realizar-se com a
climas artificiais e, por último, estão os climas que não são rotundidade das pirâmides, apenas através de superfícies
necessariamente mensuráveis, os climas sensoriais, de tato, descontínuas, porque ao incidir a luz sobre elas é preciso
visuais, auditivos, estéticos e psicológicos com os quais gera- obter uma vibração superficial para se conseguir uma certa
se a infinita variedade dos espaços arquitetônicos".6 expressividade. Os arquitetos barrocos da Europa Central o
compreenderam assim e projetaram fachadas ligeiramente
No deserto equatorial, por exemplo, a luz é intensa e as
onduladas nas quais ao se incidir a luz - a meia luz -
sombras fortes a ponto de fazer "vibrar” e "dissolver” as
apareciam sombras tênues de grande extensão, produzindo
5 Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold,
1996, p.6.
6 Serra, R Sistemas Especiales Luminicos. In: Clima, Lugar y Architectura. 7 Norberg-Shulz, Crhistian. In: Plummer, Henry. Poetics of light. Tókio: A+U-
Barcelona: Cimat, 1986, p.7. Publishing N.12, 1987, p.5.

d
38

efeitos suaves. pessoas, determinam uma "atmosfera".

Já na região mediterrânea, a luz enche os espaços com a


sua presença dourada e revela cada coisa contra o céu. Nela
um cubo branco recorta-se do entorno e sua torma
condiciona-se pela atmosfera límpida, evidenciando bem os
locais iluminados das áreas em sombras enfáticas.
I l ■.


Hg 33. 3^ e 35 Casa japonesa, janela holandesa (pmt. Piter de Hooch) e janela italiana.

Esse espirito do lugar" pode ser transmitido pela resposta


sensitiva para a sua luz. O povo japonês, por exemplo, tem
'!• tradicionalmente preferência por sombras: "Se na casa
%
japonesa o beirai do telhado sobressai tanto é devido ao
clima, aos materiais de construção e a outros fatores sem
dúvida. A falta, por exemplo, de tijolos, vidros e cimento para
rig.31 e 32 São Paulo e Rio de Janeiro proteger as paredes contra as rajadas de chuva, favoreceu
Portanto, quando as pessoas conhecem um lugar, sabem projetar o telhado avançado de maneira que o japonês, que
como sua luminosidade difere de qualquer outro em um dado também havia preferido uma casa clara a uma casa escura,
momento. Percebem os seus ritmos de luz e sombra, de se via obrigado a fazer da necessidade uma virtude. Porém,
claridade e obscuridade. Quando pensam nas cidades de São isso que geralmente se chama belo não é mais do que uma
Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, lembram de suas subhmação das realidades da vida, e assim foram com
principais características lumínicas: um céu nossos antepassados, obrigados a residir, querendo ou não,
predommantemente encoberto na "terra da garoa" e um céu em vi vendas escuras, descobrindo um dia o belo no seio da
normalmente iluminado por um sol tropical na "cidade ombra, e não demoraram em utilizar a sombra para obter
maravilhosa". Essas luzes arquetípicas dizem onde estão, efeitos estéticos".'0
como estão em certos lugares e. junto das cores e de outras
9 Norberg-Shulz, Crhistian apud Millet. Marietta S Light reveahng
New York: Nostrand Reinhold, 1996, p.8.
8 Araújo, Ignácio. La Forma arquitectomca Pamplona Eunsa, 1976, p. 161 10 Tanizaki, Junichiró. O elogio da sombra Madrid Siruela.1994, p.4 ■
39

As altas janelas holandesas e as janelas venezianas brasileira, adaptando-se às necessidades e ao clima local.
italianas são também exemplos que reforçam a importância Nesse sentido pode-se lembrar, por exemplo, das janelas
desses elementos definidores do "espírito do lugar”." Com fechadas com barras de madeira ou ferro, com barras de
suas várias folhas que protegem do sol e das vistas alheias, balaústre, com folhas de madeira maciça, com treliçados de
são fonte de expressão cultural em relação à luz, madeira (rótulas e gelosias), com balcões de muxarabi;
prolongando-se para além das necessidades práticas de depois as janelas do século XVIII e XIX, as janelas guilhotinas
iluminação e ventilação. quadriculadas e vedadas com vidro, as janelas venezianas
altas e baixas, etc. A imagem de fachadas ritmadas por essas
aberturas colocadas em seqüência caracterizou as vilas
coloniais e mais tarde os edifícios ecléticos do século XIX, no
Brasil.
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Fig.37 Algumas janelas usadas na arquitetura brasileira.

Portanto, o clima interfere diretamente na vida das


Fig. 36 Ouro Preto.
pessoas, nas suas habitações e nos seus rituais diários. O
Quando se projeta uma janela tem-se a oportunidade de caráter da luz, suas cores e ritmos tem implicações no
fazer muito mais do que oferecer vista ou permitir o adentrar “espírito do lugar", no conforto térmico e na cultura de um
da luz. O aspecto da janela é feito para revelar o caráter das povo. Antes do desenvolvimento das altas tecnologias de
paredes, dos materiais e dos métodos de construção. Se as conforto artificial, a arquitetura sempre foi uma resposta para
janelas estão adaptadas a um lugar, então podem dizer abrigar o homem contra o meio ambiente adverso.
respeito à qualidade da luz desse lugar.
A luz e a sombra podem, ainda, carregar uma mensagem
Muitas janelas projetaram a imagem da arquitetura colonial visual que transforma as realidades desconfortáveis de um
clima específico. Em um clima frio, um feixe de luz pode criar
Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York: Van Nostrand
Reinhold, 1996, pp 10-13.
um sentido de vitalidade e brilho para o interior; e as cores
40
12
amarelas e ouro podem tornar psicologicamente mais constante.
aquecidos seus ambientes. Já em climas quentes, como no
r Brasil, a providência requer áreas sombreadas e ventiladas.
3
O clima ensolarado provê meios para uma dramática
modelagem de formas, estas criam uma série de
composições mutantes com a luz solar movendo-se sobre
elas; e o fornecimento de sombras normalmente comunica
um confortável repouso ao sol escaldante.

De uma forma ou de outra, no decorrer desta tese, muitos


exemplos arquitetônicos ilustrados são resposta às condições Fig.38 e

climáticas e culturais. Mas a luz pode também sugerir outros No projeto da Rodoviária deArtigas
Jaú (1973),
lugares, outros tempos, outros signos. Pode não ter uma materializou uma grande cobertura suportada por pilares
relação direta com o “espírito do lugar" onde as pessoas egularmente distribuídos, sobre os quais pendem focos de
estão, mas lembrar de lugares que conhecem ou que está no uz. A imagem dos pilares que têm seus fustes acabados em
imaginário coletivo como, por exemplo, um feixe de luz que trama lembrando árvores, aliada à luz amarelada projetada
penetra uma profunda e escura floresta. obre esses pilares e a relativa penumbra proporcionada pela
xtensa cobertura, lembra imediatamente de uma floresta
Imagens de luz e sombra na natureza podem provocar
com algumas clareiras. Poeticamente a sombra pontilhada
modelos poderosos a serem utilizados como diretriz de
por focos luminosos exalta o céu, a estrutura liga-se a terra
projeto na qualificação dos ambientes. O uso poético da luz
adiciona novas qualidades para um determinado lugar. reforçando a tensão entre matéria e luz.
Associações são evocadas através do tipo de luz (intensa, meyer também fez analogias com nuvens e árvores
filtrada, difusa, fraca), de modelos de luz (salpicada, am JUSt'f'Car al9urr|as de suas intervenções. A marquise
mesclada, regular, fragmentada), de direções de luz, de cores ameboide e tema na Casa de Baile da Pampulha (1940), em
de luz, e de relações da luz com o contexto. Luz criando uma
conotação visual, sugerindo a presença de um valor Nostrand Reinhold,
12 Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York:
1996. pp.14-16.
41

Belo Horizonte. Sua sombra cria uma forma ondulante a Não se pode definir um espaço propriamente dito sem
projetar-se no chão em várias imagens no decorrer do dia. considerar as implicações que a luz natural promove. “E isto,
Pode-se dizer que lembra uma sombra proporcionada por um porque os estados de ânimos criados pelas horas do dia e
bosque ou por nuvens, que o seu autor diz ter ficado pelas estações do ano ajudam a evocar o que o espaço pode
admirando quando viajava de carro olhando estas formas ser".
mutantes, livres, metamorfoseando-se no céu.

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I 9to 1L_=
Fig. 42, 43, e 44 Museu de Frank Gehry, Minneapolis - luz e matéria modificando volumes.
eí-.
A luz está em constante processo de mutação. Dirige e
transforma com o passar do tempo, ora se projetando
Fig.40 e 41 Casa de Baile.
frontalmente, ora lateralmente com delicadeza. Ela pulsa em
intensidade, anseia por cores variáveis e sombras, escurece
e clareia, desaparece e reaparece. Formas absolutas são
cooptadas ao movimento, animadas por esse carrossel
luminoso, promovendo uma existência temporal. O mundo
torna-se vivo assim - sempre mudando e vindo a ser, sempre
ativo ao invés de passivo, sempre renovando e crescendo. Na
luz-tempo as coisas ganham formas múltiplas e perdem a
LUZ 6 76MPO. certeza objetiva no espaço. Mudança e crescimento são
qualidades inerentes ao processo da vida.14
O tempo então é mais que coisa:
é coisa capaz de linguagem,
e que ao passar vai expressando Pode-se então estabelecer uma analogia entre a luz do dia
as formas que tem de passar-se.
João Cabral de Melo Neto.
13 Kahn, Louis I. Apud Norberg-Schulz, Christian. Louis Kahn. Idea e imagem.
A luz marca a experiência que as pessoas têm do tempo. Madrid: Xarait, 1981, p. 12.
14 Plummer, Henry. Poetics ot light. Tókio: A+U-Publishing N.12, 1987, p.139.
42

e os ciclos da vida. A luz recomeça toda manhã após um


longo período de quietude, sua energia intensifica-se ao meio
Ai
m- dia e extingue-se apoteótica à tarde, finalmente dormindo à
a1
noite. O homem reage às variações da luz do dia: revigora-se
num dia luminoso, deprime-se ante a um dia obscurecido.

e. A luz do dia materializa o tempo e comunica, através dos JI L UI ■■

Fig.45, 46. 47 e 48 Igreja de Rouen


sentidos do ser humano, impressões tensas sobre o mundo
construído. Percebe-se o ir e vir da luz, a incidência do alto e Alguns pintores, como Claude Monet (1840-1926),
a rasante, mudando completamente de manhã à noite, registraram os sutis efeitos da luz diurna no decorrer do dia e
alterando quando a escuridão noturna enche o vazio. As das mudanças sazonais. Sua série artística “Igreja de Rouen"
estações transformam a terra com paletas cíclicas de cores narra as variações delicadas de efeitos luminosos nas várias
luminosas e essas tensões cromáticas dão identidade horas do dia, evidenciando as instáveis tonalidades em
temporal diferente a cada clima. relação às múltiplas cores da luz. Cada toque de cor
correspondia a um fragmento de aparências visíveis rápidas,
Quais seriam as reações das pessoas caso vivessem em materializado pela técnica veloz da pintura, na qual a
um ambiente totalmente fechado, sem janelas, iluminado e percepção e a execução da obra coincidiam. Ele pintou luz: a
clímatizado artificialmente? Muito provavelmente pereceríam. luz do verão que faz o céu amarelo e as sombras violetas; a
Já existem estudos comprovando que o homem necessita da luz do inverno em que se evidencia o azul e o branco da
luz solar para manter suas funções biológicas e psicológicas neve, e a luz do pôr do sol que banha a pedra num arco-íris.
saudáveis.'3 Os seus ritmos biológicos são afetados pelas
alterações da luz do dia, mudando não só as atividades que o monumento foi pintado imerso em uma bruma
cercam na terra, mas também o corpo e psique vèem-se puscular e apresentado apenas parcialmente. O grande
influenciados por essas flutuações cíclicas. Porque a luz é Pano oblíquo estava torturado por escavações e saliências,
uma parte permanente da experiência de vida. aziam vibrar a atmosfera vaporosa sob o efeito de um
jogo de reflexões e dissolvências.16 A relação luz-objeto

15 Millet. Marietta. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold


16 Argan, Giulio Cario. Arte moderna. São Paulo: Companhia das
1996, p.1.
1998(1988], p. 99.
43

vinha invertida nessa obra, enquanto a entidade luminosa


abraçava a superfície, mas não aderia e o sujeito aparecia
como “em negativo", não precisamente delineado - restando
somente a memória das suas cores no tempo. Juntas, essas
pinturas revelam a inconstância da luz e das cores com o
passar do tempo, aliadas à transformação perceptiva das
formas - o ato específico impressionista era definitivamente a
descoberta da luz diurna.

Louis I. Kahn declarou certa vez: “Eu não tenho cor


aplicada nas paredes de minha casa. Não poderia perturbar o
milagre da luz natural. A luz realmente faz o ambiente. A
Os pátios internos têm a capacidade de intensificar as
mudança de luz de acordo com o tempo do dia e das
relações entre interior e exterior. Concentrar a percepção das
estações dos anos concede cor"}7 Em seu projeto para o
pessoas nas mudanças do tempo. Entre tantos exemplos da
Museu Kimbell (1966), em Fort Worth, Texas, montou suas
Arquitetura Moderna brasileira, pode-se citar a residência
estruturas para exposições deixando pátios intermediários,
Mário Taques Bittencourt 2 (1959) de Artigas, onde a
pontos estratégicos de descanso no percurso das visitas, interno,
transparência se dá em torno de um jardim
aberturas para ver a luz do dia. Ele tirou partido da
prevalecendo a integração física e visual entre os espaços
mutabilidade da luz solar e caracterizou cada pátio através de
cobertos e descobertos.
suas dimensões, materiais, vegetações, espelhos d’água,
obtendo efeitos por reflexões múltiplas. Esperava assim que
as obras de arte revelassem surpresas ao espectador; novas
características a cada mudança sazonal, aos humores
brilhantes e nublados da abóbada celeste.

17 Kahn, Louis I. apud Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York:
Nostrand Reinhold, 1996, p.28.
44

A
Esses pátios vegetados iinvertem a postura apenas oferecido a quem o observa
atentamente.
n contemplativa da natureza,
, substituindo-na por uma
a
experiência sensorial das r
mudanças da vida, levando a se
recompor de forma controlada
f


___ i a harmonia perdida entre o
homem e o tempo natural.
c

A luz pode também modificar a forma, interagindo com os


materiais do qual é
constituída, promovendo reflexos e
retrações, criando efeitos Fig-52 Edifício Oscar Niemeyer
,._j dinâmicos sobre a superfície no em Belo Horizonte: 7h, 9h, 1 ih. I3h, 15h.
contraste entre áreas sso também ocorre nos palácios do Planalto e do
sombreadas e áreas iluminadas. No
decurso de um período diário premo Tribunal Federal (1958) em Brasília, onde Niemeyer
a percepção de uma
composição arquitetônica pode variar, P pôs colunas pictóricas definindo a caixa envoltória externa,
pode ser iludida quanto
a seu real formato, peso ou matéria. ealizadas para que se passeie por entre elas, proporcionam
um espaço qualificado mutável assumindo "aspectos
O edifício Oscar Niemeyer (1954) em Belo Horizonti
ricos e variáveis". As colunas, quando vistas em
exemplo, definido por uma planta amebóide, é :e, por
agonal, são ambíguas - meio parede, meio coluna. Estreitas
circundado por quebra-sóis - placas horizontais d todo
base, largas no encontro do piso térreo, curvas que
regularmente dispostas e espaçadas, sobre le concreto
as quais a minuem até encontrarem-se em um ponto reduzido na laje
incidência solar variável cria efeitos
múltiplos, a cada e cobertura. Sao colunas que iludem, parecendo ser elas as
momento promovendo uma leitura diferente
da fachada, doras da sustentação estrutural, quando na verdade
modificada pelos reflexos de luz sobre os |
penas auxiliam, mas conforme varia a insolação durante as
destes brises, e as sombras escuras sãoplanos horizontais
reforçadas pelos oras do dia, sombras multiplicam-se sobre seu revestimento
reflexos da pele de vidro posterior. Essa
metamorfose ármore branco. E um olhar oblíquo sobre estas permite
constante impressiona os observadores. De um mesmo ponto
eber outras formas, nuanças, formas sobre formas,
de vista nunca se obtém a mesma leitura formal, aproximando
s sobre curvas, enriquecidas por imagens em constante
o edifício dos conceitos da arte cinética, nos quais com a
Ção, semelhantes à arte cinética. As visuais desse
variação da luz obtém-se mudança no resultado plástico
P o são sempre variadas, caracterizando-se por ser uma
45

varanda de múltiplas facetas.18


LUZ £ FORMA
“Nossos olhos são feitos para ver as formas sob a luz". Le Corbusier.

A luz é um elemento fundamental no processo perceptivo


das formas. Através da percepção e sugestão formal ativada
pela luz, pode-se conhecer os objetos que cercam as
pessoas. A luz depende da forma para refleti-la, assim como
a forma não é perceptível sem a luz para revelá-la. Nesse
processo pode-se considerar a luz como matéria
arquitetônica, instrumento de concepção, assim como o
mármore e o concreto.19

A luz muda constantemente suas características


Fig. 53 Palácio do Planalto.
luminosas, mas é percebida como forma estável. Uma parede
pode mudar suas características drasticamente conforme a
luz se move sobre ela, e ainda assim ser lida como uma
forma estável. No entanto é a mutabilidade da luz que
enriquece e dá expressão à superfície dessa parede, sem o
quê tem-se uma certa monotonia.

Quando a luz projeta-se sobre a massa de um edifício,


determina a sua volumetria em um jogo de claro e escuro que
revela as formas. Esse jogo de volumes reunidos sob a luz
fez-se particularmente vivaz na Ville Savoye (1928) de Le
Corbusier. Nela a luz é aplicada como fator ambiental,

Barnabé, Paulo M.M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São 19 Millet, Manetta S. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold,
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.144. 1996, p.47.
46

utilizada para modular os volumes e para evidenciar as volumes, sem que essas, tornadas parasitas, devorem o
perspectivas variadas numa osmose perfeita entre interior e volume e o absorvam em seu proveito...”.20 Pois é sob a luz
A
ir exterior Essa casa é um paralelepipedo branco suspenso por natural que os envoltórios podem ser interpretados como o
a
leves pilotis. posto sobre um corpo reentrante, escuro, com limite entre a forma e o espaço, unindo-os ou separando-os,
algumas aberturas vidradas. afetando a ambos com suas características de textura em
relevo, de rugosidade superficial, de leveza ou peso. Além de
e A obra de Gregori Warchavchik, sob forte influência de
poder evidenciar-se como peles, conforme a luz incida sobre
Adolf Loss. Walter Gropius e Le Corbusier, era, nesse
eles. Porque neles se manifesta o caráter racional ou
sentido, similar. Postulava por uma volumetria asséptica, na
romântico da intenção do arquiteto configurador.
qual imperasse a rigidez geométrica de paredes limpas e
brancas, projetando sombras negras cambiantes em suas Muitos dos princípios modernos surgiram nesse limite entre
reentrâncias e saliências. Seus envoltórios caracterizavam-se erior e o exterior. A manipulação da superfície era o
pelo contraponto entre opacidade e transparência, seus P cipal fator de revelação da luz, do espaço e do suporte
espaços internos eram predominantemente claros. t utural moderno. Era no envoltório que as decisões sobre o
g u de opacidade ou de transparência determinavam a
q ificação da plástica externa e do espaço interno. Na pele
L. ' ' edifícios concentrava-se o maior número de decisões e
c i TEF7
ações projetuais, que iam desde o partido estrutural,
as condições de iluminação, insolação e conforto
e mico, até a segurança, os problemas de manutenção e,
P ncipalmente, a expressividade das fachadas.22 Através da
Pele um objeto arquitetônico relacionava-se com a estrutura
orma e do espaço que encerrava, retratando os
Ll/2 E EM/OLTÓRÍO.
e ementos parietais e a cenografia dos vazios.
Se a arquitetura é um “(...) jogo sábio, correto e magnífico Araújo, Ignácio. La Fnrm^U' e Ura Sã° Paulo: Perspectiva, 1973, p.21.
dos volumes reunidos sob a luz," então, ao arquiteto cabe a Gaspenni Gian Cario 3 ^qu"ec,onica Pamplona: Eunsa, 1976, p.83.
contemporânea em arn t ,ext0 e Tecnologia O pro/eto como pesquisa
tarefa de “(...) fazer viver as superfícies que envolvem esses Arquiteiura) - fau/USP 11 Sa° Paul0' 1987 Tese <Livre docência em

I
47

Um dos elementos mais importantes na adaptação do mais complexa. Muitas vezes é desejada, e então depara-se
edifício ao lugar e ao entorno se jogava na característica com uma relação dual: introduzir iluminação natural nos
dessa pele. Os climas caracterizados por fortes diferenças ambientes e isolar o calor agregado.
entre verão e inverno exigiam soluções de fachadas mais
complexas e menos unívocas, soluções variadas de Decisões sobre a relação entre interior e exterior são
membranas para se sobrepor.23 Os arquitetos sempre baseadas nas considerações sobre o invólucro construído.
construíram os seus edifícios no espaço-luz. Os envoltórios Estas estão diretamente relacionadas ao clima, ao conforto
abriam-se e fechavam-se à irradiação luminosa e, em relação ambiental, à opção entre proteger ou manter as relações
a essa, distinguiam-se. A escolha de um certo tipo de pele visuais. A escolha de parâmetros na concepção do projeto
era, de fato, também a escolha de uma particularidade frequentemente indica a postura do profissional frente à
luminosa. Para os mestres do Movimento Moderno, a beleza configuração da forma e do espaço edificado.
da pele, o jogo de volumes arquitetônicos e os cortes nas
Nesse sentido, existe a necessidade de uma definição
fachadas, constituíram muitas vezes o diafragma, o degrau
clara dos elementos de conexão e de separação, através dos
entre o dia e a noite, o filtro de captação e proteção da luz
conceitos de barreira, filtro e comutador. Uma parede pode
diurna em relação ao interior.
barrar ou filtrar a luz, o calor, o frio e as visuais. Portas e
Os edifícios dialogam com a luz solar através dos janelas possuem características de comutadores porque
elementos arquitetônicos que permitem a penetração, a podem separar ou conectar interior e exterior. Portanto, uma
difusão, a reflexão e controle da luz. Ela define a diferença barreira é um elemento de separação, um filtro é um meio
entre interior e exterior. Espera-se que o interior possa para realizar uma conexão indireta e controlada, e um
proteger do resplendor do sol e da escuridão da noite, comutador é um conector de regulação. “As ‘propriedades
fornecendo uma experiência diversa do exterior. Almeja-se estruturais’ da dimensão 'controle físico’ ficam assim descritas
que o interior abrigue, minimizando os efeitos de alguns em termos de elementos e relações. Os elementos são
elementos como calor, frio, chuva, poeira, vento, ruído. ‘energias’ (existentes ou necessárias); as relações são ‘filtros’
que transformam as energias existentes nas necessárias”24
Destes se quer isolamento, mas em relação à luz a situação é

23 Montaner, Josef Maria La modernidad superada Arquitectura, arte y


pensamiento Del siglo XX Barcelona: Gili, 1998, pp. 214-215. 24 Norberg-Schulz, Chnstian. Intensiones em arquitectura. Barcelona: Gili, 1998,
pp.73-74 Grifo nosso.
48

O modo como a luz e tratada no envoltório pode conectar de suas texturas. As variações de iluminação e de penumbra

ou separar o interior do exterior. Em geral, as aberturas que a própria luz comporta, fazem com que o sol seja um
A elemento que revitaliza o espaço e articula as formas que
n
servem para concretizar diferentes relações. “Buracos" na
a parede concedem ênfase ao envoltório e a inferioridade; nele se encontram.25 Toda luz natural que chega a uma
enquanto fechar uma parede com vidro “desmaterial/za" o edificação é constituída por três componentes: a luz direta do
edificio. criando maior interação entre interior e exterior. sol, a luz difusa da abóbada celeste e a luz refletida pelo solo
C
Estabelecem também relações que podem ser diretas ou e outras superfícies próximas (prédios e vegetação, por
indiretas, intensas ou sutis, uniformes ou variadas, exemplo). A luz direta administra um alto grau de iluminação,
dependendo das posturas gerais adotadas em relação à luz criando contrastes acentuados sobre as superfícies e
como diretriz de projeto. estabelecendo uma articulação formal pronunciada, além de
ofuscamentos e ganhos térmicos. Entretanto, uma iluminação
As janelas, as zenitais e as portas são os elementos de difusa é mais benéfica por sua constância, suavizando e
captação da luz natural, promovendo a qualificação do interior
equilibrando o nível luminoso do espaço interior.
com cambiantes gradações e continuidades espaciais. Com
seus tamanhos, perfis e localizações relativos à parede sólida
interferem nas características dos ambientes: estabelecendo .A
I LÜtTAmA
áreas de uso específico e areas de circulação; direcionando a
atenção para pontos focais de interesse; promovendo o ■7

fechamento ou a abertura da forma e do espaço,


Fig.56 Luz direta, difusa e refletida
.v__
consequentemente os níveis de relação visual entre interior e
exterior, a transição entre o ambiente e a paisagem; Quanto à direção da incidência da luz solar, esta pode ser
lateral ou zenital. Uma das características da iluminação
controlando a intensidade lumínica; possibilitando, também, a
ventilação e a circulação. lateral é não ser uniforme no que se refere à distribuição no
ambiente interno. Já uma das principais características da
Ao entrar através das aberturas no plano das paredes ou iluminação zenital é uma melhor uniformidade de distribuição
dos tetos, a luz solar cai sobre as superfícies interiores da da luz sobre as áreas a serem utilizadas.
habitação, avivando seu colorido e evidenciando o conjunto
GiliJ905-
Chmg, Francis D K Arquitectura forma, espacio y ordem México,
p 181

d
49

O desenvolvimento da Arquitetura Moderna e das diversas A obra de Vilanova Artigas é um bom exemplo dessas
tecnologias construtivas promoveu extensas fachadas de relações. Em sua fase racionalista, fez prevalecer os
vidro cujas qualidades foram ofuscadas por certas envoltórios transparentes, mas pouco a pouco a opacidade
desvantagens: apesar de permitir maior claridade e maior contraposta à transparência passou a dominar. E em alguns
interligação com o exterior, deixavam passar livremente os projetos o arquiteto propôs envoltórios totalmente fechados
raios solares aumentando consideravelmente o ganho térmico ao exterior.
e o deslumbramento, exigindo, para proteção, expressas
instalações.
importantes
Estas,
na
por sua vez, tornaram-se elementos
composição das fachadas, sendo
w- ■ i**-

conceituadas como filtros seletivos de impactos ambientais


(quebra-sóis, treliçados) e desenhadas em função do
movimento aparente do sol - tais elementos, além de
Fig. 57 e 58 Vistas exteriores casa Artigas.
separarem e conectarem interior e exterior; ofereceram aos
Em sua residência no Campo Belo (1949) em São Paulo
arquitetos uma nova realidade, um campo fértil para
os grandes panos de vidro transparentes expõem a
experiências impactantes na plástica dos edifícios.
intimidade do dia a dia, refletem o entorno imediato,
Decorre daí um dos grandes diferenciais entre a estabelecem planos sobrepostos similares à técnica da
Arquitetura Moderna brasileira e a Arquitetura Moderna “veladura”.26 A casa abre-se e integra-se ao urbano e ao
européia. Diferença que se manifesta nos envoltórios, na jardim intralote, dispensando barreiras visuais. Nela existe a
sobreposição das peles, na adaptação dos filtros, nas preocupação de estabelecer um espaço contínuo, tanto
sombras enfáticas que os elementos arquitetônicos projetam, internamente como externamente, predominando as relações
no brilho que a luz reflete constantemente sobre os materiais de domínio visual em todo conjunto. Muitos dos espaços
que envolvem os volumes. Embora em muitos casos perceba- internos são banhados por uma luz homogênea e os volumes
se opções híbridas e um certo desprendimento de linguagem, externos estão bem delineados pelos contrastes fortes de luz
frutos de uma pesquisa constante para obter efeitos variados e sombra.
através do uso de diferentes aberturas e filtros protetores.
26 Técnica da pintura na qual cobre-se com uma leve mao de tinta, de sorte que
transpareça a tinta anterior (Cunha, 1982 e Ferreira. 1999, p.2053).
nos quais a iluminação foi obtida através da grande

/<
E quantidade de zenitais.
n:
a A obra de Oscar Niemeyer também pode ser caracterizada
pelo uso de diversos tipos de aberturas e filtros protetores,
V
que variam conforme a fase de seu desenvolvimento de
V projeto. O envoltório do Cassino de Pampulha (1940), por
Fig.59 e 60 Vistas extenor e interior da Casa Teimo Podo.
exemplo, é caracterizado pelo predomínio da transparência,
Solução totalmente oposta foi adotada na residência Teimo
gerando um espaço inundado por luz. Quase todas as
Porto (1968). Nela o arquiteto radicalizou e não abriu
fachadas são vedadas com uma pele de vidro transparente
qualquer concessão ao exterior. Integralmente construída
ligeiramente recuada para expor os pilotis e através da
com concreto aparente, suas aberturas voltam-se apenas
sombra projetada definir ainda mais o desenho de subtração
para os três jardins internos e a iluminação e complementada
no prisma, marcando acesso. Tudo é transparência, tudo é
por domos zenitais: perdendo-se o isolamento gradativo
passeio, tudo é relação direta com a paisagem circundante à
percebido na residência Bittencourt 2 (1959), onde ainda se
mantinha uma certa relação com o espaço urbano. lagoa, reforçando a continuidade visual.

—-■ »W. : _ — T ,

Fig 61 e 62 Exterior vestiários do São Paulo Futebol Clube e FAU/USP.


a
ÍÍL
Fig. 63 e 64 Exterior e interior Cassino da Pampulha.
Já os Vestiários do São Paulo Futebol Clube (1960) e a outro lado, o Parthenon é um importante modelo de
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1961)
Itono para Brasília: a caixa dentro da caixa. A caixa
representam exemplos intermediários. Nesses projetos ele envolta em cristal, transparente e reflexiva à
adotou envoltórios transparentes para os térreos e peles hança de Mies, clássica"; e a caixa externa com pilotis
predominantemente opacas para os pavimentes superiores,
ados, elementos pictóricos "barrocos” apoiando uma
51

laje plana da cobertura gerando avarandados sombreados. zenitais, painéis transparentes iluminados por reflexão em
fossos de luz, com ou sem pergolados. Como ocorre no
edifício Presidente Humberto Castelo Branco (1972), em
Curitiba, um edifício aparentemente sem janelas, onde o tema
adotado é a caixa de concreto bruto com iluminação natural
entrando apenas pelas aberturas feitas na parte superior do
Fig.65 Vista exterior do Palácio do Planalto. edifício, sobre pérgulas nos jardins longitudinais.
Essa influência miesiana também pode ser percebida no
edifício do Palácio das Indústrias (Bienal/1953), no parque do
Ibirapuera, onde os espaços internos foram organizados
segundo a perspectiva da rua, com profundidade visual
infinita, eliminando os limites através de amplas superfícies Fig.69 e 70 Vistas exterior e interior do Edifício Castelo Branco.

transparentes fechando as laterais. O edifício é uma lâmina


E quando ele operava com edifícios em que a verticalidade
de cinqüenta por duzentos e cinqüenta metros, com três
era preponderante, como ocorre em seus arranha-céus, o
pavimentos, tendo o térreo recuado em sombra e a face Norte
envoltório era definido por uma membrana de vidro ou uma
protegida com quebra-sóis de alumínio, propiciando imagens
capa de brise-soleil. Isso se evidencia no Hotel Nacional
que variam constantemente em reflexos cinéticos.
(1968) no Rio de Janeiro, no edifício Copan (1951) em São
Paulo e no edifício Oscar Niemeyer em Belo Horizonte
(1954).

Fig.66, 67 e 68 Exterior e interior do edifício da Bienal no Parque do Ibirapuera.

Se a solução requeria envoltórios mais fechados, para


evidenciar as massas ou o jogo volumétrico, Niemeyer
reduzia as aberturas ou as camuflava através do uso de
paredes opacas e a iluminação efetivava-se através de
espaços intermediários. O arquiteto utilizava algumas vezes
Fig.71. 72 e 73 Edilicios do Hotel Nacional, Copan e Oscar Niemeyer.
52
50. A residência Oscar Americano (1956) é exemplo de sua
Por seu turno. Jorge Machado Moreira, arquiteto
fortemente influenciado pelas posturas do Movimento arquitetura planar. Seus envoltórios são definidos por uma
Moderno ortodoxo, adotou a transparência total para trama estrutural esbelta exposta, geometricamente limpa, e
n
a estabelecer um contato direto entre interior e exterior. Em sua preenchida por planos transparentes e opacos; mas ricos em
obra, assim como na de Affonso Eduardo Reidy, prevaleciam texturas articuladas, que incluíam o uso de elementos
as transparências, não somente através do vidro, mas vazados e pergolados que geravam efeitos rendilhados de luz
também aquelas desenvolvidas por térreos abertos sob pilotis e sombra. Com isso ele conseguiu uma tênue separação
e por transparências virtuais promovida pela distribuição de entre interior e exterior, valorizada pela natureza que
lâminas de edifícios interpostos/ No foyer da Faculdade interpenetra os prismas e seus interiores diáfanos e
Nacional de Arquitetura da UFRJ (1957) grandes panos de contínuos.
vidro permitem uma intensa continuidade visual entre interior Et BS E9 e» ■
e exterior. A semelhança com o projeto de Le Corbusier para
o Ministério da Educação na praia do Calabouço é ■a r i
contundente. Nela se nota a mesma disposição cruzada das
unidades, os blocos sobre pilotis definindo um espaço I__ u
sombreado e vazado, intersecções fechadas com peles
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Fig.76 e 77 Edifício MMM Robertos e Finúsia.

planar ^°S ^°berto tarnbém adotaram uma arquitetura


Fig.74 e 75 Intenor Faculdade de Arquitetura da UFRJ e exterior Casa Oscar Americano
pctah i qUal 3 preocuPaÇão maior parece ter sido a de
Já o arquiteto Oswaldo Bratke trabalhou sob influência anim Uma palp'taCã° nas fachadas", movimento e
miesiana e americana em vários de seus projetos dos anos fachnri” sobre Prisrrias regulares. A articulação das
27 Rowe. Collin. Transparência: literal e fenomenal. Gávea Rio de Janeiro PUC
olann °' alcanpada atrav®s do jogo diferenciado entre os
n.2. set. 1985, pp.33-50. mpunham. O objetivo principal era °


53

dinamismo das formas, obtido com a segmentação do Porém, Lina adotou duas posturas diferentes em relação
perímetro das fachadas, com "dobras", com planos modulares aos envoltórios e ao uso da luz como diretriz de projeto. No
diversos como panos de vidro, paredes cegas e, início de sua carreira no Brasil, as posturas racionalistas a
principalmente, com sistemas de proteção solar - brises induziram a propostas em que imperavam as transparências
horizontais e/ou verticais, fixos e/ou móveis. Exemplo desse e os espaços eram dominados por uma luminosidade
proceder pode ser verificado no edifício MMM Roberto (1945) homogênea. Mas gradativamente, conforme a arquiteta
e no edifício Finúsia (1952) na cidade do Rio de Janeiro. envolvia-se na descoberta da cultura local, a opacidade
passou a prevalecer e os ambientes adquiriram uma
;’ í . I- ik-JÉItts” wK^Ó'1 1 • luminosidade heterogênea. Na residência Valéria Piacentini
1 I' Cirell (1958) percebe-se que continuava o cuidado em
^ódl
relacionar o interior com a natureza, preocupação
.tí SilSkí
Fig.78, 79 e 80 Vistas exteriores do MAM e do MASP. materializada pelas varandas que circundam o volume
A pele envoltória do bloco de exposições do conjunto do principal, mas esse se mostra predominantemente fechado,
MAM (1953), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, de com poucas aberturas laterais protegidas por treliçados de
Affonso Eduardo Reidy, também possui o predomínio da madeira, priorizando a intimidade e o convívio familiar - a
transparência. O térreo vazado e os espaços superiores gradual transição entre o público e o privado, tradicional na
fechados com extensas superfícies de vidro demonstram arquitetura vernacular brasileira.
essa preocupação. Mais do que um depositário de relíquias,
de preservação e culto ao passado, o museu moderno
pretendia ser um objeto ativo, em conexão visual estreita com
a sociedade e, portanto, mostrava-se aberto, fluido, atrativo.
Mesma preocupação da qual compartilhava Lina Bo Bardi ao
projetar o MASP (1957), Museu de Arte Moderna de São
Paulo, o museu mais transparente e de planta mais livre até
então construído.28
Fig. 81 e 82 Exterior e
28
Montaner, Josep Mana La modernidad superada Arquitectura, arte y
pensamiento Del siglo XX Barcelona: Gili, 1998, p.14
54

Uma atitude mais radical foi adotada por Rino Levi em arquitetura. Estudioso da lógica colonial, ele adotou a postura
suas habitações unifamiliares. O arquiteto propôs uma série de que para construir era preciso território limpo e afastado da
t
de residências introvertidas, onde a transparência dava-se luxuria dos trópicos. Voltando, assim, as costas para as
apenas no interior do lote, prevalecendo a integração física e matas, confinando a vegetação em pátios internos
visual entre os espaços cobertos e descobertos. A controlados. Para Lúcio Costa a varanda era o espaço
privacidade e isolamento domésticos opunham-se a agitação privilegiado, protegido e dela avistava a natureza.
da metrópole Na residência Castor Delgado Perez (1958-59)
ele adotou um partido que privilegiava a opacidade dos limites Na residência Helena Costa (1980) o arquiteto voltou a
e a integridade do volume externo, garantindo introspecção e experimentar uma interação teórica entre elementos
intenondade "Mas deixa de ser uma inferioridade distanciada tradicionais e modernos, resgatando muxarabis, cobogós,
da natureza, como era a casa colonial brasileira, onde o mato telhas canal, gelosias, treliças e venezianas, esteios de
deveria ficar longe, pois representava o perigo do md/o e do sustentação, azulejos decorados. Além de materializar no
bicho. Pelo contrário, o interior se enriquece com a presença programa e na planta aspectos típicos da casa colonial: a
do jardim, permitindo ao indivíduo vivenciar, na sua distribuição simétrica dos cômodos ao redor do pátio central e
privacidade, a harmonia com a natureza, ah representada um amplo terraço frontal característico das grandes casas de
pelas plantas, pela luz e pelo clima"29 fazenda Nela imperava a opacidade, quebrada por aberturas
s metncas na fachada. O uso de filtros objetivava manter a
p vacidade visual e permitir legibilidade relativa do interior
P a o exterior. Sendo uma casa urbana o autor adotou um
om de maior reserva e fechamento. Essa postura iria
onzar o pátio central, interferindo no arranjo dos espaços
£ -S . ternos que desfrutam da penetração da luz natural e da
C'--- ~^LL=«.
Fig.83 e 84 Exterior e interior Casa Castor Delgado Perez.
visão da abóbada celeste.
Posição menos extrema encontra-se nas residências de
Lúcio Costa. Transparência e opacidade coabitavam em sua
25 Anelli, Renato. Arquitetura e Cidade na obra de fímo Levi. São Paulo. 1995
Tese (Doutorado em Arquitetura) -FAU/USP, pg 270 Grito nosso.
Fig. 85, 86 e87Exterior e pátio interno Casa Helena os a.
55

LUZ 6 ÊSRl/Tim Nos velhos edifícios, tais como o Pathernon grego e o


Pantheon romano, essa relação é clara. Com o advento de
Luz e estrutura estão intimamente interligadas. Na histórica novas tecnologias ficou mais evidente ainda esse fato: é o
evolução da janela percebe-se essa relação de influências caso do Palácio de Cristal (Joseph Paxton, 1851). Nesses
mútuas: nos edifícios antigos a dependência entre estrutura e exemplos a estrutura define o lugar onde a luz infiltra-se.31
planos de fechamento fazia predominar os cheios sobre os
vazios; mais recentemente, com o desenvolvimento do
Movimento Moderno, a independência entre estrutura e
painéis de fechamento possibilitou um significativo aumento
das aberturas.
■3 r?; l

Fig.90, 91 e 92 Parthenon. Pantheon e Palácio de Cristal
'... [ , ... .
Um dos exemplos nacionais mais significativos é a

' h
ffl Rodoviária de Jaú (1973), de Vilanova Artigas, na qual a
estrutura define a luz. Nesse projeto dominado por uma
—MS»
___________________ . grande cobertura que projeta sombras densas, a personagem
Fig.88 e 89 Casa sitio do Padre Inácio e Casa de Vidro de Lina Bo Bardi
principal é o desenho criativo do pilar e sua forma de
A estrutura evidencia-se pela luz, enfatizando a autonomia sustentar a cobertura. Ele tem base de seção retangular
e a presença desta como diretriz de projeto. O módulo simples e a parte superior surpreende com sua forma
estrutural desenvolve o ritmo de “luz-não-luz". Onde a desenvolvida em quatro elementos de apoio, tal qual uma
estrutura está existe "não luz", entre os elementos estruturais árvore, até encostar-se à laje de cobertura, possibilitando que
existe "luz". A estrutura “(...) é que molda a luz. Quando você em seu eixo seja introduzido um vão circular, sobre o qual
decide por uma estrutura, está decidindo sobre luz. Nos flutua um domo translúcido de fibra de vidro, que por sua vez
velhos edifícios, as colunas eram a expressão da luz e não modifica as qualidades da luz que o transpassa, carregando-a
luz, luz, não luz, luz, não luz, luz...".30 com tons amarelados. O resultado é um efeito especial de luz
banhando os tramos do pilar, enfatizando suas formas

30 Kahn, Louis I. apud Tyng. Alexandra. Beginings - Louis /. Kahn s philosophy of 31 Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold,
arquitecture New York. Interscience, 1984, pp. 173-174. 1996, p.60
56
plásticas de concreto aparente, criando uma sensação de de Oscar Niemeyer, que a partir de 1954, com o projeto do
leveza, dando uma inesperada supressão da carga opressiva useu de Caracas, questionou toda a sua produção anterior,
do pesado teto de concreto. O arquiteto consegue assim passando então a priorizar a matéria aliada ao conceito
t

exaltar o céu e a terra de forma dual, opondo poeticamente a estrutural. No Palácio da Alvorada (1957), no Palácio do
tensão entre a massa pesada do concreto e a imaterialidade upremo Tribunal Federal (1958) e no Palácio do Planalto
aparente da luz que adentra rasante pelas laterais e ( 958) a configuração tipológica é traduzida por uma caixa de
verticalmente pelas aberturas sobre os pilares.32 o envolta por uma outra caixa, composta por colunas que
apoiam uma cobertura horizontal a projetar sombras. Esse
I go de transparência e sombra introduz a imagem de um
spaço contínuo, dinâmico e articulado. Como foi visto
teriormente, os pilotis modificados fazem da caixa externa
m objeto pictórico, mais "barroco”, enquanto a caixa interna
p oxíma se do linear "clássico". Essa dualidade é uma
constante na produção de Niemeyer. Os pilotis definem
Artigas utilizava frequentemente a expressão "e preciso
plasticamente a relação entre luz e estrutura.
fazer cantar o ponto de apoio", frase atribuída a Perret, e
completava: do homem que canta a coluna grega, o
encontro entre o fuste e a arquitrave. que se enche de flores...
O que me encanta e fazer formas pesadas chegar perto da
terra e negá-las como se fossem cair...”32 Com o desenho do
Fig 96, 97 e 98 Exterior Palácios Alvorada. Supremo e Planalto.
pilar da Rodoviária de Jau, conseguiu desmaterializar a
Mas. de todos os palácios de Brasília o Palácio do
estrutura, contrapondo funções aparentemente antagônicas -
sustentar e iluminar. "amaraty (1960) talvez seja o mais expressivo. Este reflete
período na arquitetura de Niemeyer em que a matéria, a
Luz e estrutura também são relações privilegiadas na obra c a estrutura tornaram-se a base da composição. O
e’° armado aparente foi trabalhado para expor as
22 Kamita, Joào Massao. Vilanova Artigas São Paulo: Cosac &Naity, 2000,
pp 108-114 L Barr)a
paulo, b. pDissArtjyL A/f},oe,lca
2000 -—da luz nalural na obra de Oscar Niemeyer São
Artigas. Vilanova Acrópole. n 66. 1984 se taçao (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP - capítulo IV.
57

lembranças das madeiras que o moldaram, para revelar sua No Rio de Janeiro, o arquiteto Reidy, a partir do projeto
textura sob os raios do sol. Provavelmente inspirado no para o Colégio Experimental Brasil-Paraguai (1952), também
* Palácio de Justiça (1956) de Chandigarh, projetado por Le priorizou o rigor construtivo, estabelecendo uma estreita
Corbusier, o Itamaraty materializa a relação estrutural com a identidade entre a forma, a construção, a luz e a sombra.
luz e a sombra, pois e justamente na estrutura leve de seus Relação esta destacada pela valorização dos elementos
arcos sob o sol que se encontra a maior expressividade de portantes e uso de materiais com acabamento natural.
sua arquitetura.

k 111 '
) Alt’ 'II'

Fig.104 e 105 Exterior Colégio Experimental Brasil-Paraguai e MAM.

Fig.99 e 100 Palácio do Itamaraty (exterior e varanda superior).


No projeto para o MAM (1953) efetiva-se essa
Também no Espaço Lúcio Costa (1989), na Praça dos Três materialidade. As peças assumem resistência e solidez,
Poderes em Brasília, a luz define os perfis da estrutura obtidas a partir da contraposição das partes, valorizando a
interna. Nesse ambiente totalmente enterrado, Niemeyer relação dual entre opacidade e transparência. Ganham
propôs frestas de vinte centímetros de largura no encontro do expressividade as articulações que unem os elementos. O
teto com as paredes, reforçando o desenho dos arcos limite desse tensionamento ocorre quando a forma
estruturais de concreto através de uma luz tênue. O espaço efetivamente converte-se em estrutura. O volume principal da
em penumbra ganhou desenhos de arcos de luz que se composição (parcialmente executada), o pavilhão de
refletem no piso polido preto. exposições, possui um elemento estrutural maior que o

i
semelhante utilizado no Colégio Brasil-Paraguai. Com oito
metros de altura e menor número de peças seriadas, obteve-
í.
se uma proporção mais compacta. O esqueleto portante do

Í I

Fig.101. 102 e 103 Espaço Lúcio Costa e Capela Pampulha (ja usava esse recurso).
bloco de exposições encontra-se completamente exposto,
coeso e compacto. A transparência da construção acentua-se
58

e não se reíere apenas ao efeito suscitado pelo vidro. Trata- lajes encurvadas em grande balanço.
se de um conceito que deixa em evidência o processo Toda essa complexa estrutura define a forma das
construtivo e sua relação com a luz e a sombra. aberturas, dos zenitais, dos planos de sombreamento, da
! qualificação da luz que adentra o espaço, das sombras que
expõem o valor expressivo das formas e texturas.
J
W 1T i!U
Fig.106 e 107 Corte transversal MAM e intenor MAM (fase da construção).

O partido estrutural propõe uma armação que supera não


Fig.108 e 109 Interior do SESC Pompéia.
só o sistema convencional de apoio (pilar-viga-laje), como
também a combinação de duas estruturas independentes - Coberturas de vidro também revelam estrutura, porque a
uma para compor o espaço interno e outra para a cobertura. estrutura acaba sendo mostrada contra a luz. Quando a
Elementos antes decompostos encontram-se unidos pelo arquiteta Lina Bo Bardi visitou pela primeira vez os barracões
desenho fechado do pórtico. Este eleva o corpo da onde seria implantado o Sesc Pompéia (1977), em São
construção, suportando todo o conjunto das lajes através de Paulo, o que lhe chamou a atenção foram as estruturas de
um engenhoso sistema de montantes laterais que se madeira e concreto. No projeto ela prontamente tratou de
bifurcam: o braço menor escora a laje do primeiro piso evidencia Ias. Em várias partes da edificação, principalmente
enquanto o maior, prosseguindo em sentido divergente, apóia foyer do teatro e na área da biblioteca, telhas cerâmicas
a trave superior, da qual descem tirantes de aço que seguram oram substituídas por telhas de vidro. Dessa maneira a
a laje da cobertura e a laje do pavimento intermediário. Para estrutura de madeira escura é hoje muito notada contra o
completar, articulam-se na mesma armação as aberturas de envidraçado, ao mesmo tempo em que o espaço expandiu-
iluminação zenital na cobertura, assim como a sua se, ennquecendo-se com banhos de luz e rendilhados
contrapartida, a extensa faixa que corre no canto superior dos
contrapostos.
pórticos, grande aba a proteger o interior da insolação
excessiva. Essa aba é composta de quebra-sóis horizontais e
59

LUZ e MfilÉUlfi. admiração.35

Luz e matéria são mutuamente dependentes. A matéria Uma mudança nos materiais pode alterar a percepção do
afeta diretamente a percepção da qualidade luminosa. Um ambiente e o nível de iluminação. Ao se modificar uma
raio de luz que atinge uma superfície é refletido, difundido, matéria dada para outra de características superficiais
absorvido ou transmitido, modificando a sua intensidade e a diversas, o espaço ou a forma sofrem uma metamorfose.36 A

sua direção em função das características físicas do meio matéria, trabalhada artesanalmente ou à máquina, condiciona
interceptado. As qualidades óticas dos materiais em relação à a compreensão de sua textura. Um ambiente revestido de
luz incidente são expressas com os fatores de reflexão, mármore polido branco é totalmente diverso quando acabado
difusão e absorção. com uma textura opaca e áspera de um concreto tosco. O
mármore tenderá a refletir a luz, a brilhar e mostrar sua
Os materiais especulares, com acabamentos polidos, constituição vítrea. A parede tosca absorverá mais luz e será
refletem a luz como espelhos. Superfícies foscas, como pedra percebida menos agradável ao toque.
natural, madeira e emboço tosco refletem a luz difusamente,
igual em quase todas as direções. Dos três aspectos da cor
(matiz, valor e intensidade) o valor é o que determina como a
luz é absorvida e como é refletida. Superfícies coloridas
emprestam alguns de seus matizes à luz refletida.

Pela ação da luz, o mundo da matéria energiza-se,


promove uma exaltação da existência, pode transformar-se
em tecidos incandescentes. Há ocasiões em que a luz
Fig.110 e 111 Museu da Fundação de Brasília (Niemeyer) e Garagem barcos (Artigas).
penetra na estrutura dos materiais clareando-os tão
internamente que os fazem brilhar translucidamente,
modificando a percepção das formas e espaços que definem.
Isso ocorre, por exemplo, com os vitrais das catedrais que
embora provoquem efeitos efêmeros, sempre provocarão
35 Plummer, Henry. Poetics of light. Tókio: A+U-Publishing N.12, 1987, p.9.
36 Araújo, Ignácio. La Forma arquitectonica. Pamplona: Eunsa, 1976, p.22.
60
“A arquitetura não é só para ser vista, senão para ser a sua intensidade, seja a sua cor ou sua direção. Scarpa
vivenciada”37 Embora, a visão seja o sentido que permite desenvolveu o uso de pedras como painéis de fechamento.
compreendè-la melhor, não só porque possibilita às pessoas Utilizou finas placas de mármore ou ônix que permitiam que a
ver a sua massa, mas também por permitir apreender a luz passasse, banhando o ambiente interno com uma luz
valorar seu caráter tàtil. Esses valores de textura, integram-se modificada, enriquecendo o espaço com efeitos vítreos
pela luz ao ambiente arquitetônico. A valorização dos leitosos, como um quadro expondo suas entranhas.
materiais empregados em uma obra de arquitetura está
fundamentada na interação com a luz. A revelação das As telas shoji, nas
íntimas qualidades dos materiais resulta da luz passando tradicionais casas japonesas,
através deles, sendo refletida ou absorvida pelas suas difundem toda a luz diurna
superfícies. que entra e as colore com
tons amarelados. A luz é
Os materiais são importantes elementos emocionais em primeiramente obscurecida
relação à luz. O brilho do vidro, o resplendor dos mosaicos de
ouro, as profundezas da madeira polida escura e as paredes
de tijolos, são quentes, muitas delas inclusive estão
pelos grandes beirais e
varandas, depois pelos
painéis de papel e finalmente

conectadas às lembranças pessoais. Algumas regiões tèm pela cor neutra das paredes
construções com materiais, cores e texturas, que respondem internas. Fig. 113 Tela shoji na casa japonesa.

às condições luminicas específicas do lugar onde estão


. . ®ras'*’ os modernos inicialmente adotaram muitos
situadas, tais como o estuque veneziano tão utilizado pelo
a'S de revestiment0 ~ azulejos, mármores e granitos,
arquiteto Cario Scarpa (1906-1978).
e os, madeiras. Somente numa segunda fase o concreto
Parente predominou, muitas vezes aparecendo contraposto

I ___
Fig.l 12 Vidro, mosaico ouro, madeira escura, tijolos, estuque veneziano, placas de ônix.
outras texturas, como as pedras toscas e os tijolos de barro.

Sua
. P °Pr'edades camaleônicas do concreto aparente
301 a°S arqUÍt6t°S e^eitos variados sob a luz tropical.
Os materiais podem também mudar os efeitos da luz, seja r xturas estavam ligadas diretamente à qualidade de
37 Ibid., p.16O mas (metálicas lisas, madeiras plastificadas, tábuas
61

regulares e irregulares, ripas finas), o que resultava em espaço de maneira asséptica como Le Corbusier. Pelo
concretos com aspecto mais polido, áspero e multifacetado, contrário, aproximou-se de Mies e seu Pavilhão de Barcelona,
além de acabamentos especiais como apicoamentos, usando pedras nobres, mármores brancos e amarelos,
envernizamentos e pinturas. Essas possibilidades aliadas à espelhos rosa, corrimãos e pilotis revestidos com aço
sua durabilidade, custo e aspecto rústico fizeram do concreto inoxidável. O resultado foi dinâmico, introduzindo a idéia de
aparente material representativo desse período histórico da superfície autônoma cheia de valores ornamentais, apesar de
arquitetura brasileira. abstratos.
IV ’

Flg. 114 Azulejos, cerâmicas e placas de fibrocimento, concretos e vidros.

Nessa relação, entre luz e matéria, Niemeyer priorizou,


numa primeira fase, o uso de revestimentos variados, numa
clara referência à cultura barroca. As obras de Pampulha, em
Belo Horizonte, exemplificam essa postura, demonstrando
assim que ele era um arquiteto nascido da crise dos anos 30,
entre a Academia de Belas Artes no Brasil e a influência das
vanguardas modernas européias, com a vocação pictórica O jogo de materiais polidos e difusores de luz, juntamente
dos arquitetos que tiveram dupla formação. Tendência essa com a grande quantidade de superfícies de vidro, define a
que vez por outra transparece em sua produção. ambiência do espaço. A grande superfície espelhada qualifica
o espaço aumentando sua escala percebida, em uma
Ao Cassino da Pampulha (1940) importavam as constante ilusão, na qual não se distinguem quais são os
transparências, os vidro sobre vidro, as imagens sobrepostas objetos reais e quais os virtuais, proporcionando uma
e refletidas à .semelhança dos efeitos de “veladura” da atmosfera na cor rosa suave. Essas inúmeras superfícies
pintura. Fortemente influenciado pela obra da Ville Savoye, refletoras e transparentes, essas luzes vacilantes, que
concebida treze anos antes, Niemeyer não trabalhou o
62

modificam as distâncias e a percepção de escala cores exteriores são preservados na superfície amarelada e
materializam simbolicamente o fascínio e a ilusão do jogo patinada do vidro espesso, sem que se apague
completamente a paisagem exterior, como faz um vidro fosco,
Em outros momentos Niemeyer usou materiais
translúcidos como o tijolo de vidro. No térreo do Banco Boa mas acrescentando brilho que é resultado das duas peles que
compõem o bloco de vidro.
Vista (1946), nas faces Noroeste e Sudoeste, uma pele
recuada e sinuosa de blocos de vidro contorna os pilotis A partir dos anos 60, Niemeyer priorizou a estrutura, a
revestidos de granito avermelhado. Sobre os blocos de vidro
simplicidade, a integridade técnica, o uso de poucas formas e
existe uma estreita faixa de vidro transparente que projeta
poucos recursos materiais para obter grandes efeitos. Elegeu
feixes de luz rasante sobre o teto de gesso. Na face Sul,
voltada para a praça da Candelária, um pano de vidro o concreto, aparente ou pintado, como matéria definidora de

transparente, bastante recuado cem relação sua expressão plástica. Destaca-se nesse período o prédio
à projeção dos do Palácio do Itamaraty (1960), em Brasília. Nele o arquiteto
pavimentos superiores, determina uma loggia de: acesso.
t. J1 . - ------------- negou a tradição de uma arquitetura baseada na massa, no
volume fechado, criando uma plástica que procurava retirar o
peso aparente do concreto armado, enganando o espectador
com estruturas leves e efeitos cinéticos.

Fig.116.117 e 118 Banco Boa Vista.

A luz que adentra o


espaço é proveniente da pele de vidro
recuada do acesso (e dos blocos de vidro que dissimulam as
imagens distorcidas do
_j exterior, transformando a qualidade
da luz por retrações e reflexões contínuas. Criando assim,
uma atmosfera com um brilho translúcido, bastante distinto
daquela transparência proveniente das janelas de vidro
comum. Luz transmitida sem formas,
em que o figurativo do
mundo é convertido em feixes múltiplos de luz. Vestígios de
63

priorizar um rigor construtivo e uma economia de meios. No


Niemeyer optou assim por privilegiar a superfície sem
projeto do MAM do Rio de Janeiro (1953) essa postura
máscaras, a pele tendendo a confundir-se com a própria
repete-se, sobressaindo a presença da estrutura de concreto
matéria da construção. O concreto armado aparente era
aparente.
trabalhado para expor as lembranças das madeiras que o
moldaram e que agora mostravam sua textura sob os raios do
Apesar de permanecer ainda incompleto, o conjunto
sol. O "Palácio dos Arcos”, como é conhecido, tem na caixa
evidencia um bloco de exposição no qual um dos fatores
externa sua imagem emblemática: arcos eqüidistantes de
preponderantes é a matéria. O concreto é aparente, de modo
concreto armado texturizado, alterando-se em ritmos variados
a destacar-se como ente físico, no qual se pode ler o
conforme a pessoa circunda o edifício e conforme varia a
processo de sua confecção. A inexistência de revestimento
incidência da luz do sol. O arco côncavo com estrias das
regularizador confere a esse arcabouço um tom opaco e rude,
fôrmas de madeira em ripas bem finas capta a luz de forma
uma vez que o acabamento é dado pelas próprias fôrmas
diferenciada, dando um brilho ora prateado, ora dourado. lisas que, ao serem retiradas, deixam impressos
Esse efeito desmaterializa a caixa de arcos. negativamente os veios e as irregularidades da madeira. Por
sua textura marcante, as superfícies tornam-se expressivas,
suscitando forte sensação tátil a realçar o caráter corpóreo da
construção.

Também os planos de vedação ganham valor de


superfície. É o que se comprova, principalmente, no bloco-
escola, onde paredes macias de tijolos à vista e as
Fig. 120 e 121 MAM
prolongadas faixas de concreto que demarcam as lajes
As primeiras obras de Reidy também foram caracterizadas contrastam vivamente com a imaterialidade aparente dos
pela pele envoltória revestida, seguindo a experiência vivida panos de vidro e com a leveza dos quebra-sóis verticais de
no desenvolvimento do projeto do Edifício do Ministério da alumínio que protegem a fachada Sul e Norte. A isso se
Educação (1936-45) no Rio de Janeiro e sob influência das soma, um pouco mais ao fundo, a grande empena de
obras de Pampulha (1940). Mas a partir do edifício para o concreto do pavilhão de exposição a completar esse jogo de
Colégio Experimental Brasil-Paraguai (1952) ele passou a
64

superfícies que se desencadeia em fragrante oposição com a


frequentes usados entre nós: tijolo, concreto e vidro. Talvez
sensação de profundidade dada pelo vazamento quase total
do bloco de exposições. fosse mais certo dizer: vidro, tijolo e concreto”.36 A inversão
justifica-se porque nessa obra prevaleceram os grandes
Todo esse aparente ‘■brutalismo” no tratamento dos planos planos de vidro. O tijolo foi utilizado para criar alguns planos
não quer dizer, porém, que a expressividade da matéria sob a de fechamento e o concreto determinava a estrutura que
luz passou a dominar a arquitetura de Reidy. Basta observar nesse período ainda
era revestida com reboco pintado.
atentamente o acabamento das superfícies que, embora
rústico, é muito mais regular do que as vibrantes texturas dos
robustos pilotis da Unité d’Habitation de Marselha. Se Le
Corbusier buscava o transbordamento da forma, Reidy queria
retè-la sob o domínio do desenho, com acabamento sóbrio e
regular.

O concreto aparente era mais uma descoberta a ser


acrescida à poética de Reidy, mas seu uso como matéria
exuberante era amenizado, porque ao arquiteto importava dar _______■■■
Fig.122 Casa do arquiteto Artigas.
a todos os dados da construção o mesmo grau de
legibilidade. A arquitetura de Reidy não operava com um da nh mataria Q116 marca a imagem que as pessoas têm
único e expressivo elemento, pois sua poética ocupava-se nint /a ° arquiteto é 0 concreto armado tosco, aparente ou
justamente do esclarecimento geral da forma arquitetônica. P ntado, muitas vezes contraposto à rusticidade de planos de
natUraiS‘ Ele buscou a partir dos anos 50 um forte
Em São Paulo, Artigas, na r materialidade da construção, denunciando a busca
sua fase construtivista, utilizou o
vidro, o tijolo, o concreto e às vezes resistir COnStrUÇà° S°,ida’ Pesada e compacta capaz de
__ó pastilhas cerâmicas,
como as matérias principais exnimh bes9aste causado pelo tempo. Postura que
para compor suas estruturas.
Sobre sua residência (1949) co d' ~a entranhas da construção, revelando a sua
, em São Paulo, escreveu: “O
programa que orientou o a° de fat0 material, deixando à vista os sinais dos
projeto dessa casa é o programa
comum a
quase toda família. Os materiais são os mais
26 Artigas, Vilanova. In: Catálogo de exposição Vilanova Artigas arquitecto
Rogério (org), 2001, p. 106.
65

processos de execução. compreender as fronteiras da modernidade brasileira, e o


anseio desta por identidades. Assim, passou a promover um
sincretismo entre princípios modernos e princípios culturais
locais, usando materiais naturais contrapostos ao concreto
aparente.

Flg.123 Casa Elza Berquó .

Diferente foi o percurso da arquiteta Lina Bo Bardi. Sua


primeira grande obra significativa, o MASP (1957-68),
basicamente constrói-se de concreto aparente, vidro e aço. A
solução racionalista impõe-se na paisagem como um ícone
moderno e os vidros refletem a cidade dissimulando o peso
de suas estruturas, articulando suas superfícies com imagens
efêmeras.
Na residência Valéria (1958), em São Paulo, promoveu
uma arquitetura mimética com a paisagem e o contexto
cultural onde se inseria. A vegetação aderia-se aos muros e à
cobertura. As aberturas recebiam treliçados de madeira tão
comuns na arquitetura colonial; nas varandas que
contornavam toda a casa empregou cobertura de sapé -
Fig. 124, 125 e 126 Masp e detalhe casa Valéria. numa clara referência às construções caboclas e indígenas -
Mas a arquiteta não se prendeu às regras rígidas. Sua e utilizou a sombra como recurso para agregar conforto e
vivência no Nordeste (1958-64) propiciou o descobrimento da valorização plástica. As paredes e os pisos receberam
memória cultural de um povo, a partir do qual ela, conseguiu agregados de pedras, cacos de cerâmicas (influência de

i
66
Itamaraty (1960) e do Museu de Niterói (1991), agregando
Gaudi) e internamente caiação branca. Diferente da sua Casa
de Vidro, aqui a luz interna era filtrada, difusa: as treliças de efeitos que acentuam a ilusão de leveza. Outros arquitetos
madeira como os antigos muxarabis quebravam o efeito também utilizam esse recurso para enfatizar a
ofuscante da luz tropical, permitiam privacidade, mas não monumentalidade dos seus edifícios: Reidy, por exemplo, no
projeto para o MAM (1953) no Rio de Janeiro e Rino Levi no
impediam de ver a paisagem externa.

■ projeto para o Centro Cívico de Santo André (1965-68).

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Fig.128 e 129 Palácio do Itamaiaty e Museu de Niterói.

Desse jogo de luz e matéria muito ainda se pode falar


quando se lembra das viagens que Niemeyer fez e que tanto
I

Fig.130 e 131 MAM e


nsss
iÇentro Cívico de Santo André.

o influenciaram como, por exemplo, a de Veneza - uma


cidade que flutua, “leve” e sem densidade. A partir de então
ele adotou frequentemente os espelhos d’água que refletem a
luz solar e as nuvens, criando um dinamismo cromático que luz e cot
amplia as possibilidades de luz emitida pelo conjunto
edificado. Servindo, assim, para ampliar o monumental em pqtadr» auxilia na humanização da arquitetura, influi no
sua obra, dinamizar a superfície do edifício, alterar a sua cor norí an'mo das Pessoas. A simples aplicação de uma
ou am °rÇar 0U destruir volumes e planos, enfatizando
forma com reflexões e novamente lembrar um jogo que é
tema na arte cinética na qual se varia a leitura e percepção do num a rando obietos no espaço e criando tensão ou calma
da m lente’ A arquitetura confronta-se com a percepção
objeto conforme se varia a posição da fonte de luz e do
observador. Reflexos dinâmicos de luz sobre as marolas dos IU2 'ambém através da cor. A iumínosídade de urn
espelhos d’água alteram as superfícies do Palácio do ” Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York.
Nostrand

Remhold, 1996, p.249.


67

ambiente não é independente das suas cores e de suas porque prescindiu do ambiente luminoso.
superfícies. A luz refletida na superfície e aquela emitida das
próprias fontes luminosas interage na produção do espectro Em Rembrandt van Rijn (1606-69), pelo contrário, domina
que ao fim é percebido pelo olho. o ambiente em luz. Perde-se o caráter escultórico,
prevalecendo o ambiente ótico luminoso. A luz tudo envolve.
As cores e as superfícies influenciam de modo Sob o domínio da luz a configuração perde o valor, a pintura é
determinante na iluminação de um espaço, estando em pintura e não escultura. Expressa o ambiente, porém, não
estreita conexão com o suporte material. “Quando um raio de exatamente a geometria da forma. Assim sucede muitas
luz incide sobre um objeto se produz uma dupla reflexão vezes com a arquitetura barroca.
segundo as características superficiais do mesmo. O corpo
reflete a luz tingida de sua cor local, por um lado; e de outro,
segundo as características do próprio corpo (textura), reflete
também a luz com seu colorido original”.40 Tem-se então de
considerar a dupla e simultânea impressão visual: cor-objeto
e cor-ambiente.

A pintura clássica de Raphael Sanzio (1483-1520), por


exemplo, expressa tão somente a cor do objeto: não existe
um ambiente luminoso. Ela lembra escultura, manifesta o
volume, o relevo, porém não o ambiente luminoso - um
e
mundo das reflexões de cores. Cada detalhe do quadro
corresponde exatamente à cor do elemento retratado. Nele A cor na arquitetura pode ser entendida sob três pontos de
predomina a configuração (linha, massa) e a textura sobre o vista diferentes: físico, psicológico e fisiológico. As relações
colorido de luz e claro-escuro. O quadro parece realista, mas físicas são estudadas analisando as propriedades
as pessoas nunca veriam assim a cena representada. O fundamentais de matiz, brilho, etc. As relações psicológicas
trabalho do pintor supõe uma abstração (uma separação) fazem referência ao significado da cor, no qual aparecem os
valores alegóricos, afetivos, que influem na concepção dos
40 Araújo, Ignácio. La Forma arquitectonica. Pamplona: Eunsa, 1976, p.174. ambientes (alegre, triste, sereno, etc.). As relações
66

fisiológicas manifestam a reação das pessoas ante ao efeito


oriente o luto manifeste-se na cor branca.
cromático, surge assim o estudo das discordâncias, dos
ofuscamentos e dos efeitos produzidos pela oposição das A luz e a cor agem sobre a emoção das pessoas. Em geral
cores complementares, como consequência a visão a reação à cor é diferenciada, isto é, cores diferentes
simultânea e a visão sucessiva de cor. suscitam particulares sensações e emoções. "Para alguns
homens as cores dão, em geral, grande prazer. O olho tem
necessidade de luz. Pecorda-se o alívio que se prova
quando, em um período de neblina, o sol reluz sobre qualquer
trecho de paisagem tornando visível as cores... a experiência
ensina que cada singular cor dá um particular estado de
ânimo... A cor mais" ampla (amarelo, laranja, vermelho)
produz estado de ânimo ativo, vivo, tendendo a ação... 0
amarelo puro tem a capacidade de estimular, portanto,
Fig.134 e 135 Círculo amarelo e Azul de James Turrei.
serenidade e alegria.. O amarelo-vermelho dá aos olhos uma
A cor é um meio de expressão. “O homem é um ser sensação de calor e deleite, uma superfície inteiramente
unitário. Qualquer coisa que repercuta nele repercute em sua vermelha-amarela parece verdadeiramente transfigurar o
totalidade. Por isso se explica que seus diversos sentidos olho. Essa dá jogo a uma excitação incrível... ambientes que
tenham reações similares ante aos estímulos diversos, já que são tecidos com um azul puro podem ser vazio e frio. O azul-
manifestam a existência de uma qualidade estrutural comum vermelho rende inquietude. O vermelho dá uma impressão
a todos eles”41 Isso faz compreender falar-se de uma cor fria, tanto de gravidade e dignidade quanto de clemência e
porque produz uma sensação similar a um clima frio. graça... um ambiente desta cor é sempre solene e pomposo.-
Entretanto, não deve-se esquecer que essas reações O verde facilita o repouso do olho e da alma... A cor dá
dependem do valor simbólico e alegórico das cores - produto prazer, pode excitar e deprimir, estimular, acalmar, inquietar.
de uma cultura e de uma época. Assim se explica que na A cor pode enfim facilitar ou complicar as nossas relações
cultura ocidental o negro seja a cor do luto, enquanto no com a realidade, com o ambiente que nos circunda”.42
42 Goethe apud Ponte, Silvio de.
41 lbid„ p.191. Architetture di luce. Luminoso e sublime nottumo
ne/fe discipline progetluali e
di produzione estetica. Roma: Gangemi, 1999, PP
149-150.
69

Para os arquitetos, é fundamental entender que a cor que articula ou separa seus elementos.
valoriza e transforma as formas. O modo de relacionar-se
com ela - luz, cor, pigmento - influi, radicalmente, no O Movimento Moderno legou a pureza da forma e da cor,
significado do fato arquitetônico que se concebe: a solução dando à arquitetura um monocromatismo sem precedentes. A
“tátil” e “ótica” contrapõe-se pela luz e a geometria deverá luz moderna era fria, uniforme e abstrata. O mesmo aplica-se
dobrar-se à luz desejada para reforçar seus efeitos rotundos, em relação à cor. A cor da luz preferida dos modernos era
nítidos; ou pelo contrário, vibrantes e fugazes. A textura, o branca, a luz das lâmpadas incandescentes, impessoal,
valor do relevo, a rugosidade superficial, permitirão a universal. Mas a segunda geração de modernos amenizou
obtenção de sombras perfeitamente recortadas (Parthenon) essa postura. A geração do retomo à “cultura da penumbra"
ou sombras suaves e difusas (barroco centro europeu). As seria também a do gradativo retorno à valorização da cor,
luzes vibram poderosas sobre o ouro velho de um retábulo principalmente da cor natural da matéria.
(barroco colonial brasileiro) ou fazem-se espaço-cor (gótico).
Nos países tropicais a cor é um fator cultural, vibrando na
alegria dos múltiplos estímulos luminosos. No Brasil, a cor
para os modernos seria, num primeiro momento, um dos
instrumentos para estabelecer identidade, para se

_______ ______________ _______ I


III I L Bfli_________ L.h E______________________________________________________________________EZB
Fig.136. 137, 138 e 139 detalhe Parthenon, Igreja barroca alemã Ottobeuren, detalhe
correlacionar com a história colonial através dos azuis e
brancos, dos tons pastéis, das cores vítreas das pedras
polidas, pastilhas e azulejos.
retábulo Igreja São Francisco de Salvador, detalhe vitrais e colunas igreja de Chartres.

A cor permitirá forjar o sentido de uma organização mais Nesse sentido o edifício do Ministério da Educação (1936-
simples ou mais complexa, produzir efeitos de subdivisão ou 45), no Rio de Janeiro, é um prelúdio. O próprio Le Corbusier
fusão, corrigir as dimensões “óticas" dos elementos, lhes incentivou os arquitetos locais a usarem o granito rosa, “olho
fazer chamativos ou torná-los desapercebidos. O caráter de de sapo”, em detrimento aos importados. Preocupado com a
um espaço, a força de uma massa, a delicadeza de uma integração da arquitetura às artes, sugeriu a introdução de
superfície, dependem também da cor, que provoca azulejos azuis e brancos, similares ao utilizados na época
sensações de amplitude ou estreiteza, frieza, distância ou colonial. Além de murais; esculturas; madeiras amareladas e
pregnância, que sugere direções visuais, centros, nódulos; enegrecidas (marfim e ébano); pedras polidas (travertino);
70

paredes pintadas de branco, azul e bege; e os brises externos


pintados na cor azul claro.

Hg 140 e 141 Diamantina e azuleios tachada externa do Ministêno da Educação. Fig.142, 143 ei44 Casa Olga Baeta.
pode ser percebido na sua explicação sobre a
O arquiteto Vilanova Artigas, influenciado pelos idência Olga Baeta (1956), em São Paulo: “Essa sala é
construtivistas, também enfatizou em vários textos que da como um Mondrian: um trecho é azul, um pedaço
gostava de utilizar cores em suas obras (brancos, amarelos,
ranco, um amarelo e um risco preto. A escada é de cimento
azuis, vermelhos e pretos), tudo contraposto ao predomínio
São ladrilhos de cimento encerado. A sala de jantar é o
da cor do concreto aparente natural ou pintado de branco e
ode se sentar no sofá dentro do branco e a entrada é
as cores dos materiais naturais (tijolos, pedras). Para ele as
quadrado vermelho que encaixa no conjunto. Tudo está
cores eram instrumentos que acentuavam ainda mais a
9 a esse ideário em relação ao espaço e à apropriação
autonomia dos planos. Sua arquitetura enfatizava essa
da usuário segundo seu julgamento sobre a visualidade,
independência, os ambientes pareciam formados por uma
às limitações de paredes".43 A cor era utilizada para
montagem de planos soltos, nos quais se percebe tanto o definir areas funcionais e articular o espaço.
desenho específico de cada elemento quanto o modo como
se articulam entre si. Permanecia assim fiel ao raciocínio residência Rubens de Mendonça, a “casa dos
planar moderno, mesmo quando mudava o foco de seus visã 9Ul°S em São Paulo, Artigas flexibilizava sua
interesses, cada vez mais voltados para o interior e para os de arte, movido pelo debate soviético e dos
aspectos materiais da construção. etistas. Para aa confecção de uma composição
43 A- --------------------------------------------

Artigas, Vilanova l
lnst'tuto Lina Bo Bardi, ?997erpra72 Marcel° (°r9 )- Vilanova Artigas. São Paulo:
71

geométrica de triângulos azuis escuros e brancos nas desenho específico de cada elemento, quanto o modo como
fachadas, o concreto rugoso da casa de Olga Baeta foi se articulam entre si. Aí as cores “mondrianas" - azul das
substituído por um tratamento liso, base para o painel feito pilastras, vermelho das bancadas e parapeitos da escada,
por Mário Gruber: “Gosto imensamente dessa casa. As cores amarelo das paredes, branco do teto e negro do piso -
começaram a me impressionar. Esses triângulos concretistas acentuam ainda mais a autonomia dos planos. E vale notar
são azuis... o desenho abstrato que se forma tem a finalidade ainda o modo como as poucas paredes existentes não tocam
de romper, de transformar o volume em superfície".44 diretamente o teto, antes estão separadas por uma fiada de
elementos vazados.

Fig.145, 146 e 147 Casa Rubens Mendonça.

O Ginásio Estadual de Guarulhos (1960) representa um Fig.148 e 149 Ginásio de Garulhos.


dos seus vários edifícios escolares onde o partido resume-se
O concreto aparente foi para Artigas, a partir dos anos 60,
no lançamento de uma extensa estrutura de cobertura sob a
matéria para expressar sua postura “brutalista" perante o
qual os ambientes distribuem-se segundo critérios
mundo. Sua cor acinzentada e sua textura mutante foram
específicos. A materialização desse espaço contínuo tem no
contrapostas, muitas vezes, aos planos coloridos nas cores
pátio de vivência o elemento decisivo, na medida em que este
primárias (vermelho, azul e amarelo). Isso se verifica no
se dispõe como área pública e privada: espaço participante
Anhembi Tênis Clube (1961); na FAU/USP (1960); na
do interior do edifício, mas também zona aberta e em contato
Rodoviária de Jaú (1973); entre outros. E nos Vestiários do
com o exterior. Em termos de cores, estas auxiliam na ênfase
São Paulo Futebol Clube (1960) ele foi pintado de branco.
a alguns elementos construtivos, como os pilares, na
configuração de volumes e planos - articulando e alegrando o
espaço da escola. O ambiente parece formado a partir de
uma montagem de planos soltos, na qual se percebe tanto o 1 >
____ __ ________________ fc
Fig.150, 151, 152 e 153 Anhembi Tênis Clube, FAU/USP, Rod. Jaú e Vesl. do SP.
44 Ibid., p.78.
72

Também para Oscar Niemeyer, o uso de poucos materiais incessante por imaterialidade e leveza.
e poucas cores representou uma forma de expressar suas
formas escultóricas. Mas no início de sua carreira prevalecia
o fascínio por revestir seus envoltórios com pedras naturais
(granitos, mármores, pedras mineiras), madeiras, azulejos
brancos com filigranas azuis, pastilhas de porcelana e de
vidro em cores pastéis, pinturas em cores claras,
principalmente o branco. Foi o período de Pampulha.

-1J
Fig.157 Vista externa do Memorial JK.
Mas a cor é também utilizada por Niemeyer para destacar
fato solene, dramático, simbólico, enfatizado pelo pontuar
um foco de luz colorida, geralmente através de um vitral.
asa de Baile na Pampulha. Palacio do Planalto e Palácio do Itamaraty. o Memorial Juscelino Kubitschek (1980) ele contrapõe o
Depois veio Brasília. FEntão ele elegeu os volumes me externo branco brilhante ao interior escuro, e
revestidos com mármores vítreos brancos, escenta um ponto focal em luz vermelha sobre a cripta
cerâmicas claras,
pisos de granito e granitinas pretos. Já 9 a cujo pano de fundo é um espaço imenso em penumbra
na fase estrutural
(1960) adotou o concreto aparente e seu brilho vio eta acinzentada. Nele, todos os espaços estão interligados
iluminando texturas ásperas de fôrmas filetadas. prateado
visualmente, não existindo nenhum plano fechado, nenhuma
coluna interferindo nas formas, nas cores e na luz ambiente
Em uma fase mais recente optou pelo simples. Seus
longo edifício de cem metros de extensão por vinte
volumes tornaram-se toscos, de concreto desformado
os de largura. A única fonte de luz natural advém do vitral
aparente pintado de branco, expondo suas texturas e suas P or, realizado por Mariane Peretti, que inunda o sepulcro
plásticas conforme incidem obliquamente os raios do sol, ou
p esidente com tons avermelhados - vermelho, lilás,
contrapondo seu corpo claro com projeções de sombras ranço e laranja. No restante do salão a iluminação é feita por
escuras. O branco foi utilizado para realçar o contraste entre
uz artificial bastante reduzida, embutida em uma sanea
áreas iluminadas e áreas em sombras numa busca
apé arredondado no encontro do piso com a parede.
73

O sepulcro tem a forma de um cilindro aberto em três invertidas.


pontos opostos, num rasgo vertical estreito do piso ao teto,
por onde a luz vermelha interna transpõe-se para o grande
espaço. Internamente ele é todo revestido de granito preto,
exceto o piso de carpete grosso rosa escuro. Externamente,
os três segmentos do cilindro são revestidos com um painel
de Athos Bulcão, no qual predomina o mármore branco com Fig.160 Vista externa do Panteão dos Inconfidentes.

alguns detalhes rebaixados em granito preto. Nos volumes do Panteão, prevalece a postura de clausura,
mostrando uma caixa revestida de mármore branco,
hermeticamente fechada, procurando estabelecer um solene
e misterioso espaço interno em homenagem a Tiradentes e a
)IÍ,lll'llilli Tancredo Neves. A porta orientada para o Norte é a única
piiliW fonte de luz da área de acesso. Devido à proporção entre o
tamanho do espaço e da abertura da porta, a iluminação
resultante é tênue e concentrada à entrada, existindo um
brusco escurecimento em direção ao interior. As cores
escuras do revestimento das superfícies desse espaço
Fig.158 e 159 Interior Memorial JK.
reforçam a penumbra; piso revestido com um tapete contínuo
Já no Panteão dos Inconfidentes (1985) ele negou o na cor rosa escuro, que também se expande invadindo as
espaço interno pintando-o de preto e pontuando um vitral laterais inclinadas, chegando até o teto pintado de branco. As
vermelho no vazio. Niemeyer finalmente conseguiu construir o outras paredes completam a composição cromática, uma
que foi abandonado em Caracas. Retornando a idéia da pintada de negro e a outra revestida em mármore apicoado
pirâmide invertida, deixando de lado o discurso do mínimo, branco. Os elementos dominantes nessa sala são iluminados
relembrando as formas complexas e articuladas da sua por luz artificial; um painel de placas de madeira laqueada na
juventude. A complexidade do projeto expõe um conjunto de cor vermelho vivo, na parede oposta à área de recepção e
formas escultóricas, expandindo-se em várias direções. uma composição abstrata de mármore branco em relevo,
Soltas, margeando duas meias pirâmides deslocadas e ambos de Athos Bulcão.
Fig.161.162 e 163 Vistas internas do Panteão dos Inconfidentes.
luz e espfiço.
Subindo chega-se ao grande salão cerimonial. Enquanto o A luz cria espaços e atmosferas. A matéria luminosa não é
exterior arquitetônico monumental vibra em branco vítreo do percebida somente com os olhos, mas representa uma
mármore pelo impacto da luz tropical, o interior é um espaço experiência física que envolve todo o corpo de quem vivência
predominantemente obscurecido cultuando a introspecção. O a arquitetura. A luz permite compreender o ritmo constante do
espaço dessa câmara é todo negro, quase uma negação da tempo e une o espaço à presença das coisas que circundam
espacialidade moderna. O piso é revestido por um carpete as pessoas. Muitos exemplos ilustrados anteriormente neste
negro e contínuo, as paredes são pintadas de negro, capítulo comprovam essas relações.
reforçando a escuridão do espaço e a indefinição de suas No dia a dia as pessoas percebem variações sutis quando
arestas e seus limites. Em uma das extremidades dessa sala fecham e abrem janelas ou portas, ligam e desligam focos de
foi pendurado um extenso painel de quatro por vinte e um luz artificial, circulam pelos ambientes. Portanto, uma
metros de pintura narrativa de João Câmara: o mural mudança nas condições de iluminação significa uma
descreve a trajetória de Tiradentes, com realismo e ironia, mudança na percepção desses espaços.
nas cores branca e preta, e sendo também iluminado
artificialmente. Um ambiente branco com uma parede de vidro parecerá
aberto e espaçoso quando alimentado com a luz diurna;
Do lado oposto fica um enorme vitral inclinado, única fonte misterioso à noite com uma vela iluminando as bordas do
de luz natural, de autoria de Mariane Peretti. Esse vitral de ambiente obscurecido. E a imagem da vela refletida no vidro
cento e oitenta metros quadrados tem um desenho informal parecerá envolver o espaço em um escuro infinito. Colocar
nas cores branco leitoso, vermelho e violeta. Apesar de uma cortina branca na frente da parede de vidro modifica
reduzida, a luz natural orienta os usuários que transitam pelo completamente essas relações: de dia, a luz diurna estará
salão. difusa; à noite, a cortina capturará e difundirá a pouca luz da
75

vela, fechando o ambiente com a sua superfície iluminada.45 onde o interior e o exterior confrontam-se, enfatizando uma
conexão ou uma separação; quanto no interior, unificando ou
Lina Bo Bardi nunca escondeu o seu fascínio pela natureza separando espaços, orientando através de focos,
tropical do Brasil. Concebeu, então, para si uma residência desenvolvendo hierarquias ou sugerindo movimentos. A luz
que se projeta sobre a paisagem do Morumbi. É interessante contribui, então, para definir espaços - une, diferencia, e
comparar as fotos da “Casa de vidro" da época de sua conecta interiores.
construção (1951) com as mais recentes: a casa envidraçada
anteriormente desprotegida sob o sol e agora sob uma massa
de árvores que a envolve com o passar dos anos. Em ambas
a transparência é um imperativo para efetivar a relação com o
contexto paisagístico exuberante: antes eram os horizontes
infinitos e hoje apenas o horizonte verde próximo a inundar os
espaços internos com rendilhados de sombras de várias
intensidades. De forma que a vegetação e as cortinas alteram
significativamente as qualidades espaciais.
O tema religioso e místico propicia um campo adequado de
expressão para discutir o elemento luz como qualificador e
unificador de espaços. Na Catedral de Brasília (1958), de
Niemeyer, a forma dinâmica e ascensional do volume da nave
contrasta com a planta circular estática. As colunas brancas
delgadas intercaladas pelas áreas escuras dos vidros
reforçam as múltiplas variações e efeitos de luz e sombra.
1 I*
Fig.164 e 165 Vista interna Casa de Vidro anos 50 e atual. Essa ossatura enfileirada e tencionada até o zênite é unida
Muito da definição do espaço arquitetônico na luz através de uma coroa, conferindo a todo conjunto uma
evidencia-se tanto nas paredes exteriores - os envoltórios - impulsão ascendente. Sob esta cúpula transparente,
composta de vidros incolores e coloridos, vários espaços
45 Millet, Marietta S. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold, congregam-se, materializando o partido moderno da grande
1996, p.93.
cobertura sob a qual várias atividades organizam-se na diferenciados. Era o que podia ser observado no ateliê da
residência demolida de Oswaldo Bratke na rua Avanhandava
planta livre gerada.
(1947). As fotos de seu escritório ilustram a preocupação do
!
R arquiteto em adequar a iluminação natural à função de
desenho: luz lateral advinda das janelas e luz zenital refletida
na parede iluminando e estabelecendo duas áreas distintas
de pranchetas, ambientando agradavelmente o conjunto.
Quando se compara fotos internas desse pavilhão com
Fig 167 e AeS^Facuioade^e Arquitetura e Urbanismo da USP e MASP. Taliesin West (1937) de Wright, percebe-se como a influência
Artigas, por sua vez, utilizou muitas vezes esse recurso. americana foi determinante no desenvolvimento de sua
Na FAU (1961) propôs o uso da luz como elemento unificador arquitetura nesse período.
dos vários espaços. A grande cobertura constituída
uniformemente por zenitais projeta uma luz homogênea sobre
as várias plantas que se interpenetram e se alternam. Essa
luminosidade é completada pelas janelas e vãos laterais
protegidos pelas grandes varandas.

No MASP (1957-68) Lina Bo Bardi materializou na área de


g 169 e 170 Ateliê casa rua Avanhandava e Pavilhão Taliesin West
exposições um espaço em planta livre iluminado
homogeneamente pelos dois lados maiores. A luz uniforme sendo utilizada para estabelecer lugares dentro de
permite a distribuição sem restrições das amostras e paço maior pode também ser comprovada na Capela
atividades, de forma que cada peça artística seja totalmente ampulha (1940), onde a grande abertura de acesso
acessível quando apoiada em um cubo de concreto e sobre m H H Uma IUZ 9radualmente diminui de intensidade à
um fundo de vidro temperado transparente. que a pessoa segue em direção ao altar e depara-se
estreitamento da nave. Esse efeito é ainda mais
Muitas vezes a luz natural é utilizada para estabelecer
ad° Pel° US° dS madeira como revestimento do forro,
dentro de um mesmo espaço a caracterização de outros xi Ia na absorção de luz e cria uma diminuição gradual
espaços, dinamizando e estabelecendo áreas de usos intensidade, qualificando o espaço com mais
77

intimidade. divisórias de luz. A luz é frequentemente “emprestada" para


um espaço adjacente, a luz diurna é “transmitida" para um
ambiente interior. Entre os mezaninos dos ateliês de
arquitetura e as circulações da Universidade de Brasília
(1960), Niemeyer propõe divisórias de vidro jateado que
projeta luz complementar aos espaços interiores.
Fig. 171, 172 e 173 Croqui de Niemeyer e vistas internas Capela da Pampulha. ______« F

Ao mesmo tempo em que a luz vai gradualmente perdendo
....
a força (resvalando no balcão, absorvida pelo forro
descendente e pelos bancos escuros de madeira), percebe- 1 «iiiiiiBlííll®
se, na intersecção das duas abóbadas, o contraste entre a
superfície escura da madeira que reveste a nave e o espaço
s L ""«•Hliew
Ag. 174 e 175 Ateliês de arquitetura da Universidade de Brasília.

dilatado do coro que, iluminado pela zenital, clareia atrás do O bloco de vidro é também um elemento que permite
altar e encontra o afresco executado por Portinari. Através do conectar espaços próximos. No edifício Plínio Catanhede
uso da luz como diretriz de projeto, Niemeyer contrapõe duas (1938) dos Irmãos Roberto, no Ministério da Educação (1936-
ambiências - a nave com luminosidade decrescente e o altar 45) e no Banco Paulista do Comércio (1947-50) de Rino Levi,
numa explosão de luz - marcando assim a caracterização os blocos de vidro promovem efeitos lumínicos variados,
diferenciada destes. A luz solar intensa que incide possibilitando estabelecer relações com o mundo figurativo
externamente contrapõe-se à luminosidade amena do espaço externo através de feixes múltiplos de luz colorida.
interno que é reforçada pelo uso de madeira escura
lembrando os forros das antigas igrejas coloniais, além de
ajudar a enfatizar a luz contrastante sobre a área mais
sagrada da capela: o coro.

Dentro de um edifício, os ambientes podem estar —_____


Ag. 176. 177 e 178 Edifício Plínio Catanhede, MESP e Banco Paulista do Comércio.
separados de outros fisicamente, termicamente,
acusticamente, e ainda assim serem conectados através de As residências projetadas por Lúcio Costa também
diferenciam áreas funcionais dentro de um mesmo espaço Através de efeitos contrastantes entre áreas com nível de
inferior através dos níveis de iluminamento. De influencia
iluminamento baixo e pontos fortemente iluminados pode-se
colonial, os espaços dessas casas guardam com as aberturas
criar ênfase para certas regiões dentro do espaço. Muitos
relações que possibilitam destacar as qualidades lumínicas
arquitetos utilizaram esse recurso para estabelecer um
dos vários ambientes, estabelecendo atmosferas especificas,
significado especial. A luz passa a expressar aquilo que está
além de criar um certo dinamismo, uma certa hierarquia,
além da compreensão normal ou aquilo que tem um valor
priorizando claramente áreas mais sociais e áreas mais
diferenciado em relação aos demais.
íntimas. Exemplo desse recurso são as residências Barão de
Saavedra (1942) e Paes de Carvalho (1944).
Os seres humanos são fototrópicos por natureza,
..ÍÜlliíiiV respondem à luz. Assim como em um teatro, o ponto mais
brilhante em uma cena usualmente atrai primeiro a atenção. A
I
JpI luz torna-se assim um meio prático e poético para promover
orientação em todas as escalas do ambiente construído.
Pode-se definir um ponto focal, reforçar uma organização
Fig.179,180 e 181 Intenor casa do Sito do Pade Ínácioí SaavedraePaesdeCarvalho.
hierárquica ou encorajar movimento ao longo de um espaço.
Na residência Helena Costa (1980) uma série de
elementos treliçados de madeira são utilizados para A luz tem a capacidade de comover. Um pôr do sol, um
estabelecer uma separação sutil entre os vários espaços. No mosaico colorido numa catedral bizantina, um vitral numa
entanto, tais treliçados não impedem que esses espaços catedral gótica, tudo tem um significado para as pessoas, que
permaneçam visualmente conectados através da varia dependendo do estado de ânimo, da cultura, do estado
contraposição das imagens iluminadas que os transpassam. psicológico. A luz pode também representar uma idéia, um
conceito, um valor como o cosmos, a vida, a morte, a
i
divindade. Um aspecto especial pode ser a luz solar fluindo
'.í--| através de nuvens ou um feixe de luz em um interior escuro,
(.
particularmente em um sombreado invólucro tal como o
Pantheon romano.
Fig. 182, 183 e 184 Casa Helena Costa.

1
Fig.185, 186 e 187 Pôr do sol. Mesquita de Córdoba e Igreja de Chartres. Fig.188, 189 e 190 Capela do Alvorada.

Na Capela do Palácio da Alvorada (1957) uma pequena A luz pode também ser utilizada para promover a
abertura na lateral do altar, voltada para Norte, projeta um percepção de espaços mais valorizados em detrimento de
feixe de luz colorida sobre uma imagem barroca de Nossa outros, ajudando na orientação, estabelecendo sugestões de
Senhora, luz que transpassa um vitral projetado por Athos uma certa hierarquia, além de dinamização das relações
Bulcão nas cores lilás, rosa e violeta. A difusão gradativa da espaciais.
luz efetiva-se em função da localização, do tamanho da
abertura e da forma curva das paredes revestidas de filetes
de madeira. Os croquis de concepção do projeto mostram a
preocupação de Niemeyer em estabelecer um ponto focal em
contrate lumínico para criar efeitos místicos, colocando
aberturas no encontro das semi-hiperbolóides e vedando com
vitrais para obter feixes de luz indireta. Essa modalidade de
iluminação focal apareceu em outras obras do arquiteto. Para
Fig. 191 e 192 Casa do arquiteto Artigas.
os temas mais solenes, a tipologia de volumes opacos e
pontos focais obtidos com pequenas aberturas vedadas por A proposta geral que prevalece na residência que Artigas
vitrais mostra-se bastante eficiente como ocorre, por exemplo, constrói para sua família (1949) é a transparência, a
no Memorial JK (1980) e no Panteão dos Inconfidentes integração efetiva com o exterior. Mas um olhar mais atento
(1985). revela que essa planta contínua reserva certas sutilezas. As
aberturas estrategicamente colocadas estabelecem um jogo
lumínico que determina espaços hierarquicamente definidos:
■■■■■

80

áreas sociais em plena luz contrapostas gradualmente a espacial está intimamente ligada ao uso de superfícies
áreas intermediárias de apoio menos iluminadas e áreas transparentes. O papel das superfícies envidraçadas nos
íntimas com luz amena. edifícios tem uma tradição que substitui, desde os fins do
século XIX, a idéia de parede como elemento corpóreo”.46 A
Muitas vezes o pensamento moderno que influenciou os parede moderna, advinda dos conceitos teóricos do cubismo
arquitetos brasileiros enfatizava o passeio arquitetônico: uma e neoplasticismo, rompia com a tradicional concepção de
sucessão de imagens espaciais percebidas num percurso. E parede como suporte e definidora espacial. Definia-se pela
a concepção de percursos e aglomerações correspondia a alta tecnologia do vidro (por invólucros transparentes); pelo
uma concepção de espaço-tempo semelhante à lei da desaparecimento da estanqueidade entre espaço interior e
relatividade de Einstein. espaço exterior; pelo movimento-tempo: a quarta-dimensão.

Para o movimento De Stijl (1917-31), o circular das Considerava-se, então, a transparência como resultado de
pessoas no espaço era fundamental, não partindo de um espaços envidraçados ou não, de superfícies cristalinas ou
ponto fixo para observar o objeto, mas de um espaço que volumes interpostos virtualmente, indício de profundidade
estimulasse a relação entre o observador e o objeto. Essa poderoso, que enfatizava a sobreposição de efeitos de linhas
posição teórica ligava-se a quadri-dimensionalidade, opondo-
e imagens que se agrupavam, à mercê do observador.
-- —
se às antigas teorias newtonianas do espaço absoluto e da
geometria que correspondia a um sistema de coordenadas
cartesianas. O espaço-tempo era feito de acontecimentos,
enquanto o espaço era unicamente constituído de
localizações. O que fazia perceber as variações diárias e
sanzonais da luz no tempo. As impressões sensoriais das
pessoas constituíam um acontecimento num dado lugar e
num dado tempo. IJ m
Fig.193 e 194 Faculdade de Engenharia e Faculdade de Arquitetura.

Surgia assim o conceito de espaço fluido. Aquele espaço Em um percurso extenso os pontos de luz motivam,
que se caracterizava basicamente pela adição, por ser um
1996*p7^'ar'e,ta Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinholcj,
espaço quebrado, semelhante à pintura abstrata. “A fluidez
encorajam, promovem passeio. Estabelecem ritmo, áreas de
descanso visual, contato com o exterior. É o que se percebe
na Faculdade de Engenharia (1956) e na Faculdade de
Arquitetura (1957) da UFRJ, de Jorge Moreira. O programa
da Faculdade de Engenharia foi resolvido através da
contraposição de blocos horizontais dominantes a blocos
verticais excepcionais. As diversas especialidades da
engenharia foram distribuídas em seis blocos de dois
Fig. 196 e 197 Igreja Espírito Santo do Serrado.
pavimentes dispostos paralelamente entre si, separados por
pátios ajardinados e interligados por galerias cobertas que os Já nos croquis de estudo percebe-se as preocupações da
conectam. Estas se encontram ora fechadas ora abertas, arquiteta em utilizar a luz como elemento simbólico e
promovendo ritmo e movimento, dinamizando o percurso sagrado: um feixe de luz zenital sobre o altar contrastando
através da variação do nível de iluminação, do colorido da com o restante do espaço em penumbra. Respeitando o
vegetação e de painéis cerâmicos nos pátios. acentuado declive do terreno, os principais espaços foram
implantados em patamares e caracterizados por diferentes
v— -
qualidades luminosas. Ao circular por esses espaços,
percebe-se ritmos de claro e escuro que proporcionam
grande dinamismo aos espaços internos.
X/.

Fig. 195 Igreja Espírito Santo do Serrado.

No projeto que Lina Bo Bardi fez para a Igreja Espírito


Fig.198, 199 e 200 Casa de Vidro.
Santo do Cerrado (1976-82), em Uberlândia, Minas Gerais, as
referências foram as construções paleocristãs e a Similar é a sensação que se vivência ao percorrer a sua
configuração se efetivou através de cilindros que se Casa de Vidro (1951) no Morumbi. Chega-se através de um
interpenetram. bosque que filtra os raios solares, adentra-se na área
82

sombreada do pavimento inferior, avista-se um ponto de luz harmonia não é ausência, mas equilíbrio de contrastes”.47 A
na área central, sobe-se por uma escada em penumbra. Há, sombra, tanto quanto a luz, é rica em associações e carrega
então, a surpresa quando se entra nos estares sociais com ela o potencial para expressar mensagens. Seus efeitos
superiores em plena luz, para finalmente encontrar a área podem induzir a um estado de ânimo, a um sentimento ou a
intima em penumbra. Novamente o ritmo luz-sombra um estado mental.
possibilita perceber um movimento materializado em
arquitetura através da manipulação do grau de iluminação. Na pintura de Giorgio de Chirico (1888-1978) percebe-se
uma predileção por sombras precisas - sombras com uma
mística marcante, com um caráter de narração. “O espaço,
confunde-se com as coisas, o princípio lógico se inverte no
princípio do não-lógico, do absurdo. Para além das figuras-
espaço e dos objetos-espaço, o
F»g201,202 e 203 Casa de vidro.
espaço é pura figura perspectiva,
profundidade sem capacidade,
intransitável e inabitável. As cores
são quentes e profundas, mas
duras e como que solidificadas nos
LUZ £ 50MKW- objetos, a luz é intensa e imóvel,
“É somente através da luz e da sombra que a arquitetura sem vibrações nem raios"46 E as
adquire forma... Luz e sombra são fenômenos complementares"
Inceborg Flagge. sombras são planos negros
Fig.204 Pintura de Chirico.
chapados e exatos.
Luz e sombra se inter-relacionam. A sombra faz parte da
experiência de luz, assim como o preto é necessário para „ o que é sombra? Ela pode ser definida como a
completar a definição do branco. A harmonia entre tais ausência de luz". Sob a expansão da luz elétrica no atual
opostos não se realizará anulando-se um deles, mas o altamente industrializado a sombra tem perdido a sua
permitindo que vivam em contínua tensão, porque “(...)
« AC0, U™berl0 História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.72.
Argan, Giuho Cario. Arte moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p.496.

I
83

atraçao, os seus segredos, os seus mistérios.49 sombra, essa desenha a luz, sendo um fenômeno de
importância equivalente. Pode-se refletir sobre a história do
No mundo moderno o mágico poder da sombra é de pouca ambiente construído a partir do estudo de suas sombras.
significância. O mundo do vidro trabalha com a luz, mas não
necessariamente com a sombra. Na pesquisa anterior a esta, Até a descoberta da lâmpada elétrica os homens viam a
concebida para o mestrado,50 foi enfatizado que na poética do sombra como um reino de mistério e de interiores
racionalismo imperou a luz pura, a “cultura da clareza” em aterrorizantes. Uma lenda antiga falava de um ser misterioso
detrimento da “cultura das sombras”. Triunfou a luz não que rodeava a penumbra. Essa era a fantasia popular, a
contaminada para dissolver as sombras e os claros-escuros, expressão do medo ancestral. Quando se descobriu a energia
considerados projeções das obscuridades vinculadas ao elétrica os homens passaram a utilizá-la sob o princípio da
espírito humano. Isso conduziu a eliminação da luminância, isto é, com grande quantidade de luz, segundo a
expressividade material da luz e a substituiu por uma idéia que trabalhar o habitar muito iluminado fosse signo de
luminosidade uniforme, fria e abstrata. modernidade e de bem estar físico, espantando todos os
temores interiores.
Mas muitos arquitetos da segunda geração moderna
rebelaram-se contra essac postura impessoal. Procuraram
restituir emoção aos produtos dos ambientes. Voltando-se a
formar a “cultura da penumbra", uma cultura na qual a
plenitude da luz desfaz-se na evanescência dos valores claro-
escuro.

Áreas em sombra com fragmentos de luz têm enorme


poder poético. Sob uma cobertura em penumbra a matéria Fig.205 e 206 Carceri de Piranesi e interior de uma casa japonesa.

adquire uma certa propriedade "mágica" que desaparece na O livro poético “O elogio das sombras”, rebelando-se
luz clara e racional. O elemento espetacular da luz é a contra o uso indiscriminado da luz elétrica e dos materiais
industrializados, descreve o sentido de tranquilidade que
49 Casati, Roberto. In: Flagge, Inceborg (org). The secret of the shadow, light and
shadow in arquitecture. Berlin: Deutsches Architektur Museum, 2002, p.26. acompanha a sombra na tradicional cultura japonesa, na qual
50 Barnabé, Paulo M.M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP. delicados painéis de papel adquirem uma nublada

I
84
r
translucidez: A nós nos agrada essa claridade tênue, feita de do bem, do conhecimento.52
luz exterior e de aparência incerta, impregnada na superfície
das paredes de cor crepuscular e que conserva apenas um
último resto de vida. Para nós, essa claridade sobre uma
parede, ou melhor, essa penumbra, vale por todos os adornos
do mundo e sua visão não nos cansa jamais’’.5'

Os japoneses valorizaram a semi-obscuridade,


desenvolvendo uma refinada sensibilidade estética ligada à
sombra. Suas casas tradicionais afastavam a luz do Os conceitos de luz-vida e obscuridade-morte estão em
perímetro. A varanda que prolongava o grande teto e contradição, segundo uma lógica de exclusão recíproca. No
dominava o espaço habitado, acentuava essa particularidade. pensamento Zen tal contradição não existe, pois não se
O shoji era uma parede móvel constituída de uma armadura estabelece diferença entre a vida e a morte, sendo estas
quadriculada de madeira, sobre a qual se colava um papel parte da mesma ordem cósmica que tudo comporta. Segundo
branco denso que deixava passar parte da luz incidente, mas essa lógica busca-se a harmonia entre elas e a ordem inteira.
não o olhar. Assim criava-se uma luminosidade indireta e Assim, não pode existir contradição entre as duas
difusa que era um dos fatores essenciais da beleza das constituintes do mesmo fenômeno natural, ou seja, a luz e a
residências japonesas. sombra, devendo haver harmonia entre elas e o espaço que
se obtém.
Tal proposta é reveladora da sensibilidade do Oriente,
levido a uma tradição do pensar que remonta a filosofia Zen. O projeto da sombra na casa japonesa está ligado ao
Já a visão ocidental desse fenômeno, ao contrário tem origem conforto e à qualidade ambiental; preocupado com as
no pensamento dos filósofos gregos (sobretudo Platão): a variações mínimas que modificam a percepção do ambiente,
penumbra, a obscuridade, a sombra intensa como antítese à para satisfazer uma refinada sensibilidade estética em
luz com seu significado simbólico ligado a essência da vida, relação ao espaço, a luz e a sombra.

51 Tanizaki, Junichiró. El elogio de Ia sombra. Madnd: Siruela, 1994 [1933], p.46


52 Platão. A República. São Paulo: Martin Claret, 2001.
85

Do exposto percebe-se que a sombra contraposta à luz


adquire importância ímpar no processo de concepção, sendo
diretriz na definição dos elementos e das relações que
determinam espaços arquitetônicos. Nesse sentido, pode-se
utilizar as obras dos arquitetos modernos para exemplificar e
ilustrar algumas dessas possibilidades.
Fig.208 e 209 Fogueira e janela à noite.
Muitas vezes a sombra foi utilizada para reforçar os perfis
Entretanto, o homem sempre procura a luz. Mesmo numa dos volumes. Na arquitetura de Niemeyer, do período
noite escura as luzes brilhantes representam intimações do
estrutural em diante, a sombra passou a estar
mundo nelas escondido. O contrate luz-sombra carrega-se de
constantemente presente, transformando-se em matéria
mensagens emotivas, quando isso é inexistente cria-se uma concreta, elemento arquitetônico. Variando incessantemente,
arquitetura qualquer privada de significados. Fisicamente e mas sendo sempre sombra definida, sem nuanças de claro-
emocionalmente, a luz e a sombra conectam o homem ao seu escuro. Para cada forma escultura), ele criava um fundo, uma
espaço, ou seja, à sua arquitetura. plataforma, para que sua imagem se multiplicasse. O que
pode ser constatado no Congresso Nacional de Brasília
No Brasil, desde os tempos coloniais, percebe-se a
(1958), onde uma cobertura totalmente limpa recebe a
importância do clima como fator determinante no processo de
projeção de duas conchas. Ou seja, onde existe um volume
concepção de projeto. O excesso de luz tropical gerou a
puro existe um fundo para que este projete sombra. Havendo
necessidade premente por grandes áreas sombreadas. Alia-
luz, a sombra estará presente.
se a isso fatores culturais e econômicos, e se define então as

3
condicionantes que correlacionam luz, sombra e arquitetura.
3 ?
I.

Como foi dito anteriormente, desde o início da


implementação dos preceitos modernos ficam evidentes as
diferenças entre as necessidades européias de mais luz, de Fig., 210, 211 e 212 Congresso Nacional.
transparência através do vidro e as dos países tropicais de O arquiteto subverteu o uso tradicional das cúpulas que
sombras e proteção contra a luz excessiva. nos edifícios antigos eram um ápice estético colocado na
F
86

parte mais alta do edifício, longe do contato das pessoas.


Estabeleceu, então, um gesto alegórico: uma das cúpulas
apoiando-se na plataforma e a outra invertida, como um
*
receptáculo. Em vez de formas simétricas e rítmicas, ele
optou pela dissonância, pela dualidade. E, assim, identificou
as duas funções diferentes. Os sombreamentos na cúpula
reversa da Câmara contrapõem-se à claridade quase
absoluta da cúpula do Senado, reforçando a presença dessas Já na Capela São Francisco de Assis (1943), em
simbólicas formas na paisagem e enfatizando sua Pampulha, Belo Horizonte, a sombra foi utilizada para reforçar
grandeza.53 o seu perfil. Na chegada, no lugar dos pórticos monumentais,
depara-se com uma grande parede cega, fechando as
Também no projeto do Museu de Niterói (1991) Niemeyer abóbadas. O arquiteto estabeleceu assim, na intersecção
estabeleceu uma plataforma, uma praça, um plano sobre o recuada, uma faixa de sombra que distinguia a linha
qual nasce uma forma escultórica valorizada pela sombra definidora do perfil das curvas contínuas. Essa parede foi
contrastante que projeta e a torna visivelmente mais leve, toda revestida com azulejos pintados por Cândido Portinari,
mais expressiva e ao mesmo tempo mais monumental. O alusivos à trajetória de São Francisco.
arquiteto reportava-se ao tema da sombra materializada para
enfatizar leveza, causando surpresa pelo contraste forte entre
áreas sombreadas e áreas refletoras de luz: "A vista para o
mar era belíssima e cabia aproveitá-la. E suspendí o edifício e
sob ele o panorama se estendeu mais rico ainda. Defendi
Fig.214 e 215 Capela da Pampulha e Teatro Popular Armando Gonzaga.
então o perfil do museu. Uma linha que nasce do chão, e sem
|
interrupção cresce e se desdobra, sensual até a cobertura".54 Reidy utilizou o mesmo recurso no Teatro Popular
Armando Gonzaga (1960), Rio de Janeiro, onde as paredes
laterais, revestidas com um painel de azulejos de Paulo
I Barnabé. Paulo M.M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer São Wernek, estão recuadas em relação à cobertura, gerando
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP p 139
54 Niemeyer. Oscar. Museu de arte contemporânea de Niterói Rio de Janeiro' uma linha de sombra que enfatiza os perfis volumétricos. O
Revan, 1998, p.11.
87
partido desse pequeno teatro de bairro é extremamente Nos projetos de suas residências, o arquiteto Oswaldo
simples: dois trapézios, um inserido no outro, definindo a Bratke enfatizava suas estruturas à mostra contrapostas aos
planta e a volumetria. O mais baixo corresponde ao foyer e o planos de vedação. Nelas a sombra articulava seus prismas
mais alto à platéia, à caixa do palco e aos anexos. regulares, evidenciando texturas, cores, leveza. De influência
Externamente essa separação é explicita pelo movimento claramente miesiana, a residência Oscar Americano (1952)
invertido da cobertura. Completa a composição a marquise era caracterizada por um prisma virtual único retangular, onde
frontal branca de forma livre, projetando sombra, apoiada em a malha estrutural era marcada uniformemente por
tubos de aço, criando um espaço de transição na praça cuidadosas proporções, o que possibilitava a flexível
marcando e protegendo a entrada. disposição das partes. Essa extrema flexibilidade derivada do
O ideal racionalista auxiliava em sua proposta de contrapor
Od espaços fechados, semi-abertos e abertos, cheios e vazios,
áreas em sombra e em total luminosidade, explorando
assimetrias, materiais de diferentes texturas e efeitos de luz e
t. -_____ ■ ________ —______ k
Fig.216, 217 e 218 Casa do arquiteto Artigas, Casa Bittencourt e Rodoviária de Londrina. sombra.
Em vários projetos de Artigas o recuo das alvenarias e dos
painéis de vidro em relação ao volume dominante também
reforça seu perfil.55 Isso pode ser verificado na sua residência
(1949); na residência Bittencourt (1959) e na Rodoviária de
Londrina (1950), apenas para citar alguns exemplos. Nesse
período Artigas estava influenciado por Le Corbusier, Outra forma de utilizar a sombra como diretriz é
iniciando uma busca por espaços internos unificados, formas projetando-a para promover um efeito de leveza. No
geométricas bem definidas, jogos de cheios e vazios, linhas Congresso Nacional (1958) Niemeyer também usou a sombra
diagonais e transparências. Surgia assim o uso do telhado para iludir sobre o real peso de sua estrutura: a base inferior,
borboleta e o espaço privado abria-se ao espaço externo recuada e envidraçada, permanece em constante
dispensando barreiras visuais. sombreamento, em oposição aos volumes superiores
revestidos com mármore branco - matéria utilizada também
55 Efeito encontrado também nas tradicionais casas coloniais, com seus beirais
extensos que as tornavam mais articuladas e expressivas.
88

para obter o efeito de leveza, fenômeno puramente ótico,


refletor de luz, reforço do valor escultural, brilhando sob o sol
de Brasília.

Assim, o arquiteto criava um cosmos no qual a luz


expressava-se, revelava a forma, e a sombra contrastante
enfatizava a leveza. E nesse sentido, as soluções eram Fig.223 Palácio do Supremo Tribunal Federal.
radicais. Não enfatizando um jogo de claro-escuro, não se Os palacios de Brasília, como o da Alvorada (1957), do
interessando por volumes sombreados, e sim pela oposição
premo Tribunal Federal e do Planalto (1958), foram
dual da figura sobre o fundo, do forte contraste entre áreas
impantados sobre uma plataforma elevada do chão:
iluminadas e áreas em sombra - volumes sob o sol.56
me a especular sobre a forma dos suportes ou das
colunas propriamente ditas. Não desejava adotar as seções
outra3’ C°IUnaS Cl^nc^r'cas ou retangulares... mas procurar
formas que, mesmo contrariando certas exigências
uncionahstas, caracterizassem os edifícios, dando-lhes maior
-------------------- — ----------- >—■ •
situando-os como que soltos ou apenas suavemente
Fig222 Croqui Congresso Nacional.
ando no solo . A postura de querer deixar a arquitetura
A monumentalidade dessa composição estava no uso de A pousando sobre o solo, fazia com que Niemeyer
simplificadas formas, não havendo lugar para interferências
os edifícios com um pavimento semi-enterrado
figurativas como os portais dos palácios clássicos. Não o, criando uma área de intensa sombra sob o corpo
existindo indicação de acesso principal. A área sombreada, Pnncipal, reforçando o efeito de leveza.
frequentemente utilizada por Niemeyer - referência explicita
às varandas coloniais - era utilizada como indicativo de
acessos, efeito enfatizado por rampas - pontes sobre
espelhos d’água.

56 Barnabé, Paulo M M A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São L...
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p 211. Fig.224 Edifício Castelo Branco.
Niemeyer, 0'
1960, p.6. scar. Forma e função na arquitetura. Módulo, Rio de Janeiro, n.21.
89

No edifício Castelo Branco (1971), em Curitiba, além desse como complemento das áreas internas. Funcionavam como
recurso de estabelecer uma plataforma elevada sobre um artifícios ao longo dessas elevações, fazendo-as vibrar pelo
subsolo semi-enterrado recuado, o arquiteto estabeleceu um acentuado contraste de luz e sombra.
térreo aberto e sombreado para sublinhar uma aparente
leveza do imenso bloco superior pintado de branco - um bloco Liberar o térreo e concentrar a forma foram artifícios que o
elevado, originalmente uma escola, de quarenta e cinco por arquiteto adotou para conciliar duas qualidades duais: fluidez
duzentos e cinco metros, apoiado em doze pilares, com vão e densidade. O volume virtual dado pelos pórticos era
central de sessenta metros e balanços laterais de vinte suficientemente límpido para assegurar uma identidade aos
metros. espaços sob sua guarda, marcando uma clara diferença com
o entorno. Entretanto, a estrutura vazada parecia propor uma
permuta contínua entre interior e exterior, enfatizando a
leveza do conjunto, sem perder sua característica de forte
acento na materialidade da construção, expressa pelo
■ ■
concreto aparente dos apoios, das lajes, das empenas
■E.Í. “ ____ , ■ , — i ii ui................ denunciando a busca de uma construção sólida, pesada e
Fig.225 e 226 Croqui e vista Vestiários do São Paulo Futebol Clube.
compacta.
Artigas também descobriu a força visual de uma grande
XJoujmG’
cobertura elevada por pilotis projetando sombra intensa
contraposta a um prisma opaco superior, geralmente em
concreto aparente, pintado ou não de branco. Surgindo assim
Fig.227 Croqui Vestiários do São Paulo Futebol Clube.
as grandes varandas, onde os extensos planos de vidro
transparentes e recuados estavam protegidos dos raios Os edifícios que utilizaram pilotis com o térreo mais aberto
diretos do sol. Isso é visível nos Vestiários do São Paulo do que fechado, também possibilitaram esse efeito: a área
(1960). Ele elaborou também uma solução original para sombreada inferior favoreceu uma impressão de leveza do
diferenciar os vários setores por meio de cortes nas faixas conjunto, iludindo sobre o real peso das estruturas superiores.
das empenas, que serviam para incrementar a iluminação do Exemplificando, cita-se o Edifício Louveira (1946), em São
interior ou para possibilitar a instalação de terraços abertos Paulo, do arquiteto Vilanova Artigas e os edifícios do Parque
90

Guinle (1948). no Rio de Janeiro, do arquiteto Lúcio Costa.


acesso é identificado como uma abertura negra no piso
branco de pedra portuguesa, intensamente iluminado pela luz
do sol tropical.

9 232. 233 e234 Acesso Catedral, Memorial JK e Espaço Lúcio Costa.


Fig228 e 229 Edifício Louveira e edifícios do Parque Guinle
o Memorial JK (1980), Niemeyer sintetizou a imagem
Outras vezes a sombra pode ser o artificio para marcar simbólica da pirâmide sepulcral egípcia no cerimonial da luz
acessos. Em muitas obras de Artigas a sombra foi utilizada a escuridão, do mundano para o sagrado, da vida para o
para reforçar o desenho de uma casca envoltória. Geralmente o à origem, o útero. O Memorial é um monobloco
os planos de fechamento frontal e posterior estavam bem ado revestido externamente com placas de mármore
recuados, gerando forte sombreamento, conduzindo o usuário Para ingressar nele há que se descobrir o acesso
a adentrar aos espaços mais íntimos do projeto.
semelhança da Catedral de Brasília encontra-se
_Mas, enquanto nela o túnel de acesso conduz a uma
posão de luz, no Memorial a solenidade produz espaços
a vez mais escuros. O acesso é permitido por um
guio negro no piso, ladeado por um espelho d’água que
L
nta a refletância da luz solar e da abóbada celeste sobre
Fig230 e 231 Casa Ivo Vitonno e casa Olga Baeta
perficies brancas do prisma, preparando o observador
E por não privilegiar as P a o contraste com ambientes cada vez mais escuros do
soluções de pórticos com as
tradicionais colunatas, Niei interior.
meyer também introduzia em suas
tormas puras a sombra em
contraste absoluto marcando a
entrada. Na Catedral de Brasília
(1958), no Memorial JK
(1980) e no Espaço Lúcio Costa
(1989), por exemplo, o

Fig.235, 236 e 237 Memorial


91

Ao lado do Museu da Fundação de Brasília (1958), na articular as superfícies. A incidência da luz solar sobre
Praça dos Três Poderes, Niemeyer homenageou seu mestre grandes superfícies, com pequenas texturas ou volumes
com um museu que conta a história do projeto da cidade de salientes, provoca efeitos contrastantes de luz e sombra,
Brasília, o Espaço Lúcio Costa (1989). Totalmente enterrado, enriquecendo-na.
é a obra mais discreta da praça cívica, interagindo no
conjunto apenas através do vazio da escada de acesso ao Em países mediterrâneos, onde a luz é intensa, certas
seu interior, um retângulo freqüentemente em sombra superfícies necessitam ser articuladas para atenuar seu brilho
contrastante com o piso periférico em pedra portuguesa ofuscante. Na Finca Güell (1883), no subúrbio de Barcelona,
branca. Antonio Gaudi (1852-1926) criou um rico conjunto de luz e
sombra. Esse tipo de ornamentação é típico em Barcelona e
Outra maneira com que Oscar Niemeyer marcava o acesso outras partes da Espanha, onde o clima ensolarado provê os
era o estabelecimento de uma área pontual sombreada e meios para uma dramática modelagem da forma. De fato,
escura sobre um prisma predominantemente fechado, pintado uma parede lisa da pedra normalmente utilizada nessa região
na cor branca. O Museu do índio (1982), em Brasília, é uma podería refletir ainda mais luz e isso seria percebido pelos
construção circular, com setenta metros de diâmetro, fechado olhos como resplandecente. Essas formas esculpidas
para o exterior, abrindo-se para um pátio interno. Uma rampa produzem um delicado conjunto de sombras que suavizam o
sinuosa ascendente conduz o usuário à entrada, protegida brilho. As formas criam uma série de composições mutantes
por uma pequena marquise saliente e com um plano vertical quando a luz solar move-se sobre elas.
de vidro escuro recuado em relação à superfície limite
externa, linha reta contraposta a curva constante e clara do
cilindro; área em constante
sombra escura a enfatizar-se SE'
em contraste, a orientar o Fig.239. 240 e 241 Detalhes Finca Güell. Casa Valéria e Casa André.

usuário para a presença da Lina Bo Bardi fez uma viagem à Espanha em 1956 e
porta de acesso naquele visitou muitas obras de Gaudi. Essa forte influência pode ser
lOCal. Fig.238 Museu do Indio.

58 Millet. Marietta S. Light revealing architecture. New York: Nostrand Reinhold,


A sombra também pode ser empregada como recurso para 1996, p.19.
92

percebida nas paredes externas da casa Valéria (1958) em


de Brasília (1958), Niemeyer convidou o artista plástico Athos
São Paulo e na casa do Chame-Chame (1958) em Salvador,
Bulcão para interferir de uma forma específica, através de
por exemplo. Nelas a arquiteta agrega seixos rolados, cacos
painéis em alto relevo - pequenos paralelepípedos que se
cerâmicos, conchas do mar sobre a argamassa que reveste
alternam em relações cinéticas irregulares. Esse efeito da luz
as paredes externas, conseguindo assim articulá-las,
enriquecê-las com micro-sombras, dissimulando os projetando-se sobre os relevos cria desenhos sempre
ofuscantes reflexos provocados pela incidência direta da luz diferentes de luz e sombra conforme varia o ângulo de
tropical, numa atitude bastante similar ao seu colega catalão. incidência do sol, contribuindo para a desmaterialização da
grande superfície cega. À distância, os relevos lembram
Muitas vezes Vilanova Artigas utilizou planos de materiais aquelas vibrações óticas produzidas pelo impacto da luz solar
toscos, com efeitos visuais diferenciados, em contraste para nas paredes devoradas pelo tempo nas antigas pirâmides
valorizar a rusticidade de suas superfícies e para valorizar a egípcias. Assim, a obra do artista plástico é mais que um
sua relação telúrica. Nas fachadas da Garagem de Barcos artificio ornamental, é um complemento à idéia do arquiteto
(1961) e da casa Mendes André (1966) percebe-se a
no tratamento simbólico do edifício. Ao mesmo tempo em que
contraposição de planos de
concreto aparente, mostrando a mpede uma visão estática, agrega-se à volumetria como
textura das tábuas (de madeira das fôrmas e das pedras
Parte da idéia original da arquitetura.
naturais evidenciando
J as micro-sombras de suas juntas.
I • -----------------------

uso d maS Ve2eS eSSa art'cu|ação superficial é mais sutil. O


. concreto aparente, pintado ou não, evidencia um
raamento áspero ao incidir da luz solar. No Palácio do
Itamaraty (1960), Niemeyer optou por privilegiar a superfície
searas, a pele tendendo a confundir-se com a própria
.. . de construÇão. Isso reflete um período no qual a
a estrutura tornaram-se a base de sua composição.
Fig.242 e 243 Superfície pirâmide do Egito e Ênpena do teatro de^írasilia.
das°mret0 aPar6nte f0Í trabalhad0 Para a><Por as lembranças
textura ° moldaram e Pue agora expunham sua
Nas grandes empenas cegas externas do Teatro Nacional
SOl:) °S ra'°S do sol> projetando micro-sombras
contrapostas a áreas iluminadas.
93

M
Jl Z.-^i 1 quebra-sóis não eram utilizados especificamente como
lí H í h® protetores solares. Pode-se pensar que sua preocupação era

LLí Uis
Jll aproveitar-se do efeito contrastante das sombras a variar
íí iíi ilHi constantemente. A incidência solar cria múltiplos efeitos
1 nessas peles curvas, e a cada momento lê-se a fachada de
II __lu._ __
Fig.244 a 248 Detalhe Itamaraty, MESP. Banco Paulista, Copan e Ed. Oscar Niemeyer.
uma forma diferente, modificada pelos reflexos de luz sobre
O uso de alguns protetores solar, como quebra-sóis e os planos horizontais desses brises e as sombras reforçadas
elementos vazados, também articula as superfícies dos pelos reflexos da pele de vidro posterior.
edifícios com jogos de luz e sombra. No edifício do Ministério
da Educação (1936-45), no Rio de Janeiro, os brises móveis
são mais do que elementos necessários para a proteção
solar. Enriquecem o tratamento plástico do edifício, pois as
sombras enfatizam sua textura, evidenciam sua mutabilidade
conforme variam as horas do dia.
1
Fig.249, 250 e 251 Edifício Resseguros e Seguradoras.
Efeito similar pode ser verificado no edifício do Banco Sul-
Os irmãos Roberto também buscavam uma “poética do
americano do Brasil (1960), do arquiteto Rino Levi em São
movimento", uma “palpitação da fachada"-. “Toda arquitetura
Paulo. Os brises horizontais do embasamento e da torre
move-se, e, às vezes baila”.59 Buscavam o dinamismo das
promovem efeitos de luz e sombra, dando movimento
formas, abolindo a noção tradicional de ordem associada a
vibrante às suas fachadas. Quando se observa a fachada
um modelo de estabilidade e repouso. No projeto para o
cega voltada para a avenida Paulista percebe-se que nela
edifício Instituto de Resseguros (1941), no Rio de Janeiro, o
ocorrem alguns volumes salientes que também a dinamizam,
partido volumétrico foi concebido como um paralelepípedo
assim como ocorre no Teatro de Brasília, embora aqui de
puro, apoiado sobre pilotis. Contrapondo-se a seus vizinhos
uma forma mais delicada.
mais imediatos, que se impunham como uma muralha
compacta. Contrariando a lógica da parede contínua,
Já para Niemeyer os brises utilizados nos edifícios Copam
(1951), em São Paulo e Oscar Niemeyer (1954), em Belo
Horizonte, eram antes de tudo elementos plásticos. Os 59 Roberto, Marcelo. In revista Habitat, n.31, 1956, p.55.
94

perfurada por vàos diversos, construiu-se uma série de Parque Guinle (1948), Lúcio Costa utilizou um sistema que
planos de qualidades distintas acopladas a um esqueleto conciliava elementos cerâmicos vazados com brises verticais,
portante. Sutis diferenças de relevos, quase uma textura, são ambos contidos numa malha estrutural ordenadora,
percebidas pelos sombreamentos nessas fachadas que justapostos no mesmo alinhamento do plano das janelas.
privilegiam a sobreposição de planos bidimensionais Formavam um articulado rendilhado que forçava o olhar a
articulados. Nessa montagem palpitante, o olho não se detém deslizar sobre a textura, evidenciada por efeitos de luz e
num ponto fixo ou eixo central. Todos os elementos sombra, tanto externamente como internamente.
concorrem entre si sem relação de hierarquia, solicitando do
olhar atenção para passear pelo objeto. O resultado plástico é
um todo vibrante, mas controlado pela estabilidade do volume
regular.

Já no Edifício das Seguradoras (1949), no Rio de Janeiro,


Hi". ■
eram os delicados e leves brises que projetam sombras e
articulam as fachadas diversificadas. E no edifício Finúsia
(1952). os brises de concreto em forma de colméia, aliados à
“quebra" no alinhamento da fachada geravam movimento,
criavam contrastes entre áreas iluminadas e áreas em
sombra, dialogavam com o burburinho urbano. Esse artifício
FtaTrww vrvnrn
de “dobrar a fachada tornou-se muito mais eficaz a í detalhe edifícios do Parque Gmrte.
Fig. 252 e 253 Edifício Finúsia e
espacialização do plano, pois esta alcançava uma extensão g. *'evi ad°t°u solução semelhante no edifício Plavinil-
urbanística. Ao dobrar o plano geral da fachada, os Robertos
( 961), em São Paulo. Ele propôs planos de elementos
alcançavam um efeito semelhante às peças neoconcretas de protegendo três fachadas com maior atenção à
Almílcar de Castro.
'nsoaçao. Concebidos a partir de um módulo retangular de
. a feito esPecialmente para o projeto, os planos de
Elementos vazados de pequenas dimensões formam
entos vazados eram organizados por uma grelha
tramas ricas em efeito de luz e sombra. Nos edifícios do

I
95

octogonal, alternando sua direção de modo a configurar um previu uma grelha de concreto avançada, subdividida em
discreto xadrez. Como nos edifícios de Lúcio Costa no módulos regulares a partir da modulação prévia estabelecida
Parque Guinle, Rino Levi perfurou os planos dos elementos pela padronização das larguras das salas e dos dormitórios.
vazados com vãos semelhantes a janelas. Mas enquanto Essa grelha funcionava como uma pauta de composição
Lúcio Costa procurava ressaltar um desenho livre, com sobre a qual o arquiteto desenhou detalhadamente as
diversos tipos de elementos vazados, concebidos como um aberturas - dispôs venezianas e treliças de madeira que
rendilhado, intencionalmente uma “variante das treliças" que permitiram um hábil controle de luminosidade e da visibilidade
protegiam o interior das casas coloniais; Rino ansiava pela de acordo com o tipo de ambiente a ser atendido.
regularidade do plano modulado rigorosamente abstrato, Aproveitando o avanço da grelha modular, o arquiteto criou
composto de grelha e elemento vazado de desenho único. um pequeno terraço para cada quarto, circundado por uma
Não havia referências figurativas ou artesanais. moldura de muxarabi - recurso das casas tradicionais para
preservarem-se do olhar externo. Já para as salas, o
tratamento foi definido por faixas diferenciadas de vidro,
muxarabi e venezianas. A paginação ternária de cada módulo
não se alterava, variável era o tipo e o modo de
preenchimento dos planos - janela contínua ou centralizada,
i : : ;
treliça ou veneziana.
I I I l I I I l-LLX
Fig.254 e 255 Edifício Plavinil-Elclor. mwiiÍ
I to
Esse tratamento planar das fachadas já podia também ser ííO ...•
percebido no edifício Antonio Ceppas (1946) de Jorge Moreira

wI
no Rio de Janeiro. Assentado sob pilotis, ele possui uma clara
integridade volumétrica. Suas fachadas são diferenciadas 8

hierarquicamente através do lançamento das aberturas,


concentrando ao máximo na frontal e posterior que recebem Fig.256 e 257 Edifício Antonio Ceppas.
os ambientes de estar e repouso, reduzindo o seu número
Nessa proposta as janelas eram colocadas como entes
nas laterais. Para as fachadas principais a solução adotada
formais de puro desenho. Mais que meros vazios para
96

iluminação e ventilação, eram figuras geométricas


animam oconjunto, suavizam o percurso de longas
conjunto, suavizam
harmonizando-se com as linhas do todo formal - lição
atenuam a dureza do prisma volumétrico
distâncias, atenuam
corbuseana. Note-se a semelhança plástica com a solução
longilíneo. No MAM (1953) além dos elementos vazados que
adotada por Lúcio Costa nos edifícios do Parque Guinle
projeta rendilhados nos espaços interiores, pérgolas que
(1948); e ao mesmo tempo a diferença, pois aqui se
contornam a área externa do restaurante promovem um efeito
privilegiava a discrição em prol da unidade da grade
gráfico dinâmico r-------
nos passeios através de um grafismo que
estrutural, enquanto no projeto de Lúcio enfatizava-se a
enriquece e promove movimento no espaço externo.
articulação de um jogo de texturas vivazes promovidas pelo ■“ z

uso variado de brises e elementos vazados cerâmicos.


' |
A imagem poética da sombra projetada por árvores
também pode ser lembrada para fazer uma analogia com o
Fig.260.261 e 262 Circúíâção^scola conj. Pedregulho e pérgolas área do restaurante MAM.
que ocorre em muitas situações nas quais usa-se protetores
solares, painéis de fechamento treliçados e elementos Pergolados também dinamizam
dinamizam o o espaço projetando
vazados cerâmicos ou de concreto. Projeções de luz e tramas de luz e sombra. Isso ocorre nas residências intimistas
sombra marcam o espaço com rendilhados. numa de Rmo Levi, como por exemplo a de Milton Guper (1951-52),
metamorfose constante conforme o passar das horas e das em São Paulo. A casa envolve inteiramente o conjunto sala-
estações, agregando um forte dinamismo aos espaços jardim, dispensando os muros adicionais, ficando a sala
qualificados. localizada entre os dois jardins cobertos por pérgolas. A
- impressão que se tem é de uma sala como espaço externo
dentro de um jardim sombreado.

Reidy utilizou elementos


vazados e quebra-sóis que
projetavam rendilhados nos
espaços internos. No Conjunto
Pedregulho (1946) no Rio de Janeiro
o esses elementos Fig. 263 e 264 Casa Milton Guper e Casa Benjamim Fleider.
97

Na fachada posterior da residência Benjamim Fleider constata-se o quanto fundamental podem ser os elementos e
(1956), em São Paulo, Oswaldo Bratke propõe um pergolado as relações estabelecidas a partir do uso da luz como diretriz
de madeira entre os dois pavimentos para proteger os de projeto. E o quanto dependem da sensibilidade do
grandes planos de vidro da área de estar. Pergolado esse a projetista, quando este tem ciência de que fazer arquitetura é
projetar nas várias horas do dia sombras rendilhadas no piso estabelecer “relações comoventes com materiais brutos”.
e no canteiro delimitado. Porque (...) A paixão faz das pedras inertes um drama".60

• I :


ii*'
u M
Fig.265 e 266 Casa Paes de Carvalho e um dos apartamentos do Parque Guinle.

Lúcio Costa propõe soluções variadas para o fechamento


dos vãos de suas residências, transpondo explicitamente os
detalhes do passado, que lhe são caros, sem abdicar da
atualidade formal e construtiva. Especificamente, a interação
entre o tradicional e o moderno ocorre através da
incorporação não literal de certos elementos próprios da
arquitetura colonial que projetam rendilhados: cobogós,
treliças, varandas.

Dos poucos exemplos que foram expostos neste capítulo 60 Le Corbusier. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973, p.123. Grifo
nosso.

CAPÍTULO III

A LUZ NATURAL £ A
A^UITÊTVRA.
“Já não se trata de falar do espaço e da luz, e sim de fazer falarem o
espaço e a luz que ai estão. Questão interminável, pois que a visão
a que ela se dirige é, por sua vez, questão". Maurice Merleau-Ponty.

Luz e arquitetura estão profundamente relacionadas desde


os tempos mais remotos. Exemplos inspiradores desse
tratamento expressivo são abundantes e servem para se
entender a produção do ambiente construído em um
determinado período histórico.'

O uso da luz como diretriz de projeto pode ser verificado


nas obras arquitetônicas paradigmáticas que sempre
consideraram a luz como fenômeno basilar no processo de
concepção do projeto. A história da arquitetura pode também
ser compreendida como a história dos vários modos de
organizar o espaço-luz através dos vãos das janelas e das
portas, dos cheios e dos vazios, das aberturas nos tetos, dos
filtros protetores e através da concepção ideativa do próprio
espaço.

No decorrer da história da arquitetura a luz natural diurna


propiciou o desenvolvimento de vários elementos

’ Brogan, James (org.). Light in architecture. Edição especial revista AD,


Architectural Design. Londres: Academy Group, 1997, p.6.
Fig.267 Templo de Horus no Egito.
I -

102 í

arquitetônicos tendo como parâmetro os fins a que se CUtTURZ) M P6NUMERA-


destinavam os edifícios, as características do meio ambiente
onde se alocavam, a filosofia cultural de uma sociedade, suas No tempo da “cultura da penumbra" o homem construía
convicções mais protundas e as manifestações simbólicas e seus espaços a partir da “mimese” da natureza, criando
dramáticas que representavam/ ambientes que eram o simulacro do universo: um cosmo
sagrado. E a relação entre luz e arquitetura evidenciava um
Do antigo ao moderno, gradativamente a luminosidade foi diálogo contínuo com a sociedade em que esta se
aumentando nos espaços interiores da arquitetura ocidental. desenvolvia.
Percebe-se uma evolutiva transposição da “cultura da
penumbra” para a “cultura da claridade". Dos ambientes
em penumbra (com poucas aberturas) para ambientes em
plena luz, quase só janelas. Como foi dito na introdução, no
primeiro caso ocorriam três tipos básicos: ambientes que
;>rr*
gradativamente tomaram-se mais escuros; ambientes
escuros com feixes dramáticos de luz; ambientes com baixa
luminosidade homogênea. No segundo caso existiam L:
ambientes com grande luminosidade e ambientes JHI
homogeneamente claros sem sombras. A Arquitetura
Moderna promoveu uma ruptura com o uso poético e . Fig.268 e 269 Templo ae «mun e hieróglifos,
simbólico da luz, favorecendo um tratamento mais literal. No
im e9*Pc*os’ P°r exemplo, acreditavam na solidez, na
entanto, a partir dos anos 50 alguns arquitetos modernos
utabilidade e na permanência de seus monumentos. Numa
voltaram a valorizar a sombra como diretriz de projeto,
g-ao onde imperava a luminosidade intensa dos desertos,
resgatando o seu poder de plasmar espaços e formas.
atenalizavam sua arquitetura sacralizando seus espaços
escuriq65 C°m Um Cerimonial pue os conduziam da luz à
o ao. Usavam para isso envoltórios predominantemente
vo| C°m poucas aberturas para o exterior, definidos por
‘ Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São puros, sobre cujas superfícies talhavam baixos
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, pp.25-26.

I
103

relevos legíveis graças aos fortes contrastes estabelecidos policromadas. Na seqüência havia uma série de recintos com
entre as áreas iluminadas e as áreas sombreadas de seus pés-direitos cada vez menores e mais escuros, até chegar ao
sulcos. santuário em total penumbra - residência dos deuses, lugar
restrito aos sacerdotes e aos faraós4
A adoração ao sol inspirava os projetos através de uma
postura dramática que os conduzia a orientar o eixo edificado Os cretenses também priorizaram volumes opacos
para o ponto onde o sol levantava-se no equinócio, de modo externamente com ambientes profundos voltados para pátios
que seus raios penetrassem no templo no início do dia e por internos - grandes poços verticais possibilitando luz natural e
instantes iluminassem com um feixe de luz as estátuas dos ventilação nos mais profundos recintos. No Megaron dos Reis
deuses ali encerradas. Esse percurso egípcio, em procissão, (1600-1400 a.C) eles empregaram um sistema arquitetônico
simbolicamente materializava um retorno à origem, do mundo para filtrar a luz, usando camadas de colunas (quase
mundano ao útero sagrado - analogia da penumbra do útero paredes) no Sul e no Leste, de modo que a iluminação interior
materno, da luz da manhã como nascimento e da luz do se fizesse suave e nivelada, barrando o calor e o
crepúsculo como morte que foi utilizada por várias culturas ofuscamento da severa luz solar exterior.5
em seus templos para simbolizar as fases da vida do I
homem 3

< lllil.
O templo de Amon (1315-1285 a.C.), em Karnak, tinha seu
eixo de composição orientado para Leste, a aproximação
realizava-se por uma larga avenida cercada de esfinges que
conduziam à entrada, da qual se ascendia a um pátio
«S»
descoberto circundado por uma loggia com robustas colunas.
Nesse hall hipostilo a luz natural era introduzida nos espaços Fig.270 Megaron dos Reis em Creta.

interiores pelo alto através de pequenas janelas locadas na No ambiente dominado pelo sol mediterrâneo, os gregos
diferença entre as coberturas adjacentes, que eram fechadas optaram por volumes escultóricos regulares, organizados em
por grelhas de pedra, admitindo que réstias de luz
penetrassem a escuridão e iluminassem as superfícies 4 Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand Reinhold,
1996, p.180.
3 Plummer, Henry. Poetics of light. Tókio: A+U-Publishing N.12, 1987, p.83. slbid.. p.180.
104
>
contraste com a paisagem do entorno. A necessidade de estrias foram projetados para serem lidos na luz solar intensa
sombra no verão e sol no inverno determinou as tipologias
selecionadas e construídas através dos anos: seus templos
emblemáticos tiveram origem no modesto Megaron - uma
construção que evoluiu gradativamente por gerações até
e criar sombras enfáticas, em constante mutação.7

Já os romanos preferiram valorizar a vida comunitária


dentro dos seus edifícios, privilegiando o espaço interior.
I
estender sua pequena varanda sombreada frontal ao redor de Postura essa bastante diversa das arquiteturas egípcia e
todo o edifício, valorizando os contrastes de claros e escuros grega que evidenciavam edificações poderosamente
e aumentando sua monumentalidade. evocativas, mas raramente destinadas ao convívio.

íV
Fig.271 Parthenon grego.
<
O Parthenon (447-438 a.C) é exemplo do pensamento
Fig.272 e 273 Pantheon romano.
I
grego sobre o sol. Sua orientação para Leste permitia que os Nesse sentido o Pantheon (118-128 d.C) demonstra como
primeiros raios da manhã banhassem a estátua da deusa, os romanos utilizaram a luz solar para enfatizar e articular os
que ali se encontrava, através de uma grande porta, além das seus espaços interiores. Estático e centralizado, ele I
placas finas de mármore translúcido colocadas no teto. Seu impressiona o espectador pelo caráter cósmico do firmamento
’ ritmo era definido pelas colunas periféricas que barravam a que sua imponente cúpula representa, arqueando-se sobre
/ luz e pelos espaços entre elas que controlavam a um espaço livre de quarenta e três metros e seu ósculo de
luminosidade de sua loggia envoltória, formando uma espécie nove metros de diâmetro, projetando um feixe de luz cilíndrico
de brise-soleil sobre a fachada posterior sem janelas.6 Os que banha dinamicamente as superfícies marmóreas
contornos pontiagudos de seus detalhes, molduras, cornijas e
7 Brogan, James, (org ). Light in architecture. Edição especial revista AD,
Architectural Design. Londres: Academy Group, 1997, p.6.
8 Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. Sao
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.29.

I
105

conforme o passar das horas e das estações, como se fosse não prevalecia o eixo vertical e centralizador do Pantheon,
um "gigantesco relógio de sol’’.9 nem o eixo horizontal longitudinal de Santa Sabina. As
janelas ao redor de sua grande cúpula faz os feixes de luz
Posteriormente, no período medieval, momento da cruzarem-se sobre a cabeça dos fiéis, desviando os crentes
decadência do Império Romano e da transposição do de suas preocupações cotidianas.11 Todo o seu interior é
paganismo para o cristianismo, os arquitetos abandonaram o tomado por uma luz trêmula refletida pelos mosaicos e
cosmo estático e antropocêntrico do Pantheon romano e incrustações douradas, desmaterializando o caráter tectônico
adotaram soluções espaciais dinâmicas e tencionadas; das dos muros que a envolve. A cúpula principal parece repousar
quais a igreja de Santa Sabina (422-432 d.C) é exemplo por sobre uma franja de luz, já que sua base está perfurada por
ser um templo paleocristão banhado por uma luz que, janelas entre os nervos estruturais radiais.
atravessando as aberturas
altas junto das coberturas, Percebe-se então que tanto no
ilumina o eixo longitudinal período paleocristão como no
do edifício, reservando a bizantino o edifício também se
penumbra para as naves voltava para dentro de si. Neles o
laterais inferiores, mundo divino e o mundo profano
valorizando o percurso do colocavam-se à distância, quase
acesso profano até o altar inacessíveis. Postura que era reflexo
sagrado.10 Fig.274 Igreja de Santa Sabina. de uma situação social conflitante,
com guerras constantes, em que as
Quando a capital do Império Romano foi transladada para edificações metamorfoseavam-se em
Constantinopla, o regime político fundiu-se com o regime fortificações. Fig.275 Igreja de Santa Sofia.

religioso. A igreja de Santa Sofia (532-537 d.C) materializou-


se, então, como um monumento a esses poderes Os monastérios do medievo primitivo, época dos edifícios
entrelaçados, representando uma nova arquitetura em que carolíngios e românicos (900 - 1200 d.C) evidenciam essa
tendência. Na Abadia de Le Thoronet (1160 -1190 d.C) na

Roth, loc.cit., p.239.


’° Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São " Brandão, Carlos Antônio Leite. A formação do homem moderno vista através da
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.30. arquitetura. Belo Horizonte: Humanitas, 1999, p.37.
i
106

França os envoltórios são opacos e a luz penetra por transmitir aos leigos as Escrituras, e se não fossem coloridos
minúsculas aberturas no alto da construção, deixando todo o perderíam esse efeito tão dramático. Na catedral de Notre
ambiente em penumbra com apenas alguns focos de luz Dame de Chartres (1194-1220) as janelas como focos de luz
dourada. desapareceram. Não eram mais “buracos" abertos nas
paredes, mas peles translúcidas brilhantes, sem contato
visual direto com o exterior.13 De certa forma a catedral gótica
pode ser definida como um subproduto das Cruzadas, porque
estas ficaram maravilhadas com a riqueza de Constantinopla
e o esplendor da Igreja de Santa Sofia.
i
Assim, as construções islâmicas também viriam
influenciar muitas construções européias, com seus aspectos
intimistas em função das condições adversas do clima
Fig.276 e277 Abadia de Le Thoronete e Igreja de Chartres. desértico: paredes externas com poucas aberturas e
Mas quando chegou o período da Idade Média Tardia fachadas interiorizadas voltadas para pátios, onde se buscava
(1200 - 1450 d.C) uma primeira ruptura em relação ao
í
um micro-clima agradável através de arcadas ricamente
envoltório efetivou-se: a estrutura de pedra evidenciava-se articuladas e sombreadas, jardins aromáticos e espelhos
valorizando visualmente o esqueleto do edifício, tirando a d'água. Internamente, superfícies revestidas com materiais
impressão de massa das pãfedes, utilizando peles diáfanas polidos brilhantes - mármores, azulejos e espelhos - usados
>ara vedar os vãos externos.12 No período gótico conseguiu- para refletir a luz e dramatizar os espaços juntamente com
e o apogeu da representação do céu na terra. As paredes vários painéis vazados entre os cômodos ou em aberturas
ião eram mais estruturais, eram peles de luz; o vão foi externas.
I
convertido em elemento translúcido e colorido, tornando-se I
agente transformador da luz. A penumbra ainda se Essas técnicas do deserto foram levadas pelos mouros à
manifestava, mas a luz que transpassava os vitrais banhava Espanha, refletindo-se sobre Portugal e, consequentemente,
os espaços com golpes mutantes. Eram instrumentos para sobre o Brasil. Um dos elementos adotados foi o muxarabi de

12 Ibid., p.43.
13 Alcaide, Victor Nieto. La luz, símbolo y sistema visual. (El espacio y Ia luz en el
arte gótico y dei Renascimento). Madrid: Cátedra, 1985, p.24.
107

madeira - delicado arabesco utilizado para filtrar a luz, No entanto, com a chegada do Renascimento, a Europa
proteger do ofuscamento externo, impedir a visão indesejável voltou a enfatizar o homem como centro do universo,
e ainda materializar uma postura cultural: proteger a utilizando relações matemáticas e composições
intimidade familiar. Com desenhos variados, verdadeiros racionalizadas. A chegada dos fabricantes de vidro na França
filigranas, proporcionavam jogos de luz e sombra, criando e Itália possibilitou também o aumento das dimensões das
espaços internos com visuais articuladas: rendilhados de luz janelas e o acréscimo de maior luminosidade nos espaços
e sombra projetados nos pisos, dinâmicos efeitos conforme internos, sendo a luz colorida dos vitrais definitivamente
variava a posição da fonte luminosa externa, mantendo os substituída pela luz branca.
ambientes com uma penumbra controlada.14
Retomava-se também nesse período a configuração
centralizada nas catedrais, indicando o anseio por diminuir a
distância entre Deus e o homem. O mundo humano já não
estava no extremo oposto do altar, já não era mais concebido
___ - T_| mergulhado na escuridão, ele participava da luz. Reduzindo a
rei tensão entre o altar e a porta, o espaço da igreja tomava-se
claro, estável e centralizado. No “(...) Pantheon e na
Fig. 278 e 279 Mesquita de Córdoba e Red Fort em Delhi.
arquitetura renascentista, a luz dominante entra pelo zênite e
No Oriente, principalmente na índia, também se utilizou
convida o homem a situar-se no sagrado eixo vertical por ela
esses painéis rendilhados de madeira, marfim ou cerâmica
definido, centro do universo e- símbolo do poder e da
para controle visual e luminoso. Enquanto no Japão
conquista. O homem, assim, diviniza-se. A cúpula lhe revela
desenvolvia-se por milênios o gosto por espaços com uma
um universo claro e racional, disposto ao seu redor e
penumbra homogênea, resultado tanto do uso de extensas
antropocentricamente construído”.15 A Basílica de São Pedro
varandas sombreadas que protegiam os débeis materiais de
(1506) de Bramante é um bom exemplo desse espaço
construção disponíveis, quanto do uso dos painéis
centralizado iluminado com uma luz branca.
quadriculados de madeira fechados com papel de arroz, os
shojis, que filtravam a luz projetando no interior uma névoa
dourada.

14 Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São 15 Brandão, Carlos Antônio Leite. A formação do homem moderno vista através da
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.35. arquitetura. Belo Horizonte: Humanitas, 1999, p.84.
histórico, o artista primava agora pela inventividade. 0
essencial da arquitetura não era mais uma coisa, nem uma
idéia, mas 0 fazer, a ffabricação,
’ ____ “(...)
a produção. Não existia
mais um arquétipo, mas o que podemos chamar de um arché-
poiesis".'7

Da subjetividade criadora de Francesco Borromini (1599-


280 e 281 Basílica de São Pedro e Igr
1667), de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e de Guarino
Mas 0 período que Guarini (1624-1683) percebe-se a expressão da fantasiada
se desenvolveu logo em seguida,
revelou 0 mais simbólico mutabilidade, da transgressão dos cânones formalistas, da
e brilhante uso da luz como diretriz
de projeto. Nos séculos multiplicação dos efeitos cenográficos, da assimetria, da
XVI e XVII 0 desenvolvimento do
Barroco demonstrava que a desordem e, principalmente, da práxis.
luz era sua preocupação central,
produto de uma técnica
apurada, unindo em um mesmo
cenário espacial luz iincidente circunstancial e luz refletida
planejada. Numa busca incessante
pela calibração de seus efeitos e sua <
pelo controle luminoso, Ira
filtrada, estudada por suas qualidades
capacidade de distinguir uma
dramatização. Luz
; cênicas e pela
r o M
j*

sucessão de planos em
profundidade e em perspectiva.16 Bonomini8e Calela^SanhssTmo SuSS

A crise religiosa ovamente a adoração a Deus e as aspirações da


e os conflitos experimentados nesse
período motivaram c edade foram os fatores motivadores. O simbolismo da luz
um deslocamento da arqué - postura
fundamental sombra tomou-se o veículo ideal para a expressão dos
para a arquitetura do homem moderno que
nascia. Ele se via érios religiosos e foi utilizado para inspirar a devoção. A
povoado por conflitos e incertezas, alienado
de um mundo exterior onde Q tetura Barroca caracterizava-se então pelo movimento,
,or^' — não encOntrava nenhuma fonte
de referência. Recusando Ção, irracionalidade, atmosfera, impulso, gesto.18
a idéia de imitar um modelo
16
Bamabé. op. Cit, p.39
ia Bg^gâ0, P-134.
Archilectura/nocfnn í°r9? L'9ht in archltecture. Edição especial revista AD.
uesign. Londres: Academy Group, 1997, p.6.

I
109

M P6NUMKRA A CtMIDftoe. diretriz de projeto. Nessa época neoclássica arquitetos como


Étiénne-Louis Boullée (1728-1799) e Claude-Nicolàs Ledoux
Como foi visto anteriormente, desde o início da história da (1736-1806) exploraram a luz em sua plenitude total, usando-
arquitetura ocidental o homem construiu seus edifícios como a para clarificar as suas formas geométricas puras. No projeto
uma “mimese" do universo. Mas o século XVIII começou com para a Bibliothéque du Roi (1785), Boullée propunha um
o rompimento desse sistema totalizante. A referência deixou envoltório fechado ao exterior, paredes cheias de estantes de
de ser o “cosmo" e a opção passou a ser uma livros e uma clarabóia longitudinal inundando o espaço
descentralização permanente. O homem começou a interior com uma luz homogênea. Assim, mesmo antes que a
investigar a natureza, a aplicar sua razão ao estudo dos Revolução Industrial criasse premissas para uma mudança
fenômenos, a interpretar o mundo livre da redução a qualquer profunda nas técnicas construtivas, o Neoclassicismo
sistema apriorístico. “Daí o naturalismo e o iluminismo que adotava grandes superfícies de vidro, cultuando a claridade e
caracterizaram a ciência e a filosofia do século das luzes”.19 A a racionalidade, elementos inspiradores da “cultura
religião deixava assim de ser um sistema de referência e iluminista".
fundamento, para tornar-se objeto de investigação científica e
filosófica.

Arquitetonicamente, o que se via no período era a


substituição da excessiva ornamentação por espaços mais
limpos e claros, onde predominavam as formas menos
teatrais, mais leves e soltas. O pensamento racional dos
filósofos do iluminismo (Goethe, Kant, Voltaire) materializava-
Fig.285 Bibliothéque du Roi >
se na arquitetura, e os efeitos dramáticos de iluminação eram
abandonados a favor de uma luz mais “universal"20 No transcorrer de todo o século XIX, desenvolveram-se
alguns edifícios que podem ser considerados precursores do
Mas durante as últimas décadas do século XVIII Movimento Moderno. Reviviam alguns temas medievais e
continuava sendo importante o uso da luz natural como eram executados com grandes estruturas de ferro e vidro,
materializando o sonho dos mestres góticos: a busca por
19 Brandão, op. cit., p.221. luminosidade e altos pés-direitos, acrescidos agora de
20 Barnabé, op. cit., p.42.
110

transparência total. início do século XIX; uma mudança paradigmática na história


da arquitetura; uma revolução na percepção visiva do mundo,
ampliando o tempo de uso dos espaços internos e externos.
Agora, o homem já podia controlar os níveis de iluminamento
de forma estável, complementando a luminosidade natural
com fontes artificiais, assim os valores da luz e da sombra
passaram a ser desprezados, porque a noite já não era mais
sinônimo de escuridão, nem de diminuição de atividades. O
dia e a noite não podiam significar mais uma dupla de
opostos, apenas indicavam dois modelos de luz (e de
sombra) diferentes.21
Fig286 Palácio de Cristal.
Se a invenção do motor a explosão e os progressos da
O Palácio de Cristal (1851), por exemplo, projetado por
química contribuíram de forma significativa para a
Joseph Paxton (1803-1865) para a Exposição Mundial de
transformação do modo de viver, o advento da eletricidade
Londres, foi uma materialização do desenvolvimento
'n uenciou decisivamente com sua carga simbólica e com
tecnológico e da capacidade de cobrir uma grande área
anos enS'ClaC,e sem '9ual a época moderna. Por milhões de
urbana, mantendo um certo controle ambiental. Semelhante a
mm lda d° hornem foi regulada pela alternância do dia
um telhado, o palácio pousava diretamente no chão, captando
_ . °'te’ C*a luz com as trevas - e ao calar da noite
luz solar e protegendo o interior do vento e chuva, permitindo
q atividade cessava. O homem sempre procurou
que muitas pessoas circulassem por suas ruas e praças
aau^ 9 n°lte Inicialmente Para se defender e para se
protegidas de intempéries - espaços sem barreiras entre o
interior e o exterior, totalmente banhados pela luz natural, ainnm depois Para continuar a trabalhar, para desenvolver
artifir-a|S 098 atlvldades confinadas às horas do dia. A luz
uma luz uniforme e sem sombras.
ad .. alam da tunção prática de prolongar o viver à noite,
Outro fator decisivo nesse momento de transição da notH/^ antao Um Val°r forterner,te cultural. Mas a dimensão
“cultura da penumbra” para a "cultura da claridade" foi o arquitetura foi encarada apenas sob o ponto de
invento da luz elétrica, que promoveu um grande impacto no
Vitta, Mayrizio. “La luce in archittetture. In: revista L’Arca, n.117, p.2, 19?7-
111

vista funcional, recompondo a quantidade de luz diurna, sem diurna, especialmente no inverno, e o arquiteto teve que
conferir uma identidade autônoma e particular. inventar dispositivos de iluminação adicional para os espaços
internos escuros”.23
"Essa nova luminosidade iria
influenciar profundamente o
nascente gosto moderno”.22
Mas antes disso, no período de
duas décadas entre o século
XIX e o século XX, o
naturalismo e a cultura
simbólica do Art Nouveau
Fig. 288 e 289 Banco dos Correios de Wagner e casa Haus Moller de Loos.
evidenciou-se e a luz tornou-se
novamente uma nutrição A No Art Nouveau a luz artificial provinha do bulbo
indispensável. incandescente, da mágica imagem do amanhecer, da névoa
Fig.287 Casa Solvay, Victor Horta, Bruxelas. dos pântanos e dos raios do pôr-do-sol. Mas neste fim de
século, contrapondo a essas idéias, surgiu em Viena um
Victor Horta (1861-1947) estabeleceu em suas casas pensamento oposto. Otto Wagner (1841-1918) e Adolf Loos
poços de luz centrais totalmente iluminados, centros (1870-1933), apesar de fazerem diferentes investigações,
psicológicos onde geralmente se situava uma escadaria ou respondiam ao anseio comum interpretando a necessidade
um jardim de inverno. Centros cenográficos, sem sombras em de uma luz natural branca homogênea, muitas vezes
excesso, cobertos por uma estrutura em ferro e vidros complementada pelas lâmpadas de bulbo fluorescentes
coloridos cheios de reflexões dinâmicas, resultado da uniformemente distribuídas, promovendo uma luz fria,
utilização de grandes espelhos que multiplicavam visualmente tecnológica e abstrata.
as formas orgânicas. “Os tetos vítreos e clarabóias de Horta
são sempre combinados com iluminação artificial. Nos Países Em 1914 o poeta alemao Paul Scheerbart traduzia o
Baixos as pessoas sofrem com as poucas horas de luz “inconsciente coletivo"ao conclamar por uma nova arquitetura

22 Portoghesi, Paolo. In: Futugawa Yukio(org.). Light <Space. Modem architecture. 23 Miyake, Riichi. In: Futugawa Yukio(org.). Light <fSpace. Modem architecture.
Tókio: GA especial, ADA. Tokio Co.,1994, p.7. Tókio: GA especial, ADA. Edita Tokio Co.,1994, p.72.
112

que promovesse a transparência, a claridade, uma luz que


materializasse o Zeitgeist, “o espírito da época”. Ele achava conjunto.25
necessário livrar as pessoas da dependência de ambientes
fechados. E isso só seria possível pela introdução intensiva Portanto, nesse Itumultuado transpor de séculos, através
de uma arquitetura de vidro que deixasse “(...) entrar a luz do do desenvolvimento de
j alguns projetos de Paxton, Boullée,
sol, da lua e das estrelas, não só por algumas janelas, < Horta, Wagner, Loos
e Taut, entre outros, surgiram as
pelo maior número possível de paredes, que deveríam mas condições técnicas
para uma arquitetura em que a
inteiramente de vidro - de vidro colorido”. ' ser transparência e
a claridade ganhassem cada vez mais
destaque.

CULTURA M CLARIMDí-
D u ^Piente Arquitetura Moderna do início do século XX
> então, como um de seus fundamentos o apreço pela
Fig. 290 e 291 Pavilhão de Cristal de taut. . adel romPend° assim com os paradigmas históricos da
Scheerbart dedicou seus comentários zação dialética entre luz e sombra. A evolução
Taut (1880-1938), cujo Pavilhão de C ao arquiteto Bruno cnoogica do concreto armado, da estrutura metálica e dos
CristalAlt(1914) projetado
para exposição daWerkbund em Colônia, de v'dro proporcionou uma realidade nunca vista
a luz através de uma cúpula multifacetadalemanha, filtrava es. a possibilidade de execução de grandes aberturas
paredes de vidro para iluminar uma câmara axial disposta em P<?tahr^ÇadaS 6 eSPaÇ°S em P,ena luz> a Partir d0
i e apresentava
sete alas, revestida com mosaico de vidro. O efeito era eecimant0 da independência total entre estrutura e
aquele de um jogo de luz que trazia a desmaterialização do envoltono de fechamento.

NenniaeJta de 191°’ conceitos inovadores do Cubismo e do

r
2t Scheerbart, Paul apud Frampton. Kenneth. concebe C°m a íradicional forma de
■J-
moderna. Barceh
"_.„lona: Gili, 1993. p.139. jspaço através do volume; valorizando-se o plano;
H^àna critica de ta arquitectura
25 FrarnpJ -------------- —
1993, p.139 História critica de Ia arquitectura moderna. Barcelona: Gili,
113

elegendo-se a parede independente da estrutura como preocupado em auxiliar na reconstrução da Europa do pós-
elemento definidor do espaço; obtendo-se imagens múltiplas, guerra, propondo soluções que respondessem às condições
sobreposição de volumes e superfícies. O espaço ideal assim mínimas de higiene e conforto, ausentes nas habitações dos
configurado eliminava muitas vezes a distinção entre interior e guetos industriais e suburbanos. Foi nesses locais que iniciou
exterior, tornando os edifícios invólucros transparentes, não sua carreira, projetando habitações coletivas em fileira com
mais enfatizando as massas. orientação Norte-Sul para o proletariado, com espaçamento
adequado para a insolação e ventilação, ou seja, oferecendo
Nessa “cultura da claridade" identificam-se dois grupos “(...) um máximo de luz, sol, e ar para as habitações”,
influentes: um idealista, trabalhando com valores absolutos, propondo para isso que se aumentassem as janelas e
em busca de um modelo “universal”', e outro mais ligado às diminuíssem os quartos.
condicionantes locais, procurando estabelecer um modelo
“contextual". No primeiro encontram-se a obra e o
pensamento de Gropius, Mies e Corbusier da fase purista. No
segundo, a obra e o pensamento de Wright e Aalto. Mas
desde o início o Movimento Moderno apresentou-se cheio de
nuanças, “(...) nunca se tornou verdadeiramente universal’’.26
E no final dos anos 50, os arquitetos começaram a questionar
Fig.292 e 293 Fábrica Fagus e Bauhaus.
a produção racionalista que imperava e voltaram a resgatar a
Gropius foi um dos arquitetos modernos que repensou o
dialética entre luz e sombra, de modo que juntas novamente
desenho da janela para obter mais luz, negando-a enquanto
voltassem a serem diretrizes de projeto. Surpreendentemente
"buraco" na alvenaria. Fez opção pela parede de vidro,
Corbusier da fase brutalista fazia parte desse terceiro grupo,
abrindo o espaço para a luz e, ao mesmo tempo, realizando
assim como seu artífice maior Louis I. Kahn.
uma “estética da transparência”. Portanto, não estava
somente preocupado com o uso da luz natural por seus
LUMINOSIMVE UNIVERSAL: LU2 MANCA £ HOMOGÊNEA. aspectos funcionais e higiênicos. Interessava-se também
pelos grandes planos transparentes, porque estes articulavam
O arquiteto Walter Gropius (1883-1969) estava a princípio seus volumes com reflexos, sem os efeitos de luz e sombra

26 Ibid., p.303. 27 Gropius, Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 151.
114

dos edifícios tradicionais. (1929), os planos eram justapostos e autônomos. Foram


executados com materiais nobres, polidos e brilhantes
A Fábrica Fagus (1911) e a Escola Bauhaus (1925) foram (mármores, aço cromado), alinhando-se sem se tocarem,
concebidas como paralelepipedos cujos envoltórios eram soltos no espaço vazio, delimitado por planos de vidro que
definidos pelo predomínio dos planos de vidro transparentes buscavam qualificar uma relação de continuidade entre
suportados por delgados perfis de aço espaçados interior e exterior, estendendo o espaço infinitamente. No
ritmicamente. A luz natural incidia de forma direta a 45 graus pavilhão imperavam os reflexos, a luz natural incidia
pela lateral, sem qualidade variável; banhando lateralmente de forma direta e difundida pelos planos polidos.
homogeneamente os espaços interiores; alterando a A luminosidade clara resultante era homogênea e possuía
percepção do espaço-tempo; multiplicando os níveis e os qualidades semelhantes às do espaço externo.
pontos de referência, sem filtros amortecedores; colocando o
espaço em plena claridade branca. Toda divisão entre interior
>A . .
.W
' ir.-
e exterior era temporária, ocasional e não separava mundos
diferentes, no máximo distinguia “zonas", ambientes dentro de
um ambiente maior. Gropius invertia assim os efeitos
defendidos pela arquitetura tradicional; propunha
transparências e estruturas geométricas que geravam um
Farnsworth.
termo de igualdade entre cheios e vazios.
Esses mesmos efeitos eram perseguidos na residência
No mesmo sentido, Ludwig Mies van der Rohe (1886- Farnsworth (1945), em Illinois, contribuindo para isso o
1969) foi exemplo do mais depurado racionalismo purista, envoltório todo envidraçado e os sistemas de linhas da
rompendo em definitivo com a tradição da janela como estrutura. A transparência em 360 graus permitia uma relação
“buraco” ou “quadro” sobre a alvenaria de fechamento, direta entre interior e exterior, transformando as formas
ampliando sua dimensão até que ela se transformasse em geométricas num jogo de planos visuais sobrepostos, ricos
parede, parede de vidro. O plano era sua entidade formal, em reflexos, que lembravam a técnica de "veladura” utilizada
herança neoplástica, base de toda a sua linguagem. na pintura. A caixa de vidro elevada do chão projetava
mbra densa, reforçando ainda mais o aspecto de objeto
No Pavilhão Alemão para a Exposição de Barcelona
autônomo flutuando leve.
115

A luz que penetra essa residência não está relacionada à primeira vez um prisma envolto por uma cortina de vidro: “(...)
tipologia de um raio que penetra a escuridão, nem de um raio ao trabalhar com modelos de vidro, descobri que o mais
que transpassa uma abertura na parede lateral ou na importante é o jogo dos reflexos, e não, como acontece nos
cobertura, nem mesmo promove um efeito de semi- edifícios comuns, o efeito de luz e sombra... Comprovei, no
transparência luminescente passando por um bloco de vidro. modelo de vidro, que os cálculos de luz e sombra não ajudam
Nela não existe o contraste total entre luz e escuridão. O que a projetar um edifício totalmente de vidro"29
impera em seus espaços é uma luz que preenche todo canto
do edifício com densidade plena, igualando interior e exterior. Esse exercício materializou-se anos mais tarde através do
Esta idéia “(...) de luz é apoiada explicitamente pela Edifício Seagram (1954) em Nova York, que se tornou um
inclinação do arquiteto para um espaço homogêneo e símbolo da cultura de massa americana do século XX. Nele
universal".23 Mies deslocava o problema da janela-parede para janela-
pele. No arranha-céu, ele enfatizava a participação da janela
no jogo de reflexão-refração da luz, ora espelhando a cidade,
ora aprisionando a luz que era a própria matéria com que
trabalhava. O arranha-céu de vidro propunha uma paisagem
• "i i
O
■! I
efêmera, sem pontos fixos de referência, onde a luz era
celebrada como nos espelhos dos salões rococós franceses e
que à noite invertia a expectativa de reflexão, expondo seus

F interiores com luzes artificiais.30 Mies procurava expressar a


dicotomia entre a transparência e a corporalidade.31

Fig.296 e 297 Edifício Friedrichstrasse e Seagram.


Mas o grande entusiasta do uso da luz natural como
Mies tornou-se célebre pelos seus arranha-céus de vidro diretriz de projeto no Movimento Moderno foi sem dúvida Le
que até hoje influenciam os arquitetos. Iniciou sua pesquisa Corbusier, Charles-Edouard Jeanneret (1887-1966). Em
com a proposta não construída de um edifício para escritórios
na Friedrichstrasse (1919), em Berlim, onde apresentou pela 29 Rohe, Mies van der apud Frampton, Kenneth. História crítica de Ia arquitectura
moderna. Barcelona: Gili, 1993, p.195.
30 Jorge, Luís Antônio. O desenho da janela. São Paulo: Annablume, 1995, p.125.
2S Miyake, Riichi. In: Futugawa Yukio(org.). Light ,Space. Modem architecture. 31 Frampton, Kenneth. História crítica de Ia arquitectura moderna. Barcelona: Gili,
Tókio: GA especial, ADA. Tokio Co.,1994, p.272. 1993, p.283.
116

sua fase purista o que lhe empolgava era a busca por um


mundo sem referências convencionais, ávido de luz, de sol, mesma valorizada
por Gropius e Mies. Nessa fase a sua
de espaço e de vegetação. Afinal, relanãn entre
ontrn espaço sombra era destituída de
Atinai, na relação uma realidade mágica e não
e luz a arquitetura é o jogo sábio, processava uma significância
correto e magnífico dos em si mesma, exceto como
volumes reunidos sob a luz... as sombras uma contraparte para a luz.
e os claros
revelam as formas; os cubos,
os cones, as esferas, os
cilindros ou as pirâmides são
as grandes formas primárias
que a luz revela bem...' Desde suas viagens de 1911
pelos
países mediterrâneos, Le Corbusier foi
interessando-se pela
problemática da iluminação, fator que se
tornaria elemento
determinante em suas proposições.

Fig.301 Pintura de Le Corbusier.


Na Ville Sa
Fig.298.299 e 300 Ville Savoye. voye (1929), obra paradigmática desse período
moderno, ele
Sua arquitetura também « mostrava avessa à parede propôs a antítese do edifício medieval: total
se mostrava penetrabilidade
emburacada. “Buracos”, para ele, destruíam as formas. Então no térreo liberado do chão por pilotis e total
permeabilidade
o jovem Le Corbusier repensou o desenho da janela a partir e visibilidade do espaço privado nos
perímetros
de quatro funções especificas: arear, ventilar, ver e iluminar. superiores. O terraço ao sol, símbolo de ordem e
claridade, <
Propôs fachadas livres, revestidas por planos de vidro ou controlava e ao mesmo tempo difundia a luz. A
orientação solar
janelas corridas horizontais, através das quais a luz atingia o era oposta à visão. Assim, o terraço-jardim
funcionava
interior com as mesmas qualidades que possuía no exterior. como espaço para recuperar o sol. O resultado
plástico obtido
Essa luz direta que gerava fortes sombras era branca - a era expressivo: um prisma cúbico branco
pousando levei
mente sobre um extenso gramado, tendo como
E Le Corbusier. Os três estabelecimentos humanos. pano de fundo
uma massa arbórea. Sua leveza era reforçada
p.50. São Paulo: Perspectiva,1979, através da
Le Corbusier Por uma arquitetura. São Paulo: projeção de sombra intensa sob os pilotis. De
nosso. Perspectiva,1973, p.13. Grifo forma que a sombra
nunca deixou de ser importante diretriz
de projeto, tant»
o quanto a luz tão alardeada. E as cores eram
117

utilizadas para reforçar sua arquitetura planar. O Le Corbusier edificava com a natureza e não contra ela.
pintor definitivamente influenciou o Le Corbusier arquiteto,
particularmente no uso da luz e da cor. Sua sensibilidade Sua arquitetura estava dominada por janelas corridas
artística foi ampliada pelo uso da luz natural como diretriz de alinhadas junto aos forros, protegidas por generosos beirais
seus projetos arquitetônicos.34 que difundiam a luz modificada por múltiplas reflexões, não
gerando sombras muito fortes. Assim como seus
contemporâneos modernos, ele também se manifestou
LUMINO$IMl>£ CONJEXTUfiL: LUZ SUME E HOMOGÊNEA. avesso à "caixa” com "buracos”, ou seja, aberturas nas
paredes como pequenos vãos pontilhando o plano da parede.
Wright e Aalto atuaram dentro dos princípios que
Propôs colocar as aberturas nos vértices das caixas
norteavam os ideais do Movimento Moderno, mas
decompondo-as e assim amenizando seu rigor geométrico.
desenvolveram uma arquitetura que estava mais preocupada
em se relacionar com os valores culturais e os fatores Por influência oriental, a arquitetura de Wright era
climáticos locais. Buscando assim personalizar e caracterizar composta por uma sequência de espaços que gradualmente
seus projetos através da proposição de elementos que tinham ia perdendo o grau de luminosidade, provocando sensações
sua origem no uso da luz natural disponível em seus países diferentes e reforçando a continuidade espacial. A sua
de origem. Ambos possuíam em comum a tendência em gramática definia-se por contrastes sutis com a luz, a abertura
valorizar uma luz suave e homogênea. e a profundidade; explodindo em um clímax que, muitas
vezes, era um espaço alto com intensa luminosidade. O ritmo
Frank Lloyd Wright (1867-1959) quase sempre
de luminosidades que conduzia a um ponto culminante fazia
correlacionava luz e natureza, em sua dimensão física e
lembrar a música de seu compositor preferido: Beethoven.
simbólica. A figura da árvore projetando uma sombra leve,
Embora usasse extensas janelas, os seus interiores
filtrando a luz entre suas folhas e ramagens, representava
tornavam-se, muitas vezes, sombrios devido aos grandes
sua metáfora preferida. Ele relacionava essa luminosidade à
beirais, às árvores circundantes e aos materiais escuros e
sensação de abrigo que poderia proporcionar, e esta era a 35
toscos que empregava.
característica básica de sua arquitetura dita "orgânica”: ele

34 Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand 35 Rasmussem, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. São Paulo: Martins Fontes,
Reinhold, 1996, p.218. 1986, p.201.
118

A luz em Wright estava diretamente ligada à matéria. Seu fazendo uma alusão às catedrais góticas.
instrumento fundamentai para correlacionar espaço e luz era
o vidro. Ele o explorava das mais diversas maneiras: vidro e Iv
luz trabalhados como se fossem a mesma coisa. Para ele a
tecnologia do vidro possibilitava uma visibilidade perfeita,
além de poder ser modificadas para permitir um efeito
específico de transparência ou translucência: “As sombras
iii 11
eram as ‘pinceladas' do arquiteto antigo. Deixe-nos que, hoje,
os modernos trabalhem com luz, luz difusa, luz refletida - a Fig.305 e 306 Edifício Adm. Jonhson e Larkin.

luz pela luz, sombras gratuitas. É a máquina que torna No edifício da Administração Jonhson (1936), Wright
modernas essas oportunidades novas e raras oferecidas pelo etomou a proposta intimista do edifício Larkin (1904), agora
vidro".36 com uma pele envoltória translúcida composta de tubos de

1
idro pyrex , proporcionando imagens deformadas, luz suave
modificada por refrações contínuas. Mas o que mais
impressionava no edifício era o grande salão mareado por
grandes capitéis fungiformes no centro, “(...) como lótus em
Fig'302Í303 e"3Ò4Casa Robie. mia lagoa, a luz caindo para baixo entre as aberturas das
Na Casa F. C. Robie (1908), um dos melhores exemplos P talas das colunas e o reluzir dos círculos dos tubos de vidro
de suas “prairie houses”, as janelas foram projetadas como pyrex sobre o teto e as paredes nos fazem perceber reflexão
elementos componentes da estrutura, agrupadas refração como se nós estivéssemos admirando do fundo de
ritmicamente, dialogando com a iluminação artificial uma lagoa as ondulações na superfície”37 Desse modo
construída ao redor das paredes do salão para gerar um ertia a expectativa usual, e onde se esperaria o sólido
efeito indireto, transformando o forro em céu dourado. Os eto) encontrava-se a luz, onde se esperaria a luz (as
vitrais, com seus desenhos florais, modificavam a cor da luz Paredes) encontrava-se o sólido.
natural para dourado, violeta, turquesa, rosa, marrom e verde,

* Wright. Frank Lloyd apud Frampton. Kenneth. História crítica de Ia arquitectura 37 Miyake, Riichi. In: Futugawa Yukio(org.). Light JSpace. Modem archit
moderna. Barcelona: Gili, 1993, p.226.
Tókio: GA especial, ADA. Tokio Co.,1994, p.214.
119

Famoso por suas obras poéticas nas áreas abertas e ondulantes da costa marítima, pelo contorno das colinas, pelo
bucólicas dos campos, Wright propôs um edifício jogo de luz e sombra de muitas florestas, além da mística
emblemático, expressivamente marcante em Nova York: o aurora boreal com seus arcos suaves. O longo período de
Museu Guggenheim (1959) - “um templo de luz" gerado por sombreamento, proporcionado por um inverno de seis meses
um grande átrio, iluminado por uma zenital, em volta do qual com dias muito curtos (somente quatro horas de luz diurna no
as obras de arte eram expostas e admiradas conforme se solstício de inverno), influenciou Aalto no seu desejo de obter
descia por uma rampa caracol. máximas reflexões de luz nos interiores, criando uma
característica pálida que prevalecia também nos móveis e
detalhes arquitetônicos.38 Surgia assim um certo repertório de
elementos particulares que usava corretamente a luz que
dispunha: aberturas no teto, lucernários, janelas
oportunamente protegidas tornando-se parte integrante de
uma particularíssima e apropriada linguagem compositiva,
usada para assinalar, sublinhar, pontuar e acentuar, ora
espaços particulares, ora percursos, ora uma certa atividade,
seja em uma biblioteca, seja em um hospital ou em uma
residência.39
Nessa poética da luz suave e homogênea destaca-se
também o arquiteto finlandês Alvar Aalto (1898-1976), que

'4
pelas condições climáticas de seu país, pela escassez de luz
natural, propôs espaços completamente diferentes dos
resultantes das caixas transparentes de Gropius e Mies. Sem
professar um espaço universal, Aalto articulava os espaços
organicamente, expressando a individualidade de cada parte,
Fig.308 e 309 Aurora Boreal e Pavilhão Finlandês em New York.
valorizando as relações humanas, fazendo referências às
plantas e aos animais. 38 Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand
Reinhold, 1996, p.227.
39 Cremonini, Lorenzino. Luce naturale, luce artificiale. Firenze: Alínea, 1992, p.
A paisagem da Finlândia é caracterizada pelas curvas 83.
120

Aalto aprofundou-se na proposta de um espaço fluido Ele descreveu a luz da Biblioteca de Viipuri (1930) como
i
combinando a ênfase da luz zenital com as superfícies curvas sendo “luz sem sombras". Essa idéia dialogava com o
do teto - um desenvolvimento moderno dos códigos da arte desenho das paredes ondulantes difundindo a luz. O espaço
barroca, evidenciados pelas cavidades, pelos elementos interno branco articulava-se com as curvas das paredes e, em
ondulatórios. pelas diferentes sobreposições de pisos e pelas determinados momentos, apareceram as “paredes tetos",
5
fontes de luz encravadas nos volumes. Chamado também de criando um espaço de um único tom, ligeiramente perturbado ?
«
neoexpressionista. procurou libertar-se do sistema prismático pela pálida luz finlandesa penetrando através de zenitais e |
da geometria elementar, investigando a complexidade e o janelas laterais.
5
espetáculo da curva.40 A escolha de materiais mais
artesanais demonstrava uma açào menos dramática do que a A luz suave também estava presente na Igreja de
proporcionada pelos materiais tecnológicos que Vuoksenniska (1956), em Imatra. Nela reinava uma atmosfera
predominavam no Movimento Moderno do início dos anos 20. de recolhimento. A luz branca penetrava resvalando sobre as
A qualidade das texturas e das cores do tijolo, da pedra, da paredes, aparecendo uniformemente suave em qualquer
madeira e das cerâmicas era acentuada e dramatizada pelo lugar, dando às superfícies e volumes um aspecto etéreo.
jogo de luz natural, a qual foi essencial para toda a sua
arquitetura.41
LUMINOSIDADE ÊXPR6SSIVA: RE10M0 DlALêVCO ENTRE
LUZ E SOMBW.
Eu uso luz abundantemente... luz para mim é fundamento
básico da arquitetura. Eu componho com luz". Le Corbusier

primeira fase moderna as expressões formais


volventes eram pobres de estímulos e os ambientes
uziam uma sensação de “ausência", nos quais não havia
Fig.310 e 311 Biblioteca Viipuri e Igreja de Vuoksenniska. em Imatra. ência de luz, nem graus de intensidade que traduzissem o
e_ a noite, os diversos dias do ano ou as diversas
40 Bamabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São çoes. Na segunda fase, agora sob influência filosófica
Paulo. 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP. p.57.
41 Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand tenomenológica, os espaços obtiveram vastos significados, os
Reinhold, 1996, p.227.
121

ambientes passaram a se correlacionar ao grau de luz e Em muitos ensaios “vernáculos" anteriores a Ronchamp, o
penumbra, os volumes voltaram a fechar-se, propiciando um arquiteto já recorria a uma expressiva “bricolage", através da
confronto entre interior e exterior. Retornava-se assim a justaposição de materiais naturais contrastantes e sistemas
valorização do caráter que a sombra podia imprimir nos construtivos primitivos. Isso significou um gradual abandono
espaços interiores, enfatizando-se novamente a gradação da do envoltório clássico, usado nas obras de fins da década de
luz, o valor das cores e suas tonalidades. A arquitetura 1920, a favor de uma arquitetura baseada na força expressiva
retomava efeitos ricos em soluções corpóreas, priorizando as de algum elemento arquitetônico significativo. A janela
invenções dos cheios e dos vazios, a mutabilidade dos arquetípica já não era mais a “fenêtre en longueur”, através
ambientes, “(...) num sentido pictórico em que o predomínio da qual se podia ver o mundo. Le Corbusier voltava a usar
era dado pela intensidade da sombra”.42 aberturas pontuadas no plano da parede, fazendo também
com que a forma purista cedesse lugar a uma experiência
Depois da Segunda Guerra Mundial, Le Corbusier mais tátil através do uso de concreto bruto.
gradualmente resgatou valores tradicionais, relações
presentes na arquitetura vernacular e erudita do passado,
relacionadas à dialética da luz e da sombra. Pouco a pouco
substituiu a arquitetura pura e branca, brilhando sob o sol, por
uma mais imperfeita, cheia de contrastes acentuados. A
fachada livre permaneceu, mas o tamanho das aberturas
variava conforme as necessidades e as interações plásticas
desejadas, impondo ora uma luz direta, ora filtrada ou
indireta, criando um jogo de luz e sombra para atingir o
contraste desejado. Mesmo o brise-soleil e o plano de
fechamento de suas fachadas tornaram-se elementos
desenhados não só para proteção solar, mas também como Hg.312 e 313 Villa Adriana em Tivoli. desenho de Le Corbusier e vista interna.

mais um elemento qualificador da forma e do espaço. Além do sentimento de angústia que dominava os

43 Frampton, Kenneth. História crítica de Ia arquitectura moderna. Barcelona: Gili,


42 Consiglieri, Victor. A morfologia da arquitectura. Lisboa: Estampa,1999, p.219,
v.l. 1993, pp.273-274.
A 22

europeus no pós-guerra, provavelmente tal proceder originou-


se de suas lembranças das viagens que tez pelos países onchamp que possuía o apelo emocional de se basear na
mediterrâneos em 191V. ele visitou a Villa Adriana em Tivoli, penumbra da iluminação indireta, na qual a forma só era
nos arredores de Roma, cujas “chaminés" de luz lhe chamou obscuramente revelada”.45
a atenção. Lá observou também, além das obras de Palladio,
o sepulcro de Serapis esculpido na rocha, onde um furo O uso da luz como diretriz de projeto estava, então,
vertical levava a luz para o fundo da caverna. “Tocado por aterializado de um modo bastante específico para definir
este efeito, imediatamente fez um croqui e o descreveu como mas e espaços, enfatizando ao mesmo tempo os mistérios
‘o buraco do mistério’, onde a luz penetra no fundo da cristianismo. Primeiro, através do contraste entre a
caverna. Esta forma de dirigir a luz se tomou um detalhe inosidade externa e o ambiente interno em penumbra
importante que ele tentaria reinterpretar na Capela de P ntuado por pontos focais de luz. Recurso opositivo
Ronchamp e no Convento Dominiciano de Santa Maria de La pregado também externamente para evidenciar seu
Tourette.” olume rotundo branco em contraste com suas aberturas
sombreadas escuras.

Fig.314 e 315 Vista externa e interna da Capela de Rochamp.


Fig.316, 317 e 318 Interior Capela de Romchamp.
Na Capela de Notre-Dame-du-Haut em r Segundo, através de um
Ronchamp (1950), rasgo estreito e extenso entre a
o arquiteto materializava a constante dualidad«
. a e as Parec*es internas, destacando a assimetria da
sombra. “Le Corbusier, que até então Je ' entre a luzcom
hauamava ea
a do edifício e dando uma impressão de leveza ao
trabalhava para
aposentos inundados de luz diurna, tão adequados Pesado plano de concreto tosco do teto.
adequados
formas precisas e cores puras, criou um interior de igreja em
através de um plano articulado na parede Sul,
P sto de pequenas janelas com dimensões menores no
“ Miyake, Riichi. In: Futugawa Yukio(org). Light dSpace. Modem abrindo-se para o interior e vedadas com vidros
Tókio: GA especial, ADA. Tokio Co.,1994, p.259.
archrtecture. 45 pasrr)u ' -- --------------
1986,Spe202.Steer’ Eder' Arquite,ura vivenciada. São Paulo: Martins Fontes.
123

46
coloridos, alguns dos quais com inscrições e desenhos. A luz de Nossa Senhora.46 Ronchamp demonstra assim uma
que as transpassa define e acentua as qualidades dos evolução do pensamento modernista de Le Corbusier, que
materiais internos. Os planos de concreto e as paredes retomava os recursos de luz e de sombra, dos cheios e dos
ásperas vibram e conduzem os raios de luz, as explosões de vazios, dos buracos nas paredes para obter expressividade.
cores e brilhos contrastam drasticamente com o ambiente
geral da capela em penumbra. Louis I. Kahn (1901-1974), arquiteto representante da
segunda geração do Movimento Moderno, também
questionou a postura racionalista que ainda imperava. E
apesar de utilizar uma linguagem hermética à primeira vista,
tornou-se um dos arquitetos que mais se preocuparam em
usar a luz como diretriz de projeto, não admitindo a existência
de um espaço arquitetônico sem que este fosse definido por
luz natural. “E isto porque os estados de ânimos criados peias
horas do dia e peias estações do ano ajudam a evocar o que
Quarto, através das torres de luz sobre as três pequenas
um espaço pode ser".47
capelas adjacentes que expandem o espaço da capela
principal e intensificam a atmosfera mística do complexo Kahn estabeleceu uma concepção filosófica sobre
espaço. Esses minúsculos santuários estão cada um definido arquitetura e luz. O silêncio e a luz eram conceitos que
por uma torre individual que é bem visível no exterior do valorizavam a idéia de ordem e de essência (arqué), que
edifício. As torres Leste e Oeste produzem luz indireta precediam a concepção das coisas. Paralelo a isso tinha o
variável conforme as horas do dia. A torre Leste se diferencia entendimento de que o homem estava sujeito às leis naturais,
por ser parte do púlpito e por se tingir de vermelho criando com vontade de expressar-se, com desejo de apreender, de
mais um contraste simbólico. Já a torre Norte provê comunicar-se e de bem-estar. A transição entre o silêncio (o
iluminação constantemente uniforme. querer expressar) e a luz (o querer criar) era a base de toda

Finalmente, uma janela-caixa retangular na parede Leste,


atrás do altar da capela principal, ilumina com um feixe 46 Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand
Reinhold, 1996, p.215.
dramático de luz da manhã a imagem que aí se encontrava 47 Kahn. Louis I. apud Norberg-Schulz, Christian. Louis Kahn. Idea e imagem.
Madrid: Xarait, 1981, p.12.


!

124

atividade humana48 criação.


i.
k

Seu pensar partia do pressuposto que cada pessoa é um


indivíduo único e, portanto, os seus espaços também
deveríam ser distintos. Para que houvesse variedade de
espaços, era necessário que houvesse uma variedade de
luminosidade natural e de orientação relativa dos espaços em Fig. 322, 323 e 324 Edifícios em Dacca, na índia.
relação à penetração da luz.
Kahn considerava a luz natural uma força viva para a í
Para Kahn o contexto no qual atuava deveria ser
considerado, pois influenciava diretamente na vida do
arquitetura, pois esta se mostra em constante mudança de
cor e intensidade conforme variam as horas, os dias e as
I
estações. Desse modo, deu grande ênfase ao projeto das
homem. Mas o tator determinante de sua arquitetura era o
uso da luz como tator construtivo: a luz natural determinando janelas e à qualificação vital que estas proporcionavam ao
5
a identidade de um espaço; a planta mostrando onde havia espaço. Com o projeto não construído do consulado
luz e onde não havia. A luz concebida levando-se em americano de Luanda (1959) começou a utilizar-se de filtros I
t

consideração aspectos mensuráveis, como a questão externos de luz. Adaptou sua janela “keyhole" como um filtro
higiênica e aspectos não mesuráveis, como a poética do para proteger do ofuscamento e da incidência direta do sol, i
espaço e da luz. interessando-se pelo envolvimento do edifício com uma 4
segunda pele para que as janelas permitissem que a luz do
No interior, a luz kahniana era filtrada, procurando valorizar sol entrasse e fosse refletida antes de adentrar nos espaços
o aspecto mutante da luminosidade do dia, gerando sombras
- complemento natural e necessário. A dualidade entre luz e
interiores. Como esses “biombos" pareciam “ruínas”, Kahn
desenvolveu o conceito de conter um edifício dentro de
I
*
sombra, que estava no princípio do pensamento de Kahn
sobre silêncio e luz, refletia-se em sua procura por uma
ruínas, ou ruínas envolventes, principalmente para controlar a
luz natural, como nos vários edifícios que construiu em
í
ordem primitiva da natureza, estando na base dessa ordem a (1964), na índia.
qualidade espiritual da luz, que simbolizava o momento da i
40 Barnabé, Paulo M. M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. São
Kurtich, John e Eakin, Garret. Interior Architecture. New York: Nostrand
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.58. Reinhold, 1996, p.219.
125

Mas o projeto no qual Kahn usou entusiasticamente a luz material escuro. Pensava o edifício como uma mensagem de
como diretriz de projeto foi o Museu de Arte Kimbell (1966) luz, os materiais construídos como receptores e
em Fort Worth, Texas. Entre todos, era o que mais evocava a amplificadores, os ambientes como coletores e protetores, as
mágica qualidade poética da luz. O museu é uma estrutura superfícies e aberturas como transformadores e moduladores
composta de seis abóbadas paralelas; ao longo de cada uma de luz.
delas corre um estreito rasgo pelo qual a claridade do sol
penetra na edificação. Um elemento de alumínio furado e
curvado instalado abaixo do rasgo espalha e reflete a ei/LTUM MÊSTI^.
luminosidade natural para a face interior da abóbada,
“Eu creio em uma arquitetura emocionar. Luis Barragán.
lavando-a com luz. Para tirar partido da mutabilidade da luz
solar, Kahn projetou uma série de espaços ao ar livre, cada O pensamento e as obras dos mestres modernos
qual com uma gradação lumínica diferenciada oferecida pelas influenciaram e foram influenciados por muitas gerações de
dimensões do pátio, gerando reflexões na água, concreto, arquitetos. Em muitos países houve uma gradual
mármore travertino e vegetação. Como foi dito anteriormente, miscigenação entre os postulados modernos e as ■

o arquiteto esperava que as obras de arte revelassem condicionantes culturais e climáticas locais.
surpresas, novas características a cada mudança de luz.
Embora a tese de regionalismo crítico apresentado por
Kenneth Frampton possa ser questionada por estar
>
impregnada de preconceitos colonialistas, percebe-se nela
> algumas afirmações pertinentes, porque a produção
desenvolvida nos países “periféricos" enfatizava certos
Fig.325, 326 e 327 Museu Kimbell. valores, como o jogo variado da luz do local, (...) sempre
Para ele, a arquitetura não somente representava os entendida como o agente básico por intermédio do qual o
corpos na luz como Le Corbusier definiu. Ao contrário, todo volume e o valor tectônico da obra são revelados".
edifício era ele próprio um fornecedor de luz, e o arquiteto o Considerando também o tátil, ou seja, tendo consciência de
grande organizador de luz e sombra. A construção de Kahn que o ambiente pode ser vivenciado em outros termos, não
manifestava a si própria, não em leveza, brilho e somente através da visão. “O regionalismo crítico, portanto,
transparência, mas no resistente peso e densidade do opõe-se a tendência da ‘civilização universal’ de privilegiar o

J
126

uso do ar-condicionado, etc. Tende


aberturas como zonas delicadas a tratar todas as
mundo moderno permitia. Para ele, a vida cotidiana estava se
capacidade de reagir às condições de transição com tornando demasiadamente pública; os arquitetos esqueciam-
pelo lugar, pelo clima e pela luz”.50 específicas impostas se (...) da necessidade da meia-luz que os seres humanos
têm, aquela espécie de luz que propicia tranqüilidade, tanto
Luís Barragán
(1902-1988) foi um dos arquitetos que em suas salas de visitas quanto em seus dormitórios. Mais ou
procurou aliar os
preceitos modernos aos valores de sua menos a metade do vidro utilizado em tantos edifícios - sejam
cultura local, Sua arquitetura realizava-se no limiar entre
energia e casas ou escritórios - precisariam ser removidos para que se
materialidade. Seus edifícios eram “luz obtivesse a qualidade de luz que permite que se viva e
materializada", f
Sua potencialidade mística era tão dramática trabalhe de uma maneira mais concentrada”.
quanto simples. Lembrava
Chirico e Wlagritte, r os estados de ânimos pintados por
Wlagritte, transportando
transportando o observador para lugares
de sonhos metafísicos, onde qualquer coisa parecia possível.
Seus edifícios não eram monumentais como os de Kahn,
eram meros volumes com vazios e cores fortes, nos quais
prevaleciam os materiais naturais da água, da terra e do céu.

Fig.330 e 331 Casa Francisco Gilardi.


As <casas
----- de Barragán eram composições abstratas cheias
de silêncio e r
severidade, movidas tatilmente pelo céu e pelo
sol, como uma
1 agitada cascata ou uma piscina serena. Esta
água difratava <
Fig.328 e 3290 Pintura de Chirico e Magntte. a luz, fazia sua emissão de luz trêmula, brilho,
resplendor e vislumbrar. Ele
Fortemente influenciado pela arquitetura islâmica, procurava realizar um criativo
diálogo entre luz
manifestava-se em oposição à invasão da privacidade que o e sombra através do consciente uso de
materiais contrastantes. Profundos
materiais pretos eram
r
50 Frampton, Kenneth. História critica da
F°ntes,2000,
----- " _,p.397. Gritos nossos. metera ™e,na. Sào Paulo: Mart,ns S^Paul^M^ri^ns^Fon^es^OOo' História Cr"'Ca da arqui,e,ura modema‘
127

contrastados com paredes brancas, superfícies toscas eram


alinhadas com outras polidas, rocha natural próxima de pedra
cortada.

Fig.332 e 333 Las Arbloledas e interior casa de Luis Barragan.

Tal procedimento mestiço também pode ser percebido no


Brasil através da clareza formal de Affonso Eduardo Reidy;
dos volumes cúbicos brancos de Gregori Warchavchik; do
movimento luminoso das superfícies dos Irmãos Roberto; do
contraponto exato dos volumes e planos transparentes de
Jorge Machado Moreira; do embate entre a transparência e
a opacidade de Lina Bo Bardi; da luz filtrada de Lúcio
Costa; das formas reveladas pela luz de Oscar Niemeyer;
dos espaços luminosos de Oswaldo Bratke; da luz suave e
intimista de Rino Levi; e da força luminosa da matéria de
Vilanova Artigas.

IWS/ V"
CAPITULO IV

A LUZ NATURAL £ A ARQUITETURA BRASILEIRA


I
CAPÍTULO IV.

A LUZ NATURAL NA ARQUITETURA


gRASILÊIRA-
"Assumir e respeitar o nosso lastro original - luso, atro, nativo. Reconhecer
a grande importância para o Brasil de hoje do aporte da migração européia
- mediterrânea e nórdica bem como a do oriente - próximo e distante.
Aceitar como legítima e fecunda a resultante desse entrosamento, mas
reputar fundamental a absorção, nesse aporte, da nossa maneira peculiar,
inconfundível - brasileira - de ser. Preservar e cultivar tais características
diferenciadoras, originais. Recusar subserviência, inclusive cultural, mas
absorver e assimilar a inovação alheia". Lúcio Costa.

Do colonial ao moderno, gradativamente a luminosidade


também foi aumentando nos espaços interiores da arquitetura
brasileira. A produção moderna caracterizou-se pela
miscigenação entre os princípios ortodoxos das vanguardas
européias, das posturas orgânicas americanas e dos valores
locais relacionados ao clima e à arquitetura vernácula - uma
“cultura mestiça”, que se consolidou entre duas tendências
estrangeiras, a “cultura da penumbra" e a “cultura da
claridade”. A primeira dominada por ambientes com poucas
aberturas para o exterior, proporcionando uma luminosidade
heterogênea, íntima, teatral, dramática e expressiva. A
segunda definida por ambientes em plena luz, quase só
janelas, proporcionando uma luminosidade homogênea,
abstrata, fria, denominada “universal" ou por ambientes
homogeneamente claros e sem sombras, denominado
“contextual". Alguns arquitetos do período em estudo
adotaram soluções “híbridas”, em que conviviam num mesmo
oca Yanomami.
projeto várias tendências.
i
t
?-
trópicos, gerando t
características culturais e climáticas dos
essa propensão
„ _r
época
XnÕ passado.Tonstruçòes
colonial percebe-se
No passado, construções
já acolhiam influências culturais
’ 3 "singelas e
culturais distintas,
influências culturais
distintas, promovendo o
uma arquitetura com expressão própria:: uma arquitetura

“(...) tão mestiça quanto seu povo,


, cujo talento em apreender
1 nível, estrangeira, e reformulá-la,
I
<
entrelaçamento entre cultura popular e erudita. Essas a informação de primeiro
das adaptações necessárias, uma
entre cultura popular e incorporando para além i
manifestações tornaram-se "genuinamente brasileiras” à ' i se comprovar nas mais
tornaram-se "genuinamente grande dose de inventividade, parecia
medida que os modelos trazidos da Península Ibérica
modelos trazidos literatura, nas artes plásticas, na
‘•amaneiraram-se". adaptando-se à mão de obra dos mulatos diversas manifestações: na
arquitetura”.3
música popular, no futebol, na
e mamelucos. sendo improvisadas pela falta de recursos
matenais. adequando-se ao meio tropical. Tudo miscigenado
jAMBfEM PENUMBRA-
por influências culturais, étnicas e religiosas; desde os índios
arvores, nela tran? ° esplendor da forÇa na desordem... Pelas frestas das
e negros de diferentes origens africanas, aos colonos nessa suave iium parenc'a das folhas, desce uma claridade discreta, e
das cores Ela<; !naçao se desenrola dentro do mato o cenário pomposo
humildes das zonas rurais de Portugal. ora avança ora « S' V'VaS e quen,es’ mas a gradação da sombra, que
do branco a mar , 3 as,a' corriun'ca-lhe da negrura do verde ao desmaio
portas da mata comple,a’ triunfal. E tá em cada boca da estrada, as
Na história da arquitetura percebe-se que os eruditos só de luz e de rmarj1 um circulo longínquo, azulado, como portas feitas
sempre menosprezaram as produções híbridas, geralmente aqui recehomnr Uma UZ zodiacal e docemente infinita... A sensação que
Aqui o esn.htn a mU"° dl,erente da que nos deixa a paisagem européia...
advindas de classes sociais ditas inferiores, não identificadas nos dissoivamne. esmagado pela estupenda majestade da natureza... Nós
trágica afinai na con,emplaÇão -- A floresta no Brasil é sombria e
com os paradigmas por eles estabelecidos. Os modernos esta abundância™5 Cons,range É 0 que sucede com esta força, esta luz.
brasileiros trataram de subverter essa perspectiva, apostando
nas possibilidades que o confronto entre erudito e popular magem do paraíso, das matas densas e sombreadas,
pudesse oferecer. Tanto Gilberto Freyre1 quanto Sérgio eur C°aVarn feixes de luz, estava na imaginação dos
Buarque de Holanda^ iriam rejeitar qualquer teoria de
peus que chegavam ao Brasil Colônia. A cena exótica
determinismo biológico, que caracterizasse os mestiços como
te aVa re'a^os’ ^e'as' gravuras e aquarelas. Os primeiros
seres indolentes e sem caráter. Pelo contrário, achavam que Pos foram marcados por uma natureza plena que comovia
estes poderíam vislumbrar o novo, ou seja, promover a
ombrava, deixando submissos até mesmo os nativos
reinvenção dos postulados europeus quando confrontados às
na
;5 da arquitetura
freyre, Gilberto Casa-Grande & Senzala. Rio de janeiro Record, 1992 p933]. orge. Luís Antomo O espaço seco: imaginário e poéticas
FAU/USP.
America São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Arquitetura) - P.
‘ Holanda. Sérgio Buarque. Raizes do Brasil. São Paulo. Cia. Das Letras, 1996
11936], Aranha. Graça Canaã São Paulo: Ática, 1998[1922],
133

que a julgam encantada. Mas os viajantes assustavam-se vindos do alto, das aberturas estrategicamente locadas para a
com a força do sol dos trópicos e percebiam o poder exaustão das fumaças provenientes de fogueiras
esmagador dessa natureza. centralizadas, pontos focais de grande poder poético nesse
espaço em penumbra - um universo oval de mais ou menos
trinta por doze metros, com nove metros de altura.

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Fig.336 e 337 Croqui corte genérico de uma oca indígena e croqui Lúcio Costa.

Lúcio Costa correlacionou a influência das construções do


Alentejo e das ocas indígenas com os ranchos de feitoria da
Fig.335 Gravura de Rugendas. colônia - grandes espaços cobertos para abrigar os colonos
Os índios que aqui encontravam faziam clareiras vindos da metrópole portuguesa. Identificou-se com as suas
arredondadas na mata fechada para implantar suas aldeias e formas puras, com a sua implantação defensiva em clareiras,
estabelecer suas habitações provisórias: ocas que lembravam e com a presença do foco de luz e calor centralizado, “o fogo
o cosmo, o útero materno em penumbra, materializando a - o foyer” que mantinha os ambientes aquecidos com o
idéia da "cabana primitiva”,5 cultuando o percurso da luz à aproveitamento do cozer, deixando a fumaça escapar pela
escuridão. Envoltórios predominantemente opacos nos quais telha-vã ou pelo engenhoso dispositivo na cumeeira das
malocas que permitia vazar feixes de luz na penumbra.6
apenas uma ou duas aberturas negras sobressaiam sobre a
superfície de palhas brilhantes e induziam acesso. Mas que
Os espaços sagrados normalmente priorizavam a
internamente valorizavam a dramaticidade de feixes de luz
penumbra, assim como nos teatros as cenas mais

5 Termo usado por Marc-Antome Laugier em seu manifesto “Essai sur 6 Costa. Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997,
l’architecture" (Roth, 1999. pp 433-434) p.453.
134

importantes eram dramatizadas com uma réstia concentrada Seus envoltórios, predominantemente opacos, eram resultado
de luz focalizando-as. A imagem da grande oca das tribos da imposição de lotes estreitos alongados, sobre os quais se
brasileiras está presente ainda hoje no imaginário das construíam residências geminadas junto ao alinhamento das
pessoas que aqui vivem, por sua simplicidade formal externa vias públicas, com poucas superfícies expostas ao exterior,
e por sua beleza interna enigmática. com pequenas aberturas em função do precário sistema
construtivo disponível, composto por paredes sustentadoras.
A arquitetura colonial brasileira também se caracterizava O interior resultante era definido frontalmente por salas e lojas
pela simplicidade. As construções singelas daquele período com aberturas sobre a rua, “(...) ficando as aberturas dos
mesmo acolhendo influências culturais distintas, de origem fundos para a iluminação dos cômodos de permanência das
erudita e popular, respondiam ao anseio de expressão própria mulheres e dos locais de trabalho. Entre estas partes com
daquela sociedade em formação. iluminação natural, situavam-se as alcovas destinadas à
permanência noturna e onde dificilmente penetrava a luz do
dia . A escuridão das alcovas era agravada pelo sistema de
1 cobertura em duas águas, dificultando a construção de pátios
Fig.338 Planta, cone e elevações genéricos das casas coloniais brasileiras.
internos, clarabóias ou lucarnas.
As cidades coloniais brasileiras não chegavam a
contradizer a natureza.8 Mas sob forte influência das posturas
medievais ibéricas adaptavam-se à topografia, protegiam-se
da hostilidade dos trópicos voltando as costas à paisagem tfl üfcc

periférica. A pouca luminosidade que caracterizava as F'9 339. 340 e 341 casa do Sítio do Padre Inácio em Cotia, Sao Paulo.
primeiras construções era determinada por essa configuração Não se enquadravam nesse modelo colonial as residências
urbana uniforme e compacta, denotando uma preocupação rurais e a arquitetura religiosa barroca. A casa bandeirista dos
defensiva e estética definida por Cartas Regias ou por séculos XVII e XVIII é um bom exemplo dessa articulação
posturas municipais para garantir uma aparência portuguesa. espacial através da manipulação da luz e da sombra. Nela
inexistiam as alcovas sombrias, pois até mesmo os espaços
7 Campello, Glauco de Oliveira O brilho da simplicidade. Dois estudos sobre
arquitetura religiosa no Brasil colonial Rio de Janeiro. Casa da palavra. 2001 centrais eram banhados por luz natural através das varandas.
p.14.
6 Holanda, Sérgio Buarque de. fíaizes do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympio,
9 Reis Filho, Nestor Gullar Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo:
1989. p.76.
Perspectiva, 1976. p.24
135

Seu projeto era simples, espontâneo na singeleza de sua


AMBIENTES COM NWH/ÍTICW PENUMBRAS-
composição simétrica, desvinculada do terreno - exigindo que
ele se adaptasse à horizontalidade, constituindo uma planta Nesse universo da penumbra, sobressaíam as
universal.10 A casa era estabelecida a partir de um retângulo, manifestações barrocas que se concretizaram principalmente
definindo claramente a área frontal social, a zona de no final do século XVIII, alcançando expressão própria já na
recepção, dominada por um alpendre sombreado e ladeado fase rococó da arquitetura mineira. Muitos ensaístas e
por uma capela e por um dormitório de hóspedes; a área sociólogos insistem que sempre existiu uma constante
central determinando um estar franqueado por dois barroca na arte brasileira; que não se traduzia apenas nas
dormitórios laterais; e a área posterior de serviços, um talhas douradas, nas pinturas e ornamentos eruditos das
alpendre também sombreado entremeado por depósitos. igrejas e palácios, mas numa “visão de mundo", nos
Assim, todos os seus ambientes poderiam ser iluminados costumes, nos rituais, nas aspirações e no gosto por
diretamente ou por reflexão, resultando em uma luminosidade cenografias suntuosas com que expressavam o poder
heterogênea e suave. Mas, a volumetria era francamente material e religioso naquela sociedade desigual. Essa
definida pela opacidade dos envoltórios em função do sistema constante barroca traduzia-se também nos sermões e nas
construtivo que limitava as aberturas fechadas com folhas literaturas, nos vestuários e nos estandartes, mesclando
simples de madeira. Sua imagem final traduzia-se em um influências étnicas, construindo o sincretismo religioso e
cultural.11 Sem dúvida “o Brasil tem alma barroca...", porque
prisma regular branco, sobre o qual repousava um telhado de
quatro águas, com grandes beirais projetando uma linha de procura a união dos contrários e idealiza a fusão do caráter
divino da criação com o projeto humano da ocupação do
sombra, a varanda sombreada central e os dois pontos
escuros representados pelas pequenas janelas laterais. universo.

Transplantado para o Brasil, o Barroco evoluiu para uma


nova forma de expressão mais simples, uma arquitetura de
igrejas sem cúpulas. Em Minas tomou as feições modestas
das paredes feitas de taipa e madeira, escondendo a
decoração interior rica, evoluindo do desenho quadrangular
para uma configuração mais sinuosa, dando sinais de seu
Lemos, Carlos Alberto Cerqueira. Arquitetura Brasileira. Sâo Paulo:
Melhoramentos, 1979, p.70. " Campello, op. cit., pp.13-14.
136
pinturas nos tetos, os brancos dos gessos transfiguravam o
1
processo mestiço. Até chegar ao auge, o rococó de fins do
século XVIII em que viveu da decoração “(...) dramática de
Antonio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, com quem o
espaço eliminando o peso das coisas. Esse espaço fluido
completava-se num jogo de cenografia que se baseava no
I
confronto contínuo de superfícies curvas, no encanto das
barroco é definitivamente abrasileirado, pelos anjinhos
vibrações luminosas. O observador percebia um constante
mulatos e pelos motivos da terra”.
movimento geométrico contraposto ao sistema de luz indireta,
que ressaltava o pormenor e valorizava a penumbra. A
I1

vibração da luz sobre os retábulos barrocos produzia efeitos
similares aos estudados na Igreja de Santa Sofia; porém aqui I
o ouro velho requeria meia luz, de forma similar ao que

acontece em um quadro de Rembrandt.

Fig345.346.347 e 348 Planta e vistas externas Igreja São Francisco de Assis, Ouro Preto.

Nas igrejas barrocas mineiras os envoltórios ainda eram


dominados pela opacidade, pelo predomínio dos cheios sobre
os vazios. E seus espaços agrupavam-se em torno de uma
estrutura de formas geométricas elípticas e circulares que se
adicionavam e se subtraiam segundo um eixo longitudinal,
cujas superfícies interiores apresentavam-se exuberantes e
incisco de Assis, Ouro Preto.
reagiam continuamente às variações da luz natural e artificial. fÍ^49^5^^51 Vistas interiores Igreja São Frai
mundo barroco queria seduzir e conduzir pelo olhar, mas
Visando adquirir expressividade, a luz era refletida através estabelecido. A igreja
de muitos artifícios. Efeitos de movimento eram obtidos também levar a pensar num percurso
3. A primeira era
barroca mineira abria-se em sucessivas portas
através de jogos de luz e sombra - material dúctil a configurar porta-do-céu. A
o próprio frontispício, uma alegoria da |
espaços e a estabelecer atmosferas. O uso do ouro como talhas onde
segunda passagem era aportada com
matéria-luz, o piso lustroso dos pranchões de madeiras, as recepcionar quem
prevaleciam os seus santos e querubins a
essa porta
12 SanfAnna, Attonso Romano de. Barroco, alma do Brasil. Rio de Janeiro: passava por ela. Muitas vezes ultrapassar
Comunicação Máxima, 1997, p.7.
137

significava encontrar um anteparo que devia ser contornado curva, que também se apoiava em outra, em um jogo de
para então o olho encontrar a nave semi-iluminada. No rebatimentos infindável. O sacrário não era o fim da
Barroco o exercício do ver pressupunha penetrar, caminhar perspectiva. Ao abrir-se, o escuro vazio nos enviava a uma
em profundidade. Seja quando se olhava para frente ou para ausência preenchida de significados. Mistério, presença
os lados, passando por capelas e nichos de santos. Ou ainda divina. Luz e sombra, forma e mancha, guardavam
quando se olhava para o alto e se admirava os efeitos em armadilhas ao olhar. A obra barroca precipitava leituras
trompe-l’oeil, em um ilusionismo feito de tintas, mostrando a visuais que, a cada momento, era desorientada de sua
ligação entre a terra e o céu. suposta linearidade pelos estímulos diagonais que

Émgi atravessavam o espaço.13

' V- Muitos arquitetos modernos, como Lúcio Costa e Oscar


Niemeyer, observaram esse jogo de portas e caminhos, de
luzes e sombras. E viveram o dilema entre os pressupostos
modernos que requeriam construções claras e desimpedidas,
Fig. 352 e 353 Detalhe pintura no teto e altar lateral Igreja de São Francisco, Ouro Preto. com caminhos retos e sem obstáculos de sombras; e os
O caminho continuava com suas setas ocultas. A nave era pressupostos de um mundo da arquitetura colonial, em muito
um grande casco de navio invertido oferecendo proteção. Ele barroca.
marcava lugar com o trabalho da talha e antecipava a
A aventura entusiasmada e positiva de certos homens
preciosidade da próxima cena pouco distanciada. Sendo
modernos abriu caminhos a exorcizar os anjos, fantasmas
transposto, surgia o retábulo, local do apogeu dourado da
barrocos, renunciando a seus parentescos flagrantes com a
obra de escultores e arquitetos, amparando a figura do santo
modernidade. Mas não tardaram a reencontrar tais
principal. Nos volteios do retábulo estava centralizada a
fantasmas: o moderno eleito - branco, transparente,
última entrada, a porta dourada do oratório.
equilibrado - no embate com o contexto fragmentado,
complexo, indefinido que circunda os imponentes
O trajeto de portas, aparentemente linear, guardava
possibilidades de perda a cada momento. Cada porta oferecia
inúmeros encaminhamentos ao olhar. A curva deixava em 13 Silva, Maria Angélica da. As formas e as palavras na obra de Lúcio Costa. Rio
de Janeiro, 1991. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Departamento de
sua parte côncava a possibilidade do surgimento de outra História/PUC, pp.268-277.
138

monumentos cristalinos,
criados por esses homens -
revelaram-se também Desse
susceptível à sombra barroca e modo surgiram os elementos que muito
mestiça. caracterizariam r—
as suas fachadas e que seriam utilizados até
hoje: os filtros para bari
O Barroco pode ter <' to ------ 'rar a incidência direta do sol e de certa
sido a melhor expressão da alma do forma proteger a intimidade de olhares alheios. Fala-se aqui
povo brasileiro, (...) feita de
,> contrastes, de religiosidade e de dos muxarabis
mouros, das rótulas e gelosias, das urupemas,
mundanismo, de virtude e de transgressão, de
e de transomccão claro e do “tijolo recortado", i
escuro, de paixão e serenidade, de
passado’’.14 Tal tendência teve um renovação e de apego ao
dos “elementos vazados” ou "cobogós".'5
I
t
com os modernistas de 1922 e momento com a de redescoberta
Serviço do Patrimônio Histórico e ., ação do SPHAN,
chegando até a atualidade também Artístico Nacional,
manifestações na música, na pintura, através de várias
l
na literatura
arquitetura. Perenizado nas obras de artistas ccr. e na
Suassuna, Villa Lobos, Jorge Amado, Guimarãescomo Ri Ariano ————gw*------ __ rq
g 54. 355 e 356 Porta Convento São Francisco em Salvador, muxarabi biblioteca em
outros. Muitos arquitetos modernos brasileii _ . tosa, entre *
Diamantina e porta de acesso à Capela do sítio São Roque.
seus projetos sob o código da arte barroca,iros desenvolveram
Exemplos inspiradores podem ser citados como o casario
essência dos conceitos e valores, sem Centrando-se na São Luís do Maranhão, mais conhecido pela azulejaria i
tomarem-se barrocos. necessariamente 5
ocentista que lhe reveste as fachadas, com as partes
P teriores abertas, (...) rasgadas de fora a fora, apoiadas
PÉLÉS FILWDO LU2. pilares no quintal, ou em balanço, formando um
andado - trama continua de venezianas, treliças ou
No período colonial haria protegido por enormes beirais e sobreposto à
o uso do vidro era restrito a algumas
edificações oficiais e utura maciça da casa”.'6 Ou os sobrados de Recife e
religiosas. Nas demais imperava o
fechamento dos vãos da com seus (...) robustos consolos de pedra para apoio
com barras de ferro ou madeira, com
balaústre, com 0 Piso de tábuas das sacadas com painéis almofadados e
treliçados e com folhas de madeira maciça.
15 Mg||0 ~ ’------------------------------------
'‘SanfAnna.op.cit.,p.7.Gn(onosso Paulo: FAU/USpd°io7ceeS^ A herança mounsca da arquitetura no Brasil. São
16 Costa Lúci y * P-43.
PP 499-500. Re9's,ro Ue uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997,
139

e treliças onde assentavam as caixas dos muxarabies, ou ilustrar o uso desses filtros solares e visuais do período
muxarabis e, vez por outra, os pontaletes de sustentação de colonial.
uma cobertura alpendrada... Essas caixas, sacadas ou rasas,
isto é, simplesmente sobrepostas ao enquadramento dos A integração do país ao mercado mundial, conseguida com
vãos, de tradição muçulmana, que permitem resguardo sem a abertura dos portos brasileiros em 1808, facilitaria a
prejuízo da ventilação, foram usadas em toda a colônia, nas importação de equipamentos que alterariam as fachadas e os
ruelas estreitas onde os cômodos se devassavam. ambientes das habitações, tornando-as cada vez mais claras
Fotografias de 1860 mostram que eram comuns em São e iluminadas. É o caso dos vidros simples e coloridos que se
Paulo, juntamente com os beirais de nível e forrados".17 Ou introduziam, sobretudo, nas bandeiras das portas e janelas no
ainda em Diamantina, a Casa de Chica da Silva, em cuja lugar das velhas urupemas e gelosias.19
fachada lateral encontra-se um alpendre fechado com rótulas
e ripados, criando efeitos rendilhados de luz e sombra nesse
espaço de transição entre interior e exterior.
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Fig.360, 361 e 362 Janelas em Ouro Preto.
1 Acrescente-se a isso o fato de que em meados do século
Fig.357, 358 e 359 Desenho Casario Maranhão e casa de Xica da Silva em Diamantina.
XIX iniciou-se uma mudança no conceito de implantação e
Porém, com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, o
tamanho dos lotes, que já durava mais de trezentos anos,
costume que conferia às cidades um certo “(...) ar oriental
permitindo que as residências se afastassem de seus
chocou os fidalgos e elas foram obrigatoriamente arrancadas
vizinhos, surgindo os jardins laterais, o que proporcionava
e substituídas por venezianas e vidraças de guilhotina ou de
melhores condições para iluminar e ventilar. Aos poucos
abrir ‘à francesa’..."16 restando hoje poucos exemplares para

17 Ibid., p.502. 19 Reis Filho, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo:
’8 Id. ibid., p.502. Perspectiva, 1976, p.37.

á
140
I
desapareceram as alcovas, todos os ambientes passaram a
receber a luz natural através de janelas que se abriam para a
AMBIENTES MAIS LUMINOSOS-
Do exposto acima pode-se perceber que “(...) nas casas
L
rua. para jardins laterais ou para poços de iluminação. antigas, presumivelmente nas dos fins do século XVI e
Mi II durante todo o século XVII, os cheios teriam predominado...;
à medida, porém, que a vida se tornava mais fácil e mais
policiada, o numero de janelas ia aumentando; já no século
íí
XVIII, cheios e vazios se equilibram e no começo do século
XIX, predominam francamente os vãos; de 1850 em diante as
ombreiras quase se tocam, até que a fachada, depois de

1900. se apresenta praticamente toda aberta


ombreiras
pí ü ® p tendo os vãos, muitas vezes,
comum. O que se observa,
portanto, é a
I

I
cada vez
Fig.363 Sala de uma casa do século XIX. tendência para abrir sempre e
século XX
Portanto, após a abertura dos portos e posterior supressão mais”20 Fato intensificado no
brasileiros
do tráfico de escravos, iniciaram-se mudanças significativas quando alguns arquitetos
ao adotar
nas residências urbanas e rurais. Seja com o seu introduziram profundas mudanças I
norteavam
afastamento dos limites dos lotes, seja com o aumento das
aberturas e pés-diretos, e consequente clareamento dos
espaços internos. Mas, sob a égide da linguagem
alguns princípios modernos que
as vanguardas, repercutindo intensamente
nos projetos arquitetônicos
i...
; no que se refere I
neoclássica, posteriormente eclética, pode-se verificar uma aâaQQQi diretriz de projeto. Disso
ao uso da luz como t__
contrapostos a i
certa contradição, o uso de pesadas cortinas para controlar a resultou ambientes claros
de vidro,
luminosidade, mantendo alguns resquícios da "cultura da áreas sombreadas, grandes planos
itinuidade
penumbra". Embora as aberturas tendessem a serem cada
vez maiores e fossem eliminados os elementos arquitetônicos
^'tros protetores e a franca con
espacial entre interior e exterior.
i
coloniais de proteção solar e visual, permanecia a tendência 9 364 Croquis da evolução das janelas brasileiras, Lúvio Costa.

(ou necessidade climática) de valorizar o sombreamento dos


espaços, evitando ofuscamentos e olhares estranhos. 20 Costa, op. cit., p.460
141

A arquitetura produzida dos anos 30 aos anos 60 brasileiro: as manifestações vanguardistas da Semana de
representou um momento que vai muito além da simples Arte Moderna de 1922 em São Paulo; as publicações dos
adoção dos princípios da vanguarda européia por artistas de manifestos em 1925 de Gregori Warchavchik e Rino Levi; as
um país periférico. Essa geração de arquitetos, da qual fazem primeiras obras de Warchavchik; as palestras de Le Corbusier
parte Affonso Eduardo Reidy, Gregori Warchavchik, Jorge no Brasil em 1929; a nomeação de Lúcio Costa como diretor
Machado Moreira, Irmãos Roberto, Lina Bo Bardi, Lúcio da Escola de Belas Artes e a reforma de ensino que este
Costa, Oscar Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Vilanova implementou, convidando inclusive Warchavchik para lecionar
Artigas, entre tantos outros, mostrou ser possível romper com em 1930; a presença de Wright no Rio de Janeiro em 1931,
as amarras racionalistas que dominava o pensamento como jurado de um concurso público; a segunda estadia de
internacional e produzir uma arquitetura que promovesse a Le Corbusier e o projeto do Ministério da Educação e Saúde

simbiose entre preceitos modernos e valores locais. Pública em 1936; o desenvolvimento por Lúcio Costa e
Niemeyer do Pavilhão Brasileiro na Feira de Exposições de
Na fase inicial de assimilação do Movimento Moderno, não Nova York em 1939; o conjunto da Pampulha em Belo
obstante a receptividade aos princípios formulados por Le Horizonte em 1940; entre outros tantos acontecimentos.
Corbusier e a permanente curiosidade em torno das idéias Nesse curto período de tempo ocorreu uma revolução que
difundidas pelas vanguardas européias e americanas, a buscava uma expressão brasileira de uma nova situação
interpretação dos novos conceitos pelos arquitetos brasileiros material e social. Os artistas mais destacados voltaram-se
seguiu um caminho próprio e inovador. Isso pode, de certa para as questões relacionadas com a formação cultural
forma, confirmar a tese de “regionalismo crítico"que sugere a brasileira e suas manifestações mais autênticas de origem
extrapolação da simples interação entre clima, cultura e popular e étnica, instigando uma identidade nacional através
artesanato, valorizando a adoção de um consenso da valorização crítica das raízes brasileiras.
anticentrista, ou seja, uma aspiração por uma forma de
O desafio moderno, então, gerou respostas arquitetônicas
independência cultural, econômica e política.
com várias nuanças. O fato justifica-se pela consideração às
Sinteticamente podem ser estabelecidos alguns momentos especificidades culturais que são levantadas com mais
históricos que influenciaram a gênese do Movimento Moderno intensidade em meados do século XIX quando a literatura
romântica introduziu a questão do “ser nacional”. O
21 Frampton, Kenneth. História critica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Movimento Moderno, no século XX, colocou a questão sob a
Fontes, 2000, pp 381-397
I
A 42

dupla exigência de conferir simultaneamente atualidade e compunha uma escala de desafios à instituição dos preceitos
identidade às expressões artísticas locais. Se aos europeus modernos.
importava livrar-se dos cânones do passado, aos incipientes
modernos brasileiros importava mais lançar perguntas sobre Um estudo mais aprofundado d- àrc itetura do período
a identidade do ser, da raça, da nação e da cultura. No mostra muitos valores nessa produç . c e superam a visão
período predominava a consciência de “brasilidade” reducionista de alguns críticos qu<; is: 'em em colocar a
questão ‘formalista” como única c; ac’. rística importante.
contraposta à adoção de “estilos" postiços; “(...) desde 1912,
Mesmo a obra de Oscar Niemcver mostra que essa
o poeta Oswald de Andrade..., embora rejeitasse
classificação é inadequada e simplista, haja vista todas as
integralmente... os valores do passado, deles se valia para
particularidades e momentos diferenciados de sua produção.
exigir uma poesia e uma pintura ‘nacionais’, inspiradas na
‘paisagem’, na luz, na cor, na vida trágica e opulenta do Nota se que no Brasil também havia um embate entre
interior do Brasil’. Fica assim evidenciada, desde suas
posturas ditas mais "culturalistas ou nativistas” e posturas
origens, a dualidade do ‘modernismo’ brasileiro, na tentativa ditas mais ‘progressistas ou construtivistas”,23 embora entre
de sintetizar preocupações ao mesmo tempo revolucionárias os arquitetos modernos brasileiros nem sempre seja possível
e nacionalistas”.22
estabelecer classificações rígidas, pois muitas vezes optaram
por obras híbridas. Ao primeiro grupo estava ligada a
São Paulo e Rio de Janeiro foram dois dos principais
erança de Lúcio Costa; ao segundo Artigas, Bratke, Levi,
cenários para o desenvolvimento da Arquitetura Moderna.
Embora em ritmos diferentes consoantes às suas condições oreira, Reidy, Robertos, Warchavchik, entre outros;
emeyer e Lina estavam à margem, numa produção difícil de
políticas, históricas, culturais e econômicas.
se encaixar em rígidas classificações, ora tendendo para uma
O dilema físico de escala desmedida do espaço natural direção, ora para uma outra.
exuberante; o dilema histórico de uma tradição pouco
definida, que ora se nega, ora se afirma; o dilema cultural de Aos culturalistas ou nativistas” importava incorporar
soluções e técnicas tradicionais, operando uma transição
confrontar o novo; o dilema existencial dos atos do presente;
o dilema artístico das amarras a modelos externos; tudo isso ntre modernidade e cultura local tradicional. Interessava a

22 Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, Françoise


23 Os conceitos de culturalista e progressista são empregados por
1981, p.61. Grifo nosso. Choay em seu livro O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1992.

í
143

eles a crítica consciente aos valores introduzidos pela elementos brutos que tencionassem a face geométrica e
modernidade. Desconfiavam da noção de progresso maquinista da construção moderna. Os ascéticos planos das
propage a ;; s apologistas do mundo industrial e se paredes viam-se interrompidos por treliças e venezianas de
recusav n a riper abruptamente com o passado, no qual madeira que protegiam portas e janelas criando uma imagem
segund ele persistiam normas de sociabilidade ainda ambígua entre a polidez industrial e o aspecto tosco da
válidas pr nte, normas de um modo de relacionamento matéria bruta.
mais ai - vo iumano com as coisas, em contraste com a
violência do mundo moderno. Aos “progressistas ou construtivistas", no entanto,
interessava afirmar os princípios ortodoxos da modernidade:
Buscavam identificar na arquitetura popular não eficiência, objetividade, racionalidade, cientificismo,
propriamente um signo de “brasilidade", mas indícios de uma maquinismo, praticidade, materialidade. Partilhando da
relação primeira com o território nacional. Essas construções crença na razão e na universalidade do homem, optavam
anônimas adquiriram valor simbólico porque eram pela negação do passado em favor de um futuro a ser
reveladoras da ação recíproca que ocorre entre o homem e realizado.
seu meio ambiente. Construções diretamente sintonizadas
com o meio onde se inseriam, porque estavam distanciadas e Para eles o importante era assimilar a postura do ideal
não sofriam o rígido controle da metrópole. Era uma imagem técnico construtivo de que a arquitetura devesse realizar-se
lírica, telúrica, com valor de essencialidade, de “coisa legítima na cidade, assumindo uma forma urbanística. Não apenas
da terra” porque atentavam unicamente para o que as enquanto método do planejar urbano e do desenho, mas de
necessidades ditavam e o que a terra dispunha-se a dar - considerar o objeto arquitetônico como parte integrante da
funcionalismo primitivo, sem vestígios de contaminação, de cidade, que participava, interagia e até mesmo transformava
afetação, de requinte, da artificialidade da tradição de arte do o ambiente em que se vivia. O discurso que os empolgava
Ocidente. era reflexo de um período de intensa e efetiva industrialização
no Brasil, caracterizado pela superação do “sistema colonial”
Esse raciocínio de articular o vocabulário nativista com a e do estereótipo “ruralista" em prol de um projeto de
Arquitetura Moderna evidenciava uma idéia similar à colagem modernidade para uma nação que se decidiu
cubista: os elementos da tradição insinuavam-se por entre os progressivamente urbana.
planos que montavam os edifícios, como se fossem


t
144

Ambos compartilhavam de uma condicionante comum: o vocabulário plástico de arquitetura".24


clima tropical. Analisando a produção moderna brasileira, dos
anos 30 aos anos 60. pode-se perceber rapidamente a Nesse período os arquitetos optaram não por um
importância do clima como fator determinante no processo de regionalismo estreito, mas por aquele que se caracterizava ■
concepção do projeto. O excesso de luz tropical e as altas por uma profunda adaptação à terra e ao meio. “Dentro da
temperaturas, decorrentes do país situar-se quase mais completa identificação com o espírito da época, sobre a
inteiramente entre o Equador e o Trópico de Capricórnio, base larga da liberdade espiritual, que é uma tradição de...
geraram a necessidade por áreas sombreadas, proteção cultura, ao sopro de um lirismo que é o reflexo da alma
contra ofuscamento, respeito pela manutenção da cultura da coletiva, os novos arquitetos do Brasil... [criaram]... a
privacidade visual, manutenção de um relativo domínio visual arquitetura do sol. . Foi da corajosa aplicação de um ponto
do interior para o exterior - justificando a permanência e de vista intransigentemente orgânico aos... problemas locais,
introdução de alguns elementos arquitetônicos que tinham que surgiram esses edifícios cheios de luz e ar...”.25
como diretriz de projeto o controle da luz natural: as janelas
Entende-se, então, o porquê do predomínio da composição
munidas de venezianas, as persianas, as treliças, os toldos,
do edifício como volume vazado, dominado por grandes
as grelhas, as pérgolas, os cobogós ou os elementos
aberturas e preenchido por poucos planos de vedação. Nesse
vazados, o beirai generoso sombreado, o pátio interno muitas
modelo usou-se pouco a janela em fita e o terraço-jardim. E
vezes vegetado, a luz zenital controlada, as grandes áreas
sob pilotis e varandas sombreadas. naturalmente preferiu-se o emprego de filtros protetores e
varandas sombreadas que permitiam a visualização do
De forma que os problemas “(...) criados pelo clima exterior, mas impediam a incidência direta dos raios do sol.
conduziram a soluções várias de proteção contra o sol, e a
necessidade de espaços ventilados e em sombra tornou-se Está, portanto, nos envoltórios os diferenciais entre a

quase generalizada à construção sobre pilotis. A riqueza da Arquitetura Moderna brasileira e a Arquitetura Moderna

flora, a dramaticidade da paisagem, a força do sol, a cor do européia. Na sobreposição de peles, na adaptação de filtros,

céu e o próprio temperamento do povo se refletem na...


arquitetura, conferindo-lhe uma certa exuberância de forma 24 Reidy, Affonso Eduardo. In. Ferraz. Marcelo (org ). Affonso Eduardo Reidy. São
Paulo: Instituto Lina Bo Bardi, 2000, p.25. Gritos nossos.
que... constitui, nos bons exemplos, um enriquecimento do Mindlin, Henrique E. Discurso pronunciado na Escola de Engenharia do
Mackenzie, agosto de 1945. Apud Segawa, Hugo Arquiteturas no Brasil 1900-
1990, p. 105. Gritos nossos.

I
r

145

nas sombras enfáticas que os elementos arquitetônicos Os procedimentos mudaram, mas os princípios de proteção
projetam, no brilho que a luz reflete constantemente sobre os não.
materiais que envolvem os volumes. Esses filtros têm
importância fundamental no valor estético que agregam aos As experiências da Arquitetura Moderna no Brasil foram
envoltórios e nos efeitos lumínicos que introduzem nos heterogêneas e revelavam perfis particulares, mesmo sob a
ambientes internos, com seus rendilhados de luz e sombra. matriz única daquilo que se convencionou chamar de
Desde o início ficam evidentes as diferenças entre as Movimento Moderno. O circuito moderno impulsionou ao
necessidades européias de mais luz, de mais transparências mesmo tempo a necessidade de participar do mecanismo de
através do vidro, e a dos países tropicais necessitando de integração mundial, como também promoveu uma abordagem
proteção contra a luz excessiva, apesar de querer manter o que reconhecia, ou procurava reconhecer, elementos
contato visual com a paisagem exuberante e a permanência particulares de nossa formação. O nacionalismo apresentou-
da ventilação cruzada. se aos modernos como um elemento progressista, embora
todos tivessem consciência de que este podería ser
Disso resultou a proposta dos brises, que no Brasil teve assimilável por ideologias contrárias. Nesse período nem o
aplicação com desenhos e materiais variados, fixos ou passado impunha-se, nem as forças modemizadoras eram
móveis, intervindo esteticamente nos envoltórios dos edifícios tão efetivas. Havia uma certa indecisão, a Arquitetura
e somando-se a outros múltiplos filtros (tramas, muxarabis, Moderna local não se colocava de modo tão prescritivo
cobogós), (...) estes elementos concebidos com finalidade quanto na Europa, preferindo a experiência sensível da obra,
puramente prática, transformaram-se num meio de expressão querendo envolver o usuário, provocar uma reação tanto da
plástica que marcaram profundamente a arquitetura mente como do corpo. Uma arquitetura que oscilava
brasileira...”.26 A adoção dos brises não provocou o constantemente entre a potência racional do projeto e a livre
desaparecimento das varandas e dos corredores internos de distensão plástica das suas formas - resquícios de nossa
proteção, eles foram sendo adaptados, substituídos pelos “cultura barroca”.
amplos espaços livres cobertos em sombra: térreo total ou
Pode-se dizer, então, que os arquitetos brasileiros sentiam
parcialmente livre em função dos pilotis, grandes terraços e
a impossibilidade da aplicação dogmática do racionalismo sob
sacadas protegidas pela projeção de uma laje em balanço.
os trópicos, seja porque essa aplicação significaria simples
26 Bruand, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Sao Paulo: Perspectiva, imitação daquilo que é exterior, seja pela não sintonia com a
1981, p.12.
146

formação cultural local. Mestiçagem parece a palavra gênese da Arquitetura Moderna brasileira foi sem dúvida o
adequada para explicar todo o processo27 E o termo Ministério da Educação e Saúde Pública (1936-45) no Rio
“amolecimento” foi frequentemente utilizado por Lúcio Costa de Janeiro, de autoria coletiva, tendo a frente a coordenação
para caracterizar a assimilação das formas estrangeiras em de Lúcio Costa, a assessoria de Le Corbusier e a participação
nosso pais continente. Isso se daria com a tradição popular de Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Hernani

da construção lusitana, com o barroco e o rococó de um Vasconcelos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer. Ele
Meijadinho, com a Arquitetura Moderna. materializou em escala monumental os vários princípios
corbuseanos como os pilotis, a planta livre, a fachada livre, os
Os mestres locais preferiram adotar uma interpretação brises soleils, os terraços-jardim, entre outros. Seus detalhes
mais poética que pragmática dos dogmas modernos. Parece e elementos arquitetônicos compuseram o vocabulário
claro que o ponto comum a esses profissionais foi o renovador da arquitetura funcionalista internacional sob uma
estabelecimento de estratégias distintas para mediar a
leitura particular brasileira.
complexa envolvència entre arquitetura e meio ambiente, e
dessa forma estabelecer uma certa dinâmica espacial
caracterizada pela expansão e pelo recolhimento.
Determinaram-se, assim, algumas ponderações interessantes
para se correlacionar luz e arquitetura; e fazer lembrar outros
conceitos duais como transparência e opacidade, espaço
centrífugo e espaço centrípeto, movimento para o exterior e bl
movimento para o interior.

!
CULTURA MESTIÇA: ENTRE A LUMINOSIDADE DO CRISTAL E
Fig.365 e 366 Fachadas Noroeste e Sudoueste.
A SOMBRA DA MASCARA-
Aqui os arquitetos viveram o dilema do cristal contraposto
“Sob uma luz como esta, a arquitetura há de nascer". Le Corbusier.
à máscara. A extensa superfície envidraçada de sua fachada
Um dos edifícios mais representativo desse período da Sudoeste materializava as posturas da "cultura da claridade";
a aspiração por mais luz, sol e transparência presentes nas
27 Lévi-Strauss, Claude. Tristes trópicos. Sao Paulo: Cia Das letras. 1999(1955],
147

obras de Gropius, Mies e Le Corbusier. Já a superfície estabelece com a mesma... [diferente da] expressão unitária
protegida por brises de sua fachada Noroeste, na escala de auto-referida, expressa na forma histórica do monumento,
um muxarabi colonial, era uma adequação do edifício à como na tradição palladiana".30
realidade brasileira, interpondo a seus espaços limites
características de sombreamento controlado. Esse tratamento
diferenciado a qualificava como uma obra adaptada ao seu
contexto, utilizando princípios do Movimento Moderno
miscigenados aos aspectos culturais locais. “O que supõe, Fig.368 Croqui estudo Le Corbusier na praia do Arcabouço.
então, que se trata precisamente de inspiração e não de mera
Os vários estudos feitos por Le Corbusier, alguns dos
imposição. De adaptação antes que adoção. De
quais na praia do Arcabouço, demonstravam sua preferência
reformulação, de recriação, de renascimento ou, melhor
por um grande monobloco horizontal, pois defendia a redução
ainda, de uma nova maneira de interpretar a Modernidade".28
do edifício a apenas duas fachadas, favorecendo a escolha
Embora haja evidentes citações dos esboços e das idéias de
da melhor orientação solar. A solução final alcançada pela
Le Corbusier, pode-se identificar alguns princípios originais
equipe brasileira consistiu em implantar um bloco alto vertical,
que caracterizam a contribuição brasileira: dinamismo, leveza
no sentido da largura do terreno (oposto ao proposto pelo
e riqueza plástica.29
mestre francês), recuperando a orientação Noroeste-
t
«•1 d» Sudoeste para as fachadas e a vista desimpedida para a Baía
da Guanabara; assim como instalar os dois blocos anexos em
lados opostos em relação ao volume principal, formando um
ii UI volume contínuo paralelo à rua da Imprensa. O deslocamento
Fig.367 Corte, planta do térreo e pavimento intermediário. do volume principal sobre pilotis para o centro da quadra
Nesse edifício a questão da monumentalidade é resultante conferiu ao edifício uma expressão de máxima de ruptura
de sua relação ativa com a cidade, “(...) na implantação, com com a malha urbana tradicional compacta, gerando assim
um térreo vazado, que abre uma praça, e no diálogo que o uma grande esplanada cívica em constante continuidade
volume principal, recuado em relação aos limites da quadra, espacial e visual com seu entorno próximo.
Os pilotis eram para Le Corbusier, seguidor de Perret, o
28 Petrina, Alberto. In: revista AU, n.38, out/nov. 91, p.61.
29 Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1981, p. 89. 30 Wisnik, Guilherme. Lúcio Costa. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 2001, p. 19.
148

anseio por um prédio que usufruísse o céu, o espaço, o ar


puro e as árvores, Além de elevar a construção do lote, echado, mas de um organismo sem limites de perspectiva,
liberando o solo, possibilitavam de um objeto determinante no espaço onde está inserido. As
uma arquitetura livre das
dificuldades topográficas e i plantas dos tipos predispõem as salas paralelas para duas
deixavam visíveis as manobras de
marcação dos eixos e de faces maiores, com uma circulação centralizada. As divisórias
i modulação da construção. Com
suas as viagens mediterrâneas, Le ern lâminas de madeira escura são baixas permitindo assim a
Corbusier os via como
cilindros, “tensão entre luz r — freqüente circulação do ~-
e penumbra”, compasso que ar provocado pela diferença de
deixava a natureza intacta e favorecia temperatura da face Noroeste
..a os escapes visuais. O _.j com brises e da face Sudoeste
cilindro no espaço provocava uma r envidraçada, diminuindo a
gradação de claro-escuro necessidade de iluminação
identificando a sua forma autônoma. artificial.

O O-
i v;.

t n - í 4 ............... . I- —

a
Fig.372 e 373 Croquis do memorial de projeto do MESP.
Fig 369, 370 e 371 Os pilotis ao MESP No memorial descritivo a equipe demonstrava a sua
No Ministério os arquitetos brasileiros aumentaram os P ©ocupação com os aspectos que poderíam interferir no
pilotis de quatro para oito metros de altura, favorecendo a onforto ambiental do edifício. Sobre o bloco principal
integração espacialJ na esplanada cívica, atendendo a uma consideraram que sua fachada Sudoeste poderia receber
necessidade funcional dos
__s pés-direitos dos anexos (sala de grandes caixilhos de vidro, haja vista a insolação direta
conferência e !sala de exposições). No bloco vertical as vigas penas incidir no início da manhã em reduzidos períodos do
não aparecem, o, pouco interferindo no horário de trabalho. Mas a fachada
, apenas tetos e pisos. Já que a viga some, a
coluna é livre. Exercita-se oposta Noroeste deveria necessariamente ser protegida,
o principio DOM-INO corbuseano,
no qual os tetos acontecem ptaram então por quebra-sóis propostos e não executados
sem interrupção e os grandes
pavimentos são livres por Le Corbusier para a cidade de Argel em 1933. Coube aos
para que ocorram as divisões
necessárias, sempre flexíveis, asileiros confirmarem a eficácia dos brises-soleils, usando-
Tal opção está visível na
fachada que expõe com móveis em função dos estudos que pretendiam garantir a
clareza as possibilidades
arquitetônicas da edificação. Não ummosidade também nos dias mais escuros. Foram, então,
se trata mais de um bloco
cutados com placas finas de fibrocimento, pintadas de
149

azul claro, sobre chassis metálicos, fixados em um marco de empregava. Já no alto do prédio, eram os brises que
finos elementos verticais e horizontais em concreto. Além de garantiam que o homem bem instalado, protegido do sol,
propiciarem regulagem da luminosidade (reflexos e pudesse olhar a paisagem. A arquitetura mostrava-se
ofuscamentos), evitavam a transmissão de calor para o preocupada em oferecer ao homem a melhor condição de
interior do edifício, pois o afastamento de cinquenta ver, de observar sem receio a exuberância do exterior.
centímetros da fachada permitia uma circulação livre do ar ao Paisagem vegetal e urbana completavam-se, não eram mais
longo desta. Uma das grandes contribuições da arquitetura rivais.
moderna brasileira passou a ser “(...) o domínio do calor e da £o*ia«C<*Mam X- ■> tUHADtJC

luz. por meio de quebra-luzes ou venezianas... À medida que


os pequenos anteparos azuis movidos para ângulos diversos,
em diferentes partes do edifício, observa-se uma encantadora
Fig.377. Croqui corte transversal de um pavimento tipo do MESP.
variedade de luz e cores".3'
Isso faz lembrar outra condicionante cara aos modernos: a

íLIflflT transparência. Para Le Corbusier ela era vizinha da verdade.


Acreditava que a planta, geradora da arquitetura, agia do

Fig.374, 375 e 376 Os brises do MESP.


II
Mas brises e pilotis eram também os elementos primordiais
interior para o exterior, pressupondo um diálogo constante
entre o que estava dentro e o que estava fora, o que exigia do
arquiteto um projetar imaginando o caminho dos olhos. O
vidro era o elemento que facilitava esse processo, permitindo
que todo o espaço comunitário conseguido com a
da edificação estimulando o jogo do ver. Os pilotis, sem concentração da densidade de ocupação do solo, todos os
ausentarem-se da paisagem, permitiam a continuidade visual bosques e pedaços de céu, penetrassem os ambientes
na esplanada, além de enfatizar o efeito de leveza do utilitários através do vidro. O prédio do Ministério foi
conjunto, um dos conceitos marcantes na arquitetura do denominado "Palácio de Cristal da Guanabara", e à época
período, oposto a Le Corbusier que colocava seus edifícios não existia nos Estados Unidos nenhum edifício com solução
solidamente plantados no chão, mesmo quando os como a do prédio brasileiro, com um grande pano de vidro,
pan-de-verre, envolvendo seu volume. E mais ainda, de certa
31 Goodwm, Philip L. Brazil Builds. Architecture new and old. New York:
MOMA.1943, pp. 84-85.
150

forma antes do mundo europeu, materializava uma obra na


—w cuiupeu,
podia ver
qual se podia mais perfeita exibição das idéias
ver aa mais privadas, adotando-se então o cheio integral. E no térreo e
corbuseanas.32 Fornecia assim o retrato da nação idealizada,
Fornecia assim primeiro pavimento do bloco anexo, a transparência
todo o seu potencial, concretizando a ambição política do
concretizando contraposta à opacidade foi estabelecida através de muitos
Estado Novo. planos de vidro translúcido, de blocos de vidro dando
qualidades de translucidez, de luz retratada, de imagens
i .... distorcidas e feixes múltiplos de lu
-SI*’
Mi
Fig.378.379 e 380 Vistas intenores MESP.

Para os autores do Ministério a transparência do vidro


revelava uma clareza da arquitetura e da sociedade. A
Noroeste do bloco principal, o vidro associava-se aos brises,
mas não deixava de estar presente integralmente em toda a Fig.381 e 382 Vistas internas do MESP.
superfície. O vidro precisava comparecer na fachada para No envoltório predominam materiais refletores em
predominam
garantir a almejada ligação espacial com o exterior, papel que contraponto com algunsalguns absorventes. Havia uma
cumpria com eficácia, independente da qualidade da visão. preocupação em utilizar materiais locais. O próprio Le
No lado Sudeste o vidro era pleno, já que os autores do orbusier fez uma série de recomendações nesse sentido33,
projeto estavam preocupados apenas com o excesso de luz, otivado pela justaposição de texturas: a qualidade tátil do
que deveria ser resolvido com persianas internas. Mas que 9 nito em contraste com as superfícies lisas e polidas do
não resolviam o problema de ganho térmico, porque no Rio 0 e do azulejo. Portanto, para os pisos externos, laterais
de Janeiro o sol incide nessa fachada nos dias mais quentes ce9as, e piiotis foram usados granito rosa, “olho de sapo’’,
do ano (dezembro, janeiro, fevereiro), pela manhã e no final des revestidas com azulejos brancos com filigranas
da tarde. As outras duas superfícies menores foram definidas internamente pisos e paredes de mármore travertino
fechadas com paredes para resguardar as atividades mais P rtado, madeiras nobres revestindo volumes (ébano e
). pisos em granitina preta, paredes pintadas nas cores
õoo°Sta’ LÚCio Re9'Stro de azu' c'aro’ mobiliários e divisórias em lâminas de
238.
33 D
ofuand, Yves
1981, p. 91 Contemporânea Brasileira. São Paulo: Perspectiva.
151

arquitetos recomendassem o uso de persianas internas.34


madeira ébano. Além da implementação do princípio
corbuseano da "síntese das artes", que transformou o projeto Mas avalia-se que uma das grandes contribuições desse
numa amostra de talento nacional, incluindo pintura, prédio foi chamar a atenção para o imperativo de
escultura, murais e paisagismo. contextualizar as informações que chegavam como novidade
e impunha princípios alheios a nossa realidade. No dilema
entre mais luz, transparência e fluidez espacial tipicamente
II européia, interpunha-se à necessidade por espaços

I
p
_______ II
sombreados, filtros para a luz tipicamente tropical.

Fig.382. 384 e 385 Vistas internas do MESP.

Pode-se ainda destacar a presença da sombra como


diretriz de projeto. Assim como ocorrería nos futuros palácios
de Brasília, os arquitetos negaram a presença de portadas
marcando o acesso principal. Ele foi definido por uma área
sombreada em constante mutação sob os altos pilotis.
Paralelos, eles dirigiam os usuários ao acesso lateral no
prisma que transpassa a lâmina vertical. A sombra também
enfatizava a textura dos quebra-sóis, evidenciando sua
mutabilidade externa e interna conforme variavam as horas
do dia.

Finalmente, não obstante as qualidades do edifício do


Ministério, algumas questões ligadas ao conforto ambiental
não foram resolvidas a contento como, por exemplo, a face
Sudoeste que ainda permaneceu desprotegida em certos
períodos do ano, exposta a luminosidade excessiva e ao 34 Melendo, José Manuel Almodóvar. Da janela horizontal ao brise-soleil de Le
Corbusier: análise ambiental da solução proposta para o Ministério da Educação
conseqüente ofuscamento, embora no memorial de projeto os do Rio de janeiro. Consultado na internet, em 26 de outubro.
www.vitruvius.com.br, 2004.
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CAPITULO V

ARQUITETURA MODERNA ZRASIIEIRA


CAPÍTULO V

AWrfêTVM M0l)£IWA
“Pode-se ao mesmo tempo dizer que a vida de um autor nada nos
revela e que, se soubéssemos sondá-la, nela tudo encontraríamos,
já que se abre em sua obra. É certo que a vida não explica a obra,
porém certo é também que se comunicam. A verdade é que esta
obra a ser feita exigia esta vida'. Maurice Merleau- Ponty

Neste capítulo volta-se atenção para o pensamento e a


obra de alguns dos arquitetos que mais se destacaram no
período de gênese da Arquitetura Moderna brasileira: Affonso
Eduardo Reidy, Gregori Warchavchik, Jorge Machado
Moreira, Irmãos Roberto, Una Bo Bardi, Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Vilanova Artigas.
Porque “(...) urge que voltemos a olhar intensamente para a
produção da arquitetura brasileira realizada entre 1930 e
1960. AH está algo que é muito mais do que um estilo a ser
revivido. Trata-se... de um modo de concepção formal
atemporal, cuja retomada talvez pudesse nos ajudar a sair do
beco em que nos metemos, e retomar um caminho que nos
leve outra vez a possuir uma arquitetura própria, forte o
suficiente para absorver as influências externas sem se deixar
dominar por elas".1

Do ponto de vista metodológico procura-se entender

' Mahfuz, Edson da Cunha. O sentido da arquitetura moderna brasileira.


Fig.386 Vista interna de um apartamento do Parque Guinle. Consultado na Internet, em 26 de outubro de 2003. www.vitruvius.com.br, 2002.


156

primeiramente o contexto conceituai no qual essa arquitetura


desenvolveu-se, verificando no interior da poética de cada
arquiteto envolvido as suas motivações específicas, as
influências mútuas, as singularidades próprias de suas obras;
enfatizando os aspectos pertinentes ao uso da luz como
diretriz na concepção de projeto. Posteriormente foi analisado
uma de suas obras na qual as considerações sobre a luz
natural possa ter sido um dos motivos catalisadores de
relações e elementos significativos na qualificação das formas
e espaços.

Preliminarmente parece evidente que o ponto comum a


esses arquitetos foi o estabelecimento de uma certa dinâmica
espacial, resultante de estratégias distintas que
ambicionavam mediar a complexa envolvência entre a
arquitetura almejada moderna e o meio ambiente ao qual esta
teria de se adaptar. A grande lição parece ter sido uma
interpretação mais poética do que pragmática, feita por todos
os mestres locais. E que expansão ou recolhimento foi o
dilema da arquitetura brasileira do período, determinando
algumas ponderações interessantes para se correlacionar luz
e arquitetura; provocando a lembrança de outros conceitos
duais como transparência e opacidade, claridade e
obscuridade, luminosidade homogênea e luminosidade
heterogênea, sociabilidade e privacidade, movimento para o
exterior e movimento para o interior, etc. Levando, então, à
constatação de que muitas vezes estes foram aplicados
concomitantemente, gerando obras híbridas.

157

QR.EÇORI WARCHAWMIC "cidade moderna”.3

- tn*4*CO 4*>b O 40L. Além de divulgar os preceitos de Le Corbusier,


Warchavchik passou a executar algumas obras que,
Luz das casas branco-caiadas,
gradativamente, dS materializavam. Desde então muitos
que vem de baixo para cima, críticos questionam sua obra sob 0 aspecto criativo e
que vem de dentro para fora
como a água de uma cacimba. inovador, mas não negam sua importância enquanto porta-
João Cabral de Melo Neto.
voz de uma nova corrente.4 Geraldo Ferraz defendeu seu
Ao chegar no Brasil Warchavchik2 trazia consigo os pioneirismo. Para ele a atuação do arquiteto dependeu,
princípios modernos que impregnavam o pensamento das exclusivamente, de um esforço pessoal refletido num meio
vanguardas européias; deparando-se aqui com dois grupos social, profissional e técnico estagnado, num país onde não
em conflito: um eclético conservador e um inovador formado havia condições materiais e técnicas para 0 aparecimento da
por intelectuais paulistas ligados à Semana de Arte Moderna arquitetura moderna.5
de 1922, liderados por Graça Aranha, Menotti Del Picchia,
Suas principais obras foram realizadas antes do projeto e
Ronaldo de Carvalho, Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
construção do Ministério de Educação do Rio de Janeiro
Di Cavalcanti, Anita Malfati e Tarsila do Amaral. Esses jovens
(1936-45) - marco histórico da Arquitetura Brasileira. Elas
artistas queriam encontrar alguém que "traduzisse” os ideais
demonstravam a importância desse arquiteto no momento de
modernos também nos edifícios. Porque, apesar da
transição entre 0 período eclético e o período moderno.
participação de dois arquitetos na Semana, apenas quando o
arquiteto russo chegou foi possível efetivar algumas das Dentre seus vários artigos publicados em jornais paulistas
novas posturas, iniciando-se assim a construção de uma e cariocas, destaca-se o de 1925, “Acerca da Arquitetura
Moderna", no qual ele manifestava preocupação em renegar
Gregori Warchavchik (1896-1972) nasceu na cidade russa de Odessa, diplomou-
se arquiteto pelo Instituto Superior de Belas Artes de Roma em 1920. Trabalhou as proposições obsoletas do passado, defendendo uma
durante dois anos com Marcello Piacentini, mas transferiu-se em 1923 para o
Brasil para trabalhar na Companhia Construtora de Santos. Em 1927 casou-se
com uma jovem paulista, Miná Klabin, fato que determinou sua fixação no Brasil. 3 Portela, Andréa. "Depois de 22, veio a arquitetura modernista de São Paulo".
Foi sócio de Lúcio Costa na década de 30, participando também como professor Jornal O Estado de São Paulo, fevereiro de 2002.
na Escola de Belas Artes. Sua passagem pelo Rio de Janeiro resultou na primeira 4 Marco, Anita di. DPH procura evitar destruição da casa da rua Santa Cruz.
casa modernista da cidade, na rua Toneleros (1931). Teve um papel relevante no Revista Projeto, São Paulo, 1984, n.60, p.22.
processo de implementação do movimento moderno, sendo inclusive 5 Ferraz, Geraldo. Warchavchik e a introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925
representante dos CIAMs para a América Latina. a 1940. São Paulo: MASP, 1965, p.28.
158

arquitetura que refletisse o espirito de seu tempo, a amda fosse possível destacar algumas construções que
racionalidade e a beleza das formas presentes nas máquinas procuravam resgatar valores caros a cultura colonial do
modernas, caracterizadas pela economia e pela comodidade Brasil, uso de volumes simplificados, cobertos com extensos
proposta por seus engenheiros. Para ele o arquiteto deveria telhados, onde se evidenciavam varandas sombreadas.
■5.
ser também um engenheiro, pelo modo como este aplicava e
incorporava as conquistas tecnológicas recentes relativas aos O tE37
quesitos de conforto e higiene. Também um artista, porque o ZtH
arquiteto jamais poderia deixar de ser sensível às proporções 1-7 lí1- h- S* • : ■ . “*íí

- dimensão essencial para a "elevação dos espíritos". E,


finalmente, um educador, porque a reunião clara dos atributos Fig.387 e 388 Acesso e fachada frontal casa da rua Santa Cruz.

anteriores influenciaria definitivamente a vida das pessoas.6 Na casa que projetou para sua família em São Paulo
(1927-28) percebe-se uma postura híbrida, na qual evidencia-
Sua obra via-se. então, fortemente influenciada pelo
se a preocupação em implantar os preceitos modernos, mas
racionalismo e funcionalismo europeu de Loss, Gropius, Mies
ao mesmo tempo agregar alguns valores regionais: “Esta
e Le Corbusier. Para Warchavchik. arquitetura era também
minha construção, situada à rua Santa Cruz, é a primeira
construção “(...) desenvolvendo-se logicamente de dentro tentativa desse gênero no Brasil. Creio que nela consegui
para fora, sendo a fachada apenas consequência do plano de
criar um tipo de casa racional, confortável, de pura utilidade,
distribuição interior.'
repleta de ar, de luz. de alegria". Ele não queria apenas
transplantar a casa moderna européia para nosso país, mas
No presente estudo interessa a fase inicial de sua carreira,
(■■■) criar um caráter de arquitetura que se adaptasse a esta
caracterizada pelo uso de volumes prismáticos puros,
região, ao clima e também às antigas tradições desta terra”.B
ausência de ornamentação, ângulos retos, jogos de planos e
Assim o arquiteto justificava a incorporação de elementos
volumes, espaços arejados e bem iluminados. Posteriormente
como a varanda, as telhas coloniais, as venezianas e o jardim
a obra de Warchavchik parece diminuir sua força através de
propostas menos expressivas e mais comerciais, embora nela tropical.

6 Warchavchik, Gregon. In: Xavier. Alberto. Depoimento de uma geração.


Arquitetura Moderna brasileira. São Paulo Cosac & Naify. 2002, pp. 35-38.
' Warchavchik. Gregori apud Ferraz. Geraldo. Warchavchik e a introdução da 8 Warchavchik, Gregori Architectura nova Jornal Correio Paulistano, Sao Paulo,
Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940 São Paulo Masp, 1965, p.92 de julho de 1928. Grifo nosso.
159

As janelas e as portas de vidro davam a sensação de identificados de modernidade. Seu andar elevado, por
acentuada transparência. E toda a organização espacial exemplo, é feito de assoalho em vigas de madeira, e sua
visava à continuidade espacial, embora os cheios se cobertura - que deveria ser plana e ajardinada, segundo os
sobressaíssem sobre os vazios dando ao edifício um caráter princípios modernistas - é de telha de barro canal".'0 O que
de massa construída sólida, lisa e branca, interrompida poderia caracterizá-la como representante moderna é seu
apenas pelas áreas de sombras dos vãos na alvenaria. volume prismático desprovido de elementos decorativos.

Sua fachada marcante teve grande impacto no grupo que


promovia o pensamento moderno desde 1922 e priorizava a
busca por uma identidade brasileira. A intenção de realizar itj §
uma obra moderna, de certo modo, não se efetivava porque o ;í|
arquiteto utilizou alguns expedientes estranhos, como uma
planta desvinculada da fachada e uma falsa janela numa das i__________________
Fig.389 e 390 Varanda e estar da rua Santa Cruz.
extremidades da varanda:9 os volumes laterais só aconteciam
Outro fator que qualifica tal obra é ter sido projetada de
em um dos lados, sendo que do outro eram obtidos pelo
maneira integrada, não apenas com o paisagismo, mas
fechamento da varanda em sua parte frontal. Uma atitude que
incorporando também o desenho de móveis e luminárias
demonstrava a preocupação do arquiteto em manter a
compatíveis com a nova arquitetura. Deve-se reconhecer na
qualquer custo a simetria clássica.
obra de Warchavchik o mérito de tentara integração das
artes, unindo a pintura, escultura e mobiliário coerente aos
Muitos autores não a reconhecem como uma obra
seus espaços...”." Fator freqüentemente valorizado pelos
moderna: “A casa da rua Santa Cruz é um documento de
arquitetos modernos europeus que não encaravam a
maior importância, constituindo-se num elo de ligação entre o 12
arquitetura isoladamente.
passado e o presente, entre a arquitetura eclética e a
arquitetura moderna. Em si, não é um exemplar de arquitetura Nesse sentido a residência conhecida como “a casa
moderna... porque não possui um mínimo de requisitos
10 Lemos, Carlos. Última casa de tijolos. Projeto, São Paulo, n.60, 1984, p.21.
" Id., in: catálogo da exposição ~Warchavchik, Pilon, Pino Levi. Três momentos da
Carrilho. Marcos José. Restauração de obras modernas e a Casa na Rua Santa Arquitetura Paulista. São Paulo: Funarte/Museu Lasar Segai, 1983. p.5.
Cruz de Gregon Warchavchik. Consultado na Internet, em 18 de outubro de 2003. 12Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
http//www. vitruvius.com.br/. 1981.p.69.
160

modernista” (1930) construída na rua Itápolis, em São reproduzindo uma organização espacial comprometida com
Paulo, viría a sedíar uma exposição de arte e a ser utilizada estrutura social, denunciada pela presença da edícula.
para promover e divulgar o seu trabalho: “A casa de
O cubo aparecia como elemento articulador da construção.
Warchavchik encerra o ciclo de combate à velharia. iniciado
ele eram acrescentados planos verticais e horizontais
por um grupo audacioso, no Teatro Municipal, em fevereiro de
objetivando romper as arestas do paralelogramo e
1922...",13 Não taltaram quadros, tapeçaria e mobiliários
ovimentar as fachadas. O arquiteto criou uma série de
modernistas integrados. A casa tornou-se um objeto exposto
spositivos formais, que evidenciavam a composição de
à crítica e à visitação pública. Mas apesar de prontamente
tângulos e quadrados, diferenciados pelas sombras que
aceita por intelectuais e artistas modernos, através da ampla
P oporcionavam e pela inflexão nos planos que os
divulgação na imprensa, que a considerou um grande evento
mpunham, como ocorre nas janelas frontais. A simetria foi
social, ela foi violentamente atacada por alguns arquitetos
olida e o sentido de movimento, em vários sentidos, foi
conservadores.
acrescentado, dinamizando o jogo de cheios; e vazios.
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jc - . <•.
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Fig.391 e 392 Vistas externas casa da rua Itápolis. a casa modernista.


41
□p
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e interna casa da rua Itápolis.


Nela existia uma perfeita correspondência entre a planta e Fig.393 e 394 Vista externa posterior

a fachada, comparecendo também o uso do concreto armado essa obra o arquiteto mostrava-se mais maduro,
arquiteto mostrava-se
nas marquises e lajes. Sua organização espacial, porém, não sumindo um traço próprio e preciso, perfeitamente
trazia muitas inovações. A planta ainda repetia arranjos mpatível com a poética racionalista. Sem se preocupar com
típicos dos sobrados de classe média de São Paulo, regras classicas, nem com a pretensão inicial de materializar

13 .
Andrade, Oswald de A casa Modernista. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de 14 Carrilho, Marcos J. Modernismo no Brasil: da Semana de 22 aos a
abril de 1930,
do Instituto Itaú Cultural, São Paulo, 19 de outubro de 2003.
161

uma arquitetura de raízes puramente brasileiras como se A utilização de cores, principalmente o vermelho para
evidenciava na casa da rua Santa Cruz. portas e janelas, acentuava o caráter de pesquisa pictórica e
demonstrava a amplitude de suas investigações com os
Sob o ponto de vista lumínico, percebe-se que nos
padrões de linguagem abstrata utilizados pelos mestres das
invólucros adotados em suas obras havia um equilíbrio entre
vanguardas, evidenciando a incorporação de pontos
opacidade e transparência, com ligeiro predomínio da pragmáticos do grupo De Stijl. Na casa da rua Santa Cruz
opacidade. Os volumes eram puros, acéticos e envoltos por (1927-28) o arquiteto priorizava o uso da cor, fato confirmado
uma pele tosca. Ele não procurava uma forma à priori, nem a em uma correspondência enviada ao secretário geral do
forma pela forma - ela era o resultado lógico de um programa CIAM: “A entrada é pintada em cor de limão claro, vermelho
coerente, materializado em uma habitação clara, com os vivo e branco... a sala de jantar é realizada em vários tons de
ambientes amplos voltados para o exterior, prolongados à cinza e prata, preto e branco. A sala de música é de um azul
medida do possível por terraços e balcões.15 Externamente daro acinzentado, as cortinas azuis e os estofados de veludo
predominavam as alvenarias de tijolos e estrutura de concreto roxo-violeta e cinza, os móveis prateados e alguns lustrados
rebocados, com acabamento "rústico de cimento branco de preto. Almofadas em cores de laranja e abóbora. Todo o
Caolin e mica" e pisos em pedra natural. Internamente usava primeiro andar é branco e todo o madeiramento, inclusive
pisos cerâmicos avermelhados ou pastéis, madeiras escuras portas e móveis, em laca vermelho-vivo. Todos os móveis do
e cimentados. jardim são também dessa cor, inclusive as tinas e os vasos
das plantas".16
As aberturas que prevaleciam eram as janelas corridas
horizontais e verticais, vedadas com vidro transparente e Postulava ainda a valorização da natureza, dizendo que
pontilhado, executadas em ferro pintado de cores vivas como "(...) os nossos aliados mais eficientes, pelo menos no Brasil,
o vermelho, proporcionando grandes contrastes com as são a natureza tropical que emoldura tão favoravelmente a
paredes brancas exteriores. Não usava muitos elementos casa moderna com cactos e outros vegetais soberbos e a luz
específicos de proteção solar para as aberturas, apenas magnífica, que destaca os perfis claros e nítidos das
algumas varandas e marquises propiciando sombra, construções sobre o fundo verde dos jardins”}1
enfatizando acessos ou áreas de descanso.
16 Warchavchík, Gregori apud Ferraz, Geraldo. Warchavchik e a introdução da
Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo: Masp, 1965, p.51.
15 Bruand, op. cit., p.71. Grifo nosso. 17 Id. ibid., p.51. Grifo nosso.
162
1
A relação com a natureza através da contemplação de norteadores das propostas de Gregori Warchavchik, discorre-
exemplares locais foi a forma que o arquiteto encontrou de se se sobre uma de suas obras mais significativas, a residência
relacionar com o local. Os cactos - então símbolo do Luiz da Silva Prado (1930), em São Paulo.
tropicalismo - juntamente com outras vegetações do
J■
□"ri*

paisagismo de Miná Klabin, iriam sempre valorizar as obras W~r


do arquiteto. Funcionando como esculturas com sua rigidez
orgânica e sua aparência áspera, faziam contraponto à
|

l
1
li
assepsia geométrica da obra com paredes limpas e brancas,
projetando sombras negras em suas reentrâncias e
íI
Fig.397 e 398 Planta primeiro e segundo pavimento casa rua oaiiid.

saliências. Essa casa incorporava novos progressos a sua poética. O


bloco monolítico empregado nos trabalhos anteriores
A arquitetura do Mediterrâneo contrapunha volumes bem
decompunha-se em um jogo de volumes. Nesse sentido, o
definidos contra um céu luminoso, propiciando grandes
terreno contribuía para evidenciar uma postura funcionalista
contraste de luz e sombra.18 Warchavchik também propunha
que procurava adaptar a residência ao desnível de 11 metros
uma composição de cheios e vazios que evidenciavam
entre a rua Bahia e a rua imediatamente abaixo.
“volumes reunidos sob a luz", jogos expressivos de luz e
sombra. Suas obras marcaram a chegada de um novo
pensamento no pais, afeito à luz e à razão. Por isso eram
r
claras e solares, tirando partido do tensionamento cambiante
entre a geometria branca e os vãos escuros. 1
_________________________________ _____ •• • '■ 2

Fig.399 e 400 Vista frontal antiga e atual.

t t Dois cubos de dimensões distintas, ambos com alturas


bem acentuadas interpenetravam-se criando profundidades
' diversas e desníveis espaciais, sendo que estes eram
Fig.395 e 396 Planta subsolo e térreo casa da rua Bahia.
Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos ocupados por terraços-jardim. Os princípios modernos
formulados por Le Corbusier, da fase purista, apareciam
,e Kalff. L. C. Cnative Light Londres. Macmillan, 1971, p.7
163

quase integralmente, contemplando todos os aspectos da


edificação. A acomodação à declividade do terreno; a
articulação dinâmica dos volumes; a feição quase industrial
da elevação para a rua Bahia em contraste com as aberturas
longas e contínuas da fase oposta; o uso do terraço jardim;
destacavam os aspectos mais evidentes dessa característica.
Fig.404 e 405 Vistas internas casa da rua Bahia.
Em tal exemplar não havia mais hesitação, mas o domínio
completo do repertório formal, da organização espacial e da O terreno propiciou também que o arquiteto projetasse a
técnica construtiva, da funcionalidade e da aplicação de um fachada Sul mais fechada, pois era exposta a ventos frios.
proceder estético maduro. Situando deste lado, o hall de entrada, com sua janela
vertical; o lavabo e a cozinha que recebiam iluminação e
■ ■vS;,
sfy ventilação lateralmente. Cubos de concreto armado e tijolos
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’ÍTTr* "i n
I
de vidro ladeavam o portão de entrada e à noite funcionavam
'Li como arandelas. Uma laje em balanço protegia o acesso a
casa. A parte social e os dormitórios foram localizados do
Fig.401,402 e 403 vistas fachada posterior - fotos antigas e atual casa da rua Bahia.
lado Norte, possibilitando o desfrutar da bela paisagem e da
insolação constante. A dificuldade de ocupação de um
Era uma casa para um casal com uma filha adolescente.
terreno, cuja área útil era reduzida, obrigou o arquiteto a um
No andar térreo distribuíam-se o vestíbulo com um pequeno
zoneamento articulado em torno do eixo formado pela caixa
bar, as salas de jantar, de estar e um terraço coberto na área
de escada. Foi a partir desse eixo que os quartos e salas
social; além de uma copa e um lavabo. Da copa, uma escada
organizaram-se num fluxo concêntrico que se espraiava nos
levava ao subsolo com uma cozinha, adega, três dormitórios,
banheiro e refeitório para os empregados. No primeiro andar terraços aos quais davam acesso.
achava-se o apartamento do casal, no segundo andar o
Contrariamente à fachada frontal da residência, planos e
apartamento da filha, com o dormitório da governanta. Por
linhas verticais e horizontais contrapunham-se animadamente
fim, na cobertura um terraço-jardim para os banhos de sol.
na fachada posterior. Os volumes deslocavam-se e eram
escavados combinando alternadamente planos chapados e
19 Ferraz, Geraldo Warchavchik e a introdução da Nova Arquitetura no Brasil:
1925 a 1940. São Paulo: Masp. 1965. p.103.
164

aman os em fitas horizontais e verticais, fechadas com esquadrias


largos, delgados e lineares, cuja materialidade variava, e erro e vedadas com vidros transparentes e pontilhados. A
passando pela transparência ou pelo efeito de espelhamento ireçao dai luz dava-se lateralmente, enquanto a incidência era
ire a ® a d|Stribuição da luz predominantemente homogênea. A
provocado pelos panos de vidro, acabando na virtualidade
pro eçao e o controle dos raios solares diretos eram obtidos
dos vazios formados pelas sacadas e pelas grades que lhes ves do uso de marquises. Os materiais externos eram
serviam de elemento de contenção. A arquitetura e mi os por cerâmicas e pedras naturais escuras nos pisos,
P re es de alvenaria rebocadas com acabamento rústico;
movimentava-se em supressões e acréscimos. rph ma™ente’ Por Pisos de madeira e cerâmica clara, paredes
oca as pintadas e azulejos, tetos rebocados pintados. Já em
- -- 4 reiaçao as cores, percebe-se o uso do branco nas paredes internas
e ernas, o vermelho nas esquadrias de ferro e os tons dos
enais naturais. A iluminação resultante caracterizava-se pela
mogonea claridade branca. Muitas dessas relações ainda hoje
em ser percebidas, apesar das alterações promovidas pelo
atual proprietário, uma empresa de publicidade.

Fig,406 e 407 Vistas internas casa da rua Bahia.

As janelas horizontais posteriores - clara referência à


proposta de Le Corbusier - quebravam a verticalidade
excessiva da edificação, ao mesmo tempo em que permitiam
a fruição da paisagem. Não recebiam nenhum tipo de
proteção e propiciavam ambientes claros com boa
luminosidade distribuída uniformemente, porém, com alguns
problemas de ofuscamento.

Resumidamente, pode-se perceber que a pele envoltória


caracterizava-se pelo contraponto entre transparência e opacidade,
prevalecendo a permeabilidade visual na fachada postenor voltada
para o vale e os planos fechados na fachada frontal; e a
configuração formal era determinada por volumes prismáticos
cúbicos regulares, cujas plantas retangulares sobrepunham-se e
acomodavam-se ao grande declive do terreno. Os elementos
iluminantes eram determinados por vãos laterais de diversos
165

LÚCIO COSTA e discrição.

Suas viagens definiram momentos transformadores. As


impressões destas, formadas a partir das expressões dos
A arquitetura como construir portas,
lugares que percorreu e dos tipos humanos que observou e
de abrir; ou como construir o aberto; conheceu, fizeram com que o arquiteto revisse suas teses,
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos; afirmando idéias e negando princípios. Lúcio Costa sempre
construir portas abertas, em portas;
portas exclusivamente portas e tetos. retornou ao Rio com novas perspectivas e as registrou em
João Cabral de Melo Neto. textos e projetos.
Lúcio Costa20 teve sua trajetória marcada por incertezas, ‘S

numa busca cheia de avanços e recuos. Moderno renitente, MLb a._ _ '
E
avesso à expressão "modernista”,2' e ao mesmo tempo, * 1 ■
atraído pelas construções do passado, assumiu uma atitude
coerente diante do momento de transição no qual viveu,
resultado de sua formação cultural sólida, de seu senso
Fig.408 residência E. G. Fontes.
crítico aguçado, de sua pqstura de recolhimento, introspecção
Ao se formar aderiu aos princípios do estilo neocolonial,
Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro Lima e Costa (1902-1998) nasceu em Toulon,
França. Filho de um engenheiro naval a serviço do governo brasileiro. Foi educado
mas não satisfeito com tais diretrizes, fez uma pesquisa
na Inglaterra e na Suíça. Radicou-se definitivamente no Brasil em 1916, quando a exaustiva sobre um novo caminho. Foi influenciado
família retornou ao Rio de Janeiro. Formou-se arquiteto pela Escola Nacional de
Belas Artes em 1924. à qual retornou como diretor em 1930, promovendo uma inicialmente pela vanguarda paulista da Semana de 22 e por
frustrada reforma do ensino. Mesmo sem ter conseguido quebrar a espinha dorsal
do academismo, sua passagem pela escola foi suficiente para aglutinar jovens
Warchavchik. Entre 1930 e 1936, passou a ler Gropius, Mies
estudantes que seriam em breve alguns dos primeiros arquitetos modernos e Le Corbusier. No entanto, foi o mestre francês, com suas
brasileiros. Convocado pelo Ministro Gustavo Capanema para projetar a sede do
Ministério da Educação, cercou-se dos seus ex-alunos e trouxe Le Corbusier ao idéias revolucionárias, a personalidade que mais o
Brasil como consultor. Foi vencedor, em 1957, do concurso para o Plano Piloto da
Nova Capital do Brasil, formando com Oscar Niemeyer, autor dos principais impressionou porque suas teorias reuniam aspectos
edifícios, a dupla responsável pelas principais características formais de Brasília. fundamentais: econômico-social, técnico e artístico. Abrindo,
Para ele “(...) ser moderno é - conhecendo a fundo o passado - ser atual e
prospectivo Assim, cabe distinguir entre moderno e modernista, a fim de evitar assim, a possibilidade de preservar a autonomia da Arte
designações inadequadas. A arquitetura dita moderna, tanto aqui como alhures,
resultou de um processo com raizes profundas, legitimas e, portanto, nada tem a frente às outras esferas. Embora enaltecesse as conquistas
ver com certas obras de feição afetada e equivocada - estas, sim, modernistas"
(Lúcio Costa. In: Costa, Maria Elisa. Com a palavra Lúcio Costa, 2001, p.65). da era da máquina, a Arte ainda ocupava uma posição
166

privilegiada, a técnica permitia flexibilidade e abertura à planta antigos a uma nova ordem/2 Posicionando assim como um
moderna, mas ao arquiteto cabia ordenar os elementos, colecionador de repertório vivido, uma “coleção de resíduos
compô-los numa proporção harmoniosa, condição para a das obras humanas", apropriados e associados às vantagens
criação da bela forma. e circunstâncias contemporâneas.21 A produção de Lúcio
Costa não estava restrita a um percurso linear, sendo
adequado caracterizá-la a partir de momentos de atuação,
pois num mesmo período o tratamento plástico diversificava-
se conforme o programa a ser manipulado.

A principio ele procurou minimizar a importância de sua


produção anterior a 1930, caracterizada por obras de cunho
Fig.409 e 410 Vila operária de Gamboa e casa Ronan Borges.
eclético, cujos envoltórios eram predominantemente opacos,
Motivado por tal liderança. Lúcio Costa dispôs os seus com varandas sombreadas, telhados de barro, treliçados de
esforços no sentido renunciar ao fácil ecletismo e defender os madeira e alvenarias brancas. Preferiu valorizar o período
dotes da Arquitetura Moderna; negar os apelos materializados iniciado com a sua intervenção na Escola Nacional de Belas
pela decoração ociosa e prejudicial frente às ciaras paisagens Artes e com o Salão de 1931. Momento da “chômage”, das
idealizadas pelo pensamento moderno; combater a mimese Casas sem Dono", da casa Ronan Borges (1934), da Vila
em relação às formas naturais e valorizar a iniciativa cultural operária de Gamboa (1932) em parceria com Warchavchik.
que revelasse saídas intuitivas e inteligentes para os
Fase dos Volumes sob o sol” e das “sombras nas caixas
problemas técnicos da arquitetura.
brancas. Embora houvesse o predomínio de desenhos
regulares e enquadrados na ordem geral da edificação,
Nesse processo ele se considerava um conservador indo
permaneciam alguns elementos como os pátios, as
de encontro a uma modernidade que era mais sinônimo de
venezianas e os elementos vazados filtrando e amenizando a
conciliação que de rompimento, representada pela presença
incidência excessiva do sol, promovendo efeitos diversos. A
do passado no presente. Uma modernidade que preservava
sombra também era tema sob as lajes das marquises
todas as temporalidades de um lugar, que integrava lugares

Santos, Cecilia Rodrigues dos Santos. In: Nobre. Ana Lulza (org.). Lúcio Costa.
Um Modo de ser moderno. Sào Paulo: Cosac&Naify. 2004, p.134.
Wisnik,Guilherme. Lúcio Costa. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 2001. p.36.
167

marcando o acesso nos térreos. Aberturas diversas eram telha canal, gelosias, treliças e venezianas. Transparências e
utilizadas: panos de vidro, janelas horizontais e verticais em opacidades em oposição, aliadas a filtros que enfatizavam a
fita. definição sutil de áreas públicas e privadas.

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Fig.413 e 414 Vistas externa e interna do Jockey Clube do Rio de Janeiro.

í *• Seguiu-se a isso a sua participação na arrastada obra do


Fig.411 e 412 Vila operária Monlevade e Pavilhão do Brasil na exposição de New York. Jockey Club (1956) e na obra do antigo Banco Aliança (1956).
Outro período importante foi o do projeto do Ministério da O concurso de Brasília (1957), o plano da Barra da Tijuca
Educação (1936-45), no qual ele materializou coletivamente (1969) e as residências de Thiago de Melo (1978), de Helena
os preceitos que queria implantar na reforma do ensino da Costa (1982) e Edgar Duvivier (1985). Além da atuação
ENBA; do projeto da Vila operária Monlevade (1934); do durante todos esses períodos no SPHAN, Serviço do
projeto da Cidade Universitária (1938); do projeto do Pavilhão Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão público que
do Brasil para a exposição de New York (1938), juntamente ajudou a estruturar.
com Oscar Niemeyer. Além dos projetos para a residência
Argemiro Hungria Machado (1942), a residência do Barão de ir ;
Saavedra (1942), a residência Paes de Carvalho (1944), o
Park Hotel São Clemente em Friburgo (1944-45) e os
edifícios do Parque Guinle (1948-54). Todas essas obras são
exemplos da experiência de Lúcio Costa em integrar
princípios modernos internacionais com elementos
característicos locais: configurações volumétricas cúbicas; Fig.415 e 416 Vista interna dos muxarabis e externa do terraço do Jockey Cçube.
pilotis sombreados; estrutura independente; fachada e plantas
Lúcio Costa conceituava arquitetura como “(...) construção
livres conjugadas a varandas, pátios, muxarabis, cobogós,
168

concebida como uma determinada intenção plástica, em para ser vivida '.26
função de uma determinada época, de um determinado
material, de uma determinada técnica e de um determinado No início do século XX, a arquitetura brasileira encontrava-
programa”24 Mais que isso, enquanto fosse cada vez mais se diante do esgotamento provocado pela sucessão de estilos

ciência, a arquitetura distinguia-se, contudo. “(...) das demais que marcaram o eclético século XIX. Para os novos arquitetos
atividades politécnicas porque, durante a elaboração do liderados por Lúcio Costa, a emergente arquitetura
projeto e no próprio transcurso da obra, envolve a racionalista européia era atraente porque estava sintonizada
participação constante do sentimento no exercício às questões atuais, integrando fatores técnicos e estéticos
continuado de escolher, entre duas ou mais soluções... apropriados à época moderna: funcionalidade, objetividade,
Escolha que é a essência mesma da arquitetura e depende tecnologia avançada, eficiência e transparência formal. Mas,
então, exclusivamente, do artista, pois quando se apresenta é atento às transformações em curso, Lúcio Costa percebeu
porque o técnico já aprovou indistintamente as soluções que a questão não se restringia a considerações meramente
alvitradas”25 técnicas ou estilísticas: tratava-se fundamentalmente de um
problema cultural, ou seja, da afirmação de uma certa
Nesse pensamento existia uma evidente preocupação em
diferenciar arquitetura da simples construção. Quando o
atitude perante a modernidade. Para ele o questionamento
que se apresentava era a preocupação em ser moderno,
I
arquiteto procurava explicá-la, enfatizava os pontos que lhe presente no seu tempo, sem imitar um modelo externo.
pareciam fundamentais: “(...) arquitetura é coisa para ser
exposta à intempérie e a um determinado ambiente; O que o chocava instintivamente no movimento moderno
arquitetura é coisa para ser encarada na medida das idéias e era seu caráter absolutista, intransigente e o aparente
do corpo do homem; arquitetura é coisa para ser concebida desprezo de seus teóricos por tudo que dizia respeito ao
como um todo orgânico e funcional: arquitetura é coisa para passado . Mas depois percebeu que havia denominadores
ser pensada estruturalmente; arquitetura é coisa para ser comuns entre suas idéias e as dos mestres europeus, pois
sentida em termos de espaço e volume; arquitetura é coisa eles propunham um programa construtivo coerente, não
desrespeitando tanto o passado, quanto se pensava
24 Costa, Lúcio. Considerações sobre o ensino de arquitetura. In: Xavier,Alberto
Lúcio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre, Centro Estudantes Universitários de
Arquitetura. 1962, p.113. 26 Ibid.. p 56. Grifo do autor.
25 Costa, Lúcio in Costa. Maria Elisa. Com a palavra Lúcio Costa. Rio de laneiro 27 Bruand, Yves Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo:
Aeroplano, 2001, pp.54-55. Grifo nosso. Perspectiva,1981 p 72
169

inicialmente. Corbusier; ele demonstrou toda a sua força criativa ao


renová-las, maturando e transformando os preceitos
Lúcio Costa não pretendeu fazer tábula rasa do passado, racionalistas.
pois estava convencido de que nele havia algo imprescindível
para ser incorporado ao presente. Sem apelar a signos Conheceu a Europa e admirou as famosas construções
que o mestre francês também visitara. Mas sua atenção
estereotipados de brasilidade (traços marcantes de raça,
estava voltada para a pequena cidade brasileira antiga e nela
comportamento, imagens típicas, mitos de origem), operou
uma releitura da arquitetura do passado a partir de sua lógica olhou a casa, eleita como arquitetura privilegiada. Essa casa
era acolhedora, simples e sem rebuscamentos. Permitindo
intrínseca para então ousar uma certa “evolução histórica”.
que deixasse relativo o exotismo, que tratasse a
peculiaridade, a exuberância da natureza, a preguiça dos
trópicos na sua qualificação maior, ou seja, na depurada
razão histórica. E dessa forma, através da conservação de
I
preceitos de um saber construtivo colonial mais empírico

_______________ —__________ conseguiu estabelecer uma simbiose entre cânones


Fig. 417, 418 e 419 As varias varandas da casa Helena Costa.
importados e valores locais. Tal busca tinha relação com dois
Após viajar para Portugal e conhecer mais a fundo as
fatores fundamentais para toda a primeira geração de
cidades mineiras de Diamantina, Sabará, Mariana e Ouro
arquitetos modernos: a busca de identidade e atualização
Preto, sua conversão ao moderno deu-se por conta da
da cultura brasileira.
decepção com a superficialidade com que o movimento
neocolonial apropriou-se dos elementos construtivos e
formais do período colonial. Ao pastiche, Lúcio Costa opôs
uma incorporação dos elementos da arquitetura tradicional à
arquitetura moderna, tendo como pauta as identidades
estruturais e espirituais destes. A união do romantismo
estético e do cientificismo iluminista integrou a história de sua
vida, intimamente ligada à de sua obra moderna. Apesar da Fig 420 e 421 Vista externa e área de acesso da casa Barão de Saavedra.
evidente transposição das idéias de Gropius, Mies e Le
170

O resgate da tradição colonial não seria, então, um culto mediterrâneo: território da harmonia, do equilíbrio, da clareza.
nostálgico que pregava o retorno às formas artesanais. O Nesse período priorizou projetos brancos e transparentes.
importante era recuperar, pelo olhar, a memória de um fazer
que levava tanto a marca inconfundível do indivíduo, quanto a La Ville Radieuse inspirou o Lúcio Costa urbanista. Brasília
de uma relação equilibrada com a natureza. O passado estava apta a desenvolver um esforço maior a favor da
representava, no caso, um índice que fazia lembrar transparência. Mas Lúcio Costa trazia na memória as cidades
reiteradamente a necessidade de resgatar valores humanos coloniais que visitara muitas vezes. Nelas existia um acordo
numa época tecnicista. que tendia a extrair do sujeito a entre topografia e cidade, mas também precaução no sentido
possibilidade de exprimir-se criativamente e sobrepor-se a um de proteger a aglomeração urbana. Vilas e cidades voltavam
mundo artificial regido por valores abstratos. Lúcio Costa as costas para a bela cena marítima, para bosques e lagos.
defendia a permanência da Arte como depositária dos mais Na generosa paisagem brasileira os portugueses afastavam a
altos ideais. Necessariamente ela devia fazer-se presente na vegetação e a confinavam em quintais e outras áreas restritas
sociedade industrial como atividade eminentemente crítica. onde recebia a devida ordenação. Hortas e pequenos jardins
resumiam o contato necessário, intimista e privado, do
homem com a natureza.

Lúcio Costa caminhou por tais cidades, observando, nas


suas construções, o mesmo movimento de resguardo com
relação às condições naturais. As casas tentavam proteger-
se. As aberturas apresentavam fechamentos bem estudados
e lançavam mão de uma variedade de treliças. Apreciavam-
se os cômodos avarandados, onde o homem, bem abrigado,
Em 1911, Le Corbusier realizou viagens pela Itália e
exercitava o hábito de observar, evitando excessos de
Grécia. Pelo caminho da natureza e da tradição estava ao
natureza. No passado e no presente, arquitetos e
encalço de particularidades formais e construtivas dos objetos
construtores não mediam esforços em tentar conter os
que avistava. Definiu as essências poéticas do Mediterrâneo:
nconvenientes do clima. Quando Lúcio Costa preparou a
“o mar. o sol, o céu perfeitamente azul". Elegeu a Acrópole
nda de Le Corbusier ao Brasil em 1936 recomendou que ele
como a grande obra dos homens. Optou assim pelo mundo

á
171

não falasse muito sobre a necessidade de mais luminosidade “sina do paraíso".30 Se paisagens mediterrâneas destacavam-
nos ambientes, pois aqui o sol era até excessivo.28 se pela beleza regida pelo sol e levava os homens a sonhar
com o paraíso, aqui uma natureza mais exuberante levava os
Os elementos naturais - a conformação do terreno, o sol, o
homens a sentirem-se nele.
vento e a paisagem - eram para ele parâmetros fortemente
definidores da forma arquitetônica.29 Ele conferiu à natureza Sob o ponto de vista lumínico, percebe-se que nos
um sentido lírico. Vislumbrava um importante valor a ser invólucros adotados na obra de Lúcio Costa coabitam a
preservado: frente à degradada vida moderna, a natureza transparência e opacidade. Nela prevalecem os materiais
colocava-se como esfera de recolhimento, de privacidade, em naturais: pedras regulares e irregulares, polidas ou não;
que o indivíduo conseguia proteger-se dos choques, da madeiras largas ou ripados finos, pintados ou encerados.
excitação e da complexidade aos quais estava submetido nas Estruturas de concreto e vedação em alvenaria pintada de
grandes cidades. Mas a natureza também ameaçava com branco; tetos abobadados de estuque nas salas; azulejos,
seus amplos espaços, exercia uma força dissolvente. Entre principalmente na cor branca e azul; vidros transparentes e
uma paisagem cativante, mas constrangedora, e um mundo foscos, bem como bloco de vidro; pisos em granitina branca
potente, porém perigosamente imprevisível, percebemos que ou preta, com acabamento polido; grades e esquadrias de
o desconforto do arquiteto era sintoma de uma relação ferro e alumínio; esquadrias, venezianas, muxarabis, ripados,
problemática com a própria exterioridade. E colocar em guarda corpo de madeira pintada ou não; quebra-sol de
questão o exterior, implicava em interrogar o sentido de concreto, fibrocimento ou metálico.
interioridade, tanto nas proposições urbanísticas quanto nas
arquitetônicas. O tratamento plástico dos edifícios em altura divergia dos
elaborados para as residências. Embora, em muitos deles
Lúcio Costa pensou um Brasil “mediterrâneo". Afinal aqui existisse a tentativa de agregar elementos tradicionais, como
também havia “o mar, o sol, o céu perfeitamente azul" gelosias, muxarabis, elementos vazados; prevaleciam os
encontrado por Le Corbusier em suas viagens por mundos prismas laminares, o uso de pilotis nos térreos esvaziados, os
gregos e romanos. Porém, mais que estes, aqui se cumpria a terraços-jardim, elementos fortemente influenciados pelos

28 Costa, Lúcio In Santos, Cecília Rodrigues et alli. Le Corbusier e o Brasil. São 30 Silva, Maria Angélica. As formas e as palavras na obra de Lúcio Costa. Rio de
Paulo: Projeto, 1987, p.76. _ Janeiro. 1991. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Departamento de História
Guimarães. Ciça de. Lúcio Costa: um certo arquiteto em incerto e secula da PUC, p.52.
roteiro Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996, p.55.
172
internos e externos: o pátio e a varanda, vazando geralmente
preceitos corbuseanos
construções compactas, buscando um exercício de projeto
No entanto, o que individualizava as suas casas era a que visava estabelecer continuidades entre interior e exterior
maneira sempre diversa como manipulava elementos e sem prejuízo da intimidade. Os pátios foram usados como
ambientes tradicionais em seus volumes e espaços. A espaços de convívio, procurando interpenetrações entre o
comparação entre as obras iniciais de sua carreira e suas íntimo e o social, em contraposição à rigidez externa do
últimas casas revela um grande contraste. Inicialmente as volume. Varandas e pátios davam, a suas casas,
casas dos anos 20 reproduziam as posturas neocoloniais; as interessantes jogos de permeabilidade e transição sensorial
dos anos 30 identificavam a sobriedade formal, muito próxima através de variações na luminosidade, marcando passagens
aos preceitos da Bauhaus. em parceria com Warchavchik. E discretas entre ambientes e ao mesmo tempo auxiliando na
nas posteriores aos anos 40 a base de referência era o
sua caracterização.
sobrado colonial, a arquitetura vernacular portuguesa. Esses
fatos demonstram a existência de um extenso percurso
nesses cinquenta e cinco anos de reflexão. Suas casas, ao
longo do tempo, refluiram na direção de um sucessivo
despojamento. Ao lado dos elementos contemporâneos, as
janelas progressivamente se individualizavam, e os telhados g 6 a429 Vistas internas alternadas casa de Barragan e casa Helena Costa.

insistiam em marcar presença. De forma similar ao arquiteto Luís Barragán, Lúcio Costa
explorou a continuidade dos espaços, preferiu valorizar
zonas de transição. Ambos optaram pela gradação
ptiva. Para eles a experiência doméstica era vivenciada
sucessão de espaços afetivos, dependentes daqueles
abitavam. Nessa superposição de percursos estavam
ntes_ os traços de sua formação derivados da
Fig.423, 424 e 425 Vistas internas casa Helena Costa - palio, trehças e muxarabis posição clássica da arquitetura, em que as poucas
penetrações verticais dos espaços denotavam uma
Basicamente seus projetos de casas tinham como núcleo
aneira de raciocinar que não tinha no corte o instrumento
gerador os elementos de articulação entre os ambientes
173

definidor de seus partidos.31 com caminhos retos e sem obstáculos de sombras, e sua
Os elementos iluminantes foram decisivos na vivência num mundo da arquitetura colonial, em muito
barroca.
composição de seus volumes e, gradativamente, se
individualizavam, se caracterizavam como elementos
pontuais e como focos de atenção. A partir dos anos 40,
retornaram às sólidas paredes-envoltório, destacando janelas
como ressaltos volumétricos. Estavam presentes, também,
grandes aberturas com a audácia do vidro ou com uma
treliça, quase muxarabi. A fachada ainda podia ter grades
esbeltas ou fechar-se em ripas. As aberturas tendiam a se Fig.430 e 431 Vistas internas do Hotel São Clemente.

comportarem como janelas, voltando com isso a ter Os arquitetos modernos encararam de maneira diversa o
responsabilidade quase absoluta com o controle térmico, a problema das vedações: Le Corbusier da primeira fase
quantidade de luz e a condição de privacidade dos empregou o vidro como secção geométrica pura, integrando-o
ambientes. As janelas tornaram-se assim tão complexas ao conjunto de planos que organizavam o volume; Mies e
quanto as suas antigas ancestrais. Walter Gropius suscitavam valor de transparência literal, ou
seja, as vedações funcionavam como secção aberta, que
Percebe-se em sua obra um apreço por uma arquitetura aliadas ao diagrama de linhas e planos do edifício,
que valorizava o percurso do olhar. Assim como foi dito na promoviam uma intensa mobilidade espacial; Lúcio Costa,
referida dissertação de mestrado32, aqui também não se todavia, negava a exterioridade que o vidro propunha,
pretende caracterizar a obra de Lúcio Costa como barroca, interpondo membranas translúcidas, com o objetivo de conter
apenas destacar que o arquiteto absorveu alguns valores sua excessiva e desimpedida fluidez. O que não significa a
barrocos que enriqueciam seus projetos. Lúcio Costa completa negação do vidro, este chegou a assumir plenitude
observou muito o jogo de portas e caminhos, de luzes e em certos casos, mais precisamente, em setores do
sombras do Barroco. E vivería o dilema entre os pressupostos programa que demandavam uso público. É o caso do Hotel
modernos que requeriam construções claras e desimpedidas, do Parque São Clemente em Friburgo (1944-45): o sentido de
3 Wisnik,Guilherme. Lúcio Costa. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 2001, p.39. abertura e transparência era mantido no pavimento térreo -
Barnabé, Paulo M. M “A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer
Sào Paulo, 2001 Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP.
local de uso - e o sentido de intimidade era preservado,
174

vendo-se o resguardo assegurado pelas varandas treliçadas agora em um desenho ainda mais elaborado da rede de
e pelo avanço do telhado aos quartos dos hóspedes - local obstáculos à plena visão. Nenhum dos dois sentidos da janela =
de uso privado. - abrir ou fechar - era decisivo. Ambos eram provocados,
potencializados, deixando restar no fundo dos olhos, a
Lúcio Costa apreciava a proximidade dos cristais e fazia
interrogação. Internamente a casa estava em contato com um
discurso a favor da clareza. Mas sua obra colocava sutilezas
pátio quadrado, cujas laterais possuíam uma vedação
para o observador. A ênfase na verdade, no sóbrio, no
intermitente.
verdadeiro, convivia com pequenos achados foscos, que
exigiam do discurso e da prática algum malabarismo. O
trabalho de enquadrar vazios, o não se dar plenamente a ver,
recordava as igrejas barrocas. Ele procurava uma história
coesa. Mas era difícil a tarefa de conciliar a cultura, a
natureza, o homem deste país em um projeto movido pela
razão solar.

i-
4J .1
ig.434 e 435 Vistas internas casa Helena Costa e casa Barao de Saavedra.

■ •L ‘ ~ fé C ÍLk_1 . ~ O sentido da transparência continuava a ser perseguido.


As paredes, apesar de possuírem nichos, garantiam ainda a
inearidade dos planos. Mas a clareza buscada através
PÍÕ43? 433 •' stas V-. : a' ?. •■r.-.á-.-. v.
desses planos era aliciada pelo olho sempre interno e
A residência Paes de Carvalho (1944) em Araruama era protegido, como no barroco da colônia. O jogo permanecia
atravessada por aberturas. Os dois volumes paralelos om o arquiteto a armar artifícios de treliça e de vidro.
comunicavam-se francamente. A fachada privilegiada pelo
contato direto com a lagoa era frisada por uma janela As aberturas sempre eram complexas, não porque faziam
horizontal vazada, como nos apartamentos do Parque Guinle uso de muitas folhas e engenharias, mas porque estavam
(1948-54), onde até os banheiros abriam-se totalmente para a estrategicamente instaladas. Sentar à mesa da sala de jantar,
paisagem. Mas Lúcio Costa continuava a empregar a solução por exemplo, revelava a possibilidade do olhar usufruir planos
neocolonial de aberturas que também eram fechamentos, diferentes em diálogo. A vedação que fechava a empena
175

interna tinha o mesmo desenho da vedação do pátio, que se mantendo a relativa privacidade, surgiam os filtros. Muitos
via pela ampla porta de vidro do setor social, brevemente se eram tomados de empréstimo às caixas de muxarabis dos
vislumbrava o jardim do pátio, mas a própria vedação do sobrados coloniais de Recife e Olinda. Lúcio Costa evitava
jardim tinha uma porta, por onde se passava e se via o que as empregar o vidro extensivamente, usando cobogós, elemento
taliscas da vedação adiantavam para o olhar. Lúcio Costa cerâmico vazado, parte da tradição brasileira.
tornava as aberturas complexas criando anteparos ao ato
livre de ver. Mais ainda: mostrava que ver era um jogo
apenas interrompido - lição barroca.

Fig.438 Vista interna casa tlarao ae ôaaveara.

Da experiência barroca, Lúcio Costa absorveu o


agenciamento sequencial dos espaços. Estes com suas
aberturas proviam contrapontos de luz e sombra, solicitando
Fig 436 e 437 Conversadeiras: Mosteiro da Luz, SP e casa Barão de Saavedra.
ao usuário o percurso do olhar para descobrir sua qualidade.
As vezes se sobressaiam da parede, objetos autônomos Os filtros de madeira, muitas vezes pintados de azul claro,
enquanto elementos de arquitetura. Até a velha solução de propiciavam a reflexão dos raios colorindo os espaços,
janela-conversadeira de sacristias coloniais estava presente dando-lhes rendilhados mutáveis, riqueza de efeitos. Ao
em tal fase - portátil, já traziam dentro de si a cadeira na mesmo tempo favoreciam a intimidade, possibilitavam olhar o
medida exata para a contemplação solitária ou a dois. Havia exterior sem ofuscamentos.
inclusive o recurso a uma paisagem cativa, através dos pátios
verdes, recolhidos no interior das residências. As sombras densas projetadas sob pilotis nos térreos
auxiliavam na promoção do sentido de leveza. Elas
Sob pretexto climático de evitar insolação excessiva e reforçavam as texturas dos ripados de madeira salientes
ofuscamentos, permitindo a visualização do exterior,

I
176

sobre os envoltórios brancos sob o sol. os à estética e ao uso de materiais regionais e tecnológicos,
demonstrando grande senso de equilíbrio na apreciação
Predominavam as cores pastéis: os azuis, os rosas e os artesanal dos fechamentos e do aspecto técnico verificado na
amarelos claros. E as cores das matérias naturais das pedras reprodutibilidade. “Leveza, valorização das superfícies
e madeiras. Além do uso intensivo dos envoltórios na cor externas, rejeição da austeridade sistemática do estilo
branca. Lúcio Costa preferiu reforçar com as cores claras os internacional de 1930. vinculação consciente com a tradição
jogos de textura e volume; valorizar a matéria natural, os local sem prejuízo do caráter contemporâneo — são essas as
efeitos de áreas iluminadas e áreas em sombra. E as qualidades marcantes dessa obra...”.
texturas eram obtidas pelo emprego de materiais naturais, de
tramas finas de madeira, pela aspereza dos rebocos pintados
de branco. Geralmente, tais texturas particularizavam
volumes e planos, ajudando a caracterizar funções ou
enfatizar volumes contrapostos.

Para finalizar a exposição sobre os aspectos luminicos


norteadores das propostas de Lúcio Costa, analisa-se uma de Fig.441 e 442 Vistas externas do edifício Bristol.
suas obras mais significativas, os edifícios do Parque A implantação "em forma de anfiteatro", tendo como ponto
Eduardo Guinle (1948-54), na cidade do Rio de Janeiro. ocal a antiga mansão procurou tirar proveito visual da beleza

ÈaSÍMJl aturai do parque, preservando ao máximo a paisagem


existente. Definido esse principio básico, o arquiteto distribuiu
s edifícios junto à divisa Leste do lote. Com isso, os blocos

d
contraram-se em disposição desfavorável em relação à

-o- .* insolação.
«i ..-r—J

Fig.439 e 440 Implantação e planta apartamento tipo do edifício Bristol. Parque Guinle
Esse fato ensejou a necessidade de colocar anteparos que
O conjunto residencial do Parque Guinle atualizou as
propiciassem a visão do parque e ao mesmo tempo
propostas modernas de implantação de edifícios altos em
vertentes, priorizando a relação com a paisagem, integrando- 33 Bruand, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil São Paulo:
Perspectiva,1981 p.137.
177
funcionassem como quebra-sóis. Ao invés do uso intensivo
do brise-soleil corbuseano, Lúcio Costa optou por um sistema
que conciliava elementos cerâmicos vazados de diversas
dimensões, com esparsos brises verticais, ambos contidos
numa malha estrutural regular paralela ao plano das janelas. &

__ Fig.445 e 446 Detalhe fachada frontal edifício Caledõnia e pintura de Volpi.

......,-L- O arquiteto estabelecia, de forma similar a Alfredo Volpi


(1896-1988), uma base geométrica rígida sobre a qual
colocava elementos tipicamente populares, com o objetivo de
provocar uma tensão entre os princípios modernos e os
Fig.443 e 444 Detalhe fachadas frontal e posterior edifício Bristol do Parque Guinle. valores locais. Ambos temperavam a ordem geométrica com
A disposição de dois sistemas, um para proteção e outro elementos que pretendiam estabelecer um certo tipo de
para a visibilidade, foi um artifício que reforçava o sentido sociabilidade, em oposição à desnacionalização e a
planar das fachadas. As pequenas e variadas dimensões das homogeneização do olhar proposto pelo regime industrial. Os
aberturas dos cobogós vermelho tijolo formavam um edifícios do Parque Guinle propunham várias relações: luz
articulado rendilhado, que forçava o olhar a deslizar sobre tal mais íntima, luz mais direta, luz filtrada, janelas nem
textura, reforçada por efeitos de luz e sombra. Eliminavam se populares nem modernas.34
assim o sentido de profundidade e o aspecto de elemento
Quando procurado para fazer o projeto, sabendo que o
acoplado ao edifício, que usualmente é percebido quando se
proprietário chegou a pensar em construções semelhantes ao
aplica brise-soleil. No sistema proposto por Le Corbusier, o
palacete dos Guinles, o arquiteto disse: “Aconselhei então
tamanho das aberturas estava diretamente proporcional às
uma arquitetura contemporânea que se adaptasse mais ao
proporções gerais do volume. Já os cobogós não seguiam as
parque do que à mansão, e que os prédios alongados, de
dimensões dos vãos, atribuindo à superfície maior
articulação.
34 Kamita. João Masao. In: Nobre, Ana Luiza (org.). Lúcio Costa. Um Modo de ser
moderno. São Paulo: Cosac&Naify, 2004, pp 259-269.


178

seis andares, fossem soltos do chão e dispusessem de lembravam casas esparramadas ou sobrados coloniais (no
loggias em toda a extensão das fachadas, com vários tipos de caso dos duplex centrais ao bloco).
quebra-sol, já que davam para o poente. Foi o primeiro
conjunto de prédios construídos sobre pilotis e o prenúncio Os edifícios de apartamento são lâminas horizontais com
das superquadras de Brasília"35 seis pisos úteis e um sétimo andar discretamente recuado em
relação às fachadas, onde se encontram apartamentos
Entretanto, em relação às plantas. Lúcio Costa justificava diferenciados com sacadas descobertas em todo o contorno
sua proposta buscado referências nas casas indígenas, nas dos edifícios. Este último pavimento não estava previsto
habitações portuguesas e nas primeiras casas coloniais - os originalmente nos croquis, e privilegiava volumes
ranchos de feitoria. Passados mais de dez anos do projeto do diferenciados das caixas d’água, casa de máquinas,
Ministério, o arquiteto construiu vínculos que falavam de uma marquises, etc; numa referência explícita a Le Corbusier.
casa brasileira anterior às casas de Minas. Essa casa antiga
introduzia, no moderno projeto residencial, uma solução de Os prismas resultantes têm sessenta e cinco metros de
planta que enfatizava o uso de duas varandas abertas comprimento e quinze metros de largura; esqueleto estrutural
opostas. Uma mais formal junto ao acesso e outra mais à de concreto independente suspenso por pilotis; cobertura em
vontade, um pouco mais privada próxima ao setor de serviço, laje plana; circulação vertical com escadas e elevadores em
chamada de “caseira’', propiciando uma possível ligação com estrutura independente externa ao volume, garagem no
os hábitos originais da sociabilidade brasileira. Tal emprego subsolo.
não realizava uma simples alusão formal, mas buscava a
reposição de um modelo criado por uma sociabilidade na qual

n
zl
o estar e a cozinha, de alguma maneira, misturam-se no
centro da casa. Nessa disposição, as duas varandas definiam í 4
uma leve separação de usos, de ânimos. O ensaio de uma
i
linguagem “nativa" é proposto através do emprego de 1 ---------- J•—r
riW
cobogós cerâmicos, venezianas, varandas e cores suaves
(azul, rosa e amarelo claro). Ele optou por plantas que Fig 447 Corte genérico de um apartamento do edifício Bristol

A relativa estreiteza da barra facilita a iluminação


35 Costa, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo Empresa das artes 1997 p
adequada de todos os cômodos internos que são, em geral,
205.
179

dispostos em renques, levando quase sempre a um da área comercial da esquina quebra-se para indicar a
fechamento cego na face horizontal menor. A empena cega calçada que conduz ao interior do terreno.
indica a possibilidade de articulação de dois ou mais volumes,
respeitando a ortogonalidade e a melhor orientação em
relação à insolação. Seu revestimento se dá através do
emprego de pedras regulares na cor amarelada.

■2M2LHexterno e interno da escada


Fig.450 e 451 Detalhe _____ do edifício
____posterior — Nova Cintra.

A circulação vertical de cada edifício se dá em dois lugares


e, cada um deles, divide-se em duas prumadas: uma interna
Fig.448 e 449 Vistas externas frontais do edifício Nova Cintra
correspondendo à caixa de elevadores e uma externa onde
Mas, por questões diversas, o espaço concebido com
se localiza a escada caracol. No edifício Nova Cintra essa
tantas referências não foi assim utilizado. Das seis unidades
escada desenvolve-se dentro de uma caixa de vidro jateado,
previstas foram construídas apenas três: os edifícios Nova
enriquecendo mais ainda as várias texturas de sua fachada
Cintra, Bristol e Caledônia. O primeiro a ser construído foi o
voltada para o parque. Já nos demais a escada caracol,
Nova Cintra. Frontal à via pública, realiza uma transiçao em
voltada para Leste, oposta ao parque, tem fechamento em
relação à cidade e apresentava galerias comerciais no térreo.
alvenaria e é pintada nas cores que predominam em cada
Sua face principal voltada para o Sul possibilitou uma fachada
edifício: azul no Bristol e rosa no Caledônia.
urbana diferenciada, totalmente de vidro, originalmente
composta de placas superiores transparentes e inferiores edifícios localizados no interior da
Os dois outros
pintadas na cor azul turquesa. Para a face principal estão Bristol e Caledônia - têm os cômodos
propriedade -
voltados os dormitórios, salas e a grande varanda. Enqua salas, voltados para o parque,
principais, quartos e <
para Norte está a loggia das áreas de serviço, cujo i os moradores. Entre o vidro que fecha
propiciando vista para
fechamento de cobogós e brises enriquecem e harmoniza externo do edifício tem um espaço
os ambientes e o Ilimite
...
se com os demais edifícios. E no térreo a parede envidraça
180

intermediário de profundidade variável, formando pequenas Mas a principal síntese entre modernidade e tradição está
varandas de climatização, que Lúcio Costa chamou de no uso das loggias - espaço de climatização entre os
loggias. A face externa é fechada por painéis com texturas comodos principais e a trama da fachada. Ao mesmo tempo
variadas graças à utilização de materiais diversos - lâminas em que atualiza as tradicionais varandas que se abrem à
retangulares de madeira e elementos vazados cerâmicos com frente dos cômodos principais das casas rurais e urbanas do
diferentes desenhos. Os cobogós e os brises industriais período colonial, traduz para o contexto brasileiro a solução
garantem uma curiosa coesão ao conjunto que. embora em de proteger os cômodos internos do edifício da incidência dos
permanente tensão, harmonizam-se. Texturas e formas são raios solares e permitir ampla visão da paisagem externa. O
ampliadas com as colorações utilizadas, compondo um uso das loggias fechadas com elementos vazados cria, ainda,
conjunto no qual a variação e a combinação das peças um rendado luminoso projetando-se sobre paredes e pisos. A
conforma uma unidade vibrante e integra. A solução em delicadeza desses elementos cerâmicos utilizados resulta
retícula vazada mantém vínculos com a tradição arquitetônica numa espécie de muxarabí renovado, que é “furado"às vezes
brasileira e com a modernidade européia, cobogós ou por aberturas quadradas ou retangulares, numa referência às
muxarabis e a modulação obtida por Giuseppe Terragni velhas janelas que serviam de apoio para o desfrute da
(1904-1943) na Casa dei Fascio (1932-36). O próprio Lúcio paisagem. A grande transparência da visão interior-exterior é
Costa lembra que os elementos vazados foram uma oposta a grande opacidade do olhar no sentido contrário,
inspiração obtida quando, passeando pela cidade de Nova garantindo a intimidade e o relativo isolamento tão caro ao
Friburgo, avistou peças semelhantes num porão de um prédio brasileiro.
do século passado. Esses elementos ajudam a dissolver a ?'4 ;

possibilidade de uma clara leitura das unidades por meio da


fachada, tomando o conjunto paradoxalmente leve.

m*

&
ig 455. 456 e 457 Vistas internas de um apartamento do edifício Bristol.

Quanto aos materiais, predominam os mármores polidos


Fig.452. 453 e 454 Vistas internas varanda do edifício Bristol travertinos revestindo os pilotis, vestíbulos sociais; as pedras
regulares amarelas nas empenas cegas; as pedras
181

avermelhadas irregulares nos embasamentos; os elementos pedras naturais, alvenaria rebocada pintada, azulejos e vidro;
vazados na cor tijolo avermelhado; as alvenarias brancas, internamente reduzem-se aos pisos de granitina, cerâmicas e
madeira, paredes alvenaria rebocada pintada e azulejos. Já
amarelas, azuis e rosas claros; as esquadrias de madeira e em relação às cores continua a tendência de tons pastéis e
aço pintadas de branco; pisos em granitina branca. naturais com o predomínio da cor branca, azul, rosa, amarelo
claro e a cor própria das pedras naturais. A iluminação
resultante caracteriza-se por claridade contraposta por áreas
em penumbra. Os planos dos cobogós e quebra-sóis
determinam nas várias horas do dia contrastes em sombra e
luz que dão dinamismo ao conjunto, tanto externamente como
internamente. O térreo sombreado enfatiza a plástica do
prisma e aumenta a percepção de leveza do conjunto.

Fig.458 Vista do térreo do edifício Bristol.

Resumidamente, percebe-se que a pele envoltória


caracteriza-se pelo predomínio da transparência contrapondo-
se aos filtros (muxarabis, treliças, brises) e que a
configuração formal é determinada por plantas retangu ares
que definem prismas regulares. Os elementos iluminan es
são determinados por grandes vãos laterais, fechados por
planos de vidro transparentes e protegidos por filtras diversos,
A direção da luz se dá lateralmente, enquanto a incí eJ^cl®
direta e difusa pelos filtros, sendo a distribuição a uz
heterogênea. A proteção e o controle são obtidos através ao
recurso do uso de quebra-sóis móveis e elementos vaza
cerâmicos que determinam um plano bastante a lcl-\
barrando a incidência excessiva do sol e manen
luminosidade necessária; além do uso de térreos so pi
venezianas. Os materiais externos restringem se
182

volumes, cheios e vazios, jogando a cor e a luz...


I^INO LEVI “ 4W4 Contrariamente à pintura e à escultura, a arquitetura é vista
por fora e por dentro. O exterior e o interior estão intimamente
ligados numa continuidade de concepção".38
Uma casa não é nunca
só para ser contemplada, Quando ainda era estudante em Roma, conviveu com
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la Marcello Piancentini, que naquele momento procurava
João Cabral de Melo Neto
renovar o ensino, aumentando a eficácia dos arquitetos,
Rino Levi;36
36 caracterizou sua arquitetura como arte e dando-lhes uma formação técnica e científica mais
ciência, de certa maneira retomando a definição de Vitrúvio - pragmática, caracterizando a arquitetura como um problema a
firmitas, utihtas e vetustas - ao dizer que o estudo das ser resolvido, apelando para a simplicidade e contrapondo-se
funções e das qualidades da obra arquitetônica estavam tão a épocas anteriores dominadas por fantasiosas
“(...) intimamente ligado à técnica quanto às leis de ornamentações florais. Rino teve também sua formação
proporção. Para se chegar a fins estéticos concretos, em influenciada por Adalberto Libera, que se tornaria um dos
harmonia com a função dos vários elementos constituintes da protagonistas do racionalismo italiano. Na mesma época,
obra, necessário se torna conter e selecionar a fantasia, através das revistas e das aulas, conheceu a obra de Le
dentro de certos valores orgânicos"3' Para ele a função do Corbusier, Gropius, Mies e Mendelsohn, assistindo assim aos
arquiteto era estudar a “(...) forma, em ligação com o momentos decisivos da gênese do Movimento Moderno
ambiente e o clima, dentro de condições funcionais e europeu.
técnicas, visando à criação harmônica de ritmos, ordenando
ode se também verificar em sua obra vários conceitos
entes com aqueles identificáveis nas obras de Lúcio
36 Rino Levi (1901-1965) filho de imigrantes italianos, nasceu em São Paulo Em
1921 foi para Milão. Itália, onde cursou durante dois anos a Escola Politécnica a. considerações sobre o clima e a natureza seriam
local. Depois se transferiu para Roma, tendo-se diplomado pela Escola Superior
de Arquitetura em 1926. Essa formação italiana iria diferenciá-lo dos demais onantes importantes para que o arquiteto pudesse
arquitetos brasileiros de sua geração. Retomando ao Brasil, trabalhou por pouco
mais de um ano como projetista na Companhia de Projetos e Obras de Roberto
uir uma obra que de alguma maneira pudesse ser
Simonsen em Santos Em 1927 fundou seu próprio escritório em São Paulo. Foi denominada brasilpira
urasiieira. “a
a •
intensa . . , .
luminosidade
professor da FAU/USP por um breve período (1954-59) e participante ativo na
criação do IAB-SP.
37 Levi, Rino. O que Há na Arquitetura. [1939] Depoimentos 1. São Paulo, 38
GFAu’i960 Hospi,alar e Arqu"e,ura [1948] Depoimentos 1. São Paulo,
GFAU.1960.
II

183

condicionaria sua busca por transparência, aproximando-o Rino Levi optou por uma orientação racionalista ao finai
do tema privilegiado da Arquitetura Moderna brasileira, o dos anos 20, na qual os elementos e os volumes de
brise-soleil”.39 A riqueza da flora tropical lhe motivaria a fazer composição tornaram-se formas geométricas abstratas e
pesquisas botânicas, viagens exploratórias, e agregá-las às procuravam interpretar princípios funcionais, sejam eles
suas propostas. intrínsecos aos usos propostos ou derivados do papel do
edifício na configuração da cidade. Ao mesmo tempo
Em 1925, o Jornal Estado de São Paulo publicou um dos incorporou conhecimentos científicos afastando-se da
primeiros manifestos por uma Arquitetura Moderna brasileira, determinação dos estilos históricos.40 Mesmo assim, nota-se
a carta que Rino Levi enviou quando ainda cursava o quarto em sua obra a presença de algumas regras acadêmicas de
ano do curso de arquitetura, com o título "Arquitetura e composição: a preocupação em valorizar o caráter dos
estética das cidades", na qual contrapunha-se ao edifícios, em manter as relações de proporções e de equilíbrio
academismo e às imitações descuidadas ainda vigentes na composição de plantas e fachadas. Pois para ele o
naquele período. Para ele, a Revolução Industrial apresentou passado não estava morto e o estudo deste fornecería
novas condições estéticas, materiais e técnicas, além de ensinamentos que seriam tanto mais valiosos quando melhor
incentivar a produção em série e o método cientifico. Mas souber-se enquadrar sua realidade histórica dentro de
Rino também propunha para o Brasil uma posição que suas determinantes culturais"4'
pudesse compatibilizar a universalidade moderna com as
especificidades locais.
0
Sua obra caracterizou-se, então, pelo compromisso com a
[fâSLaai
técnica e a arte de seu tempo, com os costumes e a natureza
de seu país. Apesar das várias influências constatadas, como r
o expressionismo alemão e a Escola de Chicago, a obra do
arquiteto apresentava-se sem vínculos com modelos rígidos,
4i a
dJ '4Í r
Fig.459 e 460 Vistas internas casa Luiz Médici e edifício Guarani.
sendo a técnica encarada como dado fundamental para a
40 Anelli, Renato. In: Guerra, Abílio (org). Hino Levi, arquitetura e cidade. São
renovação e inovação da arquitetura. Paulo: Romano Guerra, 2001, pp. 177-78.
41 Levi, Rino. Evolução da Arquitetura. Palestra proferida na Faculdade de
arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul. Aula Inaugural do ano letivo de
39 Anelli, Renato. Arquitetura e Cidade na obra de Rino Levi. São Paulo, 1995.
1958.
Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP. p.198. Grifo nosso.
184
Destaca-se, ainda, a preocupação do arquiteto em propor vidro. Os invólucros adotados priorizavam a opacidade; os
a integração das artes, uma integração coordenada pelas cheios dominavam os vazios para promover uma impressão
definições arquitetônicas. Postura possivelmente influenciada de solidez. São desse período, por exemplo, o edifício
pelas recomendações de Le Corbusier frente ao Columbus (1932), o edifício Nicolau Schiesser (1934), a
desenvolvimento do projeto do Ministério da Educação (1936- residência Médici (1935), o edifício Guarani (1936) e o edifício
45). Em 1949. Levi reviu sua posição de classificar a Trussardi (1941). Além das salas de espetáculo com seus
arquitetura como ‘arte-mãe", adotando os conceitos do interiores onde predominam as superfícies curvas refletoras
mestre francês: "A arte e uma só. Ela se manifesta de várias de luz e som, como o Cinema UFA Palace (1932), Cine
maneiras, quer pela pintura, pela escultura, pela música, ou Universo (1936) e teatro Cultura Artística (1943).
pela literatura, como também pela arquitetura. Tais
manifestações constituem fenômenos afins, sem diferenças
substanciais na parte que realmente caracteriza a arte como V 1

manifestação do espírito"i2

Apesar do desenvolvimento de sua carreira não apresentar


mudanças drásticas, pode-se destacar alguns momentos
gl r í k' i.,z:

específicos de atuação?3 Inicialmente ela se implantou em


í.
i —-
uma São Paulo dominada por empreiteiras habituadas a Fig.461.462 e 463 Vista externai
soluções corriqueiras. A tal situação Rino Levi se impôs com
Posteriormente, sob influência racionalista, as obras eram
competência técnica, através de uma plástica calcada na
actenzadas pela reunião de funções em blocos prismáticos
justaposição de volumes, fortemente influenciada pelo
o ados ou justapostos, compondo de modo contrastante
expressionismo europeu, caracterizado pelo confronto entre
olumes horizontais e verticais, cujas peles envoltórias eram
superfícies planas e curvas, pelas aberturas contidas,
atadas de formas diversas. Primeiro valorizavam a
pontuadas ou em faixas contínuas de canto, pelas sacadas
t ansparência através de peles vítreas contidas em delgadas
sombreadas, pelo uso de venezianas e painéis de blocos de
grelhas moduladas de concreto como ocorre no Banco
42 Levi, Rino. In: Guerra, Abílio (org). Rino Levi. arquitetura e cidade. São Paulo: aulista do Comércio (1947), onde imperava a translucidez
Romano Guerra, 2001, p 141
43 Machado, Lúcio Gomes Rino Levi e a renovação na arquitetura brasileira São os blocos de vidro no térreo e a transparência dos planos de
Paulo, 1990. Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP, pp. 193-203.
■ vidro nos pavimentos superiores.
185

uso de elementos protetores. Porque, mais que impedir uma


insolação direta indesejável, esses filtros proporcionaram rica
articulação das superfícies das fachadas através de
contrastantes jogos de luz e sombra, muitas vezes
respondendo somente às intenções plásticas que seu autor
ansiava. Nos primeiros projetos desse período, Rino Levi
apenas recuou o plano da janela, do plano da grelha externa
modulada, aumentando a área de sombra produzida, como o
Cine Ipiranga e Hotel Excelsior (1941). Posteriormente utilizou
um sistema reticular de elementos vazados e de brises.
______ __ _
Fig 464 e 465 Vistas internas Sedes Sapientiae

- Mas um dos principais “(...) obstáculos à adaptação do


princípio da transparência moderna aos países de clima
-
quente foi à necessidade de proteção ao excesso de
insolação. Desde a sua primeira manifestação em BrazH
Builds. a historiografia da arquitetura moderna brasileira
w
wi
acentua que esse obstáculo se transformou em sua principal
característica”44 Afinal *(...) pelo clima, pela nossa natureza
c costumes, as nossas cidades devem ter um caráter L -oi£Z38»' /AHHKKS
Fig.466 e 467 Vista externa e det. aberturas e protetores solares Cia Jardim de Café Finos.
diferente das da Europa"45 Portanto, a integração visual
Dos muitos exemplos possíveis destaca-se o Instituto
extensiva entre interior e exterior exigiu, dos projetos que se
Sedes Sapientiae (1941) onde pequenos componentes pré-
seguiram, adaptações às condições locais, cuidados em
fabricados vazados de concreto foram vedados com vidro e
relação ao excesso de insolação nas aberturas, ou seja, o
criaram uma trama quadriculada nas áreas de circulação,
aparentemente sem a preocupação de proteção solar, e sim
44 Anelli, Renato. In: Guerra. Abílio (org). Rino Levi. arquitetura e cidade. Sao
de substituição de caixilhos de ferro, articulando as
Paulo Romano Guerra, 2001. p. 49 rirtarte São Paulo:
45 Levi. Rino In Guerra, Abílio (org). Rmo Levi, arquite superfícies. Já o sistema composto de elementos vazados e
Romano Guerra. 2001, p 50.
186

brises dos escritórios Cia Jardim de Cafés Finos (1943), foi por janelas. Uma pele envoltória composta de elementos
concebido como filtro solar. Seus planos vazados foram cerâmicos vazados contrastava com a transparência dos
afastados da caixilharia, gerando um espaço intermediário vidros que vedam o volume interno. Rino evitou referências
para isolamento da propagação do calor e incidência do sol. aos muxarabis (como 0 fizeram os cariocas), seu plano de
No edifício Concórdia (1955) também foram usados vários quebra-sóis era rigorosamente geométrico, com uma textura
tipos de filtros (brises horizontais, verticais, bandejas, plano homogênea, sem referências figurativas ou artesanais.
perfurado) para articular a fachada e proteger seus interiores. ■iiTrítii.i-i.-is ' . j
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Fig.468 e 469 Vista externa e interna edifício Concórdia.

No edifício da OAB (1953) ao lado da Catedral da Sé. Rino


utilizou quebra-sóis verticais de concreto à meia altura, ■■■IBONEa -----
Fig.470 e 471 Vistas externas Banco Sul Americano.
-
afastados dos caixilhos por uma varanda, promovendo uma
Esses elementos vazados o fizeram retornar a uma atitude
alternância entre a faixa sombreada do vão aberto dos vidros
nteriorização nos projetos, agora transpostos aos edifícios
escuros posteriores e a faixa de lâminas verticais opacas,
altura, e contrapostos à tendência de gradual
criando uma tensão no plano instável da fachada, que
sparéncia dos prismas vigentes. O que aponta para um
protege sem fechar totalmente.
° grupo de projetos, o das residências intimistas. Projetos
Já no edifício Pavinil-Elclor (1961) Rino Levi retomou um que se iniciaram a partir do projeto de sua casa (1944), nos
tema que já vinha sendo explorado pelos arquitetos cariocas q s havia uma busca intensa pela integração e continuidade
(Lúcio Costa no Parque Guinle, Jorge Moreira no Ceppas e spaços no interior do lote, exemplificados também pela
Reidy em Pedregulho): a perfuração do plano dos quebra-sóis residência Milton Guper (1951), pela residência Paulo Hess

!
187
(1952) e pela residência Castor Delgado Perez (1958).
Tendo em conta os vários momentos de sua obra e os
envoltórios que a definia, pode-se dizer que num primeiro
momento a luz e a sombra reforçavam a dramaticidade
expressiva da composição, enfatizando o jogo volumétrico;
em outras ocasiões a sombra projetada reforçava a
percepção de leveza do conjunto edificado, e os filtros
enriqueciam as superfícies externas e intemamente
Fig.472 e 473 Vistas internas casa Paulo Hess. propiciavam dinâmicos jogos rendilhados. As cores e as
Outras vezes Rino optou por trabalhar a fachada com um texturas tinham relação com a matéria utilizada, as
grafismo que contrapunha paredes brancas e pequenas aberturas relacionavam-se aos grandes vãos fechados com
aberturas. É o que ocorre no Hospital do Câncer (1956), na vidro transparente e pontilhado marcando a busca por
fachada oposta à dos apartamentos. Há fortes semelhanças transparência e a relação com o exterior (geralmente
com artistas concretistas do período como Sacilotto, vegetado).
Fiaminghi, e Ivan Serpa, confirmando seu interesse pelas
Rino Levi também se questionava sobre a inserção dos
artes plásticas. Muitas vezes usou uma pauta modular
projetos no tecido urbano. Criticava o desenvolvimento
estrutural, preenchida elementos vazados para
com
desordenado da cidade, defendia o zoneamento como
ventilação e proteção solar - partido similar aquele de Lúcio
método de controle desse crescimento e atuava, por
Costa no Parque Guinle.
intermédio do IAB, na defesa do planejamento da cidade de
Finalmente, nas últimas obras a matéria bruta do concreto São Paulo. Já em seu primeiro texto, de 1925, enfatizava a
e tijolos aparentes passou a ser o elemento plástico importância do arquiteto começar a se preocupar com a
qualificador, sobre o qual a luz revelava dramaticamente “estética das cidades", com a orientação dos edifícios e com a
texturas ásperas, lembrando com certas ressalvas as sua inserção em um determinado contexto urbano.

ponderações de Reyner Banham46. Exemplos dessa atuação


Dos seus vários trabalhos urbanísticos, sobressai a
é o Paço Municipal de Santo André (1965), os edifícios
proposta para o Plano Piloto de Brasília, quando se
Gravatá (1964) e Araucária (1965).
classificou em 3o lugar juntamente com o plano dos irmãos

Banham, Reyner. The Brutalism. New York: Gili, 1967.

II
188

Roberto. Nele defendia a idéia das cidades polinucleares, forma, lhe conferia um ar de “brasilidade", alguma coisa de
onde se obtinha alto adensamento das várias unidades de original que proporcionava vivacidade aos espaços internos.48
vizinhança através da verticalização. permitindo que elas se
articulassem a curta distância do centro administrativo. >24».

Enfatizava a moradia (urbs) não o centro político (civitas).

(-♦-4------ > I i
Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos
OoP-W &ArVX (B>.*^jC )£G<>^>o/*4MO
norteadores das propostas de Rino Levi, explana-se sobre
uma de suas obras mais significativas, a residência Castor Fig.476 e 477 Croquis planta e corte casa Castor Delgado Perez.
Delgado Perez (1958-59), em São Paulo. Com a sua residência de 1944, o arquiteto iniciou uma

"Toda obra de arte deve ser ambientada, isto e. deve ser vista sob
serie de projetos intimistas em que a transparência dava-se
uma determinada luz. sob uma determinada visual e deve estar em apenas no interior do lote, prevalecendo a integração física e
harmonia com os objetos que a contornam.
visual entre os espaços cobertos e descobertos, dotando-os
de privacidade e isolamento, contrapondo-os, assim, à
agitação da metrópole. A opacidade dos limites e a
ntegralidade do volume garantiam a manutenção da
individualidade interior. Mas não era uma inferioridade
d stanciada da natureza, como era comum na casa colonial
b asileira, onde a flora e a fauna representavam perigo a ser
afastado. Pelo contrário, o interior interligava-se diretamente
Fig.474 e 475 Vista externa e interna casa Castor Delgado Perez.
om os pátios, (...) permitindo ao indivíduo vivenciar, na sua
A partir dos anos 40, Rino Levi adotou o pátio privacidade, a harmonia com a natureza, ali representada
mediterrâneo como tipologia adequada para alguns de seus
pelas plantas, pela luz e pelo clima"™
projetos: um espaço interiorizado, descoberto, ajardinado,
isolado do espaço urbano. Diferenciando-se, antes de tudo,
pela presença de uma exuberante vegetação que, de certa
Levi, Rino In: Guerra. Abílio (org). Rmo Levi arquitetura e cidade. São Paulo.
Romano Guerra, 2001, p. 49.
47 Levi, Rmo Arquitetura e estética das cidades In Xavier, Alberto (org). Anelh, Renato Arquitetura e Cidade na obra de Rmo Levi. São Paulo, 1995.
Depoimento de uma geração São Paulo: Cosac & Naify, 2002(1987] Grifo nosso Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP, p. 270. Grifo nosso.
189

vivas de volumes e cores. Mas a casa mantinha a postura


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intimista e a relação direta com a natureza, de uma forma até
To□□ í mais direta que as outras casas projetadas pelo arquiteto.
O

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Fig.478 e 479 Croquis plantas baixas casa Castor Delgado Perez.

Suas casas-pátio opunham-se à tipologia das casas com Fig.481 e 482 Vistas internas casa Castor Delgado Perez.

varandas abertas para o jardim frontal ou lateral até então Pode-se então fazer uma analogia com um geado:30 fica
dominantes. Enquanto Lúcio Costa elegia a varanda como evidente a intenção do arquiteto em neutralizar seu envoltório
espaço privilegiado da casa, Levi incorporava a vegetação ao e valorizar as relações espaciais internas, optando pela
dia a dia de seus habitantes, contribuindo assim para opacidade externa e pela transparência entre os espaços
estabelecer sua proposta moderna de brasilidade. Seus internos cheios de luz e reflexões.
pátios vegetados invertiam a postura contemplativa da
natureza (como se esta fosse um quadro), substituindo tal
postura por uma experiência sensorial que despertava uma
‘sensação de repouso e serenidade", harmonizando o homem
com a natureza.

Fig.483 e 484 Vistas internas casa Castor Delgado Perez.

Nesta casa térrea a pauta de composição é um prisma


^ig 480 Croqui corte longitudinal casa Castor Delgado Perez. retangular com dois pátios internos, entre os quais foi

Plasticamente podemos dizer que na residência Castor 50 Pedra tosca externamente, cheia de cristais internamente. Metáfora conceituai,
Delgado havia algumas mudanças em relação às fachadas sugerindo que o edifício pode ter duas imagens simultâneas, utilizada por Tim
Mcginty in Snyder, James C. e Catanese, Anthony. Introdução à arquitetura. Rio
discretas das casas anteriores. Ele estabeleceu oposições de Janeiro: Campus, 1984, p.229.
=
190

interposto um espaço único que abriga o estar social e a sala dormitórios das empregadas, em um volume elevado, branco
de jantar, integradas e separadas por uma lareira com e cego para a rua.
estantes. O teto dessas salas está alinhado com a parte
inferior das tramas pré-fabricadas quadriculadas e vazadas O fechamento dos limites da casa, através de planos
interpostas às vigas de concreto, que projetam um rendilhado cegos, oferecia como compensação seus jardins no recuo
de luz e sombra sobre os jardins, ao mesmo tempo em que frontal para o espaço público. As fachadas tornaram-se assim
garantem a continuidade desses espaços, a integridade secundárias, tendendo a desaparecer atrás dos elementos
espacial e a luminosidade homogênea. Recursos técnicos vegetais que as envolviam.
sofisticados permitem a plena integração das salas com os
pátios e pode ser notada na análise do corte executivo, que A luminosidade interior uniforme era reforçada pelo
evidencia as vigas invertidas, a ausência de pilares laterais, predomínio das cores claras dos materiais/de revestimento
as luminárias embutidas, os trilhos embutidos das portas de empregados, destacando-se os pisos cerâmicos e a alvenaria
correr e um eficiente sistema de drenagem das águas branca. A trama quadriculada sobre o jardim também foi
pluviais. pintada com uma cor clara (azul claro), aplicada pelo artista
plástico Rebolo Gonzalês, que queria fazer uma referência
explicita à abóbada celeste 51

ww L.

..
11
li J
Fig.485 e 486 Vistas internas casa Castor Delgado Perez

Completam a configuração o volume posterior dos


i.í Ld Si!
dormitórios com seus corredores fechados com elementos
vazados de concreto vedados com vidro transparente; a
cozinha, a copa e a sala de refeições na lateral esquerda; os
serviços e garagens com pátio murado por tijolos vazados
íll _í__
Fig.487 e488 VIStas mternas casa' Castor Delgado Perez - elementos vazados.

Acayaba, Marlene M Residências em São Paulo 1947-1975. Sào Paulo:


aparente na parte frontal, complementados com os Projeto, 1986, p.111.
191

Resumidamente, evidencia-se sua pele envoltória caracterizada pela


opacidade em relação ao contexto urbano e pela transparência em
relação aos espaços internos; e a configuração formal é determinada
por uma planta retangular, determinando um prisma regular com pátios
inscritos. A volumetria externa pouco insinua a riqueza espacial interna.
Os elementos iluminantes são determinados por grandes vãos laterais
fechados com planos de vidro transparente, elementos vazados fechados
com vidro, aberturas com delgadas esquadrias de correr e basculantes. A
direção da luz se dá lateralmente, enquanto a incidência é direta e difusa
pelas grelhas de concreto, e a distribuição é predominantemente
homogênea A proteção e controle dos raios solares diretos são obtidos
através do recurso da grelha vazada de concreto e dos grandes beirais.
Nos dormitórios são usadas venezianas para evitar a insolação Noroeste
desfavorável. Os materiais externos restringem-se ao uso de alvenarias
pintadas, painéis de azulejos decorados e pastilhas de vidro, pisos de
pedra natural amarelada. Internamente, pisos cerâmicos, pastilhas de
vidro, madeira; paredes rebocadas pintadas, azulejos e pastilha de vidro;
tetos pintados e revestidos com pastilhas de vidro. Já em relação às
cores prevalece o branco, complementado por algumas superfícies em
azul, rosa, marrom, verde e cinza. A iluminação resultante caracteriza-
se pelo predomínio da claridade uniforme, dos rendilhados de luz e
sombra sobre os jardins, salas e corredores laterais. Além da projeção de
luz esverdeada que transpassa a massa de vegetação e reflete-se nos
painéis de alvenaria branca.

F'g-489 e 490 Vistas internas casa Castor Delgado Perez.


192

problema da sombra" 53
IRMÃOS ROBÉRTO
Para uma equipe de pesquisadores incansáveis, falar em
influências torna-se bastante difícil. A viagem à Europa, logo
após se formar, fez com que Marcelo Roberto tomasse
Ela tem tal composição
e bem entramada sintaxe contado com todos os preceitos da vanguarda arquitetônica
que só se pode apreendê-la
em conjunto: nunca em detalhe. da época, principalmente o pensamento de Le Corbusier,
De longe como mondnans
em reproduções de revista
Gropius, e Mies. No Brasil, chamou-lhe a atenção a palestra
ela só mostra a indiferente de Wright e as obras dos brasileiros Warchavchik, Lúcio
perfeição da geometria
João Cabral de Melo Neto. Costa e Niemeyer.

A obra dos Irmãos Roberto52 podería ser designada como


Os irmãos arquitetos experimentaram várias linguagens,
a “poética do movimento”. Movimento que promovia a evidenciando sua capacidade em aderir às circunstâncias, em
animação das formas e superfícies, atuando efetivamente transitar por vocabulários distintos, sem romper ou
sobre o ânimo do expectador. Para efetivá-la, usava estabelecer um novo direcionamento à sua poética. Parece
definitivamente a luz e a sombra como diretrizes de projeto. que de fato materializaram um exercício autônomo de
Não foi por acaso que Geraldo Ferraz chamou Marcelo
experiências formais e espaciais, atitude bastante comum
Roberto de “(...) filho de uma terra de sol”, e Lúcio Costa nesse período da arquitetura moderna brasileira54. Afinal, em
assinalou que ele era um arquiteto já preocupado com o
(■■■) arquitetura, todos os problemas são um só problema:
tomando o homem como medida, criar espaços que
satisfaçam às necessidades constantes e variáveis do
52 Marcelo Roberto (1908-1964), Milton Roberto (1914-1953), Maurício Roberto
(1921) nasceram no Rio de Janeiro e formaram-se arquitetos na Escola Nacional
de Belas Artes em 1930, 1934 e 1944, respectivamente. Os dois últimos seguiram homem".55
Marcelo porque, mesmo antes de formados, agregaram-se ao trabalho do mais
velho Com a perda do pai aos dezenove anos. Marcelo teve de sustentar a
família. Fez ilustrações, pagmação. anúncios para revistas, decoração de Para Marcelo Roberto a arquitetura era definida como um
carnaval, cenário de teatro e foi desenhista nos escritórios de Gastão Bahiana e
Alberto Monteiro de Carvalho. Iniciou sua carreira profissional construindo
residências, com forte influência de seu professor Warchavchik. Mas ganhou £nfonosso)rald°' MarCel° Rober1° Habitat, São Paulo, n.31, Janeiro, 1956, p.49.
notoriedade quando ainda sem a parceria do irmão mais jovem, projetou e ganhou
dois dos mais significativos concursos da época os edifícios ABI - Associação 198VP'17bYVeS Arqul,e,ura Contemporànea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
Brasileira de Imprensa (1936), e o Aeroporto Santos Dumont (1937) Os irmãos
Roberto tiveram participação destacada no concurso para o Plano-Piloto de 1964,bp 5°’ Marcel° apud Maurício. Jaime. Arquitetura. São Paulo, n.28, outubro,
Brasília, dividindo com o escritório Rino Levi a terceira colocação
193

objeto que necessita o vivenciar para que se percebessem as afirmação profissional através de vários concursos
suas qualidades e a sua capacidade de mudar conforme a importantes: a Associação Brasileira de Imprensa (1936) e o
posição do observador ou dos efeitos variáveis da luz do sol Aeroporto Santos Dumont (1937), por exemplo. Além da
no decorrer do dia: “O objetivo da profissão do arquiteto, sem produção de residências, muitas delas inspiradas na
dúvida, é ‘a dignificação do ambiente do homem’. A linguagem de Warchavchik, nas quais se evidenciavam
dignificação, entretanto, só é conseguida quando a obra de volumes puros, sombras enfáticas, iluminação
arte é realizada, não bastando a solução funcional. Assim, predominantemente homogênea.
arquitetura é a obra de arte atingida através da organização
de um espaço para o desenrolar de um acontecimento
humano. Qualquer acontecimento, contanto que seja forte e
respeitável”.56 I
A obra dos Irmãos Roberto pode ser estabelecida em
quatro períodos: primeiro a fase de formação, quando
í
Marcelo Roberto já tinha um escritório com o arquiteto Paulo
Wernek. Na época ele produzia ilustrações, decorações, e Já numa terceira fase, década de 1940-1950, os arquitetos
anúncios. Depois foi completar sua formação em viagens à produziram obras de grande repercussão. São desse período,
França, Itália e Alemanha. E no seu retorno tornou-se por exemplo, o edifício de Resseguros do Brasil (1941), o
edifício MMM Roberto (1945), o edifício das Seguradoras
também construtor.
(1949), entre tantos outros. Neles nota-se a ênfase ao
tratamento articulado da superfície, seja pela sobreposição de
iiiliwHri
I planos intrincados, seja pela introdução de protetores solares
diversos que agregados aos volumes dos edifícios
lí propiciavam efeitos variados de luz e sombra, valorizando sua
Fig.491 e 492 Vistas externas frontais Aeroporto Santos Dumont - antiga e atual. plástica, sem romper com os limites estabelecidos pelo
A década de 1930-1940, uma segunda fase, foi a época de volume prismático. Com esse procedimento os arquitetos
iniciavam seu intento de colocar a forma em movimento e

56 Ibid., p. 11. Grifo nosso.


194

aproximavam-se mais da linguagem de Le Corbusier,


evidenciando uma arquitetura planar. No edifício MMM Roberto (1949) estabeleceram uma
fachada com várias camadas de elementos protetores para
atender às várias inclinações dos raios solares Noroeste ao
longo do dia. Infelizmente, as persianas de madeira
mostraram-se frágeis e de difícil manutenção, sendo retiradas
com o passar dos anos.

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Fig.495 e 496 Vistas externas Instituto de Resseguros do Brasil

Com o projeto do Instituto de Resseg


Ü í J> ■ T"-1'


uros do Brasil (1941)
eles afirmavam decididamente a sua u~ ■“
condição moderna,
negando-se a adotar novamente uma
apresentando-na como um volume leve e
massa estática,
leve e vazado, Hg.500. 501 e 502 Vista
1
_________ ____________________________
externa frontal e detalhes edifício das Seguradoras.
Contrariavam assim a lógica dominante do entorno á no edifício das Seguradoras (1949) percebe-se mais um
com suas
paredes continuas, perfuradas por "buracos” diversos mpimento com os limites da unidade prismática, mais uma
e
optavam por uma série de planos de qualidades distintas. entativa de articulá-la e decompô-la sem, no entanto,
ssolvè Ia completamente numa estrutura vazada, como
/ -*l?
% *oí da
tarda
ia com Niemeyer e Reidy. A solução proposta tornava-se
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.KiHSisH Vl S - g al a partir da introdução de um plano curvo na esquina

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O edifício apresentava-se assim com uma plástica
no encontro das duas fachadas com tratamento
i rua
/ F. erso. na Sudoeste, planos de vidro e na Noroeste, brises

Fig 497, 498 e 499 Vista “^erna frontal t CORTE


com frágeis persianas basculantes presas
oetalhes «Micro MMM Roberto.
norizontalmente num quadro de concreto, dando leveza e
vivacidade a resse
- lado do edifício. A hábil solução dada à
esquina atenuavai o encontro das duas fachadas, atribuindo
195
movimento ao volume, estabelecendo um ponto focal de
entre tantos outros. Neles se introduzia um diálogo mais
interesse no contexto urbano. De forma tal que toda a
efetivo entre o edifício e o contexto urbano. Os anos 1950
composição promovia efeitos enriquecedores: o térreo
marcaram a fase mais criativa do escritório dos Roberto. O
envidraçado recuado e sombreado, interceptado por uma laje raciocínio planar ainda conduzia a definição da forma, mas
plana oblíqua aos planos da fachada dando leveza ao incidia sobre a totalidade das faces que montavam o volume
conjunto; as fachadas diferenciadas intermediadas pelo painel geométrico. Antes eram o desenho das esquadrias e os filtros
cego no qual se encontrava um mosaico de Paulo Wernek que diferenciavam os planos das fachadas. Agora, a fachada
nas cores rosa, verde, cinza, ocre, marrom e branco; o na íntegra era mobilizada através de um único artifício: “a
coroamento do edifício vedado parcialmente por quebra-sóis dobra”. Tornava-se muito mais eficaz a espacialização do
de alumínio vertical. No conjunto predominava o equilíbrio plano, pois este, através do novo procedimento, alcançava
entre elementos estáticos e dinâmicos. uma extensão verdadeiramente urbanística. Ao dobrar o
plano geral da fachada, os Roberto alcançavam um efeito
semelhante às peças neoconcretas de Amílcar de Castro, que
também nesse período começava a empregar as operações
de corte e dobra do plano geométrico para torná-lo mais
interativo, mais expressivo através do contraste promovido
pelas superfícies iluminadas e sombreadas com o passar das
horas do dia. Ao assim procederem, tanto o escultor quanto
os arquitetos, tornavam a obra, efetivamente, um agente de
espacialização, quer dizer, o espaço não mais era
considerado um dado a priori e independente do objeto, mas

frontal e detalhes edifício Marquês de Herval. algo que surgia com o objeto.

Retomando à periodização da obra dos Irmãos Roberto, a Sob o ponto de vista lumínico, sinteticamente, pode-se
década de 1950-1960, uma quarta fase, caracterizou-se pela
ainda frisar que os invólucros eram determinados pelo
sedimentação da dinâmica volumétrica e pela participação em equilíbrio entre elementos opacos e transparentes. Os Irmãos
projetos de urbanismo. Destacam-se, nesse período, o
Roberto adotaram frequentemente prismas regulares sobre
edifício Marquês de Herval (1952) e o edifício Finúsia (1952),
os quais determinavam algumas segmentações e arrojados
196

tratamentos superficiais.
decorre a especificidade de sua obra, ou seja, o modo de
lograr uma dinâmica mais atrativa à composição plástica do
volume. Aí, talvez, resida a diferença para com a arquitetura
austera de Jorge Machado Moreira, outro especialista na
■ articulação do volume por planos.

De forma que os edifícios dos Roberto tinham como

B
Fig.5O6. 507 e 508 Escultura de Amílcar de Castro e vistas externas edifício Finúsia.
fundamento principal o uso da luz e da sombra como
instrumento para obter uma maior vibração lumínica, para
estabelecer focos de interesse através da diversidade de
tipos e de posicionamento dos planos que movimentavam a
fachada, planos que justamente tinham por função controlar a
Essa estratégia de valorização planar apresentava certas
semelhanças com a composição neoplástica. em que o plano penetração da luz no interior do edifício. Esta sensibilidade
da tela era subdividido em áreas retangulares intermediadas parecia sintonizar-se com a cinética “mobilidade frenética"
por linhas negras que se cruzavam na horizontal e na vertical. das grandes cidades, exaltando o dinamismo da vida
Cada uma dessas áreas diferenciavam-se entre si pela forma, moderna. Acrescente-se a isso algumas semelhanças, no
cor e luminosidade e mantinham uma certa relação de trato formal, com os construtivistas russos e suas montagens

proporcionalidade com o todo da composição. No caso dos dinâmicas e abstratas relacionadas à tecnologia e à
Irmãos Roberto esse jogo foi estabelecido pela subdivisão estética.57
das superfícies das fachadas, segundo planos modulares
Marcelo Roberto fez uma série de ponderações a respeito
variados que se organizavam de modo equilibrado e
de sua pesquisa sobre
assimétrico. Faixas de panos de vidro; paredes cegas com movimento e introdução da
tridimensionalidade urbana
revestimentos diversos (argamassa, azulejos, pastilhas); e na fachada dos edifícios. Para ele
a arquitetura não era uma especulação bidimensional. Não
principalmente os sistemas de proteção solar (bnses
(...) podia limitar-se
horizontais e/ou verticais, fixos ou móveis, presos numa a mondrianismos, como acontece
geralmente, por mais
grelha de concreto aderida ao plano da fachada ou agradável que resulte esse brinquedo.
simplesmente amarrados a uma leve estrutura de aço). Disso
Kamita, João Masao Espaço moderno e país novo: arquitetura moderna no Rio
e aneiro São Paulo, 1999 Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP, p.144.
197
Segundo Borromini, ondulamos docemente uma parte da
preocupações em relação aos aspectos climáticos, mas
fachada, para acusar, sem violências, a sua
quando isso não foi possível os arquitetos adotaram alguns
tridimensionalidade. Depois, como Arquitetura é mais arte elementos de proteção contra a excessiva insolação
do tempo do que arte do espaço, fizemos o prédio mover- tropical, favorecendo a ventilação cruzada.
se, repetindo, ascencionalmente, motivos tridimensionais
capazes de sustentarem o interesse de um olhar humano por Na obra dos Irmãos Roberto predominavam os materiais
todo o percurso do prédio, mantendo as relações de tempo e naturais: pedras regulares e irregulares, polidas ou não;
espaço".58 madeiras largas ou ripados finos encerados; estruturas de
concreto e vedação em alvenaria pintada de branco;
Porque o movimento aplicado à arquitetura tem como base cerâmicas; vidros transparentes e foscos; pisos em granitina,
a percepção visual: "O olhar humano não é simultâneo: é com acabamento polido; grades e esquadrias de ferro e
sucessivo. Vê o que lhe interessa, e, aos poucos passeando, alumínio; esquadrias, venezianas, ripados, de madeira
lambendo. Quando se entusiasma transpassa e vai adiante, pintada ou não; quebra-sol de concreto, de madeira ou
revivendo o que revele... Toda Arquitetura move-se, e, às metálico.
vezes, baila... O olhar humano, contudo, não se movimenta
sem estimulo. Não se dá, por exemplo, ao trabalho de
percorrer todo um simples paralelepípedo. Pousa numa
aresta e diz-se: “ora, um paralelepípedo", e vai pousar
adiante, ou longe".53 A arquitetura tem de motivar a 2!®^
I ■ ;
percepção, cativar seu interesse, enfim, mudar sua vida.

Quanto às aberturas, destacam-se os grandes vãos ■■■1 ■■■■ HS j Ti ü i ;.


fechados com vidros transparentes e pontilhados, enfatizando il
a busca por leveza e transparência. Os arquitetos desde cedo
Fig.509 vista externa bloco principal Colônia de Férias Resseguros.
tiveram grande preocupação com a incidência desfavorável
E as cores naturais dos materiais rústicos como concreto,
do sol. A maioria dos projetos tem na implantação
pedras, madeiras e cerâmicas. Nas paredes de fechamento
S8
59 Roberto, Marcelo. In revista Habitat, n.31, janeiro, 1956. p.55. Grifo nosso.
os tons pastéis, prevalecendo interna e externamente os
Ibid.
198

planos de fechamento brancos. Em muitos casos usavam norteadores das propostas arquitetônicas dos Irmãos
painéis internos de cores diversas, como azuis, rosas e Roberto, discorre-se sobre uma de suas obras mais
amarelos. significativas, a ABI - Associação Brasileira de Imprensa
(1936) no Rio de Janeiro.
Já as texturas eram obtidas pelo emprego desses
materiais naturais. Geralmente particularizam volumes e
planos, ajudando a caracterizar funções, ou enfatizar volumes _ '«I
ig .X-
contrapostos. Além dos próprios planos sobrepostos nas '1 '
superfícies das fachadas, que as articulavam e promoviam,
eles próprios, efeitos de texturas.

Mais do que na obra de Reidy e Jorge Moreira, a luz


sempre enfatizava o jogo volumétrico. a qualidade das
Fig 511.512 e 513 Vistas externas da ABI, antiga e atuais.
texturas dos materiais - lições corbuseanas de “volumes sob
Fruto de um concurso público, esse projeto foi a
o sol". Em tal obra, a sombra tinha um papel decisivo, seja
enfatizando a leveza quando projetada nos térreos livres, seja oportunidade para o arquiteto Marcelo Roberto iniciar uma
valorizando a metamorfose dinâmica das superfícies que parceria com o irmão Milton, ainda estudante de arquitetura; e
possuíam quebra-sóis protetores. Internamente prevalecia o construir uma das primeiras obras, no Brasil, a utilizar os
jogo homogêneo de iluminação, apesar de haver alguns P ncípios corbuseanos. Já no seu memorial isto era
unciado. O nosso trabalho é baseado nas leis imutáveis
espaços em sombra.
Grande Arquitetura de todos os tempos, e nos princípios
a Arquitetura Moderna, frutos da Técnica Contemporânea:

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indePeridente’ Teto Jardim, Fachada livre, Plano
Embora, esses princípios não tenham sido
pregados literalmente, dadas às circunstâncias do terreno
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E esquina, onde os pilotis do térreo não visavam liberar
Fig.510 Planta térreo, pavimento tipo e corte genérico da ABI.

Finalizando a análise sobre os Roberto, Marcelo apud Santos, Paulo F. Marcelo Roberto Arquitetura, São
aspectos lumínicos Paulo, n.36. agosto. 1964, p.7
II

199

integralmente o solo, porque o edifício estava comprometido Foi um dos primeiros prédios a utilizar quebra-sóis verticais
com seus vizinhos e o programa pedia lojas voltadas para a inclinados. Inicialmente, eles foram previstos de alumínio,
via pública. mas por questão de economia foram executados com placas
fixas de concreto de oitenta centímetros de profundidade. Isso
A força da fisionomia emblemática da fachada da ABI acarretou um aumento na inércia térmica, e o calor retido era
apresentava-se como uma massa compacta e fechada, dissipado pelo vento e pela emissão de radiação
harmoniosa em suas proporções, mas pesada, infravermelha, aquecendo o espaço interior. Suas espessuras
representando, de certa forma, uma exceção no panorama da também prejudicavam a iluminação natural e apresentavam
arquitetura brasileira do período, principalmente da carioca, alguns inconvenientes psicológicos ao impedir uma visão
que tinha na leveza uma de suas características mais contínua do exterior. Embora a fachada Sudoeste
fundamentais.61 Esse prédio sem janelas convencionais estivesse bem protegida, a fachada Noroeste deixava
caracterizava-se pelo volume maciço (compacto) e pelas transpassar os raios solares em algumas horas do dia. As
fachadas com quebra-sóis em placas verticais de concreto experiências futuras demonstraram que brises de um tipo
objetivo de amenizar a
pré-moldado, instalados com o obietivo único para diferentes orientações não seria a solução mais
insolação desfavorável do local. adequada, que cuidados deveriam ser tomados para evitar
rrssi 5v-. • r que os ambientes ficassem escuros, dependentes da
í- ’ complementação com luz artificial sem necessidade, como
- "
acabou ocorrendo na ABI.
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Fig.514 e515 Vistas da varanda da ABL Fig.516 e 517 Vistas internas da ABI - sala da presidência e biblioteca.

Apesar desses graves problemas técnicos, sob o ponto de


vista plástico, essa solução proporcionou ao edifício unidade
61 Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1981. p.98.
200

e discreto dinamismo conforme o passar das horas do dia e a que desde o início preocupava o arquiteto, fê-lo inclinar-se
incidência solar, obtendo-se assim um interessante contraste por frentes inteiramente protegidas, por brises-soleils’ fixos
entre a rigidez do prisma principal, algumas formas curvas no que ainda não haviam sido aplicados, de maneira tão
térreo, na cobertura e as sombras variáveis que os quebra- ostensiva"62
sóis projetavam sobre as superfícies revestidas de mármore
travertino nas fachadas. T

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í L.d 1“^

il-
Fig.519 e 520 Vistas internas - área de recreação pavimento cobertura.

Resumidamente, pode-se perceber que a pele envoltória caracteriza-se


pelo predomínio da opacidade contrapondo-se à relativa transparência do
térreo vazado e sombreado. A configuração formal é obtida por plantas
retangulares determinando um prisma regular de aspecto pesado. Os
elementos iluminantes definem-se por grandes vãos fechados com
esquadrias de madeira e planos de vidro transparentes posteriores às
grandes placas de concreto que formam os quebra-sóis por todas as
fachadas. A direção da luz dá-se lateralmente, enquanto a incidência é
difusa em função dos filtros de concreto e a distribuição da luz é
heterogênea A proteção e o controle dos raios solares diretos são obtidos
através do uso de quebra-sóis verticais de concreto, resultando em um
plano bastante articulado que barra a incidência excessiva do sol e
mantem a luminosidade necessária. Os materiais externos restringem-se
Fig.518 Vista interna da ABl - escntono tipo ao revestimento com mármore travertino, granito avermelhado e placas de
concreto tratado com cimento branco. Internamente são utilizados pisos
Os espaços internos em planta livre foram protegidos por em granito Tijuca (avermelhado), mármore branco, piso de tacos madeira,
esquadrias de madeira vedadas com grandes planos de vidro tetos pintados de branco, painéis de madeira e paredes pintadas. Já em
relação às cores percebe-se o predomínio da cor branca e da cor dos
transparente - superfícies recuadas dos planos das fachadas materiais naturais: madeira e pedra. A iluminação resultante caracteriza-
(quebra-sóis) estabeleciam uma varanda de dois metros de se pela claridade contraposta a áreas em penumbra. Os planos de
quebra-sóis determinam nas várias horas do dia contrastes em sombra e
largura, ajudando a dissipar o calor e funcionando como uma uz que dão dinamismo ao conjunto. A sombra intensa sobre o térreo em
marquise para os andares inferiores, além de barrar o sol pilotis suaviza a massa pesada do prisma superior.

principalmente nas manhãs de verão. "O problema da sombra 62 Ferraz, Geraldo. In revista Habitat, n.31, Janeiro, 1956, p.60
201

ftFFCMO 6DUARDO REIW essa montagem construtiva de forma operacionalizada


diversa. Comprometido com o emprego da luz natural como
diretriz no processo de concepção do projeto e considerando
as condições climáticas tropicais; promovia o emprego de
Há gente para quem tanto faz dentro e fora volumes mais vazados, dominados por grandes aberturas,
e por isso procura viver fora de portas.
E em contra existe gente, mais rara, em boa hora, preenchidos por poucos planos de vedação; priorizando
Que se mostra por dentro e se esconde por fora. muitas vezes o uso de filtros protetores contra a incidência
João Cabral de Melo Neto.
direta dos raios do sol.
Reidy63 acreditava no poder transformador do projeto. O
arquiteto empenhava-se em atribuir clareza formal aos Nessa montagem diferenciada, contrapunha ainda curvas
elementos arquitetônicos. Seguia os mesmos princípios que e diagonais à estrutura ortogonal, dinamizando e
caracterizaram a formulação corbuseana e as vanguardas enriquecendo o jogo plástico-formal. E mesmo assim, essas
européias modernas da primeira metade do século, ou seja, a formas mais livres e expressivas não podiam ser
montagem construtiva. Tal postura definia-se pela consideradas como fator decisivo, como marca pessoal.
decomposição do objeto arquitetônico em seus componentes Existia uma preocupação em igual medida com aspectos
puros e a integração dos mesmos sob a regência de um técnicos e funcionais. O arquiteto resolvia todos os problemas
princípio de articulação. Buscava, assim, a reconstituição de com o máximo de eficiência e economia, sem negligenciar os
um percurso, a valorização de um raciocínio gerador da a aspectos plástico-formais da composição.
obra e não apenas um produto belo.
Sua produção não se caracterizava por grandes rupturas,
Mas o arquiteto, assim como seus contemporâneos, fazia nem por uma continuidade determinante. Sua obra
apresentava-se como uma atuação pontual, colocando-se
como solução específica de um problema determinado. Não
Escola Nacional de Belas Artes (1926-1930). participando c pmbelezamento
apenas pragmático, mas um posicionamento crítico que
na condição de estudante, do plano de remodelação, e.xtef\sa . ,che Em 1931 demonstrasse ciência do contexto sócio-cultural no qual
da cidade do Rio de Janeiro, projeto do urbanista ,rancrfes^n 9 renovaçào do
atuou como professor assistente de Warchavchik particpando (un^nárjo intervinha. O passo crucial em cada projeto era o
ensino na ENBA, levada à frente por Lucio Costa. Em 1932 ° t obras
da Prefeitura do Distrito Federal, onde pode realizar suas ma s mportiantes obr<
estabelecimento de relações formais e funcionais entre as
Em 1936 foi um dos membros da equipe de arquitetos que p l
Ministério Educação do Rio de Janeiro.

I
202

partes, assim como entre o todo e os elementos do entorno.b4 em uma adaptação harmoniosa ao conjunto projetado,
Enquanto no início de sua carreira, principalmente nas
Ele propunha que os problemas funcionais fossem residências, percebe-se resquícios da linguagem purista e
resolvidos apoiados nos recursos construtivos proporcionados racionalista defendida por Warchavchik.
pela técnica moderna, não se esquecendo da intenção
plástica - as razões funcionais e estéticas deviam se
harmonizar, sem que uma se interpusesse a outra. Sob
i
influência dos preceitos corbuseanos de estrutura 1
independente, fachada e planta livres. Reidy esforçou-se em
dar autonomia aos elementos da construção. Priorizou a
ordem construtiva da obra evidenciando os componentes do ■
Bi
________ ________________________

•9- 21 e 522 Vista externa casa no bairro da Urca e Albergue da Boa Vontade.
projeto: a volumetria. a estrutura portante e o espaço
De uma forma genérica, pode-se dizer que a poética de
buscavam apresentar-se como partes elementares que se
Reidy desenvolveu-se enfatizando os aspectos formalistas,
conjugavam formando um sistema articulado e íntegro.65
construtivistas e funcionalistas. Durante os vários períodos
Além da influência de Le Corbusier, Gropius também o houve acentos diferenciados entre esses três níveis,
impressionou pela sobriedade formal e ausência de dependendo de cada realização particular ou dos momentos
elementos decorativos: assim como Mies, de quem assimilou pelos quais sua obra passava. Disso decorre a dificuldade em
o gosto pelo detalhamento apurado, o uso de materiais classifica-lo dentro de um grupo de atuação especifico
nobres e a pureza estrutural.

No entanto, pode-se identificar em seus projetos a releitura


de alguns elementos construídos de Niemeyer e Lucio Costa,
sem que esse fato se traduzisse em simples colagens, mas

Fig 523 e 524 Vistas internas do pátio central do Albergue da Boa Vontade.
M Mahfuz, Edson da Cunha The importance of bemg reidy. Consultado na
Mesmo assim, identificam-se três fases no
Internet, em 26 de outubro de 2003. http;//www vitruvius.com.br.
65 Kamita, João Massao. Espaço moderno e pais novo arquitetura moderna no desenvolvimento de sua carreira: na primeira predominavam
Rio de Janeiro São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP,
p.124 os princípios mais ortodoxos do funcionalismo; momento em
203

que adotou volumes puros, contrastes enfáticos entre áreas prevaleceu o aspecto plástico da composição, sendo o
em plena luz e áreas com sombras intensas, janelas em fita e Conjunto Residencial Pedregulho (1946) sua maior
ambientes iluminados homogeneamente. Fase em que expressão. Nela as composições eram mais complexas e
defendia uma arquitetura “clara, simples e prática . Exemplo livres. Ele introduzia muitos elementos da arquitetura local
desse período é o Albergue da Boa Vontade (1931) em co- como as grandes varandas, os elementos vazados, as
autoria com o arquiteto Gerson Pompeu Pinheiro, que pode venezianas, as cores, as pastilhas e os azulejos.
ser considerado um dos edifícios pioneiros da nova
arquitetura no Rio de Janeiro, representando a intensa
pesquisa sobre os princípios modernos que os arquitetos
brasileiros desenvolveram. Surgiu no mesmo ano em que
Warchavchik lecionou no Rio e construiu, na rua Toneleros, a
Fig.526 e 527 Vistas externas acesso e pátio do restaurante do MA//.
sua residência racionalista. Os volumes eram bem definidos,
as superfícies nuas, o sentido de economia e organizaçao E finalmente na terceira fase, manifestavam-se os
funcional prevalecia, conferindo ao albergue um aspecto aspectos construtivos, característica que se define,
higiênico, necessário às suas principais atividades. Apesar da sobretudo, com o projeto do MAM, Museu de Arte Moderna
clareza construtiva, percebe-se, ainda, resquícios da forma do Rio de Janeiro (1953), no qual evidenciavam-se os
simétrica acadêmica de compor e um espaço estático. elementos estruturais em concreto aparente, os planos de
fechamento em tijolo à vista, os brises verticais de alumínio,
os elementos vazados e principalmente os grandes planos de
vidro - a transparência e a continuidade entre os espaços
internos e externos parecem ser as relações mais importantes
do período.

^'9 525 Vista aérea do Conjunto Pedreguljo.


Fig.528, 529 e 530 Vistas externas do MAM.
Na segunda fase, pós-Ministério da Educação (1936-45),
arquitetura com as questões sociais: "Pedregulho representou
uma solução para os problemas habitacionais, na medida em
que, auto-suficiente, permitia melhores condições de vida a
seus usuários ,67 Esse projeto teve grande repercussão
Fig.531. 532 e 533 Vistas externas do MAM nacional e internacional. Reidy ficou famoso por ser um
arquiteto que resolvia suas obras tendo em mente questões
No texto de 1934. “Aspecto plastico-estilo", Reidy
urbanas e sociais. Embora existam críticas sobre custos
expressava a sua simpatia aos princípios modernos e
exagerados e sobre sua excepcionalidade, ele conseguiu
contrapunha o seu desagravo aos aspectos falsos dos
materializar quatro grandes conjuntos habitacionais. Para ele
cânones acadêmicos: “O objetivo da arquitetura moderna é a
a arquitetura existia em função do homem. Ele era “(...) o
solução racional dos problemas que lhe são impostos.
Encarando-os de frente, sem subterfúgios, ela proporciona ao centro de todas as preocupações e o módulo a que se
relacionam todas as medidas. Seu passo determina relações
arquiteto a possibilidade de solucioná-los de forma clara,
de tempo e de espaço nos locais onde vivemos. Suas
simples e prática. Quanto à parte plástica, sob o ponto de
vista da estética, não deixa ela também de preocupar. A necessidades físicas ou espirituais geram os programas a
unidade do conjunto e a exata concepção de equilíbrio são que os arquitetos devem atender”68
requisitos de que não abre mão a arquitetura de hoje. Rompe,
Em relaçao às questões urbanas, Reidy entendia que o
porém, com o falso, o “pastiche”, acaba com o enfeite, a
objeto arquitetônico deveria ter uma relação não dissociada
preocupação de ostentação, os esguichos de estilos
com a cidade. Os diversos projetos que elaborou tinham no
passados, substituindo-os pela pureza de sua simplicidade e
urbano a referência maior, de modo que sua preocupação
sinceridade de suas formas. O ponto de vista utilitário,
básica referia-se a inserção do edifício no contexto urbano.
forçosamente terá que predominar em qualquer edificação.
Um edifício é construído para um determinado fim. A utilidade No conjunto de seus trabalhos prevaleceram os programas
é a própria razão de ser de sua existência”66
caráter público, voltados para o atendimento das
ecessidades coletivas: intervenções urbanísticas, unidades
Reidy procurou, sempre que possível, identificar
sua
66 Reidy. Affonso E. In. Ferraz. Marcelo C. (org) Pertinho, Carmem. In: Ferraz. Marcelo C. (org). Affonso Eduardo Reidy.
Affonso Eduardo Reidy. São
Paulo: Instituto Lina Bo Bardi. 2000, p.14. Paulo: Instituto Lina Bo Bardi, 2000, p.9.
58 Reidy, op. cit., p.24.
II

205

habitacionais, escolas, edifícios administrativos, museus e


SS9M
teatros. Mas o seu foco de atenção não foi necessariamente o
urbanismo, pois não se dedicou a projetos globais.
*
Desenvolveu seus trabalhos com uma preocupação muito
forte em relação ao desenho da cidade, mas seu trabalho foi
eminentemente arquitetônico. Nele o urbanismo surgia como s
Fig.535 e 536 Croquis zoneamento e corte transversal do MAM
complemento da arquitetura e não como um fim em si.69

Muitas vezes o arquiteto demonstrou estar ciente da


necessária inserção contextual dos princípios modernos,
defendendo a relação entre o edifício, a paisagem e a cultura.
Disso decorreu uma arquitetura que no processo do
_ !
desenvolvimento de projeto usava a luz natural também como
Rg.537 e 538 Vistas internas do MAM.
elemento determinante. Nos envoltórios da obra de Reidy
prevaleciam as transparências, não somente a transparência No texto do memorial elaborado para o projeto do MAM,
do vidro, mas também aquela desenvolvida em térreos Reidy manifestou toda sua preocupação em relação à luz
abertos e sombreados.'0 Mas o arquiteto buscava equilíbrio como diretriz: "A iluminação natural confere um sentido de
na composição, contrapondo volumes opacos a outros vida e movimento aos espaços, beneficiando as obras
transparentes. Utilizava grandes vãos fechados com vidro expostas da variedade de sensações que a luz diurna
transparente e pontilhado enfatizando a busca por leveza. proporcione. Quando zenital, a luz é difusa e uniforme; não há
sombras, não há relevo, o ambiente toma-se neutro,
4^45-
inexpressivo. Quando lateral, dá direção ao espaço e relevo

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a r~~XZ
aos objetos, proporcionando ainda ao visitante a possibilidade
de contato visual com o exterior. Todavia, um sistema rígido e
exclusivo limitaria a liberdade de mostrar, sob as melhores
Fig.534 Croqui corte transversal do MAM.
condições, obras que, eventualmente, possam vir a ser mais
69 Yves Bruand Arquitetura comtemporanea no Brasil. São Paulo. Perspectiva,
valorizadas com iluminação zenital ou mesmo artificial. A
“Ro«2Co«,„. r,a„spS« <** *> • Janei,°- PUC-
n.2, set. 1985, pp.33-50.
206

galeria de exposições do MAM. nos trechos de menor pé


granitina branca ou preta, com acabamento polido; grades e
direito, terá iluminação lateral e. nos trechos de pé direito
esquadrias de ferro e alumínio; esquadrias, venezianas,
duplo, terá iluminação zenital. através de sheds e lantemis".1'
ripados, de madeira pintada ou não; quebra-sol de concreto,
E completa tecendo longa exposição sobre o uso de luz
de barro ou metálico.
artificial como complemento da luz natural.
As texturas eram obtidas pelo emprego de materiais
naturais, de tramas finas de madeira, da aspereza do
concreto aparente, dos tijolos aparentes pintados ou não de

Fig.539, 540 e 541 Visias internas do MAM.


F branco. Geralmente elas particularizavam volumes e planos,
ajudando a caracterizar funções
contrapostos.
ou enfatizar volumes

Em sua obra a luz enfatizava o jogo volumétrico, a


qualidade dos materiais - lições corbuseanas de “volumes sob Nas obras iniciais, assim como Le Corbusier, utilizou cores
o sol". Nela também a sombra tinha um papel decisivo, seja primarias para pintar alguns elementos ou para destacar
enfatizando a leveza quando projetada nos térreos livres ou superfícies. Mas essas pinturas desbotaram facilmente,
quando expunha a metamorfose dinâmica das superfícies que induzindo que ele empregasse então azulejos e pastilhas.
possuíam quebra-sóis protetores. Internamente, apesar das Posteriormente, optou apenas pelas cores naturais dos
grandes superfícies de vidro, prevalecia o jogo heterogêneo materiais rústicos como concreto, pedras, madeiras, e
entre áreas bem iluminadas e outras em sombra. cerâmicas. Nas paredes de fechamento prevalecia a cor
branca interna e externamente.
Ele optou por materiais naturais: pedras regulares e
irregulares, polidas ou não; madeiras largas ou ripados finos,
A experiência desenvolvida no MESP (1936-45) refletiu-se
pintados ou encerados. Estruturas de concreto e vedação em
em seus projetos. A maioria deles tinha na implantação
alvenaria pintada de branco; azulejos, principalmente na cor
preocupações em relação aos aspectos climáticos, mas
branca e azul; vidros transparentes e foscos; pisos em
quando isso não era possível o arquiteto adotava alguns
elementos de proteção contra a insolação tropical
71 Reidy, Affonso Eduardo. In Ferraz, Marcelo C. (org). Affonso Eduardo Reidy
(elementos vazados cerâmicos, quebra-sóis, pérgolas),
São Paulo: Ed. Instituto Lina Bo Bardi, 2000, p.166. Grifo nosso
avorecendo a ventilação cruzada. Todos dentro de sua
207
norma de unidade e harmonia plástica.
Atende também a serviços complementares ao habitar
propriamente dito, como escola com ginásio de esportes e
piscina, centro de saúde, creche, centro comercial e
lavanderia.

Ousada para a época, a proposta era uma iniciativa do


poder público destinada aos funcionários municipais. Modelo
Fig 542 e 543 Vista pergolado restaurante e elementos vazados cerâmicos ateliers. MAM. pioneiro de habitação popular, por isso mesmo de caráter
Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos exemplar. Como o programa estabelecia uma série de
norteadores nas obras de Reidy, discorre-se sobre uma de unidades funcionais conexas, ele optou por dar a cada
suas obras mais representativas, o Conjunto Residencial edificação uma configuração diferenciada, uma identidade, de
Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Conjunto modo a ressaltá-la tanto plástica como funcionalmente.
Pedregulho (1946) em São Cristóvão, Rio de Janeiro.

Fig.545 Vis(a externa Conjunto Pedregulho.

O grande desnível de cinquenta metros do terreno era um


dos fatores preponderantes na determinação do projeto,
principalmente do grande edifício de apartamentos. O partido
adotado, repetido em outros projetos (Conjunto Residencial
Fig.544 Planta de implantação do Conjunto Pedregulho. das Catacumbas, 1951 e Conjunto Residencial Marquês de
São Vicente, 1952), consistia na interposição de um elemento
Esse conjunto residencial é de grande impacto visual, mas
foi pensado com especial preocupação social, perfazendo um dominante - um grande bloco curvo que, por sua extensão e
escala, distinguia-se do sítio dos arredores e demarcava sua
programa que não se restringe aos edifícios de apartamentos.
208

área básica de domínio, Uma vez estabelecido o lugar entre planos autônomos. No plano estético tal conjunto estava
espacial, distribuiam-se as outras unidades de modo a estruturado em um baseado numa série de
equilíbrio
relorçar o adensamento entre espaços. oposições, por exemplo: os arcos tensos e o aspecto fechado
do ginásio de esportes destacam-se do traçado retilíneo
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-
semitransparente da escola primária.' ’

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Fig.546 Vista externa escola do Conjunto Pedregulho. ? 'i


"

g 54/ e 548 Detalhes painel de Portinari na fachada frontal da escola.


Formalmente, o plano apresentava extrema legibilidade
espaço-funcional. para que cada edificação recebesse uma Mesmo nos casos em que a melhor forma é o volume
conformação distinta. Esse modo analítico de resolver o unitário, como no grande bloco de apartamentos situado no
projeto tinha no bloco-escola o melhor exemplo. Ali cada topo da encosta, este se resolve com grande desenvoltura
ambiente era individualizado tanto em planta quanto em plástica ao receber uma forma sinuosa, conforme sugere a
termos de volumetria: as salas de aula receberam uma forma própria topografia.
trapezoidal, o ginásio era um bloco semicilíndrico e o vestiário
recebeu uma cobertura em forma de arco em sequência. O
elemento estrutural da composição era a cobertura. Erigidos
como planos vazados, os arcos simples, em sequência e a
caixa trapezoidal envolviam o espaço, desencadeando um
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iguw~ unin
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jogo de interpenetrações que a um só tempo diferencia e


integra os espaços. Para reforçar essa decomposição da
Fig.549 Croquis corte genérico e plantas do apartamento tipo do bloco curvo
edificação em unidades básicas, as paredes postavam-se
como tênues planos livremente assentados. O resultado Visando conferir leveza à construção monumental e ao
expunha o edifício como final de um processo de montagem
2 Bruand, Yves Arquitetura Contemporânea no Brasil São Paulo Perspectiva,
1981, pp 227-28
209

mesmo tempo minimizar os custos desta, o arquiteto vazou


apenas o seu repertório, mas a tensão volumétrica, a
todo o terceiro pavimento, para ali localizar o acesso dos

I
introdução de um espaço mais dinâmico, a liberdade plástica.
moradores e alguns serviços (jardim da infância, creche e
área de lazer). O recurso além de possibilitar que um bloco de O edifício principal do conjunto mantém com o projeto
sete pavimentos não necessitasse de sistemas de elevador, corbuseano uma relação mais íntima, principalmente no que
uma vez que o acesso é situado em posição intermediária, diz respeito aos aspectos formais - o edifício ondulante
cumpria igualmente uma função de separar física e suspenso por pilotis - e à relação monumental com o entorno
perceptivelmente os apartamentos simples inferiores dos natural, mas são fragrantes as adulterações resultantes da
superiores com dois pisos. Essa grande área em sombra, segmentação da estrutura original do mestre francês -
juntamente com as venezianas de um lado e os elementos pensada como suporte estrutural de escala urbana, chegando
vazados e as venezianas do outro, dinamizam a composição a prever autopistas na laje de cobertura para o rápido
desse extenso prisma (duzentos e sessenta metros e deslocamento por longas distâncias - e consequente redução
duzentos 9 çjpfpnta o Hnic onor+omor a uma escala arquitetônica.

i
Fig.552, 553, 554 e 555 Croquis parciais bloco curvo e detalhes do bloco baixo.

Outro aspecto determinante na plástica das edificações foi


Fig.55O e 551 Vista externa do Conjunto e croqui urbanização do Rio, Le Corbus
o clima. As preocupações do arquiteto em criar elementos
Ao arquiteto interessava enfatizar plasticamente, protetores, o fizeram propor vários planos articulados vazados
construtivamente e funcionalmente a obra, de forma enriquecendo os volumes. O arquiteto utilizou os pilotis, além
harmônica, como várias vezes declarou, resultando um de vários dispositivos corretores do excesso de iluminação,
conjunto em tensão permanente entre esses estratos. A para manter sempre que possível ventilação transversal: “As
preocupação de Reidy com a forma fez com que faces mais castigadas pelo sol foram protegidas com quebra-
aproximasse da produção de Niemeyer. Não incorporando sol de diferentes tipos: móveis de eixo vertical ou horizontal,
210

conforme a orientação oeste ou norte (ex. posto médico e Visando integrar as obras de arquitetura com as demais
mercado): peças de terracota de diferentes tipos - quadrados, artes, foram confiados a Anísio Medeiros e Cândido Portinari
retangulares, hexagonais (ex. blocos B1 e B2, bloco A e os desenhos dos azulejos azuis e brancos que revestem as
escola primária); blocos de cimento (ex.blocos B1 e B2). Para paredes dos vestiários, do posto de saúde, do ginásio e os
corrigir o excesso de insolação dos compartimentos situados mosaicos de vidro de várias cores, com o predomínio do azul,
na face oeste dos blocos A e B. foram usadas venezianas de da escola; cabendo a Burle Marx, ainda, afrescos na
madeira, tipo guilhotina equilibrada, no bloco A, e basculante administração e o projeto paisagístico do conjunto.
nos blocos B1 e B2".‘2 Na escola também o avanço da
cobertura permitiu aumentar o papel de transição do terraço
que envolve extemamente as salas de aula e assegurar a
luminosidade necessária.

__ ' ’ iilLi
Fig.560 e 561 Vista painéis de Burle Max na recreação e sala diretora da escola.

Nos edifícios residenciais percebemos uma influência mais


decisiva de Lúcio Costa. As fachadas possuem a modulação
em grelha geometricamente rígida. Os painéis de fechamento
Ftg.556 e 557 Vista interna e de acesso da escola. das galerias em elementos vazados cerâmicos trazem o
mesmo detalhe da abertura enquadrada, tipo janela, que
modula a fachada dos edifícios do Parque Guinle. No plano
de fechamento desses prismas, ocorre uma alternância entre,
de um lado, terraços ou galerias (loggias) parcialmente
protegidas por quebra-sóis fixos e, de outro, faixas contínuas
!
de peitoris e de janelas de veneziana de madeira corrediças.
Prevalece a multiplicação de planos por estudada
Fig.558 e 559 Vista externa e interna da lavanderia.
justaposição de cheios, dos vazios e das superfícies vazadas.
73 Reidy, AHonso Eduardo. In: Ferraz, Marcelo C. (org). Affonso Eduardo Reidy.
São Paulo: Instituto Lina Bo Bardi, 2000, p.87. A utilização de tons fortes, de cores vivas (azul, amarelo e

I
211

vermelho) sobre alguns elementos vazados, paredes do cerâmica; planos de alvenaria rebocada pintadas de branco e
fundo das varandas, venezianas de madeira; animavam o
bege; passeios externos em pedra portuguesa branca. Além
conjunto, atenuavam a dureza do paralelepípedo longilíneo. dos azulejos e pastilhas de vidro dos painéis.
Com o tempo essas cores desbotaram muito, em suas outras
obras Reidy se convenceu de que sob o sol tropical era Resumidamente, percebe-se que a pele envoltória dos vários edifícios
do conjunto é caracterizada pela alternância entre transparência e
melhor utilizar cores pastéis ou elementos cerâmicos quando opacidade. A configuração formal é variada, determinada por plantas
se deseja cores fortes. É o que se percebe nos painéis de retangulares regulares e curvilíneas que se interpenetram; gerando
prismas regulares e irregulares com coberturas planas horizontais, em
cerâmica azul e branco e no de pastilhas de vidro colorido no diagonal e abobadadas. Os vários setores têm acessos independentes,
bloco da escola. De um modo geral prevalecem os tons em função do controle e da topografia. Os elementos iluminantes são
determinados por grandes planos de vidro transparente, janelas
claros, brancos e beges por todo o conjunto. venezianas de madeira e galerias fechadas com elementos vazados ou
quebra-sóis verticais. A direção da luz se dá lateralmente, enquanto a
incidência na maioria dos ambientes é direta ou difusa pelos filtros de
cerâmica ou concreto; a distribuição da luz é heterogênea. Os edifícios
estão orientados de forma pouco favorável para Norte e para Oeste, o que
requereu a inserção de elementos de controle e proteção como quebra-
sóis; gelosias de cerâmica ou concreto; venezianas de madeira; lajes
determinando planos bastante articulados, barrando a incidência direta do
sol e mantendo a luminosidade necessária. Além de varandas e grandes
áreas de convívio sombreadas, que enriquecem o conjunto com jogos de
luz e sombra. Os materiais de revestimento externo foram definidos por
pastilhas de porcelana e granitina revestindo os pilares; pilares esbeltos
de aço pintados com tinta esmalte; planos de madeira; planos de azulejos
e pastilha de vidro; alvenaria pintada; pisos em granitina escura e
cerâmica cor caramelo. Internamente prevalece as paredes e tetos de
Fig.562 Vista externa bloco curvo, área posterior do Conjunto Pedregulho. alvenaria pintada de branco, os pisos cerâmicos e tacos de madeira
escura. As cores utilizadas priorizam os tons pastéis (amarelo, azul,
Quanto aos materiais empregados, nota-se a preocupação bege). Alguns elementos vazados o arquiteto pintou com cores fortes
(vermelho, azul e amarelo). Nos painéis de azulejos evidenciam-se os
com qualidade, manutenção reduzida e durabilidade. Apesar tons de azul e branco, nos de pastilha de vidro, cores variadas com o
do conjunto ser de caráter popular, utilizou-se granitinas predomínio do azul. A iluminação resultante caracteriza-se por claridade
contraposta por algumas áreas sombreadas. Os planos vazados
pastilhas de porcelana revestindo pilares; pilares cilíndricos determinam nas várias horas do dia contrastes em sobra e luz, que dão
esbeltos de aço, pintados com tinta esmalte marrom escuro, dinamismo ao conjunto. A área em sombra do terceiro pavimento do bloco
A é um elemento dinamizador plástico muito importante. Os planos
de madeira e aço pintado com tinta esmalte bege claro recuados em relação à cobertura de vários volumes também utilizam a
sombra como elemento de composição, isso pode ser percebido já nos
esquadrias; pisos em granitina, cerâmicas na cor caramelo e
primeiros croquis do arquiteto.
tacos de madeira; elementos vazados de concreto
212

CM/ALDO programas que lhe eram confiados.75

Portanto, compreender o cliente, seu modo de vida,


necessidades, anseios e expectativas em relação ao que
A agua, o vento, a claridade, desejava ver construído eram preocupações constantes. Ele
de um lado 0 rio, no alto as nuvens
situavam na natureza o edifício
partia da função para criar a forma. Essa era a mola
crescendo de suas forças simples propulsora para a criação do projeto, que seria discutido à
Joào Cabral de Melo Neto.
.74 exaustão. Nesse processo,
Bratke'14 conceituava a arquitetura como uma “arte de
o desenho era seu grande
utilidade", devendo esta se ajustar ao homem e não o
aliado, numa sistemática
contrário. Soluções simples e econômicas, sem componentes
de trabalho que visava
desnecessários, com espaços e proporções adequados ao
evitar possíveis erros,
seu conforto eram desejáveis. Para tanto ela devia ajustar-se
objetivando a perfeição dos
às condições climáticas, aos materiais e às técnicas
detalhes e precisão das
disponíveis. Bela em sua forma, sem deixar de identificar 0
medidas, o que permitia a
seu uso. O arquiteto não precisava ser um gênio, apenas
industrialização dos
conhecer em profundidade seu ofício. Não precisava ter
elementos construtivos.
marca própria, apenas resolver bem os projetos a partir dos Fig.563 Desenho de Oswaldo Bratke.

No inicio de sua carreira percebe-se resquícios de uma


arquitetura eclética. Mas logo um viés Art Déco viria a
74 Oswaldo Arthur Bratke (1907-1997) nasceu em Botucatu, SP. Filho de
caracterizar o concurso ganho por ele para o Viaduto Boa
imigrantes alemães, ainda criança mudou-se para São Paulo com a família, onde
em 1926 iniciou o curso de engenheiros-arquitetos da Escola de Engenharia Vista, estilo que definiría a incipiente modernidade paulistana
Mackenzie. Com Rino Levi formou a dupla mais importante da primeira geração de
arquitetos modernos de São Paulo Atuou nos primeiros anos de profissão dos anos 30. O que vem a confirmar a tese de que o
associado a Carlos Botti, junto à iniciativa privada, com destaque para a desenvolvimento da Arquitetura Moderna em São Paulo não
arquitetura residencial. Ao responder com impressionante qualidade e
engenhosidade a encomenda de duas vilas operárias no Amapá, elevou-se à deu através de acontecimentos esporádicos e
condição de urbanista. Após mais de 1300 proietos de escalas diversas, gostava
de mencionar que encerrou a carreira em 1960, desenvolvendo apenas alguns
trabalhos esporádicos para amigos e muitos desenhos (sua paixão antiga), ProEditíore?Si9970pn94Se9aWa' Hu9° *or9
7 Osvva/cto Arthur Bratke. São Paulo:
deixando o caminho livre para os filhos. Carlos e Roberto Bratke
6 Ibid.. p. 57.

I
I
213
revolucionários, e sim de forma gradual, pois haviam
Morumbi (1951); a residência Oscar Americano; a residência
resistências a serem vencidas.77 “Houve uma pressão, talvez
Benjamim Fleider (1956), entre tantas outras.
branda, porém contínua e irreversível, pois estávamos muito
defasados na maneira de morar. Acho que as pequenas
coisas têm valor histórico no desenvolvimento da arquitetura. 44
Veja a simples modificação de uma planta"73

Fig.565 e 566 Vista externa frontal e interior casa do arquiteto no Morumbi.

Assim como a maioria dos seus contemporâneos, Bratke


promoveu uma perfeita dosagem de influências externas e
internas, o que resultou em uma expressão arquitetônica
pessoal, embora aculturada, mestiça, sincrética. Ainda
Fig.564 Fase eclética. estudante Bratke admirava a arquitetura do francês Paul
Mas nos anos 40 e 50, sob influência dos arquitetos da Philipe Cret, arquiteto (diplomado pela École dês Beaux-Arts
Costa Oeste americana (Richard Neutra, Charles e Ray de Paris) que foi para a América para auxiliar na estruturação
Eames, Marcei Breuer, Paul Rudolph), de Wright, de Gropius dos cursos de arquitetura. Contrariando seu professor
e principalmente de Mies e do neoplasticismo, Bratke passou Christiano Stockler das Neves, admirava em Cret seu caráter
a produzir uma arquitetura luminosa e arejada, marcada por de “(...) transição entre o clássico e o contemporâneo, ou
malhas estruturais expostas e tetos planos, com divisórias de ainda uma evolução na medida do possível despojada de
correr e paredes de vidro, com tênues separações entre ornamentos desnecessários, sem perder a beleza do
interior e exterior, com espaços flexíveis, com o emprego d conjunto".73 Bratke abandonou ao longo dos anos o
uma variedade de novos materiais, alguns dos quais pr" mimetismo historicista presente nos seus aprendizados, mas
fabricados, com mobiliários integrados aos espaços as lições da École dês Beaux-Arts permaneceram: noção de
arquitetônicos. Dessa fase podemos destacar sua residê construtibilidade à maneira de Julien Guadet e os seus quatro
na rua Avanhandava (1947); sua residência no bair volumes de Eléments et Theorie de LArchitecture.
Apaixonado pela forma “bem resolvida", ordenava os
77 Lemos. Carlos. A verdadeira origem do movimento moderno d <7
brasileira. Folha de Sào Paulo, 3 de setembro de 1972.
78 Bratke, op. cit., p. 67. 79 Id. Ibid., p. 14.
214
espaços, respeitando as condições época”.82 Ou seja, a arquitetura é uma manifestação vigorosa
condições naturais
naturais ditadas pela
topografia, pelo clima, pela posição geográfica, que propunha de uma dada época, em um dado sítio geográfico, em uma
soluções adequadas à boa ventilação, insolação e isolamento dada cultura específica.

térmico e acústico.80
Oswaldo Bratke acompanhava atentamente a obra do
mestre carioca, conhecendo até mesmo sua produção pré-
Na época de suai formação profissional os cursos de
arquitetura davam destaque ao ensino do desenho moderna, quando se dedicava ao neocolonial: “Com
geométrico e das 1técnicas artísticas de representação Dubugras já velho, Lúcio Costa apresentaria soluções de
arquitetônica. Isso reforçou uma qualidade que vinha fundo caracteristicamente brasileiro... Hoje, poucos conhecem
exercitando desde a infância, e a paixão pelo desenho a historia e pensam que ele só projetou depois do movimento
amadureceu, mesclando-se com seus hábitos, com sua de renovação aparecido na Europa. Uma das suas boas
personalidade, com sua maneira de viver.81 O desenho foi obras, o conjunto das Laranjeiras, está aí para mostrar a
usado por ele como instrumento de concepção e classe do mestre. Note-se que realizar arquitetura não é
esclarecimento das idéias de projeto, como atestam as várias provocar impacto, mas sim fazê-la honesta".
ilustrações que sobreviveram ao tempo.

Entretanto, embora buscasse dar


não a mesma
importância que Lúcio Costa às raízes nacionais,
compartilhava com ele a convicção de que a arquitetura
devesse sempre contar com “soluções simples e autênticas",
porque uma obra não “(...) é um elemento isolado e sim uma
peça de um sistema existente ou a se formar, que, Pig 567 e 568 Vistas externas brises do hospital Serra do Navio.

completado, deve ser um complexo harmônico e que, Mesmo tendo dedicado praticamente a vida profissional
atravessando os tempos, se autentica, conta a cultura de uma nteira aos empreendimentos particulares, muitos deles para a
burguesia, verifica-se na obra de Bratke uma grande
60 Thomaz, Dalva Entre a idealização e a realidade AU. São Paulo, n 43. ago/sel.
1992, p.71. Bratke. Oswaldo Anotações sobre arquitetura Segawa. Hugo (org). Oswaldo
81 Dourado, Guilherme Mazza In: Segawa, Hugo (org). Oswaldo Arthur Bratke
Arthur Bratke São Paulo: ProEditores.1997, p 94
São Paulo: ProEditores, 1997 p 297 83 Ibid ., p.65.
215
contenção, uma sobriedade surpreendente quando leva-se
Luiz Nunes foi aluno da Escola de Belas Artes do Rio de
em conta o uso intensivo de componentes pré-fabricados e Janeiro, convivendo com a geração que partilhou os
industrializados. Isso pode ser um auxílio a compreensão de
ensinamentos do professor Lúcio Costa. Os muxarabis das
uma outra fase em sua obra, quando a partir das vilas da fazendas antigas foram o ponto de partida para as reflexões
Serra do Navio e Amazonas (1955) no Amapá, da residência do mestre carioca. A noção de pré-fabricação dos elementos
Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccilo) (1959) em Ubatuba e tradicionais já estava presente nas preocupações de Lúcio
de sua residência na rua São Valério (1960), resgatou alguns Costa, voltadas para a síntese entre o tradicional e o
valores caros à arquitetura brasileira como os treliçados de moderno. A vila Monlevade (1934), o Pavilhão de New York,
madeira, os grandes beirais, as varandas e os telhados de de Lúcio e Niemeyer (1939), o Parque Guinle (1948), a Sedes
barro. Sapientie, de Rino Levi (1940) e sua casa (1944), o conjunto
IB habitacional de Pedregulho, de Reidy (1947) - entre outras
tantas edificações que utilizaram os elementos vazados antes
---- ------------ HZü
■S 1 l de Oswaldo Bratke - são projetos com diversos elementos
pré-fabricados de concreto, cerâmica e madeira, com a
FÍg 569 ■■ 'i. zi mquITJTÍstas externas casa CicciloMatarazzo em Ubatuba.
finalidade de ventilação e contenção do excesso lumínico.
A preocupação e o valor dado à arquitetura vernacular
aproximou-o do grupo nativista. Nesse processo descobriu o
valor plástico e funcional dos cobogós. É possível que
Bratke tenha cunhado e vulgarizado o termo elemento vazad~
em São Paulo para denominar as peças que eram e sa
conhecidas como cobogós. Esta palavra procede do Recife,
originalmente era uma peça pré-fabricada de cimento e are Fig.572 e 573 Vistas externas frontais casa na rua Sergipe. SP.
destinada a levantar paredes de baixo custo. Luiz Nune
Sob o ponto de vista lumínico, os invólucros adotados na
dirigindo o Departamento de Arquitetura e Urbamsm
obra de Bratke resultavam de um jogo harmonioso que
Recife, especificou-as para levantar paredes permeáveis,
enfatizava ao mesmo tempo opacidades e transparências. As
visando ventilação e iluminação natural. configurações formais eram definidas a partir de plantas
retangulares regulares e prismas simplificados, obtidos
84 ld- Ibid., p.36.
216

através da interpolação de planos diversos de vedação numa


cerâmicas, pastilhas de vidro e azulejos, grandes planos de
malha estrutural evidenciada e exposta.
vidro, elementos vazados, venezianas e pergolados. A
Rigor técnico e lógica construtiva são termos, com experimentação de novas técnicas e materiais para qualificar
frequência, usados para descrever a obra do arquiteto. Mas a arquitetura foi uma constante na produção do arquiteto,
isso não significa que se possa associar a sua obra ao desde a realização de sua própria residência na rua
radicalismo da pura técnica, mas sim entender que essa Avanhandava. A formação com base na engenharia e os mais
técnica tem seu potencial expressivo, definido pela disciplina de 10 anos no ramo de construção de habitações conferiram-
modular, pela composição e contraposição entre estrutura, lhe o domínio dos aspectos construtivos. Com o crescimento
industrial de São Paulo foi possível ao arquiteto acompanhar
paramentos, cheios e vazios, áreas iluminadas e áreas em
meia sombra. A estrutura é sempre a moldura mais evidente, a introdução e o desenvolvimento das novas técnicas e dos
sendo o parâmetro para as proporções, porque “(...) o valor novos materiais de construção no país.
de uma arquitetura é o volume, a massa em si; uma
As aberturas adotadas eram grandes vãos vedados com
proporção harmoniosa é mais importante que um enfeite,
vidro transparente enfatizando a transparência. E os filtros
porque o ‘'enfeite" pode ser a própria proporção da casa”.85
solares resolvidos com elementos vazados, brises móveis,
A estrutura era o grande tema formal, evidenciando tramas de tijolos, venezianas e treliçados de madeira;
geometrias límpidas, espaços interligados e contínuos numa utilizados esteticamente para criar superfícies uniformes e
relação íntima entre exterior e interior. Além do emprego de articuladas na fachada, ao mesmo tempo em que atendiam a
formulações modernas, muitas diretrizes de projeto sofreram requisitos de conforto, permitindo ventilação e protegendo da
a influência da arquitetura tradicional japonesa. insolação indesejada. Respondiam, ainda, a questões
uncionais, pois criavam uma área de transição, um espaço
Em sua arquitetura percebe-se o uso de materiais naturais tre a caixilharia e o exterior, muitas vezes utilizado para
como pedras irregulares, madeiras, tijolos de barro aparentes. p oteger elementos de madeira, dissimular o aparelho de ar
Além de estruturas de concreto revestidas com pastilhas, ondicionado, tubulações aparentes, etc., além da função de
alvenarias rebocadas pintadas, planos de madeira, muxarabi. permitir que as pessoas do interior vissem sem
em vistas do exterior, mantendo a privacidade visual.
85 Bratke. Oswaldo. In:
Segawa. Hugo (org). Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo:
ProEditores 1997 p 44
Prevaleciam as cores dos e as
materiais naturais
217

alvenarias brancas. Tinha-se também o azul, o cinza e o preto Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos
nos elementos construído, enfatizando a sua arquitetura norteadores das propostas de Bratke, passa-se a discorrer
planar. E as texturas eram obtidas pelo emprego de sobre uma de suas obras mais significativas, a residência
materiais naturais, de tramas finas de madeira, dos tijolos à Oscar Americano, atual Fundação Oscar Americano, no
vista. Geralmente particularizavam volumes e planos, bairro do Morumbi em São Paulo (1952), onde ele adota o
ajudando a evidenciar funções ou planos em relação à mesmo partido básico de sua residência (1951) em
ossatura estrutural. proporções maiores.
;í»
“Uma verdadeira residência não é representada pelo impacto que
possa provocar, mas pelo seu conteúdo. É o ambiente em que a
** 3|| pessoa, mesmo estando só, não se sente desamparada. Oferece
sensação de segurança, bem-estar, não cansa, não é para
- ■ «lAVT* 5 \—r •, impressionar os amigos, para demonstração de status. É para si
£ VM- mesmo"66

■S-ásMÃT-.' ' ’
Fig.574, 575 e 576 Vistas externas frontal - posterior e vista interna estar ca

Disso decorre que a iluminação resultante de suas


5
intervenções resultava no predomínio de espaços mais claros
que escuros, dinâmicos, fluidos, articulados por contrastes
sombreados esporádicos. A luz enfatizava suas estruturas
mostra contrapostas aos planos de vedação. A sombra
propiciava a articulação de seus prismas regulares,

FT
Fig.578 e 579 Planta de implantação e croqui corte transversal casa Oscar Americano.

O programa era extenso: seis pessoas com vida social


evidenciando reentrâncias, texturas, cores, leveza.
intensa. O terreno amplo permitia o intercâmbio entre
arquitetura e paisagem. O projeto era segmentado em dois
{tujii i — n ■rnirrw^ blocos: a casa propriamente dita e o pavilhão de lazer.

'1

r ...... .............. 86 Ibid., p. 77.


Fig. 577 Croquis plantas pavimento inferior e superior casa Oscar Americano.
-------- - - A.Xi’V
■■ '■
!£ . -dss £■!ras
Fig.580, 581 e 582 Vistas externas casa Oscar Americano
■irftii
«■■■■ ■ m
Bratke soube aproveitar os desníveis naturais e implantou íffitajjTO

a casa num prisma retangular no local mais alto, pousando


suavemente no terreno, estabelecendo dois níveis de Pig.584 Vista externa tachada Leste casa Oscar Americano - atual.

utilização, sem alterar o seu perfil natural, adotando um Novamente o partido estrutural era evidenciado: uma
desenvolvimento predominantemente horizontal. Na fachada malha modular de pilares e vigas esbeltos de concreto era a
Leste, área do acesso social, percebe-se o volume como se matriz que ordenava toda a composição. Essa malha era toda
fosse uma edificação de pavimento único, como se a casa revestida de pastilhas brancas (hoje se encontra revestida
fosse térrea, com aspecto mais reservado, preservando as com mármore travertino). Apesar de estabelecer uma
áreas íntimas. Já na fachada oposta Oeste predomina a modulação rígida conforme uma lógica racional miesiana,
transparência, assinalando áreas sociais e vistas para o vale possibilitava flexibilidade de disposição das partes,
do rio Pinheiros. contrapondo espaços fechados, semi-abertos e abertos,
cheios e vazios, áreas em sombra e em total luminosidade;
explorando assimetrias, materiais de diferentes texturas e
efeitos de luz e sombra. Havia um perfeito intercâmbio entre
arquitetura e paisagem circundante, a natureza adentrando a
residência através de um pátio interno e varandas passarelas
que definiam vírtualmente a continuidade do prisma. Os jogos
dos cheios e vazios no volume, piso e cobertura, garantiam a
leveza da obra e a integração entre espaços interiores e
Fig.583 Vista externa fachada Leste casa Oscar Americano - antiga espaços exteriores.
I .
*«!,». ,:1
• 7
-1 M
Lí-:--’
■9119
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590 Vistas externaTcãsá Oscar Americano - antigas e atuais
Fíg.591 a 596 Vistas externas casa Oscar Americano - antigas e atuais.
Internamente a planta distribuía-se respeitando
zoneamento básico dos três setores: intimo, social e de Atravessando as varandas no acesso principal, chega-se
ao vestíbulo de entrada, antigamente iluminado ') com um jogo
serviços. O pátio centralizado interno definia a distribuição
de trama de tijolos
funcional nos dois níveis: a Norte, as áreas íntimas de luz e sombra provocado por um muro
dormitórios e a Sul, os serviços de apoio. As circulações estar é ante-sala para um
aparentes na lateral. Depois um
' ' , no qual imperam a
estar principal maior, com teto abobadado,
principais orientavam os usuários. A ambientação
grandes planos de vidro
bastante elaborada, sendo utilizados, novamente, os p luz e a transparência promovida por (,
ilor o
_ -q articular o i e para a paisagem
com vista simultânea para o pátio interno
de fechamento com diferentes materiais p
efeitos ora mais no horizonte. Desse ambiente pode-se ir i. à área íntima, ao
conjunto; proporcionando às fachadas
e iluminados. vímento de lazer.
transparentes e sombreados, ora mais opacos jantar, ou descer para o pa'
—i madeira, ■' '' _

Os planos de fechamento dos dormitórios eram em


janelas venezianas de correr vertical permitindo controle das i
na varanda
condições de conforto. Existiam pérgolas
veículos, mas _ > a»Srn!MjÉ
___ ,F )UÍfôS
passarela Oeste e na área de abrigo para
demolidas, C— Americano - antigas.
^^ístasintemas casa Oscar
infelizmente foram vedadas com gesso e Fig 597. 598 e
sombra que
impedindo que hoje o rendilhado de luz e
proporcionavam fossem presenciados.
planos a fluidez espacial é uma constante. Os elementos iluminantes
são determinados por grandes planos de vidro transparente e painéis de
venezianas de madeira, além de algumas janelas menores com vidro
pontilhado Os tipos de aberturas são definidos por esquadrias de correr
vertical e horizontal vedadas com vidro transparente. A direção se dá
lateralmente, enquanto a incidência é direta e difusa pelas varandas e a
Fig 600. 601 e 602 Vistas internas e externa casa Oscar Americano - antiga e atuais distribuição da luz é predominantemente homogênea. A proteção e
controle dos raios solares diretos são obtidos através do uso de grandes
Afastado da residência está o pavilhão de lazer, com varandas passarelas, pergolados. venezianas e tramas de tijolos
piscina e quadra de tênis. O pavilhão é uma grande cobertura aparentes. Os materiais externos restringem-se ao uso de pastilhas
revestindo a malha estrutural (hoje mármore travertino) e painéis de tijolo
apoiada por delgados pilares, de cuidadosas proporções, à vista, alvenaria rebocada, pedras a vista. Os passeios externos são de
pedra portuguesa de diversas cores, desenho de Lívio Abramo.
criando áreas sombreadas para descanso, bar e vestiários. Internamente encontram-se pisos de madeira, pedra, carpetes, cerâmica e
Seu desenho foi definido a partir de uma árvore existente: a pastilha de vidro; paredes de tijolo à vista e alvenaria rebocada pintada. Já
em relação às cores, predominam as naturais das pedras e tijolos, e os
cobertura retangular a abraça, deixando uma abertura para brancos nas alvenarias. A iluminação resultante caracteriza-se pela
envolvê-la e, novamente, dar a impressão de que a obra claridade As venezianas, as tramas de tijolos e os pergolados
determinavam nas varias horas do dia contrastes de luz e sombra, além
possuía um pátio interno. do rendilhado proporcionado pela vegetação que envolve a residência
atualmente.

j.'

fi#-rí .
Fig.603 a 608 Vistas externas pavilhão de lazer (antigas) e casa Oscar Americano (atuais).

Resumidamente, pode-se perceber que a pele envoltória caracteriza-se


__ _____ -ISr
ig 609 Vista externa fachada Leste casa Oscar Americano^- atual.

pelo equilíbrio: nas áreas intimas prevalece a opacidade e nas áreas


sociais as transparências. A configuração formal é determinada por
plantas retangulares e pela malha estrutural com seus planos de
fechamento de diferentes qualidades táteis e visuais, dentro desses
221

JORQE MACHADO MOREIRA pós-cubista e pela crença na transformação social através da


atuação profissional.88

No período de sua formação na ENBA, Escola Nacional de


O lápis, o esquadro, o papel;
Belas Artes, ele enfrentou o impacto das aulas de
o desenho, o projeto, o número: Warchavchik, além das influências decisivas de Lúcio Costa e
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre. dos seminários proferidos por Wright. Mas o ponto culminante
João Cabral de Melo Neto. da sua formação privilegiada foi a experiência com Le
A arquitetura de Jorge Moreira87 viveu da tensão entre o Corbusier através do projeto do Ministério da Educação
dinamismo da função e a estabilidade da forma, entre uma (1936-45), que permitiu sua adesão definitiva à linguagem
planta de espaços abertos e uma fachada sintetizadora. Ele arquitetônica racionalista. Contudo, na equação de equilíbrio
parecia estar sempre buscando um equilíbrio dinâmico, no entre imaginação e disciplina, a obra do mestre era
qual o raciocínio funcional estabelecia as considerações essencialmente imaginativa enquanto a do discípulo era pura
lumínicas e suas condicionantes formais. Nesse processo disciplina. O que traz à tona a sua ascendência corbuseana
cálculo e a previsão foram levados ao extremo pa a acrescida da severidade da postura de Gropius, do
minimalismo de Mies e, sobretudo, do rigor purista de
assegurar uma maior aderência à multiplicidade de
Terragni e dos demais racionalistas italianos, chegando até
possíveis dos espaços. Sua postura de arquiteto
definida por um fazer rigoroso, em que não mesmo ao ascetismo de Loss.

concessões. Ele era antes de tudo um arquiteto A partir dessas influências Jorge Moreira seguiu uma
vertente construtiva da arte moderna, por sua adesão à trajetória sem grandes rupturas ou alterações de linguagem.
O vocabulário restrito, a persistência dos volumes
87 Jorge Machado Moreira (1904-1992) nasceu em . universitário de
infância e a adolescência no Rio Grande do Sul e in'c' janeiro em 1927, retangulares, o apuro dedicado ao detalhe arquitetônico,
Arquitetura em Montevidéu, Uruguai. Mudou-se para 0 1932, aos 28
onde cursou a Escola Nacional de Belas Artes, orrna . Costa na reforma
demonstram que ele abstinha-se de fazer da obra a
anos. Um ano antes, liderou os estudantes que apoiavam de jQvens expressão da subjetividade impositiva do arquiteto. Sem
para modernização do ensino de Arquitetura Particip . g0 (0, também o
arquitetos responsáveis pelo projeto do Ministério a Unjversi(árja do Rio de deixar-se seduzir pelo compromisso nativista, pelo desejo de
principal coordenador do projeto e construção da Uiaaoe Arquitetos do Brasil.
Janeiro de 1949 a 1962. Foi atuante membro do insti atjVidade acadêmica
ocupando diversos cargos ao longo das década • 83 Conduro, Roberto. In: Czajkowski, Jorge (org.). Jorge Machado Moreira. Rio de
esporádica, dedicou-se a projetos diversos em seu es Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 1999, p.14.
222

originalidade formal, pela exaltação construtiva das pelo interceptar dos planos independentes das quatro
estruturas, pelas estéticas da moda; sua arquitetura repunha fachadas, que eram diagramas neoplásticos e aos quais se
continuamente o mesmo problema: o ato de adequar forma à articulavam outros planos verticais e horizontais (muros de
função. pedra, marquise de acesso, lajes do balcão e pérgola do
jardim). Esses planos propiciavam várias áreas em sombra,
No início de sua carreira, quando ainda trabalhava na utilitárias muitas vezes, mas antes de tudo importantes
construtora Baerlein, desenvolveu alguns projetos ecléticos, articuladores formais, quebrando o rigor geométrico. A
mas logo impôs ensaios e i escada solta no vazio do vestíbulo e a marquise de acesso,
experimentos modernos, com dupla curvatura e vazada, eram elementos que
bastante contidos no trato dinamizavam o equilíbrio da residência.
de volumes e formas; em
que é patente a influência
de Warchavchik. Exemplo
á ÍÜ!IS
desse período é a TOE
residência Izabel Silva
(1937), no Rio de Janeiro. Fig.610 Vista externa casa Izabel Silva

Em um segundo momento absorveu os ensinamentos dos


arquitetos construtivistas, produzindo uma arquitetura na qual
'd
prismas regulares compunham-se, superfícies ordenavam
aberturas e os planos eram organizados rigorosamente
7v
geométricos. Na residência Sérgio Corrêa da Costa (1951),
desde as versões preliminares do projeto, percebe-se a
o rjBftu II iII ?-■ -
opção pela volumetria cúbica. Se de início usou elementos ig 611 a 615 Vistas externas da casa Sérgio Corrêa da Costa, croqui de Le Corbusier e
vista interna desta mesma residência.
plásticos referidos ao passado da arquitetura brasileira
Já suas últimas realizações aderiram à revisão brutalista
(muxarabis, azulejos e o telhado em duas águas, com telhas
do racionalismo sem, contudo, abdicar do rigor purista que
cerâmicas), nos estudos subsequentes a forma foi sendo
caracterizou seu pensamento arquitetônico. No Restaurante
depurada. Ao final, o arquiteto chegou ao cubo constituído
223
do Parque do Flamengo (1962-65), não construído, percebe-
edificação, a disponibilidade técnica dos materiais, o processo
se uma composição miesiana em que planos ortogonais
de construção, a inserção paisagística do objeto. Enfim,
enfatizam a matéria tosca das pedras, dos concretos e tijolos
esforçava-se em abordar racionalmente os problemas -
aparentes, além de pérgolas a projetar rendilhados de luz e objetivo primordial do projeto moderno. Apesar de alguns
sombra.
resquícios da composição acadêmica, como a busca por
simetria, evidenciava o tratamento funcional dos programas, a
Seu método de projeto foi assim definido por ele. Para
exploração das novidades plásticas oferecidas pelas técnicas
mim, fazer arquitetura é idealizar a obra visando resolver,
contemporâneas de construção, como os tetos planos e a
com intenção plástica, o problema proposto, de acordo com a
contraposição de térreos transparentes (vazados ou com
época, os materiais e as possibilidades técnicas, analisando e
fechamento em vidro) a pavimentos opacos e o emprego
considerando fatores externos que nela influem, respeitando
absolutamente não ornamental da linguagem arquitetônica.
imposições e hábitos do meio; detalhando e articulando todos
os elementos e buscando sempre a verdade, quanto à sua Sob o ponto de vista lumínico, nos invólucros adotados
finalidade e função, tanto na forma como no uso dos por Jorge Moreira sempre que possível prevaleceram as
materiais. Dou toda assistência à construção para que a obra transparências aliadas ao generoso dimensionamento dos
seja realizada tal como a imaginara e, quando concluída, o espaços, muitas vezes exagerado. Não somente a
cliente sinta seu desejo satisfeito e eu minhai tare transparência do vidro, mas também aquela desenvolvida por
corretamente cumprida. Preocupo-me com a ambiência d térreos abertos e sombreados, como também a transparência
obra projetada e sua significação no contexto em que sera virtual.90 Mas o arquiteto buscava equilíbrio na composição,
inserida; construída, passa a constituir um elemento contrapondo volumes opacos a outros transparentes. A obra
paisagem urbana, cuja harmonia deve ser assegurada que mais facilmente ilustra esse fato é a Faculdade Nacional
de Arquitetura (1957), onde os prismas interpostos são
A partir da definição acima percebe-se que o arquiteto não vedados com extensas superfícies de vidro, promovendo sua
Menosprezava nenhum aspecto que pudesse intervir no ato sobreposição, proporcionando efeitos similares a veladura
projetivo, fossem eles as necessidades do cliente, as aplicada em pintura, ou reflexos variados de imagens
prerrogativas artísticas do arquiteto, a finalidade da dinamizando a leitura do conjunto. Ao invés de opacidade,

09 Moreira. Jorge M. In; Czajkowski. Jorge (org.). 90 Rowe, Collin. Transparência: literal e fenomenal. Gávea, Rio de Janeiro, PUC,
Janeiro; Centro de Arquitetura e Urbanismo. 1999, p.13- Gnfo nosso. n.2, set. 1985, pp.33-50.
224

Jorge Moreira oferecia uma


espécie de translucidez planos sobrepostos assimétricos. As lâminas verticais e
fenomenológica que propiciava a percepção do objeto
horizontais dos brises transpassavam o alinhamento das
construído.
janelas, dissimulando a escala e a percepção dos vários

Sobre as configurações formais poucos eram os pisos. Esse tratamento plástico aliado ao pavimento térreo

elementos que fugiam à ortogonalidade. quando o edifício sob pilotis sombreados neutralizava a sensação de peso que
não era um bloco compacto, era composto por mais de um um prisma compacto poderia oferecer.
bloco intercalados por pátios bem definidos que promoviam
Na obra de Jorge Moreira também predominava o uso de
uma ordenação espacial regular. Essa preferência por formas
materiais naturais: pedras regulares e irregulares, polidas ou
regulares era claramente uma herança clássica.
não, madeiras largas ou ripados finos, pintados ou encerados.
Estruturas de concreto e vedação em alvenaria pintadas de
branco, azulejos, princípalmente na cor branca e azul;
RHIBEíl cerâmicas estreitas na cor areia; vidros transparentes e
n.in.... ■ foscos, pisos em granitina branca ou cinza escura, com
acabamento polido; grades e esquadrias de ferro e alumínio;
esquadrias, venezianas, ripados, de madeira pintada ou não;
quebra-sóis de concreto, de barro, ou metálico. A variedade
_________ _ decorria menos de uma vontade de riqueza ostensiva ou da
Fig 616 e 617 Vista externa trontal e terraço icasa Antomo Ceppas.
exploração sensitiva (cor, brilho, textura), e mais
mais da
Entretanto, se evidenciava a apreensão da lição planar de
adequação destes às necessidades dos elementos
Le Corbusier: a superfície da fachada era tratada
arquitetônicos que constituíam.
efetivamente como se fosse um plano pictórico. A casa
Antonio Ceppas (1951-58) foi tratada como um prisma cúbico, Quanto as aberturas, ele preferiu os grandes vãos
sobre o qual sobrepunha-se um plano frontal dominante, solto fechados com vidro transparente enfatizando a busca por
e avançado, cuja unidade era obtida pela disposição dos leveza e transparência. A experiência desenvolvida no MESP
elementos de vedação e de proteção. O arquiteto rompia (1936 45) refletiu-se nos seus projetos. A maioria tinha, na
assim com a previsibilidade da fachada tradicional subdividida implantação, preocupações em relação aos aspectos
em faixas horizontais de aberturas, substituindo-nas por climáticos, mas quando isso não era possível o arquiteto
225

adotava alguns elementos de proteção contra a excessiva


necessidades e vontades, partes e todo, obra e contexto -
insolação tropical, desde que favorecessem a ventilação
levou o arquiteto a enfatizar menos as contingências de cada
cruzada - brises, treliças, venezianas, varandas sombreadas. problema específico ou do momento presente e ressaltar
Todos esses elementos dentro de sua postura rígida de mais o sentido de unidade e permanência que toda
contenção plástica. arquitetura deve oferecer segundo o ideal clássico: vontade
“(...) de harmonizar tensões com a forma que encontra sua
A luz sempre enfatizava o jogo volumétrico, a qualidade
síntese plástica nos prismas, nos cubos construídos para a
das texturas dos materiais, as lições corbuseanas de
glória da luz solar ... Esforço da razão em vencer técnica e
“volumes sob o sol”. Nela também a sombra tinha um papel
esteticamente os desafios contemporâneos que revela como
decisivo, seja reforçando a leveza quando projetada nos
a arquitetura de Jorge Machado Moreira é não apenas uma
térreos livres, seja destacando a metamorfose dinâmica das
ode à luz, mas ao sol. Ao sol e seu tempo"91
superfícies possuidoras de quebra-sóis protetores.
Internamente prevalecia o jogo homogêneo de iluminação, ---- ------------- _ ■ ■ - x

apesar de haver alguns espaços em sombra.

Visível era sua preferência pelas cores naturais dos


materiais rústicos como concreto, pedras, madeiras e
cerâmicas, Nas paredes de fechamento os tons pastéis,
prevalecendo interna e externamente os planos brancos.
Poucas vezes usou planos coloridos, quando o fez foi p
caracterizar e orientar sobre uma determinada funcionalida e
do edifício, como acontece nos vários blocos da Esc°a Fig.618 e 619 Planla de implantação e vista aérea da Cidade Universitária Ilha do Fundão.

Nacional de Engenharia (1956), da ilha do Fundão, Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos
texturas eram obtidas pelo emprego de materiais naturais. norteadores das propostas de Jorge Moreira, passa-se a
Geralmente elas particularizavam volumes e planos, aju an o discorrer sobre uma de suas obras mais significativas, a
a caracterizar funções, ou enfatizar volumes contrap Cidade Universitária da Ilha do Fundão, na cidade do Rio de

9' Canduro, Roberto. In: Czajkovvski, Jorge (org.). Jorge Machado Morêirh. Rio de
O esforço idealista de harmonizar forças contrárias - Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 1999, p.31. Gnfo nosso.
I

226

Janeiro (1949-62), abordagem centrada mais no edifício para em longas lâminas ortogonais ou paralelas conectadas por
I
I
a Faculdade Nacional de Arquitetura (1957). planos horizontais de circulação.
. ......
O arquiteto já havia participado da equipe de Le Corbusier,
que projetou a primeira versão da Universidade do Brasil V- ■
(1936), na Quinta da Boa Vista, centro do Rio de Janeiro. :V_. _
Depois em 1949, novamente, se envolveu com o tema, mas
_—______________ __
agora na condição de arquiteto-chefe do planejamento de um Fig.620 e 621 Vista externa frontal e acesso lateral Instituto de Puericultura e Pediatria
novo campus, na ilha artificial do Fundão, mas ainda No Instituto de Puericultura e Pediatria (1949-62) a
seguindo as orientações urbanísticas corbuseanas: traçado proposta organizava um programa complexo composto por
cartesiano. ocupação rarefeita. grandes vias de circulação e quatro setores: ambulatório, hospital, banco de leite e biotério,
blocos extensos entremeados continuamente pelas áreas pupileira e abrigo maternal. Aproveitando-se do desnível do
verdes. Das doze edificações projetadas, apenas quatro terreno, o arquiteto agenciou os blocos com número de
foram construídas: o Instituto de Puericultura, o Hospital de pavimentos, largura e extensão diferentes de acordo com as
Clínicas, a Escola de Engenharia e a Faculdade de necessidades funcionais, dispondo-os em três blocos
Arquitetura. paralelos ligados por um transversal, gerando pátios abertos
para a paisagem da Baía da Guanabara.
Diante de um programa extenso e complexo, adotou como
diretriz básica a padronização dos elementos e sistemas
construtivos, visando a racionalização e a eficiência do
projeto, em detrimento da possível frieza que uma linguagem
contida pudesse proporcionar diante da artificialidade do local I
e da falta de referências edificadas e paisagísticas.

A modulação aplicada como pauta para o projeto definiu o


dimensionamento das formas, espaços e estruturas. O que
resultou na adoção de blocos concisos e unitários, volumes ___ •1 Sã
Fig 622 e 623 Vista interna varanda e rampas de acesso Instituto de Puericultura
227

Internamente, a multiplicidade de funções foi resolvida com


uma organização espacial ao mesmo tempo uniforme e
variada que se observava também no detalhamento da
estrutura, dos planos de vedação e dos elementos
controladores da iluminação. Os planos curvos ou em ângulo
e a cobertura em abóbadas do recreio do hospital eram notas Fig.624 e 625 Vista aerea e externa frontal oa tscoia
de exceção à ortogonalidade dominante no edifício, cujo Já na Escola Nacional de Engenharia (1956) Jorge
melhor contraponto era o paisagismo do entorno. Moreira resolveu o programa para dois mil alunos através de
blocos horizontais dominantes contrapostos a blocos verticais
A fachada principal de acesso ao ambulatório, a mais excepcionais. As diversas especialidades da engenharia
conhecida nas publicações, evidenciava um grande prisma estavam distribuídas em seis blocos de dois pavimentos,
branco apoiado em pilotis, vazada por recortes nítidos, dispostos paralelamente, separados por pátios ajardinados e
quadrados e retângulos, transmitindo a sensação de limpeza interligados por galerias cobertas que os conectavam. Na
e tranquilidade. Funcionava como emblema, lembrando a frente um bloco de seis pavimentos sobre pilotis duplos era
severa fenestraçâo das casas bandeiristas. A grande área em destinado aos serviços gerais e administrativos.
sombra auxiliava na percepção da leveza do conjunto. Na —I .. ~
Stí .À - í
área de acesso chama a atenção o uso de elementos
cerâmicos vazados e painéis cerâmicos, elementos que se
repetem no acesso do banco de leite (painel de Burle Marx). II
■ ái
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, /tf '
11

” íl
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J •

A grande largura dos pavilhões induziu à implantação de ' Fig.626, 627 e 628 Vistas dos pilotis e átrio da Escola Nacional de Emgenhana.

zenitais para complementar a iluminação de forma uniforme. Além do rigor geométrico, sobressai a abertura do conjunto
Nas áreas dos pátios e acessos os vãos são fechados com com a maioria dos recintos e circulações voltados para
grandes painéis envidraçados transparentes e janelas altas espaços verdes. Trata-se de uma composição aberta e
convidativa, arejada pelo verde dos muitos jardins
para garantir a ventilação cruzada.
intercalados a fim de evitar a monotonia. Os ambientes são
ainda matizados pelas várias texturas dos grandes panos
228

contínuos revestidos de cerâmica de cores diferentes Calabouço. A semelhança do partido revelava a homenagem
(vermelho, laranja, azul, amarelo) ou formados por pré- prestada ao mestre: disposição cruzada das unidades, placa
moldados de cimento, ora vazados, ora com peças de vidros horizontal reservada para setores de atividades coletivas
na cor vermelho, verde e azul. (vestíbulo de entrada, auditórios, recepção) e monolito vertical
w íl para atividades especializadas (administração, bibliotecas,
1 salas de aula, ateliers). Nota-se, porém, que apesar da

_____ [■ SSwfjiK k
derivação corbuseana, havia uma contenção formal mais
acentuada, no sentido de enfatizar a pureza prismática dos
Fig.629. 630 e 631 Vistas áreas de circução - detalhe painéis de elementos vazados volumes, não só pelo aspecto mais serial dado pela
Os brises verticais em aiummio
alumínio natural previstos em padronização dos elementos e pela marcação rítmica e
projeto não foram executados. E os principais materiais modular destes, como também pela percepção clara da
utilizados externamente foram as cerâmicas estreitas na cor totalidade dos volumes em detrimento de episódios
areia, painéis de fechamento em alvenaria pintada na cor periféricos que poderíam fazer oscilar a estabilidade do
branca, pisos externos em pedra portuguesa na cor branca, prisma. Essa contenção formal era visível no coroamento das
pisos internos em granitina cinza clara. Grandes panos de edificações, no qual quase desapareciam como fato plástico
vidro com perfis de aço pintados na cor grafite e janelas instigante os volumes escultóricos que abrigavam instalações
grandes e altas em fita auxiliam na definição plástica do como caixa d’água e de elevadores, tal como ocorre no
conjunto. Ministério e na Ville Savoye.
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Fig.632. 633 e 634 Vistas internas painéis fechamento pátios Escola de Engenh,iana.
.....MM™;;?',
Finalmente, na Faculdade Nacional de Arquitetura
(1957) a solução derivou claramente da primeira proposta de
Le Corbusier para o Ministério da Educação, na praia do
Fig 635 e 636 Plantas pavimento térreo e tipo da Faculdade Nacional de Arquitetura.
229

graduação e o último para os cursos de pós-graduação) com

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ateliers e salas para ensino teórico, professores e secretarias.
Os ateliers, previstos para uma quantidade de sete a dez
alunos, tinha mobiliário específico de modo que cada aluno
tivesse uma prancheta, um escaninho e uma gaveta
rig.637 e 638 Vistas externas da Faculdade Nacional de Arquitetura. privativos.
Entretanto, se a contenção formal reforçava a identidade r ■’ i

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entre os edifícios, denotando uma mesma unidade de
princípios, o modo de sua aplicação variava novamente de s - 1
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acordo com as circunstâncias a cada situação: o programa, a


implantação no terreno, o esquema geral de circulação, a
r ate
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posição em relação ao sol e aos ventos. Tais particularidades (Tf
geravam respostas volumétricas, soluções espaciais e
esquemas de proteção contra intempéries diferenciadas. Fig.641 e 642 Pilotis e átrio da Faculdade de Arquitetura.
/ No bloco horizontal, onde estavam a administração, a
biblioteca, o auditório, o museu técnico e as salas de ensino
prático especial; os recintos articulavam-se através de
galerias e pátios em um volume de teto plano com zenitais e
clarabóias para iluminação adequada de alguns espaços.
Fechando as galerias estavam grandes planos de elementos
hfeil de concreto pré-fabricados com vazados quadrados
pequenos, que davam interessantes efeitos rendados sobre o
piso conforme variavam as horas do dia.
Fig.639 e 640 Vista do acesso e do pátio da Faculdade de Arquitetura.
Por todo o projeto, o desenho das formas com a seção
O projeto distribuía em três blocos o programa da
áurea visava tanto à harmonia plástica quanto à
de arquitetura para mil alunos. Sobre pilotis duplos,
estandardização dos elementos arquitetônicos e materiais de
vertical tinha seis pavimentos (um para cada ano do cu
230

de construção. A sobriedade predominava. E os materiais branca e do bege claro, além da cor natural dos materiais: pedras e
cerâmica areia. A iluminação resultante caracteriza-se pelo predomínio
utilizados eram semelhantes aos utilizados na Escola de da claridade, embora existam algumas áreas sombreadas. Os planos de
Engenharia. elementos vazados determinam nas várias horas do dia contrastes em
sobra e luz que dão dinamismo ao conjunto. O térreo do bloco mais alto
sombreado, sob pilotis, enfatiza a plástica do prisma e aumenta a
percepção de leveza do edifício. Podemos enfim perceber seu
compromisso com o ideário internacional do racionalismo, no qual a
claridade é regra, os espaços se contêm em ortogonais, com notas sutis
de_qeometria curva ou angular, e o conjunto é disposto à mercê da luz.

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Fig.643 a 646 Vistas internas da Faculdade de Arquitetura

Resumidamente, pode-se perceber que na Faculdade Nacional de


Arquitetura a pele envoltória caracteriza-se pelo predomínio da
transparência. A configuração formal é determinada por plantas
retangulares que determinam prismas regulares. Os elementos
iluminantes são determinados por grandes planos de vidro transparentes
e zenitais em várias áreas. Os tipos de aberturas que predominam são os
vãos plenos fechados em vidro, janelas altas vedadas em vidro
transparente e pontilhado. A direção da luz se dá lateralmente e
zenitalmente, enquanto a incidência é direta e a distribuição da luz é
predominantemente homogênea. O controle e proteção contra os raios
solares diretos são obtidos através das varandas de circulação abertas e
os pilotis em sombra. Infelizmente não foram executados os brises
previstos em projeto. Os materiais externos resumem-se a cerâmicas e
pastilhas claras; e internamente há a utilização de pisos de granitina
branca clara, cerâmicas claras, alvenaria branca, piso em pedra
portuguesa branca. Já em relação às cores estabeleceu-se o da cor
Fig.647 a 652 Vistas internas da Faculdade de Arquitetura.
231

A mestiçagem é típica do povo brasileiro, não só na raça

oscar NiBneYER como na cultura. No arquiteto isso se evidenciou em uma


arquitetura frequentemente dual, em conflito entre
conhecimentos acadêmicos da Escola de Belas Artes e das
vanguardas modernistas, entre a formação de origem
No cimento de Brasília se resguarda européia e os valores regionais. Mas com talento para
maneiras de casa antiga de fazenda,
de copiar, de casa-grande de engenho, renovação, reformulação e adaptação. Livre dos cânones
enfim, das casaronas de alma fêmea. restritivos, enfatizando a liberdade de criação e de invenção,
Com os palácios daqui (casas-grandes)
por isso a presença dela assim combina:
dela, que guarda no jeito o feminino
suas premissas básicas.
e o envolvimento de alpendre de Minas.
João Cabral de Melo Neto. Ele privilegiou 0 livre exercício da imaginação, 0 ir mais
além das possibilidades estabelecidas pelo real. O importante
Os críticos têm dificuldades em classificar a obra de Oscar era 0 não cerceamento imposto pela razão teórica, pois as
Niemeyer92. Ela se apresenta híbrida, mestiça. Foge das audácias compositivas, os desdobramentos imprevistos e as
definições estáveis ou filiações exemplares. O arquiteto combinações improváveis de um dado vocabulário eram
muitas vezes se manifestou contra os "ismos” que assolaram produtos da faculdade criadora da imaginação. O que de
a arquitetura. Para ele o projeto deveria surgir como um ato modo algum queria dizer que 0 ato de imaginar não
de liberação, transcendendo os limites para se elevar a uma contivesse uma regra, uma sistemática. Muito pelo contrário,
realidade ideal. sua originalidade decorria certamente da importância
atribuída à expressão artística, numa época em que
exigências pragmáticas e funcionalistas tenderam a sobrepor-
92 Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares nasceu ?? ^°?Xgaem 1934. se aos valores artísticos.
1907. Formou-se em arquitetura pela Escola Nacional de original
Para Niemeyer a arquitetura funcional gerou mediocridade
através da repetição, da monotonia, dos espaços assépticos.
de Nova York em parceria com Lucio Costa (1939)e 0 c Brasília, Ele dedicou-se a combater esse gênero de pensamento
(1940). Novo reconhecimento ocorreu no fim da deca caoital Três mecanicista, buscando 0 novo e a superação do ato anterior
quando concebeu os palácios e os edifícios de “.;elfXTndo trabalhos na
anos após o golpe militar de 1964 exilou-se em Par s, ativas como 0 por um mais atual, compatível com 0 tempo em que vivia.
Europa, Ásia e África. De volta ao Brasil produziu obra foi
Museu de Niterói (1991). Em 1955 fundou e dirigiu a °°IS
suspensa pela ditadura militar em 1965 e voltou a circular dez anos dep .
232

Apesar do folclore alimentado pela visão distorcida, pouco O argumento mais correto seria aquele que considera
isenta, da crítica internacional; da visão nacionalista da crítica Niemeyer exposto a múltiplas influências, colocando-o como
brasileira e das manifestações do próprio Niemeyer; ainda um homem moderno, antenado com o seu tempo e, portanto,
ficam obscuras as fontes teóricas que nortearam a formação sofrendo influências não só de vários arquitetos, mas também
e a maturidade de sua produção. de inúmeras correntes artísticas e filosóficas.

No período em que ele iniciava sua carreira, o Brasil vivia No início de sua carreira as ascendências de Lúcio Costa e
uma efervescência de manifestações culturais e políticas, e o Le Corbusier foram evidentes, e posteriormente
cenário internacional caracterizava-se por um período complementadas por sua admiração a Mies, Wright e Aalto.
conturbado, com graves crises econômicas e ameaças Mas elas não foram definitivas, nem consubstanciadas por
totalitárias. Sob o ponto de vista das artes, estava influências regionais como pretendia a crítica européia. Uma
acontecendo o fechamento da Bauhaus, a aparição do análise mais criteriosa de sua obra revela que o arquiteto era
“Guemica" de Picasso e a vitória provisória de uma arte sem um homem atento ao que ocorria no mundo, que foram suas
razão, o surrealismo. viagens e leituras as que realmente provocaram mudanças
significativas no seu pensamento moderno. Niemeyer
A crítica européia, sempre com interesses a salvaguardar, distanciou-se de seus mestres, ou melhor, executou uma
avaliava as obras dos países periféricos, não alinhados às gradual mestiçagem quando se aproximou das vanguardas,
posturas racionalistas, como surrealistas, "exóticas” e, agregando outros valores a sua arquitetura, cada vez mais
pejorativamente, “barrocas”. No caso de Niemeyer, tal crítica,
priorizando o mínimo para obter surpreendentes efeitos.
insistia em situá-lo numa relação estreita com o seu contexto,
quase numa caracterização regionalista. Mas como se As condicionantes regionais em seus projetos foram
evidenciou posteriormente, o tom brasileiro em sua gradativamente minimizadas no transcurso de sua carreira,
arquitetura não era transparente, respondendo muitas vezes não importando produzir no Brasil, França ou Argélia, pois o
aos estímulos históricos da arquitetura universal e das artes produto seria o mesmo; uma imagem particular do tempo em
em geral, e não a particularidades regionais.93 que viveu seu autor. Desde o começo de sua carreira, ele
buscou a afirmação de uma arquitetura que se diferenciasse
93 Barnabé, Paulo M M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. Sao fundamentalmente da européia, encarnada por seu mestre
Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP, p.68.
233

maior; embora, por muitos anos, nela houvesse algumas arquiteto preocupava-se em conceber uma arquitetura
citações de elementos formais retirados diretamente dos aparentemente mais leve, ao mesmo tempo em que os
edifícios de Le Corbusier. objetos agigantavam-se, imperando as massas que flutuavam
sobre sombras fortes. Valorizava então a matéria aliada ao
O período inicial de sua carreira caracterizou-se pelo
conceito estrutural, despojando-se dos revestimentos. Os
entendimento dos preceitos modernos aliados a alguns envoltórios ora se caracterizavam pela opacidade, ora pela
elementos abstraídos da cultura local, época de formação justaposição de duas caixas: a externa articulada por pilares
profissional e exercício investigativo na arte de construir. pictóricos e a interna envolta por simples peles de vidro,
Iniciou-se com o estágio no escritório de Lúcio Costa, ainda tendo entre elas uma varanda sombreada. Tais
estudante, até Pampulha. As principais obras foram o edifício procedimentos, de certa forma, foram transpostos para o
do Ministério da Educação (1936-45) em equipe, a Obra do período em que se exilou e executou obras de grande arrojo
Berço (1937), o Hotel Ouro Preto (1938), e o Pavilhão técnico no exterior.
Brasileiro da Exposição de New York (1939) juntamente com
Lúcio Costa. E, finalmente, o período de produção mais recente
marcada pela gradual tendência à simplicidade, pela
Um segundo momento foi um período de contestação, integridade técnica, pelo uso de poucas formas e poucos
afirmação de uma personalidade, de pesquisas estru recursos materiais para obter leveza e expressividade. Época
que se tornaram marcas do arquiteto como os p em que os envoltórios continuavam a correlacionar-se com os
diferenciados, os arcos ondulantes, as abóbadas e as temas funcionais, mas nos quais percebe-se uma tendência à
livres em curva. Além de Pampulha (1940), surgirarn o opacidade e à luz dramática nos edifícios comemorativos.
como o late Clube do Rio de Janeiro (1945), a Como ocorreu, por exemplo, no Memorial JK (1980), no
Duchen (1950), a ONU de New York (1950) em parcena com Panteão dos Inconfidentes (1985), no Museu do índio (1982),
Le Corbusier, o Parque do Ibirapuera (1951), o Hosp na Igreja Ortodoxa (1986), entre outros. Além do uso de uma
América (1952), entre outros. tipologia, freqüente em Artigas, que privilegia a transparência
no térreo e a opacidade no pavimento superior, como ocorre
A terceira fase começou com o Museu de Caracas ( no edifício Castelo Branco (1971) em Curitiba.
culminando com Brasília. Representou um moment
grandes mudanças, fruto de reflexão e de muitas vi g
234

"Niemeyer sabe como ninguém que beleza é função".94 A Pantheon romano; na Igreja Ortodoxa de Brasília (1986)
beleza para ele estava ligada à idéia de emoção. Para tanto estabeleceu a luz contida e o predomínio da massa das
estabeleceu uma arquitetura como um acontecimento, um construções medievais e islâmicas do mediterrâneo; no
“drama", um espetáculo. Buscou novas expressões plásticas, Panteão dos Inconfidentes (1985) valeu-se da luz gótica das
permitindo com isso que classificassem sua produção como catedrais que fazia brilhar a pele envoltória colorida; nos
“barroca" ou “exuberante". Mas ele não era barroco, apenas edifícios do Parque do Ibirapuera (1951) fez prevalecer a
utilizava alguns conceitos relacionados a essa corrente distribuição homogênea da luz branca moderna.
artística como, por exemplo, a dramatização da luz indireta; a
condução do usuário ao arrebatamento; as linhas curvas Niemeyer trabalhou para impressionar. O conceito de
vivas animadas pela incidência lumínica; a articulação das contraste foi utilizado para obter expressividade e provocar
superfícies por revestimentos e texturas variadas; a aversão a surpresa através do impacto emocional, resultado da
frontalidade; o uso de iluminação oblíqua nas fachadas, confrontação dual. Sua arquitetura foi concebida à base de
produzindo fortes contrastes de luz e sombra. Na Capela da contrastes simples, numa relação binária de fundamentos
Pampulha (1940) prevalecia o contraste dramático e formais como, por exemplo, alto-baixo, polido áspero,
heterogêneo da luz e da sombra barroca mineira. fechado-aberto, luz-sombra. E entre eles um vazio, um
intervalo, uma conexão, uma união neutra que separava e
Em sua obra notam-se outras tantas referências a unia, que estabelecia a ordem da composição e permitia uma
momentos da história, estas manifestavam-se como parte de dialética harmoniosa. Para ele os contrastes aguçavam
um processo que buscava valores nos quais ele identificava significados, transmitindo idéias, informações e sentimentos
autoridade (arqué\ No Memorial JK (1980), além da forma expressivos. Porque tinha ciência que no “(...) processo de
piramidal, materializou a postura egípcia de conduzir o articulação visual, o contraste é uma força vital para a criação
percurso da luz à escuridão; nos palácios de Brasília de um todo coerente. Em todas as artes, o contraste é um
evidenciou as varandas sombreadas dos Megarons gregos ou poderoso instrumento de expressão, o meio para intensificar
das casas coloniais brasileira; na Catedral de Brasília (1958) o significado, e, portanto, simplificar a comunicação"95
propôs uma cúpula renascentista redesenhada numa escala
maior; na Mesquita de Argel (1968) lembrou o cone de luz do Gostava de trabalhar com a ilusão, principalmente de

95 Dondis, Doms. Sintaxe da linguagem visual São Paulo: Martins Fontes, 1997,
54 Botey, Josep Ma. Oscar Niemeyer. Barcelona: Gili, 1996, p.15. p.108.
235
escala e peso. Muitas de suas obras aparentam ser maiores e
ser utilizado com funções práticas. E sim dedicado à
mais leves do que realmente são, quase não tocando o chão.
contemplação do “espetáculo arquitetural", espaços livres em
Nessa busca propôs a desmaterialização da massa figurativa,
si. Espaços feitos para serem admirados e para admirar-se
alterando alguns fatores
de compreensão formal como a através deles por planos transparentes e articulações. Nesses
situação de profundidade espacial, -- tamanho,
, ----- do ----------- > —
da cor, do vazios perde-se a intimidade material, o sentido de tato, e
isolamento, da configuração e do interesse intrínseco.
tem-se que evocar o sentido da idéia. Novamente havia em
sua arquitetura uma conotação teatral que permitia a
Falseava sua “verdade material", soltando as formas
identificação dos indícios sobre possíveis efeitos lumínicos.
terra, tornando-as aéreas e transparentes. Nesse sentido,
contrastes entre volumes iluminados e as sombras intens Nos anos de maturidade observa-se um comprometimento
eram decisivos. Na arquitetura de Niemeyer fica evidente entre forma, estrutura e matéria. Em Niemeyer o tema formal
uso da sombra como elemento arquitetônico. A imagem q estava intimamente ligado ao tema estrutural. A partir do
ilustra essa
essa afirmação é a de volumes suspensos Museu de Caracas (1954) graduaímente adotou uma matriz
projetando sobre o plano da superfície da terra sua i 9 formal única, dando relevo à solução simples e compacta,
em sombra. Para cada forma escultural, Niemeyer cr' uma solução estrutural a dominar o conjunto.
fundo uma plataforma, para que sua imagem se proje
se multiplicasse. Vivenciar suas obras faz perceber sua preocupação em
adotar procedimentos projetuais que respondam à luz
O arquiteto pensava a concepção espacial como enquanto elemento norteador dos projetos. De alguma
Caracterizava seus espaços de duas maneiras, P maneira todas respondem a algum aspecto lumínico, ou para
definindo-o apenas através do uso de uma membrana qu definir elementos construídos, ou para adotar a luz como eixo
tudo envolvia, segundo através de
uma planta livre poético. Esse procedimento pode estar relacionado aos
subdividida por planos soltos da estruturas, podendo ser ensinamentos de seu mestre francês, que definia a luz como
mudados sem prejuízo do projeto. elemento revelador das formas, ou a uma postura que
identificava a boa arquitetura como um exercício pleno,
Ansiava em estabelecer um espaço arquitetural" no qual se devia questionar todos os elementos que
correlacionando-o à planta livre e ao vazio, principalm ao pudessem qualificá-la.
vazio como elemento arquitetônico, que nem sempre era par
236

Niemeyer é um dos poucos arquitetos que já em seus


Embora não sendo uma regra, a transparência predomina em
memoriais e textos publicados deixava transparecer sua suas primeiras obras e a opacidade intensifica-se a partir dos
preocupação em utilizar a luz como diretriz de projeto. Desses anos 70.
poderiamos citar o memorial de sua casa de Canoas (1953).
da Catedral de Brasília (1958), do Memorial JK (1980), do
Panteão dos Inconfidentes (1985), entre outros. Ele utilizou
1
frequentemente a luz natural como instrumento de
qualificação de espaços e formas e, também, como quesito
de forte expressão e significado. Propôs num mesmo cenário Fig.654 Vista frontal Palacio do Alvorada.

luz incidente circunstancial e luz refletiva planejada. O Parthenon grego, como vimos anteriormente, foi um
Buscando muitas vezes utilizar-se da luz natural por suas importante modelo para Brasília : a caixa dentro da caixa. Os
possibilidades cênicas e pela capacidade em distinguir uma principais palácios da Capital Federal possuem uma caixa
sucessão de planos em profundidade na perspectiva. interna simples envolta em cristal, transparente e reflexiva à
T semelhança de Mies, “clássica”; e uma caixa externa com
pilotis articulados pictóricos, “barrocos”, apoiando uma laje
L

i plana da cobertura, gerando avarandados sombreados. O


arquiteto optou quase sempre pelo forte contraste entre luz e
sombra, e esses avarandados foram utilizados para valorizar
tal efeito: sombras internas contrapondo-se ao branco do
revestimento vítreo do mármore sob a luz solar.
Fig.653 Croqui corte genérico Palácio do Alvorada.

Portanto, especificamente em relação aos aspectos


lumínicos, percebe-se que os invólucros adotados na obra
de Niemeyer variam conforme as fases evolutivas de sua
arquitetura e resultam de uma adaptação às condicionantes Fig.655, 656 e 657 Vista externa, varanda de acesso e jardim com pérgolas para iluminação
programáticas, prevalecendo duas formas básicas de pavimento superior do edifício Presidente Humberto Castelo Branco em Curitiba.

tratamento: transparência-claridade e opacidade-penumbra Se a solução requeria envoltórios mais fechados, para


evidenciar as massas ou o jogo volumétrico, as aberturas
reduziam-se ou desapareciam para evidenciar peles opacas.
A iluminação passava a ser efetivada através de espaços
intermediários, fossos de luz com ou sem pergolados. Como,
por exemplo, o Museu de Caracas (1954), o edifício Castelo
Branco (1971) e o Ceplan (1960).
Fig.658, 659 e 660 Vistas internas esquadrias Palácio do Planalto, Palácio da Justiça e
edifício da Bienal no Parque do Ibirapuera, SP.
Quando Niemeyer operava em edifícios onde a
verticalidade era preponderante, como ocorria em seus Durante a terceira fase de sua obra, em Brasília, as janelas
arranha-céus, o envoltório definia-se por uma membrana de não eram mais que esbeltos perfis metálicos incluídos no
vidro ou uma capa de brise-soleil. Isso pode ser notado no plano de vidro, cuja soma formava uma retícula que dava
Hotel Nacional do Rio de Janeiro (1968), onde só o movimento à fachada. Outras vezes utilizava pequenas
embasamento permitia volumes opacos em concreto aberturas circulares pontuadas no envoltório opaco,

aparente, privilegiando fortes contrastes de luz e sombra, e a proporcionando ritmados efeitos no interior. Como ocorre no
Museu de Artes do Ibirapuera (1951) e no Museu do índio
torre estava envolta por uma pele espelhada.
(1982).
As aberturas também estavam diretamente relacionadas
aos vários períodos de sua obra, condicionadas ao programa
e a intenção de qualificação espacial. No início da carreira
utilizou a janela em fita horizontal e grandes panos de vidro,
■ muitas vezes ocupando toda a fachada do edifício, protegidos
ou não por brises e avarandados. Em alguns projetos mais

I radicais a claridade foi substituída pela


acentuada por uma iluminação natural focalizada, obtida
obscuridade

através de pequenas aberturas pontuais, algumas vezes


fechadas com vitrais coloridos, o que produzia em tais
espaços em penumbra, uma iluminação enfática.
I
!
Fig 661 a 664 Vistas externa e internas edifícios Parque do Ibirapuera.
condicionantes técnicas. No late Clube da Pampulha (1940) o
quebra-sol da varanda do grande salão superior foi
encurvado, propiciando uma ruptura na inércia de toda a
fachada Oeste. Nos edifícios Copam (1951) em São Paulo e
Oscar Niemeyer (1954) na Praça da Liberdade em Belo
Horizonte, os brises são mais do que simples elementos
protetores, quase respondem apenas à força expressiva que
Fig.665 Vista interna Museu do Indio. seu autor ansiava, transformando-se em elementos plásticos
Niemeyer adotou soluções que respondiam a excessiva por excelência, qualificando os envoltórios dos edifícios com
incidência lumínica da abóbada celeste brasileira. Embora peles camaleõnicas que alteram suas percepções formais
sua resposta nem sempre estivesse ligada apenas a uma conforme varia a incidência de luz solar.
solução técnica, e quase sempre fosse aliada a poéticas e
plásticas soluções. Seus protetores solares tinham como
referência os brises propostos por Le Corbusier. Já no seu
primeiro projeto individual construído, a Obra do Berço
(1937), usou o bnse móvel vertical articulando e protegendo a
fachada principal oeste.

I
1
t
s IIi'1 K.
tf _____ ______________ ______ i
Fig.669, 670 e 671 Vistas externas edifício Copan, SP e Oscar Niemeyer. Belo Horizonte.

Nos pavimentos do Banco Boa Vista (1946) no Rio de


d íi Janeiro efeitos variados são percebidos: áreas diferenciadas
são definidas pela locação de peles de vidro na face Sul,
________________________ ____
Fig.666. 667 e 668 Vistas externas e interna Obra do Berço e late Clube da Pampulha. brises verticais na face Oeste, e brises quadriculados na face
Gradativamente ele foi redesenhando os brises (assim Leste. Os quebra-sóis eram para Niemeyer articuladores do
como o fez com os pilotis), atribuindo-lhe outros valores envoltório, intensificando efeitos cinéticos tanto internamente
estéticos, superando os aspectos ligados apenas às quanto externamente.
239

I
------------------------------------------------------------ L T4"'*— 'TSBBESSÍiíEn^*^! L— Fig.677, 678 e 679 Vistas internas Cassino da Pampulha.
Fig.672, 673 e 674 Vistas internas brises edifício Copan e Oscar Niemeyer.

Mas os elementos protetores utilizados por Niemeyer não Da articulação entre luz e matéria percebe-se em suas
se restringiram aos brises. Ele anteriormente já tinha proposto primeiras obras reflexos da cultura barroca quando adotava a
treliçados de madeira no Hotel de Ouro Preto (1938); postura de envolver as estruturas suporte com revestimentos
elementos vazados cerâmicos no Pavilhão de New York diversos. No Cassino da Pampulha (1940) importavam as
(1939) e Hospital Sul América (1952); elementos vazados e transparências, os vidros sobre vidros, as imagens
í treliças de madeira no Centro Técnico da Aeronáutica (1947)
multiplicadas sobrepostas e refletidas à semelhança da
técnica da "veladura” da pintura. Os materiais eram nobres e
í
I
e na Casa de Mendes (1949); placas pré-moldadas
polidos como mármores importados, aço inox, espelhos -
perfuradas na sede do O Cruzeiro (1949), apenas para citar
todos refletores, difusores de luzes e imagens.
alguns exemplos. Esses elementos qualificavam os espaços
Predominavam as cores claras, principalmente nas paredes e
internos com projeções rendilhadas de luz e sombra sobre as
tetos. A atitude de recobrir a estrutura com materiais nobres
superfícies, além de serem eles próprios articuladores ricos
iniciou-se no Ministério da Educação e Saúde Pública (1936-
em efeitos cinéticos.
45), constatada no Palácio da Alvorada (1956) e até mesmo
no edifício Manchete (1966) no Rio de Janeiro.

Fig.675 e676 Vista interna Cassino da Pampulha. Fig.680 Vista interna Cassino da Pampulna.
240

Em outros edifícios usou materiais translúcidos como o brilhante ao interior escuro e um ponto focal de luz vermelha
tijolo de vidro. Elemento que retrata a luz e projeta fantasmas sobre a cripta negra cujo pano de fundo era um espaço
externos: plantas e pessoas em movimento interferem na imenso em penumbra violeta acinzentada. Já no Panteão dos
qualificação do espaço conforme modifica a incidência do sol. Inconfidentes (1985) negou o espaço interno pintando-o de
No térreo do Banco Boa Vista (1946), do edifício Oscar preto e pontuou um vitral vermelho no vazio gerado.
Niemeyer (1954) e do Banco da Produção (1953) em Belo
Horizonte efeitos contrapostos de translucidez dos blocos de O arquiteto usou poucos materiais e poucas cores: no
vidro e transparência de planos de vidro enriquecem o espaço início de sua carreira utilizou as pedras naturais, granitos
interior com múltiplos efeitos de luz. rosas, pedras mineiras, mármore travertino polido, madeiras,
azulejos brancos com filigranas azuis, pinturas em cores
Na catedral de Brasília (1958) o grande cone de luz tem claras, principalmente o branco. Depois volumes revestidos
nos vitrais a matéria que altera a qualidade da luz que o com mármores vítreos brancos, pisos de granitos pretos ou
transpassa. gerando uma luz diferente do exterior, ou seja, granitinas polidas pretas, granitos cinza escuro. Na fase
uma outra luz. estrutural a partir de 1954 elegeu o concreto aparente e seu
brilho ora prateado, ora dourado iluminando texturas ásperas
de fôrmas filetadas.

Desse jogo de luz e matéria muito ainda pode-se dizer


quando se pensa em suas viagens que tanto o influenciaram
como, por exemplo, a de Veneza - uma cidade que flutua,
Fig.681, 682 e 683 Vistas internas e externa Capela da Pampulha. Palácio do Alvorada, e leve e sem densidade. Niemeyer adotou a partir de então,
Palácio do Planalto - revestimentos e efeitos variados.
assim como seu mestre francês, os espelhos d’água que
Com o tempo Niemeyer introduziu um outro elemento
refletem a luz solar e as nuvens, criando um dinamismo
importante em sua obra: a cor forte e expressiva. Nos
cromático que amplia as possibilidades de luz emitida pelo
edifícios onde a função requeria solenidade, o arquiteto
conjunto edificado. Servindo para ampliar o monumental em
descobriu o poder dramático de pontuar um foco de luz
sua obra, dinamizar a superfície do edifício, alterar a sua
colorida, e utilizou normalmente a matéria de um vitral. No
forma com reflexões e novamente lembrar um jogo que é
Memorial JK (1980) ele contrapôs o volume externo branco
tema na arte cinética no qual se varia a leitura e a percepção
241

do objeto conforme as mudanças de posição da fonte de luz e


de cada forma escultural multiplique-se com projeções de
do observador. Reflexos dinâmicos de luz sobre as marolas
sombras. Isso pode ser constatado no Congresso Nacional
dos espelhos d’ãgua alteram as superfícies do Palácio do
(1958) onde uma cobertura totalmente limpa recebe a
Itamaraty (1960) e do Museu de Niterói (1991), agregando
projeção das duas conchas. Ou seja, onde existe um volume
efeitos que acentuam a ilusão de leveza. puro existe um fundo para que este se projete em sombra.
Havendo luz, a sombra está presente.

• ,y.vu-» e doo vista externa e interna Palácio do Itamaraty.

Na relação entre matéria e cor, gradualmente optou pelo


simples. Seus volumes mais recentes são toscos, em Fig.686 Vista externa frontal Congresso Nacional.

concreto aparente pintado de branco, expondo a textura Entretanto, suas formas externas puras não se
através de micro sombras conforme incidem obliquamente os coadunavam com soluções usuais de pórticos com colunatas.
raios do sol, ou contrapõem seus corpos claros com Então introduzia muitas vezes, a sombra em contraste
projeções de sombras escuras. O branco é utilizado para absoluto marcando a entrada. Uma entrada que era uma
realçar o contraste entre áreas iluminadas e áreas em abertura negra no piso branco intensamente iluminado pela
sombra, enfatizando suas formas escultóricas, reforçando luz do sol tropical. Fato que ocorre, por exemplo, na Catedral
efeitos ilusórios de leveza e imaterialidade. de Brasília (1958), no Memorial JK (1980) e no Espaço Lúcio
Na arquitetura de Niemeyer a sombra está Costa (1989).
constantemente presente, transformando-se em matéria
Na Catedral de Brasília (1958) ele utilizou declaradamente
concreta, elemento arquitetônico. Na Capela da Pampulha
a luz e a sombra como tema materializado em arquitetura,
(1940) a sombra define áreas funcionais, enfatiza áreas focais
através de um contraste absoluto entre o túnel de acesso
importantes no contraste com a luz. No período estrutural, o
descendente escuro valorizando a nave com uma luz
arquiteto cria um fundo, uma plataforma para que a imagem
242

manipulada brilhante se ascendendo aos céus.


"Uma das coisas que marcam nossas vidas de forma inesquecível
são as casas onde moramos. O ambiente familiar nelas vividos, os
Do exposto nota-se que na relação entre luz e espaço na problemas enfrentados pela vida afora"96
obra de Oscar Niemeyer sempre existiu a intenção de
manipular os aspectos lumínicos e alterar definitivamente a
percepção dos usuários. Seus projetos são animados por
uma luz variável que convida o observador a vivenciá-los. O
E7
Museu Niterói (1991), por exemplo, materializa a mutabilidade
dos efeitos de luz no transcurso do tempo. A luz incidente
metamorfoseia seu volume fotogênico. Por sua janela em fita,
convexa e modulada, refletem-se imagens estratificadas da

paisagem em constante transformação. Múltiplos quadros
externos criam imagens sobrepostas como em um quadro
cubista.
Fig.689 Croquis plantas pavimento térreo e interior casa de Canoas.

Na extensa obra de Niemeyer o tema “residência" não é


muito enfatizado. O arquiteto projetou duas casas para si no
Rio, além da reforma na casa de campo em Mendes (1949).
A casa da Lagoa Rodrigo de Freitas (1942) foi fortemente
influenciada pelos princípios modernos estabelecidos por Le
Corbusier. Nela encontramos os pilotis, a rampa interna, a
Fig.687 e 688 Vista interna e externa janelas do Museu de Niterói. planta livre, as janelas em fita. Apenas o telhado de barro
Para finalizar a análise sobre os aspectos lumínicos, denuncia uma reminiscência cultural forte identificando-se
norteadores das propostas de Niemeyer, passa-se a discorrer com o local. Mas foi na residência de Canoas que ele
sobre uma de suas obras mais significativas, a sua materializou suas posturas ante aos princípios modernos, e a
residência da Estrada de Canoas (1953), na floresta da transformou em um dos projetos mais representativos dos
Tijuca, Rio de Janeiro.
56 Niemeyer. Oscar. As curvas do tempo. Rio de Janeiro: Revan, 1998, p.13.

i
anos 50.

Iií Fig.691 e 692 Vistas externas acesso casa de Canoas.

lí !
O Mesmo após várias visitas é impossível não se emocionar.
Fig.690 Croqui corte transversal genérico casa de Canoas. Da cota baixa da praia de São Conrado o acesso em aclive
No período, Niemeyer encontrava-se questionando o se dá por uma típica estrada sinuosa de floresta tropical
processo de seu trabalho, retomando alguns temas formais cobrindo montanhas: a Estrada de Canoas sombreada por
da poética de Pampulha (1940) e do Parque do Ibirapuera várias árvores retratando feixes esporádicos de luz entre suas
(1950), ao mesmo tempo em que se consolidava a opção por folhas. A casa não é visível da estrada, encontra-se
camuflada pela vegetação densa e pelo grande desnível entre
volumes puros, da qual o Museu de Caracas (1955) é um
bom exemplo. Nesse quadro a residência de Canoas elas. Deixando o carro em um pequeno estacionamento
superior, descendo uma trilha em rampa suave, finalmente
procurava firmar-se como um distanciamento das imposições
pode-se começar a avistá-la após alguns metros de
racionalistas e aproximar-se da liberdade de criação que ele
caminhada pela mata. Hoje um feixe de luz aponta para a
tanto primava.
piscina em volta de uma grande pedra, e para uma escultura
Para quem está acostumado a analisá-la apenas através de Ceschiatti. A água quase sempre presente na arquitetura
de fotografias, visitá-la pode ser uma grata surpresa, de Niemeyer auxilia a instituir dinamismo a todas as formas
principalmente ao constatar que ela é menor do que parecia, próximas através de múltiplos reflexos.
na realidade tem dimensões bem reduzidas. Niemeyer
manipulou os elementos construídos alterando sutilmente a
escala percebida.
244

r. 1
Fig.694 e 695 Vistas externas casa de Canoas - antiga e atual.
Fig.693 Vista externa frontal casa de Canoas.
Se forem comparadas as fotos antigas com as condições
Da rampa já é possível identificar sua imagem atuais, será notado que a mata envolveu a casa, adensando-
emblemática: uma laje amebóide a definir a cobertura se mais ainda pela intervenção de Burle Marx e do próprio
orgânica branca, uma lâmina contínua flutuante sem Niemeyer que plantou várias espécies vegetais. Antigamente
platibanda, cobrindo os volumes da casa, pintados na cor era evidente a presença da pedra da Gávea e da praia de
verde musgo, e o piso de cimento e pedra conduzindo a São Conrado emolduradas pela configuração dos elementos
percorrer os espaços, dirigindo nosso olhar para pontos focais construídos.
específicos conforme contornamos a piscina e olhamos as
várias esculturas distribuídas nas reentrâncias da mata.
Niemeyer utilizou o conceito de ‘'promenade architecturale” lí

manipulando o percurso que o visitante tem de percorrer do


e
acesso até a casa, e depois, internamente, tal dinamismo é
mantido pelo agenciamento espacial e locação de uma larga
Fig.696 Croquis de Oscar Niemeyer da casa de Canoas.
escada interligando os pavimentes. A casa não tem frente ou
O memorial e os croquis explicativos de Niemeyer
fundos, nela o que predomina é a fluidez espacial, um
evidenciam o uso da luz e da sombra como diretrizes de
movimento contínuo que não permite que os olhos se fixem
projeto, além da preocupação em harmonizar e valorizar a
por muito tempo em uma forma específica.
paisagem periférica: “Minha preocupação foi projetar essa
residência com inteira liberdade, adaptando-a aos desníveis
do terreno sem modificá-lo; fazendo-o em curvas de modo
que a vegetação penetrasse nela, sem a ostentosa separação
245
■ i
d Além da evidente inversão dos níveis de distribuição
da linha reta. E para as salas de estar criei uma zona em
funcional dos sobrados, ou seja, atividades sociais no térreo e
sombra para que a parte de vidro evitasse as cortinas e a
íntimas no pavimento superior, é interessante notar também
casa ficasse transparente, como eu preferia".37
que esse zoneamento está ligado a aspectos formais bem
definidos: as áreas sociais e de serviços do térreo,
relacionadas às atividades diurnas, foram definidas por
!UIM
^T=tr formas livres, orgânicas e
transparência; já as áreas
esculturais, onde predomina a
íntimas do pavimento inferior,
relacionadas às atividades noturnas, foram definidas por
eoajcc v*1» o>**cKtKr^i*^}*-
formas mais contidas, privilegiando o recolhimento,
enfatizando a opacidade. Tudo organizado a partir dos
Fig.697 Croquis da planta do térreo e corte transversal da casa de Canoas.
desníveis naturais do terreno e da grande pedra que fica
Suas curvas são organicamente submissas ao terreno,
locada entre as áreas internas e externas.
acomodando-se entre a vegetação e as pedras, contornando ------- - '
obstáculos naturais. O partido define-se pelo zoneamento
luminico. No pavimento térreo três zonas são percebidas, a
área do estar em sombra, a área do vestibulo de distribuição
em plena luz e a discreta área de serviço a meia luz. No
pavimento inferior a área íntima qualifica-se com luz
Fig.700 Vista interna casa de Canoas.
controlada, regulada por pequenas aberturas, algumas das
Ao adentrar a casa percebe-se que as áreas em sombra
quais com venezianas.
adequadamente definem-se como confortáveis estares, e os
■ Tã
panos de vidro opostos no vestíbulo permitem avistar o plano
da laje amebóide sombreada, difundindo a luz natural e sendo
bordada com reflexos ondulantes dos raios de sol sobre o
espelho dágua da piscina. A marquise cria áreas de sombra
e luz diferenciadas. Sendo um recurso semelhante ao
Fig.698 e 699 Vista externa e interna térreo casa de Canoas. empregado por Wright em suas casas, ou seja, janelas junto

97 Niemeyer, Oscar. Módulo, n. 14, 1958. Grifo nosso.


246

à laje de cobertura que funcionam como difusoras de luz.

Fig.703 e 704 Vista externa posterior térreo casa Canoas - área do belvedere.

- jantar e estar. Descendo a escada interna há uma saleta com lareira e


um pequeno escritório iluminados e ventilados por pequenas
Desse vestíbulo intensamente iluminado chega-se pelo
aberturas circulares de vinte centímetros junto ao teto; um
lado esquerdo em um estar sombreado com apenas uma
estreito rasgo reentrante na alvenaria e um outro com
pequena janela quadrada de oitenta centímetros que se
sessenta centímetros de largura e pelo próprio vão da escada
manifesta mais como um quadro emoldurando a paisagem do
que permite ver as paredes superiores a meia altura com
que uma fonte de luz. Do lado direito encontra-se a sala de
panos de vidro junto à laje. Nas extremidades desse
jantar protegida por uma parede curva revestida com filetes
pavimento está uma suíte de um lado e do outro uma suíte,
verticais de madeira, atrás da qual está um pequeno lavabo, a
dois dormitórios e um banheiro. Os banheiros também são
cozinha iluminada por janelas altas em fita, e a área de
iluminados e ventilados por pequenas aberturas circulares de
serviço externa dissimulada por muro baixo pintado de
vinte centímetros junto à laje, e os dormitórios por janelas
branco. Também desse lado encontra-se a escada que
com vidros projetantes sobre a paisagem e venezianas
contorna a grande pedra, conduzindo à área íntima.
internas de correr embutidas.

Do hall ainda é possível acessar a parte posterior da casa:


uma laje que se projeta sobre o vazio do terreno, cobertura de
parte do pavimento inferior, estar ao ar livre sob sombra de
árvores, “belvedere” para usufruir a luminosa paisagem da
mata próxima e do mar no horizonte.

Fig.Figura 705 e 706 Vista interna casa de Canoas - escada.

I
>

247

Normalmente Niemeyer optava por grandes aberturas ao


protegidos por grandes beirais sombreados semelhantes as
invés de “buracos na caixa", assim como todos os modernos
casas de Wright; os múltiplos materiais empregados na
que privilegiaram a transparência. Mas aqui além dos grandes hierarquização dos espaços, além de muitas outras. Mas
planos de vidro que definem o partido geral do térreo em apesar dessa íntima relação com arquiteturas altamente
contraponto com as áreas fechadas, encontram-se outros pessoais, o que se vê em Niemeyer é uma interpretação livre
tipos de aberturas, demonstrando que o autor não se fixa em e sempre contestatória, unindo posturas dispares como a
regras rígidas e que, quando o tema exige, ele transgride,
J subvertendo as suas referências.
fixação pelo ângulo reto de Mies e suas formas espontâneas.
Ele dissimulou em Canoas as ressonâncias da poética
estrangeira.

Na casa projetada para sua família, Niemeyer conseguiu Fig.710 e 711 Vistas interna e externa casa de Canoas - grandes planos de vidro.

sintetizar sua postura híbrida moderna, avessa a postulados A luz e a sombra articulam os ambientes da casa de
rígidos. Ela pode ser considerada como um conjunto de Canoas. O contraste dual de rupturas e continuidades
citações, nas quais convivem diretrizes puristas e orgânicas, predomina na arquitetura de Oscar Niemeyer. De forma que
como a laje amebóide a lembrar as formas dadaístas de Hans nela encontram-se luz direta e indireta, luz e sombra,
Arp; as paredes autônomas que cumprem papel continuidade espacial e ambientes contidos, áreas em
independente na qualificação das formas, os grandes sombra mais íntimas e áreas transparentes cheias de luz em
balanços, os pilares esbeltos de aço que sustentam a laje contato contínuo com o exterior. Tudo enfatizando o
plana e a parede curva do jantar revestido com filetes de expressivo dinamismo materializado e percebido ao vivenciar
madeira (referências ao Pavilhão de Barcelona e e perambular pelos ambientes dessa casa.
Farnswourth House de Mies); a continuidade entre
Resumidamente, percebe-se que a pele envoltória caracteriza-se por
espaços internos e externos através dos planos de vidros um jogo equilibrado de transparências e opacidades no pavimento térreo,

I
248

e que no pavimento inferior impera a opacidade. No pavimento térreo a


configuração formal é determinada por volumes irregulares
arredondados interligados por planos retos transparentes. No pavimento
inferior, semi-enterrado, com a face externa encurvada, as subdivisões
internas são geometricamente mais regulares. O acesso principal tem
orientação Noroeste e os quartos estão voltados para Sudoeste e
Sudeste. Quanto aos elementos iluminantes, estes são bem variados e
constituem-se de planos extensos de vidro transparente recuados em
relação à laje plana de cobertura, de planos de vidro a meia altura
contornando a escada de acesso ao pavimento inferior, de janelas em fita
junto ao teto na área da cozinha, de pequenas aberturas na área da saleta
íntima e banheiros e de janelas projetantes com veneziana interna de
correr nos dormitórios. A direção da luz se dá lateralmente, enquanto a
incidência da luz é direta, refletida pelo espelho d’água da piscina, e
difusa pelos beirais periféricos. A distribuição da luz é heterogênea. A
proteção e o controle dos raios solares diretos são obtidos através da
utilização dos grandes beirais e da massa de vegetação periférica. Os
materiais externos restringem-se ao uso de pisos de pedra e cerâmica
preta (que invade o interior), paredes em alvenaria pintada na cor verde
musgo e branco, além de placas de mármore branco na borda da laje
amebóide e da piscina. Antigamente, a superfície externa da sala de estar
era revestida também com filetes verticais de madeira. Internamente pisos
em cerâmica preta no pavimento superior, madeira e cerâmica clara no
pavimento inferior; paredes revestidas com filetes verticais de madeira,
pastilhas de vidro verde musgo, azulejos brancos, além de alvenaria e
lajes pintadas na cor branca. A iluminação resultante caracteriza-se pela
claridade em função dos grandes planos de vidro e das superfícies
refletoras e pela obscuridade relativa nas áreas de estar e intimas. Efeitos
contrastantes deliberadamente pronunciados entre ambientes claros e
escuros diferenciam ambientes de transição de ambientes de
permanência.

“Penso no escuro e reflito no sol". Oscar Niemeyer.


1 249

VILANOVA ARTIQAS Esse percurso o conduziu a uma arquitetura de poucos


elementos, traduzida em uma linguagem seca, bruta e tosca -
uma “poética rude"?3 Uma arquitetura de síntese para poder

i O sol com suas lâminas apreender o que havia de essencial na formulação de um

I
sua luz matemática, programa. Uma arquitetura que não fazia concessões à
não corta com bisturi limpo,
faca de ponta, bala exata. sensibilidade barroca brasileira, nem ao consumismo
Quando opera a paisagem burguês. Antes de tudo priorizava a ausência de excessos,

í opera a machadadas,
e com algum machado cego,
rombudo, de pedra lascada.
abstendo-se dos cacoetes formais e das referências à

I João Cabra! de Melo Neto.


brasilidade de superfície. Artigas procurava afirmar-se através
dos espaços da interação, e não das formas como
A severidade que a obra de Artigas97 guardava, não era da
espetáculo.
í ordem da simplicidade, mas da economia de meios e da
tensão da forma arquitetônica. Durante toda sua vida ele Considerava que arquitetura era construção e arte. E “(...)

I buscou um projeto estético sensível à produção local e em


constante questionamento crítico sobre as bases que
assumia, de acordo com as suas convicções políticas e
arte não tem livro nem regulamento que ensine. Nasce dentro
de cada um e desenvolve-se como conjunto de
experiências... O valor artístico é um valor perene, enorme,
culturais. inestimável. É um valor sem preço e sem desgaste. Pelo
contrário, aumenta com os anos à proporção que os homens
97João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) nasceu em Cun*lpa' '^Xnlferindo-
se educam para reconhecê-lo. O valor artístico subsiste até
curso universitário na Escola de Engenharia do Paraná, m radicando-se nas ruínas. Os anos correm e desgastam o material,
se para o curso de arquitetura da Escola ^''‘^^f^eXiou no escritório
em definitivo na cidade. Antes de se formar no final de 1937. estagiou
enquanto valorizam o espiritual"?3
de Bratke em 1936/1937. Em 1938. a convite de Warchavchik pa p ndo
associado do concurso para o Paço Municipal de Sao Paulo, °b'e"J con9struiu
lugar. De 1939 a 1943 foi sócio da Construtora Marone &■ 0005^^ Para Artigas, a Revolução Industrial propôs a criação de
principalmente residências unifamiliares. Logo apos, na pr p na construção um mundo novo amparado em conceitos tecnológicos e
formou, iniciou carreira docente intensa e engajadaque ^EduaTdo
da FAU-USP em 1961. Participou ativamente da vida insttuciona _e
Kneese de Mello e Rino Levi, foi um dos mais a^v°® "adQ Par1id0 comunista 98 Jorge, Luís Antonio. O espaço seco: imaginário e poéticas da arquitetura na
política do país - desde o segundo pós-guerra era aposentado América. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP, p. 117.
Brasileiro. Em 1969 foi cassado pelo re9'^e fXia. um pouco 99 Artigas, Vilanova. Carta a um cliente, 1945. in: Catálogo de exposição. Vilanova
compulsoriamente do cargo na universidade. Retorno P Artigas arquitecto. 11textos e uma entrevista. Ribeiro. Rogério (org.). Almada:
antes de sua morte. Casa da Cerca, 2001, p.10.
250

científicos. Ele acreditava que as raízes da Arquitetura formas, pois "os valores culturais universais não são
Moderna originaram-se filosoficamente na Alemanha através suficientes para traduzir os valores culturais de nosso
da Bauhaus e das idéias americanas, tendo como matriz o povo”w
pensamento orgânico de Wright. Idéias essas contrapostas
posteriormente às utopias racionalistas de Le Corbusier, a Dentro desse quadro sua obra foi estabelecida num
alguns preceitos (não assumidos) do brutalismo inglês e do contínuo descobrir, num contínuo evoluir. Numa primeira fase
construtivismo soviético. Essas influências permaneceram de o engenheiro-arquiteto produziu uma arquitetura "eclética”, na
alguma forma durante quase toda a sua carreira e definiram qual ainda imperavam os cheios sobre os vazios.
algumas relações no uso da luz natural como diretriz
projetiva.
A partir de 1940, Artigas começou a fazer algumas
propostas "orgânicas"influenciadas pelas revistas americanas
Desde então Artigas defendia que “(...) não se pode olhara e por Wright, em especial. Era a fase dos grandes beirais
arquitetura como sendo só arte, mas como expressão cultural sombreados de madeira, dos tijolos à vista, das telhas de
de um povo, de uma época, de um período histórico e que barro, da cor ligada à matéria. Nessa fase os espaços fluidos
conversa, não só tecnologicamente, mas troca com o interligavam-se, a luz refletia-se nos grandes beirais antes de
passante sagaz, um diálogo absolutamente impossível de ser entrar nos ambientes e as pérgolas graduavam a luz solar
destruído, qualquer que seja a justificativa”.'100 projetando rendilhados variados. Ele buscava desfazer “a
caixa" através das janelas de canto e das janelas junto ao
Artigas posicionava a arquitetura como uma unidade entre teto, proporcionando uma luz que definia espaços, ora
interior e exterior, buscando a união do plano artístico com o iluminados, ora sombreados. Modelos dessa atuação é a
plano funcional - transformando-na numa manifestação casa do arquiteto (1942) e a casa Paranhos (1943).
cultural. Portanto, ao compreender a postura de
universalização, caberia ao arquiteto buscar entender como a
técnica podería ser pensada artisticamente para criar
intenções estéticas no Brasil; procurando na essência da WsJ. — £534,/» ' "»■ --- **==
Fig.713, 714 e 715 Casa Errazuris de Corbusier, casa Czapski e rodoviária de Londrina.
nacionalidade, o modo de pensar e projetar as próprias

100 Artigas. Vilanova. In: "Suplemento especial sobre o grande mestre da 01 Artigas, Vilanova “Política do IAB” - palestra proferida no IAB-SP - Fundação
arquitetura paulista". Acrópole, n 66. 1984. Vilanova Artigas,s.d.


251

Na fase “racionalista corbuseana", posterior a 1944,


varandas e os terraços projetando sombras intensas. Os
destacavam-se as obras da casa Benedito Levi (1944), o
principais materiais utilizados eram o tijolo, o vidro e o
Hospital São Lucas (1945), o edifício Louveira (1946), a casa
concreto pintado de branco. Surgiram também em tal fase
Trostli (1948), a casa Czapki (1949), a segunda casa do
alguns elementos protetores como áreas sombreadas sob
arquiteto (1949), a Rodoviária de Londrina (1950) - atestando pilotis, venezianas, cobogós e brises.
uma mudança de rumo. Nelas prevaleciam os prismas
brancos interpostos, plasticamente puros, projetando sombras
definidas e estabelecendo um diálogo constante entre luz e
sombra. Sombra sob pilotis, sombra enfatizando o jogo
volumétrico - “volumes sob o sol". Nesse período a
transparência literal era tema de projeto, e o uso de grandes
planos de vidro, principalmente nas áreas nobres, produziam
ambientes claros, sem efeitos dramáticos de iluminação e
visualmente interligados ao espaço urbano.

Fig. 717 a 722 Vistas internas, primeira da Casinha e demais da segunda casa do arquiteto.

Daí em diante Artigas não abriría mão de projetar


arquitetura como forma urbana, definida mais na sua relação
com a cidade do que como objeto isolado, optando por uma
linguagem enfática para que o edifício fosse percebido como
presença concreta no espaço. E a partir da casa Olga Baeta
(1956) o arquiteto passou a travar um novo embate com o
espaço urbano. Muitos fatores, relacionados à conjuntura
Fig.716 Croquis casa do arquiteto em Campo Belo, SP. sócio-cultural, tornaram problemática a relação entre interior e
exterior, solicitando mudanças na idéia moderna de
De uma forma geral, pode-se dizer que predominavam,
transparência literal. Então optou por um relativo isolamento,
nesse momento, as formas triangulares, os telhados
estabelecendo ora volumes abertos, ora introspectivos. Nesse
borboleta, os trapézios de meia água, as janelas em fita, as
252

sentido essa casa, com sua expressiva empena de concreto Catedral de Brasília (1958).
dominando a fachada, estabeleceu uma descontinuidade
entre interior e exterior, impediu o olhar do pedestre urbano, Muitas vezes. Artigas utilizou a tipologia do pátio para obter
introduziu uma luminosidade mais íntima, menos homogênea. iluminação mais íntima, manter um certo isolamento em
relação ao exterior, estabelecer contato com a natureza e
Finalmente a última fase, a partir de 1959. foi a época da obter uma certa animação ambiental. Nesse sentido as casas
maturidade, em que a crueza dos materiais começava a Bittencourt 2 e Elza Berquó (1967) são bons exemplos: o
causar forte impressão de virilidade física e a luz revelava a pátio é a área que dinamiza os espaços de circulação interna,
textura bruta dos materiais empregados. Artigas iniciou, com sua vegetação colore os ambientes com tons esverdeados,
a casa Bittencourt 2 (1959), uma tipologia que se tornaria permite perceber a passagem do tempo e as mudanças das
freqüente em muitos de seus projetos: a idéia do “cabana estações.
primitiva"-'02 uma cobertura envolvente apoiada em poucos
pilares. Nela a estrutura evidenciava-se e os planos de
concreto marcavam a impressão de materialidade desejada; o
espaço interno tornava-se autônomo em relação ao exterior
definindo-se em torno de um pátio. Cada espaço passava a
ter sua luz própria, e o percurso de acesso revelava
surpresas: do espaço urbano ensolarado, adentrava-se por
uma passagem estreita lateral sombreada e posteriormente Fig.723 e 724 Croquí e vista interna do cas Elza Berquó.

deparava-se com um jardim centralizado, um foco de luz Sob o ponto de vista lumínico, percebe-se que os
zenital, do qual se pode ter uma visão completa dos espaços invólucros adotados variavam conforme as fases evolutivas
periféricos, dada a transparência total promovida pelos panos de sua arquitetura: na fase eclética predominava a opacidade;
de vidro. Trabalhar espaços com diferentes graus de na fase orgânica havia uma harmonia entre áreas opacas e
luminosidade, usar a sombra para reforçar uma luz interna transparentes; na fase racionalista prevalecia a transparência;
modificada, também foi um artifício utilizado por Niemeyer na mas pouco a pouco a opacidade contraposta à transparência
passou a prevalecer na fase mais madura - mantendo os
102 Frampton, Kenneth. História crítica de Ia arquitectura moderna. Barcelona Gili,
1993, pp.5-6 térreos, predominantemente abertos, leves quando
253

contrapostos ao |peso da massa construtiva. A partir do


porque é como quem tivesse deixado uma marca na relação
Ginásio de Itanhaém (1959) e do Ginásio de Guarulhos
que sempre me comoveu: colocar sua obra na paisagem com
(1960) ele descobriu a força visual de uma grande cobertura
certo respeito pela maneira como ela ‘senta’ no chão, como
elevada projetando sombra intensa. Surgiam assim os
ela se equilibra, como ela exprime, através dessa leveza,
grandes beirais, onde grandes planos de vidro transparente essa dialética entre o fazer e a dificuldade de realizar'’.103
estão protegidos do sol - reminiscência das varandas
coloniais. i. À
-1 ■ '

Fig.725 Vista externa Ginásio de Itanhaém.


S
Sobre as configurações formais percebe-se a ênfase na Fig.726 e 727 Vistas externas Anhembi Tênis Clube.

temática planar: os planos de fechamento possuíam O arquiteto valorizava o encontro da obra com a terra. Era
autonomia, destacavam-se do volume principal e esse o ponto em que residia a poética da estrutura. Sua obra
caracterizavam áreas funcionais. Externamente, os painéis de negava a gravidade. Não era leve como a obra dos cariocas,
fechamento recuados permitiam que a cobertura projetasse mas também se insinuava em leveza. O pilar foi para ele o
sombras constantes, reforçando os perfis das formas. ponto crítico de tensão arquitetônica. Assim como Oscar
Internamente, definiam sutilmente os compartimentos Niemeyer, ele transfigurava os pilotis: o desenho era sempre
funcionais, muitas vezes sem encostar nas lajes de cobertura, articulado, não neutro, dinâmico, às vezes quase uma
mantendo a continuidade espacial - lições Wrightianas. escultura, outras vezes unindo funções díspares como
sustentar, iluminar, escoar água. No Anhembi Tênis Clube
A estrutura era para Artigas fator de comoção. Após (1961) o pilar escultórico era plissado revelando vários planos
ganhar o prêmio Auguste Perret, mostrou-se surpreso pelas com diferentes gradações de luz e sombra. Na rodoviária de
pessoas do Congresso da UIA terem percebido que ele havia Jaú (1973), na intersecção da laje com o pilar, Artigas
tratado os pontos de apoio de suas obras de uma mane
103 Artigas, Vilanova. In: Ferraz. Marcelo (org.). Artigas, Vilanova. São Paulo:
específica e original: “Isso me agradou, de certa mane' Instituto Lma Bo Bardi, 1997, p.33
254

introduziu uma clarabóia de luz, unindo assim num mesmo as alternativas até chegar a uma identidade ideal entre
ponto dois elementos incongruentes: o que sustenta e o que estrutura portante e estrutura espacial, pois pensar os vãos
ilumina. internos era pensar a forma portante que os determinavam.
Daí a insistência em determinados elementos típicos de seu
partido, como a grande cobertura e os pórticos estruturais.
Através de seus cortes de estudo podemos perceber como a
luz era importante na definição dos espaços, adentrando de
Fig.728 Visla externa rodoviária de Jaú modo direto, difuso, lateral e zenitalmente.

Nesse contexto o concreto armado era sua matéria


TOkxJjhA
básica, principalmente na sua fase mais madura. O concreto
tosco muitas vezes era usado natural, outras vezes era
pintado de branco e algumas vezes pintado com cores
Fig.729 Croqui rodoviária de Jaú.
primárias, como foi o caso dos Vestiários do São Paulo
(1960). Constantemente percebe-se a presença de pedras
naturais, tijolos aparentes, madeira, emborrachados,
cerâmicas. Os materiais apresentavam-se brutos, geralmente
em contraste com outros mais trabalhados como os painéis
de alvenaria, de fibrocimento e vidros.

Quanto aos elementos iluminantes, Artigas era generoso


no dimensionamento das aberturas. Aprendeu que o
detalhamento cuidadoso adequava-se a sua necessidade de
delgadas esquadrias vedando grandes vãos. Frequentemente
usava extensos panos de vidro, janelas em fita, janelas de
canto. A partir do Ginásio de Guarulhos, descobriu a zenital
Fig.730 a 734 Vistas internas rodoviária de Jau como recurso para articular os espaços interiores com uma
Seus croquis mostram como ardilosamente ia esgotando
255

iluminação controlada. janelas - novamente a dualidade entre dois elementos


díspares, usados ironicamente para iluminar e para sombrear,

I integrados em um mesmo ponto.

___ ____ ts»


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Fig.735. 736 e 737 Vistas internas Ginásio de Guarulhos e casa Vitorino, SP.

O arquiteto utilizou uma tipologia variada de aberturas


para obter efeitos diversos de luz. Entre elas está a janela
junto ao chão deixando vedada a visão horizontal imediata do
Fíg.738 e 739 Vista externa posterior casa Elza Berquó.
observador: pisos internos e externos contínuos - exemplo
Da vivência de suas obras é possível ainda deduzir que
dessa solução é a casa Ivo Viterito (1962). Posteriormente
Artigas preferiu as varandas e os grandes beirais sombreados
Artigas passou de propostas totalmente transparentes para
como elementos protetores contra a incidência solar
obras cada vez mais intimistas, voltadas para o interior, das
excessiva. E o brise foi um artifício mais empregado na fase
quais a mais radical foi a casa Teimo Porto (1968), onde
racionalista, posteriormente abandonado. Mas em algumas
através de uma solução extrema, nada se relacionava
obras pode-se ainda observar o emprego de venezianas,
diretamente ao exterior. A iluminação provinha de dois jardins
pérgolas e elementos vazados.
internos e de alguns zenitais estrategicamente localizados.
Essas varandas, beirais, térreos recuados, pintura com cor
Na casa Elza Berquó, a casa "pop" de Artigas, observam- escura em alguns elementos no térreo, provocavam um
se vários elementos provocativos como pilares de tronco, contraste efetivo de áreas escuras sob volumes superiores
pisos cerâmicos de cores e texturas variadas, beirais em plena luz. A sombra era elemento arquitetônico efetivo
terminando em placas de concreto que lembram os utilizado não apenas funcionalmente, mas para reforçar
lambrequins das casas de madeira paranaenses. Mas em contrastes de áreas ensolaradas e obscurecidas, destacar os
relação à luz, além do pátio central em torno do qual a casa perfis dos volumes e suas arestas vivas “a corte de faca". Na
se organiza, vemos na fachada sudoeste posterior um beirai fase madura predominava a grande cobertura que a tudo
com diversos zenitais, proporcionando luz complementar às
256

envolvia, cobertura essa elevada, projetando sombras Influenciado pelos construtivistas, enfatizava em vários
intensas. Observa-se, então, como a sombra passou a ser textos o gosto pelo uso de cores, principalmente cores
manipulada como matéria concreta, assim como ocorreu com primárias que auxiliavam na decomposição dos volumes, na
Niemeyer. Luz e sombra colocadas em contraste absoluto, valorização dos planos - tendência privilegiada por vários
sem nuanças de claro-escuro. Para Artigas, elas auxiliavam planos soltos que não tocavam os tetos.
no reforço dos perfis dos volumes formando uma faixa mais
escura, na identificação da rusticidade da matéria, na ilusão
de leveza através dos térreos sombreados e transparentes
contrapostos a massas pesadas superiores opacas.
Auxiliavam, também, a marcação das zonas de acesso. Fig.743 a 746 Vistas casa Rubens de Mendonça, casa Olga Baeta. Ginásio de Guarulhos.

Na segunda casa do arquiteto essas cores começavam a


aparecer, embora ainda em tons mais apagados (azul e
Fig.740 Croqui Garagem de Barcos. vermelho antigos nas paredes, o vermelhão no piso, o preto
nas colunas e o branco nos volumes principais). A partir da
casa Olga Baeta e da casa Rubens Mendonça (1958), "a

t
< casa dos triângulos”, a influência concretista efetivava-se
iM) i: através das paredes de cores “mondrianas” vivas como azul,
• & a •>
amarelo, vermelho, preto e branco: “Me emociona até hoje, a
Fig.741 e 742 Vistas externa e interna Garagem de Barcos.
casa paulista, do lavrador, onde o telhado começa onde a
porta termina... São formas peculiares de sentir do nosso
Isso é também visível na Garagem de Barcos do Santa
povo que eu tentei interpretar em algumas de minhas obras.
Paula late Clube (1961), construção sintética definida por um
É curioso que essa temática poética que encontrei para as
terrapleno e uma cobertura, onde o peso e a massa do
residências, está também no colorido".104
concreto aparente aliados ao fato do edifício pousar
diretamente no solo reforçam a impressão de que, nesse
Já em relação às texturas, estas foram obtidas pelo
,caso, a terra é a força preponderante, apesar da existência
dominante de uma cobertura aérea projetando sombra 04 Artigas, Vilanova In: Catálogo de exposição. Vilanova Artigas arquitecto. A
cidade é uma casa. A casa é uma cidade Ribeiro, Rogério (org.). Almada: Casa
intensa. da Cerca, 2001, p. 102.
T emprego de materiais naturais (pedras, tijolos aparentes) ou período em que estava sob forte influência corbuseana.
257

do efeito que as formas de madeira deixam sobre o concreto


“É um edifício que marca todos os alunos que por ali
armado aparente ou pintado, com suas múltiplas micro- passam.. Um ponto luminoso. A enorme carga simbólica
sombras realçando sua qualidade tátil. Artigas priorizava o intencionalmente dada ao edifício permite tanto conviver
cotidianamente com ele, como tê-lo como referência...
contrate dual, contrapunha materiais brutos com outros mais Passa-se por ali, o edifício abriga, mas ao mesmo tempo
some como estrutura forte e somente fica a permeabilidade,
industrializados (polidos, brilhantes). A texturas das pedras o convivio, as cores, o passeio iluminado. Uma dialética
entre a afirmação seca e radical e a possibilidade do
dos muros contrastavam com a superfície do concreto natural encontro diário pleno e sereno’.'06
e das alvenarias geralmente brancas.

A iluminação resultante das suas intervenções


demonstrava o predomínio de espaços mais claros do que
escuros, o uso de diferentes tipos de modos de iluminar um
espaço, ora com luz lateral, ora vertical através de zenitais, o
que possibilitava estabelecer um maior dinamismo ao interior. Fig.747 e 748 Vislas externas da FAU.

Seus espaços eram sempre unos, ricos de luz, onde o Buscando uma linguagem "mais seca, mais bruta", Artigas
invólucro era habilmente pensado. contrapunha, em tal projeto, a franca exterioridade da forma,
optando pela expansão do interior e atribuindo-lhe
Para finalizar a exposição sobre os aspectos lummicos, características de exterior. Disso decorre a presença
norteadores das propostas de Artigas, passa-se a discorrer marcante do pátio como centro propagador de convivência. E
sobre uma de suas obras mais significativas,'05 a Faculdade a caracterização da grande cobertura translúcida como
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São elemento chave na qualificação espacial, objeto que protege
Paulo (1961), em parceria com Carlos Cascaldi, onde o e ilumina homogeneamente, promovendo a poética da luz
arquiteto mais uma vez priorizava o interior em detrimento do zenital modificada, banhando o interior com um céu
exterior. O que tem como consequência a opção por uma amarelado. Essa grelha de concreto uniforme e modulada,
configuração formal externa contida e com poucas embora não sendo parte da estrutura principal, possibilitava a
articulações plásticas a defini-la, visivelmente diferente do
106 Sawaya, Silvio Barros. In: Catálogo de exposição. Vilanova Artigas arquitecto.
A cidade é uma casa A casa é uma cidade. Ribeiro, Rogério (org.). Almada: Casa
da Cerca, 2001, p.29. Grifo nosso.
05 Apesar de alguns problemas relacionados ao conforto ambiental.
258

manutenção da tipologia da caixa. uma caixa opaca levitando no espaço. Esse efeito é
proporcionado pelo sombreamento obtido sobre os dois
pavimentos inferiores recuados e envidraçados. Mas a leveza
obtida é diferente daquela proporcionada pelas coberturas
aéreas cariocas, aqui o arquiteto anseia por estabelecer uma
ligação com a terra, acentuando a materialidade da
construção, utilizando para isso pilares articulados faceando
Fig.749 e 750 Vistas externas da FAU. as empenas. O mesmo modelo foi utilizado nos Vestiários do
São Paulo Futebol Clube e no Anhembi Tênis Clube -
O estabelecimento de um espaço promotor das relações
sombreamento e transparência nos pavimentos inferiores e
humanas nos remete aos primórdios da arquitetura, em que a
opacidades nos pavimentos superiores - artifício que procura
“cabana primitiva" propiciava um abrigo caracterizado por
conciliar duas qualidades aparentemente excludentes: fluidez
uma cobertura sobre apoios, demarcando um domínio
e densidade.
singular transparente. Portanto, a configuração do projeto
define-se por um imenso volume fechado sustentado por seus
apoios, cujas faces laterais são empenas ásperas, com um
tratamento expressivo determinado pelas fôrmas de madeira
impressas em sua superfície, sobre a qual a incidência direta
do sol estabelece projeção de micro-sombras a enfatizar sua
textura. Expostas ao sol paulista, as empenas tornam-se
quase douradas. E não é por acaso que o sol está estampado
na empena Sudoeste de acesso, sendo o logotipo oficial da
escola. Pode-se, ainda, conjeturar que o arquiteto rememorou Fig.751 e 752 Geodo e vista interna da fau.
Platão, que em seu livro A República'07 relacionou o sol como A Fau é um geodo.'06 Uma tentativa de neutralizar a
símbolo do conhecimento.
Então esse edifício austero impõe-se na paisagem como
Pedra tosca externamente, cheia de cristais internamente. Metáfora conceituai,
sugerindo que o edifício pode ter duas imagens simultâneas, utilizada por Tim
Mcginty in Snyder, James C. e Catanese. Anthony. Introdução à arquitetura. Rio
107 Platao. A República. São Paulo: Martin Claret, 2001. de Janeiro: Campus, 1984, p.229.

259

exterioridade da forma e valorizar a dimensão interior. Mas


não de forma estanque, e sim através de uma gradual
transição de um espaço aberto para um espaço contido. Ao
se adentrar no edifício vislumbra-se um espaço aberto em
II todas as direções, desenvolvendo pavimentos intercalados
acima e abaixo do nível do solo. A Fau é toda aberta, mas
Esse invólucro abriga espaços interiores que fluem com
quando se está em seu interior, é o grande vão (praça) que
extrema liberdade, formando um circuito contínuo em todo o
preenche toda a percepção, inibindo o exterior, independente
prédio. Nessa sucessão de ambientes sob a proteção da
das aberturas laterais.
cobertura unitária, vivenciam-se espaços em permanente
contração e expansão, onde as contraposições entre interior
e exterior são ultrapassadas pelo movimento espacial: "O
prédio da FAU, como proposta arquitetônica, defende a tese
da continuidade espadai... Há uma interligação física
contínua em todo o prédio. O espaço é aberto e as divisões e
os andares praticamente não seccionam, mas, simplesmente
lhe dão mais função".'09

E existem outros pontos de contato tipológico entre Wright


Fig.753 e 754 Vista interna e varanda da Biblioteca da FAU. e Artigas: por exemplo, o átrio. Como nos edifícios Larkin
Mais uma vez o arquiteto utilizou a lição corbuseana de (1904) e Johnson Wax (1936), ele é tipicamente um espaço
priorizar a "promenade arquiteturale”, o ato de circular centralizado introvertido inundado de luz zenital, possuindo a
correlacionado ao domínio visual. No entanto, a continuidade tendência natural de girar em tomo de si mesmo e voltar as
espacial wrightiana, freqüentemente utilizada, aliou-se ao costas para seus arredores.110 Os dois arquitetos utilizam a
projeto e o arquiteto eliminou quase tudo que pudesse
109 Artigas, Vilanova. In: Catálogo de exposição. Vilanova Artigas arquitecto. A
seccioná-la, principalmente as paredes e os pilares. cidade é uma casa. A casa é uma cidade. Ribeiro, Rogério (org). Almada: Casa da
Prevaleceu a imagem do constante domínio visual entre todas Cerca, 2001,Tice
p. 131.
"° Laseau, apud Irigoyen, Adriana. Wright e Artigas, duas viagens. São
as partes funcionais do edifício. Paulo: Ateliê, 2002. p. 144.

I
260

luz como diretriz de projeto, ambos valorizam a interioridade Essa postura reforça a idéia de interligação física e
iluminada zenitalmente, mas enquanto nesses edifícios continuidade espacial que podem ser percebidas já no térreo,
Wrigth nega totalmente o exterior, Artigas prefere um onde rampas unem os oito pavimentos intercalados,
esquema menos intimista, mantém importantes continuidades constituindo-se no principal elemento de interligação entre os
visuais com a paisagem periférica, horizontes verdes vários setores da escola, agendados ao redor da "praça
luminosos que propiciam um ambiente dinâmico não pública" central, demonstrando que a unidade conferida pelo
claustrofóbico.111 Nele se encontra iluminação diversa teto comum tem a contrapartida da continuidade do chão.
segundo movimentos diferenciados: luz esverdeada brilhante
rasante horizontal, tingida pela massa vegetal periférica, e luz
amarelada modificada vertical, tingida pela massa de fibra de
vidro envelhecido dos domos.
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De forma sucinta pode-se dizer que o edifício desenvolve-

h V !'
se ao redor desse átrio, através de dois blocos interligados
pelas generosas rampas. Vindos da grande varanda
Sudoeste está o salão com o piso cor caramelo, área de
A p
Jw
atividades múltiplas, banhado pela luz zenital amarelada,
pelos panos de vidro e vãos abertos periféricos; além da
_ _ _ portaria e do bloco da diretoria também envidraçados do piso
Fig.758 e 759 Vistas internas edificio Lartan de Wright e FAU.
ao teto. Descendo um lance de rampa encontram-se às
Artigas também se mostrava avesso a utilizar pórticos
marcando acessos, estabelecendo fachadas principais. oficinas semi-enterradas, iluminadas por uma janela corrida
superior; e um lance mais abaixo o auditório enterrado. Do
Preferia utilizar o conceito de varandas sombreadas e pisos
acesso, subindo meio piso, surge a lanchonete e a área de
desenhados para conduzir as pessoas a adentrar ao edifício.
exposição e eventos, vedadas por panos de vidro do piso ao
Embora se saiba que algumas pessoas preferissem que os ateliers tivessem teto. Mais meio piso e descobre-se a biblioteca, coração
aberturas diretamente para o exterior, conforme manifestação do professor Paulo
Sérgio Scarazzato em nosso exame de qualificação na PAU em agosto de 2004. envidraçado e transparente tanto para o grande átrio central
261

como para a paisagem externa, contraposta internamente, no é direta e difusa pelas varandas ao redor de todo 0 edifício. A
pátio, por um volume de concreto opaco dos ateliers distribuição da luz é predominantemente homogênea. A proteção e
controle dos raios solares diretos são obtidos através do uso de grandes
interdepartamentais; e nos cantos estão o setor de varandas. Os materiais externos restringem-se ao uso do concreto
aparente e do vidro; e internamente 0 piso é cimentado preto,
congregação e as secretarias, também envidraçados. Por fim, emborrachado preto e caramelo, petit pavet branco e preto, cerâmica
os dois últimos lances, onde são encontrados os ateliers e as caramelo; paredes em concreto aparente e alvenarias pintadas; demais
elementos em concreto aparente com acabamento esmerado. Já em
salas de aula, totalmente fechados para o exterior, sem a relação às cores continua a tendência de valorização de alguns planos e
sensação de clausura porque são iluminados zenitalmente de volumes com pintura branca, preta, cinza, caramelo, vermelha, amarela e
azul. A iluminação resultante caracteriza-se pelo predomínio da
forma homogênea. As salas de aulas, locais mais reservados, claridade. A luz permanece sempre difusa através de reflexões diversas
nos pisos e nas paredes que se interpenetram. O térreo é lido
são fechadas internamente com planos de alvenaria e as externamente como áreas escuras contrastando com 0 prisma superior
circulações e ateliers mantêm a continuidade espacial, apesar em concreto aparente, um jogo de claro escuro que suavizam 0 peso da
massa de concreto. Existe uma combinação interna entre a iluminação
de separados entre si por divisórias baixas de concreto. A lateral inferior com a iluminação que vem dos zenitais superiores, que
lógica planar prevalece por todo o edifício e os ambientes promovem uma luz amarelada por sobre todos os ambientes.

parecem formados de uma montagem de planos soltos, na


qual se percebe tanto o desenho específico de cada um
quanto o modo como se articulam entre si.

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Fig. 763 Croqui corte transversal da FAU
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Resumidamente, percebe-se que a pele envoltória caracteriza se pelo
contraponto entre transparência e opacidade; a configuração 0
determinada por plantas retangulares interpostas, envoltas pelo p is W lí ■m -m
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superior fechado e o inferior transparente, onde impera a ccontinuidade .! .


espacial. Os elementos iluminantes são determinados p 9 Fig.764 a 767 Plantas baixas da FAU.
planos de vidro e aberturas zenitais pontuais em 9re a P ..
cobertura. Os tipos de abertura são definidos por del9adas e^dnas
de ferro fechadas com vidro transparente formando grandes panos de
vidro e os domos superiores fechados com fibra de vi r _
direção da luz se dá lateralmente e zenitalmente, enqu
262

um zo mi sobreposições culturais que ia promovendo. E a partir das


ações de juntar, aproximar e contrapor sua arquitetura ia se
configurando, evidenciando sua materialidade e seus fatores
lumínicos.114
O cante a paio seco
é o cante mais só: Nela percebem-se influências do pensamento racionalista
é cantar num deserto
devassado de sol: de Mies e de Le Corbusier. Além da forte impressão orgânica
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombras que lhe causou uma viagem a Europa, em 1956, quando
em que a voz só dispõe visitou Barcelona, mais especificamente, a produção
do que ela mesma ponha
Joào Cabral de Melo Neto. arquitetônica do catalão Antonio Gaudi.115 A pluralidade do
Na obra de Lina Bo Bardi112 a forma estrutura-se em uma pensamento bobardiano foi capaz, então, de assimilar
“idéia forte”’.113 A arquiteta usava conscientemente a matéria e também os princípios não racionalistas. Assim como
a estrutura, administrando a escassez dos meios locais, sem Niemeyer, sua obra não se encaixava em nenhuma corrente
que isso impedisse a fantasia e os efeitos formais, plásticos e arquitetônica, pois os projetos das vanguardas, ao serem
espaciais expressivos. A força de sua obra vinha das aplicados nas condições latino-americanas, revitalizaram-se,
operações que ela realizava quando desenvolvia um projeto, humanizaram-se.
das relações que ia estabelecendo conforme o concebia, das
Não pode ser esquecido, também, que o desenvolvimento
projetivo de Lina estava fortemente influenciado por sua
112 Achillina (Lina) Bo Bardi (1915-1992) nasceu em Roma, Itália. Formou-se em
1940 na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma, cuja tendência formação intelectual única: uma formação européia calcada
enfocava as disciplinas histórico-arquitetônicas. Estagiou em Milão, no escritório no conhecimento da cultura italiana dos anos 30, no qual
do arquiteto Gió Ponti, líder que valorizava o artesanato e dirigia a revista Domus.
De 1941 a 1943 desenvolveu uma intensa atividade jornalística. Em 1943, em prevalecia o rigor racionalista aliado à vocação social e
plena guerra assumiu a direção da revista Domus. Em 1946 casou-se com Pietro
Maria Bardi, e viajou para o Rio de Janeiro. Em 1947 eles se fixaram em São política, desde um Cario Lodoli e Francesco Milizia até Gio
Paulo para fundar e dirigir um museu de arte. A obra de Lina caracterizou-se por
uma ação corpo a corpo com a realidade, buscando uma atividade artística global
Ponti e Píer Luigi Nervi. Quando Una chegou a São Paulo, a
que se desenvolvia em diversas disciplinas, e por mais de 50 anos exerceu
múltiplas atividades: editora de revistas, escritora de artigos, pintora Rossetti, Eduardo Pierrotti. Tensão modemo/popular em Lina Bo Bardi: nexos
(principalmente de aquarelas), fundadora de museus, cenógrafa, colaboradora em de arquitetura. Consultado na Internet, em 8 de setembro de 2003.
filmes, designer de móveis e joalhena, restauradora e revitalizadora de espaços http://www.vitruvius.com.br.
históricos. " Bierrenbach, Ana Carolina de Souza. Como um lagarto sobre as pedras ao sol:
1,3 Mahfuz, Edson. Poesia e construção. A obra como paradigma da qualidade as arquiteturas de Lina Bo Bardi e Antonio Gaudi. Consultado na Internet, em 12
arquitetônica. AU, São Paulo, n.40. fev/mar, 1992, p.41. de fevereiro de 2004. http://www.vitruvius.com.br.
263

Arquitetura Moderna estava começando a se definir, entre o


varandas sombreadas cobertas de sapé.
primeiro racionalismo de Warchavchisk e Rino Levi e o
incipiente brutalismo defendido por Artigas. Foi a partir desse E na terceira fase, sintetizou preceitos racionais e
quadro que a arquiteta começou a atuar com o que estava ao expressionistas com aspectos culturais do povo brasileiro
seu alcance, tirando proveito das contradições e limitações (1976-92) - um período em que tratou da invenção da
locais. memória brasileira através da iconografia de arquiteturas e
objetos. Nesse sentido a experiência do SESC-Pompéia
Sua obra no Brasil pode ser caracterizada em pelo menos (1977-86) é exemplar porque, com uma intervenção mínima,
três fases. A primeira, norteada pela estrangeira encantada ela conseguiu uma máxima transformação do uso e
com a Moderna Arquitetura brasileira (1947-57), em que a significado do conjunto. No mesmo complexo, coadunava-se
instância cultural mais geral era perpassada pela ideologia da o antigo com o moderno, os pavilhões horizontais com as
modernidade. O ápice e fechamento dessa fase foi o projeto torres verticais, a fábrica tradicional de tijolos com os muros
do MASP (1957-68), Museu de Arte Moderna de São Paulo, altos e passarelas em várias direções de concreto aparente
onde a transparência, os materiais brutos contrapostos aos tosco, além de janelas de formas espontâneas que lhes
industrializados evidenciavam-se. Nele a luz e a paisagem agregava valores orgânicos. A obra surgiu assim como uma
foram captadas com a intenção de obter um espaço interpretação do entorno e de suas formas típicas.
homogeneamente iluminado e, ao mesmo tempo, integrado
ao entorno imediato.

Na segunda fase, ela descobriu a memória cultural do


povo nordestino (1958-64), lançando um olhar interessado e
encontrando na cultura popular seu foco principal de atuação,
a partir do qual conseguiu compreender as fronteiras da
modernidade brasileira. A viagem à Bahia foi certamente o
grande divisor de tal perspectiva, na qual ela procurava Flg.768 e 769 Vistas externa e intema do SESC Pompéia.
descobrir um design industrial possível a partir do Una, frequentemente, conceituou a arquitetura como um
levantamento do pré-artesanato. Na casa Valéria Piacentini trabalho artificial do homem sobre a natureza. E defendia que
Cirell (1958) iniciou essa mudança de postura com o uso das

I
264

a “(...) função do arquiteto é, antes de tudo, conhecer a assemelhava-se a um tapete de pontos de interesse. Outro
maneira de viver do povo em suas casas e procurar estudar exemplo dessa postura foi o Masp, que persiste como
os meios técnicos de resolver as dificuldades que atrapalham inegável ícone urbano, respeitando a exigência de
a vida... O arquiteto é um mestre da vida... Ele tem o sonho continuidade visual existente entre o parque Trianon e o
poético, que é bonito, de uma arquitetura que dá um sentido belvedere sobre o vale, estabelecendo uma grande praça
de liberdade... A arquitetura é profundamente ligada com a sombreada, uma pausa na conturbada Avenida Paulista.
vivência”."6
Lina Bo Bardi entendia a modernidade não com o sentido
de contemporaneidade, mas sim de plenitude, em que a
arquitetura promovia uma consciência histórica e resolvia
necessidades sociais e políticas. Mais que moderna ou não
moderna, defendia que a arquitetura deveria ser utilitária e
imaginativa, integrada à realidade, e ao mesmo tempo devia
superar a incapacidade moderna de expressão e
Fig.77O e 771 Vistas internas SESC Pompéia. comunicação.
A arquiteta atuou de forma similar a Aldo Rossi quando
também definiu a arquitetura como geradora do fato urbano, Montaner utilizou o conceito de “mímesis” para entender a
acontecimento significativo no contexto da cidade.117 A produção de alguns arquitetos da terceira geração moderna,
medida da importância da cidade na obra de Lina era entre eles Lina Bo Bardi. Ele os caracterizou como aqueles
justamente a afirmação da necessidade de arquiteturas de que voltaram a fazer referências ao universo natural e cultural
caráter público e social. No plano piloto que elaborou para o que estava ao seu redor, sem produzir cópias fiéis do meio
centro histórico de Salvador, foi a marcação de lugares fortes, circundante, rechaçando o formalismo e o maneirismo do
a revitalização de nós estruturantes do tecido urbano que a estilo internacional e reclamando olhar de novo os
interessaram, e nesse sentido a mais antiga cidade do país monumentos, a história, a realidade, o usuário e até a
arquitetura vernacular.118 Dessa forma, diferenciavam-se de
1,6 Bardi, Lina Bo. In: Ferraz, Marcelo C. org.“Una Bo Bardr. Sào Paulo: Instituto uma modernidade universal e optavam por uma mais
Lina Bo Bardi, 1996, p.203. Grifo do autor.
Azevedo. Mirandulina Maria Moreira. A experiência de Lina Bo Bardi no Brasil específica que se caracterizava por ser uma síntese entre o
(1947-1992). São Paulo, 1995. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - FAU/USP,
p.27. "8 Montaner, Josep Maria. La modernidade superada. Barcelona: Gili, 1998. p.12.

I
265

moderno e o popular.
pernambucanas, enquanto Lina a encontrou na arquitetura
vernacular do sertão agreste do nordeste, no triângulo da
Assim como outros tantos arquitetos brasileiros e latinos,
Lina Bo Bardi promoveu uma miscigenação, um sincretismo seca, entre Salvador, Recife e Fortaleza. Quando falava de
sua vivência no nordeste, a arquiteta esclarecia que o que a
entre princípios modernos e regionais. Em sua obra
comovia não era o romantismo folclórico, mas sim a
superavam-se os limites do movimento moderno, sem romper
experiência da simplificação.'20
com seus princípios básicos. Se a arquitetura moderna era
anti-histórica, ela conseguiu fazer obras em que modernidade Sob o ponto de vista lumínico, percebe-se que os
e tradição não fossem antagônicas. Se a arte moderna era invólucros adotados na obra de Lina variaram conforme as
intelectual, internacional e reagia ao gosto estabelecido e às fases evolutivas de sua arquitetura: no início prevaleceram as
convenções, ela propôs um moderno calcado na arte popular, transparências e, gradualmente, a opacidade era mais
negra e indígena. Se a arquitetura racionalista baseava-se na expressiva. A partir da Casa Valéria, os planos de
simplificação, na repetição e nos protótipos, Lina soube fechamento articulavam-se com argamassa e seixos rolados,
introduzir sobre um suporte estritamente racional e funcional, além do uso de plantas, treliças e avarandados
ingredientes poéticos, irracionais, exuberantes e não caracterizando cada vez mais sua linguagem híbrida.
repetidos. “Conciliou funcionalidade com poesia, modernidade Observa-se um afã por mesclar posturas díspares, numa
com mímesis. Em sua obra se superam as dicotomias nas atitude similar a seu colega Gaudi.
que se havia dividido a estética do século XX: a luta entre
abstração e mímesis, espírito e matéria, razão e tradição, Sobre as configurações formais, resumidamente, pode-
concepção e representação, cultura e natureza, arte e se também perceber uma gradual evolução: dos volumes
v7da"."9 puros e contidos do MASP até os volumes cilíndricos e
orgânicos da Igreja do Espírito Santo do Cerrado em
De forma similar ao que ocorreu vinte anos antes com Uberlândia (1976-82). Além disso, a estrutura era também
Lúcio Costa, ao aplicar as idéias modernas apreendidas na protagonista de suas criações e funcionava como um núcleo
Itália, Lina percebeu a necessidade de ser fiel à realidade criativo. A arquiteta entendia que a estrutura na obra de
cultural do local onde intervinha. A busca por brasilidade arquitetura devia ser projetada pelo arquiteto, mesmo que
levou Lúcio Costa às cidades mineiras, maranhenses e calculada por terceiros, obtendo assim o domínio do projeto.
"9 Ibid., pp.13-14. ,2° Id. ibid., p.100.
266

A preocupação científica de seus desenhos convivia com o deslizantes de madeira; contrapunha o piso de pastilhas de
seu caráter artístico. Havia nos projetos um habilidoso vidro ao piso embrenhado de conchas ou pedras; interpunha
tratamento interno: nos efeitos cênicos-espaciais, na definição cacos, conchas e pedras nas paredes externas; relacionava o
e atribuição dos materiais que empregava, na forma como a concreto bruto com gramíneas entre paralelepípedos. Muitas
luz natural os valorizava. Quando Marcelo Ferraz121 escreveu vezes ela adotava como diretriz o contraste entre elementos
sobre sua experiência com a arquiteta Lina Bo Bardi, falou do rústicos, geralmente estruturais, e outros de execução mais
desenvolvimento do projeto no canteiro da obra: o projeto refinada, como portas, janelas, bancos e escadas.
sendo verificado a cada passo na realidade da obra, discutido itQ
com engenheiros, mestres e operários.122

Nesse contexto a arquiteta priorizava os materiais naturais


e o concreto aparente. A escolha de um material era
dependente da relação que podia estabelecer com outros
materiais a utilizar. Não era uma escolha feita a partir do Fig.772, 773 e 774 Aberturas Casa de Vidro , casa Valéria e restaurante Coaty.
material em si, mas de seu valor plástico quando contraposto Quanto aos elementos iluminantes podemos dizer que
com outros. A justaposição, de certa maneira, tornava-se Lina Bo Bardi, inicialmente, preferiu os grandes vãos
análoga à cultura popular brasileira por seu modo de cruzar fechados com vidro transparente, artifício moderno adotado
referências locais e externas livremente. Todo o processo para se relacionar com o entorno, refleti-lo e absorver uma
caracterizava-se pelo ajuntamento, sobreposição ou luminosidade homogênea. Mas, gradativamente, esses
aproximação, visando o estabelecimento de relações elementos tornaram-se mais complexos e diversificados, a
pertinentes. Assim, por exemplo, a arquiteta juntava telhado arquiteta passou a usar pequenas aberturas, algumas das
de palha com estrutura de concreto ou madeira; sobrepunha quais com formas irregulares expressivas, fechadas com
um trançado de palha nos pilares para minimizar o peso de vidro ou treliçados. E a partir da casa Valéria Cirell, introduziu
uma estrutura excessivamente dimensionada; contrapunha os em sua arquitetura a iluminação zenital para articular e
caixilhos deslizantes em aço e vidros aos caixilhos qualificar seus espaços internos. Diferentemente da Casa de
121 Ferraz, Marcelo Carvalho. Minha experiência com Lina. AU, São Paulo, n. 40, Vidro do Morumbi (1951), a luz interna agora era filtrada, as
fev/mar, 1992. p. 39.
122 Jorge, Antonio Jorge. O espaço seco: imaginário e poéticas da arquitetura na
treliças de madeira - como os antigos muxarabis - quebravam
América. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Arquitetura) - FAU/USP. p. 87.
267

o efeito ofuscante da luz tropical, permitindo privacidade, mas museus eram “organismos educativos”, atraiam o olhar pela
não impedindo de ver a paisagem externa. exposição de fatos artísticos internos através dos vidros.

Pig.775. 776 e e restaurante Coaty.

Quando Lina projetou museus, a relação mais recorrente


Fig.781 e 782 Vistas internas do MASP.
foi o uso das transparências: “Os museus novos devem abrir
O MAMP é uma imensa caixa de vidro suspensa no ar.
suas portas, deixar entrar o ar puro, a luz nova. Entre
Nele a arquiteta propôs ao visitante um método revolucionário
passado e presente não há solução de descontinuidade”.'23
de instrução baseado no descobrimento livre, e não num
percurso tele-dirigido, usual na maioria dos museus de
percurso contínuo, linear, unidirecional - como o museu de
Bí' crescimento sem fim (1939) de Le Corbusier ou o Museu
Guggenheim (1959) de Wright.

Fig.778, 779 e 780 Vistas externa e internas do MASP.

A arquiteta dos anos 40 estava totalmente integrada aos


ideais do Movimento Moderno internacional, em que luz, ar,
clareza eram temas recorrentes. Dessa forma contestava em
suas propostas a idéia de museu como depositário de
relíquias, “recanto de memória", túmulo para múmias.
Defendia a idéia de continuidade entre o presente e o
passado, usando a transparência de grandes planos de vidro
que comunicavam diretamente interior com exterior. Seus Fig.783 e 784 Vistas interna e externa do MASP.

Lina objetivava criar uma “atmosfera de aproximação",


123 Bardi, Lina Bo. In: Ferraz, Marcelo C. org.“Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto tanto entre as obras expostas como entre os visitantes. Nos
Lina Bo Bardi, 1996, p.43. Grifo nosso.
I’
268

cavaletes de vidro transparente justapostos na grande planta no centro a casa das freiras (um pequeno claustro com pátio
livre da pinacoteca, quadros de diferentes épocas e estilos interno); um galpão aberto, semelhante a uma oca indígena
flutuavam, resgatando o tempo em que foram pintados cara a (a proposta original previa cobertura em sapé), utilizado para
cara com o pintor.124 Deixavam de ser uma representação a evangelização; e um pequeno campo de futebol. Una
para se tornarem uma presença, em que era possível compôs nesse espaço físico os temperamentos e
confrontar vários períodos diferentes, nos quais passado e características típicas de Minas Gerais: o sentimento religioso
presente contrapunham-se ao mesmo tempo. do mundo e a sociabilidade que o celebra - as festas: a
quermesse, a folia, a pelada. Uma seqüência funcional que
0 vai do espaço sacro ao lúdico sem solução de
I descontinuidade. A circularidade está presente no circo
l— (referência citada por Lina), mas também no ciclo desses
.u ——w siíSL DMO«4.'rXA>
rituais e na visão de um tempo e de uma natureza que se
Fig.785 Croqui corte longitudinal esquemãtico Igreja do Espírito Santo do Serrado. expressam ciclicamente para os olhos do povo.

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Fig.787, 788 e 789 Vistas externas e interna da Igreja do Espirito Santo do Serrado.

Fig.786 Vista externa da Igreja do Espírito Santo do Serrado. A luz foi o meio que vinculava os significados de cada
A arquiteta utilizou uma tipologia variada de aberturas espaço: penumbra na capela iluminada por um zenital
para obter efeitos diversos de iluminação. Na Igreja do triangular sobre o altar, pela soltura do telhado e por
Espírito Santo, a luz é efetivamente diretriz de projeto. O pequenos pontos regularmente marcados na parede curva;
partido configurou-se através da composição de cilindros que luz zenital na intersecção entre a capela e o claustro; pátio
se interpenetram. Num terreno de grande declive, a arquiteta iluminando pelas aberturas das celas do claustro; luz lateral
implantou o conjunto em quatro patamares - no alto a igreja; na área de catequese; sol pleno no campo de pelada.

124 Oliveira, Olívia de. Lina Bo Bardi. Quaderns, 2G Especial n.23/24. Barcelona:
Gili, 2003, p.16.
269

conjeturar então que ela deliberadamente queria subverter o


modelo ocidental centralizador, universalista e hierárquico
valorizador dos símbolos nascimento e morte e, dessa forma,
enfatizar as qualidades lumínicas do lugar com uma tensão
espacial bastante diversa. Aqui a arquiteta harmonizou o eixo
Fig.790 e 791 Croquis de concepção da Igreja do Espírito Santo do Serrado.
sagrado vertical com o eixo humano horizontal, ou seja,
Nos croquis de estudo percebe-se as preocupações da terreno.
arquiteta em utilizar a luz como elemento simbólico: a luz
zenital sobre o altar e alguns vidros coloridos colocados
aleatoriamente na parede periférica da igreja (infelizmente
não foram executados, isso daria um efeito de caleidoscópio
ao interior). Na execução isso se reduziu a um triângulo de
telhas transparentes e a orifícios quadrados abertos
regularmente e colocados altos na parede periférica que Fig.796 e 797 Vistas internas da Igreja do Espínto Santo do Serrado.

define a igreja. Fruto do acaso ou não, percebe-se ainda um Observar-se, ainda, que Lina parece ter preferido o uso de
rasgo contínuo quando o telhado encontra as paredes, efeito varandas sombreadas como elementos protetores contra a
que auxilia a leveza do conjunto, artifício muito utilizado por incidência solar excessiva e alguns outros elementos mais
Oscar Niemeyer. tradicionais como as venezianas e os treliçados de madeira.

Assim como ocorria nas construções coloniais, essas


■ i íl3Ü ■
varandas provocavam um contraste efetivo entre volumes em
c plena luz e barrados sombreados inferiores, articulando e
EflBHiME ■■■
1 --f valorizando mesmo as volumetrias mais singelas. A sombra
Fig.792 a 795avwwwww
Vistas externa e internas da Igreja do Espirito Santo do Serrado.
era também utilizada para marcar áreas de acesso, fato
Interessante notar que ao implantar a igreja, Una visível na área de pilotis de sua casa no bairro do Morumbi e
subverteu a usual orientação Leste-Oeste dos templos no MASP onde ele é discreto, quase secundário - apenas
antigos, ou seja, a linha que segue o curso solar, e adotou o uma escada ao ar livre e um elevador monta-carga, em aço e
eixo Norte-Sul para alocar o acesso e o altar. Pode-se vidro temperado, permitem a comunicação entre os

I
270

pavimentos. A sombra era utilizada para marcar essa área, múltiplas micro-sombras promovidas pelos sulcos que as
para torná-la convidativa, refúgio contra o sol tropical, ao fôrmas de madeira deixavam sobre sua superfície; dos tijolos
mesmo tempo auxiliando na busca constante por leveza e aparentes; dos rebocos rústicos.
arrojo técnico.
Nos seus croquis as cores mostravam uma associação
sensível entre matéria e cor. Era a cor que dimensionava a
L—cr percepção que a arquiteta tinha dos espaços e materiais: eles
k .3

P? tinham cor, textura, luz, sombra. Os croquis aquarelados,


---------- fc— Wil — *
típicos da expressão projetiva de Lina, queriam significar uma
J
Rg.798 e 799 Vista vão e croqui corte transversal esquemático do MASP. visão determinada de arquitetura, não eram meras
Quanto ao uso de cores, predominava em suas obras o transmissões de recursos de representação. Eram objetos de
emprego de cores naturais, estritamente relacionadas às concepção, instrumento de trabalho, orientadores no projeto
qualidades intrínsecas da matéria. Embora em alguns de execução.
projetos a arquiteta tenha proposto a pintura de um ou outro
Outro fator importante nas obras de Lina Bo Bardi é seu
elemento importante com uma cor viva como, por exemplo, os
encantamento pela exuberante vegetação das matas
pórticos e a escada-rampa interna do MASP, ou as
brasileiras. Ela agregava em suas propostas aquareladas
tubulações aparentes, esquadrias e treliças de madeira do
esses elementos com bastante insistência: floreiras, árvores
SESC Pompéia.
plantadas no interior, muros vegetados, terraços, pátios
internos que traziam para o edificado uma relação mais

s SI
Fig.800. 801 e 802 Vistas externas e interna do MASP e do SESC Pompéia.
intensa com a paisagem aculturada.

“A casa invadida por plantas domésticas devolve a imagem


domesticada daquilo que era um fortinho na beira do mar”.'25
Já em relação às texturas, estas eram enfatizadas pelo Dessa forma a arquiteta defendia o projeto da Casa Chame-
emprego de materiais naturais (pedras, argamassa e seixos Chame em Salvador (1958). Infelizmente demolida, sua
rolados, cacos cerâmicos, conchas); de tramas finas de
madeira; da aspereza do concreto aparente evidenciada por 125 Bardi, Lina Bo. In: Ferraz, Marcelo C. (org ). “Lina Bo Bardi". São Paulo:
Instituto Lina Bo Bardi, 1996, p.125.
271

planta irregular e os muros externos eram todos revestidos


últimos, onde a diversidade de aberturas propiciava uma
com vegetação, definindo uma tendência orgânica. Assim luminosidade articuladamente heterogênea, mais relacionada
ocorria com a Casa Valéria onde tanto as paredes como com a cultura brasileira. As duas obras que melhor ilustram
cobertura misturavam-se com a natureza, dando a impressão
essas duas posturas tão diferentes diante do tema da luz
de que a casa parecia brotar da terra.
natural como diretriz projetual é o MASP, tipicamente
racionalista e a Igreja do Espírito Santo, influenciada por
preceitos orgânicos.

Para finalizar o estudo sobre os aspectos lumínicos nas


propostas de Lina, passa-se a discorrer sobre uma de suas
obras mais significativas, a casa da arquiteta no bairro do
Morumbi, em São Paulo (1951).
r ■iiiiinnuiii

Fig.803 Vista externa casa Valéria,


fe fe I
I
I
Muitas vezes ela promovia a assimilação da natureza I

como motivo de expressão arquitetônica. Os buracos-janelas, . . I IWEjffi


a parede-jardim projetada para o anexo da prefeitura, os
■HimillHIMIfJíllll
recorrentes espelhos d’água, os pisos de folhas secas, os Fig8O4 e 805 Croquis plantas pavimento inferior e superior Casa de Vidro.

seixos rolados, os tetos jardins, enfim todos esses elementos


A “a casa de vidro", como ficou conhecida, deve ser
que Lina foi incorporando, de certa forma definiam o uso da
estudada com algumas precauções porque o estigma da
natureza como linguagem-cenário.
transparência pode induzir a simplificações grosseiras. Na
Disso tudo decorre que a iluminação resultante das suas realidade trata-se de uma obra híbrida, mestiça, assim como
intervenções de projeto demonstrava o domínio dos espaços o é toda a produção de Lina Bo Bardi, quase sempre
mais claros do que escuros, sendo que nos primeiros projetos conciliando posturas racionalistas com princípios vernáculos.
prevalecia uma luminosidade homogênea em detrimento dos
r
272

-- Nos seus primeiros estudos, a arquiteta havia imaginado


um prisma único diferenciado em duas zonas: uma
transparente e outra opaca. Mas o produto final construído
evidencia dois volumes separados por um pátio, dois pólos
X 'PdbLtCO e*MS xÁkUk *o»A*rí harmônicos. De forma que aparentemente convivem lado a
Fig.806 Croquis Casa de Vidro. lado posturas em constante antagonismo: moderno versus
Portanto, deve-se minimizar comparações simplificadas, tradicional, público versus privado, aéreo versus apoiado,
porque embora não seja possível negar as influências transparente versus opaco, luz homogênea versus luz
miesianas e corbuseanas, essas não foram reproduzidas e heterogênea.
sim miscigenadas com outros valores da cultura local. A
arquiteta conciliou o uso de pilotis, plantas livre, lajes esbeltas
de concreto, fachadas vítreas com ambientes privativos
compartimentados que evidenciam a preocupação de
caracterizar áreas funcionais diferentes, proteger-se do olhar
indesejado e isolar os serviços - uma atitude típica das 5
Fig.808 Vista externa Casa de Vidro - antiga.
antigas casas brasileiras (ou das casas italianas), construídas
com tijolos e técnicas tradicionais. A casa deve ser analisada dentro do contexto dos anos 50,
quando ela se sobrepujava à natureza, e entender as
condições atuais, quando ela está totalmente envolvida por
elementos vegetais. As fotos antigas mostram um volume
S
envidraçado e branco sob pilotis impondo sua presença na

IS
1-1X
paisagem, usufruindo do panorama vegetal periférico e o
horizonte onde a cidade de São Paulo crescia. Não é possível
azr- conjeturar se a intenção inicial da arquiteta já previa o
ocorrido, mas atualmente a vegetação que a envolve modifica
•to a percepção volumétrica e qualifica os espaços internos com
rendilhados projetando-se sobre suas superfícies. Sua pele
Fig.807 Croqui corte transversal esquemático Casa de Vidro.

273

vítrea brilhante articula-se com imagens instáveis das folhas


Lina antecipava o uso do conceito de parede-paísagem,
de vários tons de verde, projeta seus reflexos na casa.
utilizada de forma mais radical na casa Valéria, na casa do
Porque além “(...) de meio de iluminação e de aeração, a
Chame-Chame (1958) e no anexo não construído da
janela deve formar moldura à paisagem que enquadra, fundir-
Prefeitura de São Paulo (1990-92). Parece que para ela era
se com ela, tomando-se fator espiritual da vida que se interessante reforçar os aspectos efêmeros, ambíguos e
desenvolverá no ambiente; através da janela o ambiente
mutantes, propiciando que a casa permanecesse sempre
comunica-se com o mundo externo, e dele recebe uma camuflada, como se fosse projetada para desaparecer na
particular atmosfera. As plantas verdes, as flores, além da natureza.
amplitude e orientação concorrem para criar esta
atmosfera”."2

Fig.813, 814 e 815 Vistas externas Casa de Vidro - varanda e escada de acesso.

A casa moderna está totalmente integrada ao “jardim


d tropical". Ela foi implantada em um terreno íngreme, amplo e
com uma reserva de mata, acomodando-se na grota em dois
níveis: o pavimento inferior sob delgados pilotis de dezessete
centímetros a cada cinco metros, pintados de verde
acinzentado escuro e a estrutura horizontal de concreto
armado determinam o acesso sombreado: um lugar para
guardar o carro e onde se encontra uma escada com
estrutura metálica bastante leve com pisos de granito. E o
pavimento superior dividido em dois blocos - o bloco da casa
propriamente dito, com a grande área social envidraçada,
com fina carpintaria metálica, voltada para a paisagem, em
Fig 809 a 812 Vistas externas Casa de Vidro - antigas e atual.
torno de um pátio onde foi preservada uma grande árvore e a
área privativa fechada com planos de alvenaria dos
’ 2 Bo Bardi, Lina. “Finestre". Stile, Milão, n.16, 1942, p.34.
274

dormitórios voltados para um pátio interno que os ambienta; e árvores. Essa percepção aérea reforça-se com o pavimento
o bloco de serviço posterior também opaco, interligado ao azul turquesa, talvez uma referência ao céu claro ou aos rios
corpo principal pela cozinha. As áreas predominantemente tropicais. A percepção geral é de que continuamos no espaço
fechadas possuem aberturas pequenas (em fita na cozinha e externo e não dentro de uma casa. Desde o primeiro
com venezianas metálicas nos dormitórios). A volumetria momento nosso olhar é habilmente conduzido ao exterior:
frontal da casa apresenta-se com extrema leveza, enquanto a primeiro para o pátio central iluminado verticalmente, depois
posterior contrapõe-se visualmente fixando a casa ao chão. para os salões com uma luz coalhada lateral, e
posteriormente a vista distante do perfil da cidade de São
Paulo.

Fig.816 e 817 Vistas internas Casa de Vidro.

A arquiteta agenciou os percursos com o objetivo de


conduzir o visitante de forma precisa e controlada, Fig.818 e 819 Vistas internas Casa de Vidro - antigas.

acentuando a relação da casa com o exterior. Relação essa Os principais materiais são os pisos de pedra no
percebida mesmo quando entra-se na casa através do pavimento inferior de acesso, os pisos superiores com
primeiro tramo de degraus da escada sob o "jardim coberto” e pastilha de vidro azul turquesa; as lajes finas de concreto
chega-se a um patamar que posiciona a pessoa de frente armado do tipo “caixào perdido”, enquanto a laje superior é
para a paisagem. Sensação que em seguida será novamente recoberta por telhas de fibrocimento e as alvenarias pintadas
vivenciada no salão de estar superior. É marcante e de branco; pilotis pintados com tinta esmalte verde
constante a presença do elemento vegetal que envolve os acinzentado escuro; grandes painéis de vidro transparentes
painéis de vidro do perímetro das salas e biblioteca. As suportados por perfis de aço bastante delgados, pintados com
árvores projetam seus rendilhados de luz e sombra e colorem tinta esmalte cor grafite.
os espaços com várias gradações de verde. Hoje, tem-se a
impressão que a casa foi construída sobre um mar de

■I II
1

275

sobrepostos ou justapostos. No volume frontal prevalece o vidro


transparente, as lajes delgadas de concreto e os pilotis esbeftos. No
posterior, a alvenaria e o concreto pintados de branco dominam a
volumetria. Os elementos iluminantes são determinados por vãos plenos
fechados com vidro transparente, janelas vedadas com vidro transparente
e pontilhado, delgadas esquadrias com veneziana metálica. A direção da
luz se dá lateralmente, enquanto a incidência é direta e a distribuição é
Fig.820, 821 e 822 Vistas internas Casa de Vidro. homogênea nas áreas sociais e heterogênea nas áreas privativas. A
proteção e controle dos raios solares são obtidos com varandas, cortinas
As áreas das salas envidraçadas estão voltadas para o e venezianas. Os materiais externos restringem-se ao uso do vidro e das
Sudoeste, Sudeste e Nordeste. Nota-se que todos os painéis alvenarias, além dos pisos de pedras irregulares amareladas e arrimos
com argamassa incrustadas de seixos rolados. Internamente o piso e
foram guarnecidos com cortinas leves para proteção contra o parede apresentam-se com pastilha de vidro azul turquesa, paredes e teto
com reboco pintado de branco; azulejos brancos. Já em relação às cores,
excesso de iluminação, embora a mata periférica tenha a arquiteta economicamente usou tons naturais e neutros como o
crescido bastante e auxilie tal proteção. Mas esse fato já pode amarelado das pedras, o azul turquesa, o preto, verde acinzentado, o
verde escuro e o branco. A iluminação resultante caracteriza-se pela
ser percebido quando se analisa as fotos antigas dos anos claridade na área social e penumbra na área íntima. A área sombreada na
50. O que evidencia a dificuldade de se optar por grandes varanda de acesso aumenta a percepção de leveza do conjunto. As fotos
da obra podem dar a impressão de um excesso de luz e ofuscamento na
planos de vidro, em zonas tropicais, sem proteção efetiva área social, um espaço onde é difícil imaginar intimidade e conforto, mas
uma visita “In loco’ dá uma percepção de luminosidade agradável, que
contra a captação da luz, calor e raios ultravioletas aliada aos móveis e obras de arte induzem a uma atmosfera de
prejudiciais às obras de arte e aos livros. Junta-se a isso o inferioridade.
fato de que todos ambientes privativos e de serviços estejam
orientados para Noroeste, opção também não adequada ao
clima de São Paulo.

Fig.826 e 827 Visla externa e detalhe muro de arrimo Casa de Vidro.


Fig.823. 824 e 825 Vistas internas Casa de Vidro.

Resumidamente, percebe-se que a pele envoltória caracteriza-se pelo


predomínio da transparência no volume frontal e opacidade no vou
posterior. A configuração formal é determinada por plantas retangu ares
que se adaptam ao desnível do terreno, formando prismas regulares
/ -"'•X

CONCLUSÃO

LUZ, SOMttfi, fi^UUEW


coadunam entre si, aliando-os a fatores interveníenfes
relacionados, por exemplo, ao lugar onde esta se insere.

Projetar resulta, muitas vezes, das escolhas feitas a partir


de diversas alternativas possíveis, a partir de alguns
pressupostos, parâmetros e diretrizes. Ao fazer essas
opções, certos valores, normas e critérios são adotados. E
normal, portanto, que no processo criativo concedam-se
ênfases diferenciadas a cada questão que se apresente. Um
arquiteto pode centrar sua atenção nos aspectos funcionais e
CONCLUSÃO.
construtivos, outro pode explorar mais as relações formais e
l U2, espaciais, enquanto outro pode fixar-se nos elementos
“variáveis e táteis". O que resultará em uma variedade de
A luz naturalI sempre foi uma das principais diretrizes no soluções, porque afinal arquitetura não é uma simples
processo de <concepção em arquitetura. Os exemplos questão de sistema, e sim de critério; estando sujeita a
vivenciados e discriminados condicionantes técnicas e poéticas, ligadas também à
nos capítulos anteriores
comprovam essa afirmação. imaginação e ao ato de combinar pontos de vista diferentes
acerca da relação interativa entre as pessoas e o mundo que
A motivação primeira desta tese alicerçou-se na busca
as rodeia.
pelo entendimento dos pressupostos epistemológicos da
arquitetura, seus elementos fundamentais (espaço, forma, Daí a importância da luz natural, que pode intensificar ou
luz, sombra, cor, matéria, etc.) e a influência destes no ato de atenuar uma configuração formal e espacial, esconder ou
projetar. Nesse sentido a escolha da luz natural como objeto revelar um detalhe, enfatizar ou silhuetar um elemento
concreto de estudo serviu para evidenciar a necessidade de construído, diminuir ou expandir dimensões e tantas outras
mais pesquisas similares a esta; embora se saiba que fazer relações anteriormente vistas.
arquitetura requer muito mais do que o mero conhecimento
No mundo ortodoxo moderno, luz e transparência
aprofundado dos elementos que a compõe e que seu
passaram a ser mais do que recursos de projeto - eram
refinamento reside, em boa medida, em como estes se

II
280

sinônimos de higiene e claridade, instrumentos para eliminar Na verdade, os homens continuavam a confrontar
o misterioso e o oculto das relações sociais. De dia rompia-se frequentemente as duas culturas. Dilema resolvido quando os
com a idéia da janela tradicional adotando vãos amplos e arquitetos consideravam as situações ambientais em que
proporcionando espaços com uma luminosidade jamais vista, intervinham - postura que parece a mais coerente ainda nos
distribuída por todos os cantos, minimizando assim os dias de hoje.
resquícios de sombras. E de noite a luz elétrica, usada
intensa e homogênea, definitivamente auxiliava na redução Mesmo entre os mestres modernos europeus e
das trevas, o que possibilitava a ampliação do tempo de americanos, existiam procedimentos que depreciavam o
atividade do homem. “mito” da claridade e da transparência absoluta. Le Corbusier,
por exemplo, mostrou-se bastante flexível em sua atuação no
Mas apesar dos aspectos positivos de integração total que tange aos aspectos lumínicos, evoluindo de uma
entre interior e exterior, da diminuição dos contrastes, da arquitetura inicialmente purista, clara e transparente, para
melhoria das condições de trabalho, etc; esta luminosidade uma outra brutalista, com contrastes evidentes de luz e
uniforme tendia a confundir qualidade cçm aumento da sombra; distanciando-se dos modelos clássicos,
quantidade, promovendo monotonia, aumentando a carga aproximando-se dos modelos vernáculos mediterrâneos, nos
térmica e os ofuscamentos, perdendo definitivamente a quais a luz intensa requeria aberturas estratégicas,
possibilidade de promover espaços dinâmicos e ricos, obtidos envoltórios mais opacos, proteção para as peles vítreas,
através de contrastes de luz e sombra. texturas expressivas como as promovidas pelo concreto
bruto, pelas alvenarias aparentes e pelos rebocos toscos.
Nesse contexto muitos autores adotaram generalizações
precipitadas quanto ao uso da luz na Arquitetura Moderna. A pretensa modernidade “universal" tão propalada na
Esta pesquisa demonstrou que realmente houve um gradual década de 20 trazia consigo alguns aspectos nocivos, como
aumento de luminosidade dos períodos antigos aos modernos aqueles relacionados à destruição das culturas tradicionais e
- aquilo que foi chamado de uma transposição de uma à imposição de uma cultura dominante européia.
“cultura da penumbra” para uma “cultura da claridade”. Mas
essa generalização deve ser adotada com algumas ressalvas Felizmente alguns arquitetos resolveram adotar soluções
haja vista que no tempo moderno ainda se cultuava a sombra que absorvessem os preceitos modernos e os aliassem às
como elemento de projeto, embora isso não fosse explicitado. condicionantes locais. Fato que já havia ocorrido
281

difíceis de se enquadrar como a Pampulha de Niemeyer, a


anteriormente na história, quando algumas culturas
Ronchamp de Le Corbusier e o Guggenheim de Wright.
revitalizaram-se ao sofrer uma certa “fertilização cruzada"
como, por exemplo, a cultura Ibérica (Portugal e Espanha) A modernidade viveu então da tensão cultural, lumínica
resultante da miscigenação com os invasores romanos, inclusive, entre o centro e a periferia. De um lado a Europa
hunos, godos e árabes.1 vendo o moderno como mais uma oportunidade para impor
sua pretensa supremacia cultural, com seu ideário
De modo que a questão da “universalidade" regida por
racionalista, proponente de um saneamento ambiental
espaços ascéticos, claros e limpos, não frutificou tão
constituído de espaços transparentes - ambicionando
plenamente como ambicionavam alguns, porque se
universalidade e superação dos limites entre as nações. E
confrontou com outras realidades climáticas e culturais, sendo
essas por sua vez adotando certas reservas, optando por
então absorvida, modificada, mesclada. alguns princípios do Movimento Moderno, mas buscando no
nacionalismo uma forma de revisão de suas tradições, ao
Portanto, mesmo arquitetos que inicialmente defenderam
mesmo tempo em que criticavam a impessoalidade das
os princípios ortodoxos do Movimento Moderno, de sua
relações promovidas pela exaltação da industrialização, do
atitude normativa distanciaram-se promovendo significativas
modificações. Além disso, à margem dos modelos funcionalismo e da simplificação estereotipada.
institucionalizados de “construtivo" e "orgânico", muita Houve, portanto, vários mundos modernos. Entre nós a
arquitetura de qualidade desenvolveu-se nos países “centrais
melhor expressão moderna foi aquela desenvolvida dos anos
e “periféricos". Existiram linhas independentes como, por 30 aos anos 60 que, no anseio por transformações sociais e
exemplo, de um Gaudi, de um Mendenshon, de um Barragan estéticas, soube explorar em muitos casos as tensões entre
- mestres que contribuíram na configuração da modernidade os conceitos de universalidade e de regionalismo. O primeiro
com uma obra na qual a luminosidade ainda embatia com as fundamentado na tecnologia contemporânea disponível e no
sombras. E com a maturidade da Arquitetura Moderna, a racionalismo construtivo; e o segundo alicerçado no desejo
partir da Segunda Guerra Mundial, essas teorias rígidas por se manter uma certa identidade nacional, resgatando
perderam a força enquanto ideologia atuante, surgindo obras valores tradicionais e menosprezando o exotismo.

’ Frampton, Kenneth. História crítica da Arquitetura Moderna. São Pau


Fontes, 2000, p.382.
282

O momento histórico entre a Revolução de 1930 e o Golpe De modo que a pesquisa comprovou a validade das
Militar de 1964 buscou muitas vezes compatibilizar hipóteses iniciais, demonstrando que realmente a luz natural
modernização com as imposições do lugar, do clima, dos e a sombra foram duas das principais diretrizes de projeto na
costumes e da população. Assim, a arquitetura dos trópicos busca brasileira por uma identidade local: elas dialeticamente
passou a elaborar uma poética moderna mestiça, retratada na promoveram dinamismo, hierarquia e diversos efeitos
interpolação e transgressão dos axiomas modernos sobre os cinéticos. Juntamente com as cores, decompuseram os
valores legítimos relacionados ao seu contexto vital. volumes em planos e estabeleceram alguns contrastes
dramáticos.
Alguns arquitetos brasileiros consideravam-se modernos
de fato, mas de um tónus diferenciado, que incluía o trato Os projetos estudados inicialmente retrataram, pura e
afetivo. Desenvolvendo então um especial sincretismo entre simplesmente, os princípios lumínicos modernos. Mas os
preceitos universais e locais, abstendo-se dos dogmas da arquitetos mudaram seu proceder durante o transcorrer de
modernidade como ruptura, vendo-na como transformação, suas carreiras, passando a priorizar aspectos ligados ao
colocando-na como um fato distinto, ao invés de vê-lo como conforto ambiental e ao seu próprio contexto cultural, fazendo
acontecimento de oposição. Abrindo-se para o futuro, mas prevalecer uma luminosidade freqüentemente heterogênea.
ainda confiando na validade de uma certa tradição.
Alguns arquitetos ficaram fascinados com o poder da
Nesse contexto, os arquitetos viveram em um constante transparência promovida por grandes planos de vidro. Não
dilema que os forçava a se posicionar entre dois pólos de só pela sua capacidade de inter-relacionamento maior entre
forças, entre as duas culturas anteriormente vistas: a da interior e exterior, mas também por sua propriedade reflexiva
“claridade" e a da “penumbra”. Acentuando em suas obras da paisagem, desmaterializando a arquitetura e
influências ora de uma, ora de outra, e muitas vezes das duas transformando-na em luz. Fato percebido no Banco Paulista
ao mesmo tempo. Havendo constante embate entre o do Comércio (1947-50) de Rino Levi com seus planos de
moderno eleito - “apolíneo”,2 branco, transparente e fechamento de vidro independentes da estrutura e no Museu
equilibrado - e o contexto local - “dionisíaco”, colorido, de Arte Moderna de São Paulo (1957-68) de Lina Bo Bardi
complexo e suscetível também à sombra. com seu bloco aéreo claramente miesiano.

2 Nietzsche. Wilhelm Friedrich apud Eco, Umberto. História da Beleza Rio de


Janeiro: Record. 2004, pp.53-58
283

Mas ante a essas peles de vidro logo sobrepuseram Outro modelo disseminado foi aquele que se referenciava
máscaras e varandas, caracterizando uma parte significativa às antigas casas coloniais, envolvendo prismas vítreos com
da produção do período estudado. O clima foi, então, a varandas: definitivo nos palácios de Niemeyer em Brasília.
condicionante fundamental nesse processo, pois requisitava Extensas áreas sombreadas sob pilotis foram também
sombreamento, induzindo relações tensas entre aberturas e recursos comuns adotados, por exemplo, no Museu de Arte
barreiras. As aberturas tendendo a serem tratadas como Moderna (1953) de Reidy, no Vestiário do São Paulo Futebol
delicadas zonas de transição capazes de reagir às condições Clube (1960) de Artigas, no edifício Castelo Branco (1971) de
específicas impostas pelo lugar; as tênues barreiras Niemeyer, entre outros.
permitindo proteção e visibilidade, de forma que os ambientes
recebessem a luminosidade adequada e seus habitantes não Muitos arquitetos desenvolveram obras representantes de
se expusessem aos rigores do clima. uma cultura luminosa mestiça. Isso foi constatado no
transcorrer da tese através de algumas obras como a Casa
Tecnicamente muitas obras ainda apresentavam falhas de Vidro de Lina Bo Bardi, com seus dois corpos opostos: um
relacionadas ao conforto ambiental, por desconhecimento ou vítreo, outro opaco; com as duas casas que Artigas projetou
por valorização exagerada dos aspectos plásticos, gerando para sua família no bairro de Campo Belo em São Paulo: a
várias críticas. No entanto, foi comum adotar na mesma cota pequena mais fechada e a maior mais aberta, embora nessa
dois sistemas de vedação (contra intempéries e contra uma também seja visível o gradual aumento de luminosidade
permeabilidade visual excessiva), reforçando o sentido planar quando nos deslocamos das partes íntimas para as partes
dos elementos de fechamento dos espaços e garantindo uma sociais; como a casa de Canoas onde Niemeyer estabelece
certa privacidade. Nesse sentido, os edifícios do Parque áreas luminosas específicas: o pavimento inferior íntimo,
Guinle (1948-54) de Lúcio Costa são exemplos incontestes. escuro, reservado e o pavimento superior social, claro,
Em muitos edifícios a aplicação de filtros em uma das faces transparente - embora nele também exista uma área
mais expostas ao sol e o uso de peles de vidro na face oposta sombreada para marcar uma certa intimidade mesmo na área
geraram espaços onde se contrapunham áreas claras versus pública; além de tantos outros exemplos.
áreas sombreadas, como aconteceu no Ministério da
Alguns preferiram modelos mais intimistas evidenciando
Educação e Saúde Pública (1936-45), no Rio de Janeiro.
envoltórios opacos em contraste com interiores onde pátios e
peles transparentes promoviam continuidade espacial, como
I

284

percebido na casa Elza Berquó (1967), de Artigas; no Museu Essa postura não é saudosista. Apenas pretende
do índio (1982) de Niemeyer; nas casas de Rino Levi. reivindicar uma arquitetura que evolua sem deixar de se
Enquanto outros utilizaram a luz e a sombra organizando definir como o estabelecimento de lugares, promovendo
espaços sucessivos com diferentes gradações lumínicas, poéticas sincrõnicas, nas quais possam conviver
como ocorre na Igreja Espírito Santo do Cerrado (1976-82) de temporalidades díspares fundadas nas expressões do
Lina Bo Bardi; ou promovendo gradual transposição da passado, do presente e do futuro. Em um tipo de
claridade para a penumbra presente no Memorial JK (1980) modernidade “baudelairiana”,3 na qual tudo se mistura e tudo
de Niemeyer. se mantém. Rechaçando a aplicação pura e simples de uma
aparência "globalizada" herdada e imposta. Valorizando antes
De forma que a "alma brasileira” do período viveu também as relações sensíveis humanas, numa deferência necessária
da sombra das varandas, dos espaços fechados por filtros às realidades físicas e psicológicas de um viver mais próximo
proporcionando uma transição térmica e de iluminação entre das pessoas. Voltando-se novamente a valorizar, ao mesmo
os ambientes internos e externos. tempo, os aspectos técnicos e poéticos no projeto-luz.
Considerando a luz e a sombra como elementos que não só
Mas muita coisa mudou desde então. Hoje vive-se num
acrescentem fatores quantitativos em relação à luminosidade
mundo dominado pela informação. Mais do que nunca os
adequada a uma função dada no espaço, mas se portem
arquitetos correm o risco de abandonar a vivência, a
como elementos qualitativos, tratados como matérias de
experiência pessoal, para adotar modelos apenas visuais
construção como quaisquer outras - importantes e
provenientes das diversas mídias. Sendo, então, mister
fundamentais diretrizes no processo criativo do conceber
resgatar algumas posturas que promovam um fazer
arquitetura.
arquitetônico mais legítimo, no qual o projeto possa se
relacionar às tecnologias de seu tempo, sem menosprezar o
contexto onde se inserem e os indivíduos aos quais se
destina. Recuperando, assim, a utopia perdida vinculada
também à luz do lugar e às suas paisagens específicas, não
limitada à temporalidade permitida apenas por um mundo de
pura publicidade.

3 Baudelaire, Charles. Sobre a modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

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CAPA - Vista interior oca yanomami Casa 1 (foto Claudia Andujar),


(http://www.proyanomami.org.br).
CAPA DE ROSTO - Vista interior oca yanomami Casa 2 (foto Claudia Andujar),
(http.7/www.proyanomami).

INTRODUÇÃO.

fi LUZ NfiTURfiL RÊVÊMW0 AWÍTÊWI-


Fig.1- O milagre na caverna, de Pieter Saenredam, 1604. (Flagge, 2002, p.85)/3.

CAPÍTULO l

A LUZ NfiTlIML COMO DIRETRIZ DF PROJETO-


Fig.2- Sol e terra. (http.//www.egg.com.br)/15.
Fíg.3- Interior Catedral. (Ponte, 1999, p.42)/17.
Fig.4- Pôr do Sol. (htlp://www.colorfotos.com.br)/22.
Fig.5- Meditação de Rembrandt. (http.7/www.colours-art-publishers.com)/23.
Fig.6- Peça teatral Medeia, (http://www.antaprofana.com. br)/24.
Fig. 7- Filme MetrópoHs. (http://www.physics.hku.hk.com)/24.
Fig.8 e 9- Bo Bardi, Lina: Casa de Vidro (foto antiga fonte Instituto Lina Bo bardi e
foto atual Paulo Barnabé)/25.
Fig.10 a 15- Le Corbusier: La Tourette. (http:www.arcspace.com)/26e27.
Fig. 16- Niemeyer, Oscar: croquis Catedral de Brasília. (Fundação Oscar
Niemeyer)/27.
Fig. 17- Rua de Siena, Itália. (http7/www.brunel.ac.com)/28.
Fig. 18- Niemeyer, Oscar: Vista exterior Catedral de Brasília.
(http.7/www.colorfotos.com.br)/28.
Fig. 19, 20 e 21- Niemeyer, Oscar: Catedral de Brasília. (Fotos Paulo Barnabé)/28.
Fig.22 e 23- Niemeyer, Oscar: Catedral de Brasília. (Fotos Paulo Bamabé)/29.
Fig.24- Pantheon romano. (Behling,1996.p.90)/30.
Fig.25- Niemeyer, Oscar: croqui Mesquita de Argel. (Fundação Oscar
Niemeyer)/30.
Fig.26 e 27- Niemeyer, Oscar: Capela e cripta da Catedral de Brasília. (Fotos
Paulo Bamabé)/31.

I
288
CAPÍTULO II Fíg 61- Artigas. Vilanova vista parcial externa do Vestiário do São Paulo Futebol
Clube. (Kamita, 2000, p.83)/50.
A LUZ NATURAL £ AS R£LA(!Õ£S LUMfNICAS- Fig.62- Artigas. Vilanova: vista externa FAU/USP. (Foto Paulo Barnabé)/50.
Fig.63- Niemeyer, Oscar: vista externa Cassino Pampulha. (Fundação ON)/50.
Fig 64- Niemeyer, Oscar: vista interior Cassino Pampulha. (Foto Paulo
LUZ,CLIMA E LUGAR- Bamabé)/50.
Fig.28- Deserto egípcio, (http://wvw.botaacima.com br)/37. Fig 65- Niemeyer, Oscar, vista externa Palácio do Planalto. (Foto Paulo
Fig.29- Floresta nórdica. (http://www magas.com.br)/37. Bamabé)/51
Fig.3O- Costa mediterrânea. (http://www.greecegreekislands.com)/37. Fig.66, 67 e 68- Niemeyer, Oscar: vista externas e internas do prédio da Bienal,
Fíg.31- Cidade de São Paulo, (http://www.brasil-treff.com)/38. Parque do Ibirapuera. (Fotos Renato B. Rebouças)/51.
Fig.32- Cidade do Rio de Janeiro. (http://www stefaniasofia it)/38 Fig.69 e 70- Niemeyer, Oscar: vista externa e interna do edifício Presidente
Fíg.33- Casa Japonesa. (Plummer.1995. p 99)/3S Humberto Castelo Branco. (Fotos Paulo Barnabé)/51.
Fig.34- Janela holandesa (Pieter de Hooch) (http://www.globalgallery com)/38 Fig.71- Niemeyer, Oscar: Vista externa do Hotel Nacional no Rio de Janeiro.
Fíg.35- Janela italiana, (http://www.comune.frossasco.to it)/38 (Fundação Oscar Niemeyer)/51.
Fig.36- Vista da Cidade de Ouro Preto. (Foto Paulo Bamabé)/39. Fig.72 e 73- Niemeyer, Oscar: vistas externas do edifício Copan em São Paulo e
Fig.37- Algumas janelas usadas na arquitetura brasileira. (Arte no Brasil. São Oscar Niemeyer em Belo Horizonte. (Fotos Paulo Barnabé)/51.
Paulo: Abril, 1979)/39. Fig.74- Moreira. Jorge: vista interna da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Fig.38- Floresta. (http://www.magas.com.br)/40. UFRJ. (Foto Paulo Barnabé)/52.
Fig.39- Vista interna Rodoviána de Jaú. (Foto Paulo Bamabé)/40 Fig.75- Bratke, Oswaldo: vista externa casa Oscar Americano. (Foto Paulo
Fíg.40- Niemeyer, Oscar Casa de Baile. (Mindlin.1956. p.l89)/4l. Barnabé)/52.
Fig.41- Niemeyer, Oscar: Casa de baile. (Foto João Marcelo Caetano)/41 Fig.76 e 77- Irmãos Roberto: vistas externas edifício MMM Robertos e Finúsia.
(Fotos Paulo Barnabé)/52.
Fig.78 e 79- Reidy, Affonso: vistas externas do Museu de Arte Moderna do Rio de
í.l/2 E TEMPO. Janeiro. (Fotos Paulo Barnabé)/53.
Fig.80- Bo Bardi, Lina vista externa do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Fig.42, 43 e 44- Gehry, Frank O. Museu de Minneapolis. (Ponte. 1999, p.243)/4l (Foto Nelson Kon)/53.
Fig.45. Vista externa frontal Igreja de Rouen. ((http://www.cariveau.com)/42. Fig.81 e 82- Bo Bardi, Lina: vista externa e interna casa Valéria. (Fundação Lina
Fig.46, 47 e 48- Igreja de Rouen. de Monet. (http://www.oldmasterpiece.com)/42. Bo Bardi)/53.
Fíg.49- Kahn, Louis I.: Vista interna Museu Kimbell. (http://www.bonakemi.com)/43. Fig 83 e 84- Levi, Rino: vista externa e interna casa Castor Delgado Perez.
Fig.50 e 51- Artigas, Vilanova: Pátio Casa Bittencourt 2. (Kamita, 2000, p.72)/43. (Guerra, 2001. pp.234 e 235)/54.
Fíg.52- Niemeyer, Oscar: Edifício Oscar Niemeyer - Vistas externas vários Fig.85, 86 e 87- Costa, Lúcio: vista externa e interna casa Helena Costa. (Wisnik,
horários: 7h, 9h, 1 ih, I3h. I5h. (Fotos João Marcelo Caetano)/44 2001, p.114)/54.
Fíg.53- Niemeyer, Oscar: Palácio do Planalto. (Foto acervo Fundação ON)/45.

LUZ E ESTRUTURA-
Í.U2 E FORMA. Fig.88- Casa sítio do Padre Inácio. (http://www.cotianet.com.br)/55.
Fíg.54- Le Corbusier: Ville Savoye. (http://www.ufsc.br)/46. Fig.89- Bo Bardi, Lina: vista externa da Casa de Vidro. (Fundação Lina Bo
Fig.55- Warchavchik, Gregori: casa rua Toneleros. (Ferraz, 1965, p.157)/46 Bardi)/55.
Fig.90- Parthenon grego. (http.7/www.soccerpulse.com)/55.
Fig.91 - Pantheon romano, (http://www.ips.it)/55.
LUZ E ENVOLTÓRIOS- Fig.92- Palácio de Cristal. (Behling, 1996, p.140)/55.
Fig.56- Luz direta, difusa e refletida. Croqui Paulo Barnabé. (Base: Szabo, 2002, Fig.93, 94 e 95- Artigas, Vilanova: vistas internas da Rodoviária de Jaú. (Fotos
p 105)/48. Paulo Barnabé)/56.
Fig.57- Artigas, Vilanova: vista externa casa arquiteto (Ferraz. 1997. p 62)/49 Fig.96- Niemeyer, Oscar: vista externa do Palácio da Alvorada (Fundação Oscar
Fig.58- Artigas, Vilanova: vista varanda casa arquiteto. (Acayaba, 1986, p.39)/49. Niemeyer)/56.
Fig.59 e 60- Artigas, Vilanova: vista externa e interna casa Teimo Porto. (Ferraz.
1997, pp 158 e 159)/50. Fig.97 e 98- Niemeyer, Oscar: vistas externas dos Palácios do Supremo Tribunal
Federal e do Planalto. (Fotos Paulo Barnabé)/56.
289
Fig.99 e 100- Niemeyer, Oscar: vista externa e interna do Palácio do Itamaraty.
(Fotos Paulo Barnabé)/57. LUZ E COR.
Fig.101, 102 e 103- Niemeyer, Oscar: vistas internas do Espaço Lúcio Costa e da Fig 132- Madona de RapheL (http.7/www.goodartorg)/67.
Capela da Pampulha. (Fotos Paulo Barnabé)/57. Fig 133- A Família de Rembrandt. (http7/www.iangilman.com)/67.
Fig. 104- Reidy, Affonso: vista externa do Colégio Experimental Brasil-Paraguai. Fig. 134 e 135-C/rcuto Amarelo e Azul de James Turrei.
(Ferraz, 2000, p.160)/57. (http://www.malhatlantica.pt)/68.
Fig.105- Reidy, Affonso: vista externa do MAM. (Foto Paulo Barnabé)/57. Fig.136- detalhe colunas do Parthenon grego, (http://www.ips.it)/69.
Fig. 106- Reidy, Affonso: corte transversal do MAM. (Ferraz, 2000, p. 169)/58. Fig.137- Igreja barroca alemã Ottobeuren. (http://www.objctssearch.com)/69.
Fig. 107- Reidy, Affonso: vista interna da época da construção do MAM. (Ferraz, Fig. 138- detalhe retábulo barroco igreja São Francisco, Salvador. (Foto Paulo
2000, p.174)/58. Barnabé)/69.
Fig.108 e 109- Bo Bardi, Lina: vistas internas SESC Pompéia. (Fotos Paulo Fig. 139- detalhe vitrais igreja de Chartres. (http://www.pandore.net)/69.
Barnabé)/58. Fig.140 e 141- Diamantina e detalhe azulejos do Ministério da Educação e Saúde
Pública do Rio de Janeiro. (Fotos Paulo Bamabé)/70.
Fig.142, 143 e 144- Artigas, Vilanova: vistas internas casa Olga Baeta. (Fotos
LUZ E MAJéRIA- Paulo Bamabé)/70.
Fig. 110- Niemeyer. Oscar: vista interna do Museu da Fundação de Brasília. (Foto Fig. 145, 146 e 147- Artigas, Vilanova: vista externa e interna casa Rubens
Paulo Barnabé)/59. Mendonça (casa dos triângulos). (Fotos Paulo Barnabé)/71.
Fig. 111- Artigas. Vilanova: vista interna da Garagem de Barcos. (Ferraz, 1997, Fig. 148 e 149- Artigas, Vilanova: vistas internas Ginásio de Guarulhos. (Fotos
p.100)/59. Nelson Kon)/71.
Fig.112- Imagens fragmentadas de vários materiais: tijolo de vidro, mosaico de Fig. 150- Artigas, Vilanova: vista interna Anhembi Tênis Clube. (Kamíta. 2000.
ouro, madeira escura, tijolos, estuque veneziano, placas de ônix. (Foto montagem P.85J/71.
Paulo Barnabé)/60. Fig. 151 e 152- Artigas, Vilanova: vistas internas FAUAJSP e Rodoviária de Jaú.
Fig 113- Tela shojina casa japonesa. (Plummer, 1995, p.3l6)/60. (Foto Paulo Barnabé)/71.
de vários materiais: azulejo, concreto e vidro Fig. 153- Artigas, Vilanova: vista externa dos Vestiários do São Paulo Futebol
Clube. (Ferraz, 1997, p.94)/71.
D-..I- - ----------------------
Paulo Barnabé)/61. Fig. 154, 155 e 156- Niemeyer, Oscar: vistas externas Casa de Baile da Pampulha,
Fig 115- Niemeyer, Oscar vista interna Cassino Pampulha. (Foto Paulo Palácio do Planalto e Palácio do Itamaraty. (Fotos Paulo Barnabé)/72.
Barnabé)/61. Fig. 157, 158 e 159- Niemeyer, Oscar vistas externa e interna do Memorial JK.
Fig.116- Niemeyer, Oscar: vista externa Banco Boa Vista. (Mindlin, 1956, (Fotos Paulo Barnabé)/72 e 73.
p.229)/62. Fig. 160 a 163- Niemeyer, Oscar: vistas externa e interna do Panteão dos
Fig.117 e 1'2 ; Inconfidentes. (Fotos Paulo Barnabé)/73 e 74.
118- Niemeyer, Oscar: vista interna e externa Banco Boa Vista. (Fotos
Paulo Barnabé)/62.
Fig. 119- Niemeyer, Oscar: detalhe colunas do Palácio Itamaraty. (Foto Cristiano
Mascaro)/62. LUZ E ESPAÇO.
Fig.120 e 121- Reidy, Affonso: vistas externas do MAM. (Foto Paulo Barnabé)/63. Fig. 164- Bo Bardi, Lina: vista interna Casa de Vidro anos 50. (Fundação Lina Bo
Fig.122- Artigas, Vilanova: vista externa casa do arquiteto. (Ferraz, 1997. p.62)/64. Bardi)/75.
Fig.123- Artigas, Vilanova: vista externa casa Elza Berquó. (Ferraz, 1997, Fig. 165- Bo Bardi, Lina: vista interna Casa de Vidro atualmente. (Foto Paulo
p.139)/65. Barnabé)/75.
Fig. 124 e 125- Bo Bardi, Lina: vista externa e interna do MASP. (Fundação Lina Fig. 166- Niemeyer, Oscar: vista interna Catedral
vista interna de Brasília.
Bo Bardi)/65. (http://www.colorfotos.com.br)/75.
Fig.126 e 127- Bo Bardi, Lina: vistas externas casa Valéria. (Fundação Lina Bo Fig. 167- Artigas. Vilanova: vista interna da FAU/USP. (Foto Paulo Bamabé)/76.
Bardi)/65. Fig. 168- Bo Bardi, Lina: vista interna do MASP. (Fundação Lina Bo Bardi)/76.
Fig.128 e 129- Niemeyer, Oscar: vistas externas Palácio do Itamaraty e Museu de Fig.169- Bratke, Oswaldo: vista interna ateliê da casa na rua Avanhandava.
Niterói. (Fotos Paulo Barnabé)/66. (Segawa, 1997, p.42)/76.
Fig.130- Reidy, Affonso: vista externa do MAM. (Ferraz, 2000, p. 179)/66. Fig. 170- Wright, Frank: vista interna Taliesin West. (Futagawa, 1994, p.228)/76.
Fig.131- Levi, Rino: vista externa do Centro Cívico de Santo André. (Guerra. 2001, Fig.171-Niemeyer, Oscar: croqui Capela da Pampulha. (Fundação ON)/77.
P-213)/66. Fig.172 e 173- Niemeyer, Oscar: vistas internas Capela da Pampulha. (Foto Paulo
Barnabé)/77.
290

Fig.174 e 175- Niemeyer. Oscar, vistas internas dos ateliês de arquitetura da Fig.216 e 218- Artigas, Vilanova: vistas externas da casa do arquiteto e da
Universidade de Brasília. (Fotos Paulo Barnabé)/77. Rodoviária de Londrina. (Ferraz. 1997, pp. 62 e 69)/87.
Fig.176- Irmãos Roberto vista interna saguão edifício Plínio Catanhede (Foto Fig.217- Artigas, Vilanova. vista externa casa Bittencourt. (Kamita, 2000, p.19)/87.
Paulo Barnabé)/77 Fig.219, 220 e 221- Bratke, Oswaldo vistas externas da casa Oscar Americano.
Fig.177- Saguão do edifício do MESP. (Foto Paulo Bamabé)/77. (Fundação Oscar Americano)/87.
Fig.178- Levi. Rino: vista interna do térreo do Banco Paulista do Comércio. Fig.222- Croqui Congresso Nacional. (Paulo Barnabé)/88.
(Guerra, 2001 ,p.l59)/77. Fig.223- Niemeyer, Oscar: vista externa do Supremo Tribunal Federal. (Foto Paulo
Fig.179- Interior casa do sítio do Padre Inácio. (Hue, 1999, p.l84)/78 Barnabé)/88.
Fig.180 e 181- Costa. Lúcio casa Barão de Saavedra e Paes de Carvalho Fig.224- Niemeyer, Oscar: vista externa do Edifício Castelo Branco. (Foto Paulo
(Wisnik, 2001, pp.72 e 78)/78. Barnabé)/88
Fig.182. 183 e 184- Costa. Lúcio, casa Helena Costa. (Wisnik. 2001,pp.115, 116 e Fig.225 e 227- Croquis Vestiários do São Paulo. (Paulo Barnabé).
117)/78 Fig.226- Artigas, Vilanova: vista externa dos Vestiários do São Paulo futebol
Fig.185- Pôr do sol no Pantanal. (http://www.manancíalcotia.org.br)/79 Clube. (Kamita, 2000, p.81)/89.
Fig.186- Mesquita de Córdoba. (http://www.valentijnvandenberg.n)/79 . Fig.228- Artigas, Vilanova: vista externa do Edifício Louveira. (Kamita, 2000,
Fig.187- Igreja de Chartres. (http://www.pandore.net)/79 p.53)/90.
Fig.188- Niemeyer, Oscar, vista interna da Capela do Palácio da Alvorada. (Foto Fig.229- Costa. Lúcio: vista externa de um dos edifícios do Parque Guinle. (Foto
Paulo Barnabé)/79 Paulo Bamabé)/90.
Fig.189 e 190- Niemeyer. Oscar: vistas internas da Capela do Palácio da Fig.230 e 231- Artigas, Vilanova: vistas externas da casa Ivo Vitorino e Olga
Alvorada (Fundação Athos Bulcão)/79 Baeta. (Ferraz, 1997, pp.73 e 122J/90.
Fig.191- Artigas. Vilanova: vista intema casa do arquiteto. (Foto Paulo Fig.232, 233 e 234- Niemeyer, Oscar: Acesso à Catedral de Brasília, ao Memorial
Barnabé)/79. JK e ao Espaço Lúcio Costa. (Fotos Paulo Barnabé)/90.
Fig.192- Artigas, Vilanova: vista interna cãs do arquiteto. (Kamita. 2000. p.59)/79. Fig.235 e 236- Niemeyer, Oscar: vistas internas Memorial JK. (Fotos Paulo
Fig.193 e 194- Moreira. Jorge vistas internas da Faculdade de Engenharia e da Barnabé)/90.
Faculdade de Arquitetura da UFRJ. (Fotos Paulo Barnabé)/80 Fig.237- Niemeyer, Oscar: vista interna do Memorial JK. (Módulo Especial Brasília
Fig.195, 196 e 197- Bo Bardi. Lina: croqui e vistas internas da igreja Espírito Santo 26 anos, 1989, p.95)/90.
do Cerrado. (Fundação Lina Bo Bardt)/81. Fig.238- Niemeyer, Oscar: vista externa do acesso ao Museu do índio. (Foto Paulo
Fig.198 a 203- Bo Bardi, Lina: Casa de Vidro. (Fotos Paulo Barnabé)/81 e 82. Barnabé)/91.
Fig.239- Gaudi, Antonio: detalhe da Finca Guell de Gaudi.
(http://www.arq. ufsc.br)/91
LUZ E SOHWL Fig.240- Bo Bardi, Lina: detalhe casa Valéria. (Fundação Lina Bo Bardi)/91.
Fig.204- Melancolia e Mistério na Rua. pintura de Giorgio Chirico. Fig.241 - Artigas, Vilanova: detalhe casa Mendes André. (Kamita, 2000,p.99)/91
(http://www.colchsfc.ac.uk com)/82 Fig.242- Superfície pirâmide do Egito. (http://www.dinsmore.com.br)/92.
Fig.205- Gravura Carceri, de Piranesi. (http://www. naf.carleton.ca.com)/83. Fig.243- Niemeyer, Oscar: empena do Teatro de Brasília. (Foto Paulo
Fíg.206- Interior casa japonesa. (Plummer, 1995,p.137)/83. barnabé)/92.
Fig.207- Caverna. (http://www. Exploradoresbrasil.com br)/84. Fig.244 a 248- Detalhes superfície do volume externo do Palácio do Itamaraty,
Fig.208- Fogueira à noite. (Foto Paulo Barnabé)/85. Ministério da Educação, Banco Paulista do Comércio, Copan e edifício Oscar
Fig.209- Janela à noite (Foto Paulo Barnabé)/85. Niemeyer em Belo Horizonte. (Fotos Cristiano Mascaro e Paulo Barnabé)/93.
Fig.210 e 211- Niemeyer, Oscar: vistas externas do Congresso Nacional. (Fotos Fig.249- Irmãos Roberto: vista externa Edifício Resseguros. (Foto Paulo
Paulo Barnabé)/85 Barnabé)/93.
Fig.212- Niemeyer. Oscar: vista externa do Congresso Nacional (Fundação Fig.250 e 251- Irmãos Roberto: vista externa Edifício Seguradoras. (Ferraz, 1956,
ON)/85. pp.49 e 51J/93.
Fig.213- Niemeyer, Oscar: vista externa do Museu de Niterói. (Foto Paulo Fig.252- Irmãos Roberto, vista externa Edifício Finúsia. (Foto Paulo Barnabé)/94.
Barnabé)/86.
Fig.214- Niemeyer. Oscar: vista externa da Capela da Pampulha. (Mmdlin, 1956, Fig.253- Costa, Lúcio: detalhe externo um dos edifícios do Parque Guinle. (Foto
p.182)/86. Paulo Barnabé)/94.
Fig 215- Reidy, Affonso: vista externa do Teatro Popular Armando Gonzaga Fig.254 e 255- Levi, Rmo: vista externa e interna do Edifício Plavinil-Elclor.
(Ferraz. 2000, 143J/86. (Guerra, 2001, p.243)/95.
291

Farnsworfh.
Fig.256 e 257- Moreira, Jorge: vista externa e interna do Edifício Antonio Ceppas. Fig.294 e 295- Rohe, Mies van der: Pavilhão de Barcelona e casa
(Czajkowski, 1999, pp.76 e 81)/95. (http://www.dradio.de)/113.
Fig.296 e 297- Rohe, Mies van der: edifício Friedrichstrasse e Seagran.
Fig.258 e 259- Árvore projetando diferentes sombras conforme as horas do dia.
(Plammer, 1995, p.377)/96. (http://www.moma.org)/114. Savoye.
Fig.298, 299 e 300 Le Corbusier: Ville
Fig.260, 261 e 262- Reidy, Affonso: Interior circulação da escola do Conjunto
Pedregulho e pergolados da área do restaurante do MAM. (Fotos Paulo (http://www.todo.arquitetura.com)/ll5.
Fig.301- Pintura de Le Corbusier. (http://www.ac-amiens.fr)/115.
Barnabé)/96. Fig.302, 303 e 304- Wright. Frank Lloyd: casa Robie.
Fig.263- Levi, Rino: vista interna casa Milton Guper. (Guerra, 2001. p. 12)/96.
Fig.264- Bratke, Oswaldo. Vista externa casa Benjamim Fleider. (Segawa, 1997, (http://www.herbstours.com)/117.
Fig.305 e 306- Wright, Frank Lloyd: Edifícios da Adm. Jonhson e Larkin.
p.141)/96.
Fig.265- Costa. Lúcio: vista interna casa Paes de Carvalho. (Wisnik, 2001, (http://www.bc.edu)/117.
Fig.307- Wright, Frank Lloyd: Museu Guggenheim. (http7/www.aidem-
p.70)/97.
Fig.266- Costa, Lúcio: vista interna de um dos apartamentos do Parque Guinle. media.com)/118.
Fíg.308- Aurora Boreal. (http://www.mundoartico.com)/118.
(Foto Paulo Barnabé)/97. Fig.309- Aalto, Alvar: Pavilhão Finlandês em New York.
(http.7/www.architecturreweek.com)/118.
Fig.310- Aalto. Alvar: Biblioteca de Viipuri. (http://www.aroots.org)/119.
CAPÍTULO III Fig.311- Aalto, Alvar: Igreja de Vuoksenniska, Imatra. (Futagawa,1994, p.312)/119.
Fig.312- Croquis Villa Adriana - Le Corbusier. (http7/www.caad.arch.ethz.ch)/l20
A LUZ NATURAL E A ARQUITETURA- Fig.313- Vista interna Villa Adriana, Roma. (http7/www.cittavívaostuní.it)/120.
Fig.267- Templo de Horus, Egito. (http://www.egiptologia.org)/100. Fig.314 a 318- Le Corbusier: Vistas externas e internas da Capela de Ronchamp.
Fig 268- Templo de Amon em Karnak, Egito. (http://www.kirikou.com)/101L
(http.7/www.solohabíta.it)/121.
Fig.319, 320 e321- Le Corbusier: vistas internas da Capela de Ronchamp.
Fig.269- Hieróglifos no Templo de Horus, Egito. (http7/wvmegiptologia.org)/101.
Fig.270- Megaron dos Reis, Creta. (Kurtich. 1996, p.182)/102. (http.7/www.solohabita.it)/122.
Fig.271 - Parthenon grego. (http://www.school.ort.spb.ru)/103. Fíg.322, 323 e 324- Kahn, Louis I.: Hospital de Dacca, índia. (http7/www.tu-
Fig.272 e 273- Pantheon romano. (http://www.kevino.net)/103.
lottbus.de)/123.
Fig.325, 326 e 327- Kahn, Louis I.: Museu Kímbell. (http7/www.aroots.org)/124.
Fig 274- Igreja de Santa Sabina. (http://www.op.org)/104
Fig.275- Igreja de Santa Sofia. (http://www.columbia.edu)/104.___ Fíg.328- Recompensa do advinho - Chiríco. (http7/www.angelfire.com)/125.
Fig 276- Abadia de Le Thoronete. (http://www.planet-provence.co ) Fig.329- Tempestade - Magritte. (http.7/www.resderes.blogsport)/125.
Fig.277- Igreja de Chartres. (http://www.pandore.net)/105.
Fig.330 e 331- Casa Francisco Gilardi - Barragan. (http7/www.epdlp.com)/l25.
Fig 278- Mesquita de Córdoba (http://www.photoatlas.com)/Wb. Fíg.332- Barragan. Luís: Lãs Arbloledas. (http7/www.archíned.nl)/126.
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Fig 282- Bernini, Gian Lorenzo: colunata da Praça d CAPÍTULO IV
(http7/www.dva.de.)/107.
Fig.283- Borrommi, Francesco: Igreja San Cario alie
_ , ... n.,attr0 Fontane. AFig.334- NATURAL
LUZVista NA ARQUITETURA BRASILEIRA.
interna oca Yanomami ■ Casa 4 (foto de Claudia Andujar),
(http://www.italycyberguide.com)/107. çantí<;simo Sudário.
Fig.284- Guarim, Guanno: Capela do Santíssimo
Santíssimo http://www.proyanomami.org.br)/127
(Fig.335- .
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Fig.286- Paxton, Joseph: Palácio de Cristal. (http://www.livejounJ10 Fig.337- Croqui de Lúcio Costa. (Costa, 1997, p.453)/129.
Fig.338- Croquis planta, corte e elevações esquemáticas das casas coloniais
Fig.287- Horta. Victor: casa Solvay. (http://www.roland-collec ono )
brasileiras. (Reis Filho, 1976, p.30 - redesenho Paulo Barnabé)/130.
Fig 288- Wagner. Otto: Banco dos Correios, (http://www.ae.ou_a ) •
Fig.339, 340 e 341- Casa do sítio do Padre Inácio, Cotia, SP.
Fig.289- Loos, Adolf: casa Hans Moller (http://wwwclassic.arch n J Ít)/111.
Fig.290 e 291- Taut. Bruno: Pavilhão Cristal. (http://www.archdetturaamicM (http.7/www. Cotianet. com. br)/130.
Fig 292 e 293- Gropius, Walter: Fabrica Fagu
(http://www.anxo.org)/112.
292

Fig.342 e 343- Croquis planta e corte genéricos da casa do sítio do Padre Inácio. 1965, p.154)/154.
(Katmsky, 1972, p 28 - redesenho Paulo Barnabé)/131 Fig.391, 392 e 393- Vistas externas casa da rua Itápolis. (Ferraz, 1965. p.54 e
Fig.344- Vista intema da casa do sitio do Padre Inácio. (Hue. 1999,p.l84)/i31. 55)/155.
Fig 345- Croqui planta Igreja de Sào Francisco de Assis, Ouro preto. (Barroco, Fig.394- Vista interna casa da rua Itápolis. (Ferraz. 1965, p.96)/155.
n.17, 1993, p 302). Fig.395 a 398- Croquis plantas casa da rua Bahia (Ferraz, 1965, p.106 -
Fig.346, 347 e 348- Vistas externas da Igreja de São Francisco de Assis. Ouro redesenho Paulo Barnabé)/157
Preto. (Fotos Paulo Barnabé)/132 Fig.399- Vista frontal casa da rua Bahia. (Ferraz, 1965, p.107)/157.
Fig.349- Vista interna da Igreja de Sào Francisco de Assis, Ouro Preto Fig 400- Vista frontal casa da rua Bahia. (Foto Paulo Barnabé)/157.
(http://www.ouropreto.com.br)/132. Fig.401 e 402- Vistas externas casa da rua Bahia. (Ferraz, 1965, p.103)/158.
Fig.350 a 353- Vistas internas da Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto Fig.403- Vistas externas casa da rua Bahia. (Foto Paulo Barnabé)/158.
(Fotos Paulo Barnabé)/132 e 133 Fig.404 e 405- Vistas internas casa da rua Bahia. (Ferraz, 1965, p.108)/158.
Fig.354- Porta do Convento São Francisco. Salvador. (Hue, 1999, p.83)/134. Fig.406 e 407- Vistas internas casa da rua Bahia. (Fotos Paulo Barnabé)/159.
Fig.355- Muxarabí da Biblioteca de Diamantina. (Hue. 1999, p.17)/l34.
Fig.356- Porta acesso à Capela do sítio São Roque, SP. (Hue. 1999, p.180)/134.
Fig.357- Croqui um casarão do Maranhão - Lúcio Costa (Costa, 1997,
p.500)/135. LÚCIO COSTA
Fig.358- Vista externa da casa de Chica da Silva, Diamantina. (Foto Paulo Fig.408- Vista frontal casa E. G. Fontes (Costa, 1997)/160.
Barnabé)/135. Fig.409- Vista frontal vila operária Gamboa. (Wisnik.2001 ,p.11)/161.
Fig.359- Vista interna da casa de Chica da Silva, Diamantina (Hue, 1999, Fig.410- Perspectiva aérea casa Ronan Borges. (AU, n.38, out/nov, 1991, encarte
P.135)/135 central)/16l.
Fig.360, 361 e 362- Janelas em Ouro Preto. (Fotos Paulo Barnabé)/135. Fig.411- Perspectiva aérea Vila Operária Monlevade. (Wisnik, 2001, p.50)/162.
Fig.363- Sala de uma casa do século XIX. (Pires, 1995, p.128)/136. Fig.4l2-Vista frontal Pavilhão do Brasil na exposição de New York. (Wisnik, 2001,
Fig.364- Croquis da evolução das janelas brasileiras - Lúcio Costa. (Costa. 1997, p.65)/162.
p.161)/136. Fig.413 e 414- Vistas externa e interna do Jockey Clube. (Fotos Paulo
Fig.365 e 366- Vistas externas do MESP. (Czajkowski, 1999, pp.98 e 99)/142. Barnabé)/162.
Fig.367- Corte, planta do térreo e planta do pavimento intermediário do MESP Fig.415 e 416- Vistas internas e externa do Jockey Clube. (Fotos Paulo
(Ferraz. 2000, p.57)/143 Barnabé)/162.
Fig.368- Croqui do MESP - Le Corbusier. (http://www. Vitruvius.com.br)/143. Fig.417- Varanda casa Helena Costa (Wisnik, 2001, p.116)/164
Fig.369, 370 e 371- Acesso sob pilotis do MESP. (Fotos Paulo Bamabé)/144. Fig.418 e 419- Varanda e fachada frontal casa Helena Costa. (Projeto, n.104, out.,
Fig.372 e 373- Croquis do memorial do MESP - equipe brasileira. (Ferraz, 2000, 1987, p.115 e 119)/164.
p.56)/144 Fig.420 e 421- Vista externa e da área térrea de acesso da casa Barão de
Fig.374. 375 e 376- Bnses do MESP. (http://www. Vitruvius.com.br)/145. Saavedra. (Wisnik, 2001, pp.71 e 72)/164.
Fig.377- Croqui corte transversal de um pavimento tipo do MESP. (Paulo Fig.422- Vista fachada lateral da casa Barão de Saavedra. (Wisnik, 2001,
Barnabé)/145. p.40)/165.
Fig.378 a 385- Vistas internas do MESP. (Fotos Paulo Bamabé)/146 e 147. Fig.423, 424 e 425- Vistas internas casa Helena Costa - pátio, treliças e
muxarabis. (Wisnik, 2001, pp. 115, 116 e 118)/167.
Fig.426 e 428- Vistas internas casa de Luís Barragan. (Wisnik, 2001, p.39)/167.
CAPÍTULO V Fig.427 e 429- Vistas internas casa Helena Costa. (Wisnik, 2001. p.39)/167.
filWTETUM MODÊMIfi ttfiSILEIRfi. Fig.430 e 431- Vistas internas Hotel São Clemente em Friburgo, RJ. (Wisnik, 2001.
pp. 84e85)/168
Fig.386- Vista interna edifício Bristol, Parque Guinle. (Foto Paulo Barnabé)/150. Fig.432 e 433- Vistas externas parciais fachada frontal casa Paes de Carvalho -
muxarabis (AU, n.38, out/nov., 1991, p.81)/169.
Fig.434 e 435- Vistas internas casa Helena Costa e Barão Saavedra. (Wisnik,
2001, pp.118 e 73)/169.
GREQORI WRCHfiWHIlC Fig.436- Conversadeira do Monastério da Luz. SP (Hue, 1999, p.l75)/170.
Fig.387 e 388- Vistas internas casa da rua Santa Cruz. (Ferraz, 1965, p.51)/153. Fig.437- Conversadeira casa Barão de Saavedra. (Wisnik, 2001, p.73)/170.
Fig.389 e 390- Vista da varanda e do interior casa da rua Santa Cruz. (Ferraz, Fig.438- Vista interna casa Barão de Saavedra. (Wisnik, 2001, p.72)/170.
293
Fig.439 e 440- Croquis planta de implantação e planta de um apartamento tipo do
edifício Bristol, Parque Guinle. (AU, n.38, out/nov, 1991, pp.92 e 96 - redesenho Fig.482 e 484- Vistas internas casa Castor Delgado Perez. (Fotos Paulo
Paulo Bamabé)/171. Barnabé)/184.
Fig.441 e 442- Vistas externas do edifício Bristol. (Fotos Paulo Barnabé)/171. Fig.485 a 490- Vistas internas casa Castor Delgado Perez. (Fotos Paulo
Fig.443- Detalhe fachada frontal do edifício Bristol. (Foto Paulo Barnabé)/172. Barnabé)/! 85 e 186.
Fig.444- Detalhe fachada posterior do edifício Bristol. (Wisnik, 2001, p.98)/172.
Fig.445- Detalhe fachada frontal do edifício Caledônia. (Foto Paulo Barnabé)/172.
Fig.446- Pintura de Volpi. (http://www.galeriabrasil.com.br)/172.
Fig.447- Corte genérico de um apartamento do edifício Bristol. (Foto Paulo
Barnabé )/173.
IRMÃOS ROEERTO.
Fig.491- Vista externa frontal Aeroporto Santos Dumont.
Fig 448- Vista externa frontal do edifício Nova Cintra. (AU, n.38, out/nov, 1991, (http://www.vitruvius.com br)/188.
p.95)/174 Fig.492- Vista externa frontal Aeroporto Santos Dumont. (Foto Paulo
Fig 449- Vista externa frontal do edifício Nova Cintra. (Foto Paulo Barnabé)/174. Barnabé)/188.
Fig.450 e 451- Detalhe externo da escada posterior do edifício Nova Cintra. (Foto Fig.493 e 494- Vistas internas Aeroporto Santos Dumont. (Fotos Paulo
Paulo Barnabé)/174. Barnabé)/188.
Fig 452, 453 e 454- Vistas internas varanda do edifício Bristol. (AU, n.38, out/nov, Fig.495 e 496- Vistas externas edifício Instituto de Resseguros do Brasil. (Fotos
1991, pp.96, 98 e 103)/175. Paulo Bamabé)/189.
c '" .455, 456 e 457.
Fig 457- Vistas internas de um apartamento do edifício Bristol. (Fotos Fig.497 e 498- Vistas externas do edifício MMM Roberto. (Fotos Paulo
Paulo Barnabé)/175. Barnabé)/189.
'"C
Pig.458- . „di
Vista do térreo do edifício Bristol. (Foto Paulo Barnabé)/176. Fíg.499- Detalhe sistema de protetores solares do edifício MMM Roberto.
(Corbella, 2003, p. 145J/189.
Fig.500 e 501- Vistas externas do edifício das Seguradoras. (Fotos Paulo
Ag^fe 460-^stas internas casa Luiz Médid e edifício Guarani. (Guerra. 2001, Barnabé)/189.
Fig.502- Detalhe sistema de protetores solares do edifício das Seguradoras.
(Ferraz, 1956, p.58)/189.
Ag 4361-7Vista7!xterna Banco Paulista do Comércio. ^ot£ Fíg.503 e 504- Vista externa e detalhe do edifício Marquês de Herval.
(http.7/www.vitruvius.com.br)/190.
Fig.462 e 463- Vistas internas Banco Paulista do Comercio, (u Fig.505- Detalhe sistema de protetores solares do edifício Marquês de Herval.
(Bruand, 1981, p.180)/190.
Fig.464 e 465- Vistas internas Sedes Sapientiae. (Guerra-2°°1gPP 53 solares Cia Fig.506-Escultura de Amilcar de Castro. (httpV/www.ubm.brj/191.
Fig.466 e 467- Vista externa e detalhe aberturas com protetores Fig.507 e 508- Vistas externas do edifício Finúsia. (Fotos Paulo 8amabé)/191.
Fig.509- Vista externa bloco principal Colônia de Férias Resseguros.
Jardim de Cafés Finos. (Guerra, 2001, PP-52 e 123) • „ 2001. PP-204 e
(http.7/www. vitruvius.com. br)/192.
Fig. 468 e 469- Vista externa e interna edifício Concordia. (Guerra.
Fig.510- Planta térreo, pavimento tipo e corte genérico ABI. (Paulo Bamabé)/193.
Fig.511- Vista externa ABI. (Mindlin, 1956, p.216)/193.
Fig.470- Vista externa Banco Sul Americano. (Foto Pau'° Barnabé) Fig.512 e 513- Vistas externas ABI. (Fotos Paulo Barnabé)/193.
Fig.471- Vista externa Banco Sul Americano. (Guerra, , P_ $ e g6)/182. Fig.514 e 515- Vistas das varanda ABI. (Fotos Paulo Barnabé)/194.
Fig.472 e 473- Vistas internas casa Paulo Hess. (Acayaba, 1986, PP_0f0Z (Guerra, Fig.516 e 517- Vistas internas ABI - sala da presidência e biblioteca. (Mindlin,
Fig.474 e 475- Vista externa frontal e interna casa Castor ega 1956, p.217)/194.
2001, pp.234 e 237J/183. „ , perez- Fig.518. 519 e 520- Vistas internas ABI. (Fotos Paulo Barnabé)/195.
Fig.
F.n^vc — Croquis planta e corte casa Castor Delgado
476 e- 477-
(Paulo
Barnabé)/183.
Fig.478 e 479-
Barnabé)/184
Fig.480- Croqui
Croquis plantas baixas casacasa Castor
Castor Delaa Ao perez- ZPail
Delgado
(Pauloin ftffOMo evuftwo zeiDY.
Fig.521- Vista externa casa no bairro da Urca, RJ. (Ferraz, 2000, p.43)/l97.
r dUlU
Barnabé)/184 corte longitudinal casa Castor Delgado ?e<e Fig.522, 523 e 524- Vistas externa e internas do Albergue da Boa Vontade
rF'948l e 483- Vistas apa, 1986, (Ferraz, 2000, pp. 37 e 38J/197.
internas casa Castor Delgado Perez. (Aca Fig.525- Vista aérea do Conjunto Pedregulho. (Ferraz, 2000, p.89)/198.
PP113e 115)/i 84
294

Fig.526 e 527- Vista externa frontal e pátio do do restaurante MAM. (Ferraz. 2000. Fig.577- Croquis planta pavimento inferior e superior casa Oscar Americano.
pp. 181 e 175)/198 (Paulo Barnabé)/212.
Fig.528 a 533- Vistas externas do MAM. (Fotos Paulo Barnabé)/198 e 199. Fig.578- Planta de implantação casa Oscar Americano. (Segawa, 1997,
Fig.534 e 535- Croquis corte transversal e implantação do MAM (Ferraz. 2000, p.129)7212.
p. 168)7200. Fig.579- Croqui corte transversal genérico casa Oscar Americano. (Paulo
Fig.536- Croqui corte transversal do MAM. (Paulo Barnabé)/200. Barnabé)/212.
Fig.537 e 538- Vistas intemas do MAM. (Fotos Paulo Barnabé)/200. Fig. 580 a 583- Vistas externas casa Oscar Americano. (Fundação Oscar
Fig.539 e 540- Vistas intemas do MAM. (Fotos Paulo Barnabé)/2O1 Americano)/213
Fig.541- Vista interna do MAM. (Ferraz. 2000. p.176)7201. Fig.584- Vista externa casa Oscar Americano. (Foto Paulo Barnabé)/213.
Fiq.542 e 543- Pergolado do restaurante e elemento vazado dos ateliers do MAM Fig 585. 586 e 587- Vistas externas casa Oscar Americano. (Fundação Oscar
(Fotos Paulo Barnabé)/202 Americano)/214
Fig.544- Planta de implantação do Conjunto Pedregulho. (Ferraz. 2000, p.85)/202. Fig.588, 589 e 590- Vistas externas casa Oscar Americano. (Fotos Paulo
Fig.545- Vista externa Conjunto Pedregulho. (Ferraz, 2000, p 88)7202. Barnabé)/214.
Fig.546-Vista externa escola do Conjunto Pedregulho. (Ferraz. 2000, p.97)7203. Fig.591, 592 e 593- Vistas externas casa Oscar Americano. (Fundação Oscar
Fig.547 e 548- Detalhes painel de Portinari na fachada frontal da escola do Americano)/214.
Conjunto Pedregulho. (Fotos Paulo Bamabé)7203. Fig.594 a 600- Vistas internas casa Oscar Americano. (Fundação Oscar
Fig.549- Croqui corte genérico transversal e plantas de um apartamento tipo do Amencano)/214 e215.
bloco residencial curvo do Conjunto Pedregulho. (Paulo Barnabé)/203. Fig.601 e 602- Vistas interna e externa casa Oscar Americano. (Fotos Paulo
Fig.550- Vista externa do Conjunto Pedregulho. (Foto Paulo Barnabé)/204. Barnabé)/215.
Fig.55l-Croqui urbanização do Rio de Janeiro proposto por Le Corbusier. (Harnz, Fig.603, 604 e 605- Vistas externas pavilhão de lazer da casa Oscar Americano.
1987, capa)/204 (Fundação Oscar Americano)/215.
Fig.552 e 553- Croquis parciais fachada frontal e posterior do bloco residencial Fig.606 a 609- Vistas externas casa Oscar Americano. (Fotos Paulo Barnabé)/215.
curvo Conjunto Pedregulho. (http7/www.vitruvius.com.br)/204
Fig.554 e 555- Detalhe externo e interno do bloco residencial baixo do Conjunto
pedregulho. (Ferraz. 2000, pp.94 e 95)/204
Fig.556 e 557- Vista interna e de acesso exterior da escola do Conjunto JORCJÊ MACHADO MORCIRA.
Pedregulho. (Fotos Paulo Bamabé)/205. Fig.610- Vista externa frontal casa Izabel Silva (Czajkowski, 1999, p.45)/217.
Fig.558 e 559- Vista externa e interna da lavanderia do Conjunto Pedregulho. Fig.611, 612, 613 e 615- Vistas externas e interna casa Sérgio Corrêa da Costa.
(Ferraz, 2000, p.102)/205. (Czajkowski, 1999, pp.47, 52 e 53)/217.
Fig.560 e 561- Vista painéis de Burle Marx na recreação e sala da diretora da Fig.614- Croqui Le Corbusier. (Czajkowski, 1999, p.26)/217.
escola do Conjunto Pedregulho. (Fotos Paulo Barnabé)/205. Fig.616 e 617- Vista externa frontal e terraço casa Antomo Ceppas. (Czajkowski,
Fig.562- Vista externa bloco residencial curvo, área posterior do Conjunto 1999, pp.55 e 61 )/219
Pedregulho. (Ferraz, 2000, p.93)7206 Fig.618 e 619- Planta de implantação e vista aérea da Cidade Universitária da
UFRJ. (Czajkowski, 1999, pp.130 e 131)7220
Fig.620 e 621- Vista externa frontal e acesso Instituto de Puericultura e Pediatria.

MWLW g&ATKÊ. (Czajkowski, 1999, pp. 133 e 140)/221.


Fig.622 e 623- Vista interna rampas de acesso Instituto de Puericultura.
Fig.563- Desenho de Oswaldo Bratke. (Segawa. 1997, p.304)/207. (Czajkowski. 1999, pp.l34e 135)7221.
Fig.564- Casa da fase eclética de Oswaldo Bratke. (Segawa, 1997, p. 17)7208. Fig.624 e 625- Vista aérea e externa frontal da Faculdade de Engenharia.
Fig 564 e 566- Vista externa e interna da casa de Oswaldo Bratke no bairro do (Czajkowski, 1999, pp.144 e 145)7222.
Morumbi, SP. (Segawa, 1997, pp. 111 e 117)/208 Fig.626, 627 e 628- Vistas dos pilotis e átrio da Faculdade de Engenharia. (Fotos
Fig.567 e 568- Vistas externas brises do Hospital Serra do Navio. (Segawa, 1997, Paulo Barnabé)/222.
pp.250 e 254)7209. Fig.629, 630 e 631- Vistas areas de circulação Faculdade de Engenharia. (Fotos
Fig.569, 570 e 571- Croqui e vistas externas casa Ciccillo Matarazzo em Ubatuba, Paulo Barnabé)/223
SP. (Segawa, 1997, pp.157 e 160)7210. Fig.632, 633 e 634- Vistas internas painéis fechamento dos pátios Faculdade de
Fig.572 e 573- Vistas externas frontal-posterior e vista interna estar casa Fleider Engenharia. (Fotos Paulo Barnabé)/223.
(Segawa, 1997, pp.137, 138 e 140)7212. Fig.635 e 636- Plantas pavimento térreo e tipo da Faculdade de Arquitetura.
295
(Czajkowski, 1999, pp.152 e 153)7223.
Fig.690- Croqui corte transversal genérico casa de Canoas. (Paulo Barnabé)/238
Fig.637- Vista externa da Faculdade de Arquitetura (Czajkowski 1999 Fig.691 e 692- Vistas externas acesso casa de Canoas. (Fotos Paulo
p.l54)/224
Barnabé)/238.
Fig.638- Detalhe fachada Faculdade De Arquitetura. (Foto Paulo Barnabé)/224. Fig.693- Vista externa frontal casa de Canoas. (Foto Paulo Barnabé)/239.
Fig.639 e 640- Vistas acesso e pátio da Faculdade de Arquitetura. (Czajkowski Fig.694- Vista externa casa de Canoas - antiga. (Fundação Oscar Niemeyer)/239.
1999, pp. 149 e 155)7224. Fig.695- Vista externa casa de Canoas - atual. (AO, 1998. n.227, p. 103)7239.
Fig.641- Vista pilotis Faculdade de Arquitetura. (Foto Paulo Barnabé)/224. Fig.696- Croquis de Oscar Niemeyer da casa de Canoas. (Fundação Oscar
Fig.642- Vista interna átrio Faculdade de Arquitetura. (Czajkowski, 1999 Niemeyer)/239.
p.151)/224. Fig.697- Croquis da planta do térreo e do corte transversal da casa de Canoas.
Fig.643 a 652- Vistas internas da Faculdade de Arquitetura. (Fotos Paulo (Paulo bamabé)/240.
Barnabé)/225. Fig.698 e 699- Vista externa e interna casa de Canoas. (Fotos Paulo
Barnabé)/240.
Fig.700- Vista intema casa de Canoas. (Fotos Paulo Barnabé)/240.
Fig.701 e 702- Vista intema casa de Canoas. (Fotos Paulo bamabé)/241.
OSCAE NIEMêYêR,- Fig.703 e 704- Vistas externas posteriores térreo casa de Canoas. (Fotos Paulo
Fig.653- Croqui corte genérico Palácio do Alvorada. (Paulo Barnabé)/231. Barnabé)/241.
Fig.654- Vista frontal Palácio do Alvorada. (Fundação Oscar Niemeyer)/231. Fig.705 e 706- Vistas internas casa de Canoas - escada. (Fotos Paulo
Fig.655, 656 e 657- Vista externa, varanda de acesso e jardim com pergolas Barnabé)/241.
pavimento superior do edifício Presidente Humberto Castelo Branco em Curitiba. Fig.707, 708 e 709- vista vários tipos de aberturas casa de Canoas. (Fotos Paulo
Fotos Paulo Barnabé)/231. Barnabé)/242.
Fig.658- Vista interna Palácio do Planalto. (Petit. 1998, p.214)/232. Fig.710 e 711- Vista intema e externa casa de Canoas. (Fotos Paulo
Fig.659 e 660- Vistas internas do Palácio da Justiça e do edifício da Bienal, barnabé)/242.
Parque do Ibirapuera em São Paulo. (Fotos Paulo Barnabé)/232. Fig.712- Vista externa frontal casa de Canoas. (Fundação Oscar Niemeyer)/243.
Fig 661 e 662- Vistas externa e interna edifício Palácio das Artes, Parque do
Ibirapuera. (Fotos Nelson Kon)/232.
Fig.663- Vista interna edifício da Bienal. (Fundação Oscar Niemeyer)/232.
Fig.664- Vista interna edifício da Bienal. (Foto Paulo Barnabé)/232. wmow fiejtafií-
Fig 665- Vista intema Museu do índio. (Foto Paulo Barnabé)/233. Fig.713- Croqui casa Errazuris de Le Corbusier. (http7/www.arcoweb.com.br)/245.
Fig.666- Vista externa frontal Obra do Berço. (Petit, 1998, p.23)/233. Fig.714 e 715- Vistas externas casa Czapski e rodoviária de Londrina. (Ferraz,
Fig.667 e 668- Vistas externa e interna late Clube da Pampulha - brises. (Fotos 1997, pp.61 e69)/245.
Paulo Barnabé)/233. Fig.716- Croquis casa do arquiteto no bairro de Campo Belo, SP. (Paulo
Fig.669, 670 e 671- Vistas externas edifício Copan em São Paulo e Oscar Barnabé)/246.
Niemeyer em Belo Horizonte - brises. (Fotos Paulo Barnabé)/233. Fig.717- Vista interna da “Casinha". (Kamita, 2000, p.48)/246.
Fig 672- Vista interna Copan. (Foto Renato B. Rebouças)/234. Fig.718 a 722- Vistas internas da casa do arquiteto no bairro de Campo Belo, SP.
Fig.673 e 674- Vistas internas edifício Oscar Niemeyer. (AD, 1998, n.220, pp.6O e (Acayaba, 1987, pp.39 a 41)7246.
62)/234. Fig.723- Croqui casa Elza Berquó. (Paulo Bamabé)/247.
Fig.675 a 680- Vista interna Cassino da Pampulha. (Foto Paulo Barnabé)/234. Fig. 724- Vista intema casa Elza Berquó. (Kamita, 2000, p. 104)7247.
Fig 681 e 683- Vista interna Capela da Pampulha e externa Palácio Alvorada. Fig.725- Vista externa Ginásio de Itanhaém. (Ferraz. 1999, p.86)/248.
(Foto Paulo Barnabé)/235. Fig.726 e 727- Vistas externas Anhembi Tênis Clube. (Ferraz. 1999, p.96)/248.
Fig 682- Vista interna do Palácio da Alvorada. (Fundação Oscar Niemeyer)/235. Fig.728- Vista externa rodoviária de Jaú. (Ferraz, 1999, p. 178)7249.
Fig.684 e 685- Vista externa e interna do Palácio do Itamaraty. (Fotos Paulo Fig.729- Croqui rodoviária de Jaú. (Paulo Bamabé)/249.
Barnabé)/236. Fig.730 a 734- Vistas internas rodoviária de Jaú. (Fotos Paulo Barnabé)/249.
Fig.686- Vista externa frontal Congresso Nacional. (Foto Paulo Barnabé)/236. Fig.735- Vista intema Ginásio de Guarulhos. (Foto Nelson Kon)/250.
Fig.687- Vista interna Museu Niterói - janelas. (Foto Kadu Niemeyer)/237. Fig.736 e 737- Vistas internas casa Vitorino. (Ferraz, 1999, p. 124)7250.
Fig.688- Vista externa Museu Niterói - janelas. (Foto Paulo Barnabé)/237. Fig. 738- Vista externa casa Elza Berquó. (Acayaba, 1987, p.246)/250.
Fig.689- Croquis plantas pavimento térreo e inferior casa de Canoas. (Paulo Fig.739- Vista externa casa Elza Berquó. (Ferraz, 1999, p. 141)7250.
Barnabé)/237. Fig.740- Croqui Garagem de Barcos. (Paulo Bamabé)/251.
296

Fig 741 e 742- Vistas externas e interna Garagem de Barcos. (Ferraz, 1999, Fig.799- Croqui corte transversal esquemático do MASP (Paulo Barnabé)/265.
p. 100)7251 Fig 800, 801 e 802- Vistas externas e internas do MASP e SESC Pompéia. (Fotos
Fig 743- Vista externa casa Rubens de Mendonça (Foto Paulo Barnabé)/251. Nelson Kon)/265
Fig.744- Vista externa casa Olga Baeta (Ferraz, 1999. p.72)7251. Fig.803- Vista externa casa Valéria (Foto Nelson Kon)/266.
Fig.745 e 746- Vista externa e interna do Gmasio de Guarulhos. (Fotos Nelson Fig.804 e 805- Croquis plantas pavimento inferior e exterior Casa de vidro. (Paulo
Kon)/251. Barnabé)/266.
Fig.747 e 750- Vistas externas da FAU. (Ferraz. 1999. p.l07)/252 e 253 Fig 806- Croquis Casa de Vidro. (Paulo'Barnabé)7267
Fig.748 e 749- Vistas externas da FAU (Fotos Paulo Barnabé)/252 e 253 Fig .807- Croqui corte transversal esquemático Casa de Vidro. (Paulo
Fig.751- Geodo. (http://www.lendaviva combr)/253 Barnabé)/267.
Fig.752- Vista mtema da FAU. (Foto Paulo Barnabé)/253 Fig 808 a 811- Vistas externas Casa de Vidro - antigas (Instituto Lina Bo
Fig.753 e 754- Vista interna e varanda da biblioteca da FAU. (Fotos Paulo Bardi)/267 e 268
Barnabé)/254 Fig.812- Vista externa Casa de Vidro - atual (Foto Paulo Barnabé)7268.
Fig.755, 756 e 757- Vistas internas da FAU (Fotos Paulo Barnabé)/254 Fig.813. 814 e 815- Vistas exlernas Casa de Vidro - varanda e escada de acesso
Fig 758- Vista interna edifício Larkin de Wnght (Fotos Paulo Barnabé)/268.
(http://www architechgallery.com)/255 Fig 816 e 817- Vistas internas Casa de Vidro. (Fotos Paulo Barnabé)/269.
Fig.759 a 762- Vistas internas da FAU (Fotos Paulo Bamabé)/255. Fig.818 e 819- Vistas internas Casa de Vidro - antigas. (Instituto Lina Bo
Fig 763- Croqui corte transversal FAU. (Paulo Barnabé)/256 Bardi)/269.
Fig.764 a 767- Plantas baixas da FAU. (Kamita. 2000. pp.96 e 97)7256 Fig 820 a 825- Vistas internas Casa de Vidro (Fotos Paulo Barnabé)/270.
Fig.826 e 827- Vista externa e detalhe muro de arnmo Casa de Vidro. (Fotos
Paulo Bamabé)/270

UNA SO BAÍW-
Fig.768- Vista externa SESC Pompéia. (Instituto Lina Bo Bardi)7258
Fig.769- Vista intema SESC Pompéia. (Foto Paulo Bamabé)/258
Fig.770 e 771- Vistas internas SESC Pompéia. (Fotos Nelson Kon)/259
Fig 772- Vista interna Casa de Vidro. (Foto Paulo Barnabé)/261.
Fig.773- Vista interna Casa Valéria (Instituto Lma Bo Bardi)/261.
Fig.774- Vista interna restaurante Coaty, Salvador. (Foto Nelson Kon)/261.
Fig.775 e 776- Vistas internas SESC Pompéia. (Fotos Nelson Kon)/262
Fig.777- Vista interna restaurante Coaty, Salvador. (Foto Nelson Kon)/262.
Fig.778, 779 e 780- Vistas externa e internas do MASP (Fotos Nelson Kon)/262
Fig.781 e 782- Vistas internas do MASP (Fotos Nelson Kon)/262
Fig.783- Vista interna do MASP. (Instituto Lma Bo Bardi)/262
Fig.784- Vista aérea do MASP (Foto Nelson Kon)/262
Fig.785- Croqui corte longitudinal esquemático Igreja do Espírito Santo do
Serrado. (Paulo Barnabé)/263.
Fig.786- Vista externa da Igreja do Espirito Santo do Serrado. (Foto Nelson
Kon)/263.
Fig 787, 788 e 789- Vistas externas e interna da Igreja do Espirito Santo do
Serrado. (Fotos Nelson Kon)/263
Fig.790 e 791- Croquis de concepção da Igreja do Espírito Santo do Serrado
(Instituto Lina Bo Bardi)/264
Fig.792 a 795- Vistas externas e internas da Igreja do Espírito Santo do Serrado
(Fotos Nelson Kon)/264.
Fig.796 e 797- Vistas internas da Igreja do Espírito Santo do Serrado (Fotos
Nelson Kon)/264.
Fig. 798- Vista vão do MASP. (Foto Nelson Kon)/265
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